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A MORTE DA TERRA
Autor
CLARK DARLTON
Tradução
S. PEREIRA MAGALHÃES
Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
O fim de uma época — a Terra
mergulha no mar do esquecimento.
• O foguete Stardust alcança a Lua e Perry Rhodan descobre a nave exploradora dos
arcônidas, que realizou um pouso de emergência (vol. 1).
• Instalação da Terceira Potência contra a resistência das grandes potências terrenas
e defesa contra tentativas de invasão extraterrena (vols. 2 a 9).
• Primeira intervenção da Terceira Potência nos acontecimentos galácticos. Perry
Rhodan defronta-se com os tópsidas e procura solucionar o enigma galático (vols.
10 a 18).
• A Stardust-III descobre o planeta Peregrino e Perry Rhodan alcança a imortalidade
relativa (vol. 19).
• Perry Rhodan regressa à Terra e luta por Vênus (vols. 20 a 24).
• O Supercrânio ataca (vols. 25 a 27).
• Chegada dos saltadores, que pretendem eliminar a concorrência potencial da Terra
no comércio galático (vols. 28 a 37).
• Primeiro contato de Perry Rhodan com Árcon e atuação como delegado do cérebro
positrônico que exerce o governo no grupo estelar M-13 (vols. 38 a 42).
= = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = =
Fora da relação tempo-espaço, definida por Einstein, todas as leis da natureza que
conhecemos perdem a validade no hiperespaço. A noção de tempo desaparece e as
distâncias infinitas se reduzem a um ridículo nada.
No infinito do Universo, decorrera apenas fração de um segundo, quando Perry
Rhodan deu um salto de dez mil anos-luz com a sua poderosa esfera espacial Titan, para
o interior da Via Láctea.
Num piscar de olho, o Sol se reduziu a uma minúscula estrela, que apenas os mais
sensíveis telescópios eletrônicos eram capazes de perceber, no emaranhado imenso de
corpos celestes. Mesmo o sol Beta, o olho gigantesco vermelho, parecia quase apagado.
Já estava a 9.728 anos-luz da Titan, na direção da Terra.
Diante da supernave, porém, jazia o espaço infinito, com seus sistemas habitados e
desabitados... e com seus perigos.
Perry Rhodan estava sentado em frente à tela panorâmica que lhe proporcionava
uma visão simultânea de todo o espaço. A seu lado, Reginald Bell, seu melhor amigo e
companheiro, passava a mão na nuca para minorar a dor da transição. Depois ajeitou as
cerdas eriçadas de sua cabeleira vermelha e esfregou os olhos para ver melhor. A Titan
avançava para dentro do emaranhado de estrelas, porém, agora quase que se “arrastando”
a uma velocidade que mal atingia 0,9 da velocidade da luz. Nesta aceleração, levariam
anos para atingir a próxima estrela.
— Espero que os interessados tenham ouvido o estrondo durante a rematerialização,
Bell — disse Rhodan, acenando na direção da porta da central de rádio. — Saberemos em
breve.
“Por toda parte, nas Galáxias, existem rastreadores estruturais, que registram
qualquer transição no hiperespaço. Nós não nos utilizamos do compensador estrutural
durante o salto, portanto devem ter ouvido o estrondo no mesmo instante, mesmo na
distância de dez mil anos-luz.
“Agora é que começa o quebra-cabeça das conjeturas, meu amigo. Os comerciantes
das Galáxias pensarão que somos os terranos, no que, aliás, estão certos. Permita Deus
que os tópsidas, de acordo com os planos, também nos considerem comerciantes das
Galáxias.”
— Vamos reforçar um pouco a opinião deles — prometeu Bell, que era baixo e
meio pesadão. Mas Bell, realmente, não tinha nada de pesadão e isto valia também não só
no sentido físico. — Os sáurios de Topsid têm de supor que nós somos saltadores, pois
acreditam que viemos do lado oposto. Com os saltadores é diferente, eles vêm das
profundezas da Via Láctea e acreditam que nossa Terra esteja no sistema do sol Beta,
onde os tópsidas tentam se estabelecer. Já que os saltadores tencionam destruir a Terra, os
habitantes do sistema Beta vão intervir e atacá-los. Haverá então uma guerra, a que
vamos assistir de camarote, se quisermos atingir nosso grande objetivo.
Maravilhosamente engendrado, não é?
— Sim, por Deringhouse e McClears, com os quais, finalmente, temos que manter
contato. Onde estarão agora os dois cruzadores?
Bell Interpretou a pergunta como uma ordem indireta e se levantou.
— Está bem, vou me informar a respeito. Rádio cifrado?
— Naturalmente — confirmou Rhodan, e continuou olhando para o painel
panorâmico, embora não houvesse nada para ver, de maior interesse. — Determinar a
posição e pedir um relatório da situação. Eu irei pessoalmente falar com Deringhouse.
Nada, de imagens, para os telespectadores clandestinos não pegarem nada. É bom que a
Terra permaneça um pouco no esquecimento.
— Em compensação, metade do Universo se movimenta por causa dela — disse
Bell sorrindo, enquanto atravessava a cabina semi-esférica para entrar na sala de rádio,
que ficava ao lado. — Alô, Martin, dormiu bem?
O cadete Martin fez um gesto que sim, sem se virar, estava sentado diante dos
aparelhos, observando o resultado de alguns números em escalas coloridas. Uma tela oval
apresentava reflexos cintilantes que percorriam a tela convexa, aparentemente sem
sentido. Não se compreendia nada, naquela confusão de sinais. De um alto-falante,
ouviam-se estalos.
— Salto bem sucedido, senhor. Nenhum sinal de rádio até agora, que se refira a nós.
— Envie uma mensagem por hiperrádio a Deringhouse, na direção de Beta. Em
código cifrado sistema H-V trinta e três, positronicamente. Major Deringhouse deve dar
sua posição e se preparar para fazer um relatório. O chefe quer falar diretamente com ele.
Avise, assim que conseguir contatá-lo.
— Certo, senhor, tudo será feito.
Bell ainda ficou olhando por uns instantes como o operador-chefe ligou a instalação,
registrou a mensagem no aparelho de decodificação e depois a gravou em fita magnética
que começou a retransmiti-la. O texto seria repetido tantas vezes até que viesse resposta
na mesma freqüência. Isto poderia levar horas ou apenas minutos.
— A mensagem está correndo — disse Bell a Rhodan, voltando à sua poltrona de
primeiro-oficial. — Tomara que nenhum saltador nos localize.
— Isso é um pouco difícil — sorriu Rhodan. — Sob certas condições, pode-se
determinar a direção das transmissões por hiper-rádio, mas nunca o seu distanciamento.
Terão que procurar muito até nos encontrar. Está mais otimista, Bell?
O gorducho murmurou algo ininteligível e passou a se dedicar com afinco à
observação do Universo, como se nunca tivesse visto uma estrela em sua vida.
Na realidade, tinha visto muito mais estrelas do que muitos outros homens. Mas Bell
pensava sempre em moças bonitas.
***
***
O segundo parceiro do jogo de xadrez galático era Al-Khor, o comandante geral dos
tópsidas nos planetas do sistema Beta. Depois de haver eliminado seu inimigo Wor-Lök,
e ter entrado em ligação com Topsid, muita coisa se havia alterado. A base dos tópsidas
no quarto planeta, até então muito fraca, foi imediatamente reforçada para não ser
derrotada em caso de um ataque. Sem suspeitar de nada, Al-Khor veio de encontro aos
planos de Rhodan. Além disso, quis o acaso que Al-Khor, através de suas providências,
confirmasse os dados falsos dos saltadores de que no planeta das matas virgens é que
estava a Terra. Al-Khor transferiu para o terceiro planeta todo o poderio militar dos
tópsidas.
A cada momento chegavam novos reforços da longínqua pátria dos tópsidas, a mais
de quinhentos anos-luz do sistema Beta. Deringhouse conseguiu registrar as transições, já
estavam acima de quatrocentas.
No planalto, situado acima das matas virgens, os raios energéticos escavavam
enormes cavernas nos rochedos. O planeta, até então desabitado, virou de uma hora para
outra uma verdadeira fortaleza. Naves de patrulhamento dos sáurios cruzavam em
direções predeterminadas todo o planeta, fazendo tudo para evitar um ataque de surpresa
dos saltadores. Outras unidades estavam escondidas nas partes rasas do mar, esperando
pela ordem de entrar em ação.
Os tópsidas estavam bem armados para repelir a cobiça dos saltadores, cujos
motivos, porém, não estavam bem claros desta vez. Se soubessem por que motivos os
saltadores estavam atacando o terceiro planeta, ou se chegassem a perceber que os
saltadores julgavam que se tratava da Terra, seu procedimento mudaria, e tudo estaria
perdido.
Al-Khor estava a bordo de um dos últimos aparelhos que haviam deixado Aqua, o
planeta das águas. Quando o mundo azul desapareceu atrás dele, acenou contente para o
comandante do cruzador.
