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A MORTE DA TERRA

Autor
CLARK DARLTON

Tradução
S. PEREIRA MAGALHÃES

Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
O fim de uma época — a Terra
mergulha no mar do esquecimento.

História da Terceira Potência em poucas palavras:

• O foguete Stardust alcança a Lua e Perry Rhodan descobre a nave exploradora dos
arcônidas, que realizou um pouso de emergência (vol. 1).
• Instalação da Terceira Potência contra a resistência das grandes potências terrenas
e defesa contra tentativas de invasão extraterrena (vols. 2 a 9).
• Primeira intervenção da Terceira Potência nos acontecimentos galácticos. Perry
Rhodan defronta-se com os tópsidas e procura solucionar o enigma galático (vols.
10 a 18).
• A Stardust-III descobre o planeta Peregrino e Perry Rhodan alcança a imortalidade
relativa (vol. 19).
• Perry Rhodan regressa à Terra e luta por Vênus (vols. 20 a 24).
• O Supercrânio ataca (vols. 25 a 27).
• Chegada dos saltadores, que pretendem eliminar a concorrência potencial da Terra
no comércio galático (vols. 28 a 37).
• Primeiro contato de Perry Rhodan com Árcon e atuação como delegado do cérebro
positrônico que exerce o governo no grupo estelar M-13 (vols. 38 a 42).

Os saltadores planejaram a destruição da Terra. Essa destruição é também do


interesse de Rhodan. Naturalmente não a destruição da verdadeira Terra, o planeta pátrio
da Humanidade. Mas, sim, o terceiro planeta desabitado do sistema Beta.
A programação alterada da positrônica de bordo da nave de Topthor levou os
saltadores à falsa Terra...
E o espetáculo da destruição da Titan deve ser assistido por todos os seres
inteligentes da Galáxia, para convencê-los realmente que a Terra e Rhodan não existem
mais...

= = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = =

Perry Rhodan — Administrador da Terra e comandante da Titan.


Major Deringhouse — Intrépido comandante do cruzador Centauro.
Al-Khor — Comandante supremo das forças tópsidas no sistema Beta.
Ber-Ka — Corajoso e pretensioso oficial tópsida que derrubou a nave de Topthor.
Cekztel — Quer destruir a Terra, mas confunde-a com um planeta de Beta.
Topthor — O grande idealizador da guerra de destruição da Terra.
Gucky — Com três poderes parapsicológicos é uma peça indispensável da vitória.
1

Fora da relação tempo-espaço, definida por Einstein, todas as leis da natureza que
conhecemos perdem a validade no hiperespaço. A noção de tempo desaparece e as
distâncias infinitas se reduzem a um ridículo nada.
No infinito do Universo, decorrera apenas fração de um segundo, quando Perry
Rhodan deu um salto de dez mil anos-luz com a sua poderosa esfera espacial Titan, para
o interior da Via Láctea.
Num piscar de olho, o Sol se reduziu a uma minúscula estrela, que apenas os mais
sensíveis telescópios eletrônicos eram capazes de perceber, no emaranhado imenso de
corpos celestes. Mesmo o sol Beta, o olho gigantesco vermelho, parecia quase apagado.
Já estava a 9.728 anos-luz da Titan, na direção da Terra.
Diante da supernave, porém, jazia o espaço infinito, com seus sistemas habitados e
desabitados... e com seus perigos.
Perry Rhodan estava sentado em frente à tela panorâmica que lhe proporcionava
uma visão simultânea de todo o espaço. A seu lado, Reginald Bell, seu melhor amigo e
companheiro, passava a mão na nuca para minorar a dor da transição. Depois ajeitou as
cerdas eriçadas de sua cabeleira vermelha e esfregou os olhos para ver melhor. A Titan
avançava para dentro do emaranhado de estrelas, porém, agora quase que se “arrastando”
a uma velocidade que mal atingia 0,9 da velocidade da luz. Nesta aceleração, levariam
anos para atingir a próxima estrela.
— Espero que os interessados tenham ouvido o estrondo durante a rematerialização,
Bell — disse Rhodan, acenando na direção da porta da central de rádio. — Saberemos em
breve.
“Por toda parte, nas Galáxias, existem rastreadores estruturais, que registram
qualquer transição no hiperespaço. Nós não nos utilizamos do compensador estrutural
durante o salto, portanto devem ter ouvido o estrondo no mesmo instante, mesmo na
distância de dez mil anos-luz.
“Agora é que começa o quebra-cabeça das conjeturas, meu amigo. Os comerciantes
das Galáxias pensarão que somos os terranos, no que, aliás, estão certos. Permita Deus
que os tópsidas, de acordo com os planos, também nos considerem comerciantes das
Galáxias.”
— Vamos reforçar um pouco a opinião deles — prometeu Bell, que era baixo e
meio pesadão. Mas Bell, realmente, não tinha nada de pesadão e isto valia também não só
no sentido físico. — Os sáurios de Topsid têm de supor que nós somos saltadores, pois
acreditam que viemos do lado oposto. Com os saltadores é diferente, eles vêm das
profundezas da Via Láctea e acreditam que nossa Terra esteja no sistema do sol Beta,
onde os tópsidas tentam se estabelecer. Já que os saltadores tencionam destruir a Terra, os
habitantes do sistema Beta vão intervir e atacá-los. Haverá então uma guerra, a que
vamos assistir de camarote, se quisermos atingir nosso grande objetivo.
Maravilhosamente engendrado, não é?
— Sim, por Deringhouse e McClears, com os quais, finalmente, temos que manter
contato. Onde estarão agora os dois cruzadores?
Bell Interpretou a pergunta como uma ordem indireta e se levantou.
— Está bem, vou me informar a respeito. Rádio cifrado?
— Naturalmente — confirmou Rhodan, e continuou olhando para o painel
panorâmico, embora não houvesse nada para ver, de maior interesse. — Determinar a
posição e pedir um relatório da situação. Eu irei pessoalmente falar com Deringhouse.
Nada, de imagens, para os telespectadores clandestinos não pegarem nada. É bom que a
Terra permaneça um pouco no esquecimento.
— Em compensação, metade do Universo se movimenta por causa dela — disse
Bell sorrindo, enquanto atravessava a cabina semi-esférica para entrar na sala de rádio,
que ficava ao lado. — Alô, Martin, dormiu bem?
O cadete Martin fez um gesto que sim, sem se virar, estava sentado diante dos
aparelhos, observando o resultado de alguns números em escalas coloridas. Uma tela oval
apresentava reflexos cintilantes que percorriam a tela convexa, aparentemente sem
sentido. Não se compreendia nada, naquela confusão de sinais. De um alto-falante,
ouviam-se estalos.
— Salto bem sucedido, senhor. Nenhum sinal de rádio até agora, que se refira a nós.
— Envie uma mensagem por hiperrádio a Deringhouse, na direção de Beta. Em
código cifrado sistema H-V trinta e três, positronicamente. Major Deringhouse deve dar
sua posição e se preparar para fazer um relatório. O chefe quer falar diretamente com ele.
Avise, assim que conseguir contatá-lo.
— Certo, senhor, tudo será feito.
Bell ainda ficou olhando por uns instantes como o operador-chefe ligou a instalação,
registrou a mensagem no aparelho de decodificação e depois a gravou em fita magnética
que começou a retransmiti-la. O texto seria repetido tantas vezes até que viesse resposta
na mesma freqüência. Isto poderia levar horas ou apenas minutos.
— A mensagem está correndo — disse Bell a Rhodan, voltando à sua poltrona de
primeiro-oficial. — Tomara que nenhum saltador nos localize.
— Isso é um pouco difícil — sorriu Rhodan. — Sob certas condições, pode-se
determinar a direção das transmissões por hiper-rádio, mas nunca o seu distanciamento.
Terão que procurar muito até nos encontrar. Está mais otimista, Bell?
O gorducho murmurou algo ininteligível e passou a se dedicar com afinco à
observação do Universo, como se nunca tivesse visto uma estrela em sua vida.
Na realidade, tinha visto muito mais estrelas do que muitos outros homens. Mas Bell
pensava sempre em moças bonitas.

***

O cruzador pesado Centauro, uma esfera de duzentos metros de diâmetro, estava


relativamente imóvel no espaço, aguardando. Bem perto dele, a menos de dois
quilômetros, flutuava a nave gêmea Terra, cujo comandante era o major McClears.
A bordo da Centauro estavam, além do telepata John Marshall, nove outros
mutantes, sem incluir Gucky, o rato-castor. A separação de seu amigo do peito, Bell,
estava lhe fazendo muito bem, pelo menos estava deixando de aprender outras expressões
um tanto fortes e tinha que se contentar com as que já sabia.
Deringhouse tinha dormido algumas horas, e naquele exato momento estava
chegando à cabina de comando, para substituir seu lugar-tenente capitão Lamanche.
— Alguma novidade, capitão?
O francês balançou a cabeça.
— Nada, senhor. A distância do sol Beta continua ainda a de trinta anos-luz. O
rastreador estrutural constatou um grande número de transições nas imediações do
sistema Beta. Os tópsidas estão recebendo realmente o prometido reforço.
Deringhouse ouvia cansado.
— Está bem, Lamanche, substitua-me daqui a cinco horas.
Cinco horas... Deringhouse não foi diretamente para sua poltrona, mas ficou
andando de um lado para o outro na espaçosa cabina da Centauro. Quanta coisa havia
acontecido nos últimos dias...
O plano de Rhodan de enganar os poderosos inimigos da Terra estava se tornando
cada vez mais concreto. Os saltadores, unidos a Topthor, tinham em mãos um trunfo
insuperável. O superpesado Topthor sabia onde estava a Terra. Pelo menos julgava que
sabia. O que realmente não sabia era que os mutantes de Rhodan, já há muito tempo,
haviam alterado os dados no computador de bordo da Top II, onde estavam armazenados
todos os detalhes sobre a posição da Terra. Quando fosse consultado, o cérebro eletrônico
diria hoje que a Terra é o terceiro planeta do sistema Beta.
Conforme o plano de Rhodan, os saltadores haveriam de atacar este terceiro planeta
de Beta e destruí-lo, na crença de que se tratava da Terra.
Com isto estava ganhando tempo para fortalecer o sistema de defesa da Terra e para
se preparar para um segundo encontro com o cérebro robotizado de Árcon. É claro que
após a destruição da “Terra”, tinha-se de dar a impressão de que não existiam mais os
terranos de Perry Rhodan.
Deringhouse tinha nos lábios um leve sorriso. Um plano ousado e prudente que,
quando bem sucedido, resolveria muitos problemas de uma só vez.
O terceiro planeta do sol Beta era um mundo de florestas virgens inabitado, que
seria sacrificado para salvar a Humanidade. O quarto planeta, porém, o “mundo d’água”,
chamado Aqua, foi uma verdadeira surpresa. No único continente, que nadava num mar
imenso, como uma pequena ilha, os tópsidas haviam estabelecido uma base. Os tópsidas
ou sáurios possuíam a 815 anos-luz da Terra um reino estelar, dominado por um ditador.
Eram velhos inimigos de Rhodan. E agora surgiam de repente tão pertos da “Terra” de
novo. Num plano feito na última hora, Deringhouse e os seus se faziam passar por
saltadores e acabaram revelando aos tópsidas que a força de combate dos superpesados,
uma tropa de assalto de elite dos saltadores, estava a caminho para destruir a base dos
tópsidas. Outras unidades dos saltadores e dos aras participariam também do assalto.
A reação foi como se esperava. Os sáurios exigiram reforços para poderem se
defender do assalto. Deringhouse fugiu e estava a trinta anos-luz de distância, esperando
o sucesso de sua artimanha.
Um zunido muito agudo chegou a seus ouvidos, vindo da cabina de rádio ao lado.
Tenente Fischer estava de serviço.
O zumbido estridente significava hiper-rádio.
— Rhodan?
Com um pulo, Deringhouse atravessou a cabina de controle e empurrou a porta da
cabina de rádio.
Fischer regulou o volume e procurou o manual dos códigos. Ligou o aparelho de
decodificação e, no mesmo instante, os sons quase inarticulados se tornaram
compreensíveis:
— ...tauro. Repetindo: Titan para Centauro. Indique posição, major Deringhouse. O
chefe aguarda relatório completo. Repito mensagem toda: Aqui Titan, posição dez mil
anos-luz da Terra, direção Árcon. Titan para Centauro...
— Apresente-se, Fischer — ordenou Deringhouse — talvez já estão chamando por
nós há mais tempo. Ou você recebeu o chamado neste instante?
— Não tenho a menor idéia de quando começou o sinal, senhor.
Demorou mais dois minutos até que a voz de Rhodan se fez ouvir no alto-falante.
Para a cobertura de uma distância quase inimaginável, ela levou menos de um milésimo
de segundo.
— Aqui fala Rhodan. Estou a nove mil setecentos e vinte oito anos-luz de vocês,
Deringhouse. Transições contínuas anunciam a concentração da frota dos saltadores. O
número exato não é possível saber. E o que está se passando por aí?
— As últimas mensagens dos tópsidas puderam ser decifradas. O ditador de Topsid
prometeu enviar para a base de Aqua uma poderosa esquadrilha militar. Conforme meus
cálculos, chegam a uns quinhentos aparelhos, e já estão a caminho.
— Os saltadores também devem trazer um número mais ou menos aproximado. A
destruição intencionada por nós do pseudo-planeta Terra se dará, pois, sob circunstâncias
dramáticas. Quando os tópsidas e os saltadores se digladiarem, não sobrará muita coisa.
Temos que fazer tudo para que não cheguem a explicações verbais. Os saltadores têm de
considerar os tópsidas como terranos ou seus aliados, enquanto que os tópsidas têm de
ver nos saltadores seus inimigos figadais. Se nós aparecermos uma vez ou outra e
permitirmos que eles nos vejam um pouco, a ilusão será completa. Mais alguma coisa,
Deringhouse? Tudo claro?
— Apenas uma pergunta, senhor.
— Pois não, Deringhouse.
— O senhor vai ficar por aí ou vem nos dar um pouco de apoio? E ainda mais:
Quando devemos voltar para o terceiro planeta?
A resposta de Rhodan não se fez esperar.
— Vamos agir juntos. Você receberá a ordem de atacar no mesmo segundo em que
a Titan saltar para o terceiro planeta. Será no momento em que os saltadores caírem em
cima dos tópsidas.
— Será que três espaçonaves apenas bastam para enganar os dois lados?
— Acho que sim, se não ficarmos sempre no mesmo lugar. Até logo mais,
Deringhouse.
O major olhou para a tela, onde, em condições normais, a imagem de Rhodan teria
aparecido. Voltou depois para a cabina de comando e ficou refletindo.
“Tomara que os cálculos de Rhodan dêem certo. Do contrário...”

***

O segundo parceiro do jogo de xadrez galático era Al-Khor, o comandante geral dos
tópsidas nos planetas do sistema Beta. Depois de haver eliminado seu inimigo Wor-Lök,
e ter entrado em ligação com Topsid, muita coisa se havia alterado. A base dos tópsidas
no quarto planeta, até então muito fraca, foi imediatamente reforçada para não ser
derrotada em caso de um ataque. Sem suspeitar de nada, Al-Khor veio de encontro aos
planos de Rhodan. Além disso, quis o acaso que Al-Khor, através de suas providências,
confirmasse os dados falsos dos saltadores de que no planeta das matas virgens é que
estava a Terra. Al-Khor transferiu para o terceiro planeta todo o poderio militar dos
tópsidas.
A cada momento chegavam novos reforços da longínqua pátria dos tópsidas, a mais
de quinhentos anos-luz do sistema Beta. Deringhouse conseguiu registrar as transições, já
estavam acima de quatrocentas.
No planalto, situado acima das matas virgens, os raios energéticos escavavam
enormes cavernas nos rochedos. O planeta, até então desabitado, virou de uma hora para
outra uma verdadeira fortaleza. Naves de patrulhamento dos sáurios cruzavam em
direções predeterminadas todo o planeta, fazendo tudo para evitar um ataque de surpresa
dos saltadores. Outras unidades estavam escondidas nas partes rasas do mar, esperando
pela ordem de entrar em ação.
Os tópsidas estavam bem armados para repelir a cobiça dos saltadores, cujos
motivos, porém, não estavam bem claros desta vez. Se soubessem por que motivos os
saltadores estavam atacando o terceiro planeta, ou se chegassem a perceber que os
saltadores julgavam que se tratava da Terra, seu procedimento mudaria, e tudo estaria
perdido.
Al-Khor estava a bordo de um dos últimos aparelhos que haviam deixado Aqua, o
planeta das águas. Quando o mundo azul desapareceu atrás dele, acenou contente para o
comandante do cruzador.
— Os saltadores jamais chegarão à idéia de que nós estamos mais interessados no
quarto planeta do que no terceiro. E também não terão possibilidade de corrigir o erro. O
ditador me comunicou há pouco, que, exatamente no momento em que nós estivermos no
apogeu do ataque, mandará uma outra frota de duzentos cruzadores pesados. Tenho a
impressão de que nenhuma espaçonave dos saltadores escapará da destruição.
— Uma jogada genial — disse o comandante do cruzador tópsida elogiando. — Seu
nome, Al-Khor, ficará nas páginas da história dos tópsidas.
Al-Khor concordou feliz. Já estava se vendo, em traje de gala, na parada da vitória,
ao lado do ditador que o condecoraria como herói do Reino das Estrelas.
O cruzador chegou ao terceiro planeta e Al-Khor se dirigiu ao quartel-general, uma
caverna escavada num morro, nas proximidades do equador. A estação de hiper-rádio já
estava em funcionamento. Em menos de dois minutos, Al-Khor conseguiu ligação com
Topsid. Exigindo um relato completo da situação, o comandante local das forças armadas
apresentou-se. Depois prometeu solenemente:
— Pode ficar tranqüilo, Al-Khor, os saltadores terão a maior derrota de sua longa
história. O ditador está muito contente com as providências que você tomou. Envie a
senha, assim que os saltadores atacarem e faça com que estejamos sempre a par do
desenrolar dos acontecimentos.
— Haveremos de vencer! — exclamou Al-Khor pateticamente.
Houve um momento de silêncio e depois veio a resposta:
— Temos de vencer, Al-Khor.

***

O terceiro parceiro da partida chamava-se Cekztel, o mais velho patriarca dos


superpesados, que mantinha em suas mãos o comando geral de todas as forças armadas
dos saltadores. Sua figura maciça — pesava mais de seiscentos e cinqüenta quilos —
estava sentada numa poltrona especial diante dos controles da espaçonave, de onde iria
dirigir a estratégia geral. A estratégia que significava a destruição total de um planeta
chamado Terra.
Cekztel era, propriamente, o órgão executivo do empreendimento, pois o iniciador
de tudo chamava-se Topthor. E por isso, vamos nos ocupar mais dele, pois foi ele quem
um dia descobriu a Terra e registrou no computador de bordo, com muito cuidado, sua
localização. Como Perry Rhodan se tornava cada vez mais importante, e portanto mais
perigoso, o valor deste registro positrônico era incalculável. Topthor acabou revelando
este segredo aos saltadores, pois estava em jogo sua própria segurança. Resolveram,
então, unidos, acabar com Rhodan, de uma vez por todas. Seu planeta pátrio teria que ser
destruído. A chave para isto estava com Topthor.
Mas a chave não prestava mais, pois há muito, os mutantes de Perry Rhodan haviam
alterado os dados do computador de Topthor. A “Terra” agora girava em torno do sol
Beta.
Quanto mais longe, melhor.
O corpanzil de Topthor repousava numa poltrona larga. Os superpesados tinham
vivido por muito tempo num planeta de elevada gravitação, mas apesar de seu enorme
corpo, eram relativamente ágeis.
— Alô, Regol! Você está cochilando aí no seu posto?
— Cabina de rádio na escuta, Topthor. Não foi possível ainda fazer a ligação com
Talamon.
— Não temos nenhuma freqüência secreta?
— Talamon não responde nem mesmo por ela.
Topthor, com um soco da mão direita fechada, fez funcionar outro botão,
interrompendo a ligação com a sala de rádio. Durante uns dois minutos ficou praguejando
sozinho, antes de ligar o intercomunicador.
— Gatzek deve vir falar comigo, imediatamente.
Gatzek era o segundo-oficial da nave Top II, homem de confiança de Topthor. Os
dois superpesados já tinham feito muitas campanhas juntos e travado muitas batalhas, por
bom dinheiro dos ricos comerciantes das Galáxias. Desta vez, porém, não se tratava de
dinheiro, tratava-se de riscar do mapa um adversário que se tornara poderoso demais.
Por que Talamon não se manifestou?
Gatzek era relativamente magro, pesava tão somente... quinhentos quilos.
— Qual é a novidade, Top? Ataque?
— Ainda não — murmurou Topthor mal-humorado. — Cekztel está levando muito
tempo. Enquanto isto ocorre um número muito grande de transições lá por perto da Terra.
Isso me preocupa. Parece que Rhodan foi avisado de alguma coisa.
Por uns instantes, Gatzek parecia assustado, mas de repente um sorriso sarcástico
inundou seu rosto.
— Quem é que o poderia ter avisado?
Topthor não prosseguiu com suas idéias.
— Não consegui ainda me comunicar com Talamon. Onde estará o nosso amigo
Talamon...?
Era o único saltador que havia feito amizade com Rhodan, porque este lhe poupara a
vida, quando duzentas naves dos superpesados entraram num beco sem saída. Além
disso, Talamon era devedor de gratidão a Rhodan, pelo melhor negócio que fizera em sua
vida.
Naturalmente, ninguém conhecia estes detalhes, mas Topthor tinha suas suspeitas e
sabia muito bem ler entre as linhas. Sua última conversa com Talamon o deixou muito
preocupado.
— Ele vai tomar parte no ataque à Terra? — perguntou Gatzek.
— Quem dos superpesados que não vai tomar parte, ao menos com uma nave, que
seja? — foi a contra-pergunta de Topthor. — Nossa frota de assalto já conta com mais de
oitocentas unidades, mas de Talamon não há nem um aparelho de pequeno porte. Você
tem uma explicação razoável para isto?
Gatzek sacudiu os poderosos ombros:
— Será que ele está com medo?
Topthor se irritou um pouco com esta hipótese descabida.
— Medo? Talamon ter medo? Receio que tenha outro motivo: simpatiza muito com
Rhodan.
— Com um terrano que está mais morto do que vivo? — disse Gatzek sinceramente
admirado. Depois deu uma sonora gargalhada. — Por que nos preocupamos com
Talamon? Se não quiser vir, que fique em casa. Mesmo sozinhos, somos capazes de
liquidar este Rhodan. Não pode fazer nada contra oitocentas naves poderosíssimas.
No fundo, ele tinha razão, mas felizmente não sabia de que maneira ele estava
acertando.
— Talamon é meu amigo — disse Topthor — e eu não gostaria que um amigo
seguisse caminhos errados, que acabariam sendo sua ruína. Temos de chamá-lo a
atenção.
— E como você vai conseguir isto, se ele não dá sinal de vida?
Topthor não sabia o que responder. Não tinha também mais oportunidade de se
preocupar com isto, pois neste momento ouviu-se o estalo característico do alto-falante
do intercomunicador e logo depois soou a voz objetiva de Regol:
— Acabam de chegar as coordenadas para o salto e o horário. O ataque à Terra será
desfechado exatamente dentro de trinta minutos.
É claro que ele não usou a palavra minuto, mas convertido daria mais ou menos o
equivalente. Topthor esqueceu num instante o caso de Talamon. Fazendo um sinal para
seu homem de confiança, Gatzek, perguntou:
— Para onde é que nos leva o salto?
— Para o centro do sistema dos terranos. Uma nave de patrulhamento colheu
informações. Chegaremos a menos de dois minutos-luz da Terra no superespaço.
— A rapaziada vai arregalar os olhos — continuou Topthor, pois o superpesado já
estivera uma vez na Terra. Mas, naquela vez, Rhodan o enganara. De qualquer maneira,
Rhodan lhe poupara a vida. Mas Topthor não era homem para se mostrar grato por uma
coisa desta. — Porém desta feita, vamos acabar com Rhodan.
— Esperamos que sim — observou Gatzek, e já não parecia tão seguro.
Mas Topthor atribuía seu mau humor a um outro motivo: Talamon. Sabia que seu
amigo era um homem muito perspicaz, que jamais teria tomado uma atitude como esta
sem motivos de grande peso. Se não estava tomando parte neste ataque, era porque estava
duvidando de antemão do resultado da ação. Por quê? Conhecia ele tão bem assim a
capacidade de Rhodan, para acreditar na vitória dos terranos? Ou seria sentimento de
gratidão que o impedia de atacar Perry, por lhe haver poupado a vida, há tempos atrás?
Um saltador superpesado, mas... sentimental...?
Topthor deu uma risada forçada e se dirigiu à sala de rádio.
— Então, Regol, que é que há com Talamon?
— Os sinais de chamada continuam sem resposta, Topthor. Seu amigo não aparece e
ninguém sabe onde está.
Topthor ficou calado, virou-se bruscamente na direção da cabina de controle.
Deixou-se cair pesadamente na poltrona que rangeu sob o peso.
Gatzek esperava tranqüilo. Percebeu pela fisionomia de Topthor, que seria melhor
ficar calado. Pois nos traços de Topthor não se via apenas uma curiosidade angustiante,
mas declaradamente a expressão da dúvida.

