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INSTITUTO SUPERIOR DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Curso de Licenciatura em Relações Internacionais e Diplomacia

Tabalho de Conclusão de Licenciatura

TEMA:

VIOLÊNCIA XENÓFOBA NA ÁFRICA DO SUL E SEU IMPACTO PARA O


PROCESSO DE INTEGRAÇÃO REGIONAL NA SADC

O Candidato: Pendegrêncio Paulo Cossa A Supervisora: Iracema William Matsinhe, M.A

Maputo, Abril de 2018


Curso de Licenciatura em Relações Internacionais e Diplomacia

Tabalho de Conclusão de Licenciatura

TEMA:

VIOLÊNCIA XENÓFOBA NA ÁFRICA DO SUL E SEU IMPACTO PARA O


PROCESSO DE INTEGRAÇÃO REGIONAL NA SADC

O Candidato: Pendegrêncio P. Cossa A Supervisora: Iracema W. Matsinhe, M.A

Maputo, Abril de 2018


DECLARAÇÃO DE AUTORIA

“Eu, Pendegrêncio Paulo Cossa, declaro, por minha honra, que o presente trabalho é inteiramente
da minha autoria, o seu conteúdo é original e todas fontes consultadas estão devidamente
mencionadas no texto, nas notas de rodapé e nas referências bibliográficas.

Declaro ainda que, o presente trabalho nunca foi anteriormente apresentado para avaliação em
alguma instituição de ensino superior, nacional ou de outro país para obtenção de qualquer grau
académico”.

O Candidato

__________________________________
Pendegrêncio Paulo Cossa
TERMO DE RESPONSABILIZAÇÃO

Trabalho a ser submetido ao Instituto Superior de Relações Internacionais (ISRI) como


cumprimento parcial dos requisitos necessários para obtenção do grau de Licenciatura em
Relações Internacionais e Diplomacia.

O Candidato A Supervisora

___________________ ___________________
Pendegrêncio Paulo Cossa Iracema William Matsinhe, M.A
ÍNDICE

AGRADECIMENTOS…………………………………………………………………………………....… i
DEDICATÓRIA………………………………………………………………………………………..…... ii
LISTA DE ABREVIATURAS………………………...…………………………………….................… iii
ÍNDICE DE IMAGENS E TABELAS………………………………………………………………..….. iv
SUMÁRIO EXECUTIVO…………………..…….……………………………………..………... v

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 1
Contextualização ......................................................................................................................... 1
Justificativa.................................................................................................................................. 2
Problematização .......................................................................................................................... 2
Objectivos.................................................................................................................................... 4
Geral: ....................................................................................................................................... 4
Específicos: .............................................................................................................................. 4
Questões de pesquisa ................................................................................................................... 4
Metodologia ................................................................................................................................ 5
Métodos de Pesquisa: .............................................................................................................. 5
Técnicas de Pesquisa: .............................................................................................................. 6
Limitações da Pesquisa:........................................................................................................... 6
Estrutura do Trabalho .................................................................................................................. 6

CAPÍTULO 1 ................................................................................................................................ 8
REFERENCIAL TEÓRICO E MARCO CONCEPTUAL ...................................................... 8
1.1. Referencial Teórico .............................................................................................................. 8
Teoria Institucionalista ............................................................................................................ 8
Teoria da Privação Relativa ................................................................................................... 10
Teoria da Violência Étnica .................................................................................................... 10
1.2. Marco Conceptual .............................................................................................................. 14
1.2.1. Integração Regional ..................................................................................................... 14
1.2.2. Violência Xenófoba ..................................................................................................... 15

CAPÍTULO 2 .............................................................................................................................. 17
CAUSAS DA VIOLÊNCIA XENÓFOBA NA ÁFRICA DO SUL ......................................... 17
2.1. Breve Descrição da África do Sul ...................................................................................... 17
2.2. Abordagem Contextual da Violência Xenófoba na África do Sul ..................................... 18
2.3. Causas da Violência Xenófoba na África do Sul ............................................................... 20
a) Causas Históricas: ............................................................................................................. 20
b) Causas Sociais ................................................................................................................... 25
c) Causas Políticas: ................................................................................................................ 26
d) Causas Económicas: .......................................................................................................... 26
e) Declaradas/Publicitadas:.................................................................................................... 31
f) Reais/Operacionais: ........................................................................................................... 32

CAPÍTULO 3 .............................................................................................................................. 17
REACÇÃO DA SADC FACE À VIOLÊNCIA XENÓFOBA NA ÁFRICA DO SUL ......... 33
3.1. Breves descrições sobre a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral
(SADC)...................................................................................................................................... 33
3.2. Legalidade Institucional da SADC ..................................................................................... 35
3.3. Princípios que norteiam a SADC ....................................................................................... 35
3.4. Objectivos da SADC .......................................................................................................... 36
3.5. Missão e Visão da SADC ................................................................................................... 36
3.6. Reacção da SADC. ............................................................................................................. 37

CAPÍTULO 4 .............................................................................................................................. 40
REACÇÃO DOS ESTADOS CUJOS POVOS FORAM VÍCTIMAS DA VIOLÊNCIA
XENÓFOBA NA AFRICA DO SUL ......................................................................................... 40
4.1. Reacção dos Estados cujos Povos foram Víctimas da Violência Xenófoba na África do
Sul………………………………………………………………………………………………..46
a) Reacção de Moçambique ................................................................................................... 40
b) Reacção de Zimbabwe ...................................................................................................... 42
d) Reacção da Nigéria............................................................................................................ 44
4.2. Impacto Da Violência Xenófoba Na África Do Sul Sobre O Processo De Integração
Regional Na Sadc…………………………….…………………………………………………..46
a) A Nível Social: .................................................................................................................. 47
b) A Nível Político:................................................................................................................ 47
c) A Nível Económico: .......................................................................................................... 48

GENERALIZAÇÕES E RECOMENDAÇÕES………………………………......………….49

LISTA DE REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 52


Fontes Primárias ........................................................................................................................ 52
Fontes Secundárias .................................................................................................................... 53

ANEXOS ...................................................................................................................................... 58
Anexo I. Questionário para Entrevista .......................................................................................... 58
Anexo II. Modelo Básico De Rebelião ......................................................................................... 59
Anexo III. Uma Das Lojas De Origem Sul-Africana em Malawi ................................................ 60
Anexo IV. Marcha Contra Violência Xenófoba ........................................................................... 61
Anexo V. Vítimas De Violência Xenófoba .................................................................................. 62
AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo dom da vida e por ter iluminado a minha trajectória, o que me permitiu concretizar
este sonho.
Aos meus Pais Paulo Veração Cossa e Micaela Manuel Sengo pelo sacrifício por eles feito para
que eu pudesse estudar.
Aos meus avós, Manuel Sengo e Amélia Sengo pelo incentivo.
Aos meus irmãos, Fauzia Cossa, Endro Cossa, Aivénio Cossa e Ajacência Cossa, pelo apoio
incondicional.
Aos meus Tios, em especial Figueiredo Sengo, Marta Sengo e Clara Sengo, por tudo que fizeram
por mim.
Durante o percurso académico, diversas foram as pessoas que, directa ou indirectamente,
contribuíram para o meu sucesso, aos professores do curso de Relações Internacionais e
Diplomacia, em especial a Mestre Iracema William Matsinhe, agradeço imensamente pela
partilha de conhecimentos durante as aulas nas cadeiras de Estudos da Política Externa de
Moçambique e Estudos da SADC e contribuições imensuráveis para a presente pesquisa na
qualidade de supervisora.
Aos entrevistados, em especial Bitone Viage e Joaquim Samacais e aos funcionários afectos à
Biblioteca Joaquim Chissano do Instituto Superior de Relações Internacionais pela colaboração
durante a recolha de informações para a presente pesquisa.
A todos amigos e colegas do curso de Licenciatura em Relações Internacionais e Diplomacia
(turma de 2013) pela oportunidade de aprendizagem e partilha de conhecimentos, pelo incentivo
na escolha do tema e pelas preciosas sugestões, em especial ao Édio Nhamoneque, Elisabete
Machava, Fiel Cipriano, Juliana Chanfar, Marta Vanessa, Mauro Fumo, Nilzo Coelho, Cesaltina
Quaresma, Helena Nhamussua e tantos outros.
Aos meus colegas de serviço, pelo apoio e compreensão nos momentos em que tive que
ausentar-me durante a hora laboral, em especial aos Senhores Gabriel Chemane, Margarida Sitoe
e Gracinda Salatiel.
A todos que, de forma directa ou indirecta fizeram parte da minha formação vai o meu profundo
agradecimento.

i
DEDICATÓRIA

Dedico o presente trabalho à todas famílias que directa ou indirectamente foram vítimas da
violência xenófoba na África do Sul, a toda família Cossa e Sengo pelo apoio.
A minha avó Etelvina Cossa (em memória), por ter-me incentivado nos meus primeiros passos
na vida académica, fazendo-me acreditar que só através da educação teria um futuro melhor.

ii
LISTA DE SIGLAS E ACRÓNOMOS

ANC- Congresso Nacional Africano1.

ASEAN- Associação de Nações do Sudeste Asiático2.

CAN- Comunidade Andina das Nações.

CEA- Comunidade Económica Africana.

HIV/AIDS- Vírus da Imunodeficiência Humana/ Síndrome da Imunodeficiência Adquirida3.

IR- Integração Regional.

MERCOSUL- Mercado Comum do Sul.

NAFTA- Tratado Norte-Americano de Comércio.

PR- Privação Relativa.

RSA- República Sul Africana.

SAARC- Associação Sul-Asiática para Cooperação.

SADC- Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral 4.

TI- Teoria Institucionalista.

TPR- Teoria de Privação Relativa.

TVE- Teoria da Violência Étnica.

UA- União Africana.

VX- Violência Xenófoba.

ZLC- Zona de Livre Comércio.

1
African National Congress.
2
Association of Southeast Asian Nations.
3
Human Immunodeficiency Virus/ Acquired Immune Deficiency Syndrome.
4
Southern Africa Development Community.

iii
ÍNDICE DE IMAGENS E TABELAS

Títulos Páginas

Imagem 1: Mapa da África do Sul…………………………………………..…………….…….17

Imagem 2: Algumas leis de segregação racial ……………….……............................................22

Imagem 3: Mapa dos Bantustões………………………………………………………………24

Imagem 4: Mapa da SADC………………………………………………….…………………..34

Tabela 1: Índice de Desenvolvimento Humano Sul-africano (1990 a 2015) …………….….….29

iv
SUMÁRIO EXECUTIVO

O presente trabalho versa sobre “Violência Xenófoba na África do Sul e seu Impacto para o
Processo de Integração Regional na SADC”. A presente monografia apresenta uma breve
contextualização acerca da violência xenófoba na África do sul, focando-se nas violências de
2008 e de 2015. Partindo das causas históricas, políticas, sociais e económicas desta violência,
até aos posicionamentos tomados pela própria organização regional e pelos Estados cujos povos
foram vítimas desta violência, o objectivo da presente pesquisa é de evidenciar o impacto que a
violência xenófoba pode causar durante o processo de integração regional na SADC, ora
inacabado. Para o efeito, faz-se o uso dos métodos histórico e monográfico, auxiliados pelas
técnicas documental e entrevista. E como toda pesquisa científica precisa auxiliar-se em Teorias,
a presente pesquisa socorre-se das teorias usadas no campo de estudo das Relações
Internacionais e em Sociologia, em particular as teorias Institucionalista, Privação Relativa e
Violência Étnica, respectivamente.

Palavras-chave: Integração Regional e Violência Xenófoba.

v
EPÍGRAFE

“Se os países africanos continuarem com os problemas que comprometem a unidade nacional,
onde cada grupo só olha para a sua tribo, etnia, região, religião ou cultura, os projectos traçados
pelos governos nacionais, pelas organizações regionais, como, por exemplo, a SADC, e pelas
organizações continentais, como a própria UA, não terão resultados desejados”.

Vassoa, Afonso Vaz (2010: 89)5

5
Vassoa, Afonso Vaz. (2010). Comunicação Social e Relações Interculturais: Desafios e Oportunidades da África
Contemporânea. 1ª Edição. Editorial Ndija. Maputo-Moçambique.

vi
INTRODUÇÃO

O presente trabalho objectiva um estudo sobre a “ Violência Xenófoba na África do Sul e seu
Impacto para o Processo de Integração Regional na SADC”. Tem como delimitação espacial a
Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), concretamente a República
Sul-africana (RSA) por ser o local da ocorrência de violência xenófoba e compreende o período
entre 2008 a 2015. A escolha do ano de 2008 deve-se ao facto de ter sido o ano em que se
verificaram as primeiras manifestações xenófobas mais violentas e reportadas nos meios de
comunicação social a nível internacional. E 2015 concerne ao ano em que a violência Xenófoba
(VX) se repetiu na RSA.

Contextualização
A presente pesquisa insere-se num contexto em que, resultante da quebra do banco de
investimentos Lehman Brothers 6 verifica-se a maior crise económica mundial desde 1929
(Caldeira, 2011: s/p) 7 . Ademais, o mundo vive uma onda de globalização, onde assistem-se
crescentes migrações de pessoas, especialmente de países menos desenvolvidos 8 para lugares
onde podem encontrar melhores condições de vida e o terrorismo internacional entrou na moda e
tem servido, em alguns casos, de argumento para uma série de atrocidades planificadas e
praticadas por alguns Estados sobre outros, e não só.9 A nível regional, a situação de democracia,
paz e segurança tem-se mantido relativamente estável, com excepção de República Democrática
do Congo (instabilidade política), o Reino de Lesotho (desentendimentos resultantes do processo
eleitoral de 2007), Malawi (desafios políticos relacionados com a interpretação da 65ª secção da
sua Constituição, o que culminou com a suspensão do parlamento malauiano no dia 20 de Junho
de 2008) e Zimbabwe (realização de eleições em 27 de Junho de 2008, marcadas por violência e

6
Foi um banco de investimento e de outros serviços financeiros sediado em Nova Iorque (EUA) que entrou em crise
em e faliu em 2008.
7
Caldeira, Ilton. (2011). Veja os principais factos económicos nos dez anos desde o 11 de Setembro: Avanço dos
países emergentes, criação do G20, disparada nos preços do petróleo e crise financeira mundial marcaram a década.
Disponível em: http://ultimosegundo.ig.com.br/11desetembro/veja-os-principais-fatos-economicos-nos-dez-anos-
desde-o-11-de-setembro/n1597197722275.html. Consultado em 04 de Setembro de 2017.
8
Choane, Mamokhosi, Shulika, Lukong Stella and Mthombeni, Mandla. (2011). An Analysis of the Causes, Effects
and Ramifications of Xenophobia in South Africa. Insight on Africa 3,2: 129-142. African Studies Association of
India, New Delhi. Pdf.
9
Vassoa, Afonso Vaz. (2010: 59). Comunicação Social e Relações Interculturais: Desafios e Oportunidades da
África Contemporânea. 1ª Edição. Editorial Ndija. Maputo-Moçambique.

1
detenções de membros da oposição)10 e por fim, o desempenho económico tem sido, de modo
geral, satisfatório, onde a maior parte dos Estados membros registou uma recuperação nos
principais indicadores macroeconómicos11 e a SADC tem se mostrado a região com maior PIB
de África. No período em estudo, para o caso da África do Sul, em particular, verifica-se um
crescente fluxo de imigrantes; elevados índices de desemprego, criminalidade, corrupção e
HIV/SIDA, (Ayankoya, s/d: 7-8).12

Justificativa
A escolha do tema do presente estudo resume-se essencialmente pela importância atribuída à
RSA pela sua hegemonia económica a nível da região Austral de África. Ademais, este Estado é
considerado como líder regional, ainda assim, tem sido palco de manifestações xenófobas contra
cidadãos dos países vizinhos, membros da SADC, organização na qual o Estado sul-africano faz
parte. Para além disto, diversos estudos já foram desenvolvidos, na sua maioria em língua
inglesa, sobre matéria ligada a integração regional na SADC e o papel dos Estados membros, em
particular da RSA, mas poucos apontam para os impactos da violência xenófoba para o processo
de integração regional na SADC. Daí que a presente pesquisa irá reforçar a escassez de estudos
feitos em língua portuguesa que versam sobre o assunto em causa.

Problematização
Ao longo dos anos, diversos países empreenderam esforços conjuntos para promoção do
desenvolvimento e crescimento económico, criando blocos regionais e/ou económicos 13 e
tornaram-se novos actores nas relações internacionais, a título de exemplo, a Associação Sul-
Asiática para a Cooperação Regional (SAARC), Mercado Comum do Sul (MERCOSUL),
Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA), Comunidade Económica Africana
(CEA), Association of Southeast Asian Nations (ASEAN), Comunidade Andina de Nações

10
ACTIVITY REPORT OF THE SADC SECRETARIAT: Reporto f the Executive Secretary. (August 2007 to July
2008: 13-14).
11
Relatório do Secretário Executivo: Relatório de Actividades do Secretariado da SADC (Agosto de 2010 – Julho de
2011: 13).
12
Ayankoya, Kayode. (s/d). Entrepreneurship in South Africa- A Solution. Nelson Mandela Metropolotan
University Business School, South Africa.
13
Ramos, Joaquim. (2010: 1). A INTEGRAÇÃO EUROPEIA, Português Institucional e Comunitário, Universidade
Carlos IV, Praga, 2010. Disponível em: http://cvc.instituto-camoes.pt/images/stories. Consultado em 14 de Setembro
de 2016.

