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RESUMO
A publicidade moderna tem a sua gênese vinculada às artes pictóricas e, nesse
diálogo com a tradição plástica, apropriou-se de obras consagradas. Artistas das
vanguardas do século XX também transpuseram para o universo da arte códigos,
signos, meios e linguagens tradicionalmente ligados à publicidade. Com base teórica
vinculada ao conceito de intermidialidade, este artigo pretende discutir
a relação entre artes visuais e publicidade e como os dois campos geraram
influências mútuas. É a partir dessa relação de intermidialidade que obras das artes
visuais foram transpostas para peças e campanhas publicitárias, e artistas como
Andy Warhol da Pop Art e a feminista contemporânea Bárbara Kruger utilizaram
signos e linguagens da publicidade, subvertendo-os e questionando a sociedade
consumista e capitalista.
ABSTRACT
Modern advertising has its genesis linked to the pictorial arts and together in this dialogue
with the plastic tradition, it has taken over enshrined works. Avant-garde artists of the
twentieth century also transposed to the world of art codes, signs, media and languages
traditionally linked to advertising. With theoretical base connected to the concept of
intermediality, this article discusses the relationship between visual arts and advertising,
and how the two fields have generated mutual influences. It is in this intermediality
relationship that the visual arts’ works have been transposed into pieces and advertising
campaigns, and artists such as Andy Warhol's Pop Art, and contemporary, as the feminist
Barbara Kruger, used signs and languages of advertising, subverting them and
questioning consumerist and capitalist society.
1
Artigo apresentado à disciplina Poéticas Contemporâneas e Relações Interartes do curso de
Mestrado em Estudos de Linguagens da Universidade Federal do Mato Grosso do sul
(MEL/CCHS/UFMS).
2
Jornalista, especialista em Imagem e Som, diretora de criação publicitária e aluna especial da
disciplina Poéticas Contemporâneas e Relação Interartes do Mestrado em Linguagens da UFMS –
nancisilva13@gmail.com.
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Doutora em Teoria Literária e Literatura Comparada. Professora do Programa de Pós-Graduação
dos Estudos em Linguagens, do Centro de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul (UFMS), Campo Grande, Mato Grosso do Sul.
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INTRODUÇÃO
Se é verdade que não é possível separar uma arte da outra, ainda mais num
cenário de surgimento e confluência de novas mídias, também é verdade que a
combinação de diferentes linguagens é uma forte tendência que, cada vez mais,
está atenuando as fronteiras entre manifestações artísticas e produções midiáticas.
É possível observar, ainda, que a intermidialidade – termo recente para um
fenômeno que, como relata Claus Clüver, esteve presente em todas as culturas e
épocas, tanto na vida cotidiana como em todas as atividades culturais que
chamamos de “arte” – expandiu-se e avançou para a publicidade. De acordo com
Clüver, “intermidialidade implica todos os tipos de inter-relação e interação entre
mídia 4 : uma metáfora frequentemente aplicada a esses processos que fala de
‘cruzar as fronteiras’ que separam as mídias” (CLÜVER, 2008, p. 9). Para avançar
na compreensão desse cruzamento de fronteiras intermidiáticas, Diniz (2011, p.28)
parte, primeiramente, da conceituação de intertextualidade, construída por Genette
para, depois, chegar ao conceito de intermidialidade:
conforme esclarece Müller, para “o ‘jogo de estar no entre-lugar’, um jogo com vários
valores ou parâmetros em termos de materialidades, formatos, ou gêneros e
significados” (MÜLLER, 2012, p. 83).
Neste contexto de cruzamento de fronteiras, as relações intercambiáveis
entre artes visuais e criações publicitárias são marcadas por exemplos que
remontam ainda o século XIX, como a criação de cartazes, por Jules Chéret e Henri
de Toulouse-Lautrec, para os cabarés na Paris do final do século XIX, sobretudo o
Moulin Rouge.
Lautrec, ao criar os cartazes de divulgação da temporada de 1891 do Moulin
Rouge (fig.1), antecipa em Paris o segredo da moderna publicidade. O artista
francês revoluciona o design gráfico e faz da relação entre arte e publicidade uma
combinação de imagem e texto, primando pela mensagem direta e pela utilização de
recursos gráficos atraentes, como curvas, cores e sombras e, assim, inaugura na
linguagem publicitária uma composição de signos que vai além de mostrar o
produto: passa a dialogar com o imaginário do público, sugerindo e seduzindo-o
para uma ação.
uma peça publicitária, por exemplo, ela não vem apenas como uma recriação. À
tradução são associados outros ícones gráficos, geralmente uma combinação de
texto verbais (slogans, informações sobre o produto) e não verbais (fotografias,
logotipos) para atender à construção de um conceito e à intencionalidade de se
relacionar a marca a um comportamento, despertando no público-alvo (target5) uma
adesão ao que se propõe na campanha. Por essa razão, a imagem não é apenas
um texto a ser lido, mas um texto que incorpora valores e referência de outros textos
que, juntos, compõem os sistemas de significações. Assim, o novo texto se constitui
num texto intersemiótico ou intermídia que, no conceito de Clüver, é aquele que
“recorre a dois ou mais sistemas de signos e/ou mídias de uma forma tal que os
aspectos visuais e/ou musicais, verbais, cinéticos e performativos dos seus signos
se tornam inseparáveis” (CLÜVER, 2008, p. 20).