***

Afinal aí estava Talamon, que Topthor procurava tão desesperadamente. Neste jogo
de xadrez galático, representava ele o papel mais insignificante possível, pois nem
aparecia. Mas exatamente isto é que deixava Topthor tão zangado e incerto.
Porém, Talamon agiu por conta própria, quando deixou de atender o pedido de seu
patriarca Cekztel, não enviando nenhum aparelho para o ataque à Terra. Por que razão
haveria ele de prejudicar Rhodan? Não foi exatamente Rhodan que o fizera milionário?
Que lhe poupara a vida? Que lhe provara que também entre raças estranhas existe algo
chamado “código de honra”?
Não, Talamon não via razão para trair Rhodan.
Estava com sua frota de duzentas unidades em algum lugar da Via Láctea, não
mandou naves de patrulhamento e sua central de rádio ficou em permanente escuta. Caso
fosse necessário, tinha a firme resolução de ajudar Rhodan. Sua tentativa de avisar os
terranos foi inútil, pelo menos não havia recebido nenhuma resposta. Ficou
acompanhando todas as transmissões das frotas dos saltadores que se reuniam e estava
muito bem informado sobre tudo. Também os chamados de Topthor ele havia recebido,
sem respondê-los.
E assim aconteceu, que atrás dos bastidores espreitava uma força militar de
envergadura, aguardando o momento de intervir nos acontecimentos. Uma força de que
ninguém suspeitava.
Nem mesmo Perry Rhodan.
2

Tudo convergia para a Titan.


O operador-chefe Martin acordara de um sono reparador e já tinha voltado para seu
posto, quando o receptor começou a acusar impulsos fortes demais. Continham apenas
uma palavra no texto: “Rhodan”.
O restante era ininteligível. Martin, que tinha muita experiência, gravou em fita a
mensagem que se repetia e depois chamou o chefe. Rhodan apareceu logo, bem disposto
depois de um bom repouso.
— O que há, Martin?
O operador ligou a fita gravada. Rhodan ouviu por uns instantes, sem dizer uma
palavra, depois sorriu e apontando para a instalação de controle positrônico, disse:
— Aplique a chave XX-treze e deixe a fita correr. Pegue o texto decifrado e me
traga na sala de comando. Eu estou substituindo Bell.
Martin começou seu trabalho enquanto Rhodan abriu a porta da cabina e entrou.
Bell estava na poltrona do comandante e virou para trás com cara de cansado. Um leve
sorriso tremulou em seus lábios quando fitou Rhodan.
— Já é tempo que alguém me venha substituir. Não consigo mais ficar de pé.
Minhas pernas estão cansadas.
Perry retrucou:
— Se meus conhecimentos de anatomia não estão errados, você também senta sobre
as pernas, mas numa parte muito especial que você chama de...
— Santo Deus, será que tudo tem que ser tomado ao pé da letra? — lamentou Bell.
— Só queria dizer que estou muito cansado.
— Então vá dormir, Gordo — aconselhou-o Rhodan, tirando seu amigo da poltrona.
— O negócio vai começar logo e todos os guerreiros estão mesmo cansados.
A brincadeira de Rhodan deixou Bell com melhor disposição.
— O negócio vai começar? Que negócio? Você se refere ao ataque?
— Quando é que você vai aprender a falar melhor? — e apontando na direção da
sala de rádio, disse: — Chegou um rádio há pouco. Se não me engano, vem de Talamon.
— Do superpesado? Que quer de nós?
— Saberemos logo. De qualquer maneira, manteve a palavra.
Nesse instante entrou Martin.
— Já decifrei o texto, devo...?
— Pode rodar a fita e ligue o som para cá.
Segundos após, a fita estava tocando na sala de rádio, a mensagem tinha um texto
simples e claro.
— Sim — disse Rhodan contente — é sem dúvida o vozeirão do nosso amigo
Talamon. Deve estar muito apreensivo a nosso respeito, para ter coragem de nos mandar
esta mensagem.
Bell nada disse. Estava atento a cada palavra que saía do alto-falante:
— Rhodan, aqui fala Talamon. Perigo iminente para a Terra. Em vinte minutos
exatos a Terra será atacada por uma frota sob o comando de Cekztel e a orientação
astronáutica de Topthor. Posição já conhecida. Estou esperando suas instruções. Não
tomo parte no ataque. Repito: Rhodan, aqui fala Talamon. Perigo iminente para Terra.
Em vinte minutos exatos...
Bell fazia sinal de aplauso.
— Veja só, iam deles, o supergordo, é sincero e quer nos avisar. Não esperava isto
dele.
— Mais tarde haveremos de nos lembrar dele — prometeu Rhodan, desligando a
instalação de som.
Encostou-se comodamente na poltrona e volvendo-se para Bell:
— Como é? Não vai dormir? Estava tão cansado?
— Cansado? — suspirou Bell. Seus cabelos vermelhos estavam arrepiados. —
Como posso dormir se a batalha começa em vinte minutos?
— Você não deve esquecer que esta mensagem foi recebida por Martin há uns dez
minutos — disse Rhodan bem calmo. — Só a decifragem levou seis minutos.
— Dez minutos!... — os olhos de Bell se arredondaram. — Isto quer dizer que os
saltadores em dez minutos... Puxa vida! Que estamos fazendo aqui?
— Dez minutos... — Rhodan olhou para o relógio e se corrigiu. — Nove minutos é
um tempo bem grande quando se sabe aproveitar. — Rhodan apertou um botão. —
Martin, faça-me uma ligação para Deringhouse. Eu vou atender aí.
Desligou o intercomunicador e se levantou.
— A operação está em marcha, mesmo que não façamos mais nada. Não podemos
mais detê-la, o máximo que podemos fazer é influenciar para o lado positivo e haveremos
de fazê-lo, naturalmente. Você ainda quer ficar acordado?
Rhodan se dirigiu novamente para a sala de rádio, pois Deringhouse já estava
esperando.
— Atenção, Deringhouse. Última informação — disse Rhodan, olhando para o
relógio. — Os saltadores se materializam no espaço dentro de sete minutos e trinta
segundos. Temos então que já estar aí, pois não sei qual vai ser a reação de Topthor, se
reconhecer seu erro. Temos que cuidar que não lhe sobre tempo para uma desculpa. Os
saltadores têm que ver no terceiro planeta a Terra verdadeira. Topthor é o único ser
humanóide que viu o sol da nossa Terra e guardou sua posição. Os saltadores devem,
portanto ser atacados assim que chegarem.
— Os tópsidas estão esperando por eles — observou Deringhouse.
— Certo, mas nós devemos ajudar um pouco. Transição exatamente em sete
minutos para o sistema Beta. Deringhouse, ataque a primeira nave dos saltadores que
aparecer. Não espere muito e não fique mais do que um minuto em cada posição.
Transição é mais importante do que luta. Os saltadores devem ter a impressão de que
estão lutando contra uma grande frota de poderosos cruzadores. A mesma ordem vale
também para McClears. Entendido?
— Entendido, senhor. E o que é que o senhor vai fazer?
— A Titan também vai aparecer. Já que somos as três únicas naves esféricas, não há
perigo de nos enganarmos.
— Por que — perguntou Deringhouse com voz abafada — não destruímos logo a
nave de Topthor, para tirar muito aborrecimento do caminho? Quando ele e seu
computador de bordo estiverem destruídos, ninguém mais poderá corrigir o erro.
Rhodan deu um sorriso frio.
— Existem centenas de naves de conformação cilíndrica, muito semelhantes umas
às outras. Você acha que consegue distinguir a de Topthor das outras?
Depois de curta pausa, Deringhouse ainda perguntou:
— E o que faço, caso eu realmente a distinga?
Agora a pausa era do lado de Rhodan. Refletiu um pouco, embora soubesse que não
haveria outra resposta. Naturalmente, Deringhouse tinha muita possibilidade de distinguir
a nave de Topthor, pois a bordo da Centauro se encontrava o corpo de mutantes. E se
Topthor já estivesse morto...
— Se encontrar Topthor, destrua sua nave.
— Obrigado. Vou fazer esforço para isso. Mais alguma coisa?
Rhodan olhou para o relógio, um movimento que haveria de repetir ainda muitas
vezes, nos próximos minutos.
— Transição dos saltadores em... três minutos e cinqüenta segundos. Felicidades,
Deringhouse.
Rhodan virou-se para trás, quase se chocando com Bell que o seguia. Passou por ele
sem dizer uma palavra e foi na direção do computador, onde recolheu os dados para o
hipersalto.
— Sente-se, Gordo. Dentro de cinco minutos, você poderá ver o gigantesco sol de
Beta, se tiver tempo para isto.

***

— Quer apostar como acharei a nave de Topthor, em poucos instantes? — dizia


Gucky.
Deringhouse levantou as duas mãos, como se quisesse se proteger do rato-castor.
— Posso apostar com o diabo, a qualquer momento, mas nunca mais com você.
Meus dedos ainda estão doendo de tanto coçá-lo. Além disso, ainda tenho de lhe pagar
seis arrobas de cenoura.
— Mesmo assim ainda vou achar Topthor — continuou Gucky ignorando o pretexto
do comandante. — Então, saltarei em sua nuca e lhe quebrarei o pescoço.
Deringhouse sorriu, enquanto verificava os controles que realizariam o salto
iminente para o sistema Beta.
— Teria prazer em ver isto. Você é telepata, teleportador, telecineta, mas não sabia
que é também lutador de judô. Prazer em conhecê-lo...
— Você não crê em mim? — disse Gucky, encostando-se no sofá, com uma
expressão incrível em sua cara cômica. — Eu já liquidei centenas de robôs.
— Não se trata apenas de Topthor — lembrou-lhe Deringhouse, empurrando uma
alavanca para frente. — Sua espaçonave inteira deve ser destruída. Você se lembra que
todos os dados sobre a nossa Terra estão ainda registrados na positrônica de bordo, pois
não foram totalmente suprimidos. Claro, Topthor também é importante, pois o
superpesado não é bobo. Vai perceber logo que está no planeta errado, que pulou
confusamente noutro sistema e talvez mude de idéia.
John Marshall, chefe do exército de mutantes, entrou na cabina de controle da
Centauro. Cumprimentou Gucky e se dirigiu a Deringhouse. Como telepata, sabia,
naturalmente, sobre o que os dois estavam conversando.
— Uma das missões do corpo de mutantes será descobrir a presença de Topthor,
major. Por que então não se utilizar de Gucky, quando ele está tão seguro de sua
competência?
— Não tenho nada contra, se ele tomar a iniciativa — respondeu Deringhouse
cauteloso. — O que não quero é fazer mais apostas com ele. É meu direito, não é? Não
quero voltar para a Terra pobre e meio aleijado.
Marshall concordou, sorrindo, e Gucky estava feliz enquanto Deringhouse se sentia
aliviado. O rato-castor concentrou-se então na grande missão que estava prestes a
desempenhar.
Deu-se então o salto da Centauro. Saltou simultaneamente com sua irmã gêmea,
Terra. A cinco minutos-luz do terceiro planeta, as duas esferas gigantescas de duzentos
metros de diâmetro voltaram ao espaço normal.
Todos os canhões de raios energéticos estavam a plena carga e os envoltórios de
proteção entraram em ação. O capitão Lamanche, na central de rádio, estava em grande
atividade, procurando informações das muitas mensagens captadas, para melhor orientar
uma estratégia coordenada.
A bordo da Centauro era grande a agitação, mas o espaço em volta ainda estava
tranqüilo. O terceiro planeta era uma estrela bem nítida à sua frente. O rastreador
estrutural estava ligado e registrava as primeiras transições. As distâncias eram diferentes,
mas logo se evidenciou que todos partiam do mesmo local.
A frota dos saltadores chegava com um pequeno atraso.

