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"Estamos enfrentando uma crise global de saúde sem precedentes nos 75 anos de
história das Nações Unidas, que está espalhando o sofrimento humano, infectando a
economia global e piorando a vida das pessoas. Uma recessão global, talvez de
dimensões recorde, é quase certa. (...)
Este é um momento que exige ação política coordenada, decisiva e inovadora das
principais economias do mundo. Devemos reconhecer que os mais pobres e
vulneráveis, especialmente as mulheres, serão os mais atingidos. (...)
ADI Nº 5595
Ação Direta de Inconstitucionalidade
1
I – DA ALTERAÇÃO DO CENÁRIO FÁTICO - PANDEMIA DO CORONAVÍRUS
Eis o contexto em que esta petição se apresenta com o intuito, pois, de buscar fixar o
alcance do princípio da vedação de retrocesso e também do princípio da vedação de proteção
insuficiente diante de alterações constitucionais que afetam, por via oblíqua, direitos e garantias
fundamentais, mediante imposição de restrição orçamentária para sua fruição.
1
Como suscitado em Pinto EG. Estado de Coisas Inconstitucional na política pública de saúde brasileira [artigo
na Internet]. Rio de Janeiro: CEE-Fiocruz; 2017 (Futuros do Brasil: Ideias para ação). Disponível
em: http://www.cee.fiocruz.br/sites/default/files/Artigo_Elida_Graziane.pdf
2
Em especial a Dra. Elida Graziane Pinto, procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo.
2
Contudo, decorridos mais de quatro anos da propositura desta ADI 5595, passamos
de risco potencial de colapso do SUS em decorrência do agravamento do estrutural
subfinanciamento, para a iminência de uma catástrofe humanitária sem precedentes. Referimo-nos à
pandemia do novo coronavírus (e a patologia decorrente, denominada Covid-19), assim formalmente
declarada pela Organização Mundial de Saúde.
Some-se a isso o fato de que o perfil epidemiológico da doença pode ser ainda mais
agressivo na realidade nacional e atingir não só os idosos, mas também a faixa etária dos 47 a 50
anos. Segundo a pneumologista Margareth Dalcomo, as más condições de vida da maioria da
população brasileira trazem considerável risco de agravamento da Covid-19 e de sua evolução para
pneumonia severa em face dos índices proporcionalmente altos de tuberculose em comunidades
3
DOU, seção 1 Extra, 20 mar. 2020, p. 1.
4
DOU, seção 1, 12 mar. 2020, p. 185.
5
Como se pode ler em https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-perdeu-34-5-mil-leitos-de-
internacao-entre-2009-e-2020,70003243158
3
superpopulosas (a exemplo das favelas e presídios). A seguir o inteiro teor da lúcida entrevista
concedida pela pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz
(ENSP/Fiocuz):
4
danos ocasionados à saúde daqueles acometidos com os problemas respiratórios decorrentes. A
velocidade da proliferação do vírus, somada à necessidade de mobilização de equipes, serviços e
leitos de UTI por longos períodos para tratamento daqueles afetados, tem causado níveis de
estresses em sistemas de saúde melhor financiados que o SUS, como é o caso da Itália e da Espanha.
Estudo recente7 aponta uma estimativa de mortes no Brasil por conta da Covid-19
que pode variar de 240.281, com taxa de infecção total de 10%, e, aplicando as taxas de letalidade
de casos chineses, a 2.010.405, com base em taxa geral de infecção de 50%, e com a aplicação de
taxas de letalidade italianas, cujos excertos relevantes seguem transcritos e destacados:
6
Conforme noticiado em https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,estamos-com-tres-epidemias-
simultaneas-diz-secretario-do-ministerio-da-saude,70003249641
7
R.Martinez (Pan American Health Organization), P.Lloyd-Sherlock (University of East Anglia) and the PICHM
expert consortium (https://www.corona-older.com/).
5
[...]