— Os saltadores jamais chegarão à idéia de que nós estamos mais interessados no
quarto planeta do que no terceiro. E também não terão possibilidade de corrigir o erro. O
ditador me comunicou há pouco, que, exatamente no momento em que nós estivermos no
apogeu do ataque, mandará uma outra frota de duzentos cruzadores pesados. Tenho a
impressão de que nenhuma espaçonave dos saltadores escapará da destruição.
— Uma jogada genial — disse o comandante do cruzador tópsida elogiando. — Seu
nome, Al-Khor, ficará nas páginas da história dos tópsidas.
Al-Khor concordou feliz. Já estava se vendo, em traje de gala, na parada da vitória,
ao lado do ditador que o condecoraria como herói do Reino das Estrelas.
O cruzador chegou ao terceiro planeta e Al-Khor se dirigiu ao quartel-general, uma
caverna escavada num morro, nas proximidades do equador. A estação de hiper-rádio já
estava em funcionamento. Em menos de dois minutos, Al-Khor conseguiu ligação com
Topsid. Exigindo um relato completo da situação, o comandante local das forças armadas
apresentou-se. Depois prometeu solenemente:
— Pode ficar tranqüilo, Al-Khor, os saltadores terão a maior derrota de sua longa
história. O ditador está muito contente com as providências que você tomou. Envie a
senha, assim que os saltadores atacarem e faça com que estejamos sempre a par do
desenrolar dos acontecimentos.
— Haveremos de vencer! — exclamou Al-Khor pateticamente.
Houve um momento de silêncio e depois veio a resposta:
— Temos de vencer, Al-Khor.
***
***
Afinal aí estava Talamon, que Topthor procurava tão desesperadamente. Neste jogo
de xadrez galático, representava ele o papel mais insignificante possível, pois nem
aparecia. Mas exatamente isto é que deixava Topthor tão zangado e incerto.
Porém, Talamon agiu por conta própria, quando deixou de atender o pedido de seu
patriarca Cekztel, não enviando nenhum aparelho para o ataque à Terra. Por que razão
haveria ele de prejudicar Rhodan? Não foi exatamente Rhodan que o fizera milionário?
Que lhe poupara a vida? Que lhe provara que também entre raças estranhas existe algo
chamado “código de honra”?
Não, Talamon não via razão para trair Rhodan.
Estava com sua frota de duzentas unidades em algum lugar da Via Láctea, não
mandou naves de patrulhamento e sua central de rádio ficou em permanente escuta. Caso
fosse necessário, tinha a firme resolução de ajudar Rhodan. Sua tentativa de avisar os
terranos foi inútil, pelo menos não havia recebido nenhuma resposta. Ficou
acompanhando todas as transmissões das frotas dos saltadores que se reuniam e estava
muito bem informado sobre tudo. Também os chamados de Topthor ele havia recebido,
sem respondê-los.
E assim aconteceu, que atrás dos bastidores espreitava uma força militar de
envergadura, aguardando o momento de intervir nos acontecimentos. Uma força de que
ninguém suspeitava.
Nem mesmo Perry Rhodan.
2
***
***
***
Quando a Top II se materializou, e apareceu nas telas de bordo o gigante vermelho
de Beta, foi como se Topthor tivesse levado uma bofetada na cara.
Atônito e sem dizer uma palavra, olhava fixo para o que tinha diante dos olhos.
Seria este o sol do planeta Terra? Jamais. Este gigantesco olho vermelho lhe era
completamente desconhecido, totalmente diferente, tão diferente que até um cego
perceberia a diferença. E Topthor era tudo, menos cego.
Seu primeiro pensamento foi fazer uma ligação para Cekztel e explicar o erro. Mas
ficou sentado, continuando a olhar o quadro incrível. Procurava achar uma explicação,
mas não havia. O cérebro positrônico do departamento de navegação jamais poderia
errar. Um erro do computador estava, pois excluído. Os dados foram lançados no próprio
local da observação. Não podia haver erro.
Topthor pensava sempre objetivamente e assim desistiu logo de querer procurar uma
explicação para o impossível. Teria tempo mais tarde. No momento, era necessário se
conformar com o fato e ponderar suas conseqüências.
Primeira conseqüência: ele se poria em contato com Cekztel e admitiria ter trazido a
frota toda para um lugar errado. O que aconteceria? Topthor se sentia mal só em pensar
nisso. Todo tipo de recriminação recairia sobre ele, embora estivesse convencido de não
ter culpa alguma. Mas quem é que queria saber disso? Ninguém. Talvez seria expulso e
teria doravante de levar vida de pária, sem amigos e abandonado por todo mundo. Não,
Topthor não pensava mais em dar explicações ao velho Cekztel.
Segunda conseqüência: procuraria resolver o enigma por conta própria, descobrir
como surgira o engano. Para isso, tinha primeiramente que se manter calado e deixar seus
colegas na crença de que se tratava mesmo da Terra e do sistema solar. Certamente não
demoraria muito até que se chegasse a descobrir o erro, pois o sistema solar de Rhodan
não poderia ficar aí, sem defesa nenhuma. Não parecia haver a mínima reação. Um outro
erro, como logo se constataria. E um erro que muito alegraria a Topthor.
A segunda conseqüência parecia aceitável ao superpesado.
Mas sua cabeça inteligente não parava de pensar. A bordo da Top II encontrava-se
muita gente que havia visto a Terra naquela época. Será que ficariam de boca fechada,
quando Topthor lhes contasse a verdade? É certo que eram amigos do peito, como Regol
e Gatzek. Mas...
E ainda havia a possibilidade de uma confusão com computador.
Levantou-se bruscamente e foi examinar a seção de navegação. Mandou sair o
oficial que estava de vigia e começou ele mesmo a conferir os dados. Alguns minutos
depois, veio o resultado. Topthor o examinou e sacudiu a cabeça.
Os dados estavam certos, as coordenadas perfeitas. Era mesmo ali no sol gigantesco
de Beta.
Sem dizer uma palavra e sem explicação, fez sinal ao oficial de vigia para entrar
novamente. Depois voltou para a sala de comando. Deixou-se cair pesadamente na
poltrona, olhou para a tela do painel e pôs-se a escutar as mensagens do rádio. O ataque
ao terceiro planeta já havia começado.
Estava sorrindo sozinho, quando de repente sua fisionomia se transformou. Os
terranos estavam resistindo desesperadamente.
Topthor parecia como que atingido por uma descarga elétrica. Foi a segunda
surpresa em menos de dez minutos. Havia terranos neste estranho sistema? Então ele
estava salvo e ninguém descobriria o engano não intencionado. O terceiro planeta parecia
habitado e estava sendo defendido.
Seguia com muita atenção as informações e respirava aliviado, embora já não
compreendesse o que estava se passando. Talvez os terranos tenham estabelecido aqui
uma base, que agora defendiam corajosamente. Se a frota atacante destruísse literalmente
o terceiro planeta, os terranos perderiam apenas uma base, não a pátria de Perry Rhodan.
Seguindo seu pensamento prudente, resolveu guardar este segredo só para si e
continuar por conta própria suas investigações. Assim foi que abandonou a rota planejada
e se aproximou do quarto planeta, para, com toda calma, registrar os dados sobre o
sistema e compará-los com as informações do computador de bordo. O erro estaria
escondido em algum lugar, ele o descobriria.
A localização da verdadeira Terra não poderia ficar perdida.
***
O saltador não respondeu. Ber-Ka, então, não hesitou mais e mandou abrir fogo de
todos os lados.
Para sua surpresa, todos os disparos energéticos se esfacelaram diante do envoltório
de proteção magnética do adversário. A distância era agora muito pequena e uma retirada
era quase impossível.
A nave dos saltadores alterou o curso e expôs seu lado mais comprido no sentido da
MV-treze. Ber-ka sabia o que isto significava, mas não tinha mais tempo para modificar
sua posição. Mandou descarregar toda a energia disponível no seu envoltório de proteção
para se defender contra o ataque iminente.
Mas o saltador, desta vez, não usou raios energéticos, e sim um torpedo com brilho
de prata, que alterando seu curso automaticamente foi atingir em cheio a MV-treze,
apesar de suas manobras para fugir do alvo, detonando com um clarão amarelado, perto
da popa.
Ber-Ka sentiu o terrível solavanco. De nada adiantou agarrar-se à poltrona. Foi
lançado para fora, rolando no chão da cabina até chocar-se de encontro à parede.
Ouviram-se vozes, alguém deu um comando. Logo depois outra detonação e solavanco
terrível, apagando toda a luz. Os campos de gravitação deixaram de funcionar e Ber-Ka
estava flutuando dentro da nave, já em queda livre contra o planeta Aqua, sem propulsão,
nem direção. A parte traseira devia estar completamente destruída.
Ber-Ka foi impelido contra o teto, incapaz de se movimentar. A qualquer momento,
podia o inimigo dar a ele e a sua nave o tiro de misericórdia. Mas isto não aconteceu.
A MV-treze se precipitou de encontro à superfície do quarto planeta.
***
***
***
***
Topthor e Ber-Ka tinham naquele momento feito um acordo. Entre eles haveria um
armistício e ambos aceitavam a obrigação de procurar ou os saltadores ou os tópsidas
para esclarecê-los sobre o horrível engano.