***

Os tópsidas estavam esperando em fortificações subterrâneas. Num trabalho febril


nas últimas horas, aquelas instalações foram montadas para desviarem os adversários do
precioso quarto planeta. Era-lhes preferível que atacassem um mundo que não
apresentava coisa melhor do que imensas matas virgens e planaltos pedregosos. Neste
mundo de florestas, não existia vida inteligente, fora dos tópsidas, naturalmente.
Al-Khor, o comandante supremo, achava-se em ligação permanente com todos os
postos de comando. Estava a par de todos os preparativos de defesa e de outros segredos.
Para o ditador, no sistema tópsida, a 543 anos-luz de distância, havia um canal
permanente de hipercomunicação.
— Cruzador de patrulhamento MV-treze tem mensagem importante.
Al-Khor fez um sinal para o operador, através do vídeo de bordo.
— Encaminhe a ligação para cá — ordenou ele.
Suas cerdas na nuca estavam em desalinho e sua fisionomia demonstrava grande
cansaço. O corpo coberto por escamas, estava parcialmente coberto pelo uniforme. No
amplo cinturão, via-se a coronha da pistola de raios energéticos.
As imagens na tela variavam. Ora a silhueta de uma nave em forma de torpedo, ora
os traços duros de um tópsida.
— Cruzador MV-treze, comandante Ber-Ka. Mensagem importante. Primeiros
estrondos no espaço a dois minutos-luz. Os saltadores iniciam o ataque.
— Tente fazer uma contagem dos estrondos — falou Al-Khor. — Ordene
imediatamente outras transições, dando-lhes a posição. Mandarei logo algumas unidades
de combate para o ponto onde você se encontra. Ataque, Ber-Ka, somente ações isoladas
é que podem desnortear o adversário.
— Vou atacar, sim — confirmou Ber-Ka. Seu rosto desapareceu da tela e logo
depois surgiu outro tópsida.
Al-Khor não parava mais. O ataque ao terceiro planeta havia mesmo começado. Mas
o cruzador de patrulhamento MV-treze tinha recebido ordens. Ber-Ka não hesitou em
cumpri-las.
Ber-Ka era ainda muito jovem e vaidoso. Fazia apenas poucos anos que comandava
uma nave de porte maior, uma nave cilíndrica de duzentos metros de comprimento. Os
armamentos extraordinários lhe proporcionavam uma sensação de segurança e lhe davam
muita coragem para enfrentar um adversário até mais forte. Empertigou-se todo e deu
ordens a seus oficiais, para que se reunissem com ele, imediatamente.
— Meus amigos — disse com muita determinação. — Al-Khor nos deu ampla
liberdade de ação. Devemos atacar os saltadores onde quer que apareçam. Vocês sabem,
melhor do que eu, que nunca teremos oportunidade melhor do que esta para nos colocar
em destaque. Viva o ditador!
— Viva o ditador! — gritaram todos os oficiais, mais ou menos entusiasmados. Para
alguns, a vida tinha mais valor do que uma condecoração de validade duvidosa. Mas,
desobediência ao comandante significava a morte imediata. Assim, a possibilidade de
sobrevivência em meio à luta era bem maior.
Na tela da MV-treze, apareceram os pontos luminosos flutuantes dos saltadores em
ataque. Aqui e ali, estes pontos surgiam, às vezes, do nada, demonstrando assim que as
transições não paravam. Depois de observar melhor, Ber-Ka não tinha dúvidas de que os
saltadores haviam mesmo escolhido como seu objetivo principal o terceiro planeta.
Era de qualquer maneira surpreendente. Afinal de contas, o quarto planeta era
aquele que servia de base aos tópsidas e que devia ser atacado. Por que então os
saltadores não se preocupavam com o quarto planeta, mas se concentravam apenas no
terceiro?
Era uma questão que interessava grandemente a Al-Khor também, neste momento.
Mas ninguém tinha resposta cabível para ela.
Externamente, as naves dos saltadores se assemelhavam muito com as dos tópsidas,
eram, porém, mais rápidas, mais ágeis e mais bem armadas. Enfim, os superpesados eram
a elite experimentada das tropas de assalto dos comerciantes das Galáxias, que sempre
tinham vivido da guerra. Até hoje, não tinham conseguido fazer nada por meios pacíficos.
Aliás, nunca lhes passou pela cabeça tentar fazer alguma coisa sem assaltos e guerra.
Ber-Ka procurou tanto, até que encontrou um ponto luminoso vagando mais
afastado dos outros, a tal distância que excluísse qualquer cilada. Deu então as ordens ao
piloto, correndo ele para o ponto de comando da artilharia, para dirigir pessoalmente o
ataque.
A vítima selecionada era uma nave relativamente pequena de um clã desconhecido
dos saltadores. O comandante já tinha ouvido falar de Perry Rhodan e de sua pátria Terra,
achava, porém, que eram referências muito exageradas. Exatamente por isto, por ter um
ponto de vista errado, é que ele e os seus seriam muito sacrificados.
Ber-Ka se aproximou de sua vítima. O saltador, sem suspeitar de nada, mantinha seu
curso direto para o terceiro planeta.
As mãos quase humanas do sáurio repousavam sobre os botões de controle dos
canhões de raios energéticos. No interior do cruzador se acumulava, num zumbido
permanente, as energias necessárias, como que aguardando o momento de irromperem
pelo espaço.
— Ainda a um segundo-luz — disse um oficial quase trêmulo. O coitado não se
sentia bem, embora já tivesse muita experiência de outras expedições punitivas contra
súditos indefesos. Mas esta agora era diferente. Estavam pelo menos diante de um
adversário à altura deles.
No mínimo.
— Distância, zero vírgula cinco segundos-luz.
A distância diminuía, mas ficou de repente constante, quando o saltador percebeu o
atacante, fazendo uma curva fechada.
— Atrás dele! Fogo! — gritou Ber-Ka e sentiu como o solo a seus pés estremeceu
todo, quando a rajada de raios poderosos saiu pela proa.
Não foi difícil aos raios energéticos, com a velocidade equivalente à da luz, atingir a
nave dos saltadores, antes que pudessem tentar qualquer reação. Raios coloridos
envolveram a diminuta espaçonave, como o envoltório de proteção se rompeu
imediatamente, não oferecendo mais nenhuma resistência aos ataques dos raios
incendiários.
Com um grande clarão esbranquiçado, explodiram os geradores. A carcaça se
arqueou e começou a derreter. Pedaços de destroços voavam em todas as direções do
espaço. De vez em quando se podia ver grandes vultos com trajes pressurizados, cujos
dispositivos automáticos se inflavam instantaneamente, procurando colocar a salvo os
sobreviventes.
Um dos oficiais sáurios não despregava os olhos dos saltadores que tentavam fugir.
— Não vamos matá-los? — perguntou.
— Não. Sou soldado, mas não assassino.
— Eles nos atacaram, Ber-Ka.
— Falando em tese, você tem razão. Mas estes aí, fomos nós que atacamos.
Deixemos-lhes esta chance e não nos incomodemos mais com eles.
Ber-Ka voltou para a central de comando. Era ele o comandante, sua ordem era lei.
Os saltadores, em seus uniformes de emergência, foram se separando e se perderam no
vazio entre os planetas.
Ber-Ka concentrou sua atenção novamente na tela. Os pontos flutuantes eram cada
vez mais numerosos, mas a uma distância daquela não se podia saber se havia naves dos
tópsidas misturadas com eles. A força principal, no entanto — Ber-Ka sabia muito bem
disto — estava escondida nas rochas do terceiro planeta, ou como se dizia nos catálogos
dos sáurios: Lira III.
A MV-treze tinha se afastado um pouco do terceiro planeta e se aproximava da
órbita de Aqua. De qualquer maneira, os atacantes deviam ser impedidos de se
aproximarem do “mundo d’água” onde os restos das bases abandonadas poderiam
despertar atenção.
Os pontos luminosos oscilantes desapareceram todos, menos um. Dava a impressão
de ser um aparelho que não fazia questão de ser destruído logo no primeiro assalto. Uma
ampliação na tela e uma chamada em código confirmou a suspeita de Ber-Ka: tratava-se
mesmo de uma nave dos saltadores. E este saltador se dirigia exatamente para o planeta
Aqua.
— Novo curso, operação cubo CO-dezessete-dk — gritou ele para o oficial
navegador, ordenando ao mesmo tempo prontidão para o ataque.
Devia-se pegar o saltador de surpresa, antes que pudesse desconfiar de alguma
coisa.
— Velocidade ao máximo! Acompanhou com grande sensação os movimentos do
ponto luminoso e acabou constatando que se tratava de uma belonave dos superpesados.
Claro que muito superior ao cruzador de patrulhamento.
Na mentalidade de Ber-Ka havia duas forças polarizantes: orgulho e instinto de
conservação.
Podia ainda se afastar um pouco do curso e fazer como se não tivesse notado o
adversário. Por interesse próprio, a maioria de seus subordinados manteria silêncio. Mas
se houvesse apenas um que quisesse prejudicá-lo ou fazer carreira, ele estaria perdido.
Covardia perante o inimigo era castigada com a morte.
Foi propriamente o receio de ser denunciado que obrigou Ber-Ka a prosseguir no
ataque. Não estava se sentindo bem, mas não havia outra opção.
O ponto luminoso aproximou-se e transformou-se numa sombra alongada na tela,
que focalizava muitas estrelas distantes. Não havia nenhum sinal de que o saltador
houvesse percebido a presença de seu perseguidor. Continuava indiferente, com rumo
fixo. Pela pequena velocidade, supor-se-ia que ainda tinha duas horas para chegar até a
atmosfera de Aqua.
— Central de rádio — disse Ber-Ka, cedendo a um impulso repentino — tente
ligação com a nave estranha.
— Com o saltador? — foi a reação de espanto.
— Sim, com o saltador. As freqüências de chamada estão no catálogo. Por que se
admira? Já tivemos muitos contatos com os saltadores em outros tempos.
— Sim, mas sob outras circunstâncias.
— Exatamente — disse Ber-Ka rindo.
— É curiosidade minha. Estas circunstâncias me interessam.
Desligou a tela, colocando a central de rádio diretamente em ligação com ele. Sem
sair do lugar, podia agora acompanhar melhor os esforços do operador.
Continuava a chamada.
Na outra tela, a sombra alongada da nave estava bem maior. A MV-treze se
aproximava de sua órbita. Num determinado ponto as duas naves teriam de se encontrar,
caso ambas mantivessem o curso e a velocidade.
Alto-falante e tela permaneciam mudos e apagados. O saltador não respondia, ou
talvez não tivesse ouvido o chamado. Mas Ber-Ka não cedia tão depressa.
— Continue chamando — ordenou ao oficial do rádio. — Acrescente que nós
pedimos uma conferência.
Isto era contra o regulamento. Propor uma conferência com um adversário
ultrapassava de muito a competência de um comandante de um pequeno cruzador. Ber-
Ka sabia disto, mas lhe era completamente indiferente. Suspeitava de algo e queria saber
se seu pressentimento estava certo ou errado. Para ele, isto justificava o risco que
assumia.
Não poderia imaginar que, sem querer, estava dando um passo avante na história.
Também não suspeitava quem era o comandante da nave estranha.
Ao penetrarem nas camadas superiores da atmosfera as primeiras naves dos
saltadores, o comandante supremo do terceiro planeta, Al-Khor, deu ordem de contra-
ataque.
Em todos os cantos, abriram-se pesadas comportas de metal e canos de canhões de
raios energéticos emergiam do chão para erguerem sua boca de fogo contra o céu.
Hangares subterrâneos despejavam frotas de combate de aparelhos velozes que galgavam
o espaço em ascensão quase vertical.
Começou a batalha quase suicida, com perdas enormes para os dois lados. As
primeiras bombas atômicas destruíram uma parte das instalações de defesa. Os foguetes
antiespaciais dirigidos por tópsidas perseguiam as naves dos saltadores até atingi-las,
destruindo-as no espaço. Só conseguiam escapar se tivessem tempo de efetuar o salto
para o hiperespaço.
Al-Khor estava sentado nas profundezas de um rochedo, ouvindo as notícias. Fazia
uma fisionomia de dor, ao ouvir os danos que os atacantes lhes infligiam. Mas seu rosto
se iluminava todo sempre que ouvia o relato da destruição de uma nave inimiga.
No entanto, ele mesmo sabia que era questão de tempo, até que os saltadores
conseguissem, por meio de uma bomba arcônida ou por uma bomba de gravitação,
destruir completamente o terceiro planeta.
Começou a se surpreender pelo fato de que isto ainda não acontecera.
— Ligação com Topsid! — gritou ele, desesperado, naquela caverna no coração da
rocha, quando uma tremenda detonação fez tremer o rochedo e as luzes se apagaram. —
Ligação imediata com o ditador, vamos, antes que seja tarde.
Por uns instantes, ninguém respondeu. Depois, ouviu-se a voz do operador de rádio:
— Falta energia, estamos tentando com os geradores de emergência.
— Estou esperando — disse Al-Khor. Depois, apoiando a cabeça nas duas mãos
quase humanas, passou a pensar na morte certa que teria em Topsid, caso os saltadores
vencessem.
Mas... era sua culpa? Culpa por não ter naves suficientes? Não tinha ele avisado o
ditador e pedido que não subestimassem os comerciantes das Galáxias? Por que então
tinha que morrer?
Porém não pensava nisto. O melhor seria ele se entregar aos invasores, passaria por
traidor, mas continuaria vivo. Mas isto era uma decisão que não era para aquele
momento.
Levantou-se, tendo nos olhos um brilho perigoso.
— Ligação com Topsid — exclamou o operador. — Ligue seu aparelho, Al-Khor.
Al-Khor estremeceu, ao ouvir a palavra Topsid. Por uns instantes, não sabia o que
fazer. Depois, criou coragem.
— Aqui fala Al-Khor, Lira III. Começou o ataque dos saltadores, ditador. O
adversário é muito superior a nós. Sem o auxilio de Topsid, estamos perdidos.
— Então lutem! — disse o ditador friamente. Seus traços permaneceram duros e
inacessíveis, na tela. Seus olhos frios pareciam penetrar Al-Khor, parecendo poder ler
seus pensamentos. — Mandarei mais duzentos aparelhos, mas nem um a mais. Lutem e
vençam, Al-Khor. Ou, nunca mais volte a Topsid.
— Mas... — Al-Khor não pôde continuar, o ditador havia interrompido a ligação.
O comandante dos sáurios apoiou-se no espaldar da poltrona e suspirando
profundamente, disse:
— Lutar e vencer... como é fácil falar. Um mundo está caindo aos pedaços e nós
temos de lutar. O que estamos fazendo, senão lutar? Nossas naves se defendem
valentemente contra um inimigo em grande superioridade, mas não cedemos, preferimos
morrer. E o ditador? Não tem nem uma palavra de gratidão.
Al-Khor estremeceu, como se tivesse levado uma chicotada, ao ouvir um forte ruído
atrás de si. Passos pesados que se aproximavam. Ouviu-se uma voz fria, sem a menor
expressão:
— Como poderemos vencer, se o comandante está hesitando? O que há com você,
Al-Khor? Cansado, desanimado?
Virou-se lentamente, com sua mão escamosa já segurando a arma energética.
— Ra-Gor, é você! Não podia imaginar. Por que não está na seção de baterias
antiaéreas, tratando de destruir as naves inimigas? Se quiser ouvir a verdade: o que você
está fazendo agora é crime de alta traição.
O jovem oficial que estava atrás do comandante estava também com a mão na arma,
sorrindo friamente. Nos seus olhos, havia um misto de orgulho e ódio, de medo com
denodo irrestrito.
— E você, Al-Khor? O que tem feito? Duvidou da sabedoria de nosso ditador. Você
está exigindo o reconhecimento dele pelo simples cumprimento do nosso dever. Isto é
insubordinação.
Al-Khor virou-se novamente — e devagar — olhando o painel apagado. Podia ver
nitidamente no vidro fosco o reflexo do jovem oficial que lhe estava às costas.
— Estava apenas pensando, Ra-Gor. Acresce ainda que guardei meus pensamentos
comigo e não os transmiti a ninguém.
— Não é verdade, transmitiu a mim.
Al-Khor teve que concordar:
— Sem ter intenção de fazê-lo, meu amigo. Você, agora, por sua culpa, carrega na
consciência um conhecimento que se torna pesado para seus ombros jovens. Vou ajudá-lo
a carregar este peso.
— Não é necessário, Al-Khor, eu consigo carregá-lo sozinho. O ditador me será
muito grato, quando lhe explicar a covardia de seu comandante supremo.
— O quê?
— Sim, porque você não vai chegar vivo a Topsid. Esta vergonha deve ser poupada
aos oficiais que combatem corajosamente. Ou você prefere ser fuzilado publicamente?
Al-Khor reconheceu que não tinha alternativa. Foi sempre um súdito fiel do ditador,
embora não estivesse de acordo com alguns de seus métodos. Mas, agora, ser delatado
por um bobalhão orgulhoso e inexperiente... não, isto era demais.
Imperceptivelmente sacou a arma, estudou um pouco o ambiente, podendo ver pelo
reflexo do vidro do painel apagado que Ra-Gor ainda estava hesitando em executar sua
intenção. Será que de repente ficou com medo? Mas já era muito tarde para isto. Al-Khor
não sentiu a menor compaixão ou piedade, quando, de súbito, se virou contra o jovem
oficial de arma na mão.
— Insubordinação se castiga com a morte, Ra-Gor. Como comandante tenho o
poder de julgá-lo. Condeno-o, pois, à morte. A pena será executada sumariamente. Você
pode ficar com sua arma e usá-la mesmo...
Mas o sentenciado não chegou a se utilizar da arma, antes mesmo de sacá-la estava
morto.
Al-Khor ficou olhando por uns instantes o cadáver do jovem oficial, corajoso e
idealista, que queria tirar proveito às suas custas. Depois voltou a manusear os botões de
controle.
Os relatórios das forças em combate chegavam com a maior confusão. Depois de
alguns minutos, Al-Khor já sabia que a batalha estava perdida. Definitivamente. A
superioridade do adversário era palpável. O que restava era um fio, quase invisível, de
esperança.
Com uma pancada da mão direita, silenciou no rádio as vozes confusas. Todas as
estações passaram automaticamente para a escuta.
— A todos os oficiais! Aqui fala Al-Khor, o comandante supremo — fez uma
pequena pausa para respirar. — Neste momento vamos desistir do planeta Lira III e
vamos enfrentar os saltadores no espaço. Ou vencemos ou morremos. Fim.
Fim! A palavra ainda estava nos ouvidos de Al-Khor, quando se levantou para
tomar as medidas necessárias.

***
Quando a Top II se materializou, e apareceu nas telas de bordo o gigante vermelho
de Beta, foi como se Topthor tivesse levado uma bofetada na cara.
Atônito e sem dizer uma palavra, olhava fixo para o que tinha diante dos olhos.
Seria este o sol do planeta Terra? Jamais. Este gigantesco olho vermelho lhe era
completamente desconhecido, totalmente diferente, tão diferente que até um cego
perceberia a diferença. E Topthor era tudo, menos cego.
Seu primeiro pensamento foi fazer uma ligação para Cekztel e explicar o erro. Mas
ficou sentado, continuando a olhar o quadro incrível. Procurava achar uma explicação,
mas não havia. O cérebro positrônico do departamento de navegação jamais poderia
errar. Um erro do computador estava, pois excluído. Os dados foram lançados no próprio
local da observação. Não podia haver erro.
Topthor pensava sempre objetivamente e assim desistiu logo de querer procurar uma
explicação para o impossível. Teria tempo mais tarde. No momento, era necessário se
conformar com o fato e ponderar suas conseqüências.
Primeira conseqüência: ele se poria em contato com Cekztel e admitiria ter trazido a
frota toda para um lugar errado. O que aconteceria? Topthor se sentia mal só em pensar
nisso. Todo tipo de recriminação recairia sobre ele, embora estivesse convencido de não
ter culpa alguma. Mas quem é que queria saber disso? Ninguém. Talvez seria expulso e
teria doravante de levar vida de pária, sem amigos e abandonado por todo mundo. Não,
Topthor não pensava mais em dar explicações ao velho Cekztel.
Segunda conseqüência: procuraria resolver o enigma por conta própria, descobrir
como surgira o engano. Para isso, tinha primeiramente que se manter calado e deixar seus
colegas na crença de que se tratava mesmo da Terra e do sistema solar. Certamente não
demoraria muito até que se chegasse a descobrir o erro, pois o sistema solar de Rhodan
não poderia ficar aí, sem defesa nenhuma. Não parecia haver a mínima reação. Um outro
erro, como logo se constataria. E um erro que muito alegraria a Topthor.
A segunda conseqüência parecia aceitável ao superpesado.
Mas sua cabeça inteligente não parava de pensar. A bordo da Top II encontrava-se
muita gente que havia visto a Terra naquela época. Será que ficariam de boca fechada,
quando Topthor lhes contasse a verdade? É certo que eram amigos do peito, como Regol
e Gatzek. Mas...
E ainda havia a possibilidade de uma confusão com computador.
Levantou-se bruscamente e foi examinar a seção de navegação. Mandou sair o
oficial que estava de vigia e começou ele mesmo a conferir os dados. Alguns minutos
depois, veio o resultado. Topthor o examinou e sacudiu a cabeça.
Os dados estavam certos, as coordenadas perfeitas. Era mesmo ali no sol gigantesco
de Beta.
Sem dizer uma palavra e sem explicação, fez sinal ao oficial de vigia para entrar
novamente. Depois voltou para a sala de comando. Deixou-se cair pesadamente na
poltrona, olhou para a tela do painel e pôs-se a escutar as mensagens do rádio. O ataque
ao terceiro planeta já havia começado.
Estava sorrindo sozinho, quando de repente sua fisionomia se transformou. Os
terranos estavam resistindo desesperadamente.
Topthor parecia como que atingido por uma descarga elétrica. Foi a segunda
surpresa em menos de dez minutos. Havia terranos neste estranho sistema? Então ele
estava salvo e ninguém descobriria o engano não intencionado. O terceiro planeta parecia
habitado e estava sendo defendido.
Seguia com muita atenção as informações e respirava aliviado, embora já não
compreendesse o que estava se passando. Talvez os terranos tenham estabelecido aqui
uma base, que agora defendiam corajosamente. Se a frota atacante destruísse literalmente
o terceiro planeta, os terranos perderiam apenas uma base, não a pátria de Perry Rhodan.
Seguindo seu pensamento prudente, resolveu guardar este segredo só para si e
continuar por conta própria suas investigações. Assim foi que abandonou a rota planejada
e se aproximou do quarto planeta, para, com toda calma, registrar os dados sobre o
sistema e compará-los com as informações do computador de bordo. O erro estaria
escondido em algum lugar, ele o descobriria.
A localização da verdadeira Terra não poderia ficar perdida.

***

O saltador não respondeu. Ber-Ka, então, não hesitou mais e mandou abrir fogo de
todos os lados.
Para sua surpresa, todos os disparos energéticos se esfacelaram diante do envoltório
de proteção magnética do adversário. A distância era agora muito pequena e uma retirada
era quase impossível.
A nave dos saltadores alterou o curso e expôs seu lado mais comprido no sentido da
MV-treze. Ber-ka sabia o que isto significava, mas não tinha mais tempo para modificar
sua posição. Mandou descarregar toda a energia disponível no seu envoltório de proteção
para se defender contra o ataque iminente.
Mas o saltador, desta vez, não usou raios energéticos, e sim um torpedo com brilho
de prata, que alterando seu curso automaticamente foi atingir em cheio a MV-treze,
apesar de suas manobras para fugir do alvo, detonando com um clarão amarelado, perto
da popa.
Ber-Ka sentiu o terrível solavanco. De nada adiantou agarrar-se à poltrona. Foi
lançado para fora, rolando no chão da cabina até chocar-se de encontro à parede.
Ouviram-se vozes, alguém deu um comando. Logo depois outra detonação e solavanco
terrível, apagando toda a luz. Os campos de gravitação deixaram de funcionar e Ber-Ka
estava flutuando dentro da nave, já em queda livre contra o planeta Aqua, sem propulsão,
nem direção. A parte traseira devia estar completamente destruída.
Ber-Ka foi impelido contra o teto, incapaz de se movimentar. A qualquer momento,
podia o inimigo dar a ele e a sua nave o tiro de misericórdia. Mas isto não aconteceu.
A MV-treze se precipitou de encontro à superfície do quarto planeta.

***

Sentado na cabina, Topthor acompanhava curioso a luta desigual. Já quando a


estranha nave apareceu pela primeira vez, teve uma suspeita que lhe pareceu tão absurda
que tentou esquecê-la. Mas depois, ficou matutando que toda aquela ação tinha sido meio
maluca. Talvez pudesse esclarecer um pouco mais o enigma, se conseguisse conversar
com aqueles terranos. Deviam estar desesperados, é claro. Tinham que estar convencidos
de que se encontravam nas mãos dos vencedores, do contrário jamais diriam a verdade.
Mas, seriam mesmo terranos?
Topthor ficou olhando a nave alongada, como um torpedo, com uma saliência
abaulada no centro, caindo ao lado deles, e ainda dispostos a um novo ataque. Já havia
visto em algum lugar este tipo de construção. Os tópsidas? Seu império não era nas
proximidades da Terra? Ou se tinham aliado com os terranos?
O ataque não surtiu efeito. Então um torpedo atingiu a popa do aparelho, destruindo
as instalações de propulsão dos desconhecidos. Sem sua sustentação mecânica, a nave se
precipitou contra o planeta.
Topthor seguia tudo com atenção. Não dava nenhum sinal de querer socorrer os
vencidos ou de pretender aniquilar os restos de sua nave. Aparentemente imóvel, ele
flutuava ao lado da MV-treze, esperando alguma coisa.
Duas horas se passaram, duas longas horas em que um certo Ber-Ka passou por um
verdadeiro inferno e ficou mais exausto ainda. O planeta já estava maior e através das
nuvens já se via o continente. Podia-se já ouvir o sibilar do vento nas camadas mais
elevadas da atmosfera.
Topthor, então, resolveu agir.
Aproximou-se com a Top II da nave que estava caindo. Ganchos magnéticos iam
saindo lentamente da carcaça da Top II, envolvendo o bojo da nau destroçada e detendo-
lhe a queda. Voltou então a gravidade, quando as duas naves começaram a dar volta em
torno do planeta, numa leve parábola. Acabaram aterrissando num planalto, próximo ao
litoral.
Topthor não ficou parado nesse meio tempo. De pé, na escotilha aberta, esperava,
com a pistola de raios na mão, a saída dos sobreviventes da nave capturada. Mas não
havia contado com a intrepidez suicida dos tópsidas. Ao abrir uma clarabóia do lado
direito da MV-treze, provocou suspeita nos tópsidas. Salvou-se com um pulo imediato
para a escotilha, entrando logo para a cabina de comando, onde Gatzek havia observado o
incidente. Num gesto rápido, ligou o envoltório magnético de proteção.
Infelizmente com uma fração de segundo de atraso.
Um denso jato energético amarelado partiu da MV-treze, atingindo a Top II bem no
meio. Seguiu-se um estrondo, como a descarga de um reator e a grande espaçonave dos
saltadores partiu-se, exatamente antes de o envoltório ser ligado.
De um momento para outro, ali estavam duas naves arruinadas e, em cada uma
delas, o pensamento era o mesmo: aproveitar um descuido do adversário, para destruí-lo.
Topthor amaldiçoou sua leviandade, mas depois se conformou. Olhou calmo para os
olhos arregalados de Gatzek.
— Examinar a instalação de energia, observar a capacidade de funcionamento da
central de navegação e de rádio, apresentando o resultado imediatamente. Depois do
conserto, testar a possibilidade de manobrar a Top II.
Gatzek, um tanto hesitante:
— Que fazer com este ferro velho aí ao lado, que nos partiu ao meio? Devo mandar
matar os adversários?
— Deixa disso, Gatzek. Quero conversar com estes rapazes. Acho que vamos ter
muitas surpresas.
— Meu estoque de surpresas está abarrotado — protestou o oficial, deixando a
cabina de comando.
Topthor acompanhou-o com um sorriso. Levantou-se e foi para a central de rádio.
Regol estava diante dos aparelhos, realizando os primeiros controles. Os alto-falantes
emitiam sons ininteligíveis — sinal de que ao menos isto estava funcionando.
— Ligação com Cekztel? — perguntou Topthor.
Regol sacudiu a cabeça, sem olhar para trás.
— Ainda não. Eles não têm tempo agora, os terranos entraram em luta renhida, mas
acho que vão perder. A supernave de Rhodan foi localizada muitas vezes.
Topthor quase perdeu a fala:
— A supernave de Rhodan?
Regol concordou espantado:
— Sim, a Titan, como foi batizada a grande nave. Além dela, estão participando da
defesa da Terra dez cruzadores pesados dos arcônidas.
— E eles estão perdendo? — perguntou Topthor incrédulo. — Algo não está certo.
Tem certeza disso?
— As mensagens o dizem claramente, Topthor. Não há dúvida de que
superestimamos o poderio bélico da Terra. Aliás, já há muito tempo queria lhe fazer uma
pergunta: você não reparou uma alteração no sol? Se não me engano, a Terra tinha um sol
menor, amarelado. E agora...
— Eu sei — interrompeu-o Topthor impaciente. — Ainda falaremos mais tarde
sobre isto. Agora não temos tempo, pois há problemas mais importantes que temos de
resolver. Vamos tentar ligação pelo rádio com a nave abatida aqui ao lado. Regol sorriu
malicioso.
— Já estou tentando isto há tempo. Ninguém responde. Quem sabe o rádio deles foi
destruído?
— Então, não há outro meio — disse Topthor — tenho que me apresentar de novo
na escotilha deles, com uma bandeirinha branca na mão, para lhes mostrar nossa vontade
de paz.
— Não sei se os terranos vão concordar — duvidou Regol.
Topthor, que já estava na porta, virou-se para trás:
— Quem é que disse que os rapazes da nave ao lado são terranos?
De olhos arregalados, Regol ficou olhando seu comandante.
3

O cérebro robotizado da navegação positrônica da Centauro não parava um instante.


