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Revisão

CEP - Colangite Esclerosante Primária

1. Definição

A colangite esclerosante primária é uma condição inflamatória crônica,


recorrente e progressiva do fígado e ductos biliares que leva à colestase, fibrose e
estreitamento das vias biliares intra e/ou extra-hepáticas. Essas alterações podem
culminar com doença hepática terminal, levando, muitas vezes, à necessidade de
transplante hepático. Devem-se excluir condições associadas à colangite esclerosante
secundária nesse contexto, como mostra a Tabela 1.

Colangite esclerosante Colangite esclerosante


primária secundária
 Coledocolitíase
 Infecções oportunistas (Colangite)
 Retocolite ulcerativa  Isquemia
 Doença de Chron  Trauma
 Hepatite autoimune  Neoplasias
 Anormalidades congênitas
 Doença celíaca
 HIV / HTLV
 Medicamentos: Fluxoridina

Tabela 1

2. Epidemiologia

A epidemiologia da CEP na população geral ainda não foi bem estabelecida. No


entanto, diversos estudos populacionais demonstram maior prevalência no sexo

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masculino, chegando a 70% dos casos. Entre esses, a média de idade ao diagnóstico gira
em torno de 41 anos (mais precocemente do que entre o sexo feminino). A relação com
doença inflamatória intestinal (DII), sobretudo com a retocolite ulcerativa (RCU), está
bem descrita, até 90% dos pacientes apresentam retocolite ulcerativa concomitante.
Existe forte associação genética para o desenvolvimento da CEP, de modo que parentes
de primeiro grau de pessoas com colangite esclerosante primária estão em maior risco
de acometimento. A sobrevida média sem transplante hepático após o diagnóstico é de
10 a 12 anos.

3. Fisiopatologia

A causa exata da CEP permanece desconhecida, entretanto postula-se uma forte


associação com etiologia autoimune primária, uma vez que o fenótipo da doença
engloba acometimento em outros sítios de natureza semelhante, a exemplo da colite
ulcerativa. Outrossim, entrada crônica e recorrente de bactérias na circulação portal e
acúmulo de ácidos biliares tóxicos (hidrofóbicos) podem levar ao dano hepático
progressivo.
Embora a associação entre CEP e RCU sugira uma patogênese comum, o tempo
de aparecimento dos dois distúrbios pode variar, não coexistindo obrigatoriamente em
um mesmo período. Ademais, uma pequena parcela de pessoas com RCU que não
apresenta CEP sugere investigação de outras etiologias possíveis para essa última.
Embora não esteja claro qual antígeno específico deflagra a resposta anormal do
sistema imune, algumas considerações a respeito dessa etiologia podem ser feitas:
• Existem evidências de anormalidades em ambas as respostas, humoral e celular;
• Observa-se elevação da fração IgM em até 50% dos casos. A fração IgG também
pode estar aumentada em uma parcela dos pacientes;
• Autoanticorpos estão frequentemente presentes, os mais comuns são o
anticorpo anti-músculo liso e anticorpos antinucleares;

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• Anticorpos dirigidos contra antígenos citoplasmáticos e nucleares de neutrófilos


com padrão perinuclear característico (P-ANCA) podem ser encontrados em até 80% dos
casos;
• Existe aumento de células T CD4+ no fígado;
• Células epiteliais ductais na CEP podem ser alvos do ataque autoimune;
• Células dos ductos biliares apresentam antígenos que reagem de forma cruzada
com células epiteliais do cólon;
Foi demonstrada a positividade P-ANCA em 25 a 30% dos parentes de 1º grau,
sem, no entanto, apresentarem evidência de doença. Prevalência aumentada de certos
antígenos relacionados ao MHC, como HLA-B8, -DR3 e -DRw52a, foi evidenciada,
sugerindo que CEP seja um distúrbio multifatorial, no qual indivíduos predispostos
geneticamente, quando expostos a estímulos ambientais específicos, deflagrem o inicio
da doença.
A doença é progressiva, levando a obliteração dos ductos biliares de pequeno,
médio e grande calibres.