O transmissor da Top II não podia mais ser consertado e também para ouvir estava
muito difícil para Topthor, se bem que as notícias não eram nada agradáveis para o infeliz
Ber-Ka. Os tópsidas estavam já derrotados, não havia mais dúvida. Os míseros restos da
frota encontravam-se encurralados e obrigados à rendição. Muitas naves haviam se
refugiado nas clareiras da floresta virgem, sem atinarem que exatamente este planeta
achava-se condenado à destruição total.
O reforço de Topsid estava chegando e entrando logo em combate. Esta leva de
forças frescas ainda tinha um moral bem elevado e conseguiu infligir pesados danos aos
saltadores. Logo, porém, constataram a grande superioridade dos superpesados. Os
tópsidas fugiram, mas seus perseguidores não tinham piedade, foram derrubando uma
nave após a outra. Somente as esferas espaciais de Rhodan que apareciam aqui e ali, não
eram atingidas.
Topthor e Ber-ka ouviam os relatórios. O tópsida tinha perdido qualquer esperança e
estava resignado. Mas não o saltador.
— Tem que ser possível conseguir-se um contato com uma das duas facções, Ber-
Ka. Vocês tinham uma base aqui. Fugiram todos ou ficaram pelo menos os guardas?
— Não sei — lamentou o tópsida. — As providências tomadas pelo comando
supremo nunca chegam ao nosso conhecimento. Talvez existam ainda estações de rádio
em funcionamento aqui, mas como conseguiremos contato com elas, se não sabemos
onde estão?
O sáurio fez uma pausa, depois sacudiu a cabeça:
— Seria lógico que investigássemos primeiro o antigo quartel-general. Se há algum
sobrevivente, tem de ser lá.
— E onde é este quartel-general?
Ber-Ka apontou na direção do mar.
— Em qualquer lugar ali no litoral, numa ilha artificial no mar. Mas não sei bem a
localização, pois não tenho idéia nenhuma do local onde aterrissamos. Temos de
procurar.
Topthor franziu a testa.
— A explosão do reator destruiu meu porão e com isso meu planador e minha
viatura. Iremos a pé, mas eu acho isso impossível.
— Uma viatura nós temos também — disse Ber-Ka, com um raio de esperança. —
O planador infelizmente foi destruído durante seu ataque. Tentaremos chegar até o mar,
lá a praia é larga e bem firme, para servir de estrada. Teoricamente temos que dar a volta
toda pelo continente, para chegarmos do outro lado, encontrando a ilha artificial.
— Mas isto é uma excursão muito agradável — disse Topthor em tom amargo.
Porém compreendia que não havia outro jeito, se não quisessem ficar ali a vida toda.
— Qual é o tamanho de sua viatura?
— Se quisermos levar bastante mantimento e água suficiente, proporia uma
tripulação de dois homens e, naturalmente, o armamento correspondente. Não sabemos
por quanto tempo teremos de viajar.
O superpesado ficou pensativo. Depois abanou a cabeça, concordando:
— Está bem, Ber-Ka.
Olhou para o céu, o sol estava a pino e o calor era enorme.
— Vamos partir logo, cada hora é preciosa. Embora não tenha esperança de chegar a
tempo. Mas é indispensável que todos saibam do grande erro, que prejudicará toda a Via
Láctea.
Os preparativos se fizeram em pouco tempo. Abriram um rombo no bojo da nave
tópsida, colocaram umas vigas para deslizamento e um carro pesado rolou para o chão do
planeta. Tinha rodas e esteira, podia, pois ser utilizado em qualquer tipo de terreno. Uma
pequena metralhadora de raios energéticos podia girar em todos os sentidos, oferecendo
assim proteção contra os ataques. O diminuto reator em seu interior tinha energia
suficiente para o carro rodar ininterruptamente por mais de cem anos.
Caixas com mantimentos foram empilhadas e o reservatório recebeu bastante água.
Ber-Ka deu as últimas instruções à sua tripulação, depois virou-se para Topthor.
— Podemos partir. Acho que vamos atingir o litoral em duas ou três horas. Depois
será mais fácil.
— O que há com os habitantes da água?
Ber-Ka tentou despistar.
— Não precisa se preocupar com eles, são pacíficos e não possuem armas. Nem
tomam conhecimento de nós. Temos apenas que cuidar para que ninguém dos seus ou
dos nossos nos veja e abra fogo sobre nós. Este é o grande perigo que corremos. O único.
Nosso tratado de paz particular não vale para os outros.
Topthor examinou sua pistola de raios.
— Vamos obrigá-los a fazer a paz — disse ele ameaçador, entrando na cabina do
carro, que dava normalmente para quatro tópsidas.
Quando Ber-Ka se sentou ao lado dele, todo o espaço estava ocupado.
— Por todos os espíritos do espaço — disse o tópsida em tom de brincadeira — não
é à toa que todo mundo chama seu povo de os “superpesados”.
Topthor sorriu amavelmente.
— Somos realmente pesados, mas não apenas no sentido físico — explicou ele,
olhando para a máquina.
Os que ficaram nas duas naves viram a viatura desaparecer logo na mata virgem,
voltando para seus lugares.
Ber-Ka na direção, encontrava sempre uma clareira ou um trecho com pouca
vegetação por baixo, para conseguir ir rompendo com as poderosas lagartas. E quando
lhe havia pela frente grossos troncos de árvores, que não podiam ser contornados, entrava
em ação o termo-radiador de bordo. Assim foi que diversos montões de cinza fumegante
assinalavam o caminho que Ber-Ka e Topthor iam seguindo, na primeira hora de viagem,
floresta adentro. Passou a tarde e veio a noite. Detiveram-se numa clareira e se
prepararam para o repouso noturno. É claro que podiam ter continuado, mas temiam
chamar a atenção pelo clarão do farol.
A calefação espalhava um calor agradável na cabina. Tão diferentes, os dois
indivíduos fizeram sua primeira refeição e se deitaram para o repouso.
Em volta deles, era o silêncio e a calma. Nenhuma lua para iluminar as tristes
sombras da floresta desconhecida, onde poderiam estar escondidos inimigos invisíveis.
Nada se movia. Em algum lugar, altas ondas estariam rebentando no litoral e banhando as
pilastras de aço que sustentavam a ilha artificial. Isto podia ser a uma distância de dez
quilômetros, mas podia também ser a mil quilômetros.
Topthor teve um sono muito perturbado. Acordou muitas vezes. Ficava então
ouvindo a respiração compassada de seu aliado não intencional, que ele aos poucos
começava a invejar. Quando ele virava a massa bruta de seu corpo para o outro lado, o
carro balançava. É verdade que o Jovem tópsida não percebia nada disso, seu sono era
profundo.
Afinal clareou o dia. No leste, o céu se coloriu com todos os matizes do arco-íris. O
sol vermelho galgou, gigantesco, as grimpas das árvores.
Topthor acordou Ber-Ka.
— Já é hora de nos pormos a caminho, já perdemos muito tempo. Certamente a
batalha já terminou, mas ninguém sabe ao certo o que aconteceu. Você prepara a refeição
matinal?
Enquanto o tópsida preparava uma refeição leve, Topthor desceu da cabina e deu
umas voltas. Estava convencido de ter ouvido certos ruídos durante a noite. Se alguém
tivesse andado pela redondeza, devia ter deixado rastros. Estava também intimamente
convencido que tinham errado um pouco o caminho e queria averiguar.
Na clareira não se notava nada de extraordinário. Nenhum afastamento de galhos ou
ramos quebrados levava à idéia de que alguém tivesse passado por ali. Não havia animais
na floresta, como Ber-Ka havia dito, pelo menos não animais maiores. O pé de Topthor já
estava preparado para o próximo passo, quando estancou de repente. Ficou parado com o
pé no ar. Seus olhos ficaram estarrecidos, olhando incrédulos uma pegada de algo que se
arrastava, vindo da floresta para a clareira, dando uma volta em torno do carro e
desaparecendo do outro lado na vegetação baixa. Nenhum galho quebrado, como se o
rastro fosse de algo que se arrastasse.
Topthor voltou lentamente para a viatura. Ber-Ka já sabia do que se tratava.
— Não se preocupe, Topthor, são os seres da água. Às vezes vêm à terra, mas
voltam logo a seu elemento. Se o senhor viu o rastro deles lá fora, é sinal que o mar não
está muito longe. Portanto, estamos alcançando o que queremos. E agora, venha tomar
sua refeição para que possamos continuar.
Topthor olhou mais uma vez para as pegadas e se espremeu para entrar pela porta do
carro, para ele estreita demais.
Apesar da perspectiva de alcançar o mar em breve, não sentiu muito apetite com a
comida que o tópsida lhe preparara, não por causa da comida em si. Talvez fosse a
incerteza do que tinha pela frente, que lhe tirou o apetite.
4
Foi mais ou menos por esta hora que a última nave de Al-Khor foi destruída. A frota
dos tópsidas não existia mais.
O último comunicado do rádio, que saiu do terceiro planeta, dava conta ao Ditador
do Império Estelar Tópsida de que suas tropas haviam cumprido seu dever e haviam
resistido ao inimigo invasor até a última gota de sangue.