Mal o pesado cruzador se materializava em qualquer lugar, no meio das naves dos
tópsidas e desfechava uma descarga de raios energéticos, mais ou menos eficientes,
contra as naves atacantes dos superpesados, já estava na hora de pular para o hiperespaço,
desaparecendo totalmente. Quase que ao mesmo tempo, aparecia ela em outro lugar.
Major Deringhouse suava, mas entusiasmado com a operação. Capitão Lamanche,
seu substituto e primeiro-oficial, gritava sem parar, dando ordens e cuidando que as
transições se processassem o mais rápido possível. Já que as mesmas manobras eram
executadas simultaneamente também por Rhodan com a Titan e por McClears com a
Terra, os superpesados tinham a impressão de que estavam em atividade pelo menos três
ou quatro belonaves tipo Império e uns dez cruzadores pesados.
E, no entanto, os “terranos” estavam perdendo. Razão para isto, eram, em primeiro
plano, as naves dos tópsidas, demasiadamente lentas, não estando pois à altura do ataque
dos saltadores. Se a Titan tivesse aplicado toda sua força, a luta estaria bem diferente.
Mas, compreensivelmente, não era esta a intenção de Rhodan. Os saltadores deviam
vencer e sair com a convicção de haverem derrotado a Terra. E, naturalmente, a frota dos
terranos.
Deringhouse tirou os olhos dos controles e olhou para Marshall que estava entrando
na cabina.
— Então — perguntou excitado — já obteve algum resultado?
— Desta vez, você poderia apostar tranqüilamente com Gucky — respondeu o
telepata. — Ainda não temos nenhum indício da presença de Topthor. Estou duvidando
de que tenha tomado parte no ataque.
— Impossível — disse Deringhouse, sacudindo a cabeça. — Recebemos um rádio
informando que Topthor toma parte no ataque. Você se utilizou somente de Gucky?
— Naturalmente, não. Todos os telepatas se esforçaram para captar impulsos do
superpesado. Ras Tschubai esteve em várias naves deles, mas não encontrou Topthor. Em
compensação, em cada nave em que chegava, o susto da tripulação em ver surgir do nada
um fantasma preto, quase enlouquecia-os.
— Ótimo — disse o major. — Para os atacantes, a teleportação é prova cabal de que
se trata dos homens de Perry Rhodan.
— Também Gucky se teleportou muitas vezes. Poderia ter levado de cada vez uma
bomba atômica e destruído a nave inimiga, porém não nos teria adiantado nada. Mas,
falando sinceramente, é doloroso para mim, para nós todos, ter que perder uma guerra
que a gente ganharia com tanta facilidade.
— A Via Láctea inteira deve estar crente de que fomos destruídos. Mas para isso,
Topthor tem que ser encontrado. Se ele perder a calma e denunciar a seus amigos que
destruíram um planeta errado, toda nossa astúcia não valeu de nada. E até agora, tudo
funcionou tão bem.
— Vamos continuar procurando — disse Marshall, encorajando Deringhouse. —
Temos de encontrá-lo. Não pode ficar eternamente escondido.
— Esperamos que não — respondeu Marshall, dando ordens para o próximo salto
que o levou para um choque entre dois cruzadores dos tópsidas e uma enorme nave
cilíndrica dos saltadores.

***

Na escotilha aberta, estava Topthor esperando, olhando firme para o pequeno


aparelho dos desconhecidos. Quem estaria lá dentro? Terranos?
Tinha quase certeza que não encontraria nenhum terrano lá dentro. Uma simples
consulta no seu catálogo lhe dava esta quase certeza. Naves deste tipo eram construídas
pelos tópsidas.
Estariam os sáurios realmente aliados aos terranos? Que sentido teria isto? Será que
Rhodan não representava nenhum perigo para seu império?
Tinha de descobrir isto e só por este motivo é que estava expondo a vida. Talvez
seria respondida também sua outra pergunta: por que a positrônica de sua nave teria
errado daquele jeito?
Para lá do planalto, começava a floresta virgem. Ia em declive para a planície.
Somente ao longe, no horizonte, surgia uma nova cadeia de montanhas, limitando a
visão. Mais para a esquerda cintilava o mar que era quase noventa por cento deste
planeta. Era um mundo agradável, pena que não tinha habitantes inteligentes, com quem
se pudesse tratar.
Ou existiriam? O que faziam, então, aqui os sáurios?
Os olhos de Topthor perceberam um movimento nos escombros da nave tópsida.
Devagar, abriu-se uma escotilha, como se fosse empurrada à mão. Aparentemente toda a
instalação da nave parecia destruída. Apareceu então uma espécie de mão. Apesar de
Topthor estar mentalmente preparado, foi grande seu susto. Era a mão de um réptil,
coberta de escamas: a mão de um tópsida.
Até que enfim. Se, nesta horrível batalha, não tivessem sido vistas naves esféricas de
Rhodan, tudo resultaria então numa hipótese fantástica. Pensando nisto, Topthor sorria
malicioso, pensando estar bem próximo da elucidação da verdade.
Um tópsida apareceu na escotilha completamente aberta, de mãos levantadas e
desarmado. Topthor também mostrou as mãos vazias e falou em Intercosmo:
— É melhor pararmos de lutar um contra o outro, do contrário estamos perdidos.
Ninguém nos ajudará. Mas se nós combinarmos, acharemos um caminho.
Ber-Ka parou desconfiado.
— Por que não nos destruiu já no espaço? Podia ter feito, sem que pudéssemos nos
defender.
Topthor sorriu amavelmente.
— Tenho minhas razões, tópsida. Vamos conversar com mais calma. Acho que
teremos muita surpresa.
— Tinha o mesmo desejo, mesmo antes de atacá-lo.
Topthor ouvia com atenção. Tudo se encaminhava bem.
— Sua instalação de rádio ainda está funcionando?
— Não, foi destruída.
— A minha funciona ainda, ao menos para receber. Não pudemos ainda examinar o
transmissor, mesmo porque não estamos interessados em que os outros nos descubram.
Venha, tópsida, encontremo-nos ali naquela rocha. Estou desarmado, mas minha gente
está vigiando. Se quiser, pode tomar também as mesmas providências.
Sem esperar resposta, Topthor desceu os poucos degraus da escada desdobrada e
num pulo atingiu o solo. Sua cintura estava vazia, porém no fundo do bolso de seu capote
escondia uma minipistola, para qualquer emergência.
Ber-Ka hesitou um pouco, mas percebeu que não lhe restava alternativa, tinha que
aceitar a proposta do superpesado.
Quem sabe, o saltador estava sendo honesto. Levantou os braços escamados, numa
espécie de saudação e gritou umas ordens para a tripulação de sua nave. Depois saltou
para o solo do planeta das águas, dirigindo-se calmamente para o ponto de encontro.
Encontraram-se aos pés do rochedo. Topthor examinava mais detalhadamente o
tópsida. Pelo muito que os conhecia, era um exemplar ainda jovem da estranha raça dos
sáurios, com quem se defrontavam de vez em quando. Não se podia chamá-los de
inimigos, pois de qualquer maneira, tinham em comum com os saltadores um grande ódio
aos arcônidas. Mais estranho de tudo era esta guerra que se travava no momento.
— Meu nome é Topthor, sou patriarca de minha estirpe e comandante desta, outrora,
bela nave. — Virou-se para trás, apontando para o enorme cilindro partido ao meio. —
Devo supor, naturalmente, que você é oficial e comandante da nave abatida.
Ber-Ka confirmou com a cabeça. Seu sotaque era perceptível, mas falava
corretamente o intercosmo.
— Sou Ber-Ka, comandante do cruzador de patrulhamento MV-treze, que o senhor
obrigou a aterrissar, tornando-o incapaz de funcionar. O que lucramos com isto?
— O que lucrará alguém desta maldita guerra? — perguntou Topthor com unção na
voz. — Eu sou, certamente, o último a desejá-la.
— Quem seria então o responsável? Fomos nós que atacamos, ou foram os
saltadores que vieram para cá com a intenção de destruir todo o sistema?
Ber-Ka estudou a fisionomia do interlocutor e percebeu nele uma sincera
curiosidade. Não compreendia por quê.
— Prendemos, há poucos dias, alguns saltadores, não os superpesados, e os
interrogamos. Confessaram que estavam planejando um grande ataque ao nosso sistema.
Topthor ficou perplexo.
— Saltadores? Saltadores normais? Não sabemos nada disso. Ninguém tinha
conhecimento desta ação que foi preparada sob o maior sigilo. Quem teria sido o traidor?
Há algum detalhe deles, Ber-Ka?
— Por que o senhor está tão interessado nisso?
— Porque não pode ter havido traidores e porque o meu trabalho preferido é
explicar o impossível.
Ber-Ka ficou olhando muito tempo para o superpesado e não descobriu nos seus
olhos outra coisa, a não ser curiosidade.
— Há poucos dias atrás, aterrissaram saltadores neste planeta. Aliás, não
aterrissaram por vontade própria, nós os forçamos a descer por meio de raios de atração.
O comandante foi aprisionado. Uma outra nave, bem menor, caiu também em nosso
poder. Acho que o senhor sabe que nós mantemos uma base neste planeta.
— Cheguei também a este conhecimento agora — disse Topthor. — Mas
continuemos. Quem eram estes saltadores?
— Não sei exatamente, mas Al-Khor certamente poderá informar. Ele interrogou os
prisioneiros que mais tarde acabaram fugindo.
— Fugiram? — a confusão de Topthor era grande. — Já não estou compreendendo
mais nada. Como foi possível fugir?
— Os nativos do fundo do mar os ajudaram. Devem ter feito aliança com eles.
— Nativos? Você está afirmando que neste “mundo d’água” há seres inteligentes?
— Animais inofensivos com um vestígio de inteligência — disse Ber-Ka, tentando
diminuir o valor destes animais. — Não têm a menor importância.
— De qualquer maneira, vocês instalaram esta base aqui por causa deles, não é
verdade? Mas, seja o que for, quero saber quem eram os saltadores aprisionados que
depois fugiram. As naves não tinham inscrições do clã de origem?
— Não, tinham apenas um nome, mas não sei qual era. Uma delas era de construção
esférica e a outra uma espécie de disco voador.
— Construção esférica? — repetiu Topthor, destacando as sílabas. — Construção
esférica dos arcônidas ou dos terranos?
— Terranos?
Topthor deixou de lado a pergunta.
— Não há nenhum saltador que possua nave esférica, fora alguns milionários
extravagantes que se dão ao luxo de comprarem estas naves conquistadas dos arcônidas.
Mas estes não têm nada a ver com nossa ação.
— No entanto, eram saltadores, eles mesmos o confessaram. Acho, porém, que
agora, depois de responder de boa vontade todas as suas perguntas, tenho o direito de lhe
fazer algumas.
— Com todo prazer, mas antes, apenas uma informação: em que planeta os senhores
têm sua base, no quarto ou no terceiro?
— Não há inconveniente algum em o senhor saber isto: no quarto. Nós defendemos
apenas o terceiro planeta, para afastá-los do precioso “mundo d’água”.
Topthor mergulhou em profundos pensamentos.
— Pergunte o que quiser — disse ele meio aéreo.
Ber-Ka aproveitou a oportunidade.
— Por que os senhores atacaram nosso sistema? De onde é que sabiam de nossa
base?
A resposta de Topthor não veio logo, estava tão ocupado com seus pensamentos,
que o tópsida teve que repetir as duas perguntas.
— Por que atacamos vocês? Meu caro Ber-Ka, não é tão fácil explicar isto. De
início, tenho que dizer que não sabíamos que aqui havia uma base dos tópsidas. É difícil
de acreditar, mas nós estávamos certos de que aqui seria o planeta pátrio dos terranos, de
quem você já deve ter ouvido falar. Ou o nome Perry Rhodan não significa nada para
você?
— Perry Rhodan...? — repetiu o tópsida refletindo um pouco. — Sim, acho que já
ouvi falar dele. Uma expedição nossa se encontrou com ele num sistema nas
proximidades da Terra, acho eu; para falar a verdade, nós julgávamos que fosse a Terra.
Infelizmente não tivemos sorte nesta guerra, fomos obrigados a fugir.
— Estes saltadores que vocês prenderam, como é que pareciam?
— Ora, como os saltadores parecem. Humanóides, esbeltos, falando um intercosmo
perfeito.
— Os terranos também falam perfeitamente o intercosmo.
— Por que teriam de simular outra identidade?
— Esta também é uma pergunta que eu faço, Ber-Ka. Sabe o que estou começando a
suspeitar? Estou quase acreditando que fomos vítimas de uma trapaça muito bem
arquitetada. Sabe quem eram seus prisioneiros? Não? Então vou lhe contar: eram
terranos, aliás, terranos que vieram para cá em missão de Rhodan e denunciaram a vocês,
que nós, os saltadores, tencionávamos fazer um ataque aos tópsidas. Só gostaria de saber
como é que eles sabiam da nossa intenção e por que meios chegaram à conclusão de que
as coordenadas estavam erradas.
— Quais coordenadas?
— As coordenadas da Terra que estavam registradas no meu computador de bordo.
Ber-Ka se assustou.
— Quer dizer que o senhor conhece a posição do planeta pátrio de Rhodan?
— Sim, pensava que conhecia, há muito tempo. Mas, acho que você não me vai
acreditar quando eu lhe disser que estas coordenadas davam este gigantesco sol vermelho
como sendo o sol da Terra. Minha positrônica se enganou, dando-nos coordenadas falsas.
Rhodan já devia saber disso.
— Isto é... — Ber-Ka começou a gaguejar e parou de falar.
Topthor olhou para ele e continuou:
— Parece coisa impossível, mas é assim mesmo. Não há outra explicação para o
enigma. E enquanto estamos sentados aqui e procuramos resolver o enigma, lá em cima
no espaço a sua e a minha frota se destroem. Temos que fazer alguma coisa.
— Minha estação de rádio não funciona — disse o tópsida.
— Também não tenho certeza se meu rádio está bom. Mas uma coisa é certa, Ber-
Ka: aqueles saltadores, que se deixaram prender com tanta facilidade, com o único intuito
de enganá-los, eram gente de Rhodan. Terranos. E vocês os deixaram fugir. Seu
comandante devia ser esquartejado por este crime, pois ele somente é o responsável pelo
massacre que está acontecendo.
— Como assim? — admirou-se Ber-Ka.
— Se os senhores não tivessem atacado, não aconteceria nada.
Topthor nada respondeu. Olhou para a escotilha da Top II e viu o rosto de Regol,
que fitava medroso pelo canto da abertura.
— Alô, Regol, como está a instalação de rádio?
— Não funciona, Top. Chamamos uma nave que passava perto, não houve resposta.
Tenho receio de que...
Topthor, suspirando, fez um sinal para Ber-Ka.
— Também tenho receio, tópsida. Tenho receio de que temos que tirar férias aqui no
“mundo d’água”, até que a sorte da guerra esteja decidida. Mas, qualquer que seja o
resultado, o verdadeiro e único vencedor se chama Rhodan. É realmente uma vergonha
que este homem não seja um saltador. Como são geniais suas jogadas, que profundidade
tem seu pensamento. De que maneira maravilhosa ele sabe fomentar intrigas, fazendo
com que outros trabalhem para ele, sem perceberem. Falando a verdade, daria meu braço
esquerdo, se pudesse ter Rhodan como meu aliado.
Parou de repente. Inclinou a cabeça e começou a rir:
— Nem seria necessário dar o braço esquerdo, estou me lembrando agora. Conheço
um superpesado que ganhou milhões trabalhando com e para Rhodan. Meu amigo
Talamon foi mais prudente do que eu supunha. Agora sei por que não quis tomar parte no
ataque. Mas, espere, velho amigo, teremos que conversar um pouco quando eu voltar.
— Voltar...?
Topthor começou a refletir que sua volta não era tão fácil assim, nem tão certa.
Rhodan sabia que somente um único saltador é que podia descobrir o erro que
vitimara toda a frota dos superpesados. E ele, Rhodan, haveria de fazer tudo para que esta
única testemunha não abrisse a boca. Pois Topthor já sabia todo o plano de Rhodan.
Vir ando-se para Ber-Ka, disse:
— Acho que vamos fazer as pazes, tópsida. Você não vai ainda compreender bem o
porquê de nossa aliança, de sua raça e da minha. Temos um inimigo comum e não
podemos imaginar outro mais perigoso e traiçoeiro. Um adversário que até simula
derrota, para, na escuridão do esquecimento, preparar a vingança. Um dia, Rhodan
voltará e esmagará todos os povos da Galáxia que não se tornarem seus amigos.
— Não estou compreendendo tudo...
— Também não é necessário, Ber-Ka. No momento não lhe resta outra opção, a não
ser aceitar minha proposta. Tente consertar seu transmissor. Você receberá de nós a
energia necessária. Nosso gerador principal ainda funciona.
Acenou para o jovem sáurio e voltou para sua própria escotilha.
Ber-Ka ainda ficou parado uns instantes, depois, arrastando os pés, encaminhou-se
para as ruínas de sua nave. Na cabeça, rodopiavam-lhe milhares de perguntas sem
resposta.

***

— Já percorri quase todas as naves, mas não se consegue ver Topthor.


Gucky estava sentado apático na cabina de comando, olhando desconsolado para
Deringhouse. O fato de não ter encontrado Topthor o aborrecia menos do que perder uma
aposta, principalmente quando o apostador era Deringhouse.
— Quem sabe Topthor morreu logo no início da batalha e sua nave foi destroçada?
Então o problema já estaria automaticamente resolvido.
— Rhodan quer ter certeza — disse Marshall. — Betty Toufry diz ter recebido, por
uns instantes, impulsos que poderiam ser de Topthor.
— Como é que ela pode reconhecer isto? — duvidou o rato-castor, esticando as
orelhas. Os músculos de suas patas traseiras se retesaram para o salto. — E em que região
ela ouviu os impulsos?
— Naturalmente no sistema Beta — explicou Marshall. — Na direção do espaço
interestelar.
— Bobagem — disse Gucky. — Na direção do planeta Aqua. Está bem na direção
indicada.
Marshall queria protestar, mas, de repente, seus olhos se comprimiram. Olhou para
Deringhouse demoradamente e depois virou-se para Gucky.
— Parece que não é bobagem não, meu caro. Vou conversar com Betty.
— Eu vou junto — ofereceu-se o rato-castor, pulando de seu sofá. — E se você
quiser, ainda estou pronto para fazer outra aposta.
— Desta vez você não vai arranjar outra vítima, eu lhe garanto — disse Marshall,
desaparecendo no corredor.
Gucky parecia convencido da vitória.
Deringhouse estava olhando para os dois mutantes que saíam, quando ouviu o
zumbido da instalação de rádio. Apertou um botão, mas a tela continuou apagada. Mas
uma voz conhecida, apesar de desfigurada pelo dispositivo de decodificação, falava no
alto-falante:
— A derrota dos tópsidas está iminente. Deve-se esperar que os saltadores destruam
até a última nave dos tópsidas, antes de executarem sua última tarefa que é de explodirem
a suposta Terra. Talvez transformarão o planeta das matas virgens numa imensa fogueira.
Os nossos amigos aquáticos, os homens-peixes, não terão nada contra, caso a temperatura
média de seu mundo se elevar um pouco. Informes recém-chegados dão conta de que
acabam de aparecer mais duzentas naves vindas de Topsid. Vai atrasar a derrota dos
sáurios por algumas horas. E vocês, como vão? Já descobriram Topthor?
— Ainda não, senhor — respondeu Deringhouse abatido. — Talvez tenhamos
achado uma pista. Marshall saiu para averiguá-la.
— Temos que silenciar Topthor — ordenou Rhodan. — Não resta dúvida de que
não vai ficar de boca fechada. Já é a segunda vez que este superpesado tenta destruir a
Terra. Se não pudermos prendê-lo, temos de matá-lo, do contrário, jamais teremos
sossego.
— Se o encontrarmos, senhor, haveremos de liquidá-lo.
A voz de Rhodan parecia cansada, quando falou:
— Talvez já tenha morrido em combate, o que me pouparia muita preocupação. De
qualquer maneira, temos de ter certeza de que está morto. Se ninguém achar este
malandro, toda a ação foi inútil. Topthor é o único que pode desvendar o segredo e contar
tudo aos tópsidas. E isso, temos de impedir de qualquer maneira. Onde está Gucky?
— Com Marshall, conversando com missToufry.
— Mande chamá-lo, Deringhouse, tenho um plano para ele.
Menos de dez segundos após, Gucky se materializou na cabina, e ficou olhando para
a tela escura.
— O senhor me chamou, chefe? — chilreou Gucky alegre. Do cansaço que sentia
antes, não se via mais nada. — Acho que descobrimos as pegadas de Topthor.
— Ainda está vivo? — perguntou Rhodan.
— Se as pegadas são quentes, então sim. Por quê?
— Descubra Topthor, Gucky, é muito importante. Toda esta batalha entre
superpesados e tópsidas não terá nenhuma importância, mesmo a destruição da suposta
Terra não tem interesse algum, se Topthor continuar vivo e espalhar o segredo do engano.
Você me compreendeu?
A voz de Rhodan era séria, mas foi se tornando mais suave.
— Ouça bem, meu amigo, se você conseguir saber alguma coisa com certeza sobre
Topthor, eu lhe arranjo um armazém inteiro de cenoura.
Por alguns segundos, o silêncio se fez completo, depois se ouviu o guincho alegre
de Gucky, dançando numa perna só através da cabina, quase tropeçando nos pés do
comandante.
— Será maravilhoso, durante dois anos não vou mais precisar fazer apostas e não há
coisa que eu odeie tanto como apostar. Será feito, chefe. Em uma hora, terei Topthor nas
mãos... e o armazém de cenoura.
Rhodan riu à vontade.
— Felicidades, Gucky, para você e para todos nós.
O alto-falante emudeceu.
Gucky ficou ainda um pouco sentado, depois se apoiou no largo traseiro. Seus olhos
leais de cão de fila pousaram no rosto de Deringhouse. O dente incisivo de roedor estava
à vista, o que significava muito boa disposição por parte de seu dono.
— Então, Gucky?
Deringhouse se esforçava para parecer sério.
— Quer apostar dois quilos, que você não vai encontrar Topthor?
O rato-castor foi se retirando sem mesmo responder a Deringhouse, nem mesmo
olhar para ele. Antes de desaparecer ainda chilreou:
— Dois quilos? Ridículo, para quem já é praticamente milionário. Puxa, dois quilos,
não se compreende como alguém se atreve a isso...
O resto do protesto acabou. Gucky tinha se teleportado para não se sabe onde. Por
sorte, não para o espaço aberto lá fora.