2
(CAN), Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), etc. Este último, a
SADC, que é o objecto de análise da presente pesquisa, fazendo uma leitura do RISDP, permite
concluir que demonstra uma ausência de uma visão global da integração 14. Prova disto, a nível
sub-regional, as relações da África do Sul com os outros Estados Membros da SADC são
factores determinantes e cruciais. A África do Sul é descrita como uma potência hegemónica,
devido às suas relações de interdependência assimétrica com o resto dos países regionais
(Nieuwkerk, 2012: s/p). Neste sentido, Manuel Guilherme Júnior15, citado pelo Jornal Notícias
(2015: s/p), afirmou que a xenofobia que atingia algumas regiões sul-africanas violava o
princípio fundamental de solidariedade, que ditou a criação da Comunidade para o
Desenvolvimento da África Austral (SADC) e compromete o processo de Integração Regional.

Para este autor, a xenofobia questiona o sonho de um futuro comum na África Austral, que já
está ameaçado devido às dificuldades que se enfrentam na implementação do Plano Estratégico
Indicativo de Desenvolvimento Regional (RISDP 16 ), que previa para o ano de 2016 a livre
circulação de pessoas e bens no espaço comunitário. Importa realçar que a SADC norteia-se por
uma visão comum de um desenvolvimento económico baseado numa agenda regional, com uma
estratégia a longo prazo de crescimento e desenvolvimento económico, assim como de
mobilidade de factores de trabalho. E, de acordo com Nieuwkerk (2012: 2), a integração regional
não será bem-sucedida, salvo os cidadãos da região determinarem o seu conteúdo, forma e
direcção, e serem eles próprios os seus agentes activos.

Contudo, nos últimos tempos a região tem sido caracterizada por uma ameaçada constituída pela
violência xenófoba, que tem ocorrido na África do Sul, que é membro integrante do bloco
regional da SADC. De tal forma que, o fenómeno da violência xenófoba tem sido objecto de
grandes debates e uma das questões frequentes concerne aos constrangimentos que esta violência
pode causar para a integração que a SADC está almejando. Portanto, para Nieuwkerk (Ibid), a
violência xenófoba é uma ameaça para a integração regional, mas, por sua vez, Guilherme Júnior
(2015: s/p) afirma que a onda de xenofobia e outros problemas que a região enfrenta não são

14
Cistac, Gilles. (2008). QUESTÕES DA INTEGRAÇÃO REGIONAL E O DIREITO DA SADC: COMO FAZER
DA SADC UMA ORGANIZAÇÃO. Maputo. Pdf.
15
Manuel Guilherme Júnior, Director do Centro de Estudos sobre o Direito da Integração Regional da SADC
(CEDIR), da Universidade Eduardo Mondlane (UEM).
16
Regional Indicative Strategic Development Plan.

3
uma ameaça definitiva para a SADC, pois os países membros da comunidade estão firmes nos
seus objectivos políticos, económicos e socioculturais. Assim, face a esta constatação, urge o
questionamento: Qual é o impacto da violência xenófoba na África do Sul para o processo de
integração regional na SADC?

Objectivos
Constituem objectivos desta pesquisa os seguintes:

Geral:
 Reflectir sobre a violência xenófoba na África do Sul e seu impacto para o processo de
integração regional na SADC.

Específicos:
 Identificar as causas que levaram a ocorrência da violência xenófoba na África do Sul;
 Analisar a reacção da SADC no que concerne a violência xenófoba na África do Sul;
 Analisar a reacção dos Estados cujos povos foram vítimas da violência xenófoba na África
do Sul;
 Avaliar o impacto da violência xenófoba no processo de integração regional da SADC.

Questões de pesquisa
 Quais foram as causas que levaram a ocorrência da violência xenófoba na África do Sul?
 De que forma a SADC reagiu à violência xenófoba na África do Sul?
 Como é que reagiram os Estados cujos povos foram vítimas da violência xenófoba na África
do Sul?
 Como se avalia o impacto da violência xenófoba para o processo de integração na SADC?

Hipóteses
 A deficiente redistribuição de recursos na África do Sul pode ter levado à ocorrência da
violência xenófoba;
 A SADC pode ter-se mostrado indiferente face à violência xenófoba ocorrida na África do
Sul;

4
 Os Estados cujos povos foram vítimas da violência xenófoba na África do Sul podem não ter
reagido de forma satisfatória para os seus povos;
 A violência xenófoba na África do Sul pode comprometer a livre circulação de pessoas e
bens na SADC.

Metodologia
Para a realização da presente pesquisa, recorreu-se aos seguintes tipos de pesquisa: Quanto à
natureza, a pesquisa é básica17, pois, procura trazer novas perspectivas e soluções que podem ser
aplicadas para prevenir futuros casos. Quanto à abordagem do problema, a pesquisa é mista
nomeadamente quantitativa 18 e qualitativa 19 . Deste modo, o uso conjunto da pesquisa
quantitativa e qualitativa permite recolher mais informações do que se poderia conseguir
isoladamente, com isto, a combinação destes métodos auxilou de forma positiva na percepção de
forma profunda das causas da violência xenófoba na RSA e do seu impacto para o processo de
integração regional na SADC. Assim, com vista o alcance dos objectivos acima preconizados, o
presente trabalho recorreu aos seguintes métodos: Histórico e Pesquisa Bibliográfica ou de
Fontes Secundárias, auxiliados pelas técnicas documentais e entrevista.

Métodos de Pesquisa:
Quanto aos métodos de procedimento, aplicou-se o método histórico, de acordo com Assis (sd:
13), o método histórico preocupa-se em estudar o passado das actuais formas de vida social, as
instituições e os costumes, ou seja, visa compreender o passado, entender o presente e predizer o
futuro, verificando, não apenas a influência do facto e do fenômeno, como também sua
formação, a modificação e a transformação durante um determinado espaço de tempo. Com
efeito, o método histórico consiste em investigar acontecimentos, processos e instituições do
passado para verificar sua influência na sociedade de hoje. Desta forma, foi possível analisar
dados do passado sobre a própria natureza da histórica Sul-africana e o que justifica o

17
Segundo Siena (2007: 59), trata-se do processo de geração de conhecimentos novos para o avanço da ciência, sem
preocupação com a aplicação prática imediata.
18
Centra-se na objectividade, utilizando dados brutos, recolhidos com auxílio de instrumentos padronizados e
neutros para compreender a realidade. Recorre à linguagem matemática para descrever as causas dos fenómenos e
as relações entre as variáveis, (Gerhardt & Silveira, 2009: 33).
19
O investigador é o elemento chave e a fonte principal de dados é o ambiente natural, portanto, o foco não é a
qualificação, mas sim a interpretação dos fenómenos e a atribuição de significados, pois o pesquisador considera que
há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito que não pode ser quantificável […], (Siena, 2007: 61).

5
comportamento do seu povo, destacando a sua génese. Por conseguinte, aplicou-se também o
método de pesquisa bibliográfica, o qual segundo Fonseca (2002: 32) é feita a partir do
levantamento de referências teóricas já analisadas, e publicadas por meios escritos e electrónicos,
como livros, artigos científicos, páginas de web sites. Deste modo, a presente pesquisa recorreu
ao uso de todos os meios por Fonseca mencionados.

Técnicas de Pesquisa:
Para a obtenção de informações, o estudo em causa socorre-se da técnica documental, que na
perspectiva de Helder (2006: 1-2) vale-se de documentos originais, que ainda não receberam
tratamento analítico por nenhum autor, fazendo com que seja uma das técnicas decisivas para a
pesquisa em ciências sociais e humanas. Noutra vertente, aplica-se a técnica de entrevista, que é
uma técnica de interacção social, uma forma de diálogo assimétrico, em que uma das partes
busca obter dados, e a outra se apresenta como fonte de informação, (Gerhardt & Silveira, 2009:
72). Quanto ao tipo, a presente pesquisa fez uso da entrevista semiestruturada, onde o
pesquisador organiza um conjunto de questões (roteiro) sobre o tema que está sendo estudado,
mas permite, e às vezes até incentiva, que o entrevistado fale livremente sobre assuntos que vão
surgindo como desdobramentos do tema principal, (Ibid).

Limitações da Pesquisa:
No decurso deste estudo, notabilizou-se algumas complexidades no campo de pesquisa, tais
como: A falta de manuais físicos que versam sobre o tema em causa, sendo que maior parte das
informações foram retiradas dos artigos científicos, jornais electrónicos, vídeos, entrevistas e
ensaios. Algumas pessoas, principalmente ligadas aos Estados resistiram em conceder entrevista,
alegando falta de tempo, outros temiam comprometimento, o que fez com que muitos tenham
deixado claro que as informações por eles dadas não deviam constar de forma explícita na
pesquisa para evitar constrangimentos futuros.

Estrutura do Trabalho
A presente pesquisa está estruturada em cinco (5) capítulos, sendo que o primeiro faz o debate
teórico e conceptual. No que concerne ao referencial teórico, faz-se apresentação das teorias
institucionalista, privação relativa e violência étnica. No que tange ao marco conceptual, definiu-

6
se os conceitos-chave que são: Integração Regional e Violência Xenófoba. O segundo capítulo
identifica as causas que originaram a manifestação da violência xenófoba na África do Sul.
Primeiramente fez-se uma breve descrição do Estado Sul-africano, seguida de uma abordagem
contextual da violência xenófoba na África do Sul e por fim foram apresentadas as causas
históricas, sociais, políticas e económicas. Para encerrar o capítulo, levantou-se as causas
declaradas e operacionais, ou seja, as causas relatadas e reais.

No terceiro capítulo analisou-se a reacção da SADC face a violência xenófoba perpetuada num
dos seus Estados membro e contra, maioritariamente, povos de seus Estados membros.
No que tange o quarto capítulo, fez-se uma análise sobre a reacção dos Estados cujos povos
foram vítimas da violência xenófoba na África do Sul. Na primeira instância, foi apresentada a
reacção de Moçambique, seguida das reacções de Zimbabwe, Malawi e Nigéria. Por fim, foi
avaliado o impacto da violência xenófoba na África do Sul para o processo de integração na
SADC. Para o efeito, olhou-se para as dimensões social, política e económica. Para terminar, foi
apresentada a conclusão, composta pelas generalizações e recomendações.

7
CAPÍTULO 1
REFERENCIAL TEÓRICO E MARCO CONCEPTUAL

No presente capítulo são apresentadas as Teorias e os Conceitos-chave anteriormente


mencionados.

1.1. Referencial Teórico


No Sistema Internacional, são diversos os fenómenos resultantes da interacção entre os múltiplos
actores que o compõem. E, para explicar estes fenómenos de forma coerente e lógica, torna-se
imprescindível o uso das ferramentas teóricas cujas, segundo Griffiths et al (2009: 312) 20 ,
citados por Mucanheia (2016: 158), são um conjunto de proposições e argumentos explicativos
de um evento, ou um padrão de comportamentos no mundo real, a partir da apresentação das
razões de sua ocorrência. Entretanto, no campo das Relações Internacionais existe uma
diversidade de teorias que a ocorrência de factos das relações internacionais apesar da sua
complexidade, razão pela qual, nenhuma teoria é auto-suficiente para explicar de forma completa
todas ocorrências. Nesta ordem de ideias, para a realização do presente trabalho recorreu-se às
teorias Institucionalista, Privação Relativa e Violência Étnica, para suportar uma fundamentação
teórica sobre o tema em estudo, visto que, apesar destas teorias trazerem abordagens diferentes,
ambas complementam-se e adequam-se para esta pesquisa.

Teoria Institucionalista
Origem: A teoria institucionalista (TI) aborda os impactos provocados pelas instituições
externas sobre a acção estatal, ou seja, as instituições internacionais influenciam no
comportamento dos Estados, pois, afecta e por vezes condicionam as acções dos governos dos
seus países membros e a habilidade dos Estados em se comunicar e cooperar depende das
instituições elaboradas pelos homens, que variam historicamente e tematicamente na sua
natureza e na sua força, (Keohane & Nye, 1981: 2). Para Crubellate (2007: 202) 21 , a TI

20
Griffiths, M., et al. (2009), Fifty key Thinkers in International Relations, 2nd Edition, Routledge, USA and
Canada.
21
Crubellate, João Marcelo. (2007: 199-222). Três Contribuições Conceituais Neofuncionalistas à Teoria
Institucionalista em Organizações. RAC, 1ª Edição Especial. Pdf.

8
estabelece suas origens em algumas formulações teóricas das últimas décadas do Século XIX em
meio aos debates na Alemanha sobre o método científico.
A base para a integração em institucionalismo está garantida obedecendo-se duas condições que
são, (Mariano e Mariano, 2017:15):
1) Quando os actores possuem alguns interesses em comum, havendo expectativa quanto à
possibilidade de ganhos mútuos com a cooperação;
2) Quando a variação no grau de institucionalização se reflectir no comportamento dos
Estados, pois as instituições internacionais não são fixas, estando em constante mutação
ao longo do tempo.

Precursores: Enquanto De Carvalho et al (1999: 2) 22 afirmam que podem identificar-se as


sementes conceituais de percursores institucionalistas tais como os economistas Thorstein
Veblen, John Commons e Westley Mitchel, e sociólogos como Emile Durkeim e Max Weber,
em diversos estudos de integração regional, diversos são os autores, como é o caso de Zeca
(2013: 195-197), que apontam para Robert Keohane e Joseph Nye Júnior como sendo os
principais teóricos da perspectiva institucionalista, em particular na sua obra “Power and
Interdependence” publicada em 1989.

Pressupostos: Para Mariano e Mariano (2017:15), esta teoria pressupõe que os actores possuem
pelo menos alguns interesses comuns, olhando para a cooperação como uma forma de obter
ganhos mútuos. Outro pressuposto apontado por estes autores refere-se à influência das
instituições sobre o comportamento dos Estados, imaginando uma variação constante nas
instituições, com consequências sobre as acções estatais. Por sua vez, Zeca (2013: 196)
acrescenta que segundo o institucionalismo, as lideranças governamentais realizam um cálculo
de custo e benefício para levar a cabo as suas acções e as acções humanas, sobretudo das
lideranças, também provocam alterações nas instituições, tendo, por sua vez, fortes efeitos sobre
o comportamento dos Estados. Desta feita, o arranjo institucional é um factor fundamental para o
sucesso ou fracasso do processo de integração.

22
De Carvalho, Cristina Amélia Pereira, et al. (1999). Contribuições da Perspectiva Institucional para Análise das
Organizações. Enanpad-or-26.pdf

9
Teoria da Privação Relativa
Segundo Lundin (2016: 216), a Teoria de Privação Relativa (TPR) é um instrumento para a
compreensão social e, em particular, a acção colectiva para a violência política. Para Zeca (2015:
6), a privação relativa (PR) é a diferença entre o que as pessoas percebem que estão obtendo da
sociedade e o que elas acham ter direito ou por outra é uma dissonância ou gap23 entre o que
consideramos ser nosso direito de ter, de fazer ou de ser e por outro lado a nossa percepção do
que outras pessoas, grupos de pessoas ou instituições nos permitem em termos de recursos e
capacidade de satisfazer o nosso direito. Assim sendo, podemos concluir que a PR é uma
discrepância entre expectativas e capacidades de resposta dessas mesmas expectativas, o que,
depois de um certo nível, pode gerar descontentamento que, por conseguinte, pode criar um
campo fértil para a ocorrência da violência.

Origem: Segundo Mendonça & Fuks (2014), o registo mais antigo, em estudos formais, da
utilização do conceito de PR para explicação do comportamento humano é atribuído a
Tocqueville24, na sua obra intitulada “O Antigo Regime e a Revolução”, publicada pela primeira
vez em 1856, na qual procurava explicar o porquê de a Revolução Francesa ter ocorrido
especificamente na França. Mas, para Mena (2010:32), a teoria de privação relativa surge nos
anos 1960. Por sua vez, Guzman (1990:21) afirma que a TPR foi desenvolvida por Ted Gurr
(1970), para associá-la aos casos de violência política, porém, o conceito de PR já fora antes
desenvolvido por autores como Merton (1970). 25 Assim sendo, de acordo com Gurr (1970),
citado por Nilsson (Ibid) a PR é uma discrepância assumida entre as expectativas do homem e as
suas capacidades. As expectativas seriam os bens que o indivíduo pensa que deveria pertencer-
lhe, enquanto as capacidades seriam as condições de vida que o indivíduo pode conseguir ou
manter usando dos meios disponíveis. Ainda, segundo Zeca (2013:), a PR é a diferença entre o
que as pessoas percebem que estão obtendo da sociedade e o que elas acham ter direito ou por
outra é uma dissonância ou gap entre o que consideramos ser nosso direito de ter, de fazer ou de
ser e por outro lado a nossa percepção do que outras pessoas, grupos de pessoas ou instituições
nos permitem em termos de recursos e capacidade de satisfazer o nosso direito.