Topsid não respondeu.
***
Rhodan percebeu que alguém entrava na cabina. Era o Dr. Certch, o psicólogo dos
robôs. O pensamento cada vez mais independente dos cérebros positrônicos e eletrônicos
tornou necessário criar uma especialização científica. Era, portanto, missão de Certch
supervisionar os complicados processos de pensamento dos robôs e prever como seus
cérebros decidiriam em cada caso concreto.
— Então, doutor, o senhor por aqui? Pensava que o senhor não se preocuparia com
coisas tão pequenas como batalhas espaciais.
— Não estou realmente preocupado com isso, senhor — disse Certch sorrindo, mas
em sua voz havia um vislumbre de seriedade, que Rhodan logo percebeu. — Há, no
entanto, acontecimentos que não podem ser menosprezados.
— E quais seriam eles? — perguntou Rhodan, empurrando as mensagens de rádio
para trás, recebidas nos últimos sessenta minutos. Confirmavam o que já se sabia. Os
superpesados conseguiram a vitória e agora se preparavam para desfechar o último golpe
contra a “Terra”. Cekztel tinha mandado preparar a bomba arcônida.
— O senhor sabe que construí para mim mesmo um pequeno cérebro positrônico, a
que dei o nome de Max. Max é uma calculadora, se assim posso me exprimir.
Um psicólogo mecânico que pode prever e calcular todos os processos de
pensamento de seus irmãos maiores. Estive “conversando” muito tempo com Max.
— E que é que ele diz? — queria saber Rhodan, que conhecia a profundidade do
cientista e a respeitava. Por mais de uma vez, Dr. Certch tinha provado ser entendido nos
pensamentos lógicos dos cérebros mecânicos. — Esperamos que sejam previsões boas.
— Max está preocupado por causa do cérebro positrônico na belonave de Topthor.
Temos que supor, de acordo com o que aconteceu até agora, que o próprio Topthor está
interessado em disfarçar o erro. Há, no entanto, uma hipótese bem justificada — dizia
Max — de que o cérebro pense diferente e esteja decidido a esclarecer o erro. E Max
ainda é de opinião de que, mais cedo ou mais tarde, a trapaça dos mutantes será
descoberta e a alteração feita por eles virá à luz. Com outras palavras: os saltadores
haverão de notar que destruíram, não a Terra, mas um pobre planeta inofensivo.
— Suposto, naturalmente, que Topthor e sua nave não tenham sido atingidos por
uma descarga energética.
Certch confirmou com um movimento da cabeça.
— Naturalmente. Mas não sabemos se ele morreu em combate. E mesmo que tenha
morrido, ainda existe a possibilidade de que sua nave esteja apenas danificada e seja um
dia encontrada. Então o robô terá tempo suficiente para esclarecer o enigma. Se o senhor
quiser estar bem convencido de que sua jogada deu certo, então terá de providenciar para
que a nave de Topthor seja completamente destruída.
— Concordo com o senhor, doutor. Mas antes de tudo, temos que encontrar Topthor
e sua nave. Conforme meus cálculos, os saltadores ainda estarão ocupados por algum
tempo em salvar seus sobreviventes e colocar a salvo suas naves ainda aproveitáveis.
Somente depois disso é que vão destruir o terceiro planeta. Depois de se retirarem deste
planeta, será tarde para nós. Temos, portanto, pouco tempo para eliminar o perigoso
Topthor. John Marshall e seus mutantes estão fazendo todos os esforços para
conseguirem isto. No entanto, até agora, sem resultado.
— Espero que sejam bem sucedidos — disse Certch.
— Tudo depende exclusivamente disto — disse Rhodan, acenando para Certch que
estava deixando a cabina. Praticamente estava deixando a solução do problema nas mãos
de Marshall que saía da seção dos mutantes, acompanhado de Betty Toufry, para falar
com Rhodan. Certch, curioso, os seguiu. Sua despedida da cabina fora muito curta.
— Betty teve impulsos claros de Topthor — disse Marshall agitado — mas ainda
não o conseguiu localizar. Gucky também está tentando localizá-lo. O interessante é que
nós podemos afirmar com certeza que a nave de Topthor não estava junto com o grosso
da frota.
— Onde, então?
— Se soubéssemos onde, estaria tudo terminado — respondeu Marshall. — O
senhor sabe, chefe, que distâncias não se podem calcular só por meios telepáticos. Por
isso, Gucky ficou a bordo da Centauro, enquanto Betty e eu nos transportamos para a
Titan. O senhor sabe que calcular uma distância com auxílio de duas retas dadas e de um
ângulo conhecido, não é mais problema hoje. Aliás, já não era há muitos séculos.
Completamente novo é determinar as duas retas somente por meios telepáticos. Betty e
Gucky tentam localizar Topthor. Betty já sabe qual é a distância. De Gucky ainda não
sabemos nada.
— Você tem contato com a Centauro?
— É claro, capitão Lamanche dirige as operações lá de cima. Deringhouse voa
agora para Aqua.
— O planeta das águas? Por que isso?
— Porque os impulsos secretos de Topthor provêm de lá.
Rhodan comprimiu os olhos e fitou Marshall, muito pensativo.
— Quer dizer então que está faltando só a orientação de Gucky?
— Exatamente — respondeu Marshall. — Então saberemos onde está Topthor.
Onde se cruzarem as retas de Betty e de Gucky, aí está o superpesado.
Soou o intercomunicador e o semblante do cadete Martin apareceu na pequena tela.
— Marshall está com vocês?
Rhodan fez um sinal para Marshall.
— Sim, está conosco. Você tem notícias de Lamanche?
— Gucky transmitiu exatamente agora uns dados para Marshall. Devo repeti-los?
Marshall fez sinal que sim. Estava com lápis e papel na mão. Betty olhava curiosa
para ele. Dr. Certch dava passadas nervosas de um canto para outro. A ele interessava
sobretudo a destruição da belonave de Topthor, e com isto também o desaparecimento do
perigosíssimo computador de bordo.
— Leia devagar, por favor.
Marshall anotou as coordenadas e começou a fazer diagramas. Em passos rápidos,
aproximou-se de Rhodan e pediu:
— O mapa do sistema, senhor. Acho que o palpite de Gucky estava certo.
E Rhodan, entregando-lhe o mapa:
— Que palpite?
— Que Topthor havia aterrissado em Aqua. Provavelmente desconfiou e quis ver
pessoalmente “Marte”. Então está na hora de tomarmos iniciativa.
— Centauro chamando, senhor — interrompeu Martin, desaparecendo da tela.
Por uns trinta segundos, houve silêncio total na cabina. Todos esperavam meio
angustiados o que havia sucedido. Finalmente acendeu a luz do intercomunicador. Martin
parecia meio apavorado ao falar:
— Foi Deringhouse. Avisou que Gucky desapareceu completamente.
Rhodan respirava com dificuldade.
— Que quer dizer desaparecer completamente? Onde está a Centauro?
— Está circunvoando Aqua, senhor. O rato-castor, assim diz o relatório de
Lamanche, falara que tinha ainda de liquidar um assunto, depois disso desapareceu. No
arsenal está faltando uma pequena bomba atômica.
A fisionomia de Rhodan clareou. Marshall, que estava pálido como cera, deixou
transparecer um leve sorriso:
— Que malandro este Gucky. Ele sabe que o procurado está no quarto planeta e
toma suas próprias decisões. Não é um pouco apressado, chefe?
Rhodan não conseguiu disfarçar o sorriso:
Um de nós tinha que fazer isto; por que não Gucky? Prometi-lhe um armazém de
cenoura se conseguisse achar Topthor.
Marshall caiu na poltrona mais próxima.
— Então... — murmurou ele, fechando os olhos com resignação.
***
Uma forte aragem do sul tocava as ondas, sem cessar, contra a praia arenosa que
estendia-se reta de leste para oeste, raramente interrompida por enseadas idílicas. A
apenas cinqüenta metros da praia, começava a floresta virgem. Estes cinqüenta metros
eram tão planos como uma estrada.
Quando Topthor, que dirigia a viatura, viu o mar, parou sem querer. Encantado,
ficou olhando para a superfície azul, a se perder no horizonte. No céu, o sol alaranjado.
Estava quente, de maneira que a brisa do mar foi-lhes um grande alívio. A cúpula de
vidro do carro estava aberta.
— O melhor é dobrarmos para o leste — disse Ber-Ka, a quem a visão do mar era
coisa comum. — A ilha de aço está no litoral sul, isto eu sei com certeza. Mais ou menos
na extremidade sudeste do continente.
Topthor se desprendeu do belo panorama. Virando-se para seu companheiro, disse:
— Agora estou compreendendo porque vocês instalaram aqui uma base. É
realmente um mundo em que se pode viver bem.