***

Topthor e Ber-Ka tinham naquele momento feito um acordo. Entre eles haveria um
armistício e ambos aceitavam a obrigação de procurar ou os saltadores ou os tópsidas
para esclarecê-los sobre o horrível engano.
O transmissor da Top II não podia mais ser consertado e também para ouvir estava
muito difícil para Topthor, se bem que as notícias não eram nada agradáveis para o infeliz
Ber-Ka. Os tópsidas estavam já derrotados, não havia mais dúvida. Os míseros restos da
frota encontravam-se encurralados e obrigados à rendição. Muitas naves haviam se
refugiado nas clareiras da floresta virgem, sem atinarem que exatamente este planeta
achava-se condenado à destruição total.
O reforço de Topsid estava chegando e entrando logo em combate. Esta leva de
forças frescas ainda tinha um moral bem elevado e conseguiu infligir pesados danos aos
saltadores. Logo, porém, constataram a grande superioridade dos superpesados. Os
tópsidas fugiram, mas seus perseguidores não tinham piedade, foram derrubando uma
nave após a outra. Somente as esferas espaciais de Rhodan que apareciam aqui e ali, não
eram atingidas.
Topthor e Ber-ka ouviam os relatórios. O tópsida tinha perdido qualquer esperança e
estava resignado. Mas não o saltador.
— Tem que ser possível conseguir-se um contato com uma das duas facções, Ber-
Ka. Vocês tinham uma base aqui. Fugiram todos ou ficaram pelo menos os guardas?
— Não sei — lamentou o tópsida. — As providências tomadas pelo comando
supremo nunca chegam ao nosso conhecimento. Talvez existam ainda estações de rádio
em funcionamento aqui, mas como conseguiremos contato com elas, se não sabemos
onde estão?
O sáurio fez uma pausa, depois sacudiu a cabeça:
— Seria lógico que investigássemos primeiro o antigo quartel-general. Se há algum
sobrevivente, tem de ser lá.
— E onde é este quartel-general?
Ber-Ka apontou na direção do mar.
— Em qualquer lugar ali no litoral, numa ilha artificial no mar. Mas não sei bem a
localização, pois não tenho idéia nenhuma do local onde aterrissamos. Temos de
procurar.
Topthor franziu a testa.
— A explosão do reator destruiu meu porão e com isso meu planador e minha
viatura. Iremos a pé, mas eu acho isso impossível.
— Uma viatura nós temos também — disse Ber-Ka, com um raio de esperança. —
O planador infelizmente foi destruído durante seu ataque. Tentaremos chegar até o mar,
lá a praia é larga e bem firme, para servir de estrada. Teoricamente temos que dar a volta
toda pelo continente, para chegarmos do outro lado, encontrando a ilha artificial.
— Mas isto é uma excursão muito agradável — disse Topthor em tom amargo.
Porém compreendia que não havia outro jeito, se não quisessem ficar ali a vida toda.
— Qual é o tamanho de sua viatura?
— Se quisermos levar bastante mantimento e água suficiente, proporia uma
tripulação de dois homens e, naturalmente, o armamento correspondente. Não sabemos
por quanto tempo teremos de viajar.
O superpesado ficou pensativo. Depois abanou a cabeça, concordando:
— Está bem, Ber-Ka.
Olhou para o céu, o sol estava a pino e o calor era enorme.
— Vamos partir logo, cada hora é preciosa. Embora não tenha esperança de chegar a
tempo. Mas é indispensável que todos saibam do grande erro, que prejudicará toda a Via
Láctea.
Os preparativos se fizeram em pouco tempo. Abriram um rombo no bojo da nave
tópsida, colocaram umas vigas para deslizamento e um carro pesado rolou para o chão do
planeta. Tinha rodas e esteira, podia, pois ser utilizado em qualquer tipo de terreno. Uma
pequena metralhadora de raios energéticos podia girar em todos os sentidos, oferecendo
assim proteção contra os ataques. O diminuto reator em seu interior tinha energia
suficiente para o carro rodar ininterruptamente por mais de cem anos.
Caixas com mantimentos foram empilhadas e o reservatório recebeu bastante água.
Ber-Ka deu as últimas instruções à sua tripulação, depois virou-se para Topthor.
— Podemos partir. Acho que vamos atingir o litoral em duas ou três horas. Depois
será mais fácil.
— O que há com os habitantes da água?
Ber-Ka tentou despistar.
— Não precisa se preocupar com eles, são pacíficos e não possuem armas. Nem
tomam conhecimento de nós. Temos apenas que cuidar para que ninguém dos seus ou
dos nossos nos veja e abra fogo sobre nós. Este é o grande perigo que corremos. O único.
Nosso tratado de paz particular não vale para os outros.
Topthor examinou sua pistola de raios.
— Vamos obrigá-los a fazer a paz — disse ele ameaçador, entrando na cabina do
carro, que dava normalmente para quatro tópsidas.
Quando Ber-Ka se sentou ao lado dele, todo o espaço estava ocupado.
— Por todos os espíritos do espaço — disse o tópsida em tom de brincadeira — não
é à toa que todo mundo chama seu povo de os “superpesados”.
Topthor sorriu amavelmente.
— Somos realmente pesados, mas não apenas no sentido físico — explicou ele,
olhando para a máquina.
Os que ficaram nas duas naves viram a viatura desaparecer logo na mata virgem,
voltando para seus lugares.
Ber-Ka na direção, encontrava sempre uma clareira ou um trecho com pouca
vegetação por baixo, para conseguir ir rompendo com as poderosas lagartas. E quando
lhe havia pela frente grossos troncos de árvores, que não podiam ser contornados, entrava
em ação o termo-radiador de bordo. Assim foi que diversos montões de cinza fumegante
assinalavam o caminho que Ber-Ka e Topthor iam seguindo, na primeira hora de viagem,
floresta adentro. Passou a tarde e veio a noite. Detiveram-se numa clareira e se
prepararam para o repouso noturno. É claro que podiam ter continuado, mas temiam
chamar a atenção pelo clarão do farol.
A calefação espalhava um calor agradável na cabina. Tão diferentes, os dois
indivíduos fizeram sua primeira refeição e se deitaram para o repouso.
Em volta deles, era o silêncio e a calma. Nenhuma lua para iluminar as tristes
sombras da floresta desconhecida, onde poderiam estar escondidos inimigos invisíveis.
Nada se movia. Em algum lugar, altas ondas estariam rebentando no litoral e banhando as
pilastras de aço que sustentavam a ilha artificial. Isto podia ser a uma distância de dez
quilômetros, mas podia também ser a mil quilômetros.
Topthor teve um sono muito perturbado. Acordou muitas vezes. Ficava então
ouvindo a respiração compassada de seu aliado não intencional, que ele aos poucos
começava a invejar. Quando ele virava a massa bruta de seu corpo para o outro lado, o
carro balançava. É verdade que o Jovem tópsida não percebia nada disso, seu sono era
profundo.
Afinal clareou o dia. No leste, o céu se coloriu com todos os matizes do arco-íris. O
sol vermelho galgou, gigantesco, as grimpas das árvores.
Topthor acordou Ber-Ka.
— Já é hora de nos pormos a caminho, já perdemos muito tempo. Certamente a
batalha já terminou, mas ninguém sabe ao certo o que aconteceu. Você prepara a refeição
matinal?
Enquanto o tópsida preparava uma refeição leve, Topthor desceu da cabina e deu
umas voltas. Estava convencido de ter ouvido certos ruídos durante a noite. Se alguém
tivesse andado pela redondeza, devia ter deixado rastros. Estava também intimamente
convencido que tinham errado um pouco o caminho e queria averiguar.
Na clareira não se notava nada de extraordinário. Nenhum afastamento de galhos ou
ramos quebrados levava à idéia de que alguém tivesse passado por ali. Não havia animais
na floresta, como Ber-Ka havia dito, pelo menos não animais maiores. O pé de Topthor já
estava preparado para o próximo passo, quando estancou de repente. Ficou parado com o
pé no ar. Seus olhos ficaram estarrecidos, olhando incrédulos uma pegada de algo que se
arrastava, vindo da floresta para a clareira, dando uma volta em torno do carro e
desaparecendo do outro lado na vegetação baixa. Nenhum galho quebrado, como se o
rastro fosse de algo que se arrastasse.
Topthor voltou lentamente para a viatura. Ber-Ka já sabia do que se tratava.
— Não se preocupe, Topthor, são os seres da água. Às vezes vêm à terra, mas
voltam logo a seu elemento. Se o senhor viu o rastro deles lá fora, é sinal que o mar não
está muito longe. Portanto, estamos alcançando o que queremos. E agora, venha tomar
sua refeição para que possamos continuar.
Topthor olhou mais uma vez para as pegadas e se espremeu para entrar pela porta do
carro, para ele estreita demais.
Apesar da perspectiva de alcançar o mar em breve, não sentiu muito apetite com a
comida que o tópsida lhe preparara, não por causa da comida em si. Talvez fosse a
incerteza do que tinha pela frente, que lhe tirou o apetite.
4

Foi mais ou menos por esta hora que a última nave de Al-Khor foi destruída. A frota
dos tópsidas não existia mais.
O último comunicado do rádio, que saiu do terceiro planeta, dava conta ao Ditador
do Império Estelar Tópsida de que suas tropas haviam cumprido seu dever e haviam
resistido ao inimigo invasor até a última gota de sangue.
Topsid não respondeu.

***

Rhodan percebeu que alguém entrava na cabina. Era o Dr. Certch, o psicólogo dos
robôs. O pensamento cada vez mais independente dos cérebros positrônicos e eletrônicos
tornou necessário criar uma especialização científica. Era, portanto, missão de Certch
supervisionar os complicados processos de pensamento dos robôs e prever como seus
cérebros decidiriam em cada caso concreto.
— Então, doutor, o senhor por aqui? Pensava que o senhor não se preocuparia com
coisas tão pequenas como batalhas espaciais.
— Não estou realmente preocupado com isso, senhor — disse Certch sorrindo, mas
em sua voz havia um vislumbre de seriedade, que Rhodan logo percebeu. — Há, no
entanto, acontecimentos que não podem ser menosprezados.
— E quais seriam eles? — perguntou Rhodan, empurrando as mensagens de rádio
para trás, recebidas nos últimos sessenta minutos. Confirmavam o que já se sabia. Os
superpesados conseguiram a vitória e agora se preparavam para desfechar o último golpe
contra a “Terra”. Cekztel tinha mandado preparar a bomba arcônida.
— O senhor sabe que construí para mim mesmo um pequeno cérebro positrônico, a
que dei o nome de Max. Max é uma calculadora, se assim posso me exprimir.
Um psicólogo mecânico que pode prever e calcular todos os processos de
pensamento de seus irmãos maiores. Estive “conversando” muito tempo com Max.
— E que é que ele diz? — queria saber Rhodan, que conhecia a profundidade do
cientista e a respeitava. Por mais de uma vez, Dr. Certch tinha provado ser entendido nos
pensamentos lógicos dos cérebros mecânicos. — Esperamos que sejam previsões boas.
— Max está preocupado por causa do cérebro positrônico na belonave de Topthor.
Temos que supor, de acordo com o que aconteceu até agora, que o próprio Topthor está
interessado em disfarçar o erro. Há, no entanto, uma hipótese bem justificada — dizia
Max — de que o cérebro pense diferente e esteja decidido a esclarecer o erro. E Max
ainda é de opinião de que, mais cedo ou mais tarde, a trapaça dos mutantes será
descoberta e a alteração feita por eles virá à luz. Com outras palavras: os saltadores
haverão de notar que destruíram, não a Terra, mas um pobre planeta inofensivo.
— Suposto, naturalmente, que Topthor e sua nave não tenham sido atingidos por
uma descarga energética.
Certch confirmou com um movimento da cabeça.
— Naturalmente. Mas não sabemos se ele morreu em combate. E mesmo que tenha
morrido, ainda existe a possibilidade de que sua nave esteja apenas danificada e seja um
dia encontrada. Então o robô terá tempo suficiente para esclarecer o enigma. Se o senhor
quiser estar bem convencido de que sua jogada deu certo, então terá de providenciar para
que a nave de Topthor seja completamente destruída.
— Concordo com o senhor, doutor. Mas antes de tudo, temos que encontrar Topthor
e sua nave. Conforme meus cálculos, os saltadores ainda estarão ocupados por algum
tempo em salvar seus sobreviventes e colocar a salvo suas naves ainda aproveitáveis.
Somente depois disso é que vão destruir o terceiro planeta. Depois de se retirarem deste
planeta, será tarde para nós. Temos, portanto, pouco tempo para eliminar o perigoso
Topthor. John Marshall e seus mutantes estão fazendo todos os esforços para
conseguirem isto. No entanto, até agora, sem resultado.
— Espero que sejam bem sucedidos — disse Certch.
— Tudo depende exclusivamente disto — disse Rhodan, acenando para Certch que
estava deixando a cabina. Praticamente estava deixando a solução do problema nas mãos
de Marshall que saía da seção dos mutantes, acompanhado de Betty Toufry, para falar
com Rhodan. Certch, curioso, os seguiu. Sua despedida da cabina fora muito curta.
— Betty teve impulsos claros de Topthor — disse Marshall agitado — mas ainda
não o conseguiu localizar. Gucky também está tentando localizá-lo. O interessante é que
nós podemos afirmar com certeza que a nave de Topthor não estava junto com o grosso
da frota.
— Onde, então?
— Se soubéssemos onde, estaria tudo terminado — respondeu Marshall. — O
senhor sabe, chefe, que distâncias não se podem calcular só por meios telepáticos. Por
isso, Gucky ficou a bordo da Centauro, enquanto Betty e eu nos transportamos para a
Titan. O senhor sabe que calcular uma distância com auxílio de duas retas dadas e de um
ângulo conhecido, não é mais problema hoje. Aliás, já não era há muitos séculos.
Completamente novo é determinar as duas retas somente por meios telepáticos. Betty e
Gucky tentam localizar Topthor. Betty já sabe qual é a distância. De Gucky ainda não
sabemos nada.
— Você tem contato com a Centauro?
— É claro, capitão Lamanche dirige as operações lá de cima. Deringhouse voa
agora para Aqua.
— O planeta das águas? Por que isso?
— Porque os impulsos secretos de Topthor provêm de lá.
Rhodan comprimiu os olhos e fitou Marshall, muito pensativo.
— Quer dizer então que está faltando só a orientação de Gucky?
— Exatamente — respondeu Marshall. — Então saberemos onde está Topthor.
Onde se cruzarem as retas de Betty e de Gucky, aí está o superpesado.
Soou o intercomunicador e o semblante do cadete Martin apareceu na pequena tela.
— Marshall está com vocês?
Rhodan fez um sinal para Marshall.
— Sim, está conosco. Você tem notícias de Lamanche?
— Gucky transmitiu exatamente agora uns dados para Marshall. Devo repeti-los?
Marshall fez sinal que sim. Estava com lápis e papel na mão. Betty olhava curiosa
para ele. Dr. Certch dava passadas nervosas de um canto para outro. A ele interessava
sobretudo a destruição da belonave de Topthor, e com isto também o desaparecimento do
perigosíssimo computador de bordo.
— Leia devagar, por favor.
Marshall anotou as coordenadas e começou a fazer diagramas. Em passos rápidos,
aproximou-se de Rhodan e pediu:
— O mapa do sistema, senhor. Acho que o palpite de Gucky estava certo.
E Rhodan, entregando-lhe o mapa:
— Que palpite?
— Que Topthor havia aterrissado em Aqua. Provavelmente desconfiou e quis ver
pessoalmente “Marte”. Então está na hora de tomarmos iniciativa.
— Centauro chamando, senhor — interrompeu Martin, desaparecendo da tela.
Por uns trinta segundos, houve silêncio total na cabina. Todos esperavam meio
angustiados o que havia sucedido. Finalmente acendeu a luz do intercomunicador. Martin
parecia meio apavorado ao falar:
— Foi Deringhouse. Avisou que Gucky desapareceu completamente.
Rhodan respirava com dificuldade.
— Que quer dizer desaparecer completamente? Onde está a Centauro?
— Está circunvoando Aqua, senhor. O rato-castor, assim diz o relatório de
Lamanche, falara que tinha ainda de liquidar um assunto, depois disso desapareceu. No
arsenal está faltando uma pequena bomba atômica.
A fisionomia de Rhodan clareou. Marshall, que estava pálido como cera, deixou
transparecer um leve sorriso:
— Que malandro este Gucky. Ele sabe que o procurado está no quarto planeta e
toma suas próprias decisões. Não é um pouco apressado, chefe?
Rhodan não conseguiu disfarçar o sorriso:
Um de nós tinha que fazer isto; por que não Gucky? Prometi-lhe um armazém de
cenoura se conseguisse achar Topthor.
Marshall caiu na poltrona mais próxima.
— Então... — murmurou ele, fechando os olhos com resignação.

