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ESTADO DO RIO DE JANEIRO


PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA
SEXTA CÂMARA CÍVEL

Apelação Cível nº 0006815-94.2018.8.19.0028


Apelante: PETRÓLEO BRASILEIRO S.A. - PETROBRAS
Apelado: GLACY GOMES BRIGIDA GABRIEL

RELATORA: DESEMBARGADORA TERESA DE ANDRADE

ACÓRDÃO
APELAÇÃO CÍVEL. ASSISTÊNCIA MULTIDISCIPLINAR À
SAÚDE. PETROBRÁS. AUTOGESTÃO. COMPETÊNCIA DA
JUSTIÇA ESTADUAL. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR. CANCELAMENTO EM RAZÃO
DE TER O BENEFICIÁRIO ALCAÇADO A IDADE LIMITE DE
DEPENDENTE. TRATAMENTO DE URGÊNCIA EM CURSO.
IMPOSSIBILIDADE DE CANCELAMENTO. PRECEDENTES
DO STJ. 1. Trata-se de recurso contra sentença que julgou
procedente o pedido, confirmando a antecipação da tutela
deferida, determinando a manutenção da condição de
beneficiária da autora da Assistência Multidisciplinar de Saúde
(AMS) até que encerrado o tratamento de seu filho. 2. Não
obstante a assistência de saúde seja concedida em razão do
contrato de trabalho, o mesmo não é matéria de discussão nos
presentes autos, o que afasta a competência da Justiça do
Trabalho. Precedentes STJ. Preliminar rejeitada. 3. A relação
trazida neste processo, embora envolva beneficiária de
assistência de saúde e entidade provedora desse benefício,
não é de consumo. Haja vista o fato de seus pacientes serem
restritos a certo grupo de empregados e ex empregados, não
se amoldam os serviços prestados na relação em tela ao
conceito encontrado no art. 3º, §2º, CDC, pois não oferecidos
ao mercado. 4. Contudo, estão incluídas na abrangência da Lei
nº 9.656/98 as entidades ou empresas que mantêm sistemas
de assistência à saúde, pela modalidade de autogestão ou de
administração, como é o caso dos autos, nos termos do art. 1º,
§ 2º da referida Lei. 5. Cinge-se a controvérsia em perquirir de
a autora possui o direito de se manter beneficiária da A.M.S.
como dependente de seu genitor após completar a idade limite
de 34 anos. 6. Regulamento que determina a perda da
qualidade de dependente quando o beneficiário completar 34
anos. Ciência da parte acerca da referida norma. 7. Contudo,
AAC 1

TERESA DE ANDRADE CASTRO NEVES:14583 Assinado em 07/02/2020 18:09:33


Local: GAB. DES(A). TERESA DE ANDRADE CASTRO NEVES
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considerando o conhecimento do estado gravídico da


segurada, bem como a condição patológica do nascituro, que
implica em acompanhamento especial, com cuidados
intensivos durante o período de gravidez, bem como na
necessidade de cirurgia urgente logo após o parto, não poderia
a Ré excluir a autora da condição de beneficiária do MAS. 8.
Considerando os fins sociais da lei, não se mostra razoável o
cancelamento da assistência à saúde em relação à apelada
durante o tratamento realizado, conforme dispões o art. 13,
parágrafo único, III da Lei. 9.656/98. 9. Precedentes do STJ
que "considera abusiva a rescisão contratual de plano de
saúde, por parte da operadora, independentemente do regime
de contratação (individual ou coletivo), durante o período em
que a parte segurada esteja submetida a tratamento médico de
emergência ou de urgência garantidor da sua sobrevivência
e/ou incolumidade física, em observância ao que estabelece o
art. 35-C da Lei n. 9.656/1998" (AgInt no AREsp 1.226.181/DF,
Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA
TURMA, julgado em 22/05/2018, DJe de 1º/06/2018). 10.
Sentença mantida. 11. NEGATIVA DE PROVIMENTO AO
RECURSO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0006815-


94.2018.8.19.0028 em que é Apelante PETRÓLEO BRASILEIRO S.A. –
PETROBRAS e Apelado GLACY GOMES BRIGIDA GABRIEL.