O tópsida nada respondeu. Continuou olhando para o lado da praia, como se
esperasse encontrar alguém. Mas não conseguiu ver as listras prateadas na superfície do
mar que denunciavam a presença dos seres aquáticos. Os habitantes de Aqua, como
Deringhouse batizara este mundo, viviam exclusivamente na água. Em terra, não
agüentavam mais do que duas ou três horas. Movimentavam-se na água como um avião a
jato: com a boca enorme sugavam boa quantidade de água, comprimiam-na no centro do
corpo com um órgão especial, tocando-a para fora com grande pressão através de uma
válvula traseira. Desta maneira, seu nado atingia enorme velocidade.
Não apareceram e Ber-Ka estava meio decepcionado.
Topthor não estava mais admirando a beleza primitiva daquele mundo virgem. As
preocupações estavam voltando à sua cabeça. Acima de tudo, a incerteza sobre o que
havia acontecido. O fraco transmissor do carro não dava para entrar em contato com a
frota. Chamar a Top II também não fazia sentido, pois não podiam responder.
Uma situação desesperadora. Mas alguém certamente o acharia e aí então a trapaça
de Rhodan viria à luz. Quem sabe o cérebro positrônico da Top II haveria de corrigir seu
erro e então os saltadores fariam verdadeiro ataque à verdadeira Terra.
— A ilha...! Estamos chegando.
Topthor viu a construção abaulada, a mais ou menos dois quilômetros do litoral.
Pilastras esguias, apoiadas no fundo do mar, sustentavam esta estranha ilha. Um
parapeito cercava toda a plataforma, impedindo que alguém caísse ao mar.
Mas não havia sinal de vida na plataforma. A ilha artificial parecia morta. Topthor
não deu uma palavra. Andou mais uns dez minutos e depois parou num lugar bem em
frente à ilha. Num porto improvisado, estavam alguns barcos sem dono.
Ber-Ka apontou-os.
— Chegaremos à ilha com eles. Vamos, não perca tempo.
Topthor estava hesitante e disse:
— E se alguém nos viu e está a nossa procura para nos matar?
— Verão que sou oficial e não atirarão em você sem mais nem menos, estando ao
meu lado. Quem sabe o que já aconteceu por aqui? Venha Topthor, cada minuto é
precioso.
Um pouco assustado, Topthor abandonou o carro que até então o protegia bem. A
visão da ilha solitária e estranha não lhe agradava nada, embora fosse o único meio de
tentar contato com sua gente. Dava também a mesma oportunidade a Ber-Ka.
Se Topthor quisesse ser honesto consigo mesmo, teria de confessar que, a princípio,
não estava confiando muito no tópsida, quanto ao caminho para a ilha. É certo que os
dois tinham um acordo, feito, porém pela necessidade do momento e não por simpatia.
Estavam convencidos de que manteriam o contrato, somente enquanto um precisasse do
outro. Quando Ber-Ka encontrasse os seus, não precisaria mais de Topthor e vice-versa.
Ber-Ka já estava em pé dentro de um barco, como que convidando para um passeio
na ilha.
— Venha Topthor, não temos tempo a perder.
O superpesado se pôs em movimento. Em sua cintura, balançava a pistola
energética. Seus pés entravam fundo na areia. Não tirava os olhos de Ber-Ka, pois não
queria ser surpreendido com um tiro pelas costas. O momento da decisão se aproximava
inexorável.
O barco balançava bastante, mas com um pequeno ruído do motor, ia levando os
dois para o ancoradouro da ilha, uma plataforma bem rente ao mar. Neste local, o paredão
liso da ilha era substituído por um portão. Uma roda fazia as vezes do usual trinco ou alça
de abrir.
Ber-Ka amarrou o barco bem firme num gancho e saltou. Com mãos ágeis abriu o
portão, enquanto Topthor se esforçava para botar o pé no chão da ilha, cujas paredes se
erguiam a mais de vinte metros de altura. Topthor não conseguia ver o fundo do mar e
não sabia, pois, qual era a profundidade.
O tópsida já tinha entrado e virou-se para trás:
— Venha, Topthor, não sei se vamos achar a instalação funcionando ou a tripulação
presente. Mas vamos experimentar. Isto era nosso quartel-general, porém como estou
vendo, inundaram a parte inferior. Repare que as escadas estão encobertas pela água. Só
aquela é que está livre. Não tenho nenhuma idéia onde se encontra a cabina de rádio.
— Se existia uma, ou ainda existe, nós encontraremos — disse Topthor mais
otimista. — Provavelmente nos andares de cima. Vamos dar uma olhada primeiro na
fortaleza aquática. Estou achando as instalações muito interessantes, embora não
compreenda por que não a construíram em terra firme. Não havia adversários, não é?
— Devido ao contato com os nativos — explicou Ber-Ka.
Com Topthor atrás dele, começou a subir.
Tinham levado consigo só as coisas mais importantes, o restante ficara embaixo.
Tudo demonstrava que era intenção dos tópsidas voltar para o quartel-general logo após a
batalha. Nos armários, ainda estavam guardados os rolos de fitas magnéticas e os
microfilmes sobre o quarto planeta do sistema Beta. Os olhos de Topthor viam cobiçosos
aqueles tesouros de documentos. Se pudesse pegaria tudo. Mas depois pensou friamente
que os tópsidas não voltariam mais, pois estavam mortos. Com toda probabilidade, Ber-
Ka era o último tópsida vivo, a entrar naquela ilha de aço.
A mão de Topthor estava por acaso na coronha da pistola quando Ber-Ka virou de
repente para trás e apontou para frente, onde havia uma porta aberta. Atrás dela, estava a
instalação de rádio, um salão bem claro.
O superpesado estremeceu todo de susto, como que apanhado numa ação imoral.
Deu um sorriso forçado, olhando para Ber-Ka.
— Excelente, Ber-Ka, a jogada de Rhodan está chegando ao fim.
O grande salão estava vazio. Os aparelhos, receptores, geradores e transmissores
estavam em seus lugares. Amplas janelas deixavam entrar a luz do sol. As poltronas dos
operadores estavam como eles haviam deixado.
A qualquer momento, pensava Topthor, os sáurios poderiam voltar, como se
tivessem saído apenas por uns instantes. Mas depois, achou que estava louco, pois os
tópsidas não tinham sido todos derrotados e mortos? Ninguém voltaria para ali. Ber-Ka
era e continuava sendo o único tópsida vivo. O último a entrar naqueles tesouros.
— Você entende alguma coisa disso?
— O suficiente para dar conta do recado — afirmou o jovem oficial, apontando para
uma complicada instalação. — No começo de minha carreira, era operador de rádio.
Espere, em poucos minutos teremos Al-Khor ali na tela.
Topthor franziu as sobrancelhas.
— Por que não Cekztel, meu comandante supremo? Quem sabe se Al-Khor já está
morto, depois que toda sua frota foi destruída?
— Isto aqui é uma estação dos saltadores ou dos tópsidas? — perguntou Ber-Ka. —
Assim que eu falar com Al-Khor, a estação fica a sua disposição. Mais, você não pode
exigir.
O superpesado concordou hesitando.
Sua mão estava de novo na cintura.
— Está certo, Ber-Ka, mas sem a minha magnanimidade você não estaria nesta ilha.
Tenho pois o direito de ser o primeiro a falar. Além disso, não adiantaria nada à sua frota
se Al-Khor for cientificado da trapaça de Rhodan. O importante é que a frota dos
saltadores seja esclarecida. Compreende isto?
Mas Ber-Ka estava possuído por uma idéia fixa. Queria vingança e queria realizar
um feito heróico. Se ele matasse o saltador e conseguisse que as operações de guerra
recomeçassem, receberia a comenda de bravura do ditador. Mas este saltador era um
adversário ágil e perigoso, que não se podia menosprezar.
— Talvez o senhor tenha razão — disse ele cauteloso. — Por favor, use a instalação
primeiro. Certamente o senhor saberá manuseá-la.
— Também Já fui operador de rádio — respondeu Topthor, passando ao lado de
Ber-Ka, em direção à cadeira livre, já com a arma na mão.
Ao perceber, pela imagem refletida no vidro abaulado da tela, que o sáurio havia
sacado a pistola para matá-lo pelas costas, sua reação foi espantosa. Fez como se fosse
sentar na poltrona do operador, deu meia-volta e se atirou no chão, descarregando a arma.
Ber-Ka foi apanhado de surpresa, morrendo sem um gemido, com a arma apontada
para Topthor. O fluxo energético cessou, Topthor respirou aliviado, guardando a arma na
cintura. Estava agora livre de qualquer ameaça do traidor sáurio, que tinha matado em
legítima defesa. O cadáver seria prova disso, da intenção de Ber-Ka de matá-lo pelas
costas. Haveria de deixá-lo como estava.
Topthor se sentou diante dos aparelhos e começou a estudá-los. A instalação
basicamente não era muito diferente da dos saltadores. Apresentava, porém, algumas
novidades nos controles, com que não estava acostumado. Estava, porém, convencido
que não levaria muito tempo para fazer tudo funcionar.
Ficou uns dez minutos diante dos aparelhos tentando em vão, até que esticou a mão
direita e empurrou uma alavanca. Regulou a freqüência do transmissor e pegou o
microfone, depois que a tela ficou iluminada.