23
Palavra inglesa que significa “lacuna, brecha, etc.”, também utilizada para referir-se a diferenças ou discrepância
entre dois ou mais objectos em comparação.
24
Tocqueville, Alexis. (2009). O antigo regime e a revolução. [1856]. WMF Martins Fontes. São Paulo.
25
Merton, R. (1970). Teoría y Estructuras Sociales. Fundo de Cultura Económica, México.

10
Precursores: O principal percursor da TPR é Ted Gurr com a obra “Why Men Rebel”, publicada
em 1970, na qual defende que o problema não é a satisfação absoluta das expectativas das
pessoas, mas sim a questão das percepções que as pessoas têm dos seus direitos, enquanto
cidadãos. Segundo Olson et al. (1986: 204) 26 , citado por Lundin (2016: 217), Dentre os
precursores da teoria destacam-se Gurr (1970), Crosby (1966) 27, Runciman (1966) 28, Dollard
(1939)29, Mowrer (1939), Doob (1939), Sears (1939), Miller (1939) Miller (1941) 30, Berkowitz
(1969) e Maslow (1941)31.

Pressupostos: Esta teoria centra-se nas capacidades, expectativas e percepções como


componentes principais. Neste contexto, Gurr (13-25,36-37,41), Crosby (1966: 63) & Runciman
(1996: 191), citados por Lundin (2016: 217-218) e Nilsson (2001, 172-173), defendem que os
aspectos a realçar nesta teoria são os seguintes:
 O ponto de referência da PR é a expectativa, as quais não são fáceis de descrever em
termos quantitativos, particularmente no respeitante à condições imateriais como crenças,
ideologias, afirmação social e cultural; Este pressuposto vai servir para explicar as
expectativas criadas pelo povo Sul-africano a quando da sua independência.
 Devemos enfatizar a relatividade embutida no conceito. Daí que, a PR em relação às
expectativas materiais também pode ser intensa para pessoas que vivem um nível
material relativamente alto, completamente desligadas de quaisquer necessidades
provenientes da proximidade à pobreza absoluta;
 As expectativas referem-se às posições justificáveis, no sentido de que as pessoas
realmente acreditam que têm direito a ver realizadas as suas expectativas
independentemente das suas posições sociais, sejam elas pobres, camponeses ou elites
alienadas. No caso da África do sul, as pessoas que que sentiram seus direitos privados
foram da classe baixa (pobres e camponeses).

26
Olson T. et al. (1986). Relative Deprivation and Social Comparison. 4rd Edition. Lawrence Erlbaum Associates
Publishers. New Jersey.
27
Crosby F.J. (1966). Relative Deprivation and Social Justice: A study of attitudes to social Inequality in Twentieth
Century. University of California Press: Berkeley.
28
Runciman, W.G. (1966). Relative Deprivation and Social Justice. University of California Press: Berkeley.
29
Dollard, M. et al. (1939). Frustration and Aggression, Yale University Press: New Haven.
30
Miller, B. et al. (1941). Symposium on the Frustration-Aggression Hypothesis. Psychological Review, Number 48,
337-366.
31
Maslow, A.H. (1941). Deprivation, Threat and Frustration. Zawodny J.K (eds). São Francisco.

11
 A PR poderá ocorrer quando há uma discrepância assumida entre as expectativas do Ser
Humano e as suas capacidades;
 A PR gera violência colectiva pelos grupos sociais. Este pressuposto servirá para explicar
a violência xenófoba colectiva perpetuada pelos grupos sociais Sul-africanos;
 O sentimento de privação (descontentamento) surge de avaliações que as pessoas fazem
dos seus resultados, em comparação com os resultados de outras pessoas;
 Quando alguém deseja obter algo, considera ter este direito, acredita que é possível mas
não consegue obter, sente-se pessoalmente culpado por não ter obtido tal desejo, e surge
o sentimento de PR;
 Os níveis de ressentimento das pessoas têm implicações no seu comportamento;
 Aqueles que desenvolvem sentimentos de PR sempre procuram adoptar comportamentos
colectivos ou individuais, e promover mudanças sociais que lhes favorecem.

Críticas à Teoria de Privação relativa: A TPR é amplamente criticada pelo seu automatismo
entre o sentimento da privação relativa e a violência política. A discrepância entre as
expectativas e as capacidades pode gerar um sentimento de frustração e, por essa via, pode-se
entrar em uma situação de violência colectiva sem, no entanto, transcender à violência política.
Para o efeito poderão concorrer factores externos, tal como é o caso da politização, (Lundin,
2016: 218). Ainda, segundo Lundin esta teoria não consegue explicar porquê algumas pessoas,
cujo sentimento é de PR, não aderem, por exemplo, aos movimentos sociais. É igualmente
criticada pela generalização que faz das experiências ao nível do indivíduo para uma larga
colectividade social, o que pode ser problemático. Apesar das fragilidades alustradas nas críticas,
a teoria será usada na presente pesquisa porque consegue responder questões relacionadas com
as causas da violência colectiva praticada pelos cidadãos Sul-africanos.

Teoria da violência étnica


Origem: A TVE teve sua formulação científica através da publicação de ensaios científicos de
Horowitz, onde considera-se que tenha desenvolvido uma teoria de violência étnica e que pode
ser usada para estudos raciais ou xenófobos, olhando para as causas.

12
Precursores: A TVE tem como principal precursor Horowitz32 com a sua obra intitulada “The
deadly Ethnic Riot” publicada pela primeira vez em 2001.

Para Horowitz (2001: 71-123), ambas as causas contextuais externas e locais devem ser
consideradas quando se olha em explosões violentas. Os adventos de Maio de 2008 foram
ataques perpetrados por um grupo étnico sobre outro grupo. Frequentemente, para este autor os
motins são conduzidos por um grupo motivado pelo medo de ser colocado numa posição social
perigosa, tendo seu status social reduzido. Então, este medo pode levar a danos físicos extremos
para as pessoas a quem eles acreditam ser a causa de seu declínio social.
Este tipo de fenómeno costuma seguir uma determinada sequência. Em primeiro lugar, há uma
especial agitação que pode ser através de ameaças ao grupo-alvo e é seguido em segundo lugar,
na maioria das vezes, por uma violência de baixa intensidade. Em terceiro lugar, há uma
calmaria, e durante este período, rumores não baseadas na realidade são gerados e espalhados,
alegando que as pessoas pertencentes a um determinado grupo (grupo-alvo) são uma ameaça e,
desta forma, justificar a violência contra esse grupo. Em quarto lugar, temos a forma extrema de
violência que muitas vezes assume a forma de motins. A "fase final" dá-se quando a violência se
espalha para outros locais, (Ibid).

Pressupostos: Segundo Du Toit & Kotzé (2011: 170) e Horowitz (2001) a TVE tem os
seguintes pressupostos:
 A violência contra estrangeiros pode emergir sob condições estruturais muito específicas;
 Esta, é provável que surja onde há pouco o medo que a polícia irá proteger as vítimas; em
outras palavras, a ineficácia da polícia favorece os perpetradores de violência.
 Flutuações nas políticas governamentais também ameaçam a posição dos incentivadores
e estas políticas poderiam empurrar ainda mais para baixo a escada social;
 Os alvos são seleccionados em função do grupo no qual são percebidos de pertencer, em
função da proximidade, nível de ameaça percebida e incapacidade de retaliar.
 A violência é um fim em si mesmo e uma forma de enviar uma mensagem para as
vítimas;

32
Professor na Universidade de Duke e um dos principais pesquisadores na Académica conflitos étnicos.

13
Aplicabilidade das Teorias: Apesar das criticas acima levantadas para cada teoria escolhida
para o presente trabalho de pesquisa, importa realçar que as mesmas complementam-se na
análise da violência xenófoba na África do Sul e seus impactos para o processo de integração na
região, uma vez que por um lado, a TI serve para analisar a participação e coordenação da SADC
a partir dos seus objectivos enquanto organização e de que maneira sua influência é determinante
no comportamento dos seus Estados membros no concernente ao andamento da integração
regional. E, por outro lado, as TPR e TVE avaliam, nomeadamente, até que ponto a insatisfação
dos indivíduos ou grupos de indivíduos pode causar uma frustração e consequentemente
degenerar-se em violência.
Ou seja, as crescentes migrações verificadas para África do sul, que são na sua maioria dos
povos dos países da região, que de certa forma encontram facilitação pelo processo de integração
regional que caminha para uma livre circulação de pessoas e bens, são percebidas como causas
de privação das oportunidades do cidadão Sul-africano, fazendo deste modo com que este
cidadão recorra á actos subversivos para com os estrangeiros, o que pode influenciar na dinâmica
de materialização da integração efectiva.

1.2. Marco Conceptual


Para melhor percepção deste trabalho, foi preciso ter em conta que existem conceitos - chave
pelos quais fez-se um debate a volta dos mesmos, nomeadamente: Integração regional, Violência
Xenófoba.

1.2.1. Integração Regional


Segundo Sidaway e Gibb (2008: 178) 33 , “o comprometimento formal e a participação na,
„integração‟ pode ser mais bem entendida como a afirmação do processo pelo qual a soberania é
confirmada. O reconhecimento disto capacita a uma melhor compreensão da SADC em
particular”. Existem vários autores que debruçam-se sobre a questão de integração regional (IR),
sendo que, a maioria deles convergem em alguns pontos sobre este conceito, elementos como “
união, transferência de uma parte da soberania, criação de uma entidade supra nacional,
problemas/interesses comuns, etc.”, são predominantes nas definições trazidas por estes autores,
pelo que, no presente trabalho buscou-se três autores conforme abaixo referenciados:

33
Sidaway, James D., & Gibb, Richard. (2008). “SADC, COMESA, SACU: contradictory formats for regional
„integration‟, in SIMON, David (ed.), op. Cit;

14
Para Evans et al. (1999) citado por Quive (2011: 83)34, a IR é um movimento para estabelecer
ligações entre um grupo de países dentro de um determinado espaço geográfico, motivado por
interesses comuns e compartilhados para cooperação nas áreas de comércio e outros sectores
económicos, com vista a alcançar uma zona de livre comércio e, subsequentemente estabelecer
uma união aduaneira. Por sua vez, Balassa (1982: 20)35, define IR como sendo um processo pelo
qual os Estados decidem transferir uma parte da sua soberania para uma entidade política
soberana supra-estatal e que exige, para além da correspondente manifestação da vontade,
atitudes políticas conducentes a essa associação.

Para concluir, de acordo com Soko (2007: 9)36, a IR representa tentativas de criar um equilíbrio
entre explorer as vantagens do livre comércio, por um lado, e por outro lado, salvaguardar a
capacidade do Estado na no estímulo a indústria local e na implementação de políticas sociais
que visam atenuar os aspectos negativos da gobalização económica 37 . Assim sendo, para o
presente trabalho, a integração regional será entendida como um mecanismo viabilizado por um
conjunto de Estados geograficamente próximos com objectivo de alavancar o desenvolvimento,
abdicando deste modo de uma parte das suas soberanias para um órgão supra-estatal.

1.2.2. Violência Xenófoba


Antes de navegar sobre a definição deste conceito, importa fragmentá-lo em dois conceitos
principais (violência e xenofobia) que o compõe de modo a garantir maior percepção do mesmo.
A violência é um acto que visa infringir danos emocionais, psicológicos, sexuais, físicos ou
materiais a outrem, (Zeca, 2013: 66). Por sua vez, Galtung (1969) defende que a violência ocorre
quando as pessoas são influenciadas de modo a que sua realização física e mental actual seja
menor do que sua realização potencial. Vai mais além afirmando que para a existência de
violência deve-se haver um sujeito, um objecto e uma acção. Quanto à xenofobia, refere-se a

34
Quive, Samuel. (2011). Desafios da Integração Regional: A Migração e o Sistema de Protecção Social na SADC.
CAP, Economia, Politica e Desenvolvimento, Revista Científica Inter-Universitária, Volume 1, Número 4;
35
Balassa, Bela. (1982). Teoria de Integração Económica. 3ª Ediçã. Livraria Clássica Editora. Porto.
36
Soko, Mills. (2007). The Political Economy of Regional Integration in Southern Africa. Studies & 63 Research.
Notre Europe‟s series. Policy paper. Pdf.
37
Tradução do pesquisador do seguinte parágrafo: “regional integration represents an attempt to strike a balance
between, on the one hand, exploiting the advantages of free trade and growing markets and, on the other hand,
safeguarding the ability of the state to craft and implement social policies intended to mitigate the negative aspects
of economic globalization”.

15
uma hostilidade manifestada a estrangeiros. Entre os povos primitivos representava uma medida
imposta pelas economias domésticas, em resultado dos escassos recursos existentes, que
tornavam indesejável a presença de elementos estranhos ao clã, (De Sousa, 2005: 219) 38. E, de
acordo com Ossorio (s/d: 1003)39 é o ódio, desgosto ou hostilidade em relação aos estrangeiros,
ou seja, constitui em sentimento contrário à xenofilia40. Assim sendo, podemos entender como
xenofobia uma acção que consiste em não-aceitação das identidades culturais que sejam
diferentes das nossas, manifestando-se através do ódio e hostilidade aos estrangeiros. É uma
forma de manifestação de preconceito, caracterizando-se pela aversão e discriminação dirigidas a
indivíduos ou grupo de indivíduos de outra origem. Acreditando-se que a explanação acima feita
pode ajudar no entendimento geral do conceito de violência xenófoba (VX), partimos agora para
a definição do conceito que interessa a presente pesquisa.

Violência Xenófoba: Segundo Ramongane (2010: 12) 41 , este fenómeno pode ser explicado
como uma luta de classes e no caso da RSA trata-se de uma luta económica entre pobres negros
nativos e estrangeiros. Deste modo, para o presente trabalho, define-se VX como sendo toda e
qualquer acção que um determinado indivíduo ou grupo leva a cabo com a finalidade de causar
danos morais, materiais, psicológicos e/ou físicos contra indivíduos ou grupo de indivíduos de
outra raça, etnia, origem, cultura, crenças (estrangeiros).

38
De Sousa, Fernado (Dir). (2005). Dicionário de Relações Internacionais, Edições Afrontamento, CEPESE e
autores. Pdf.
39
Ossorio, Manuel. (s/d). Diccionario de Ciencias Jurídicas Políticas y Sociales, 1ª Edición Electrónica.
40
odio, repugnancia u hostilidad hacia los extranjeros. Constituye un concepto opuesto a la xenofilia
41
Ramongane, K.C. (2010). Political Violence Post-Apartheid South Africa: Undestanding Xenophobia/Afrophobia
Attacks of 2008 and Beyond. Article. University of the Western Cape, South Africa. Pdf.

16
CAPÍTULO 2
CAUSAS DA VIOLÊNCIA XENÓFOBA NA ÁFRICA DO SUL

O presente capítulo apresenta as causas da violência xenófoba na RSA. Na sua fase introdutória,
faz uma breve descrição do Estado Sul-africano, seguido de uma abordagem contextual ou
histórica da xenofobia. Dando continuidade, são identificadas as causas históricas, seguidas das
causas sociais, políticas e económicas. Em jeito de conclusão, é feita uma análise sobre as causas
declaradas e as reaiS que contribuíram para a eclosão da VX na RSA.

2.1. Breve Descrição da África do Sul

Imagem 1: Mapa da África do Sul

Fonte: africa-turismo42

A República Sul-africana tornou-se independente do regime do apartheid a 27 de Abril de 1994,


ocupa a parte sul do continente africano e se estende do rio Limpopo (norte) até o Cabo Agulhas
(sul), totalizando uma área de 1.219,090 km². Conta com uma população estimada em
50.586,000, dos quais 77% são de origem Africana, 10% de descendência europeia, 3% de
origem asiática e 9% são mistos, localmente chamados de Colored. Este país é constituído por 11

42
Disponível em: http://www.africa-turismo.com/imagens/mapa-provincias.jpg. Consultado no dia 07 de Julho de
2017.

17
línguas oficiais (Inglês 43 , Afrikaans 44 , Ndebele, Pedi 45 , Sotho 46 , Swazi, Tsonga 47 , Tswana 48 ,
Venda, Xhosa 49 e Zulu 50 ) que são em grande parte representados pelos respectivos grupos
étnicos. A economia Sul-africana é uma das mais avançadas do continente africano, disputando o
protagonismo com a Nigéria e sendo sem sombra de dúvidas a mais robusta da região Austral de
África, e inclui uma das 10 principais bolsas de valores do mundo, (SADC, 2017) 51 & Guia
Geográfico (África do Sul: Cultura)52.

2.2. Abordagem Contextual da Violência Xenófoba na África do Sul


Segundo Kinge (2016: 12), citando Mayfield (2010)53, historicamente, a violência xenófoba não
teve seu início na África do Sul. Lugares como Austrália, América, Europa, Reino Unido, Japão
e vários outros, viveram também histórias de xenofobia. Na RSA, desde os anos 90 que diversos
estudos revelam que apesar de verificar-se casos de hospitalidade, tolerância e defesa dos direitos
dos não-nacionais, sentimentos negativos de desconforto pela presença dos negros e asiáticos
não-nacionais, assim como o ódio e hostilidade aos estrangeiros por parte do público em geral e
instituições governamentais sul-africanas tem sido evidente (Ibid). Para Graham (2016) 54 , a
história de xenofobia na RSA remonta desde a chegada dos holandeses naquele território, quando
o rei Zulu (Tchaka Zulu) recusou que seu povo fosse trabalhar nas minas recém-abertas na altura,
alegando que tratava-se de um trabalho humilhante que só serviria para povos inferiores ou
desprezíveis.