Acordam, por unanimidade, os Desembargadores da Sexta Câmara


Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro no sentido de
conhecer e NEGAR PROVIMENTO ao recurso, nos termos do voto da
Relatora.

RELATÓRIO

Cuida-se de ação de obrigação de fazer proposta por GLACY GOMES


BRIGIDA GABRIEL em face de ASSISTÊNCIA MULTIDISCIPLINAR DE
SAÚDE e PETRÓLEO BRASILEIRO S.A. – PETROBRAS, onde alega, em
síntese, que é dependente do seu genitor no planos de saúde da MAS. Narra
que 15 dias antes de completar 34 anos recebeu da parte ré correspondência
informando que seu plano seria cancelado no mês de junho de 2018, assim

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que fizesse aniversário, tendo em vista que atingiria o limite de idade para
dependência no plano de saúde oferecido. Conta que está desempregada,
sendo dependente financeira de seu genitor e estava grávida quando da
propositura da ação, e o nascituro possui patologia que envolve riscos
aumentados de mortalidade no período neonatal, necessitando da continuidade
da cobertura do plano de saúde. Narra que tentou contratar outros planos de
saúde, contudo o prazo mínimo de carência nos casos de gravidez é de 300
dias. Em razão disso, pretende a tutela jurisdicional para compelir a parte ré a
reestabelecer o plano de saúde da autora como dependente, para que possa
ter o devido tratamento durante sua gravidez e o período neonatal necessário.

Decisão (indexador 00032) deferindo a antecipação da tutela para


determinar que a ré ASSISTÊNCIA MULTICIPLINAR DE SAÚDE proceda à
reinclusão da parte autora e do nascituro no contrato do plano de saúde
como dependente do genitor da parte autora, Guilherme Santa Brigida, no
prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de multa diária equivalente a R$ 500,00
(quinhentos reais), desde já limitada a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

A sentença (indexador 000251) julgou procedente o pedido, confirmando


a antecipação da tutela deferida, determinando a manutenção da condição
de beneficiária da autora da Assistência Multidisciplinar de Saúde (AMS) até
que encerrado o tratamento de seu filho. Condenou os réus ao pagamento das
custas processuais e taxa judiciária, bem como dos honorários advocatícios,
fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa.

Inconformada, a ré PETROBRAS, apresentou recurso de apelação


(indexador 000342) alegando, em síntese, que a Assistência Multidisciplinar de
Saúde é programa de Autogestão instituído e administrado pela Petrobras, não
se encaixando nos moldes dos planos de saúde tradicionais e não possuindo
finalidade lucrativa. Defende a incompetência da Justiça Comum para o

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julgamento da causa, requerendo o declínio para a Justiça do Trabalho; bem


como a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. No mérito, aduz
que não praticou qualquer ato ilícito, uma vez que a exclusão da Apelante do
plano de saúde se deu de acordo com o previsto na Cláusula 30, § 9º do
Regulamento da A.M.S. Esclarece que a apelante tinha ciência acerca da data
limite para figurar como dependente do seu genitor como beneficiária da
PETROBRAS / A.M.S. Assevera que o desrespeito à norma acarretará
desequilíbrio contratual. Defende a inaplicabilidade da Lei 9.656/98, nos termos
do art. 10, § 3º. Requer, ao final, a reforma da sentença para que o pedido seja
julgado totalmente improcedente.

Contrarrazões apresentadas pela Apelada no indexador 000380.

É o relatório. Decido.

VOTO

O recurso interposto é tempestivo e guarda os demais requisitos de


admissibilidade.

Trata-se de recurso contra sentença que julgou procedente o pedido,


confirmando a antecipação da tutela deferida, determinando a manutenção da
condição de beneficiária da autora da Assistência Multidisciplinar de Saúde
(AMS) até que encerrado o tratamento de seu filho.

Inicialmente, cabe analisar a preliminar de incompetência para


julgamento da Justiça Comum alegada.