— Alô, aqui fala Topthor, do quarto planeta do sistema Beta. Aqui fala Topthor do
quartel-general dos tópsidas. Estou chamando Cekztel, comandante supremo dos
superpesados. Apresente-se, Cekztel. Tenho uma comunicação importantíssima para lhe
fazer. Apresente-se.
Repetiu três vezes seu apelo e depois passou para a escuta. Não teve que esperar
muito, até que apareceu na tela a imagem desfocada do velho patriarca, os olhos astutos,
como que sobressaindo do nariz chato e da imensa barba, procuravam, como se não
vissem, a imagem de Topthor.
— Alô, Topthor? Aqui fala Cekztel, por que não liga sua câmara? Minha tela está
escura.
— É uma instalação de rádio dos sáurios, que não domino bem. Mas, não tem
importância. Preste atenção, Cekztel: faça paz imediatamente com os tópsidas.
— Você ficou maluco? Os tópsidas se aliaram com os terranos e eu devo fazer pazes
com eles? Além disso, não saberia onde encontrar um comandante deles. Somente a
gigantesca nave esférica de Rhodan é que aparece de vez em quando, junto com pequenas
unidades. Naves cilíndricas não aparecem mais.
— Venha me apanhar aqui, Cekztel, você vai me encontrar facilmente. No quarto
planeta...
— O que está fazendo aí? Não vi sua nave durante todo o tempo do ataque.
— Eu lhe conto tudo mais tarde, Cekztel. De qualquer maneira, você ficará
boquiaberto quando lhe disser que este Rhodan nos enganou novamente.
— Não diga besteira, Topthor, ganhamos a batalha e estamos nos preparando para
acabar de destruir a Terra. Só mais uma hora e...
— Um grande erro — interrompeu-o Topthor, sorrindo, o que o patriarca não podia
naturalmente ver. — Um grande erro. Você podia poupar sua bomba e...
Topthor parou sem querer, pois neste segundo sua tela escureceu. A imagem de
Cekztel desapareceu e ao mesmo tempo cessou o leve zumbido da aparelhagem. As
lâmpadas de controle apagaram. A instalação toda havia desligado por si.
Antes que Topthor pudesse compreender o que se passava, ouviu uma voz sibilante
atrás de si.
— Vire-se, mas tire a mão da pistola.
Topthor obedeceu, virando-se vagarosamente.
***
***
Quando o planeta das águas apareceu na tela, Gucky se concentrou e pulou. Assim
que sentiu chão firme debaixo dos pés, respirou aliviado. Era sempre um grande risco
pular no nada, mas Gucky teve sorte. Estava no alto de um morro sem vegetação, que
emergia íngreme do meio da mata virgem, proporcionando um magnífico panorama. Isso
não interessava muito a Gucky, mas a busca foi muito facilitada pelo fato de que Aqua
possuía apenas um continente, que não era tão grande assim.
Olhou para o sol quase a pino, sentou-se numa pedra lisa e fechou os olhos. Tinha
que ouvir o que não podia ver. Do contrário, não encontraria sua presa.
E sua presa se chamava Topthor. Concentrou-se para captar os impulsos de
pensamento do superpesado, o que devia ser mais difícil do que no espaço livre. Para sua
surpresa, porém, percebeu logo nos primeiros segundos partes de pensamentos, que sem
dúvida vinham de saltadores e de tópsidas.
“Saltadores e tópsidas! Na mesma direção?”
Gucky virou a cabeça; a distância, naturalmente, não podia calcular, mas a direção,
sim.
— Puxa, saltador e tópsida em harmoniosa conversa, que surpresa! Isto tem que ser
examinado de perto. Quem sabe Topthor pode estar por perto — murmurou.
Procurou localizar bem a direção e se teleportou para o próximo morro. Depois da
terceira teleportação, viu duas naves: ou melhor, escombros de duas naves, próximas uma
da outra, num planalto pedregoso. Gucky realmente se espantou:
— Puxa! A Top II, se não me engano. Que coisa maravilhosa!
Enfiou a mão num bolso de couro da cintura, tirando dali um objeto metálico, do
tamanho de um ovo de galinha, a bomba atômica. Pegou-a com cuidado, regulou o
detonador, apertou um botão, olhando para que se mantivesse nesta posição, Se o
soltasse, a bomba teria cinco segundos para explodir. Pulou para dentro da nave e se
materializou na cabina de comando que pertencera a Topthor. O oficial que estava de
plantão, sentado no sofá, arregalou os olhos espantado e se levantou num pulo para ver
melhor a estranha aparição. Tinha arma na cintura, mas não fizera menção de usá-la.
Olhava horrorizado para o rato-castor que surgira do nada, segurando um objeto metálico
na mão, como se quisesse atirá-lo.
— Se você for bonzinho, lhe darei uma coisa — disse Gucky no mais puro
intercosmo, que deixou o superpesado ainda mais perplexo.
Conseguiu apenas balbuciar:
— O que você vai me dar?
— A vida — disse-lhe Gucky triunfante, mostrando-lhe a bomba. — É
poderosíssima, se eu a soltar, explode imediatamente e haverá então um buraco enorme
neste trecho do planeta. Portanto, não faça bobagem. Vá para o ar livre lá fora e reúna os
outros.
— Os outros? — disse o pobre superpesado, sem compreender nada. — Quem é
você?
— Sou Gucky. Nunca ouviu falar no meu nome? Meu melhor amigo se chama Perry
Rhodan.
— Rhodan...? — exclamou o bem nutrido guarda. — Rhodan está aqui?
— Na redondeza, bem perto. E agora, chame os outros lá para fora. Eu queria dizer
umas palavras a eles. Chame também os sáurios. Vocês fizeram aliança com eles?
— Foi ordem de Topthor. Ele disse que a guerra foi um erro.
— Toda guerra é um erro — continuou Gucky. — Mas há erros que evitam a
guerra.
O superpesado continuava olhando para Gucky, sem nada compreender. Gucky
sorria, mostrando seu dente roedor.
— Vamos, não temos tempo a perder. Em dois minutos, quero ver as duas
tripulações lá fora. E lhe digo logo que tenho uma bomba atômica em minhas mãos que
detonará cinco segundos após minha morte, se algum maluco estiver pensando em me
matar.
Levou apenas um minuto. Gucky esperou na escotilha até que os saltadores e os
tópsidas estivessem todos reunidos lá fora, no planalto. Depois avançou um pouco mais,
com a mão erguida, e gritou bem alto:
— Para ser bem rápido: Rhodan me deu a incumbência de, com esta bomba
atômica, destruir os escombros da nave. Desapareçam todos daqui, do contrário voarão
pelos ares em pedaços. Têm dez minutos para isto. Compreendido?
Entenderam perfeitamente, disparando em todas as direções. Apenas um dos
superpesados, com menos de quatrocentos quilos, ainda antes de entrar na floresta virou
para trás e disse:
— Sem a nave, nós não temos mais abrigo. Temos que morrer aqui ou alguém virá
nos salvar?
Gucky encolheu os ombros.
— Construam seus ninhos — disse ele pilheriando. — Aliás, onde está Topthor?
O superpesado acabou de desaparecer. Gucky ainda esperou dez minutos. Depois
voltou ao grande aparelho e procurou o lugar onde estavam os instrumentos de navegação
positrônica. Parou diante daqueles gigantescos aparelhos, mostrando-lhes a bomba
atômica, dizendo baixinho:
— Agora vocês vão receber um presente especial, principalmente você, computador
de boa memória. Sabe também por quê? Não? Muitos já morreram sem saber o porquê. O
mesmo vai acontecer a você.
Com muito cuidado, colocou a bomba sobre a mesa de controle, diante do robô, e
deu um passo atrás. O botão vermelho estava puxado para fora. Gucky se desmaterializou
e, em menos de um segundo, estava no alto de um morro, a cinco quilômetros dos
escombros da Top II.
— Ainda três segundos — disse ele, sentando-se sobre a volumosa cauda. — Agora!
Lá ao longe, além do teto verdejante da floresta, subiu ao céu o clarão ofuscante da
explosão, apagando quase a claridade do sol. Um cogumelo de fumaça surgiu lento:
estava tudo acabado.
— Aquela caixa de metal não falará mais — disse para si mesmo, virando-se para
outra direção. — Topthor está pensando de novo muito alto. Portanto deve estar por
perto.
No horizonte, se estendia a imensa superfície do mar, até se encontrar com as
nuvens baixas, à direita da língua de terra.
— Está falando com Ber-Ka, quem é Ber-Ka? — Gucky auscultava atento. De
repente, levantou-se de um salto, e de pé, com a cabeça levemente virada, como se assim
pudesse ouvir melhor. — Ele é um assassino? Isto me torna o serviço mais fácil. Vamos
lá, meu caro.
Com “meu caro”, Gucky se referia a si mesmo. O primeiro salto o deixou na praia,
não longe daquele lugar onde ancoravam os barcos para a travessia. Ali no mar, estava a
ilha de aço. Gucky sondou e percebeu que Topthor devia estar ali.