***

Uma forte aragem do sul tocava as ondas, sem cessar, contra a praia arenosa que
estendia-se reta de leste para oeste, raramente interrompida por enseadas idílicas. A
apenas cinqüenta metros da praia, começava a floresta virgem. Estes cinqüenta metros
eram tão planos como uma estrada.
Quando Topthor, que dirigia a viatura, viu o mar, parou sem querer. Encantado,
ficou olhando para a superfície azul, a se perder no horizonte. No céu, o sol alaranjado.
Estava quente, de maneira que a brisa do mar foi-lhes um grande alívio. A cúpula de
vidro do carro estava aberta.
— O melhor é dobrarmos para o leste — disse Ber-Ka, a quem a visão do mar era
coisa comum. — A ilha de aço está no litoral sul, isto eu sei com certeza. Mais ou menos
na extremidade sudeste do continente.
Topthor se desprendeu do belo panorama. Virando-se para seu companheiro, disse:
— Agora estou compreendendo porque vocês instalaram aqui uma base. É
realmente um mundo em que se pode viver bem.
O tópsida nada respondeu. Continuou olhando para o lado da praia, como se
esperasse encontrar alguém. Mas não conseguiu ver as listras prateadas na superfície do
mar que denunciavam a presença dos seres aquáticos. Os habitantes de Aqua, como
Deringhouse batizara este mundo, viviam exclusivamente na água. Em terra, não
agüentavam mais do que duas ou três horas. Movimentavam-se na água como um avião a
jato: com a boca enorme sugavam boa quantidade de água, comprimiam-na no centro do
corpo com um órgão especial, tocando-a para fora com grande pressão através de uma
válvula traseira. Desta maneira, seu nado atingia enorme velocidade.
Não apareceram e Ber-Ka estava meio decepcionado.
Topthor não estava mais admirando a beleza primitiva daquele mundo virgem. As
preocupações estavam voltando à sua cabeça. Acima de tudo, a incerteza sobre o que
havia acontecido. O fraco transmissor do carro não dava para entrar em contato com a
frota. Chamar a Top II também não fazia sentido, pois não podiam responder.
Uma situação desesperadora. Mas alguém certamente o acharia e aí então a trapaça
de Rhodan viria à luz. Quem sabe o cérebro positrônico da Top II haveria de corrigir seu
erro e então os saltadores fariam verdadeiro ataque à verdadeira Terra.
— A ilha...! Estamos chegando.
Topthor viu a construção abaulada, a mais ou menos dois quilômetros do litoral.
Pilastras esguias, apoiadas no fundo do mar, sustentavam esta estranha ilha. Um
parapeito cercava toda a plataforma, impedindo que alguém caísse ao mar.
Mas não havia sinal de vida na plataforma. A ilha artificial parecia morta. Topthor
não deu uma palavra. Andou mais uns dez minutos e depois parou num lugar bem em
frente à ilha. Num porto improvisado, estavam alguns barcos sem dono.
Ber-Ka apontou-os.
— Chegaremos à ilha com eles. Vamos, não perca tempo.
Topthor estava hesitante e disse:
— E se alguém nos viu e está a nossa procura para nos matar?
— Verão que sou oficial e não atirarão em você sem mais nem menos, estando ao
meu lado. Quem sabe o que já aconteceu por aqui? Venha Topthor, cada minuto é
precioso.
Um pouco assustado, Topthor abandonou o carro que até então o protegia bem. A
visão da ilha solitária e estranha não lhe agradava nada, embora fosse o único meio de
tentar contato com sua gente. Dava também a mesma oportunidade a Ber-Ka.
Se Topthor quisesse ser honesto consigo mesmo, teria de confessar que, a princípio,
não estava confiando muito no tópsida, quanto ao caminho para a ilha. É certo que os
dois tinham um acordo, feito, porém pela necessidade do momento e não por simpatia.
Estavam convencidos de que manteriam o contrato, somente enquanto um precisasse do
outro. Quando Ber-Ka encontrasse os seus, não precisaria mais de Topthor e vice-versa.
Ber-Ka já estava em pé dentro de um barco, como que convidando para um passeio
na ilha.
— Venha Topthor, não temos tempo a perder.
O superpesado se pôs em movimento. Em sua cintura, balançava a pistola
energética. Seus pés entravam fundo na areia. Não tirava os olhos de Ber-Ka, pois não
queria ser surpreendido com um tiro pelas costas. O momento da decisão se aproximava
inexorável.
O barco balançava bastante, mas com um pequeno ruído do motor, ia levando os
dois para o ancoradouro da ilha, uma plataforma bem rente ao mar. Neste local, o paredão
liso da ilha era substituído por um portão. Uma roda fazia as vezes do usual trinco ou alça
de abrir.
Ber-Ka amarrou o barco bem firme num gancho e saltou. Com mãos ágeis abriu o
portão, enquanto Topthor se esforçava para botar o pé no chão da ilha, cujas paredes se
erguiam a mais de vinte metros de altura. Topthor não conseguia ver o fundo do mar e
não sabia, pois, qual era a profundidade.
O tópsida já tinha entrado e virou-se para trás:
— Venha, Topthor, não sei se vamos achar a instalação funcionando ou a tripulação
presente. Mas vamos experimentar. Isto era nosso quartel-general, porém como estou
vendo, inundaram a parte inferior. Repare que as escadas estão encobertas pela água. Só
aquela é que está livre. Não tenho nenhuma idéia onde se encontra a cabina de rádio.
— Se existia uma, ou ainda existe, nós encontraremos — disse Topthor mais
otimista. — Provavelmente nos andares de cima. Vamos dar uma olhada primeiro na
fortaleza aquática. Estou achando as instalações muito interessantes, embora não
compreenda por que não a construíram em terra firme. Não havia adversários, não é?
— Devido ao contato com os nativos — explicou Ber-Ka.
Com Topthor atrás dele, começou a subir.
Tinham levado consigo só as coisas mais importantes, o restante ficara embaixo.
Tudo demonstrava que era intenção dos tópsidas voltar para o quartel-general logo após a
batalha. Nos armários, ainda estavam guardados os rolos de fitas magnéticas e os
microfilmes sobre o quarto planeta do sistema Beta. Os olhos de Topthor viam cobiçosos
aqueles tesouros de documentos. Se pudesse pegaria tudo. Mas depois pensou friamente
que os tópsidas não voltariam mais, pois estavam mortos. Com toda probabilidade, Ber-
Ka era o último tópsida vivo, a entrar naquela ilha de aço.
A mão de Topthor estava por acaso na coronha da pistola quando Ber-Ka virou de
repente para trás e apontou para frente, onde havia uma porta aberta. Atrás dela, estava a
instalação de rádio, um salão bem claro.
O superpesado estremeceu todo de susto, como que apanhado numa ação imoral.
Deu um sorriso forçado, olhando para Ber-Ka.
— Excelente, Ber-Ka, a jogada de Rhodan está chegando ao fim.
O grande salão estava vazio. Os aparelhos, receptores, geradores e transmissores
estavam em seus lugares. Amplas janelas deixavam entrar a luz do sol. As poltronas dos
operadores estavam como eles haviam deixado.
A qualquer momento, pensava Topthor, os sáurios poderiam voltar, como se
tivessem saído apenas por uns instantes. Mas depois, achou que estava louco, pois os
tópsidas não tinham sido todos derrotados e mortos? Ninguém voltaria para ali. Ber-Ka
era e continuava sendo o único tópsida vivo. O último a entrar naqueles tesouros.
— Você entende alguma coisa disso?
— O suficiente para dar conta do recado — afirmou o jovem oficial, apontando para
uma complicada instalação. — No começo de minha carreira, era operador de rádio.
Espere, em poucos minutos teremos Al-Khor ali na tela.
Topthor franziu as sobrancelhas.
— Por que não Cekztel, meu comandante supremo? Quem sabe se Al-Khor já está
morto, depois que toda sua frota foi destruída?
— Isto aqui é uma estação dos saltadores ou dos tópsidas? — perguntou Ber-Ka. —
Assim que eu falar com Al-Khor, a estação fica a sua disposição. Mais, você não pode
exigir.
O superpesado concordou hesitando.
Sua mão estava de novo na cintura.
— Está certo, Ber-Ka, mas sem a minha magnanimidade você não estaria nesta ilha.
Tenho pois o direito de ser o primeiro a falar. Além disso, não adiantaria nada à sua frota
se Al-Khor for cientificado da trapaça de Rhodan. O importante é que a frota dos
saltadores seja esclarecida. Compreende isto?
Mas Ber-Ka estava possuído por uma idéia fixa. Queria vingança e queria realizar
um feito heróico. Se ele matasse o saltador e conseguisse que as operações de guerra
recomeçassem, receberia a comenda de bravura do ditador. Mas este saltador era um
adversário ágil e perigoso, que não se podia menosprezar.
— Talvez o senhor tenha razão — disse ele cauteloso. — Por favor, use a instalação
primeiro. Certamente o senhor saberá manuseá-la.
— Também Já fui operador de rádio — respondeu Topthor, passando ao lado de
Ber-Ka, em direção à cadeira livre, já com a arma na mão.
Ao perceber, pela imagem refletida no vidro abaulado da tela, que o sáurio havia
sacado a pistola para matá-lo pelas costas, sua reação foi espantosa. Fez como se fosse
sentar na poltrona do operador, deu meia-volta e se atirou no chão, descarregando a arma.
Ber-Ka foi apanhado de surpresa, morrendo sem um gemido, com a arma apontada
para Topthor. O fluxo energético cessou, Topthor respirou aliviado, guardando a arma na
cintura. Estava agora livre de qualquer ameaça do traidor sáurio, que tinha matado em
legítima defesa. O cadáver seria prova disso, da intenção de Ber-Ka de matá-lo pelas
costas. Haveria de deixá-lo como estava.
Topthor se sentou diante dos aparelhos e começou a estudá-los. A instalação
basicamente não era muito diferente da dos saltadores. Apresentava, porém, algumas
novidades nos controles, com que não estava acostumado. Estava, porém, convencido
que não levaria muito tempo para fazer tudo funcionar.
Ficou uns dez minutos diante dos aparelhos tentando em vão, até que esticou a mão
direita e empurrou uma alavanca. Regulou a freqüência do transmissor e pegou o
microfone, depois que a tela ficou iluminada.
— Alô, aqui fala Topthor, do quarto planeta do sistema Beta. Aqui fala Topthor do
quartel-general dos tópsidas. Estou chamando Cekztel, comandante supremo dos
superpesados. Apresente-se, Cekztel. Tenho uma comunicação importantíssima para lhe
fazer. Apresente-se.
Repetiu três vezes seu apelo e depois passou para a escuta. Não teve que esperar
muito, até que apareceu na tela a imagem desfocada do velho patriarca, os olhos astutos,
como que sobressaindo do nariz chato e da imensa barba, procuravam, como se não
vissem, a imagem de Topthor.
— Alô, Topthor? Aqui fala Cekztel, por que não liga sua câmara? Minha tela está
escura.
— É uma instalação de rádio dos sáurios, que não domino bem. Mas, não tem
importância. Preste atenção, Cekztel: faça paz imediatamente com os tópsidas.
— Você ficou maluco? Os tópsidas se aliaram com os terranos e eu devo fazer pazes
com eles? Além disso, não saberia onde encontrar um comandante deles. Somente a
gigantesca nave esférica de Rhodan é que aparece de vez em quando, junto com pequenas
unidades. Naves cilíndricas não aparecem mais.
— Venha me apanhar aqui, Cekztel, você vai me encontrar facilmente. No quarto
planeta...
— O que está fazendo aí? Não vi sua nave durante todo o tempo do ataque.
— Eu lhe conto tudo mais tarde, Cekztel. De qualquer maneira, você ficará
boquiaberto quando lhe disser que este Rhodan nos enganou novamente.
— Não diga besteira, Topthor, ganhamos a batalha e estamos nos preparando para
acabar de destruir a Terra. Só mais uma hora e...
— Um grande erro — interrompeu-o Topthor, sorrindo, o que o patriarca não podia
naturalmente ver. — Um grande erro. Você podia poupar sua bomba e...
Topthor parou sem querer, pois neste segundo sua tela escureceu. A imagem de
Cekztel desapareceu e ao mesmo tempo cessou o leve zumbido da aparelhagem. As
lâmpadas de controle apagaram. A instalação toda havia desligado por si.
Antes que Topthor pudesse compreender o que se passava, ouviu uma voz sibilante
atrás de si.
— Vire-se, mas tire a mão da pistola.
Topthor obedeceu, virando-se vagarosamente.

***

Deringhouse não era tão ingênuo assim.


— O que vamos fazer no planeta Aqua, Gucky? — perguntou ele cauteloso,
hesitando quanto ao próximo hipersalto. — Lá não existe nada.
— Quem sabe, existe — respondeu o rato-castor, desenhando um triângulo quase
eqüilátero numa folha de papel. — Quem sabe existe mesmo muita coisa.
— Não compreendo, não, Gucky.
— Então, vou lhe explicar, chefe. O bom Topthor está em Aqua, para gozar férias
especiais. Eu gostaria de abreviar estas férias, antes que ele faça bobagem.
— Topthor? — perguntou Deringhouse perplexo, como que atingido por um choque
elétrico. — Topthor?
— Exatamente — disse Gucky radiante e ao mesmo tempo suplicante, no seu olhar
de cão fiel. — Você sabe, o chefe me prometeu uma coisa, se eu encontrasse Topthor.
Sabe o que vou receber, quando o deixar fora de combate e destruir sua espaçonave?
— Você sozinho? — admirou-se Deringhouse, olhando já agora para o mapa
sideral. — Eu também gosto de ser amigo de Rhodan.
— O que você vai fazer com uma meia dúzia de alqueires de cenoura? — perguntou
Gucky. — Basta que nossa nave passe a uns mil quilômetros de Aqua.
— Devo avisar Rhodan...
— Mais tarde, major. Não se pode saber se nesse meio tempo Topthor já se
comunicou com Cekztel.
Deringhouse concordou e apanhou a calculadora.
Três minutos mais tarde, a Centauro surgiu perto de Aqua, descendo em parábola
até se aproximar da camada atmosférica.
— Então, Gucky? — perguntou Deringhouse, virando-se para trás. — Você está
conten...
O major interrompeu a palavra. Gucky já não estava mais na cabina, havia
desaparecido sem deixar rastro.
Então, Deringhouse não hesitou mais em noticiar tudo imediatamente a Rhodan.

***

Quando o planeta das águas apareceu na tela, Gucky se concentrou e pulou. Assim
que sentiu chão firme debaixo dos pés, respirou aliviado. Era sempre um grande risco
pular no nada, mas Gucky teve sorte. Estava no alto de um morro sem vegetação, que
emergia íngreme do meio da mata virgem, proporcionando um magnífico panorama. Isso
não interessava muito a Gucky, mas a busca foi muito facilitada pelo fato de que Aqua
possuía apenas um continente, que não era tão grande assim.
Olhou para o sol quase a pino, sentou-se numa pedra lisa e fechou os olhos. Tinha
que ouvir o que não podia ver. Do contrário, não encontraria sua presa.
E sua presa se chamava Topthor. Concentrou-se para captar os impulsos de
pensamento do superpesado, o que devia ser mais difícil do que no espaço livre. Para sua
surpresa, porém, percebeu logo nos primeiros segundos partes de pensamentos, que sem
dúvida vinham de saltadores e de tópsidas.
“Saltadores e tópsidas! Na mesma direção?”
Gucky virou a cabeça; a distância, naturalmente, não podia calcular, mas a direção,
sim.
— Puxa, saltador e tópsida em harmoniosa conversa, que surpresa! Isto tem que ser
examinado de perto. Quem sabe Topthor pode estar por perto — murmurou.
Procurou localizar bem a direção e se teleportou para o próximo morro. Depois da
terceira teleportação, viu duas naves: ou melhor, escombros de duas naves, próximas uma
da outra, num planalto pedregoso. Gucky realmente se espantou:
— Puxa! A Top II, se não me engano. Que coisa maravilhosa!
Enfiou a mão num bolso de couro da cintura, tirando dali um objeto metálico, do
tamanho de um ovo de galinha, a bomba atômica. Pegou-a com cuidado, regulou o
detonador, apertou um botão, olhando para que se mantivesse nesta posição, Se o
soltasse, a bomba teria cinco segundos para explodir. Pulou para dentro da nave e se
materializou na cabina de comando que pertencera a Topthor. O oficial que estava de
plantão, sentado no sofá, arregalou os olhos espantado e se levantou num pulo para ver
melhor a estranha aparição. Tinha arma na cintura, mas não fizera menção de usá-la.
Olhava horrorizado para o rato-castor que surgira do nada, segurando um objeto metálico
na mão, como se quisesse atirá-lo.
— Se você for bonzinho, lhe darei uma coisa — disse Gucky no mais puro
intercosmo, que deixou o superpesado ainda mais perplexo.
Conseguiu apenas balbuciar:
— O que você vai me dar?
— A vida — disse-lhe Gucky triunfante, mostrando-lhe a bomba. — É
poderosíssima, se eu a soltar, explode imediatamente e haverá então um buraco enorme
neste trecho do planeta. Portanto, não faça bobagem. Vá para o ar livre lá fora e reúna os
outros.
— Os outros? — disse o pobre superpesado, sem compreender nada. — Quem é
você?
— Sou Gucky. Nunca ouviu falar no meu nome? Meu melhor amigo se chama Perry
Rhodan.
— Rhodan...? — exclamou o bem nutrido guarda. — Rhodan está aqui?
— Na redondeza, bem perto. E agora, chame os outros lá para fora. Eu queria dizer
umas palavras a eles. Chame também os sáurios. Vocês fizeram aliança com eles?
— Foi ordem de Topthor. Ele disse que a guerra foi um erro.
— Toda guerra é um erro — continuou Gucky. — Mas há erros que evitam a
guerra.
O superpesado continuava olhando para Gucky, sem nada compreender. Gucky
sorria, mostrando seu dente roedor.
— Vamos, não temos tempo a perder. Em dois minutos, quero ver as duas
tripulações lá fora. E lhe digo logo que tenho uma bomba atômica em minhas mãos que
detonará cinco segundos após minha morte, se algum maluco estiver pensando em me
matar.
Levou apenas um minuto. Gucky esperou na escotilha até que os saltadores e os
tópsidas estivessem todos reunidos lá fora, no planalto. Depois avançou um pouco mais,
com a mão erguida, e gritou bem alto:
— Para ser bem rápido: Rhodan me deu a incumbência de, com esta bomba
atômica, destruir os escombros da nave. Desapareçam todos daqui, do contrário voarão
pelos ares em pedaços. Têm dez minutos para isto. Compreendido?
Entenderam perfeitamente, disparando em todas as direções. Apenas um dos
superpesados, com menos de quatrocentos quilos, ainda antes de entrar na floresta virou
para trás e disse:
— Sem a nave, nós não temos mais abrigo. Temos que morrer aqui ou alguém virá
nos salvar?
Gucky encolheu os ombros.
— Construam seus ninhos — disse ele pilheriando. — Aliás, onde está Topthor?
O superpesado acabou de desaparecer. Gucky ainda esperou dez minutos. Depois
voltou ao grande aparelho e procurou o lugar onde estavam os instrumentos de navegação
positrônica. Parou diante daqueles gigantescos aparelhos, mostrando-lhes a bomba
atômica, dizendo baixinho:
— Agora vocês vão receber um presente especial, principalmente você, computador
de boa memória. Sabe também por quê? Não? Muitos já morreram sem saber o porquê. O
mesmo vai acontecer a você.
Com muito cuidado, colocou a bomba sobre a mesa de controle, diante do robô, e
deu um passo atrás. O botão vermelho estava puxado para fora. Gucky se desmaterializou
e, em menos de um segundo, estava no alto de um morro, a cinco quilômetros dos
escombros da Top II.
— Ainda três segundos — disse ele, sentando-se sobre a volumosa cauda. — Agora!
Lá ao longe, além do teto verdejante da floresta, subiu ao céu o clarão ofuscante da
explosão, apagando quase a claridade do sol. Um cogumelo de fumaça surgiu lento:
estava tudo acabado.
— Aquela caixa de metal não falará mais — disse para si mesmo, virando-se para
outra direção. — Topthor está pensando de novo muito alto. Portanto deve estar por
perto.
No horizonte, se estendia a imensa superfície do mar, até se encontrar com as
nuvens baixas, à direita da língua de terra.
— Está falando com Ber-Ka, quem é Ber-Ka? — Gucky auscultava atento. De
repente, levantou-se de um salto, e de pé, com a cabeça levemente virada, como se assim
pudesse ouvir melhor. — Ele é um assassino? Isto me torna o serviço mais fácil. Vamos
lá, meu caro.
Com “meu caro”, Gucky se referia a si mesmo. O primeiro salto o deixou na praia,
não longe daquele lugar onde ancoravam os barcos para a travessia. Ali no mar, estava a
ilha de aço. Gucky sondou e percebeu que Topthor devia estar ali.
O segundo salto levou Gucky para a plataforma da ilha. Daí em diante, não quis
mais se teleportar. Concentrou-se nos pensamentos de Topthor e achou a direção exata. O
saltador devia estar debaixo da plataforma, na sala de rádio. Ber-Ka já estava morto e
Cekztel estava no aparelho para falar com Topthor. Não se podia perder mais um
segundo. Gucky desceu as escadas, atravessou o corredor, chegando a uma porta
encostada, que abriu cuidadosamente.
Viu Topthor de costas, olhando para a tela. Ao lado dele, jazia o cadáver de um
sáurio.
— ...erro — dizia Topthor. — Um grande erro. Você podia poupar sua bomba e...
Gucky emitiu um fluxo de suas forças telecinéticas, pegando com mão invisível na
confusão eletrônica dos fios. A imagem sumiu da tela, a resistência queimou, não
havendo mais corrente.
— Vire-se — disse Gucky — mas tire a mão da pistola.
Topthor obedeceu imediatamente.
5

Embora os tópsidas tivessem perdido toda sua força aérea, Al-Khor julgou seu dever
continuar lutando até não haver mais um só saltador no quarto planeta.
Ao aproximar-se da suposta Terra com suas naves de reconhecimento, Cekztel teve
uma surpresa desagradável. Das fortalezas improvisadas pelos sáurios, saiu uma reação
de fogo antiaéreo tão forte e inesperada que em muitas naves o envoltório energético não
resistiu.
Cekztel viu horrorizado que quase a metade de sua frota de patrulhamento foi
destruída. Arrependeu-se de ter subestimado os terranos.
A tudo isso ainda acrescia que, exatamente nesta situação desesperada, surgiam as
naves esféricas de Rhodan, aumentando ainda mais a confusão. Três outras naves dos
saltadores ainda foram destroçadas.
O terceiro planeta se transformara em inferno ignívomo. A impressão, pelo menos
conforme o raciocínio dos patriarcas dos saltadores, era de que os terranos haviam
transformado seu planeta pátrio numa fortaleza subterrânea. Talvez fosse essa a
explicação para o fenômeno que causara tanta dor de cabeça a Cekztel. Todo planeta
civilizado, assim era o seu raciocínio, devia ter seu cartão de visita: a superfície. A
superfície da “Terra”, no entanto, constava apenas de uma paisagem rústica que não
apresentava o menor sinal de civilização. Será que os terranos tinham toda sua civilização
em subterrâneos?
Sua última dúvida a respeito de se tratar mesmo da verdadeira Terra desapareceu
com o repentino e violento contra-ataque subterrâneo.
Suas ordens chegavam a todas as centrais de comando do restante da frota:
— Retirada imediata. Ponto de encontro em BK cinqüenta e nove-hf. Temos de sair
daqui.
Com uma velocidade incrível, as naves cilíndricas dos saltadores se atiraram espaço
a fora, deixando no planeta das matas virgens os pobres tópsidas, já mais aliviados.