Alega a Apelante a incompetência da Justiça Estadual em razão da


matéria, afirmando ser de competência da Justiça do Trabalho o julgamento da
causa, pois o presente caso visa a manutenção de plano de saúde de que é
beneficiária, dependente de seu genitor, em razão do contrato de trabalho
deste com a PETROBRAS.
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Analisando os autos, depreende-se que o que visa a autora, ora


apelada, com esta ação é obter a cobertura do plano de saúde e manter o
tratamento durante o período de gravidez e neonatal, vez que o nascitura
possui patologia que envolve riscos aumentados de mortalidade.

Não obstante a assistência de saúde seja concedida em razão do


contrato de trabalho, o mesmo não é matéria de discussão nos presentes
autos, o que afasta a competência da Justiça do Trabalho.

Destaco o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre o


assunto, in verbis:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA


COMUM ESTADUAL E JUSTIÇA ESPECIALIZADA DO
TRABALHO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER.
MANUTENÇÃO DE EX-EMPREGADO APOSENTADO EM
PLANO DE SAÚDE COLETIVO DE ENTIDADE DE
AUTOGESTÃO VINCULADA AO EMPREGADOR. NATUREZA
PREDOMINANTEMENTE CIVIL DO LITÍGIO. 1. Conflito
negativo de competência suscitado pelo Juízo Trabalhista.
Conclusão ao gabinete em 10/04/2018.
2. O propósito do presente conflito consiste em definir a
competência para julgar controvérsias estabelecidas entre ex-
empregados (nas hipóteses de aposentadoria, rescisão ou
exoneração do contrato de trabalho sem justa causa) e
operadoras de plano de saúde na modalidade autogestão
vinculadas ao empregador, acerca do direito de manter a
condição de beneficiário, nas mesmas condições de cobertura
assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de
trabalho.
3. Se a demanda é movida com base em conflitos próprios da
relação empregatícia ou do pagamento de verbas dela
decorrentes, então a competência para seu julgamento será da
Justiça do Trabalho, de acordo com o art. 114, IX da CF/88.
4. Plano de saúde coletivo disponibilizado pelo empregador ao
empregado não é considerado salário, conforme disposto no
art. 458, §2º, IV da Consolidação das Leis Trabalhistas, em
redação dada pela Lei 10.243/01.
5. A operadora de plano de saúde de autogestão, vinculada à
instituição empregadora, é disciplinada no âmbito do sistema
de saúde suplementar, conforme disposto em Resolução
Normativa nº 137/06 da ANS.

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6. O fundamento jurídico para avaliar a procedência ou


improcedência do pedido está estritamente vinculado à
interpretação da Lei dos Planos de Saúde, sobretudo dos arts.
30 e 31.
7. Essas razões permitem concluir pela inexistência de
discussão sobre o contrato de trabalho ou de direitos
trabalhistas, mas um litígio acerca da manutenção ou não
do ex-empregado em plano de saúde coletivo, cuja
natureza é preponderantemente civil e não trabalhista.
8. Declarada a competência da Justiça comum Estadual para
julgamento da demanda.
(CC 157.664/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA
SEÇÃO, julgado em 23/05/2018, DJe 25/05/2018) (destaque
acrescido)

Afasto a preliminar de incompetência arguida.

Pois bem, a relação trazida neste processo, embora envolva beneficiária


de assistência de saúde e entidade provedora desse benefício, não é de
consumo. Haja vista o fato de seus pacientes serem restritos a certo grupo de
empregados e ex empregados, não se amoldam os serviços prestados na
relação em tela ao conceito encontrado no art. 3º, §2º, CDC, pois não
oferecidos ao mercado.

Nesse sentido, já decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.706.072 - RS (2017/0277424-9)


RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE :
GEAP AUTOGESTAO EM SAÚDE ADVOGADO : NELSON
WILIANS FRATONI RODRIGUES - SP128341 RECORRIDO :
LADI FERREIRA DA ROSA ADVOGADO : LEONARDO
SERRAT DE OLIVEIRA RAMOS - RS086423 PROCESSUAL
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE CONHECIMENTO.
PLANO DE SAÚDE. AUTOGESTÃO. APLICAÇÃO DO CDC.
ENTENDIMENTO EM DESARMONIA COM A
JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA 83/STJ. 1. A Segunda
Seção do STJ decidiu que não se aplica o Código de Defesa
do Consumidor ao contrato de plano de saúde administrado por
entidade de autogestão, por inexistência de relação de
consumo. 2. O acórdão recorrido que não adota a orientação
firmada pela jurisprudência do STJ merece reforma. 3. Recurso
especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.
DECISÃO Cuida-se de recurso especial interposto por GEAP
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AUTOGESTAO EM SAÚDE, com fundamento unicamente na