É nesse sentido que o Secretário Geral da ONU, o Sr. António Guterrres, indicou em
pronunciamento logo após a declaração da pandemia global que a superação da crise causada pelo
coronavírus passa, necessariamente, pela ampliação dos gastos com saúde, de modo a “atender às
necessidades urgentes e ao aumento da demanda – expandindo testes, reforçando instalações,
apoiando os profissionais de saúde e garantindo suprimentos adequados – com total respeito aos
direitos humanos e sem estigma.”
Desse modo e não obstante a concessão da cautelar, com suspensão dos arts. 2º e 3º
da Emenda Constitucional 86, faz-se necessária a reavaliação do caso à luz do cenário fático atual de
pandemia do novo coronavírus (Covid-19).
6
Trazemos como exemplo as fontes de recursos destacadas a seguir, quais sejam, as
receitas patrimoniais oriundas da exploração de recursos naturais (notadamente os royalties de
petróleo) e a remuneração das disponibilidades do Tesouro, cuja arrecadação já realizada ultrapassa
a casa dos R$ 20 bilhões:
7
Constituição de 1988, ocorreram três estruturais mudanças normativas quanto ao patamar federal
de gasto mínimo em ações e serviços públicos de saúde.
Tal proporção nunca foi cumprida de fato no ciclo orçamentário federal. À luz do art.
2º, II, da Lei 13.978, de 17 de janeiro de 2020, que estima a receita e fixa a despesa da União para o
exercício financeiro corrente, o comando do art. 55 do ADCT – se estivesse em vigor – praticamente
dobraria o patamar mínimo de gastos da União em saúde (cerca de R$ 271,5 bilhões, ao invés de
R$ 125,234 bilhões).
Contudo, tal divisão equitativa nunca ocorreu, muito antes pelo contrário. Houve
dois motivos para a fragilização estrutural do orçamento da seguridade social e, dentro dele, do
dever de financiamento adequado da política pública de saúde pela União. São eles: a desvinculação
parcial de receitas (DRU) e a segregação das contribuições patronais e laborais para custeio exclusivo
da previdência social.
Desde 1994, e assim será até 2023, a União desvincula parcialmente fontes de
receitas vinculadas à seguridade social para custear – direta ou indiretamente – despesas com seu
regime próprio de previdência (arts. 40 e 42 da CF), que obviamente não estão inseridos na
sistemática dos arts. 194 a 204 da Constituição de 1988.
8
Ao longo dos 29 anos de vigência da DRU, está mitigado o escopo da garantia de
orçamento específico – com fonte de custeio própria – para a seguridade social, no que se incluem as
contribuições sociais como espécie tributária autônoma e não suscetível de repartição federativa
(art. 165, §5º, III, c/c art. 195, ambos da CR/1988). A perpetuação da DRU via ADCT vulnera os arts.
167, IV, 195, 196 e 198 da CR/1988, ao faticamente dar causa à insuficiência de recursos para o
custeio constitucionalmente adequado dos direitos sociais (aqui, em especial, o direito à saúde)
amparados por diversas formas de vinculação de receita e/ou despesa, em rota de lesão aos
princípios da vedação de retrocesso e vedação de proteção insuficiente.
9
Houve fixação de critério distinto e específico para o nível central que não se aplicava
aos entes subnacionais. Desde 2000 e, portanto, ao longo da vigência da EC n. 29, o piso federal em
ASPS não guardou correlação com o comportamento da receita da União – essa progressiva ao longo
dos anos –, daí é que decorreria grande parte do problema de subfinanciamento crônico da saúde
pública brasileira e da regressividade proporcional do gasto federal no setor. Como financiar um
setor de custos crescentes com quase sempre os mesmos recursos?