4. Clínica

Pacientes com colangite esclerosante primária podem ser assintomáticos (50%


dos casos) e demonstrar um exame físico sem alterações, embora possam apresentar
doença avançada. Nesses casos, a suspeita advém de resultados de exames laboratoriais
hepáticos solicitados no seguimento de pacientes com DII, refletindo um padrão
colestático. Outros sinais e sintomas podem existir:
• Fadiga
• Prurido + escoriações
• Icterícia – Quando persistente, podem indicar doença avançada
• Febre + calafrios + suor noturno + dor em QSD – colangite aguda bacteriana
episódica

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A maioria dos pacientes com CEP tem RCU (tabela 1), destacando-se a pancolite
nesse grupo. Dessa forma, esses pacientes podem apresentar sintomas relacionados ao
acometimento da mucosa intestinal.

Três síndromes clínicas distintas podem ser encontradas na evolução da doença:


• Colestase com eventual cirrose biliar;
• Colangite recorrente e estenoses dos ductos de maior calibre;
• Colangiocarcinoma;

Sintomas Frequência

Apresentação assintomática 44 a 56%

Fadiga 43 a 75%

Prurido 25 a 59%

Icterícia, dor abdominal, perda 50% dos pacientes sintomáticos -


ponderal, hepatoesplenomegalia Doença avançada.

Complicações:

Progressivamente, a destruição contínua dos ductos biliares leva à doença hepática


terminal e outras complicações:
→ Em estágios avançados pode ocorrer a redução da absorção de lipídeos e de
vitaminas lipossolúveis (K, A, D, E) em consequência à colestase, expressando-se com
prolongamento do tempo de protrombina (déficit de vitamina K), cegueira noturna
(déficit de vitamina A), esteatorreia e doença osteometabólica (mais atribuída à DII).
Importante afastar pancreatite autoimune e doença celíaca nesse contexto.
→ À medida que CEP progride, os pacientes desenvolvem fibrose hepática
progressiva, resultando em cirrose e, consequentemente síndrome de hipertensão
portal (ascite, varizes e encefalopatia hepática).
→ Até 60% dos pacientes com CEP desenvolvem uma estenose dominante na
árvore biliar intra-hepática ou extra-hepática, na qual há estreitamento menor que

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1,5mm no ducto biliar comum ou menor que 1 mm nos ductos intra-hepáticos –


Importante afastar colangiocarcinoma nesse contexto.
→ Até um terço dos pacientes podem desenvolver colelitíase e/ou coledocolitíase,
predispondo ao aparecimento de colangite bacteriana. Cândida biliar pode estar
presente.
→ Indivíduos com CEP estão em maior risco para colangiocarcinoma, câncer de
vesícula biliar e carcinoma hepatocelular (no contexto de cirrose).
→ Pacientes com CEP e colite ulcerativa têm um risco aumentado de câncer de
cólon.

5. Diagnóstico

A colangite esclerosante primária deve ser suspeitada, especialmente, em


indivíduos com pancolite ulcerativa, que demonstram padrão colestático em exames
laboratoriais hepáticos, sobretudo a fosfatase alcalina (FA) – elevada em até 90% dos
pacientes. A inexistência de sintomas não torna remota a suspeita, já que metade dos
indivíduos pode ser assintomática, como descrito anteriormente.
As aminotransferases (ALT e AST) estão discretamente aumentadas e, em até
60% dos pacientes os níveis de bilirrubina são normais inicialmente, com elevação
progressiva, mostrando-se um importante fator prognóstico. Os autoanticorpos
antimúsculo liso e anti-nuclear são positivos em 22%, com pANCA tendo positividade
em ate 90% desses pacientes.

*O anticorpo anti-mitocôndria é raro na CEP, e sua positividade sugere o diagnóstico de


cirrose biliar primária, assim como, a presença de IgG4 sugere associação com
pancreatite autoimune 1.

O próximo passo é a obtenção de evidência colangiográficas das alterações


esperadas na CEP (estreitamento multifocal e dilatação dos ductos biliares intra e extra-

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hepáticos) excluindo-se concomitantemente causas secundárias para colangite


esclerosante (Tabela 1). Uma biópsia hepática pode corroborar para o diagnóstico,
porém raramente é necessária.
Os principais exames de imagem são:
• Colangiorressônancia – CPRM
• Colangiopancreatografia retrógrada endoscópica – CPRE
• Colangiografia trans-hepática percutânea – CTP
Por ser um método não invasivo e tendo a mesma precisão diagnóstica
comparada à CPRE, a CPRM é a primeira escolha para a investigação. A CTP é reservada
aos pacientes que não podem ser submetidos à CPRE, sendo, portanto, a última escolha.
A CPRE por ser a primeira escolha para os indivíduos impossibilitados de se
submeterem à CPRM, como os portadores de dispositivos metálicos, para diagnósticos
precoces (quando alterações iniciais estão presentes) e quando do acometimento de
grandes ductos.