***

Cekztel olhava para a tela vazia, esperando que Topthor desse sinal de vida. Mas o
rádio estava mudo e o superpesado não dava sinal nenhum. O patriarca franziu a
sobrancelha e um tanto inseguro, virou-se para um dos seus oficiais:
— O que este Topthor quer dizer com a frase: “Rhodan nos enganou novamente”?
Entenda isto quem quiser. Será que não estamos em condições de liquidar com este
Rhodan? Não destruímos sua frota e a de seus aliados? É verdade que a Terra está se
defendendo com unhas e dentes e não pensa em se render. Mas isto vai adiantar alguma
coisa? A bomba arcônida vai produzir um novo sol neste planeta. E mesmo que não
consigamos apanhar Rhodan, o que ele vai fazer sem seu planeta pátrio? Não pode ficar a
vida toda rodando por aí em sua gigantesca nave esférica. Então, haveremos de apanhá-
lo, quando tentar descer um dia em um dos nossos mundos.
O oficial, um saltador normal, com menos de cem quilos de peso, fez como se
estivesse de acordo.
— Para mim, seria muito melhor que Rhodan estivesse morto.
— Para mim, também — esbravejou Cekztel, furioso contra suas próprias dúvidas.
— Para mim também, acredite, mas já fico mais contente quando a Terra estiver
destruída. A Terra é a incubadora destes novos-ricos aventureiros, que não respeitam
nosso monopólio comercial. Você vê que até os mais ou menos neutros tópsidas se
tornaram nossos inimigos porque Rhodan conseguiu influenciá-los. Depois que a Terra
for destruída, teremos uma conversa muito séria com o ditador.
— Quem sabe, foi ele obrigado a tomar esta atitude contra nós?
— Quem sabe, mas não temos certeza — continuou Cekztel. Seus olhos ainda
continuavam fixos na tela escura. — Temos que nos preocupar com Topthor. Providencie
para que uma de nossas naves vá buscá-lo. Enquanto isso, fico preparando tudo para a
destruição da Terra.
O oficial obedeceu e saiu em direção à sala de rádio. Fez logo uma ligação para um
tal de Bernda, um corpulento patriarca dos saltadores da estirpe dos chamados
comerciantes de cereais.
— Ordens de Cekztel, Bernda — disse o oficial assim que o semblante do astuto
comerciante apareceu na tela. — Você deve voar para o quarto planeta do sistema e
apanhar Topthor e sua tripulação. Teve de fazer uma aterrissagem forçada por lá. A
aparelhagem de rádio parece que não funciona. Mas você vai encontrá-lo com facilidade.
O planeta é completamente inabitado.
— Exatamente Topthor! — disse Bernda, com cara de poucos amigos. — O
desgraçado já me estragou muito negócio bom na vida.
— Isto não interessa nem a Cekztel nem a mim — interrompeu o oficial. — O
senhor recebeu a ordem de apanhar Topthor. É muito importante, pois Topthor tem uma
mensagem de muito valor para nós. Espero que o senhor coloque o bem de nosso povo
acima de seus interesses particulares e diferenças pessoais.
— Não se preocupe — foi a resposta do comerciante de cereais. — Sei o que tenho
que fazer. Devo partir, quando?
— Imediatamente. E não se assuste se o terceiro planeta se transformar num sol.
— A Terra?
— Sim, a Terra — respondeu o oficial, desaparecendo da tela de Bernda.
O comerciante ainda ficou olhando por uns instantes para a tela apagada, depois sua
voz possante gritou umas ordens. Toda a tripulação correu para seus lugares e se
preparou para a nova missão.
A Bern I era uma espaçonave relativamente pequena, um cilindro de mais ou menos
oitenta metros de comprimento, com poucos meios de defesa, mas muito ágil. Cekztel
não poderia escolher ninguém melhor do que Bernda, para esta missão. Ele comerciava
com cereais e o seu negócio estava também ligado com a pesquisa da superfície de outros
planetas à procura de vegetação e de animais. Seu trabalho profissional o obrigava a se
utilizar de uma nave pequena.
— Aceleração até mais ou menos 1G!
A Bern I, depois de descrever um ângulo de 90 graus, disparou pelo espaço a fora,
perdendo de vista em pouco tempo a frota dos saltadores. Apenas uma vez, notou no
espaço pedaços de aparelhos destruídos, que não interessavam a ninguém.
Levou mais ou menos uma hora, depois o quarto planeta ficou tão grande que enchia
toda a tela. É claro que Bernda não ia colocar seu dever de cidadão acima dos seus
interesses particulares.
“Água... A maior parte deste planeta está coberta de água. Não há muita coisa para
se procurar”, pensava ele.
Mas, quem sabe existiriam no continente novas formas de vida que seriam de
grande interesse para incrementar seus negócios? Se encontrasse logo Topthor, não teria
mais jeito de prolongar sua permanência no quarto planeta. Sua ausência não ia apressar
o desenrolar dos acontecimentos nem alterá-los.
A Bern I deslizava a poucos metros de altura, sobre a superfície das águas. Pequenas
ilhas anunciavam o continente, que minutos depois apareceu no horizonte.
Bernda mandou abrir a cúpula de observação e sentou-se numa poltrona onde mal
caberia Gucky. Desta cúpula, tinha uma ótima visão para todos os lados, mormente para
baixo. Uma direção auxiliar lhe permitia controlar os movimentos da nave, dali da cúpula
mesmo. Uma ligação direta com a cabina de rádio o punha em contato permanente com
sua tripulação ou com naves próximas.
Bernda se entregou completamente às suas inclinações comerciais. Como um
técnico, contemplava as enormes árvores da floresta virgem, avaliando seu valor
comercial. Em mundos pobres de florestas, troncos de boa madeira davam grandes
lucros. Principalmente árvores como aquelas. De qualquer maneira, não ia perder a
oportunidade de arranjar mudas e sementes.
Talvez fosse melhor, primeiro procurar Topthor. Não gostou muito desta idéia. Mas
depois ficou pensando que de fato ele estava recebendo dinheiro para atuar nesta
campanha, tendo, portanto algumas obrigações a cumprir. A desgraça é que tinha de
salvar exatamente a Topthor.
Casualmente seu olhar deu com uma formação de nuvens, que não lhe era estranha.
Um vento brando já havia espalhado um pouco o cogumelo que penetrava já bastante na
atmosfera, embora fossem inconfundíveis a larga umbela e a coluna vertical. Mais para
frente, no continente, devia ter havido, há poucos instantes, uma explosão atômica.
A curiosidade de Bernda cresceu. Aumentou a velocidade e cinco minutos mais
tarde estava chegando à região calcinada do planalto. Um enorme rombo afunilado no
chão documentava a catástrofe. As bordas da imensa cavidade redonda tinham um brilho
de vidro incandescente. Na floresta em volta, ainda se viam algumas chamas e os
destroços atirados, mas eram sufocados depressa pela falta de oxigênio na densa
ramagem rasteira.
Bernda não pensou em descer. Por que iria se expor a perigo sem necessidade? Se
Topthor estivesse por aqui, já estaria morto. Mas, quem teria provocado a explosão e por
quê?
Era impossível arranjar uma resposta na hora, mas o tempo se encarregaria de trazê-
la. Bernda virou a nave e se dirigiu para o mar, que não estava longe. No momento, não
estava mais pensando em mudas e sementes de árvores, mas quebrando a cabeça para
descobrir o que a explosão atômica tencionava destruir.
Achou a resposta mais depressa do que esperava: seus olhos descobriram alguma
coisa se movendo no pedregoso planalto. Baixou bastante a nave e percebeu um corpo
erecto, de um brilho esverdeado, com uma cauda coberta de escamas.
Um tópsida! Como teria aquele sáurio chegado até aqui? Bernda desceu ainda mais
e já estava para mandar a tripulação abrir fogo contra o inimigo, quando um calafrio lhe
percorreu a espinha. Viu uma outra figura, um superpesado. Saía de trás de um rochedo e
ficou parado ao lado de um tópsida. Ambos olhavam para cima e acenavam. Como se
estivessem esperando, apareceram imediatamente outros superpesados e outros tópsidas.
Agiam como se não fossem adversários entre si. Bernda já não estava compreendendo
mais nada. Mas foi suficientemente inteligente para suspender a ordem de fogo.
Aterrissou a uns duzentos metros do estranho grupo e já estava pronto para pisar em
terra firme. Não confiou muito naquele ambiente tão pacífico, enfiou duas pistolas na
cintura, ordenou que dois guardas bem armados o seguissem.
A cerca de vinte metros da escotilha aberta, os três saltadores pararam, esperando os
desconhecidos.
— O que você acha? — sussurrou Bernda.
O oficial da direita sacudiu a cabeça:
— Talvez foram derrubados e então suspenderam a luta — não sabia que realmente
estava muito perto da verdade. — Por que razão têm que se destruir mutuamente, se uns
podem ajudar os outros a se salvarem? Vamos ver em breve.
— Você quer sempre ir contra o regulamento — protestou o outro guarda nervoso.
Sua mão já estava segurando a pistola energética. — Os tópsidas foram declarados
aliados de Rhodan e devem ser tratados como tais.
— Esperemos um pouco — disse Bernda calmamente.
Olhou para os dois superpesados que se aproximavam acompanhados de dois
tópsidas. Observou que estavam desarmados. O restante dos superpesados e dos tópsidas
ficou aguardando aos pés do rochedo. A delegação parou a dez metros de Bernda e seus
dois guardas. O superpesado sorria com dificuldade.
— Isto se chama socorro na hora exata — disse, estendendo a mão a dez metros de
distância, como se quisesse cumprimentar Bernda. — Nós já acreditávamos ter de passar
o resto da vida aqui. O senhor encontrou Topthor e Ber-Ka?
— Ber-Ka, quem é ele?
O superpesado apontou para seus companheiros:
— O comandante dos tópsidas, cuja nave nós derrubamos. Infelizmente a Top II
ficou danificada, não podendo mais levantar vôo. Os sáurios e nós fizemos então um
armistício, porque não tinha mais sentido nos matarmos mutuamente.
— Cekztel certamente se alegrará muito com o procedimento arbitrário de Topthor
— disse Bernda, feliz com a desgraça alheia. — Onde está então Topthor?
— Saiu em companhia de Ber-Ka à procura de uma estação de rádio, em algum
ponto do litoral, numa ilha artificial.
— Numa ilha artificial? — disse o superpesado, sacudindo a cabeça.
— Não é possível que o senhor entenda, sem um relatório mais pormenorizado. Dê-
nos primeiro alguma coisa para comermos e bebermos e depois saberá de tudo.
Mas Bernda estava curioso demais para aceitar imediatamente a proposta.
— Responda-me primeiro uma outra pergunta: achamos, a algumas milhas daqui,
uma cratera atômica. Ali houve uma grande explosão e o que foi propriamente destruído?
— Foi Rhodan — disse o superpesado. — Ao menos reconhecemos um de seus
colaboradores mais íntimos, um ser esquisito de pêlo marrom e de cauda curta, mas muito
larga. Apareceu do nada, atirou uma pequena bomba atômica e desapareceu de novo.
— E vocês se salvaram como?
— Fomos avisados por ele, que nos deu dez minutos para nos protegermos.
— E ninguém de vocês tentou impedir este ser estranho de destruir a belonave?
Acho que já posso dizer que nossa força espacial não se compõe exclusivamente de
heróis. E os tópsidas também não são mais tão corajosos — comentou Bernda.
— Para impedir? Como assim? O animal, acho que não se pode classificá-lo como
tal, tinha uma bomba atômica na mão — retrucou o oficial.
— E aí, vocês saíram correndo feito cabritos desnorteados, para todos os lados?
Cekztel é quem vai decidir isto. Eu tenho apenas a missão de encontrar Topthor, porque
ele tem, aparentemente, uma mensagem muito importante para transmitir.
— Uma mensagem muito importante? — repetiu o superpesado, tentando descobrir
alguma coisa. — Pode ser mesmo, Topthor e Ber-Ka discutiam muita coisa em segredo e
diziam que a guerra não tinha sentido. Pensavam que Rhodan nos tinha enganado, que
tínhamos caído numa esparrela sem percebermos. Mais eu não sei, não.
— Quem é você?
— Sou Gatzek, o segundo-oficial de Topthor.
Bernda concordou aos poucos.
— Bem, então diga ao seu pessoal e também aos sáurios que mandarei cuidar de
vocês todos. Mas depois, espero o relatório de vocês, dentro de meia hora. Há um grande
erro em tudo isto. Quero descobri-lo.
Viu com sentimento ambíguo que saltadores e tópsidas se confraternizavam tão
simplesmente. Todos misturados, esparramados pelo chão, à espera de uma refeição.

***

A bomba de Árcon era o instrumento de maior poder destrutivo dos antigos


arcônidas. Uma vez ativada, desencadeava um processo irreversível com o poder de
destruir um planeta. Infelizmente não eram só os arcônidas que possuíam o segredo desta
bomba. Os saltadores também dispunham desta terrível arma, embora a usassem muito
raramente.
Para destruir a “Terra”, Cekztel lançou mão da bomba de Árcon.
A frota dos saltadores estava no espaço, a uma distância suficiente do terceiro
planeta, para não sofrer os efeitos da explosão. Apesar disso, continuavam sendo
disparados do mundo das matas virgens foguetes não tripulados que atingiam seus alvos
automaticamente. O que salvava, às vezes, as naves dos saltadores, era a fuga com uma
rápida transição.
O que Cekztel não sabia era o fato de que toda a defesa da “Terra” fazia-se apenas
por um punhado de tópsidas. Quase tudo era controlado por robôs. É claro que um
punhado de sáurios estava condenado à morte, embora Cekztel acreditasse que com a
destruição do planeta, destruiria também uma raça toda, raça que se opusera ao
monopólio dos comerciantes das Galáxias.
Deixou a cabina e foi ter com os especialistas em armas que estavam regulando o
detonador da bomba que seria lançada pela nave de Cekztel.
— Falta muito ainda para terminar o trabalho?
Um dos oficiais se virou para trás e explicou:
— O detonador terá o curso de uma hora, em seguida detonará. Acho que este
tempo é suficiente para todos se abrigarem.
— Uma hora...? — continuou Cekztel. — Em circunstâncias normais é mais do que
suficiente. Poderemos percorrer bilhões de quilômetros. Mas, se alguma coisa não der
certo...
Era uma vaga possibilidade, mas tão vaga que não passava pela cabeça de ninguém.
— O detonador será ativado pela própria queda da bomba — explicou o oficial. —
Basta apenas jogá-la.
O olhar de Cekztel pairava sobre a bomba. Não era muito grande, mas seu interior
continha um mecanismo diabólico, desenvolvido por cientistas há muitos milênios e que
até hoje ninguém conseguira aperfeiçoar. A única arma de destruição que podia
concorrer, com ela era a bomba de gravitação:
— Partiremos em dez minutos — disse Cekztel, se retirando. Sem dizer uma
palavra, voltou à cabina e ligou o intercomunicador.
Aguardou ainda alguns minutos para que cada um, a bordo do seu aparelho, pudesse
vê-lo e ouvi-lo.
— Chegou a hora decisiva. Correndo tudo dentro da cronometragem, em setenta
minutos começará a destruição da Terra. Rhodan, pessoalmente nos escapou, mas seus
aliados, os tópsidas, e seus irmãos de raça estarão em breve mortos no planeta. Vou
lançar a bomba em dez minutos. O tempo para a explosão é de uma hora. Vamos
observar os efeitos da explosão daqui mesmo. Quando este sistema tiver dois sóis, um
gigantesco sol vermelho e um pequeno sol branco, nossa missão estará cumprida. O
planeta Terra só existirá em nossa recordação.
Fez uma curta pausa e continuou: — Durante meu regresso, manterei contato com
vocês. A ordem de partida, logo após a explosão, será dada por mim. Até lá estaremos em
estado de alerta. Se surgirem naves de Rhodan, é necessário atacá-las imediatamente e
destruí-las.
Desligou logo após, sem esperar resposta. Por mais de cinco minutos, ficou parado,
imóvel, diante de seus controles, mas depois recuperou a vivacidade.
Com rápidas manobras, acelerou o vôo e se separou do resto de sua frota. Como
uma ave de rapina, sua nave se despencou de encontro ao pequeno planeta, que crescia
rapidamente e finalmente encheu a tela toda.
Poços e cavernas até então camuflados na superfície do planeta, abriram suas
possantes bocas de fogo antiaéreo, atirando raios mortíferos contra o atrevido atacante.
Cekztel acumulou toda a energia disponível no envoltório de proteção, aproximando-se
cada vez mais da atmosfera, onde finalmente penetrou com um zunido infernal.
A velocidade ainda era elevada demais. Se a bomba fosse lançada neste momento,
poderia se transformar num satélite qualquer. Mas a velocidade foi diminuindo. A
despeito de todos os perigos, Cekztel baixou mais ainda e atravessou uma grande cadeia
de montanhas. O fogo de defesa embaixo diminuiu um pouco. Provavelmente os terranos
achavam que nunca poderiam ser atacados pelo lado das montanhas.
Cekztel ligou o intercomunicador.
— Sala de munições! Lançar a bomba em vinte segundos. Deve cair sobre o espigão
da montanha que nos está à frente.
Diminuiu ainda mais a velocidade e relacionou-a com a altura para atingir
exatamente o alvo desejado, um planalto alcantilado.
No exato momento em que foi sobrevoado o pequeno planalto íngreme, veio a
confirmação da sala de munições:
— Bomba atirada. Está caindo sobre o planalto.
Cekztel fez uma pequena curva e subiu. Viu a bomba cair no ponto desejado.
Levantou um pouco de poeira, que em alguns segundos desapareceu. E ali ficou, numa
leve curva do terreno, com seu brilho prateado.
Agora era só esperar. Mais cinqüenta e nove minutos.
Cekztel deu um último olhar para o pobre mundo condenado à morte e pegou nos
controles com determinação.
A nave se empinou quase verticalmente e, em velocidade crescente, perfurou o
espaço de um azul-escuro, perseguida por um míssil teleguiado dos tópsidas, que surgira
inesperadamente. Uma transição de cinco segundos-luz colocou-a a salvo, pois estes
foguetes não iam além de cem mil quilômetros. Naturalmente, não encontrando seu alvo,
o míssil entrou em órbita e continuaria girando até que, talvez em milhares de anos, desse
de encontro com um pedaço de matéria e o destruísse. Essa matéria poderia ser também
um meteoro, ou mesmo uma espaçonave comercial.
Isto ninguém poderia prever e Cekztel também não tinha nenhuma preocupação a
respeito. Sua missão estava cumprida. Em uma hora estaria de volta para a nebulosa
galáctica M-13.
6

Deringhouse estava olhando para a imagem de Rhodan na tela panorâmica, embora


as duas naves estivessem a mais de um bilhão de quilômetros uma da outra. As ondas de
rádio atravessavam esta distância toda em um décimo de segundo, pois iam através do
acelerador da estação de supertransmissão.
— Aconteceu, Deringhouse — falava Rhodan. — Cekztel já lançou a bomba. No
tempo que nos resta de cinqüenta minutos, vou tentar salvar os tópsidas que ainda estão
no terceiro planeta.
— Você ainda dispõe de tanto tempo? — indagou Deringhouse.
— Ouvi as palavras do patriarca à sua frota — tranqüilizou-o Rhodan. — Não se
preocupe, vou dar o fora a tempo, sem perigo para mim e para a Titan. Realmente é pena
estragar assim um mundo tão romântico, mas sem este inconveniente, não atingiremos
nosso objetivo. Eu já estava preocupado, pensando que os saltadores desconfiassem, pois
todos imaginam um mundo civilizado de maneira bem diferente. Por sorte, os tópsidas
nos ajudaram, transformando um planeta desabitado numa verdadeira fortaleza. Isto deu
aos saltadores a certeza de estarem realmente diante da Terra.
— Devo permanecer nas proximidades de Aqua?
Rhodan refletiu um pouco e depois concordou.
— Sim, tente recolher Gucky. Já deve ter terminado sua missão. Para agir com mais
segurança, eu lhe sugiro aterrissar em Aqua e procurar por Gucky. Você não está mais
com nenhum telepata a bordo e não poderá assim entrar em contato com Gucky.
— Gucky levou consigo um pequeno aparelho transmissor. Pode enviar um sinal
para orientação, e o acharemos logo. É verdade que até agora não deu sinal nenhum.
Rhodan terminou a conversa:
— Voe para Aqua e espere lá até que o sistema ganhe um outro sol. Procure Gucky
e fique então na escuta permanente, que eu me comunicarei.
Deringhouse desligou e a imagem de Rhodan desapareceu da tela, que apagou
totalmente. Capitão Lamanche, sentado diante dos controles de pilotagem, perguntou:
— Direção Aqua, major?
— Sim, mas primeiro vamos sobrevoar o continente, Lamanche, se não acharmos
nada, vamos dar uma olhada no litoral. Em algum lugar, temos de encontrar uma pista do
paradeiro de Gucky e de Topthor.
A Centauro se aproximou do planeta das águas e entrou logo na atmosfera. A
pequena altura, dava voltas, sempre mais amplas sobre o continente, cuja parte central
estava mais ou menos no coração do planeta. Cada vez mais, a Centauro se aproximava
do litoral.
Enquanto Lamanche pilotava, Deringhouse coordenava o serviço de busca por
instrumentos ópticos, apoiado naturalmente pela sala de rádio, cujos receptores estavam
regulados para a freqüência especial de Gucky. Mas o rato-castor ainda não havia achado
por bem comunicar o lugar onde estava.
Faltava-lhe possibilidade para isto?
Deringhouse se assustou com o pensamento. Até então não lhe havia ainda passado
pela cabeça que poderia ter acontecido alguma coisa estranha a Gucky. Um ente
metafísico, com três poderes parapsicológicos, era propriamente invulnerável e parecia
excluído que não tivesse apanhado Topthor. Por que, então, não se comunicava, para que
a Centauro o pegasse? Ou estaria ele, de novo, com os homens-peixes de Aqua, fazendo
uma excursão submarina, como já havia feito uma vez?
Ao ver a cratera, Deringhouse começou a ficar zangado. Mas logo depois, a ira deu
lugar à admiração. Aquela cratera só podia ser da pequena bomba atômica. Portanto,
Gucky havia encontrado a nave de Topthor e a havia destruído. Mas onde estariam os
dois, o superpesado e Gucky?
Os pensamentos de Deringhouse davam voltas e não chegavam a nenhuma
conclusão. A cratera afunilada ficara para trás. Atravessaram um planalto e depois uma
extensa floresta que podia chegar até ao longínquo litoral. Mas percebeu depois que o
litoral não estava tão longe assim. A longa faixa marítima, à esquerda da direção do vôo,
resplandecia num azul-claro.
Lá embaixo tudo era paz e sossego. Deringhouse se perguntava se haveria ainda
sobreviventes da explosão. Não era do feitio de Gucky matar adversários indefesos,
mesmo que tivessem as piores intenções.
Lamanche havia ligado o envoltório de proteção frontal, agindo de acordo com o
provérbio “o seguro morreu de velho”. Os acontecimentos vieram lhe dar razão.
É verdade que Deringhouse percebeu a nave no mesmo instante, mas antes que
tivesse tempo de avisar ao piloto, este já tinha ligado por conta própria o envoltório. Só
depois disso é que os dois homens foram olhar mais de perto o seu achado.
A fuselagem alongada da nave dos saltadores estava numa extremidade do planalto.
Vários pontos escuros se moviam na parte descoberta e pararam, de repente, para depois
saírem correndo em todas as direções. Abrigaram-se parte na própria nave, parte na
floresta vizinha.
— Desça mais, Lamanche — ordenou Deringhouse. — Temos que dar uma olhada
nestes rapazes. Além de Topthor, ainda há outros saltadores por aqui.
— Talvez sejam tópsidas — acrescentou o piloto, enquanto fazia a Centauro descer.
— Eu os estou reconhecendo nitidamente na ampliação da tela panorâmica.
— Além disso, em pacífica convivência — disse Deringhouse, remoendo seus
pensamentos que poderiam levar a uma conclusão falsa de graves conseqüências. —
Desde quando deixaram de ser inimigos?
Lamanche, sem o saber, tinha um pouco de culpa.
— Talvez o próprio Topthor lhes confessou o erro em que tinham caído. Acho que é
uma resposta razoável para sua pergunta, senhor.
Deringhouse concordou, com sinais de preocupação no rosto.
— Quem sabe é realmente a resposta certa, capitão. Mas, vamos, abaixe mais,
conservando, porém o envoltório ligado. Vamos olhar de perto os rapazes e lhes fazer
algumas perguntas.
— Perguntas? — disse Lamanche admirado, mas não disse mais nada.
De baixo, veio um raio energético de um verde gritante de encontro à Centauro.
Atingiu o envoltório invisível e foi absorvido. Mas o adversário continuou atirando
sempre no mesmo local para atingir seu objetivo: enfraquecer e romper a abóbada de
proteção magnética.
Deringhouse chamou a sala de munição:
— Sob nós há uma nave dos saltadores. Estamos sendo atacados, estou direto em
seu alvo. Lance uma bomba atômica.
Era um ato de defesa própria, embora pudesse ser feito com meios mais brandos.
Mas Deringhouse estava realmente convencido de que aqueles saltadores e tópsidas
estavam a par do grande segredo.
Foi a conclusão falsa de tremenda conseqüência. Tremenda conseqüência, pelo
menos para os pobres sobreviventes tópsidas e saltadores, sobre os quais a morte se
abateu com a velocidade do raio.