Muito embora um novo piso mínimo federal tenha sido estabelecido com a
promulgação da EC n. 86/2015, tal norma esvaziou, direta ou indiretamente, sua alegada
progressividade na forma de de um subpiso para 2016 inferior proporcionalmente ao nível de gasto
realizado em 2015, como se depreende do seguinte excerto da tabela constante do relatório
resumido de execução orçamentária da União de 2020:
10
houve escalonamento de índices mínimos ditos “progressivos”, para que – em 2020 – fosse, em tese,
possível chegar ao patamar de 15% da RCL federal para a política pública de saúde. Em igual medida,
deixaram de ser fonte adicional de receita para o SUS os recursos oriundos do pré-sal, nos moldes
dados pelo art. 3º da Emenda 86. Ocorre, contudo, que os “subpisos” do art. 2º da Emenda 86 foram
revogados pelo art. 3º da Emenda 95/2016, sendo que a União invocou o patamar de 13,2% da sua
RCL em 2016 para negar o déficit de aplicação em ASPS, o qual segue em debate pelo STF nesta Ação
Direta de Inconstitucionalidade n. 5.595.
Infelizmente, contudo, no interregno do exame pelo STF da ADI 5595, foi promulgada
a Emenda 95/2016, que alterou nova e abruptamente o regime jurídico do piso federal em saúde,
congelando-o em valores reais ao patamar aplicado em 2017. Aqui, nova e urgente fronteira de
defesa do financiamento constitucionalmente adequado do direito à saúde se impõe, sobretudo
quanto à necessidade de questionamento incidental e concentrado da inconstitucionalidade do art.
110 do ADCT.
11
Tamanho redesenho normativo e tão severa instabilidade de custeio promovidos
pela União quanto ao seu gasto mínimo em saúde precisam ser questionados estruturalmente
dentro de um “estado de coisas inconstitucional” na política pública de saúde. Somente assim é
possível tentar avaliar adequadamente e buscar controlar o conjunto das sucessivas estratégias
orçamentário-financeiras e interpretações contábeis que, historicamente, impuseram retrocesso ao
direito à saúde e agrediram suas garantias de financiamento e de arranjo federativo-orgânico no
âmbito do SUS.
Não é produto do acaso a confluência das quatro dimensões analisadas até aqui:
fragilização do Orçamento da Seguridade Social (destinado ao atendimento da saúde, assistência e
previdência públicas), instabilidade/descontinuidade normativa do piso federal em saúde,
disparidade de tratamento em favor da União e, por conseguinte, sobrecarga de custeio para os
entes subnacionais com a redução proporcional do quantum aplicado por aquela. Ora, a retração
federal no custeio do SUS prejudica primordialmente os cidadãos e enfraquece o federalismo
sanitário, na medida em que os serviços de saúde prestados à população são realizados pelos
estados, pelo DF e pelos municípios e não pela União.
Urge, contudo, lembrar que não há direito à saúde sem que estejam operantes os
“imperativos de tutela” constitucionalmente previstos para sua efetividade, como Ingo Wolfgang
Sarlet alerta se tratar de “proteção mediante a organização e o procedimento”.
Em face do teto fiscal trazido pela Emenda 95/2016, que mitiga a proporcionalidade
entre o volume de receita e o piso federal de custeio em saúde, tão ou mais importante do que
fiscalizar retrocesso quantitativo em sentido contábil-formal é o esforço de fixar a irredutibilidade
do rol de obrigações materiais que configuram proteção suficiente ao aludido direito.
12
serem cumpridos por meio do dever de aplicação mínima de recursos em saúde, dentro de um
arranjo federativo que prima pela redução das disparidades regionais e pelo rateio equilibrado das
responsabilidades e receitas entre os entes.
Para fins do art. 196 e de toda a governança federativa do SUS, é imprescindível que
haja rateio federativo dos recursos com o enfoque do art. 198, §3º, II (progressiva redução das
disparidades regionais), o que foi parcialmente regulamentado no art. 17, §1º da LC 141/2012. Daí é
que emerge a pactuação das obrigações e responsabilidades de cada ente da federação no SUS por
meio da Comissão Intergestores Tripartite (CIT), e aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde,
como primária fonte do que deveria ser o conteúdo material do piso em ações e serviços públicos
de saúde, ao que se somam os planos previstos na legislação sanitária.