Olhando para os acontecimentos mais recentes Mandrup (2010: 10) 55 , citado por Mamboza
(2016: 134), afirma que o nível de imigrantes estrangeiros na África do sul tem desestabilizado a
ordem social do mesmo, pois estes fazem uma pressão sobre o mercado de trabalho,

43
Falado por cerca de 8,2% da população.
44
Africâner- falado por cerca de 13,3% da população.
45
Sepedi- falado por cerca de 9,4% da população.
46
Sesotho- falado por 7,9% da população.
47
Xitsonga- falado por 4,4% da população.
48
Setswana- falado por cerca de 8,2% da população.
49
Isixhosa- falado por 17,6% da população.
50
Isizulu- falado por 23,8% da população e outros idiomas são falados por 7,2% da população.
51
Disponível em: http://www.sadc.int/member-states/south-africa/. Consultado em 5 de Junho de 2016.
52
http://www.africa-turismo.com/africa-do-sul/cultura.htm. Consultado em 5 de Junho de 2016.
53
Mayfield, J., (2010). Explaining the Rapid Rise of the Xenophobic Right in Contemporary Europe.
54
Entrevistada em 13 de Setembro de 2016.
55
Mandrup, Thomas. (2010). National Security, Crime, and the South African Security Institutions, Institute for
Strategy. S.A.

18
consequentemente, os sul-africanos sentem-se ameaçados, o que faz com que se degenere em
atrocidades levantadas contra estrangeiros. Importa realçar que a xenofobia pode manifestar-se
de diferentes formas, por um lado pode ser de forma pacífica (estranhamento, isolamento,
insultos, etc.) e por outro lado pode manifestar-se de forma violenta (causando danos físicos e ou
materiais). Neste contexto, as evidências da xenofobia num estágio de violência podem ser
encontradas em relatos trazidos por páginas de internet como sahistory-online (2015: s/p), na
qual diz-se que em Dezembro de 1994 e Janeiro de 1995, um grupo de jovens de Alexandra
Township (subúrbios de Johannesburg), Província de Gauteng, na África do Sul, destruiu casas e
propriedades de supostos imigrantes em situação irregular e encaminharam esses indivíduos até a
esquadra da polícia local, onde exigiam que os estrangeiros fossem forçosamente e
imediatamente repatriados. Em Setembro de 1998, dois (2) senegaleses e um (1) moçambicano
foram atirados de um comboio em movimento em Johannesburg por um grupo de indivíduos que
vinham de um comício no qual se culpavam os estrangeiros pela desgraça dos Sul-africanos.

No município de Zandspruit (Joanesburgo), os moradores entraram numa fúria queimando


barracas de estrangeiros. A mesma fonte relata que em 2000, sete (7) assassinatos xenófobos
foram relatados no Distrito de Cape Flats da Cidade do Cabo, e, em incidentes separados, dois
(2) Nigerianos foram mortos a tiros em NY 99 (Gugulethu). Em Mdolomda Street, dois (2)
irmãos Angolanos foram presos dentro de sua casa e queimado até a morte. Para além desses,
casos recentes apontam que no dia 11 de Maio de 2008, uma explosão de violência xenófoba em
Johannesburg desencadeou mais violência em outros municípios.
Depois de duas semanas, a violência se espalhou para outras áreas urbanas em todo o país,
principalmente Durban e Cidade do Cabo, mas também se alastrou para bairros rurais, como é o
caso da Província de Limpopo. A violência consistiu em ataque verbal e física pelos cidadãos
Sul-africanos. Como consequência, muitas casas foram queimadas, 342 lojas foram saqueadas e
cerca de 213 incendiadas. Centenas de pessoas ficaram feridas, milhares expulsas e o número de
mortos após os ataques situou-se em 56, (sahistory-online, 2015: s/p). As primeiras
manifestações mais noticiadas da violência xenófoba na RSA deram-se no ano de 2008 e de
acordo com o material disponibilizado pela página de Internet “timesline”56, tudo indica que as
manifestações da violência xenófoba de 2015, eclodiram após declarações feitas pelo Rei da

56
Disponível em: www.timesline.ca.za. Consultado em 26 de Outubro de 2016.

19
etnia Zulu, Goodwill Zwethelin em Kwazulu Natal, onde ele afirmou que “os estrangeiros
deviam carregar suas malas e abandonar aquele país”. Curiosamente, tanto as manifestações de
2008, como as de 2015, vitimaram estrangeiros africanos de raça negra e de classe baixa. Porém,
relatos dão conta que quando a VX ocorreu na RSA, as vítimas não foram apenas os estrangeiros
pobres, negros e africanos, afectou também outras pessoas não pertencentes a grupos étnicos
dominantes nas principais cidades, como é o caso dos Zulu‟s ou Xhosa‟s, no entanto, em
pequena escala e num curto espaço temporal. Com estas evidências, interessa levantar as causas
que originaram a violência perpetuada por alguns cidadãos Sul-africanas.

2.3. Causas da Violência Xenófoba na África do Sul


Diversas foram as causas que originaram a violência xenófoba na África do Sul. Alguns
apontariam para o elevado índice do desemprego porque maior parte dos ataques xenófobos
ocorreram em zonas onde a pobreza e o desemprego são altos, outros apontariam para as razões
psicológicas57.

Deste modo, o presente estudo foca-se em quatro (4) causas nomeadamente:


a) Causas Históricas: Segundo Cancian (2007: 3), em 1990 o presidente Frederic. W. de Klerk,
que assumira a presidência em 1989, pôs fim ao apartheid. Nas primeiras eleições livres, em
1993, Nelson Mandela58 foi eleito presidente da RSA pelo African National Conference (ANC),
e governou de 1994 a 1999. Durante os discursos das lutas de libertação nos Estados Africanos,
muitas expectativas foram criadas e de certo modo alimentadas pelas lideranças e a RSA não foi
uma excepção, daí que os problemas actuais deste Estado remontam desde o tempo em que
esteve sob regime do Apartheid.

O Apartheid: Por um lado, Martins (2014: 1) afirma que o apartheid na RSA é o único caso
histórico de um sistema político onde a segregação racial chegou ao âmbito institucional. Mesmo
com a minoria branca, o país registou nas históricas decisões que desfavoreciam maioria negra.
Por outro lado, a página web “educação59” da globo60, comunga com a ideia de Martins mas

57
Brenner, Franziska and Rolke, Vanessa (2014:6). APARTHEID & XENOPHOBIA. Focus: South Africa. Pdf.
58
Nelson Mandela, que desde 1964 cumpria pena de prisão perpétua, foi posto em liberdade em 1989 e tornou-se o
primeiro Presidente da África do Sul independente.
59
Página de internet de origem brasileira, virada a difusão de informação.

20
acrescenta que a segregação racial foi legalmente aceite em 1948. Só para termos uma ideia, o
site vai mais além ao afirmar que neste mesmo ano foram proibidos casamentos mistos e em
1950 a Lei da imoralidade proíbe o relacionamento sexual entre pessoas de raça branca e os de
raça negra; a população é cadastrada e separada por raça, o que denominou-se por “Bantustão”.
Desta feita, de acordo com Thaiz (s/d)61, pode-se dizer que os motivos que fomenta a xenofobia
na África do Sul, têm seu início no século XVII com a chegada dos primeiros colonizadores
protestantes calvinistas holandeses, escandinavos e alemães, e depois com a chegada dos
britânicos, dois séculos após, rechaçando seus predecessores e forçando os colonos a fugir com
seus rebanhos, escravos, fuzis, bíblias, para as regiões mais ao norte, e vai ser nessas áreas que
vai se originar a terra dos Africânderes que lutaram contra os Zulu‟s para poder dominar esse
novo território, e o facto de ser uma região rica em jazigos de diamante e ouro só fez com que a
região se tornasse ainda mais cobiçada. E já, em 1911 uma lei é decretada para proibir os outros
(negros, indianos e os mestiços) de exercer certos tipos de trabalho, isso seria o início do uso de
leis xenófobas.

Portanto, a RSA que hoje conhecemos, resulta de um longo período de opressão baseada na raça.
Consequentemente, com o término do regime do apartheid, o povo Sul-africano passou a
alimentar uma certa esperança de inclusão multidimensional que lhe permitisse um bem-estar ou
seja, uma qualidade de vida melhorada e isso contrasta com a realidade histórica na qual o país
foi esboçado62. De modo geral, a presente pesquisa resume as principais leis do apartheid em seis
(6) que são: Proibição de circulação de negros em determinadas áreas das cidades, conforme é
alustrado na figura 2; Obrigação de declaração de registo de cor para todos sul-africanos;
Proibição de casamentos entre negros e brancos; Criação de bairros só para negros; Proibições de
negros usarem determinadas instalações públicas; Criação de um sistema diferenciado da
educação. Para além do separatismo étnico que guia a VX, aspectos como técnicas usadas na
violência assemelham-se das usadas no período do apartheid, a título de exemplo, Fingermann

60
http://educacao.globo.com/artigo/apartheid-na-africa-do-sul-segregacao-racial.html. Consultado no dia 07 de Julho
de 2017.
61
Disponível em: https://www.passeidireto.com/arquivo/22423061/xenofobia-na-africa-do-sul. Consultado em 10 de
Julho de 2017.
62
O país foi esboçado para um número limitado de habitantes, a minoria branca e automaticamente excluindo os
indivíduos de raça negra.

21
citado por Jourdain (2015: s/p) 63 , afirmou que os métodos utilizados pelos executores
xenofóbicos também remontam aos tempos do regime do apartheid, conhecido como
“necklacing”, a prática de colocar um pneu embebido em gasolina preso ao corpo da vítima e
atear fogo data da década de 1980. No entanto, embora o apartheid tenha sido extinto
legalmente, na prática ainda sente-se as reminiscências daquele período de dominação, ou seja, o
povo sul-africano ainda não conseguiu superar o trauma causado por este regime.

Imagem 2: Algumas leis de segregação racial.

Fonte: aprendereintervir64.

Os Bantustões: A questão das diferenças étnicas está enraizada no povo sul-africano e foi desta
forma que construiu-se a nação. A título de exemplo, evidenciam-se os bantusões que segundo
Pereira (2010: 1)65, visavam transformar as antigas reservas negras, organizadas por tribos e de
acordo com as tradições de chefia, em Autoridades Territoriais através da Lei de Promoção do
Autogoverno Banto. Segundo este autor, o conceito em torno dos bantustões corresponde aos
primeiros anos do Apartheid, mas só nos anos 1970 a “independência” foi concedida pelo
governo sul-africano e a organização das regiões foi redimensionada. Portanto, que a divisão
entre raças pode ser observada em 1913 com a Lei das Terras, que dava 90% das terras aos

63
Jourdain, Luis. (2015). 21 anos após fim do apartheid, África do Sul ainda mantém vestígios e costumes dos anos
do regime. Disponível em: https://noticias.r7.com/internacional/21-anos-apos-fim-do-apartheid-africa-do-sul-ainda-
mantem-vestigios-e-costumes-dos-anos-do-regime-01052015. Consultado em 7 de Julho de 2017.
64
Disponível em: http://aprendereintervir.blogspot.com/2015/10/o-apartheid-na-africa-do-sul.html. Baixadas em 07
de Julho de 2017.
65
Pereira, Ana Lúcia Danilevicz, (2010: 7-9). A Longa História da Desigualdade na África do Sul: Mal-estar na
Cultura. PDF. Disponível em www.malestarnacultura.ufrgs.br. Baixado em 12 de Outubro de 2016.

22
brancos e apenas 10% aos negros e uma das justificativas dadas pelo regime do apartheid foi a
concepção do desenvolvimento separado 66 , com isso, os negros recebiam serviços públicos
inferiores que os serviços oferecidos aos brancos 67 . Posteriormente, em 1971, o governo
concedeu autodeterminação, e em 5 de Dezembro de 1977 a independência, ficando seus
habitantes privados da nacionalidade sul-africana. Mais tarde, o governo do Partido Nacional
organizou territórios separados para brancos, negros e mestiços, (Pereira, 2010: 3). Para
secundar, em 1994 durante as negociações pela independência, jornais a nível mundial faziam
menção da separação étnica que o país foi sujeito. A título de exemplo, o jornal brasileiro “O
Mundo”68, Secção “Geografia e Política Internacional”, tiragem da 1ªedição, nº2 de Abril de
1994, numa das passagens textuais afirmou que [o Estado africânder baseava-se na noção de
etnia. O novo Estado será baseado na noção de cidadania..., ainda que o apartheid desapareça
como Lei, serão necessários muitos anos para que o preconceito e o ódio deixem de envenenar a
relação quotidiana entre os sul-africanos].

Neste contexto, Segundo Pereira (2010: 8), os bantustões69criados consistiam em: O bantustão
Bophuthatswana que abrigava o grupo étnico Tswana, distribuído em sete enclaves separados
nas antigas províncias do Transvaal, Cabo e Estado Livre de Orange. Em Transkei, reunia-se o
grupo étnico Xhosa, a nordeste da província do Cabo, com um pequeno enclave no KwaZulu-
Natal, e outro bantustão que reuniu a etnia Xhosa foi o de Ciskei. O bantustão Venda localizava-
se a nordeste da antiga província do Transval, actual província de Limpopo. Os bantustões
Gazankulu (etnia Tsonga), KaNgwane, KwaNdebele (etnia Ndebele), a nordeste da antiga
província do Transval. Em continuidade, em 1959, foram nomeadas autoridades tribais e
regionais para o Kwazulu e em 1972 recebeu autonomia, com a autoridade territorial
transformada em uma “Assembleia Legislativa”, sendo Mangosuthu Buthelezi, antigo Chefe
tribal, nomeado Ministro-chefe. Os Zulu‟s são a maioria e vivem no Kwazulu-Natal. Por fim,
Lebowa, localizado a nordeste da antiga província do Transval, actualmente nas províncias de
Mpumalanga, Limpopo e QwaQwa, localizado na província do Estado Livre, junto a Lesotho,
reuniam os grupos étnicos Sotho do Norte ou Pedi e Sotho do Sul, respectivamente.

66
Pressupunha que cada raça deve-se desenvolver sem se misturar com as outras.
67
http://educacao.globo.com/artigo/apartheid-na-africa-do-sul-segregacao-racial.html. Consultado no dia 07 de Julho
de 2017.
68
Vide o anexo II.
69
Vide a figura 3 na página que se segue.

23
Imagem 3: Mapa dos Bantustões.

Fonte: Núcleo de Estudos Contemporâneos70.

Os Sul-africanos, sob o domínio do apartheid eram tratados como estrangeiros no seu próprio
país, assim que atravessassem suas pátrias independentes (Bantustões). Esta herança do
apartheid ajudou nas configurações sociopolíticas que originaram os ataques xenófobos de 2008,
(Landau, 2011: s/p). Ademais, os sul-africanos foram isolados do mundo internacional através de
sanções, e foram isoladas internamente pelo regime do apartheid (Harris, 2002: s/p). Neste
sentido, quando um grupo não tem história de contacto com outros grupos de identidade
diferente da sua, excepto com os que durante muito tempo vivem na mesma sociedade, ainda que
separados como é o caso dos "Boer‟s” na RSA, pode ser difícil de ser simpático para com os
migrantes de outras nacionalidades que entram no país (Morris, 1998: 1125). Quando o
isolamento quebrou e pessoas de diferentes Estados chegaram à África do Sul, poderia ter havido
alguma incapacidade de tolerar e incorporar as diferenças, (Harris, Ibid).

Em outras palavras, a transição do isolamento, da separação e de privações fizeram com que as


atitudes xenófobas ocorressem como reacção de uma nova onda de entrada dos migrantes, tanto
que foram estabelecidas políticas de imigração restritivas e excludentes que visam proteger os
novos membros da nova RSA, com isto, pode-se considerar a VX como consequência do regime
de apartheid por ter mantido os Sul-africanos afastados do contacto normal e sem diferenciação
com os outros, até mesmo entre diferentes etnias Sul-africanas.

70
Disponível em: http://www.historia.uff.br/nec/imagem/velha-africa-do-sul-dos-bantustoes. Baixada em 07 de Julho
de 2017.

24
b) Causas Sociais: Segundo Davies (2013: 3), o regime do apartheid tinha criado uma grande
desigualdade social, o que de certo modo dificultou o acesso a educação e consequentemente ao
emprego pela maioria negra. Segundo este autor, as cidades da RSA apresentavam-se entre as
mais desiguais do mundo. Para este autor, o ano de 2012 foi o mais turbulento desde o fim do
apartheid, com greves violentas em toda a indústria, e 34 mineiros mortos a tiros em Marikana,
numa mina de platina da Lonmin, em Rustenburg. Ademais, em média, em 2013, uma casa de
brancos tinha uma renda seis vezes maior do que a de negros e a discrepância entre ricos e
pobres, recorrendo ao coeficiente de Gini71, marcou 0,63 em 2009. Na leitura deste coeficiente, o
zero é o mais igual e o um é o menos igual. No entanto, em 1993, o coeficiente do país era de
0,59, o que significa que o fosso entre ricos e pobres está realmente ficando maior, (Ibid).