alínea a do permissivo constitucional. Recurso especial
interposto em: 27/06/2017 Conclusão ao Gabinete em:
08/11/2017. Ação: de conhecimento, ajuizada por LADI
FERREIRA DA ROSA, em face da recorrente, devido ao
reajuste abusivo de mensalidade praticado pela operadora de
plano de saúde de autogestão. Sentença: julgou improcedente
o pedido. Acórdão: deu parcial provimento à apelação
interposta pela recorrida, nos termos da seguinte ementa:
APELAÇÃO CÍVEL. SEGURO. PLANO DE SAÚDE.
APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
ENTIDADE DE AUTOGESTÃO. REAJUSTE DA
MENSALIDADE. ALTERAÇÃO UNILATERAL DO CONTRATO.
ABUSIVIDADE. 1. Trata-se de decisão recorrida publicada
após a data de 18/03/2016, quando entrou em vigor o Código
de Processo Civil de 2015, de modo que há a imediata
incidência no caso dos autos da legislação vigente, na forma
do artigo 1.046 do diploma processual precitado. 2. Os planos
e seguros de saúde estão submetidos às disposições do
Código de Defesa do Consumidor, enquanto relação de
consumo atinente ao mercado de prestação de serviços
médicos. Isto é o que se extrai da interpretação literal do art. 35
da Lei 9.656/98. Aliás, sobre o tema em lume o STJ editou a
súmula n. 469, dispondo esta que: aplica-se o Código de
Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde. 3. O
fato de o contrato ter sido entabulado com entidade de
autogestão não descaracteriza a relação como de consumo,
porquanto a ré se amolda na definição de fornecedor delineada
no artigo 3º, caput e a parte autora enquadra-se no conceito de
consumidor fornecido pelo artigo 2º, ambos do Código de
Defesa do Consumidor, sendo o serviço prestado mediante
remuneração. 4. A operadora de saúde não indicou os critérios
utilizados para determinar o reajuste em valor tão vultoso,
rompendo com o equilíbrio contratual, princípio elementar das
relações de consumo, a teor do que estabelece o artigo 4º,
inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, inviabilizando a
continuidade do contrato firmado com o demandante. 5.
Ademais, a alteração do contrato por meio de resolução
elaborada pela ré importa variação unilateral do preço, cláusula
nula de pleno direito, de acordo com o artigo 51, X do Código
de Defesa do Consumidor. 6. Destarte, tendo em vista que a
Resolução/GEAP/Interventor nº 02 também estabeleceu
reajuste diferenciado em função da idade do beneficiário,
cumpre salientar que o Estatuto do Idoso veda expressamente
a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança
de valores diferenciados em razão da idade, nos termos do seu
artigo 15, § 3º. 7. Havendo saldo em favor da parte devedora
no contrato, admite-se a repetição simples dos valores
indevidamente satisfeitos, observado o prazo prescricional
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decenal. Dado parcial provimento ao apelo. Embargos de