Cabe, pois, reiterar que é preciso fixar o regime jurídico do dever de aplicação
em saúde dado pelo art. 198 da CR/88 referido ao cumprimento das obrigações legais e
constitucionais de fazer na consecução do art. 196 e do Sistema Único de Saúde a que se
referem os arts. 198 e 200, para além da estrita contabilização formal do piso em seu
aspecto matemático.
13
responsabilidades administrativas e financeiras. Certamente, será adensado o quadro de
inadimplemento das pactuações federativas com o congelamento do piso federal em saúde durante
o período de 2018 a 2036, quando só a correção monetária lhe foi assegurada anualmente, na forma
do art. 110 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).
14
Do ponto de vista da Constituição de 1988, o direito fundamental à saúde não só é
dever do Estado, como também se encontra amparado por duas espécies de garantia institucional: a
orgânica e a financeira. Ao direito de que trata o art. 196 correspondem, portanto, seus instrumentos
de consecução, igualmente exigíveis na forma das garantias inscritas no art. 198, ambos da CR/88. O
SUS como sistema organizativo e de funcionamento dos serviços de saúde foi constitucionalizado
para ter consequência operativo-executiva no dever de garantia da saúde.
Dito de outro modo, a maneira como o Estado brasileiro foi incumbido de assegurar
direito à saúde pressupõe, organicamente, um sistema único (SUS) orientado pelos princípios de
universalidade e igualdade de atendimento e pelas diretrizes da integralidade, descentralização e
participação da comunidade, assim como impõe – no texto permanente da CF – custeio fixado em
bases minimamente proporcionais em face do volume das receitas governamentais.
15
A título de exemplo, vale lembrar que o Tribunal de Contas da União abordou
detidamente a dimensão da governança federativa do SUS nos autos do processo TC 027.767/2014-
0, de onde resultou o Acórdão 2888/2015, que recomendou ao Ministério da Saúde a apresentação
de plano de ação, com cronograma de execução, a fim de:
1. promover discussão na Comissão Intergestores Tripartite (CIT) para
regulamentar os critérios legais para o rateio dos recursos federais vinculados à
saúde, nos termos do art. 17 da Lei Complementar 141/2012 e do art. 35 da Lei
8.080/1990, com a possibilidade de redefinição das competências federais,
estaduais e municipais no âmbito do SUS, observando as seguintes diretrizes:
a) integrar os incentivos financeiros oferecidos pelo Ministério da Saúde, de
modo a reduzir o excesso de normas atualmente existentes nas
transferências financeiras federais;
b) detalhar de maneira suficiente as competências nos três níveis de
governo, de modo a evitar sobreposições de responsabilidades e a
possibilitar a identificação precisa das responsabilidades executivas e
financeiras de cada ente em relação às ações e dos serviços de saúde;
c) considerar as fragilidades técnicas e financeiras da maior parte dos
municípios brasileiros;
2. promover discussão na CIT para reavaliar o modelo do Contrato Organizativo da
Ação Pública da Saúde (COAP), a fim de propor medidas legais que possam
estabelecer sanções para a União e os estados no caso de inadimplemento de
responsabilidades assumidas;
3. definir o diagnóstico sobre as necessidades de saúde, elaborado a partir do
Mapa da Saúde, como referência prioritária para as emendas parlamentares
relativas a recursos vinculados à saúde;
4. adotar medidas para aperfeiçoar a orientação aos municípios e estados sobre o
processo de regionalização, assim como para organizar o apoio técnico e financeiro
à regionalização e à implementação do COAP, de modo que esse apoio seja estável
e contínuo;
5. estruturar processo de gestão de riscos da implementação do COAP nas regiões
de saúde brasileiras.
16
lado dos inconsistentes parâmetros e conteúdos de aplicação mínima feitos por alguns Estados, tem
acarretado sobrecarga de custeio para os municípios em face das demandas judiciais e sociais por
efetividade do direito à saúde.