Por sua vez, o Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento72(UNDP, 2014)73, aponta que
as desigualdades rondam em 0.435, a título de exemplo, o contraste entre, de um lado, os bairros
de classe média (predominantemente branca), os arranha-céus a la Manhattan de Joanesburgo e
o turismo e, de outro, as “favelas” ao longo das estradas, os informais settlements negros das
periferias urbanas são marcantes 74 . Estes dados remetem-nos a uma privação relativa,
considerando que trata-se de um país onde, de acordo com Voyages (2001)75, 75% é de raça
negra, 13% de raça branca e 11% constitui o restante. Outro grande problema é o crescimento
dos índices do HIV/SIDA no país, são cerca de 5 milhões de infectados, daí que existem,
aproximadamente, 1,2 milhão de órfãos, (Dantas, 2015: 1)76. Portanto, de acordo com o jornal
notícias online, citando Guilherme Júnior (2015: s/p)77, a xenofobia que se verifica na África do
Sul é resultado da quebra do contrato social, entre os governantes e o povo, pois para este
especialista, alguns cidadãos sentem-se excluídos do processo de desenvolvimento.

71
O Coeficiente de Gini – também conhecido como Índice de Gini, é um dado ou indicador estatístico utilizado
para avaliar a distribuição das riquezas de um determinado lugar/espaço.
72
United Nations Development Programme.
73
UNDP. Disponível em: www.hdr.undp.org/en/countries/profiles/ZAF. Consultado em 24 de Julho de 2017.
74
Visentini, et al. (2010). África do Sul: História, Estado e Sociedade. 1ª edição. FUNAG/CESUL, Brasília.
75
Disponível em: www.voyagesphotosmanu.com/populacao_africa_do_sul_html. Consultado em 20 de Fevereiro de
2016.
76
Dantas, Tiago (2015). Aspectos Sociais e Culturais da África do Sul. Brasil Escola. Disponível em:
http://brasilescola.uol.com.br/africa-do-sul/aspectos-sociais-culturais-africa-sul.htm. Consultado em 20 de Fevereiro
de 2016.
77
Manuel Guilherme Júnior, Director do Centro de Estudos sobre o Direito da Integração Regional da SADC
(CEDIR), da Universidade Eduardo Mondlane (UEM). Entrevista feita pelo jornal notícias e publicada no dia 24 de
Abril de 2015 em Maputo.

25
c) Causas Políticas: A corrupção é apresentada como um empecilho grave para o crescimento
económico na RSA, não apenas na esfera corporativa, mas também entre os trabalhadores
organizados. Zwelinzima Vavi do Congresso dos Sindicatos Sul-Africanos (COSATU)78, disse
que a corrupção era um flagelo que estava provocando "danos incalculáveis na fibra moral" do
país, (Davies, 2013: 5). Do mesmo modo, Viage (2017)79 afirma que o regime do Congresso
Nacional Africano (ANC)80 transformou-se numa “caverna” de elites que estão ficando cada vez
mais ricas e o povo cada vez mais pobre e submetido num processo colectivo de
“esfomiatização”.

Este regime nalgumas vezes deu entender, através de discursos dos seus líderes comunitários, em
particular da etnia Zulu, que a pobreza extrema e a falta de emprego é devido a presença dos
imigrantes (é o caso do discurso proferido pelo rei Zwetheline em 2015), o que leva os sul-
africanos a recorrerem a actos xenófobos, tomando em consideração a vulnerabilidade que os
cidadãos estrangeiros têm por não estarem nos seus países de origem e alguns por se
encontrarem em situações ilegais, daí que dificilmente contactariam as autoridades policiais
conforme pressupoe a teoria de violência étnica. Nesta ordem de ideias, pode-se afirmar que o
ANC está a submeter o seu povo a uma violência estrutural devido a privação relativa que o
povo vive em relação as discrepâncias que separam a elite das massas.

d) Causas Económicas: Chinoma e Maziriri (2015: 23)81, referem que Soyombo (2008) usa a
teoria económica para explicar as causas da xenofobia e as condições nas quais este facto ocorre,
onde atribuem a pobreza e o desemprego o motivo da eclosão deste fenómeno. Para eles,
indivíduos pobres e desempregados são os mais prováveis aderentes a manifestações xenófobas
do que indivíduos de classe média, ricos, elites e/ou empregados. Quando Nelson Mandela foi
empossado, em Pretória, como o primeiro Presidente democraticamente eleito da África do Sul,
ele encarnava as esperanças de uma nação. O regime segregacionista do apartheid saiu de cena,

78
Congress of South African Trade Unions.
79
Entrevistado aos 9 de Fevereiro de 2017.
80
African National Congress.
81
Chinoma, Elizabeth e Maziriri, Eugene Tafadzwa. (2015). Examining the Phenomenon of Xenophobia as
Experienced by African Immigrant Enterpreneurs in Johannesburg, South Africa: Intensifying the Spirit of
“Ubuntu”. International Journal of Research in Business Studies and Management. Volume 2, Issue 6, June, PP 20-
31.

26
dando lugar à nação do arco-íris 82 e a um momento de grande optimismo no país. Uma das
razões desse optimismo era a esperança de uma economia ascendente, afinal, o fim do apartheid
significava o fim das duras sanções impostas a país. Segundo Davies (2013: 1), a África do Sul
já tinha, a esta altura, uma das infra-estruturas mais desenvolvidas do continente, mas os anos de
isolamento deixaram a economia perto da falência. Logo com o fim das sanções, as exportações
sul-africanas começaram a florescer. Antes de Mandela fazer o juramento de posse, apenas 10%
dos bens do país eram destinados à exportação. Na virada do século, quase um quarto eram
comercializados ao exterior.

Três anos após sua independência, em 1913, a África do Sul aprovou a Lei de Terras, forçando
os negros africanos a viverem em reservas e proibindo-os de trabalharem como mineiros. As
vendas ou aluguel de terra para negros também ficaram proibidas, limitando a ocupação dos
negros em 80% da África do Sul, (Martins, 2014: 1), o que remete-no a privação relativa
conforme advogam os pressupostos da teoria de privação relativa. Décadas depois, a República
Sul Africana ainda tenta igualar os padrões de vida entre população de raça branca e não-branca.
Segundo a “index mundi83”, a África do Sul contava com uma população de 48.375.645 até Julho
de 2015, e de acordo com a página web “suapesquisa”84, 25% encontrava-se desempregada.

Actualmente, segundo o mesmo site, conta com 54, 2 milhões de habitantes (estimativa 2016). O
país lidera a lista das nações com grande desigualdade de renda, com mais de 50% da população
vivendo na linha de pobreza, a maioria negra e a taxa oficial de desemprego na África do Sul
gira em torno de 25% ao ano, e o desemprego entre os jovens é muito maior, (Martins, 2014: 3).
Por sua vez, o jornal notícias online (29-04-2015) 85 , muitos sul-africanos têm justificado os
ataques por causa da pobreza e a grave falta de emprego na segunda maior economia da África e
os imigrantes indocumentados são frequentemente acusados de aceitar o trabalho por um salário
menor. Por sua vez, o índice de pobreza gira em 0.041, e o rácio de emprego gira em vota dos
39.7, favorecendo a minoria Davies (2013: 2) afirma que metade dos menores de 25 anos está
82
Notoriamente conhecido em inglês por “raibow nation” por causa da sua diversidade cultural e racial/etnica.
83
Disponível em: http://www.indexmundi.com/pt/africa_do_sul/populacao.htm. Consultado em 3 de Outubro de
2016.
84
Disponível em: http://www.suapesquisa.com/paises/africa_do_sul/populacao_africa_sul.htm. Consultado em 3 de
Outubro de 2016.
85
Disponível em: http://www.jornalnoticias.co.mz/index.php/internacional/35584-xenofobia-na-africa-do-sul-zuma-
contra-ataca-estados-africanos.html. Consultado em 14 de Maio de /2017.

27
sem trabalho. A taxa de desemprego na África do Sul subiu de 15, 6% em 1995 para 25, 6% em
2000 e quase um em cada três negros está desempregado, em comparação com um (1) em cada
vinte (20) indivíduos de raça branca.
Ainda, Davies vai mais além ao afirmar o seguinte:
 A renda média per capita diminuiu de 13, 2% do nível dos Estados Unidos da América
(EUA) em 1995 para 8, 5% em 2000;
 Mais de 25% dos sul-africanos se beneficiaram de subvenções sociais em 2010, um
aumento de 13% comparando com o ano de 2002;
 Em média, em 2013, uma casa de pessoas de raça branca tinha uma renda mensal seis (6)
vezes maior do que uma casa de pessoas de raça negra.

Ainda no que concerne ao desemprego, Ramongane (s/d: 12) avança que o excesso de mão-de-
obra baixou os valores remuneratórios e isso dá maior vantagem aos imigrantes, que,
encontrando-se em situação de desespero acabam aceitando esses valores, os mesmos que os
cidadãos sul-africanos rejeitam e isto criou de certa forma uma fricção entre as partes envolvidas
nesta violência. Esta situação faz com que muitos jovens negros sul-africanos permaneçam sem
emprego e de acordo com índex mundi86, os níveis de desemprego na África do Sul rondavam
nos 26,8% em 2016, 25,4% em 2015, 23,9% em 2011 e 22,9% em 2008.

Dos 15 registos verificados desde 1990, conforme mostra a tabela que se segue, a média
registada é de 0.62. O registo mais elevado deu-se em 1995 com o IDH de 0. 72, seguido de
2014 com 0.67 e o mais baixo registado foi em 2005 (três anos antes da eclosão das
manifestações de violência xenófoba delimitada na pesquisa em causa). De modo geral, em
termos de crescimento percentual desde que o governo de ANC assumiu o poder até 2015 foi
apenas de 0.28%, oque representa um número inferior para responder as espectativas criadas
pelo povo sul-africano quando conquistou a sua independência.

86
Disponível em: http://www.indexmundi.com/south_africa/unemployment_rate.html. Consultado em 2 de Setembro
de 2017.

28
Tabela.1. Índice de Desenvolvimento Humano Sul-africano (1990-2015).
Ano de recolha de dados Dados Evolução %
2015 0.66 2008 - 2015 = 0.03
2014 0.67 ~ 0.01
2013 0.66 ~ 0.01
2012/2011 0.65 ~ 0.01
2010 0.64 ~ 0.01
2009 0.63 -
1990 a 2015 0.72 - 0.66 1990 - 2015 = 0.28
Fontes: Actualitix87, Frigoletto88 e UNDP89.

Com isto, podemos alinhar no posicionamento de Ntshishonga (2015: 173)90, ao citar um Oficial
do Departamento de Assentamento Humano que dizia que os residentes locais muita das vezes
ficam frustrados por ver suas acções limitadas ou pouco sucedidas comparando com as
actividades dos cidadãos não sul-africanos91. Em suma, atribuir os ataques xenófobos ao passado
histórico não é suficiente para explicar a ocorrência recorrente desta violência. Além disso, este
argumento, em alguma instância, contrasta com a longa história da África do Sul de
trabalhadores migrantes de outros países da África Austral, como Botsuana e Moçambique, e
também em função do movimento de libertação de interacções com nacionais de outros países
enquanto no exílio, (Hopstock & De Jager, 2011: s/p).

Do mesmo jeito, não existem dados oficiais que apontam para os grupos alvos como sendo
autores da criminalidade, HIV/SIDA, preza, escassez de emprego, etre outras. De forma geral,
pode-se argumentar que por um lado, a teoria da privação relativa explica as causas subjacentes
de xenofobia na África do Sul, relacionando-as com o contexto socioeconómico em que os

87
Disponível em: https://pt.actualitix.com/pais/zaf/africa-do-sul-indice-de-desenvolvimento-humano.php.Consultado
em 24 de Julho de 2017.
88
Disponível em: www.frigoletto.com.br/GeoEcon/evolucaoidh2000.html. Consultado em 24 de Julho de 2017.
89
United Nations Development Programme. Disponível em: Www.Hdr.undp.org/en/countries/profiles/ZAF e
http://www.undp.org/hdro/indicators.html. Cosultado em 24 de Julho de 2017.
90
Ntshishonga. (2015). The impact of xenophobia-Afrophobia on the informal economy in Durban.Td. The Journal
for Transdisciplinary Research in South Africa, 11(4), Special edition, pp. 163-179School of Social Work &
Community Development, The University of Kwazulu-Natal, South Africa, Durban.
91
“Locals are often frustrated by their limited stocks compare to with the non-South Africans who do bulk buying
and, networking and expanding their networks is central to their success”.

29
nativos se encontram. Ora vejamos, os lugares da eclosão da VX em 2008 também já foram
locais de protestos contra a violência em relação a outras questões, tais como problemas de
prestação de serviços sociais básicos, (Coplan, 2009: 76), pelo que, fica evidente que estas
comunidades são facilmente explosivas e mobilizáveis à manifestações. Segundo Bekker (2010:
134) e HSRC (2008: 47), isto resulta da pouca comunicação entre o governo e os moradores
sobre estas questões, aliado à corrupção envolvendo funcionários do governo e a polícia,
nomeadamente no que diz respeito ao tratamento de estrangeiros que vivem nesses bairros.
Portanto, a condição precária de vida dos Sul-africanos submete-os a uma frustração que, muitas
vezes, os mais vulneráveis tornam-se alvos. Por exemplo, falhas de entrega de serviço são
responsabilizados no sentimento de concorrentes e sobre aqueles que parecem estar a fazer
melhor do que os residentes locais, neste caso, os estrangeiros. A culpa, portanto, é desviada do
governo e da sua incapacidade de fornecer serviços a todos os pobres, a nova elite económica
multirracial e aqueles que se beneficiaram das políticas redistributivas e foi atribuída aos
estrageiros, (Bekker, 2010: 132).

Com tudo, a pergunta que não quer calar é: Porque é que somente os estrangeiros africanos de
raça negra e de classe baixa são alvos? E, o mais provável seria porque os instigadores da VX
são maioritariamente de grupos que não são capazes de competir eficazmente em uma
modernização da economia e da sociedade, enquanto os alvos são capazes de fazer isso. Deste
modo, segundo Du Toit & Kotzé (2011: 162), a violência torna-se um acto desesperado em que
os autores procuram compensar as suas deficiências. Dito doutra forma, quando a “riqueza” é
notória num estrangeiro semelhante (negro, africano e que pertencia a mesma classe social que
eles), significa que um sul-africano perdeu a possibilidade de adquirir esta riqueza.

De acordo com Devan Pillay (2008: 94), apesar da existência de um discurso redistributivo, na
sequência do processo de democratização, tem surgido um sistema de violência contra a maioria
do povo, o que faz com que as pessoas atingidas por esta violência tenham como um “acerto de
contas” em pessoas mais próximas a eles (os estrangeiros), ainda porque os pronunciamentos de
figuras de destaque apontam para esses imigrantes como a causa da desgraça vivida pelos Sul-
africanos. Por outro lado, a TVE traz-nos uma abordagem semelhante aos eventos da VX na
RSA em Maio de 2008. Isto é ilustrado por uma citação de um instigador após os eventos de

30
2008: "O Governo está lutando contra nós, os empregadores estão lutando contra nós e os
estrangeiros estão lutando contra nós, é por isso que lutar contra eles, porque eles são mais
próximos; não apoiar nossa luta…", (HSRC, 2008: 45). Aqui, podemos verificar que os
agressores até que acusam o governo e os empregadores e reconhecem que a sua luta é contra
eles, mas também atiram culpa ao estrangeiro. Isto leva-nos ao pensamento de horowitz quando
afirma que a violência acontece por medo de receber uma redução de status social. Ora, o
instigador supra citado explica que os estrangeiros são seleccionados em função da sua relativa
proximidade. Além disso, reconhece-se a desvantagem de ser não-nacional, portanto, não há
medo de retaliação.

Assim sendo, de forma resumida, para encerrar este capítulo, podemos classificar as causas em
dois grupos:
e) Declaradas/Publicitadas
Dentre várias causas apontadas pelos cidadãos Sul-africanos, as mais fomentadas giram em volta
do facto dos estrangeiros estarem suas esposas, e outras oportunidades tais como oportunidades
de negócio e de estarem contribuindo para o crescimento do índice de criminalidade e de
doenças como HIV/SIDA. Deste modo, as razões apontadas para os ataques estão associadas a
diversos assuntos, outros atribuem ao passado violento do país, a prestação de serviços
inadequados e a influência da micropolítica em townships, fracasso de alerta precoce e
mecanismos de prevenção em relação à violência baseada na comunidade; e também os
residentes locais afirmam que os estrangeiros levam oportunidades de emprego em troca de
salários mais baixos, os estrangeiros não participam na luta por melhores salários e condições de
trabalho, (Viage, 2017)92.