CPRE http://www.hepcentro.com.br/colangite_esclerosante.htm CTP- https://mileon.wordpress.com/2011/03/06/resolucion-caso-


clinico-colangitis-esclerosante-primaria/

Na CEP clássica, as estenoses da árvore biliar podem ser focais, com áreas
normais, ou difusas, envolvendo segmentos longos. O acometimento intra e extra-
hepático concomitante parece ser o mais comum. A vesícula biliar e o ducto cístico
podem estar envolvidos.
A colangiografia é normal em uma pequena porcentagem de pacientes que têm
uma variante conhecida como “colangite esclerosante primária de ducto pequeno”.
Bioquímica e histologicamente é semelhante à apresentação clássica, mas parece
apresentar um prognóstico melhor. Nesses casos, uma biópsia hepática pode ser
necessária.

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A biópsia hepática também pode ser necessária para afastar outras condições,
como hepatite autoimune. As alterações histológicas possuem padrões distintos à
medida que a doença progride.
• Estágio I: Inflamação é confinada aos espaços portais.
• Estágio II: Hepatite e fibrose estendendo-se ao parênquima adjacente.
• Fase III: Fibrose em ponte.
• Fase IV: A cirrose e nódulos regenerativos.
Como dito anteriormente, faz-se necessário o diagnóstico diferencial com causas
de colangite esclerosante secundária, a exemplo da hepatite e pancreatite autoimunes.

PACIENTE COM RCU

ASSINTOMÁTICO FADIGA, PRURIDO, ICTERÍCIA

ELEVAÇÃO FA E/OU AST/ALT


CIRROSE BILIAR PRIMÁRIA AC ANTIMITOCÔNDRIA (+)

CTP
ESTENOSES DE ÁRVORE
PANCREATITE AUTOIMUNE 1 IGG4 (+) BILIAR
pANCA (+) CPRM

CPRE
BIÓPSIA HEPÁTICA

COLANGITE ESCLEROSANTE PRIMÁRIA

INFLAMAÇÃO / HEPATITE / FIBROSE / CIRROSE

6. Tratamento

Os objetivos do tratamento da CEP são a gestão da progressão da doença e suas


complicações, já que não há tratamento comprovado que retarde a sua evolução. O
transplante hepático é a única medida comprovadamente eficaz nesse controle.
A terapêutica da CEP é baseada em três pilares:
(1) Farmacológica
(2) Endoscópica
(3) Cirúrgica

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(1) Entre as opções farmacológicas não existem drogas com estudos conclusivos
que embasem o uso na prática clínica. Agentes imunossupressores e anti-inflamatórios
não mostraram alterar a história natural da doença, além de causarem efeitos adversos
prejudiciais. Exemplos de drogas estudadas são: ácido ursodesoxicólico, glicorticoides,
ciclosporina, metotrexato, tacrolimus, aztioprina, etanercept etc.
O ácido ursodesoxicólico (AUDC) é a droga mais estudada, tendo mostrado
melhora nas anormalidades bioquímicas relacionadas à colestase, em doses de até
15mg/Kg/dia, porém não mostrou benefícios na redução de mortalidade ou necessidade
de transplante hepático. Ademais, não mostrou controle de sintomas em longo prazo,
evidenciando alguns desfechos prejudiciais, sobretudo com administração de altas
doses. Atualmente não se recomenda seu uso rotineiramente.
Nenhum estudo conseguiu demonstrar benefício com o uso dos
glicocorticoides, mostrando-se prejudicial a longo prazo, sobretudo na
desmineralização óssea, já presente em indivíduos com DII e CEP. Pacientes com RCU
desenvolvem CEP a despeito do uso desses.
Alguns medicamentos podem ser usados para o controle dos sintomas e
complicações da CEP, como demonstrado abaixo.