Neste diálogo com a tradição pictórica, temos o exemplo do afresco A Última
Ceia, do renascentista Leonardo da Vinci (1495 a 1497), pintado no convento de
Santa Maria delle Grazie, em Milão, uma transposição semiótica feita a partir do
texto bíblico e a primeira obra da história a ser reproduzida em massa, o que
inspirou a criação, em 2013, de cartazes publicitários, vídeos e peças digitais da
campanha Salvador Rocks, da marca brasileira Cavalera (fig. 2).
Figura 2: Peça publicitária eletrônica da Campanha Salvador Rocks, 2013, Cavalera, Brasil.
Fonte: CAVALERA.
[...] é inevitável que uma tradução não seja equivalente ao original, e que,
ao mesmo tempo, contenha algo a mais ou a menos que o original [...] Toda
tradução oferece, de maneira inevitável, mais e menos que o texto original.
O acerto do tradutor depende [...] também das decisões que toma quanto ao
que pode ser sacrificado. (CLÜVER, 1989, p. 61).
guiando o povo, 260 cm x 325 cm, Museu do Louvre, Paris, no cartaz publicitário
POWERevolution, para a Cotton Joy, é feita, por meio da fotografia de uma jovem
empunhando um grande tecido laranja e atrás uma multidão carregando peças de
tecidos como se fossem cartazes (fig. 4). A imagem do cartaz remete o leitor à obra
de Delacroix e à ideia de revolução. A pintura de Delacroix não está no cartaz, mas
podemos percebê-la porque o “significado do signo nos é transmitido não por sua
aparência geral, mas por aquilo que se conhece como características
identificadoras.” (GOMBRICH, 2007, apud ESTEVES; CARDOSO, p. 166).
6
João Fernandes. Subdiretor artístico e curador principal do Museu Nacional Centro de Arte Rainha
Sofia (Madrid) desde 2012. Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas pela Universidade de
Porto.
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Warhol pretendia tornar a sua arte o mais industrial possível, usando métodos
de produção em massa. Depois, paradoxal e ironicamente, é a própria publicidade
que vai se apropriar de Warhol para vender produtos e marcas e despertar no
público o desejo pelo consumo.
Como fotógrafa, Kruger trabalha não somente com a criação de imagens, mas
também com colagem e montagens, unindo fotografia e textos e, por meio dessa
manipulação, dá outros sentidos às suas criações. Utilizando a linguagem
publicitária para combater as mensagens que a própria publicidade anuncia, ela
utiliza a arte como espaço de combate, subvertendo a sua linguagem e contestando
a sociedade capitalista e suas desigualdades, especialmente a de gênero.7
Ao analisar a obra de Kruger, Rod Slemmons afirma:
[...] Barbara Kruger combinou uma linguagem muito simples que ultrapassa
os lugares comuns, com imagens que também são de lugares comuns e
que as toma emprestadas de diversos meios para criar sofisticadas
afirmações feministas. [...] Kruger aperfeiçoou a composição de texto e
imagem recorrendo a eficazes estratégias publicitárias e à propaganda
política. Mas não perdeu de vista sua agenda social primeira. (SLEMMONS,
2004, p. 32).
7
O conceito de gênero, que foi desenvolvido pela teoria feminista na década de 1980 e mais tarde
rediscutido por Scott (1990, p. 5), refere-se a um sistema de relações de poder baseadas num
conjunto de qualidades, papéis, identidades e comportamentos opostos atribuídos a mulheres e
homens. As relações de gênero são determinadas pelo contexto social, cultural, político e econômico.
Enquanto sexo é determinado pela natureza, pela biologia, o gênero é construído historicamente,
sendo, portanto, variável e mutável.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
______. Inter textus/ Inter artes/ Inter media. v. 1-5, n.14, pp. 11-41. Aletria, Belo
Horizonte, 2006b.
GAULI, Juan Carlos Pérez. La Publicidad como Arte y el Arte como Publicidade. In:
Arte, Individuo y Sociedad, n. 10. Serviço de Publicaciones. Universidad
Complutense, Madrid, 1998.
SCOTT, Joan W. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. In: Educação e
Realidade, vol. 16, n. 2, Porto Alegre, jul./dez. 1990.
SLEMMONS, Rod. Entre el lenguaje y la percepción. In: Revista Exit, n. 16, pp. 24-
34, 2004.