O segundo salto levou Gucky para a plataforma da ilha. Daí em diante, não quis
mais se teleportar. Concentrou-se nos pensamentos de Topthor e achou a direção exata. O
saltador devia estar debaixo da plataforma, na sala de rádio. Ber-Ka já estava morto e
Cekztel estava no aparelho para falar com Topthor. Não se podia perder mais um
segundo. Gucky desceu as escadas, atravessou o corredor, chegando a uma porta
encostada, que abriu cuidadosamente.
Viu Topthor de costas, olhando para a tela. Ao lado dele, jazia o cadáver de um
sáurio.
— ...erro — dizia Topthor. — Um grande erro. Você podia poupar sua bomba e...
Gucky emitiu um fluxo de suas forças telecinéticas, pegando com mão invisível na
confusão eletrônica dos fios. A imagem sumiu da tela, a resistência queimou, não
havendo mais corrente.
— Vire-se — disse Gucky — mas tire a mão da pistola.
Topthor obedeceu imediatamente.
5
Embora os tópsidas tivessem perdido toda sua força aérea, Al-Khor julgou seu dever
continuar lutando até não haver mais um só saltador no quarto planeta.
Ao aproximar-se da suposta Terra com suas naves de reconhecimento, Cekztel teve
uma surpresa desagradável. Das fortalezas improvisadas pelos sáurios, saiu uma reação
de fogo antiaéreo tão forte e inesperada que em muitas naves o envoltório energético não
resistiu.
Cekztel viu horrorizado que quase a metade de sua frota de patrulhamento foi
destruída. Arrependeu-se de ter subestimado os terranos.
A tudo isso ainda acrescia que, exatamente nesta situação desesperada, surgiam as
naves esféricas de Rhodan, aumentando ainda mais a confusão. Três outras naves dos
saltadores ainda foram destroçadas.
O terceiro planeta se transformara em inferno ignívomo. A impressão, pelo menos
conforme o raciocínio dos patriarcas dos saltadores, era de que os terranos haviam
transformado seu planeta pátrio numa fortaleza subterrânea. Talvez fosse essa a
explicação para o fenômeno que causara tanta dor de cabeça a Cekztel. Todo planeta
civilizado, assim era o seu raciocínio, devia ter seu cartão de visita: a superfície. A
superfície da “Terra”, no entanto, constava apenas de uma paisagem rústica que não
apresentava o menor sinal de civilização. Será que os terranos tinham toda sua civilização
em subterrâneos?
Sua última dúvida a respeito de se tratar mesmo da verdadeira Terra desapareceu
com o repentino e violento contra-ataque subterrâneo.
Suas ordens chegavam a todas as centrais de comando do restante da frota:
— Retirada imediata. Ponto de encontro em BK cinqüenta e nove-hf. Temos de sair
daqui.
Com uma velocidade incrível, as naves cilíndricas dos saltadores se atiraram espaço
a fora, deixando no planeta das matas virgens os pobres tópsidas, já mais aliviados.
***
Cekztel olhava para a tela vazia, esperando que Topthor desse sinal de vida. Mas o
rádio estava mudo e o superpesado não dava sinal nenhum. O patriarca franziu a
sobrancelha e um tanto inseguro, virou-se para um dos seus oficiais:
— O que este Topthor quer dizer com a frase: “Rhodan nos enganou novamente”?
Entenda isto quem quiser. Será que não estamos em condições de liquidar com este
Rhodan? Não destruímos sua frota e a de seus aliados? É verdade que a Terra está se
defendendo com unhas e dentes e não pensa em se render. Mas isto vai adiantar alguma
coisa? A bomba arcônida vai produzir um novo sol neste planeta. E mesmo que não
consigamos apanhar Rhodan, o que ele vai fazer sem seu planeta pátrio? Não pode ficar a
vida toda rodando por aí em sua gigantesca nave esférica. Então, haveremos de apanhá-
lo, quando tentar descer um dia em um dos nossos mundos.
O oficial, um saltador normal, com menos de cem quilos de peso, fez como se
estivesse de acordo.
— Para mim, seria muito melhor que Rhodan estivesse morto.
— Para mim, também — esbravejou Cekztel, furioso contra suas próprias dúvidas.
— Para mim também, acredite, mas já fico mais contente quando a Terra estiver
destruída. A Terra é a incubadora destes novos-ricos aventureiros, que não respeitam
nosso monopólio comercial. Você vê que até os mais ou menos neutros tópsidas se
tornaram nossos inimigos porque Rhodan conseguiu influenciá-los. Depois que a Terra
for destruída, teremos uma conversa muito séria com o ditador.
— Quem sabe, foi ele obrigado a tomar esta atitude contra nós?
— Quem sabe, mas não temos certeza — continuou Cekztel. Seus olhos ainda
continuavam fixos na tela escura. — Temos que nos preocupar com Topthor. Providencie
para que uma de nossas naves vá buscá-lo. Enquanto isso, fico preparando tudo para a
destruição da Terra.
O oficial obedeceu e saiu em direção à sala de rádio. Fez logo uma ligação para um
tal de Bernda, um corpulento patriarca dos saltadores da estirpe dos chamados
comerciantes de cereais.
— Ordens de Cekztel, Bernda — disse o oficial assim que o semblante do astuto
comerciante apareceu na tela. — Você deve voar para o quarto planeta do sistema e
apanhar Topthor e sua tripulação. Teve de fazer uma aterrissagem forçada por lá. A
aparelhagem de rádio parece que não funciona. Mas você vai encontrá-lo com facilidade.
O planeta é completamente inabitado.
— Exatamente Topthor! — disse Bernda, com cara de poucos amigos. — O
desgraçado já me estragou muito negócio bom na vida.
— Isto não interessa nem a Cekztel nem a mim — interrompeu o oficial. — O
senhor recebeu a ordem de apanhar Topthor. É muito importante, pois Topthor tem uma
mensagem de muito valor para nós. Espero que o senhor coloque o bem de nosso povo
acima de seus interesses particulares e diferenças pessoais.
— Não se preocupe — foi a resposta do comerciante de cereais. — Sei o que tenho
que fazer. Devo partir, quando?
— Imediatamente. E não se assuste se o terceiro planeta se transformar num sol.
— A Terra?
— Sim, a Terra — respondeu o oficial, desaparecendo da tela de Bernda.
O comerciante ainda ficou olhando por uns instantes para a tela apagada, depois sua
voz possante gritou umas ordens. Toda a tripulação correu para seus lugares e se
preparou para a nova missão.
A Bern I era uma espaçonave relativamente pequena, um cilindro de mais ou menos
oitenta metros de comprimento, com poucos meios de defesa, mas muito ágil. Cekztel
não poderia escolher ninguém melhor do que Bernda, para esta missão. Ele comerciava
com cereais e o seu negócio estava também ligado com a pesquisa da superfície de outros
planetas à procura de vegetação e de animais. Seu trabalho profissional o obrigava a se
utilizar de uma nave pequena.
— Aceleração até mais ou menos 1G!
A Bern I, depois de descrever um ângulo de 90 graus, disparou pelo espaço a fora,
perdendo de vista em pouco tempo a frota dos saltadores. Apenas uma vez, notou no
espaço pedaços de aparelhos destruídos, que não interessavam a ninguém.
Levou mais ou menos uma hora, depois o quarto planeta ficou tão grande que enchia
toda a tela. É claro que Bernda não ia colocar seu dever de cidadão acima dos seus
interesses particulares.
“Água... A maior parte deste planeta está coberta de água. Não há muita coisa para
se procurar”, pensava ele.
Mas, quem sabe existiriam no continente novas formas de vida que seriam de
grande interesse para incrementar seus negócios? Se encontrasse logo Topthor, não teria
mais jeito de prolongar sua permanência no quarto planeta. Sua ausência não ia apressar
o desenrolar dos acontecimentos nem alterá-los.
A Bern I deslizava a poucos metros de altura, sobre a superfície das águas. Pequenas
ilhas anunciavam o continente, que minutos depois apareceu no horizonte.
Bernda mandou abrir a cúpula de observação e sentou-se numa poltrona onde mal
caberia Gucky. Desta cúpula, tinha uma ótima visão para todos os lados, mormente para
baixo. Uma direção auxiliar lhe permitia controlar os movimentos da nave, dali da cúpula
mesmo. Uma ligação direta com a cabina de rádio o punha em contato permanente com
sua tripulação ou com naves próximas.
Bernda se entregou completamente às suas inclinações comerciais. Como um
técnico, contemplava as enormes árvores da floresta virgem, avaliando seu valor
comercial. Em mundos pobres de florestas, troncos de boa madeira davam grandes
lucros. Principalmente árvores como aquelas. De qualquer maneira, não ia perder a
oportunidade de arranjar mudas e sementes.
Talvez fosse melhor, primeiro procurar Topthor. Não gostou muito desta idéia. Mas
depois ficou pensando que de fato ele estava recebendo dinheiro para atuar nesta
campanha, tendo, portanto algumas obrigações a cumprir. A desgraça é que tinha de
salvar exatamente a Topthor.
Casualmente seu olhar deu com uma formação de nuvens, que não lhe era estranha.