***

Bernda e Gatzek escaparam.


Os dois saltadores se encontravam a caminho do litoral para procurar Topthor.
Tinham recebido informações dos tópsidas de que o superpesado devia ter atingido a ilha
artificial em companhia de Ber-Ka. Um princípio de mensagem de rádio interrompido
entre Topthor e Cekztel comprovava a informação.
Naturalmente, Bernda poderia chegar até perto da ilha com sua nave, mas preferiu o
trator de esteira para ter oportunidade de fazer uma bela excursão particular. Estava num
mundo diferente e não queria perder a oportunidade para futuros negócios. Os grossos
troncos de árvores copadas lhe interessavam muito. Suas sementes e mudas lhe trariam
grande fortuna.
Gatzek não suspeitava das intenções comerciais do magro comerciante, cuja estatura
normal lhe lembrava os odiados terranos.
Chegaram até o litoral e seguiram o rastro do carro dos tópsidas, no qual Topthor e
Ber-Ka haviam feito no dia anterior a penosa viagem. Quando surgiu a seus olhos a
construção baixa da ilha artificial, parecia-lhes haver conseguido tudo. Respirando mais
sossegado, Gatzek reconheceu o carro parado na praia. Estava vazio.
Bernda parou. Com as pernas um pouco doloridas, pulou para a areia. O
superpesado vinha atrás, caminhando com visível dificuldade. Seus pés penetravam
muito na areia.
— Como chegaram à ilha? — perguntou olhando, com muito medo, para uma fila
de barcos pequenos num diminuto ancoradouro. — Certamente não foi com uma casca de
noz assim, não é?
— Elas agüentam mais do que se supõe — consolou Bernda. — Experimente para
ver.
Gatzek se encaminhou para o primeiro barco e, experimentando, botou o pé na popa
estreita. Afundou um pouco, mas as paredes laterais da embarcação não deixaram que a
água penetrasse.
— Acho que podemos ir, Bernda. Queira Deus que ninguém nos roube o carro neste
meio tempo.
— Bobagem, o carro de Topthor ainda está aqui e ninguém mexeu nele. E aqui não
há ninguém para fazer isso.
Antes que Gatzek pudesse responder, aconteceu algo que o fez pular de volta na
areia.
Bem longe, reluziu um forte clarão por sobre a floresta. Pouco tempo depois, uma
forte compressão do ar varreu as grimpas da imensa floresta, passando para a vastidão do
mar, onde as ondas se encapelaram. Graças à proteção da floresta é que os dois saltadores
não foram atirados ao solo.
— Que foi isto? — perguntou Bernda, ficando totalmente pálido. — Não é da
direção de onde viemos? A nave...?
Gatzek tremeu dos pés à cabeça.
— A nave... sim, poderia ser. Que aconteceu?
Tiveram a resposta dez segundos após, ao surgir, sobre a copa da floresta, uma
enorme esfera que se aproximava deles ameaçadoramente.
— Uma das naves de Rhodan.
Bernda deu um grito alucinante e saiu correndo, sem pensar no seu companheiro,
cuidando apenas de se pôr a salvo. Antes que a grande nave esférica atingisse a praia, o
franzino comerciante já estava se embrenhando pela mata. Continuou correndo, até que a
respiração o fez parar. Cansado e sem ar, rolou pelo chão. Acreditava que no emaranhado
da floresta ninguém o acharia. Em volta dele, os grossos troncos das árvores de copas
fechadas. Do céu, não se via nada.
Minutos a fio, ficou estirado no chão úmido da floresta, tentando ouvir algum ruído
de eventuais perseguidores. Mas tudo era silêncio. Talvez tivessem perdido suas pegadas.
As copas das árvores eram demasiadamente espessas para alguém de cima poder vê-lo.
Será que Gatzek estava também em segurança?
Bernda olhou cautelosamente em volta e parecia mais calmo. Deu com os olhos
num caroço alongado, vermelho-escuro, parecia realmente um caroço. Como sentisse
muita fome, levantou-se e o apanhou. A casca era muito dura. Com um pedaço de pedra,
começou a martelá-lo de encontro às raízes de uma árvore. Quase que deu um grito de
alegria, pois o “caroço” continha muitas sementes, que certamente seriam outras tantas
árvores mais tarde. Ao menos umas duzentas sementes havia no seu interior. E olhando
mais em volta, descobriu grande quantidade de “caroços” deste tipo. Muito contente,
começou a apanhá-los, não tendo, porém, como levá-los. Pobre Bernda.
Não podia compreender como ninguém deste mundo tinha interesse por aquelas
sementes, nem mesmo os homens-peixes.
Mas Bernda não veria nunca mais outras criaturas em sua vida, se alguém não o
viesse apanhar no quarto planeta.
Esta possibilidade era muito remota.

***

Ainda havia quinze minutos para o momento fatídico.


Deringhouse aterrissou na praia, bem perto das duas viaturas e do pobre Gatzek,
quase paralisado de terror. Os suportes telescópicos da grande nave afundaram na areia
macia, fazendo brotar logo água salgada.
— Lamanche, controle as armas de defesa e atire, se for necessário. Eu vou sair.
— Leve dois companheiros — gritou o francês, colocando a mão no botão de
controle das armas. — O gorducho não parece homem de muita iniciativa, mas as
aparências enganam.
— Levo Ras Tschubai comigo, pois assim poderei desaparecer a qualquer momento.
Para que temos teleportador?
Fez um sinal para Lamanche e correu para o departamento dos mutantes.
— Ras, vamos dar um pulo na praia e pregar um susto num superpesado.
O africano de compleição robusta, um dos mais competentes teleportadores dos
mutantes, olhou para a tela de controle externo e concordou.
— Segure bem firme, major.
Deringhouse se agarrou bem em Ras e, no mesmo segundo, estava a dez metros de
Gatzek, no macio chão de areia. Arrancou a pistola da cintura e a apontou contra o
superpesado, cujos olhos se arregalaram de medo.
— Não se mova, gorducho.
Foi com dificuldade que Gatzek conseguiu manter sobre as pernas seu respeitável
peso de seiscentos e tantos quilos. Tinha ouvido falar das misteriosas forças que estavam
a serviço de Rhodan, mas isto estava acima de sua concepção.
— Estou desarmado — lamentou ele.
— É a sua sorte, meu amigo — consolou-o Deringhouse, colocando a arma no cinto.
— Onde está Topthor?
Gatzek apontou para a ilha.
— Talvez lá, eu também o estou procurando.
— Por quê? — foi a pergunta direta de Deringhouse. — Vocês se aliaram com os
tópsidas?
— Por que não? — admirou-se Gatzek não sem razão. — Nós fomos derrubados
como eles. Por que deveríamos nos matar mutuamente? Não havia mais motivo para isto.
Deringhouse compreendeu. Então falou:
— Se você se mantiver pacificamente, nada lhe acontecerá. Vou dar uma chegada
ali na ilha, com meu amigo, à procura de Topthor. Não tente nenhuma bobagem.
— Posso voltar para minha nave que espera por mim ali nas montanhas?
— Uma nave dos saltadores? Foi destruída, pois fomos duramente atacados.
Suponho que sua volta é inútil.
Deringhouse se agarrou em Ras, apontando para a ilha. O africano deu um salto.
Materializaram-se na plataforma e logo acharam o corredor que levava para a cabina de
rádio. Diante do gigantesco painel de controle estava o cadáver de um tópsida.
Deringhouse estremeceu ao ver Topthor.
7

A bomba arcônida explodiu no minuto exato. Rhodan estava bem longe no espaço e
viu o clarão ofuscante que haveria de provocar reações em cadeia. Ainda levaria horas,
até que o planeta se transformasse num sol.
A frota dos saltadores estava a uma hora-luz da explosão. Major McClears os estava
observando do cruzador pesado Terra, enviando informações e imagem constantemente
para a Titan, a fim de deixar Rhodan a par de tudo.
As primeiras mensagens de Cekztel davam a entender que as coordenadas para o
regresso dos saltadores para M-13 já estavam calculadas. A missão estava cumprida e a
“Terra” destruída.
Mas todo mundo sabia que Rhodan ainda estava vivo. E era a única coisa que
atrapalhava Rhodan.
Depois de haver feito e discutido vários planos com Bell, entre os quais havia um já
mais ou menos formalizado, mandou chamar para a sala de comando a John Marshall.
— A Titan deve ser, aos olhos dos saltadores, destruída — começou Rhodan, vendo,
com um sorriso nos lábios, o susto estampado no semblante do telepata. — Exatamente
como foi com a Terra. Somente depois disso é que estaremos convencidos de que nossa
grande jogada deu certo cem por cento. Também o Robô de Árcon deve ficar convencido
de que fomos destruídos. Arquitetamos um truque de grande efeito, Marshall, para cuja
execução, no entanto, necessitamos de um teleportador: Ras Tschubai ou Gucky.
— Ambos estão na Centauro, senhor. Deve-se então avisar a Deringhouse de que...
— Deringhouse estará aqui com seu cruzador em dez minutos. A frota dos
saltadores partirá dentro de trinta minutos. Neste meio tempo, o truque tem que ser
realizado.
— O que vai ser realizado?
Rhodan ainda continuava sorrindo, ao dizer:
— A desintegração total da Titan em meio das naves reunidas dos saltadores.
Marshall não empalideceu, porque havia lido o pensamento de Rhodan. Então, ele
mesmo começou a rir.

***

Com semblante carregado, Deringhouse retornou à Centauro. Quando se


materializou com Ras Tschubai na praia, o superpesado Gatzek havia sumido. Também
ele tinha preferido buscar abrigo na floresta próxima. De qualquer maneira seria melhor
do que prisão, pensaria ele.
Deringhouse não se deu ao trabalho de procurar os dois fugitivos. Não tinha tempo
para isto. Além disso, Aqua lhes oferecia o necessário para sobreviver. Eles é que
cuidassem de suas vidas. Ele, Deringhouse, tinha outras preocupações.
“Onde estará Gucky?”, pensou, indagando-se.
Topthor já morrera.
Estava sentado na poltrona da cabina de rádio dos tópsidas, diante do painel de
controle, de uma maneira tão esquisita, com a cabeça caída na mesa. Ou o que sobrou de
sua cabeça. Pois Topthor cometera suicídio, com a pistola de raios energéticos. A arma,
com o cano apontado para a cabeça, ainda estava presa na mão rígida.
Topthor estava morto e com ele havia findado o mistério que ameaçava a vida no
planeta Terra.
Deringhouse pegou o africano pela mão.
— Para a nave — disse ele. — Onde andará Gucky?
Materializaram-se na cabina. Lamanche continuava sentado, olhando para os
controles, mas não havia nada mais para observar. Em seu colo estava, todo feliz, Gucky,
enquanto Lamanche lhe coçava a nuca. Quando Deringhouse soltou uma praga meio
contida, o rato-castor sacudiu a cabeça com ar de desaprovação, dizendo:
— Chefe Deringhouse, você, durante o último hipersalto pelo espaço, deve ter
perdido um pouco de sua boa educação.
— Desde quando está aqui?
— O tempo suficiente para ficar com os cabelos brancos de tanto esperar por você
— disse Gucky. — Você encontrou Topthor?
— Por que ele se matou, Gucky? Sabe alguma coisa a respeito?
— Estava cansado da vida, major. Queria matar primeiro a mim e depois a si
mesmo. Apenas trocou a ordem.
— Foi assim! — comentou Deringhouse admirado.
O operador em serviço entrou e disse:
— Rádio de Rhodan, major. O senhor deve procurar as coordenadas apresentadas.
Os dados são...
— Está bem, vou lá e resolvo isto já. Antes de sair, Deringhouse olhou para Gucky e
lhe disse:
— Esse negócio de trocar a ordem, você vai me explicar na presença de Rhodan.
Gucky não respondeu nada.

***

— É relativamente simples, mas tem de ser feito no segundo exato — concluiu


Rhodan, olhando com interrogação para Gucky. — Se você quiser, poderá ser feito
também por Ras.
O rato-castor sacudiu a cabeça tão violentamente que as orelhas esvoaçaram.
— Ras deve ser poupado, chefe. Além de tudo, está na Centauro com Deringhouse,
enquanto eu estou aqui.
Rhodan concordou.
— Quanto à sua explicação barata sobre a morte de Topthor, é melhor a gente
esquecer isto. Mas cá entre nós, como foi mesmo? — olhou para o relógio. — Ainda
temos dois minutos, conte depressa.
Gucky andava nervoso de um canto para o outro, olhando muito para Bell, com
olhos suplicantes.
— Realmente, eu o surpreendi e o chamei, ele se virou, já com a arma na mão para
me matar. Que devia eu fazer? Que seria de você, chefe, se eu morresse? E o coitado do
Bell? Não, não consegui deixar que me matasse.
— E depois? — perguntou Rhodan impaciente, olhando para o relógio.
— Nada! Topthor ergueu a arma para o ouvido e disparou.
— De qualquer maneira, você é telecineta e pode mover a matéria sem tocar nela. É
isso que deverá fazer com a bomba atômica.
Gucky olhou para ele com certa tristeza nos olhos.
— Está certo, chefe.
Rhodan olhou pela última vez para o relógio:
— Um depósito cheio de cenoura, eu lhe prometi, e você receberá, Gucky. Mas,
vamos embora, não há mais tempo a perder. Os saltadores vão desaparecer em cinco
minutos, Gucky. Vamos para a sala de munições, regular o detonador exatamente para
cinco segundos e esperar até que chegue meu comando. Tudo claro?
— Há muito tempo — disse Gucky e desapareceu.
Bell olhou espantado para o lugar vazio.
O hipercomunicador estava ligado. A primeira mensagem era cifrada e se destinava
a McClears e a Deringhouse:
— Vocês liguem o compensador e executem dez saltos antes de voltarem para
Terrânia. Lá esperarão por mim. Tudo em ordem?
— Entendido — foi a resposta dupla.
Vinte segundos depois, não havia mais Centauro nem Terra no sistema do sol
vermelho de Beta. A Titan ficou sozinha.
Rhodan calculara bem as coordenadas, mas antes de saltar com a supernave, deixou
aquecer o hipertransmissor. A freqüência do cérebro eletrônico foi regulada. Agora, com
a simples pressão de um botão, Rhodan podia entrar em contato com o regente do
Império Arcônida, a mais de 30 mil anos-luz de distância.
Na tela já se podia ver Gucky. Em seus braços, se via um objeto alongado: a bomba.
— Pronto, Gucky?
— Pronto.
— Atenção! Salto!
A Titan se desmaterializou e surgiu, no mesmo segundo, a menos de dois
quilômetros da nave de Cekztel, no espaço normal. Na redondeza estavam mais de
duzentas unidades que se preparavam para o grande salto de retorno. Somente devido a
esta circunstância foi que levaram tanto tempo para abrir fogo contra a grande nave
esférica.
Antes, porém, aconteceu muita coisa ao mesmo tempo.
Gucky saltou com a bomba atômica através do hiperespaço e se materializou fora da
Titan. Usava um traje espacial e não podia ser reconhecido na carcaça de brilho prateado
da nave. Comprimiu o botão de ignição. Assim que largasse o dedo, haveria ainda
exatamente cinco segundos para a detonação. Seus fluxos telepáticos auscultavam o
cérebro de Rhodan, aguardando seu comando.
Rhodan comprimiu a tecla do transmissor. A ligação para Árcon estava feita. Não
era apenas o cérebro robotizado de Árcon que ia ouvir a transmissão, mas todo o mundo,
pois Rhodan, de propósito, não usou nenhum código.
Ao contrário da Centauro e da Terra, o compensador estrutural estava desligado.
Portanto todo rastreador de estrutura poderia localizar o salto, em toda a Via Láctea. Em
torno da Titan, estava ligado o envoltório magnético de proteção, principalmente para
defender Gucky dos disparos dos raios energéticos.
O primeiro tiro contra a supernave partiu da nave de Cekztel. Foi o sinal para todas
as outras naves dos saltadores. E para Rhodan também.
— Aqui fala Perry Rhodan do sistema Terra — gritou ele no microfone do hiper-
transmissor, com voz de desespero. — Os saltadores acabam de destruir o planeta Terra.
Utilizou-se então da pequena pausa para se concentrar e poder pensar: “Agora,
Gucky”.
Depois continuou e ainda tinha cinco segundos para falar:
— Eu estou com defeito no gerador do campo estrutural... quero fugir e saltar para...
Desligou a alavanca do hipertransmissor e com a outra mão acionou o controle de
ligação da instalação de hipersalto.
A Titan se desmaterializou.
Atrás ficou a bomba, mas a diferença de tempo para sua detonação foi tão diminuta,
que Cekztel foi vítima de um erro compreensível. Com seus próprios olhos, julgou ter
visto como a Titan, durante a desmaterialização, foi dissolvida por uma terrível explosão.
Simultaneamente, penetrou em seu ouvido o grito de socorro, enviado por Rhodan ao
cérebro robotizado de Árcon, no entanto interrompido pela tremenda explosão.
O rastreador estrutural da nave de Cekztel, e com ele milhares de outros rastreadores
em todas as regiões da Via Láctea, haviam registrado o início do hipersalto da Titan.
Ninguém, porém, registrara o seu aparecimento no espaço normal. Rhodan tinha sumido
no hiperespaço.
Cekztel estava triunfante. Sua mensagem de rádio não cifrada percorria toda a
Galáxia e era recebida em toda parte, a uma velocidade milhões de vezes superior à da
luz:
— Afastamos o maior perigo para o Universo! Rhodan está morto. O planeta Terra
se transformou num sol. O império não será mais ameaçado. Viva Topthor, a quem
devemos tudo isto.
Mas o pobre Topthor não podia mais ouvir este elogio.
Quando Rhodan, sob a proteção dos compensadores que absorviam todos os abalos,
penetrou no espaço normal e ouviu o elogio fúnebre de Cekztel, contraiu o rosto num
sorriso irônico.
As coordenadas estavam de novo em ordem. O próximo salto, com os
compensadores ligados, traria a Titan, intacta, para a Terra. Para uma Terra que por anos
ou decênios mergulharia no mar do esquecimento. Pelo menos pelo tempo que Rhodan
julgasse conveniente. Com toda certeza, tanto tempo quanto fosse necessário para que o
planeta pudesse se preparar para resistir a qualquer ataque.
Gucky estava feliz e puxava a mão de Bell para lhe coçar as costas.
— Sabe de uma coisa, Gorducho? — observou ele. — A vida é tão bela, mas nunca
havia pensado que “estar morto” é ainda mais belo.
— É isto mesmo — disse Bell amavelmente.
Rhodan olhou pensativo para os dois amigos e pôs a mão no controle central da
instalação de hipersalto. Empurrou-o lentamente.
A supernave deslizou novamente para um outro Universo e não deixou o menor
rastro atrás de si, no espaço calculável.
Ao se rematerializar no espaço normal, tinham diante de si, nas telas da Titan, um
sol claro e maravilhoso.
Bem perto, cintilava um corpo celeste pequeno, meio azulado.
Era o planeta mais lindo do Universo: a Terra.

***
**
*
Graças à sorte e a Gucky, o maravilhoso plano de Perry Rhodan
— o qual a Terra teria que dar a todos os seres inteligentes das
Galáxias a impressão de estar destruída — foi bem sucedido. A
Humanidade ganhou assim tempo para um desenvolvimento tranqüilo
e para a formação do poderoso “Império Solar”.
Os dramáticos acontecimentos, que se desenrolam no ano 2.040,
lhe permitirão viver uma época nova da história da Humanidade.
Em Atlan, o Solitário do Tempo, título do próximo volume da
série, um encontro de gigantes acontece.

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