Evidentemente, outros cidadãos sul-africanos simplesmente não gostam da presença de


refugiados, requerentes de asilo ou estrangeiros em suas comunidades e todas estas declarações
constituem factos verificáveis mas que não são de todo uma verdade. Assim como sul-africanos,
existem estrangeiros envolvidos em actos de criminalidade mas nem sempre se trata de
estrangeiros negros e pobres oriundos de outros pontos do continente Africano; Existe uma
grande quantidade estrangeiros portadores do vírus de HIV/SIDA mas nem sempre são os que

92
Entrevistado aos 9 de Fevereiro de 2017.

31
propagam esta doença, alguns saíram dos seus países de origem saudáveis e contraem a doença
no território sul-africano; Muitos estrangeiros vão para RSA para melhorar suas condições de
vida, razão pela qual aceitam remunerações baixas, diferentemente dos sul-africanos.

f) Reais/Operacionais
Em termos práticos, as causas acima descritas não poderiam per si colocar em causa o bem-estar
do povo sul-africano, pois, todas evidências trazidas na presente pesquisa mostram-nos que a
génese dos problemas da violência verificada na RSA está ligada ao fosso existente entre os
governantes e os governados daquele país. Após muitos anos de opressão e discriminação racial,
acompanhos por extremas privações, a população criou elevada espectativa de ter todas
oportunidades que lhe foi negada, o que de certa forma não aconteceu aos níveis desejados, daí
que surge a percepção de uma contínua privação de seus direitos e que essa mesma percepção
gerou uma frustração aos grupos e consequentemente o uso da violência como mecanismo de
revindicação dos seus direitos.

A politização da questão de emigração criou o objecto da culpa pela incapacidade de gestão do


governo Sul-africano, oque veio a vitimar os povos oriundos doutros países vizinhos que foram
naquele país a procura de melhores condições de vida. É nesta sequência de ocorrência de factos
que pode-se encontrar as causas do extremismo do povo sul-africano, passando do nível de uma
simples manifestação xenófoba para o nível de violência verificada nos anos de 2008 e 2015. De
forma resumida, podemos concluir que existem vários factores que causaram a VX, de forma
repetida na RSA. Todos factores estão directamente ligadas a deficiente implementação das
políticas públicas, o que gerou insatisfação das espectativas e das necessidades básicas humanas
dos sul-africanos, em particular dos que vivem em bairros suburbanos e/ou pobres.
De realçar que, a VX não é um fenómeno novo nas RI menos ainda na África do Sul. O que nos
leva a afirmar que enquanto não forem atacadas as causas profundas da mesma, enquanto a
privação relativa não for tomada em conta de forma contundente então certamente que
poderemos assistir novamente outros episódios de violência xenófoba na África do sul, o que
valida a hipótese levantada sobre a ma redistribuição de recursos que gera sensação de privação
relativa, o que por conseguinte leva ao sentimento de frustração e como consequência à
violência.

32
CAPÍTULO 3
REACÇÃO DA SADC FACE À VIOLÊNCIA XENÓFOBA NA ÁFRICA DO SUL

O presente capítulo procura fazer uma análise da reacção da SADC no que concerne a violência
xenófoba na RSA, visto que maior parte dos povos vitimados pelo fenómeno em estudo
pertencem aos Estados membros da mesma, ademais, o local da ocorrência do facto (RSA) está
dentro da jurisdição de actuação da SADC, uma vez que a RSA também é membro desta
organização regional. Para o efeito, foi feita uma breve descrição da SADC, seguida dos
objectivos, missão e visão traçados por esta organização.

3.1. Breves descrições sobre a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral


(SADC)
O processo de democratização que se verificou na região no início da década de 1990,
juntamente com a resolução dos conflitos relacionados com guerras civis, significou um impulso
importante para o processo de integração, (Visentini, 2010: 119). Todavia, as necessidades
económicas geradas pelo isolamento internacional de Pretória levaram a um aprofundamento da
integração regional. Quando a descolonização avançou na África equatorial, Pretória tentou
articular a chamada Constelação de Estados em torno da sua economia (também como uma
barreira de segurança), com um sucesso temporário e limitado. Embora a situação vigente nos
anos 1970 e 1980 tenha reduzido a hegemonia económica sul-africana ao espaço da SACU, os
adversários que constituíam os chamados Estados da Linha de Frente criaram a Southern Africa
Development Coordination Conference (SADCC).

Mas, apesar das dificuldades práticas da SADCC e das retaliações militares sul-africanas contra
estes países, afirmou-se uma outra lógica de integração, com base na complementaridade
económica e nas obras de infra-estrutura. Só que, como nem a África do Sul poderia viver sem
seu hinterland, nem os vizinhos poderiam avançar sem a RSA, daí que urge solucionar essa
contradição, o que só aconteceu com o fim do Apartheid e a reintegração dos espaços da SACU
com os da SADCC nos anos 1990, (Hentz, 2005: 103). Com certeza, o fim do regime do
apartheid, a independência da Namíbia, o fim das guerras civis, bem como a democratização de
vários regimes da região alteraram favoravelmente o então cenário. Deste modo, a Namíbia

33
aderiu à SADCC, que em 1992 transformou-se na SADC, e a nova África do Sul, instituída em
1994 e governada pelo ANC, aderiu neste mesmo ano e actualmente, a região é composta por
África do Sul, Angola, Botswana, Lesotho, Madagáscar, Malawi, Maurícias, Moçambique,
Namíbia, República Democrática de Congo, Seicheles, Swazilândia, Tanzânia, Zâmbia e
Zimbabwe, totalizando 14 Estados Membros, como podemos verificar no mapa que se segue.

Imagem4: Mapa da SADC.

Fonte: Página Oficial da SADC93.

Com isto, finalmente o espaço da África Austral voltava a reintegrar-se, agora dinamizado por
uma África do Sul dotada de uma nova lógica política. Deste modo, a África Austral, de certa
maneira, recuperou uma situação vigente anteriormente à descolonização, quando a lógica
económica se impunha sobre os imperativos políticos, (Hentz, 2005: 121). No entanto, os países
que integram a região da SADC enfrentaram uma variedade de problemas comuns, que exigiram
soluções colectivas e acções coordenadas.

93
Disponível em: http://www.sadc.int/about-sadc/overview/. Consultado em 07 de Julho de 2017.

34
Porém, a nível regional, a RSA é a maior economia e contribui de forma significativa para o
crescimento do PIB94 da SADC e a nível continental é a segunda maior economia depois da
Nigéria. Segundo Júnior (2015: s/p), citado pelo Jornal Notícias online, a xenofobia que atinge
algumas regiões Sul-africanas viola o princípio fundamental de solidariedade que ditou a criação
da SADC, compromete o processo de integração regional e questiona o sonho de um futuro
comum na África Austral, que já estava ameaçado devido às dificuldades enfrentadas na
implementação do Plano Estratégico Indicativo de Desenvolvimento Regional (RISDP), o qual
previa para o ano de 2016 a livre circulação de pessoas e bens no espaço comunitário, uma vez
que os Estados membros da SADC acordaram a implementação da fase da Zona de Comércio
Livre.

3.2. Legalidade Institucional da SADC


No seu artigo 3 do Tratado da SADC, está previsto que a SADC deve ser uma organização
internacional e deve ter personalidade jurídica com capacidade e poder para celebrar contratos,
adquirir, possuir ou alienar bens móveis ou imóveis e processar e ser processado.
De igual modo, no território de cada Estado Membro, a SADC, nos termos do nº 1 do mesmo
artigo, terá a capacidade jurídica necessária para o exercício adequado das suas funções.
Posto isto, a SADC, havendo necessidade, tem poder para agir dentro do território do seu Estado
Membro e de tomar qualquer medida contra qualquer um dos seus Estados Membros. Assim
sendo, considerando que a África do Sul ratificou o tratado em causa, não sofre excepção no que
concerne à actuação da SADC.

3.3. Princípios que norteiam a SADC


De acordo com o artigo 4, capítulo 3 do Tratado da SADC, a SADC e seus Estados Membros
devem agir de acordo com os seguintes princípios:
 Igualdade soberana para todos;
 Solidariedade, Paz e Segurança;
 Direitos Humanos, democracia e Estado de Direito;
 Equidade, equilíbrio e benefício mútuo e resolução pacífica de litígios.

94
Produto Interno Bruto.

35
3.4. Objectivos da SADC
Constituem objectivos da SADC, segundo CONSADC-MOZ95 astigo 5 do capítulo 3 do Tratado
da SADC:
 Desenvolver valores políticos comuns, sistemas e instituições;
 Promover e defender a paz e segurança;
 Promover o desenvolvimento auto-sustentado na base da auto-suficiência colectiva, e da
interdependência entre os Estados Membros;
 Conseguir a complementaridade entre as estratégias e os programas nacionais e regionais;
 Promover e optimizar o emprego produtivo e a utilização dos recursos da Região;
 Conseguir a utilização sustentável dos recursos naturais e a protecção efectiva do meio
ambiente;
 Reforçar e consolidar as afinidades e laços históricos, sociais e culturais desde há muito
existentes entre os povos da Região;
 Promover o crescimento económico e desenvolvimento socioeconómico sustentáveis e
equitativos que garantam o alívio da pobreza com o objectivo final da sua erradicação,
melhorar o padrão e a qualidade de vida dos povos da África Austral e apoiar os
socialmente desfavorecidos, através da integração regional;
 Desenvolver valores, sistemas políticos e instituições comuns.

3.5. Missão e Visão da SADC


Segundo a Página Oficial da SADC96, constitui sua missão e visão:
A missão da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral é promover o crescimento
económico sustentável e equitativo e o desenvolvimento socioeconómico através de sistemas
eficientes e produtivos, uma cooperação e integração mais profundas, boa governança e paz e
segurança duráveis; para que a região emerge como um jogador competitivo e efectivo nas
relações internacionais e na economia mundial97.

95
Disponível em: http://consadcmocambique.blogspot.com/p/letra-do-hino-da-sadc.html. Consultado em 10 de
Junho de 2017.
96
Disponível em: http://www.sadc.int/about-sadc/overview/. Consultado em 10 de Junho de 2017.
97
The Southern African Development Community (SADC) Mission Statement is to promote sustainable and equitable
economic growth and socio-economic development through efficient, productive systems, deeper co-operation and
integration, good governance, and durable peace and security; so that the region emerges as a competitive and
effective player in international relations and the world economy.

36
No que concerne à visão, a SADC pretende construir uma região em que haverá alto nível de
harmonização e racionalização, para permitir o agrupamento de recursos para o alcance da
autoconfiança colectiva, a fim de melhorar os padrões de vida das pessoas da região.
Adicionalmente, a visão da SADC é um futuro comum, um futuro que assegure o bem-estar
económico regional, assegurar a liberdade e justiça social, a paz e a segurança para as pessoas da
África Austral98.

3.6. Reacção da SADC.


A integração regional requer um secretariado com poderes supranacionais limitados, mas
potenciais. Essa organização não só não deve ser percebida como instrumento de um dos
membros (hegemónico), mas deve também ter certa medida de controlo sobre agenda do
processo como um todo, (Schmitter, 2010: 3-4), daí que é legítima a expectative de ver a reacção
da SADC em qualquer situação que atropela os seus princípios e objectivos. Ora vejamos, a luz
do Tratado 99 da SADC, na alínea “b” e “c”, do Artigo 4, determina como parte dos seus
princípios, a solidariedade, paz e segurança, assim como a defesa dos direitos humanos. De igual
forma, no seu Artigo 5, traça como parte dos objectivos, o reforço e consolidação das afinidades
e laços históricos, sociais e culturais desde há muito existentes entre os povos da região; e,
Promover e defender a paz, segurança e estabilidade.

Neste contexto, a fim de alcançar os objectivos acima mencionados, a SADC acordou


desenvolver políticas voltadas para a eliminação progressiva de obstáculos à livre circulação de
capitais e mão-de-obra, bens e serviços, e do povo regional em geral, entre os Estados membros.
Ainda assim, o que tem-se assistido é um contraste entre alguns dos objectivos e as acções da
SADC. A título de exemplo, o Presidente Robert Mugabe100 abriu no dia 29 de Abril de 2015, a
cimeira extraordinária da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral, em Harare,
sem abordar a então principal questão na região, que era a violência xenófoba na África do

98
The SADC Vision is to build a region in which there will be a high degree of harmonisation and rationalisation, to
enable the pooling of resources to achieve collective self-reliance in order to improve the living standards of the
people of the region. The vision of SADC is one of a Common Future, a future within a regional community that will
ensure economic well-being, improvement of the standards of living and quality of life, freedom and social justice
and peace and security for the people of Southern Africa.
99
Consolidated Text of the Treaty of the Southern African Development Community. 2011 edition. Pdf.
100
Presidente do Zimbabwe e o então Presidente da SADC.

37
Sul 101 . Mesmo assim, de acordo com Ministro das Relações Exteriores angolano, Georges
Chikoti, no decorrer da cimeira o presidente da África do Sul, Jacob Zuma, aproveitou a ocasião
para informar os presentes sobre a situação de xenofobia que ocorreu no seu país102. No entanto,
ainda segundo a mesma fonte, no mesmo evento, alguns Chefes de Estado da SADC
manifestaram o seu apoio às medidas levadas a cabo pelo governo sul-africano com vista a
conter a onda de violência xenófoba registada naquele período.

A indiferença da SADC face a um fenómeno repetitivo, que viola os seus princípios e coloca em
risco os seus objectivos é um elemento de se questionar. Porém, Viage (2017)103 levanta uma
questão interessante ao afirmar que a Política de Constelação Económica adoptada pelo regime
do apartheid para agudizar cada vez mais a dependência económica dos Estados da região, não
morreu totalmente, pois os Estados da região continuam economicamente dependentes da RSA, e
isso, de certa forma pode fazer com que estes Estados não tenham recursos suficientes para
mobilizar o bloco a responder com uma decisão de Política Externa de confrontação para com a
RSA face a estes incidentes.

Curiosamente, a questão de incapacidade institucional da SADC é também levantada por


Nieuwerk (2012: 9) 104 , ao assumir que o Secretariado não tem capacidade institucional e
coerência para coordenar a política externa regional. Adicionalmente, a SADC é usada pelos
Estados membros para se comportar de forma desagregada, enquanto estão preocupados com o
nível nacional. O autor vai mais além afirmando que a SADC, como um coletivo, não
implementou com sucesso os requisitos do Protocolo de órgãos. Para secundar, Caholo
(2012:11)105 acrescenta que o funcionamento da SADC é problemático e aconselha concentração
nos Estados membros, em vez de governos, isso fará com que a SADC tenha uma posição
autoritária.

101
Disponível em: http://africa21online.com/artigo.php?a=12558&e=pol%C3%ADtica&page2=20,5&npg2=5.
Consultado em 10 de Junho de 2017.
102
Disponível em: http://tpa.sapo.ao/noticias/politica/lideres-da-sadc-apoiam-medidas-para-conter-xenofobia.
Consultado em 14 de Junho de 2017.
103
Disponível em: https://ambicanos.blogspot.com/2017/02/os-nove-9-pontos-para-entender-o.html. Consultado em
16 de Agosto de 2017.
104
Nieuwerk, Anthoni Van (2012). SADC, Security and Good Governance: A Critical Reflection. Conference
Report and Policy Papers (2012). SADC Think Tank Conference on Regional Integration. Series 02 Maputo. Pdf.
105
Então Secretário Executivo Adjunto sobre Integração Regional, Eng. João Samuel Caholo (2012:11). Conference
Report and Policy Papers (2012). SADC Think Tank Conference on Regional Integration. Series 02 Maputo. Pdf.

38
Fazendo uma leitura dos posicionamentos acima apresentados, em função dos objectivos, missão
e visão que a organização tem, torna-se evidente que nem tudo que está preceituado no tratado da
SADC está sendo operacionalizado. Pois, a questão da xenofobia na África do sul coloca em
causa alguns dos objectivos e até mesmo os princípios organizacionais estabelecidos pela SADC.
As evidências acima descritas permitem-nos assumir, por um lado, uma incapacidade 106 da
SADC em responder os problemas regionais, este cenário resulta pelo facto de que os Estados
membros têm agido de forma isolada, sobrepondo os interesses nacionais acima dos interesses
regionais.

No caso específico da RSA, sendo a maior economia regional, o que automaticamente torna os
Estados vizinhos e a própria organização dependentes de si, fez com que a SADC não tivesse
poder suficiente para tomar uma medida disciplinar contra a RSA. E por outro lado, o cuidado
que a organização teve em pressionar o governo Sul-africano, pois, pressionar o governo de
Zuma, seria o mesmo que exigir ao governo, uma afronta com o seu povo, o que poderia levar a
um conflito ainda maior, envolvendo o governo e a população, uma vez que o próprio governo
não consegue responder de forma satisfatória as expectativas da população jovem, que por sinal
constituem a maioria da população Sul-africana.

Importa referir que, a questão da xenofobia é um assunto doméstico, pelo que não é da inteira
responsabilidade da SADC em resolvé-lo. Porém, é em parte, da responsabilidade da SADC de
fazer uso do seu poder de tomar certas medidas caso se verifique em qualquer dos seus Estados-
mebros um fenómeno que coloca em causa os princípios, objectivos, misão, visões ou os
postulados da carta desta organização. Deste modo, a violíncia xenófoba contra cidadãos dos
estados-membros da SADC, vitimados pelo povo sul-africano, outro Estado-membro e de
extrema relevância na região, periga a fase de Zona de Comércio Lívre, em particular a livre
circulação de pessoas e bens, bem como a mobilidade de factores de trabalho que necessitaria de
uma base socio-regional muito sólida.