declaração: opostos pelo recorrente, foram rejeitados. Recurso
especial: alega violação dos arts. 1.030, do CPC/15; 10, § 3º,
15, 35, 35-G, da Lei 9.656/98 bem como dissídio
jurisprudencial. Afirma que é uma fundação sem fins lucrativos
administrada pelos próprios assistidos, motivo pelo qual não há
relação de consumo. Assevera que o reajuste por mudança de
faixa etária é válido, conforme precedente do STJ.
Admissibilidade: o recurso foi admitido pelo TJ/RS. RELATADO
O PROCESSO, DECIDE-SE. - Julgamento: CPC/15. - Da não
aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos planos de
saúde administrados por entidade de autogestão (Súmula
83/STJ) A Segunda Seção do STJ decidiu que não se aplica o
Código de Defesa do Consumidor ao contrato de plano de
saúde administrado por entidade de autogestão, por
inexistência de relação de consumo (REsp 1285483/PB, DJe
16/08/2016). Entre os fundamentos deste relevante
precedente, foram destacadas as peculiaridades próprias da
autogestão, que não permitem enquadrá-la no conceito de
fornecedor de serviço, haja vista: i) não possuir fins lucrativos;
ii) não ser exigível que ofereça plano-referência (art. 10, § 3º,
da LPS); iii) não disponibilizar o produto no mercado para
qualquer pessoa; iv) haver solidariedade na administração da
carteira, com interferência direta das coberturas e restrições
contratuais. Diante dessas características, a Segunda Seção
assentou que não se aplica a Súmula 469/STJ para as
operadoras de plano de saúde na modalidade autogestão,
afastando-se, portanto, as normas consumeristas para
solucionar a presente controvérsia. Dessa forma, ao
fundamentar o acórdão à luz do CDC, o TJ/RS contrariou o
entendimento consolidado no âmbito da Segunda Seção do
STJ, impondo-se o retorno dos autos ao Tribunal de origem
para novo julgamento da controvérsia, restando prejudicadas
as demais questões suscitadas no presente recurso. Forte
nessas razões, CONHEÇO PARCIALMENTE do recurso
especial e, nessa parte, DOU-LHE PROVIMENTO, com
fundamento no art. 255, § 4º, I e III, do RISTJ, para afastar a
incidência do CDC à hipótese e determinar o retorno dos autos
ao TJ/RS para novo julgamento do recurso de apelação.
Publique-se. Intimem-se. Brasília (DF), 30 de novembro de
2017. MINISTRA NANCY ANDRIGHI Relatora (STJ - REsp:
1706072 RS 2017/0277424-9, Relator: Ministra NANCY
ANDRIGHI, Data de Publicação: DJ 05/12/2017) (destaque
acrescido)
Contudo, estão incluídas na abrangência da Lei nº 9.656/98 as
entidades ou empresas que mantêm sistemas de assistência à saúde, pela

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modalidade de autogestão ou de administração, como é o caso dos autos, nos


termos do art. 1º, § 2º da referida Lei.

Art. 1o Submetem-se às disposições desta Lei as


pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de
assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da
legislação específica que rege a sua atividade, adotando-
se, para fins de aplicação das normas aqui estabelecidas,
as seguintes definições:
(...)
§ 2o Incluem-se na abrangência desta Lei as
cooperativas que operem os produtos de que tratam o
inciso I e o § 1o deste artigo, bem assim as entidades ou
empresas que mantêm sistemas de assistência à saúde,
pela modalidade de autogestão ou de
administração. (Redação dada pela Medida
Provisória nº 2.177-44, de 2001)

Pois bem, cinge-se a controvérsia em perquirir de a autora possui o


direito de se manter beneficiária da A.M.S. como dependente de seu genitor
após completar a idade limite de 34 anos.

Conforme previsão na Cláusula nº 17 do Regulamento, ao completar 34


anos o dependente perde uma das condições para se manter beneficiário do
programa.

Cláusula 17ª - A manutenção da AMS para


beneficiários dependentes filhos ou enteados acima de
21 anos, não universitários, bem como para aqueles
maiores de 24 anos, poderá ser ampliada até a idade de
34 anos, de acordo com as condições previstas neste
regulamento.

No mesmo sentido, a Cláusula 113º determina que perderá a condição


de beneficiário o dependente que completar 34 anos. Destaco:

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Cláusula 113ª – Haverá perda da condição de beneficiário


dependente da AMS quando:
(...)
VII. no caso de Beneficiário Dependente Filho ou enteado
mantido na AMS 28, completar 34 (trinta e quatro) anos;

Pois bem, toda e qualquer estipulação contratual deve ser norteada pelo
princípio da boa-fé objetiva, que se afere da observação da conduta ética entre
os contratantes.

Os contratos de adesão, ainda que não regidos pelo Código de Defesa


do Consumidor, possuem tratamento diferente para o aderente. Reconhece a
lei civil que aquele que adere ao contrato possui desvantagem em relação
àquele que redigiu o contrato.