Síndrome clinica Tratamento


Prurido Colestiramina, AUDC
Naltrexona, carbinóides
Hipercolesterolemia Colestiramina, Estatinas
Má absorção TG de cadeia média
vitaminas A, D, K ,E,
Osteopenia Cálcio, vitamina D, bisfosfonados

(2) Dentre as terapias endoscópicas, destacam-se a dilatação de estenoses


dominantes com ou sem colocação de stents, sobretudo na presença de prurido e/ou
colangite. A profilaxia antibiótica deve ser sempre empregada nesses casos.

(3) Entre as possibilidades cirúrgicas existem procedimentos reconstrutivos


biliares, proctocolectomia (em pacientes com colite ulcerativa) e transplante de fígado.

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Houve um entusiasmo inicial pela cirurgia biliar inicial, porém, a demonstração


da superioridade com o transplante hepático assim como o índice de complicações após
manipulação biliar faz com que, atualmente, as terapias cirúrgicas que não o
transplante hepático sejam evitadas. Exceção a isso é o acometimento exclusivo das
vias extra-hepáticas.
A proctocolectomia só deve ser realizada se for indicada devido à colite.
O transplante hepático é o tratamento de escolha para pacientes com doença
hepática avançada devido à CEP, encaminhados quando atingem 15 pontos ou mais no
escore MELD. A presença de colangiocarcionoma em exames colangiográficos pode
contraindicar o transplante hepático
Há algumas condições não prioritárias pelo MELD que podem indicar transplante
hepático:
• Colangite recorrente ou refratária
• Prurido intratável
A icterícia isolada, sem outros sinais de insuficiência hepática, não é indicação
absoluta para o transplante.
Os fatores de risco para recorrência após transplante, condição que acomete
cerca de 14 a 20% dos pacientes, incluem idade, incompatibilidade sexual, sexo
masculino, DII coexistente, presença de cólon intacto após transplante, citomegalovírus
(CMV), rejeição celular aguda recorrente, demonstrados em alguns estudos. Alguns
autores sugerem que a proctocolectomia antes ou durante o transplante do fígado pode
ser protetora para recorrência.

TRATAMENTO
ENDOSCÓPICO CIRÚRGICO

FARMACOLÓGICO
DILATAÇÃO TRANSPLANTE HEPÁTICO

Vitaminas A D K E AUDC
TG de cadeia média
SD. DISABSORTIVA

Colestiramina PRURIDO

HIPERCOLESTEROLEMIA Estatinas

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7. Considerações sobre prognóstico e rastreamento

Fatores prognósticos incluem idade, estágio histológico, hepatomegalia,


esplenomegalia, fosfatase alcalina sérica, bilirrubina sérica, presença de estenose do
ducto biliar dominante, doença inflamatória intestinal concomitante (DII) e cândida na
bile.
O escore de Mayo que considera algumas dessas variáveis correlaciona-se bem
com o prognóstico e sobrevida, o qual, aliado ao MELD, pode determinar o momento
do transplante.
Além do rastreio para o câncer prevalente com a idade, os pacientes com CEP
devem ser rastreados para neoplasias frequentemente relacionadas à doença, tais
como:
→ Colangiocarcinoma e câncer da vesícula biliar: USG de abdome anual;
RNM/CPRM + dosagem de CA 19-9 a cada 6 a 12 meses; colecistectomia na presença de
pólipos.
→ Câncer de Cólon: Indivíduos com DII devem ser submetidos à colonoscopia
anual ou bianual.
→ Carcinoma hepatocelular: Pacientes com cirrose devem ser rastreados para
CHC. USG abdome/TC + dosagem de alfafetoproteína.

Referências bibliográficas
1. Kowdley, MD, Primary sclerosing cholangitis: Epidemiology and pathogenesis. Uptodate.
http://www.uptodate.com (Accessed on August 22, 2018.)
2. Kowdley, MD, Primary sclerosing cholangitis: Clinical manifestations and diagnosis.
Uptodate. http://www.uptodate.com (Accessed on August 22, 2018.)
3. Kowdley, MD, Primary sclerosing cholangitis: Management. Uptodate.
http://www.uptodate.com (Accessed on August 22, 2018.)
4. GOLDMAN, Lee; AUSIELLO, Dennis. Cecil Medicina Interna. 24. ed. SaundersElsevier,
2012.

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