106
A título de exemplo, em 2008 o tribunal desta organização foi encerado supostamente por ter intervido num
conflito de terras em Zimbabwe, prejudicando o governo zimbabweano; o incumprimento do deadline (2008) para
efectivação da Zona do Livre Comércio (ZLC).

39
CAPÍTULO 4
REACÇÃO DOS ESTADOS CUJOS POVOS FORAM VÍCTIMAS DA VIOLÊNCIA
XENÓFOBA NA AFRICA DO SUL

O presente capítulo é dedicado à análise da reacção dos Estados que viram seus cidadãos serem
violentados por alguns cidadãos sul-africanos, sendo que, primeiramente, evidenciou-se a reação
dos Estados que registaram maior índice de cidadãos vítimas da violíncia xenófoba na África do
Sul nomeadamente Moçambique, Zimbabwe, Malawi e Nigéria. Por fim, reflectiu-se sobre o
impacto da violência xenófoba na RSA para o processo de integração regional na SADC.

4.1. Reacção dos Estados cujos cidadãos foram vitimados pela violência xenófoba
A história dos refugiados e requerentes de asilo na África do Sul remonta aos anos 1980, onde
cerca de 350.000 moçambicanos refugiaram-se para aquele país, dos quais cerca de 20%, desde
então, não regressou para casa. África do Sul não reconheceu os refugiados até 1993 quando se
tornou signatário das Nações Unidas e da Organização de Convenções de Unidade Africana
sobre os Refugiados, em 1994. África do Sul é o país mais industrializado da África, e atrai
milhares de estrangeiros a cada ano, em busca de refúgio da pobreza, crises económicas, a guerra
e a perseguição do governo em seus países de origem, (sahistory-online, 2015: s/p).
Os governos de Zimbabwe, Malawi, e Moçambique repatriaram centenas dos seus cidadãos após
os conflitos, mas a Nigéria foi a primeira nação a protagonizar uma acção diplomática
drástica 107 . Segundo Sapo notícias (2015: s/p) 108 , milhares de pessoas marcharam em
Moçambique, Nigéria, Etiópia, Malawi, Zimbabwe, entre outros países com imigrantes na África
do Sul.

a) Reacção de Moçambique
Os ataques xenófobos, tanto de 2008, assim como de 2015, vitimaram muitos Moçambicanos
que encontravam-se lá a procura de melhores condições de vida. A título de exemplo, o
moçambicano Ernesto Alfabeto Nhamuave foi espancado, esfaqueado e linchado em Ramaphosa

107
Disponível em: https://www.voaportugues.com/a/nigeria-africa-do-sul-xenofobia/2739569.html. Consultado em
14 de Junho de 2017.
108
Disponível em: http://noticias.sapo.mz/aim/artigo/10616823042015163140.html. Consultado em 14 de Junho de
2017.

40
no East Rand. A polícia encerrou o caso em 27 de Outubro de 2010, depois de concluir que não
havia suspeitos e nem houve testemunhas. Ao todo, 62 pessoas foram mortas, tanto
moçambicanos como de outras nacionalidades, (voa português, 2015: s/p) 109 . Mediante esta
situação, o governo moçambicano, na pessoa do Ministro dos Negócios Estrangeiros e
Cooperação de Moçambique, Oldemiro Baloi, responsabilizou as autoridades sul-africanas pela
violência contra os estrangeiros. “Espero que não volte a acontecer o que aconteceu em 2008,
isto é consequência do facto de, em 2008, não terem sido tiradas as devidas lições do que
ocorreu”, (Ibid).

Por sua vez, segundo a página de internet “voa português” 110 , Daviz Simango 111 exigiu uma
acção judicial do Governo moçambicano contra o Estado sul-africano e os autores da violência
xenófoba. De igual modo, acusou o Executivo moçambicano de cumplicidade na onda xenófoba
devido a políticas socioeconómicas falhadas, o que empurra vários moçambicanos a se
emigrarem. Para além disto, Simango classificou os ataques xenófobos como sendo uma
violação dos direitos humanos e um acto de “ingratidão” por parte dos sul-africanos, que se
refugiaram em Moçambique durante a luta contra o apartheid. Ainda segundo a mesma página
de internet (voa português, 2015: s/p) 112 , activistas da sociedade civil em Moçambique,
promoveram duas marchas na capital Maputo e entregaram à Embaixada da África do Sul uma
carta de repúdio e manifestaram igualmente preocupação com o silêncio da acção judicial do
Governo moçambicano113.
Na mesma onda de repúdio à violência xenófoba, o escritor moçambicano Mia Couto, escreveu
uma carta aberta114 ao Presidente sul-africano Jacob Zuma, onde numa das passagens chamou a
acção xenófoba de um atentado bárbaro e cobarde, para além de considera-la uma agressão
contra a própria África do Sul, um atentado contra a Rainbow Nations, um ideal que os sul-
africanos orgulhosamente proclamaram. Os jovens moçambicanos são unânimes na condenação

109
Disponível em: https://www.voaportugues.com/a/oldemiro-baloi-responsabiliza-governo-da-africa-do-sul-pela-
violencia/2731327.html. Consultado em 02 de Junho de 2017
110
Disponível em: https://www.voaportugues.com/a/daviz-simango-defende-accao-judicial-contra-governo-sul-
africano/2735978.html. Consultado em 05 de Junho de 2017.
111
Presidente do Movimento Democrático de Moçambique (MDM) e autarca do Município da Beira.
112
Voa português é uma página de internet que publica notícias e faz reflexões de assuntos de pertinência.
113
Vide o anexo IV, imagem número 1.
114
Disponível em: https://noticias.mmo.co.mz/2015/04/escritor-mia-couto-endereca-carta-aberta-ao-presidente-
zuma.html#ixzz4juHwuVJh. Consultado em 02 de Junho de 2017.

41
dos actos perpetuados pelos sul-africanos, mas divergem naquilo que pensam que o governo
moçambicano deve ou deveria fazer para solucionar este problema. Alguns jovens comuns
afirmam que sentiram-se revoltados com o silêncio de Moçambique perante aquela situação e
dever-se-ia mandar embora todos cidadãos sul-africanos que residem ou trabalham em
Moçambique. Contrariamente, os jovens académicos têm uma posição menos radical, pois,
segundo estes não é tão fácil o governo moçambicano tomar medidas radicais contra o governo
sul-africano, uma vez que Moçambique não tem poder e nem capacidade para tal, mas avançam
soluções a médio e longo prazo, como é o caso da criação de postos de trabalho para que se
reduza o número de cidadãos moçambicanos a procura de melhor condições de vida na vizinha
África do Sul, cujo um dos defensores desta ideia é o jovem Samacais (2017)115.

De modo geral, a população moçambicana não foi indiferente, conforme relata Saponotícias
(2015: s/p)116, que o porta-voz da Sasol, Alex Anderson, disse que o trabalho foi paralisado na
sua empresa de gás em Inhambane depois de o pessoal sul-africano ter recebido ameaças de
ataque e de igual modo, em vários plataformas de comunicação (SMS, Whatssap117, etc.) foram
enviadas aos moçambicanos, mensagens aconselhando o boicote de produtos sul-africanos. A
mesma fonte relata que diversas fontes disseram ao jornal sul-africano “The Times” que as
empresas Kentz Engineering e DRA Engineering evacuaram o seu pessoal das minas
carboníferas em Tete.

b) Reacção de Zimbabwe
O Estado Zimbabwiano condenou a postura dos cidadãos e do governo Sul-africano. Igualmente,
a sociedade civil de Zimbabwe, assim como comunidade académica também não apoiam a
postura dos agressores sul-africanos pois olham para aqueles actos como sendo de hostilidade,
falta de humanismo e boa convivência, a título de exemplo, o académico Dr. Chimanikire118, ao
responder a questão “What is your opinion about the xenophobic violence?”, respondeu que
“XENOPHOBIA is inhuman and very negative to regional integration and peace and security in

115
Entrevistado em 18 de Abril de 2017.
116
Disponívem em: www.noticias.sapo.mz/aim/artigo/10608317042015170338.html. Consultado em 15 de Junho de
2017.
117
Aplicativo de comunicação lançado em 2009 (rede social).
118
Entrevistado pelo pesquisador.

42
the region”. Num vídeo disponibilizado na youtube119 , o jovem A.C. Lumumba, emitiu uma
mensagem ao povo sul-africano, onde disse que eles não são inimigos dos sul-africanos, quando
a África do Sul estava sob domínio do aparthaid, os zimbabwianos estavam lá para lhes ajudar,
portanto não havia motivos de serem perseguidos e que eles farão de tudo para travar aquela
onda de violência xenófoba. No fim das suas declarações, convocou todo povo zimbabwean, em
particular jovens a se reunirem no African United Square para uma marcha com destino a
diferentes empreendimentos sul-africanos, incluindo a embaixada sul-africana sediada em
Harare.

c) Reacção do Malawi
Logo que houve informações da eclosão da violência xenófoba, o governo de Malawi, através da
porta-voz do Ministério dos Assuntos Externos e Cooperação Internacional, emitiu um
comunicado aconselhando seus cidadãos que se encontravam na África do Sul a retornarem para
o país120. Segundo Clottey (2015: s/p) 121 , o Presidente malauiano Arthur Peter Mutharika
condenou os ataques xenófobos e afirmou estar em contacto com o Presidente Sul-africano Jacob
Zuma durante as vésperas do encontro da SADC que teve lugar no Harare, Zimbabwe no dia 29
de Abril de 2015. Por sua vez, o Presidente Mutharika deu a conhecer que as relações
diplomáticas entre Lilongwe e Pretoria continuavam saudáveis apesar do incidente.

Ainda, milhares de pessoas exigiram que se pedissem “contas” ao rei Zulu, Goodwill Zwelithini
e Edward Zuma, filho do Presidente Jacob Zuma, por alegadamente terem incitado a violência
contra estrangeiros, (Sapo notícias, 2015: s/p). Como medidas, segundo a BBC122 News (2015:
s/p)123, Houve mensagens de boicote de todos produtos provenientes da África do Sul e algumas
lojas sul-africanas precisaram de protecção policial124 para garantir a sua integridade.

119
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8eS3KSgDJBE. Consultado em 11 de Junho de 2017.
Tradução do pesquisador.
120
Disponível em: https://www.nyasatimes.com/govt-tells-malawians-south-africa-return-home-xenophobic-attacks-
strike/. Consultado em 15 de Junho de 2017.
121
Disponível em: https://www.voanews.com/a/xenophobix-attacks-unfortunae-says-malawi-president-
mutharika/2732702.html. Consultado em 11 de Junho de 2017.
122
British Broadcasting Corporation.
123
Disponível em: http://www.bbc.com/news/world-africa-32446951. Consultado em 18 de Junho de 2017.
124
Vide o anexo III.

43
d) Reacção da Nigéria
Segundo “voa português (2015: s/p)125”, após onda de ataques xenófobos na RSA, a Nigéria
retirou alguns diplomatas de Pretória, o que deixou o governo sul-africano descontente. Nessa
altura, o governo da Nigéria afirmou que não chamou oficialmente de volta os seus enviados ao
país, mas apenas pediu para que eles regressassem à Nigéria para consultas de rotina e que
retirou o seu embaixador em Pretória por causa dos ataques, numa altura em que propagava-se
apelos generalizados para o boicote dos produtos sul-africanos, dos quais, muitos países
dependem. Na Nigéria, o consulado sul-africano acreditado naquele país, viu-se forçado a fechar
as portas, face a protestos anti-xenófobos realizados na cidade de Lagos 126 . Portanto, na
perspectiva dos académicos, de acordo com o professor Shadrack Gutto, da Universidade da
África do Sul, citado pela “voa português (2015) ”, ambos os países (África do Sul e Nigéria)
procuram um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU, pelo que algumas das
acções sejam sinais para mostrar quem é o melhor representante de África.

Com isto, ele acredita que a Nigéria estava tentando exagerar os casos de xenofobia que
ocorreram na África do Sul para manchar a imagem do Estado Sul-africano no continente. Por
sua vez, a população nigerianas tomou uma posição mais radical ao reunir-se às portas da sede
da MTN127 em Kaduna para protestar contra a violência xenófoba na África do Sul. Um dos
protestantes, Yusuf Amoke, ameaçou atacar os negócios sul-africanos na Nigéria, afirmando que
“Se os Sul-africanos não estão envergonhados o suficiente para não matar o povo nigeriano e não
destruir os seus negócios, então os nigerianos também não seriam razoáveis o suficiente para
deixar os empreendimentos Sul-africanos sobreviverem na Nigéria”, (Ibid, 2015).
No contexto de repúdio à violência xenófoba, o antigo Presidente nigeriano Olusegun
Obasanjo128, teria dito que se ele fosse Presidente da RSA não teria ocorrido aquele incidente;
Uma vez que o incidente já estava se vivendo, iria conter essas acções; aqueles que tenha-se
provado que perpetuaram aquele acto, independentemente de quão próximos fossem dele
(relacionamento pessoal), seriam punidos publicamente para servir de exemplo, pois, para ele a
125
Disponível em: https://www.voaportugues.com/a/nigeria-africa-do-sul-xenofobia/2739569.html. Consultado em
02 de Junho de 2017.
126
Disponível em: http://www.jornalnoticias.co.mz/index.php/internacional/35584-xenofobia-na-africa-do-sul-
zuma-contra-ataca-estados-africanos.html. Consultado em 14 de Maio de 2017.
127
Mobile Telephone Network-Companhia de telecomunicação de origem Sul-africana.
128
Ao ser questionado o que ele faria se fosse Presidente Zuma, sabendo que jogou um papel importante para dar
um fim ao apartheid na África do Sul.

44
RSA é um dos líderes continentais e qualquer Estado que está na posição de liderança e deixa
este fenómeno acontecer não merece estar na posição de líder, (youtube)129. Um dos episódios
marcantes deu-se com o suposto vídeo feito pelo grupo terrorista Boko Haram, ameaçando o
governo sul-africano caso não interviesse para estancar a onda de violência xenófoba, conforme
relatou a página web “myzimbabwe”130. Segundo o mesmo site, a Nigerian Youths Congress
(NYC), também condenou a VX e ameaçou retaliar caso o governo sul-africano não tomasse
medidas para proteger as vítimas, dar um fim ao movimento xenófobo e responsabilizar os
mentores. O líder do NYC Yakubo Shendam criticou o silêncio e morosidade para responder ao
cenário que se vivia, considerando o papel que as vítimas jogavam para o crescimento
económico da RSA.

Neste subcapítulo, constatou-se que estes Estados condenaram os actos dos manifestantes através
de pronunciamentos oficiais. No entanto, para a população desses Estados, os seus governos
poderiam ter feito mais que mera condenação verbal. Face a análise feita, constatou-se que a
reacção destes actores não impactou em nada nas relações diplomáticas com a RSA ou dentro da
SADC. Constatou-se ainda que, de facto, os Estados não fizeram o suficiente mas fizeram o
possível, ou seja, fizeram o que estava ao seu alcance, pois, uma acção acima da condenação
verbal seria tornar um problema sociopolítico doméstico em um problema político-diplomático,
(Cadeado, 2017)131. A opção pela condenação foi julgada a possível, pois as relações económicas
com a RSA não permitem medidas mais enérgicas como, por exemplo, sanções, uma vez que
qualquer acção desta natureza realizada por iniciativa dos Estados de origem dos cidadãos
vítimas da VX poderia dar motivo para a RSA considerar isso uma agressão contra o Estado, isto
porque os actos de xenofobia foram protagonizados por cidadãos e não por entidades estatais.
Para além disso, qualquer medida radical contra a RSA poderia desencadear uma onda de
retaliação prejudicial para a estabilidade sociopolítica, no lugar de resolver o problema.
Ademais, os meios de comunicação social estatais, privados e nas redes sociais, desencadeou-se
uma onda de sensibilização de modo a diminuir qualquer probabilidade de se estimular acções
radicais contra RSA.

129
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=EOI9d6kDZzo. Consultado em 14 de Junho de 2017.
Tradução do pesquisador.
130
Disponível em: http://www.myzimbabwe.co.zw/news/2937-boko-haram-vows-to-kill-south-africans-if-
xenophobia-doesn-t-end-within-24-hours.html. Consultado em 24 de Julho de 2017.
131
Entrevistado aos 2 de Outubro de 2017.

45
4.2. Impactos Da Violência Xenófoba Na África Do Sul Sobre O Processo De Integração
Regional Na Sadc
O presente subcapítulo visa reflectir sobre os impactos da violência xenófoba na África do Sul
para o processo de integração regional na SADC. Para o efeito, apresenta-se o impacto a nível
social, político e económico na região, que resulta da violência xenófoba na RSA. De seguida,
faz-se a conclusão e foram apresentadas algumas recomendações que podem contribuir para
sanar o problema em causa e prevenir a repetição do mesmo fenómeno na região.