Nesse sentido, podemos citar como exemplo o art. 423 do Código Civil,
o qual determina que quando houver no contrato de adesão cláusulas
ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável
ao aderente.

Infere-se que, ainda com mais razão nos contratos de adesão, as partes
devem ser devidamente informadas acerca das cláusulas contratuais, a fim de
resguardar a correta execução do contrato, de acordo com os princípios da
probidade e da boa fé, conforme determina o art. 422 do Código Civil.

Nesse ponto, vale frisar que se encontra devidamente estipulado no


Regulamento da Assistência Multidisciplinar de Saúde que o dependente
perderá essa qualidade quando completar 34 anos.

Ademais, conforme documento de fls. 229/230, o titular possuía plena


ciência de que o dependente seria excluído como beneficiário da MAS no
momento em que completasse a idade limite, sem possibilidade de
prorrogação. Destaco:

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Vale lembrar, ainda, que a dependente foi devidamente notificada


acerca da perda da qualidade de beneficiária, conforme correspondência de fls.
216.

Contudo, considerando o conhecimento do estado gravídico da


segurada, bem como a condição patológica do nascituro, que implica em
acompanhamento especial, com cuidados intensivos durante o período de
gravidez, bem como na necessidade de cirurgia urgente logo após o parto (fls.
23) não poderia a Ré excluir a autora da condição de beneficiária do MAS.

Considerando os fins sociais da lei, não se mostra razoável o


cancelamento da assistência à saúde em relação à apelada durante o
tratamento realizado, conforme dispões o art. 13, parágrafo único, III da Lei.
9.656/98.

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Destaco que este entendimento encontra consonância na jurisprudência


do e. Superior Tribunal de Justiça. Destaco:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PLANO DE


SAÚDE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO
OCORRÊNCIA. MANUTENÇÃO DE PLANO DE SAÚDE NA
MODALIDADE INDIVIDUAL OU FAMILIAR. RESILIÇÃO
UNILATERAL DO CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE
DURANTE O PERÍODO EM QUE A PARTE SEGURADA ESTÁ
SUBMETIDA A TRATAMENTO MÉDICO DE URGÊNCIA OU
DE EMERGÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Não ficou caracterizada a
alegada negativa de prestação jurisdicional, tendo o acórdão
recorrido solucionado a questão deduzida no processo de
forma satisfatória, sem incorrer nos vícios de obscuridade,
contradição ou omissão com relação a ponto controvertido
relevante, cujo exame pudesse levar a um diferente resultado
na prestação de tutela jurisdicional. 2. A jurisprudência desta
Corte "considera abusiva a rescisão contratual de plano de
saúde, por parte da operadora, independentemente do
regime de contratação (individual ou coletivo), durante o
período em que a parte segurada esteja submetida a
tratamento médico de emergência ou de urgência
garantidor da sua sobrevivência e/ou incolumidade física,
em observância ao que estabelece o art. 35-C da Lei n.
9.656/1998" (AgInt no AREsp 1.226.181/DF, Rel. Ministro
MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em
22/05/2018, DJe de 1º/06/2018).
3. No caso, o Tribunal de Justiça manteve a decisão primeva,
por estar comprovado que o autor, ora agravado, tem quadro
de saúde debilitado e necessita de tratamento em razão de
insuficiência renal crônica, circunstâncias que demandam
abordagem terapêutica continuada com sessões de
hemodiálise, 6 vezes por semana, com 2 horas de duração, em
clínica credenciada pela ré, ora agravante, conforme consta do
relatório médico, consignando que a operadora deve
disponibilizar plano individual ou familiar, sem necessidade de
novo período de carência.
4. Agravo interno desprovido.
(AgInt no REsp 1807410/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO,
QUARTA TURMA, julgado em 07/11/2019, DJe 03/12/2019)
(destaque acrescido)

Assim, entendo que não merece reforma a sentença prolatada.

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Diante do exposto, voto no sentindo de conhecer e NEGAR


PROVIMENTO ao recurso, mantendo a sentença prolatada pelos próprios
fundamentos.

Rio de Janeiro, de de 2019.

TERESA DE ANDRADE CASTRO NEVES


DESEMBARGADORA RELATORA

AAC 13

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