Um vento brando já havia espalhado um pouco o cogumelo que penetrava já bastante na
atmosfera, embora fossem inconfundíveis a larga umbela e a coluna vertical. Mais para
frente, no continente, devia ter havido, há poucos instantes, uma explosão atômica.
A curiosidade de Bernda cresceu. Aumentou a velocidade e cinco minutos mais
tarde estava chegando à região calcinada do planalto. Um enorme rombo afunilado no
chão documentava a catástrofe. As bordas da imensa cavidade redonda tinham um brilho
de vidro incandescente. Na floresta em volta, ainda se viam algumas chamas e os
destroços atirados, mas eram sufocados depressa pela falta de oxigênio na densa
ramagem rasteira.
Bernda não pensou em descer. Por que iria se expor a perigo sem necessidade? Se
Topthor estivesse por aqui, já estaria morto. Mas, quem teria provocado a explosão e por
quê?
Era impossível arranjar uma resposta na hora, mas o tempo se encarregaria de trazê-
la. Bernda virou a nave e se dirigiu para o mar, que não estava longe. No momento, não
estava mais pensando em mudas e sementes de árvores, mas quebrando a cabeça para
descobrir o que a explosão atômica tencionava destruir.
Achou a resposta mais depressa do que esperava: seus olhos descobriram alguma
coisa se movendo no pedregoso planalto. Baixou bastante a nave e percebeu um corpo
erecto, de um brilho esverdeado, com uma cauda coberta de escamas.
Um tópsida! Como teria aquele sáurio chegado até aqui? Bernda desceu ainda mais
e já estava para mandar a tripulação abrir fogo contra o inimigo, quando um calafrio lhe
percorreu a espinha. Viu uma outra figura, um superpesado. Saía de trás de um rochedo e
ficou parado ao lado de um tópsida. Ambos olhavam para cima e acenavam. Como se
estivessem esperando, apareceram imediatamente outros superpesados e outros tópsidas.
Agiam como se não fossem adversários entre si. Bernda já não estava compreendendo
mais nada. Mas foi suficientemente inteligente para suspender a ordem de fogo.
Aterrissou a uns duzentos metros do estranho grupo e já estava pronto para pisar em
terra firme. Não confiou muito naquele ambiente tão pacífico, enfiou duas pistolas na
cintura, ordenou que dois guardas bem armados o seguissem.
A cerca de vinte metros da escotilha aberta, os três saltadores pararam, esperando os
desconhecidos.
— O que você acha? — sussurrou Bernda.
O oficial da direita sacudiu a cabeça:
— Talvez foram derrubados e então suspenderam a luta — não sabia que realmente
estava muito perto da verdade. — Por que razão têm que se destruir mutuamente, se uns
podem ajudar os outros a se salvarem? Vamos ver em breve.
— Você quer sempre ir contra o regulamento — protestou o outro guarda nervoso.
Sua mão já estava segurando a pistola energética. — Os tópsidas foram declarados
aliados de Rhodan e devem ser tratados como tais.
— Esperemos um pouco — disse Bernda calmamente.
Olhou para os dois superpesados que se aproximavam acompanhados de dois
tópsidas. Observou que estavam desarmados. O restante dos superpesados e dos tópsidas
ficou aguardando aos pés do rochedo. A delegação parou a dez metros de Bernda e seus
dois guardas. O superpesado sorria com dificuldade.
— Isto se chama socorro na hora exata — disse, estendendo a mão a dez metros de
distância, como se quisesse cumprimentar Bernda. — Nós já acreditávamos ter de passar
o resto da vida aqui. O senhor encontrou Topthor e Ber-Ka?
— Ber-Ka, quem é ele?
O superpesado apontou para seus companheiros:
— O comandante dos tópsidas, cuja nave nós derrubamos. Infelizmente a Top II
ficou danificada, não podendo mais levantar vôo. Os sáurios e nós fizemos então um
armistício, porque não tinha mais sentido nos matarmos mutuamente.
— Cekztel certamente se alegrará muito com o procedimento arbitrário de Topthor
— disse Bernda, feliz com a desgraça alheia. — Onde está então Topthor?
— Saiu em companhia de Ber-Ka à procura de uma estação de rádio, em algum
ponto do litoral, numa ilha artificial.
— Numa ilha artificial? — disse o superpesado, sacudindo a cabeça.
— Não é possível que o senhor entenda, sem um relatório mais pormenorizado. Dê-
nos primeiro alguma coisa para comermos e bebermos e depois saberá de tudo.
Mas Bernda estava curioso demais para aceitar imediatamente a proposta.
— Responda-me primeiro uma outra pergunta: achamos, a algumas milhas daqui,
uma cratera atômica. Ali houve uma grande explosão e o que foi propriamente destruído?
— Foi Rhodan — disse o superpesado. — Ao menos reconhecemos um de seus
colaboradores mais íntimos, um ser esquisito de pêlo marrom e de cauda curta, mas muito
larga. Apareceu do nada, atirou uma pequena bomba atômica e desapareceu de novo.
— E vocês se salvaram como?
— Fomos avisados por ele, que nos deu dez minutos para nos protegermos.
— E ninguém de vocês tentou impedir este ser estranho de destruir a belonave?
Acho que já posso dizer que nossa força espacial não se compõe exclusivamente de
heróis. E os tópsidas também não são mais tão corajosos — comentou Bernda.
— Para impedir? Como assim? O animal, acho que não se pode classificá-lo como
tal, tinha uma bomba atômica na mão — retrucou o oficial.
— E aí, vocês saíram correndo feito cabritos desnorteados, para todos os lados?
Cekztel é quem vai decidir isto. Eu tenho apenas a missão de encontrar Topthor, porque
ele tem, aparentemente, uma mensagem muito importante para transmitir.
— Uma mensagem muito importante? — repetiu o superpesado, tentando descobrir
alguma coisa. — Pode ser mesmo, Topthor e Ber-Ka discutiam muita coisa em segredo e
diziam que a guerra não tinha sentido. Pensavam que Rhodan nos tinha enganado, que
tínhamos caído numa esparrela sem percebermos. Mais eu não sei, não.
— Quem é você?
— Sou Gatzek, o segundo-oficial de Topthor.
Bernda concordou aos poucos.
— Bem, então diga ao seu pessoal e também aos sáurios que mandarei cuidar de
vocês todos. Mas depois, espero o relatório de vocês, dentro de meia hora. Há um grande
erro em tudo isto. Quero descobri-lo.
Viu com sentimento ambíguo que saltadores e tópsidas se confraternizavam tão
simplesmente. Todos misturados, esparramados pelo chão, à espera de uma refeição.
***
***
***
A bomba arcônida explodiu no minuto exato. Rhodan estava bem longe no espaço e
viu o clarão ofuscante que haveria de provocar reações em cadeia. Ainda levaria horas,
até que o planeta se transformasse num sol.
A frota dos saltadores estava a uma hora-luz da explosão. Major McClears os estava
observando do cruzador pesado Terra, enviando informações e imagem constantemente
para a Titan, a fim de deixar Rhodan a par de tudo.
As primeiras mensagens de Cekztel davam a entender que as coordenadas para o
regresso dos saltadores para M-13 já estavam calculadas. A missão estava cumprida e a
“Terra” destruída.
Mas todo mundo sabia que Rhodan ainda estava vivo. E era a única coisa que
atrapalhava Rhodan.
Depois de haver feito e discutido vários planos com Bell, entre os quais havia um já
mais ou menos formalizado, mandou chamar para a sala de comando a John Marshall.
— A Titan deve ser, aos olhos dos saltadores, destruída — começou Rhodan, vendo,
com um sorriso nos lábios, o susto estampado no semblante do telepata. — Exatamente
como foi com a Terra. Somente depois disso é que estaremos convencidos de que nossa
grande jogada deu certo cem por cento. Também o Robô de Árcon deve ficar convencido
de que fomos destruídos. Arquitetamos um truque de grande efeito, Marshall, para cuja
execução, no entanto, necessitamos de um teleportador: Ras Tschubai ou Gucky.
— Ambos estão na Centauro, senhor. Deve-se então avisar a Deringhouse de que...
— Deringhouse estará aqui com seu cruzador em dez minutos. A frota dos
saltadores partirá dentro de trinta minutos. Neste meio tempo, o truque tem que ser
realizado.
— O que vai ser realizado?
Rhodan ainda continuava sorrindo, ao dizer:
— A desintegração total da Titan em meio das naves reunidas dos saltadores.
Marshall não empalideceu, porque havia lido o pensamento de Rhodan. Então, ele
mesmo começou a rir.
***
***
***
**
*
Graças à sorte e a Gucky, o maravilhoso plano de Perry Rhodan
— o qual a Terra teria que dar a todos os seres inteligentes das
Galáxias a impressão de estar destruída — foi bem sucedido. A
Humanidade ganhou assim tempo para um desenvolvimento tranqüilo
e para a formação do poderoso “Império Solar”.
Os dramáticos acontecimentos, que se desenrolam no ano 2.040,
lhe permitirão viver uma época nova da história da Humanidade.
Em Atlan, o Solitário do Tempo, título do próximo volume da
série, um encontro de gigantes acontece.