4.2.1. Impacto da Violência Xenófoba para o Processo de Integração Regional na SADC


Segundo Jaime (2011: 63) 132 , dois problemas que exigem coordenação regional são as
migrações, que se aceleraram com o fim do Apartheid, e a gravíssima questão da HIV/SIDA na
região. O primeiro, ao lado dos problemas socioeconómicos, tem gerado forte sentimento
xenófobo na África do Sul, dado o desemprego existente no país. Quanto ao segundo, a
disseminação da HIV/SIDA, que na RSA já atinge um quarto (¼) da população e em Botswana
mais da metade da população. Daí que requer políticas colectivas, principalmente no que tange
aos migrantes. Logicamente, poderiamos assumir que o esforço para resolver problemas comuns
seriam a todos níveis, afinal de contas, a região tem uma história política de irmandade e
solidariedade, tanto que a solidariedade entre os povos é um dos princípios consagrados no acto
constitutivo desta organização regional, (Ibid).

Assim sendo, com as evidências da violência xenófoba, podemos assumir que a IR está
ameaçada. Porém, para Guilherme Júnior, a onda de xenofobia e outros problemas que a região
enfrenta não são uma ameaça definitiva para a SADC, pois, os países membros estão firmes nos
seus objectivos políticos, económicos e socioculturais. Todavia, devem trabalhar mais, porque a
SADC não é dos políticos, mas sim dos povos. Este último posicionamento sugere a avaliação
sectorial das implicações da violência xenófoba no processo de integração regional na SADC
porque num contexto de integração regional, qualquer violência, seja ela intra-estatal, inter-
estatal ou social dentro de um determinado Estado pode distanciar os povos.

132
Jaime, Elísio Benedito, (2011). Multilateralismo e Regionalismo na Ordem Económica Internacional: OMC e
SADC: O Processo de Integração Regional na SADC. Revista Científica Inter-Universitária. CAP-Centro de Análise
de PolíticaS DA flcs/uem. Volume 1, Número 4.

46
a) A Nível Social: De acordo com os documentos oficiais da SADC, a integração não será bem-
sucedida, salvo os cidadãos da região determinem o seu conteúdo, forma e direcção, e serem eles
próprios os seus agentes activos. Avança-se ainda que um dos principais elementos da integração
profunda é o envolvimento dos cidadãos e vários grupos de interesse no desenho dos protocolos
de cooperação133, no entanto, a violência xenófoba distancia os povos, (Cadeado, 2017)134. Nesta
ordem de ideias, os cidadãos Sul-africanos demonstram total desconhecimento dos benefícios de
uma integração ao praticarem violência contra cidadãos de outros países africanos. Caso esta
onda de violência se repita de forma recorrente, pode se viver uma desordem social a nível
regional, onde o povo Sul-africano não poderá ultrapassar os seus limites fronteiriços, sob risco
de sofrer uma retaliação. Mais uma vez coloca-se em risco as etapas da fase da ZLC em
particular a livre circulação de pessoas e bens e mobilidade de factores de trabalho.

b) A Nível Político: Partindo do pressuposto de que a integração ocorre no sentido top-down,


sendo a elite política que dinamiza o processo todo, ficou-se comprovado que as manifestações
da violência xenófoba não têm nenhuma implicação significativa a este nível de actuação. Mas,
como defende Samacais (2017)135, os Políticos não estão fazendo o seu papel para dinamizar a
integração, a título de exemplo, o governo sul-africano sabe que o valor do Rand poderá baixar
significativamente havendo fluxo monetário de todas moedas no âmbito da integração e ele (o
governo da RSA) não está preparado para isso, daí que por um lado a integração é vista como
uma ameaça para a economia da RSA. A isto pode ser associado ao facto da morosidade do
governo sul-africano no que tange à resposta face à violência praticada contra imigrantes, não só,
as denúncias da aparente indiferença por parte das autoridades policiais e o tendecioso discurso
do Presidente Jacob Zuma ao atribuir culpa também aos líderes dos Estados de proveniência
desses imigrantes alegando estarem fazendo pouco para condicionar as necessidades básicas aos
seus povos de modo a não olharem para RSA como sua “salvação”. Aliás, existem evidências
que mostram que nem todos Estados estão comprometidos com a ideia da integração, a título de
exemplo temos Angola, que não ratificou o instrumento do livre comércio e com as atitudes do
governo sul-africano pode haver uma quebra de confiança política entre Estados.

133
Disponível em:
http://www.sadc.int/files/5013/6725/4112/SADC_Think_Tank_Conference_Maputo_2012_PT.pdf. Consultado em
20 de Abril de 2017.
134
Entrevistado em 2 de Outubro de 2017.
135
Entrevistado em 18 de Abril de 2017.

47
c) A Nível Económico: Nenhum Estado é auto-suficiente, por isso, os teóricos da integração
argumentam que este fenómeno sempre traz ganhos para os Estados membros. A própria África
do Sul, apesar de ser uma potência regional, poderá tirar maiores vantagens do processo da livre
circulação de pessoas e bens, porque vai facilitar a localização de novas oportunidades e
parcerias comerciais, criação e exploração de outros mercados. Nesta ordem de ideias, as práticas
xenófobas podem retrair ou desencorajar os níveis de interacção económica, visto que grande
parte da economia de alguns Estados como é o caso de Moçambique, Zimbabwe, etc., dependem
do sector informal (trocas comercias entre pessoas singulares), que podem limitar a circulação
inter-fronteiriço pelo receio da violência e isso reflectiu-se a curto prazo durante o auge da VX.
O sentimento de vingança ou retaliação é outro problema que pode afectar o sector da economia
porque muitas empresas multinacionais da origem ou não Sul-africana operam em diversos
países regionais, tendo como mão-de-obra cidadãos desses países junto com cidadãos Sul-
africanos, o que pode afectar negativamente a produção e produtividade dessas empresas.

No presente subcapítulo, pretendia avaliar os impactos da violência xenófoba para o processo de


integração regional na SADC e constatou-se que por causa da génese da SADC, do legado
histórico partilhado pelos partidos políticos no poder em quase todos países membros, associado
a pujança económica da RSA, não foram verificados grandes impactos no processo de integração
regional na SADC. Porém, e porque a integração não é feita só a nível político e económico, o
provável impacto da violência xenófoba na RSA para o processo de IR na SADC pode-se
reflectir na fase da Zona do Livre Comércio, onde um dos adventos característicos é a livre
circulação de pessoas e bens. A maior parte da economia dos Estados da região é dinamizada
pelo sector informal, a título de exemplo a classe económica denominada de Mukheristas136 em
Moçambique.

136
Palavra usada em Moçambique para referenciar os nacionais que atravessam a fronteira, em particular Sul-
africana, com objectivo de comprar diversos bens para revender.

48
GENERALIZAÇÕES E RECOMENDAÇÕES

A presente pesquisa visava reflectir sobre a violência xenófoba na África do Sul e seus impactos
para o processo de integração regional na SADC e pode-se afirmar que foram atingidos os
resultados inicialmente anunciados.

Os objectivos traçados foram alcançados e as hipóteses levantadas foram validadas. Prova disto,
no primeiro objectivo específico, verificou-se, com recurso aos factores históricos, sociais,
políticos e económicos que o povo sul-africano vem sofrendo uma privação relativa que resulta
da má gestão do próprio governo e das políticas falhadas que o mesmo tem vindo a aplicar e que
não conseguem resolver os problemas do povo. Daí que pode-se assumir como sendo pretexto o
que os manifestantes alegam para justificar as suas acções contra estrangeiros negros de classe
baixa, ou seja, a hipótese que foi avançada no trabalho é válida. Outro factor de relevância é o
problema de tribalismo e regionalismo implantado da RSA, assim como o complexo de
superioridade de algumas etnias sul-africanas como é o caso dos Zulu‟s.

No segundo objectivo específico, verificou-se que de facto, a SADC, como uma entidade
supranacional na qual todos seus Estados membros devem subordinar-se a ela, não conseguiu
incluir na sua agenda de debates a questão da violência xenófoba na África do Sul e/ou cobrar
responsabilização dos autores desta barbaridade, pois, não há registos claros e disponíveis sobre
as medidas tomadas por esta organização regional.
No que tange ao terceiro objectivo específico, a sua hipótese considera-se válida porque esses
Estados, através de diferentes representações foram unânimes em condenar os actos xenófobos e
mostraram-se desapontados com a atitude do governo sul-africano pela demora na reacção para
conter os manifestantes. Ademais, estes Estados prestaram toda assistência necessária, incluindo
repatriamento dos seus cidadãos, mas mediatizaram a anti-retaliação. O único Estado que tomou
algumas medidas extremas foi a Nigéria ao retirar seus embaixadores na África do Sul e o povo
Nigeriano retaliou sabotando alguns empreendimentos sul-africanos na Nigéria. Este cenário fez
com que os povos de outros Estados como foi o caso de Moçambique, Zimbabwe, Malawi, etc.,
mostrarem-se descontentes com o pacifismo dos seus governos, uma vez que a violência não
estava ocorrendo pela primeira vez, esperavam uma medida radical contra o Estado Sul-africano

49
como forma de retaliação ou até mesmo como uma maneira de exercer pressão contra o governo
sul-africano. Por fim, no último objectivo específico, a sua hipótese também foi validada
parcialmente porque verificou-se que de ponto de vista de relações diplomáticas entre os Estados
corre-se poucos riscos, cenário que pode não se verificar na integração social regional, porque,
apesar de ainda registar-se crescente movimentação de cidadãos de outros Estados membros da
SADC para RSA, não se pode negar que o medo e a insegurança permanece nessas pessoas, o
que compromete a livre circulação na região.
Assim sendo, após este trabalho, conclui-se que as relações entre África do Sul e os outros
Estados membros da SADC são factores determinantes e cruciais. No entanto, o poder
económico que a RSA detém, quer a nível continental, bem como a nível regional, lhe confere
um certo poder hegemónico, o que faz com que muitos Estados, assim como a SADC sejam
dependentes deste país e tenham um certo receio de tomar determinadas medidas. Daí que, o
povo Sul-africano tinha em mente que as oportunidades que lhe foi privado durante o regime do
apartheid, no contexto pós-independência seriam descentralizadas, a riqueza seria
equitativamente distribuída e acreditava que teria um Estado inclusivo, onde as necessidades,
aspirações e satisfações seriam a prioridade dos seus dirigentes.

Deste modo, ficou evidente que a questão da VX na RSA poderá repetir-se, uma vez que as
causas que originaram este fenómeno ainda não foram resolvidas. Consequentemente, esta
situação remete-nos à ideia da “paz negativa”137. Em outras palavras, por causa dos problemas
mal resolvidos, a ameaça de regresso ao conflito permanece intacta. De certo que, a violência
xenófoba não impede a circulação na região e nem reduz o fluxo de imigrantes para África do
Sul mas o medo está presente em todos negros pobres não nacionais sul-africanos e onde existem
sentimentos de insegurança, medo e desconfiança, pode existir sentimento de vingança, havendo
vingança a integração regional na SADC não será efectivada porque encontrará um entrave na
fusão das nações (criação de uma sociedade integrada como a organização anseia). Está
comprometida deste modo, a mobilidade de pessoas dentro da região, ou seja, está se vivendo
uma insegurança social.

137
Conceito trazido por John Galtung, onde define-a como o estado da ausência da guerra e/ou da violência.

50
Portanto, de acordo com o estudo realizado, faz-se as seguintes recomendações:
Integração inclusiva: Para que uma região se integre de forma benéfica para as populações é
necessário que o projecto não seja limitado a objectivos político-económicos, mas também a uma
dimensão social e a acções que abram as mentes dos seus povos. A forma mais fiável de abrir as
mentes é através da educação e isto é um processo, exige planificação e execução de uma série
de programas estratégicos, sistemática e consistentemente. Esta acção pode ser possível através
de uso dos meios de comunicação, numa altura em que estes apresentam-se cada vez mais
sofisticados e influenciam sobremaneira na aquisição de informação.

Maior actuação da SADC: A SADC precisa operacionalizar suas estratégias de


desenvolvimento económico, através de industrialização e reduzir o entre os Estados membros,
oque pode reduzir o elevado fluxo de imigração para África do Sul. Precisa acima de tudo,
promover a nível dos Estados uma medida de educação cívica, a fim de reconstruir o sentimento
de camaradagem, de solidariedade e de irmandade, valores que uniram os povos da reginais
durante as lutas pelas independências. Precisa criar e/ou consolidar as políticas de integração de
imigrantes e outros extractos sociais desfavorecidos, através de uma forte coordenação com os
sectores estatais que lidam com políticas populacionais.

Auto-responsabilização do Governo Sul-africano: O governo Sul-africano deve cumprir com


as suas obrigações internacionais no que concerne aos direitos dos imigrantes conforme
plasmado nas Actas dos Imigrantes de 2002 e dos Refugiados de 1998, assim como as demais
leis internacionais que regulam o direito dos imigrantes e deve consciencializar o seu povo sobre
os ganhos de uma integração.

Engajamento dos países membros da SADC: Todos Estados precisam adoptar estratégias
capazes de melhorar as condições básicas dos seus cidadãos, apostando em sectores onde
possuem maior vantagem de produção, mas antes, precisam divulgar e publicitar informações
sobre a IR e seus benefícios.

51
LISTA DE REFERÊNCIAS

Fontes Primárias
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Development Comunity);
 Relatório do Secretário Executivo: Relatório de Actividades do Secretariado da SADC,
(Agosto de 2010- Julho de 2011: 13).

Entrevistas:

 dr. Bitone Viage. Licenciado em Relações Internacionais e Diplomacia pelo Instituto


Superior de Relações Internacionais e Licenciado em Filosofia pela Universidade
Pedagógica, Contacto: +55 918466- 1465. Entrevistado em 9 de Fevereiro de 2017;
 Calton Sérgio Salvador Cadeado, M.A. Docente do Instituto Superior de Relações
Internacionais. Entrevistado com recurso a endereço electrónico em 2 de Outubro de
2017;
 Dr. Donald Chimanikire. Professor da Universidade de Zimbabwe, contacto: +263-773-
020-486. Entrevistado com recurso a endereço electrónico em 13 de Setembro de 2016;
 dr. Joaquim Mairosse Samacais. Licenciado em Administração Pública pelo Instituto
Superior de Relações Internacionais. Contacto: +258 823194443. Entrevistado em 18 de
Abril de 2017;
 Dr.ª Suzanne Graham. Professora Sénior na Universidade de Johannesburg, Contacto:
011 559 2896, entrevistada com recurso a endereço electrónico em 13 de Setembro de
2016.

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57
ANEXOS

Anexo I. Questionário para Entrevista

Inquiridor: Pendegrêncio Paulo Cossa


Supervisora: Iracema William Matsinhe, M.A
Localização do inquerido: ____________________________ Telefone/Contacto: ____________
Esta entrevista visa a recolha de informação sobre Violência Xenófoba na África Do Sul e
Seu Impacto para o Processo de Integração Regional na SADC. “Xenophobic Violence
in South Africa and it Impact on the Regional Integration Process in SADC” As
informações disponibilizadas são confidenciais e serão utilizadas apenas para a presente
pesquisa científica.

I. Dados pessoais
1. Nome complete: __________________________________________________________
2. Sexo: ________________ Nível académico: _____________________________________
3. Instituição: _______________________________________________________________
4. Profissão/Carreira: _________________________________________________________

II. Questionário
1. Qual é a sua opinião sobre a violência xenófoba na África do Sul?
2. No seu entender, quais são as reais causas que levaram a ocorrência deste fenómeno?
3. Olhando para integração regional como sendo um mecanismo adoptado pelos Estados para
solucionar problemas comuns, abdicando de uma parte das suas soberanias, que posicionamento
toma em relação a este processo?
4. Sente-se incluso neste processo?
5. Que medidas devem ser adoptadas para sanar este problema e evitar constrangimentos no
processo de integração regional?

III. Considerações finais


1. Qual é a sua sugestão para a concretização de uma integração efectiva?
2. Deseja acrescentar alguma coisa?

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Anexo II. Modelo Básico De Rebelião

Fonte: Gurr, Ted. (1970), Why Men Rebel, Princeton University Press, New Jarsey.

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Anexo III. Uma Das Lojas De Origem Sul-Africana em Malawi

Fonte: Disponível em: http://www.africa21online.com/artigo.php?a=12390&e=Especiais. Baixada em 16


de Novembro de 2017.

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Anexo IV. Marcha Contra Violência Xenófoba

1. Marcha em Maputo.

Fontes: Dércio Tsandzana, disponível em: https://pt.globalvoices.org/2015/04/26/mocambicanos-


marcham-em-maputo-contra-a-xenofobia-na-africa-do-sul/. Baixada em 16 de Novembro de 2017.

2. Marcha na RSA.

Fonte: Disponível em: https://images.enca.com/encadrupal/styles/600_383/s3/WEB_XENOPHOBIA-


FOREIGN6_150.jpg. Baixada em 16 de Novembro de 2017.

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Anexo V. Vítimas De Violência Xenófoba

1. Estrangeiros tentando fugir com alguns pertences.

Fonte: Disponível em: http://www.moz.life/ataques-xenofobos-na-rsa-governo-nigeriano-pede-


intervencao-da-uniao-africana/. Baixada em 15 de Novembro de 2017.

2. Moçambicano no campo de acolhimento de Boane.

Fonte: Disponível em: http://www.jn.pt/mundo/interior/mais-de-1500-mocambicanos-em-fuga-da-


xenofobia-na-africa-do-sul-4524674.html. Baixada em 15 de Novembro de 2017.

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