8
Como noticiado em https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/03/sem-restricao-de-contagio-
mortes-por-coronavirus-podem-chegar-a-115-milhao-no-brasil.shtml
9
Algo assumido pelo próprio Ministro da Saúde, conforme se pode ler em
https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,em-abril-o-sistema-de-saude-entrara-em-colapso-diz-
mandetta,70003241718
17
estruturais e falência de políticas públicas e cuja modificação depende de medidas abrangentes de
natureza normativa, administrativa e orçamentária”10.
No atual contexto de risco de colapso do SUS, é imperativo resguardar que não haja
proteção insuficiente ou tardia. É importante assegurar tal entendimento para evitar que a execução
orçamentária do piso em saúde seja adiada e frustrada mediante a adoção de artifícios contábeis no
manejo do art. 24, II e §1º da LC 141/2000. Só a União tem rolado, nos últimos exercícios, em média,
cerca de 10% do seu piso em ações e serviços públicos de saúde em restos a pagar, alguns dos quais
pendentes de pagamento desde 2008, sem correção monetária há 12 anos!
Tal cenário decorre da cediça estratégia de execução orçamentária adotada pela área
econômica do governo federal de disponibilizar recursos para empenhos em valores muito próximos
do “piso”, como se a regra de aplicação correspondesse a um “teto” de despesas com ASPS. A tabela
abaixo extraída do Relatório Resumido de Execução Orçamentária federal disponível para janeiro de
2020 atesta esses dados:
10
Apenas para usar, em caráter analógico, os termos empregados na medida cautelar deferida na ADPF nº 347
pelo Supremo Tribunal Federal.
18
O piso da saúde não pode ser sujeito a contingenciamento (art. 9º, §2º da LRF e art.
28 da LC 141/2012), ainda que sob a alegada sujeição à programação financeira (art. 8º da LRF). Mas
a União tem feito isso, desde o advento da EC 29/2000, nos seus decretos de programação
financeira, por meio da previsão de limites de pagamento para as despesas em ações e serviços
públicos de saúde (mesmo aqui já incluídos os restos a pagar) substancialmente inferiores aos limites
de empenho. A regra da execução orçamentária federal sempre tem previsto o adiamento
intertemporal da quitação das obrigações da União para com o piso do exercício financeiro em vigor
e também com o elevado saldo de restos a pagar, em uma espécie de precatorização do gasto
mínimo em saúde (uma equivocada estratégia de reconhecer que é devido, mas a própria devedora
adia sine die e sem correção monetária o cumprimento de sua obrigação constitucional).
O desequilíbrio federativo na política pública de saúde tem se acirrado, seja por meio
da redução proporcional da participação federal no custeio do SUS, seja por força do adiamento –
para questionável formação de resultado primário – pelo Ministério da Saúde dos repasses fundo-a-
fundo aos Estados e Municípios.
11
Disponível em
https://www.cnm.org.br/cms/biblioteca/Subfinanciamento%20da%20Educa%E7%E3o%20e%20da%20Sa%FAd
e%20(2016).pdf
12
Conforme noticiado em https://www.cnmp.mp.br/portal/todas-as-noticias/9170-cddf-realiza-audiencia-
publica-sobre-subfinanciamento-da-educacao-e-da-saude-no-brasil
19
20
21
22
23
24
A União não se sujeita sanção alguma por causa do descumprimento do piso federal
em saúde, já que a pena de suspensão de transferências voluntárias e condicionamento das
transferências obrigatórias, por óbvio, a ela não se aplica, como se lê no Decreto 7.827/2012. É
preciso, pois, retomar a perspectiva da responsabilidade solidária que o STF tem afirmado no
regime de rateio federativamente equilibrado no âmbito do SUS quanto às obrigações de despesa
e aos recursos públicos, para avançar no controle das omissões quanto ao repasse suficiente de
recursos e ao cumprimento das atribuições de cada qual dos entes políticos nas regiões de saúde e
do plano setorial e ascendente que informa tal política pública.
Desde o julgamento da STA 175, quando houve a primeira audiência pública13 sobre
judicialização da saúde no STF, em abril e maio de 2009, nossa Corte Constitucional almeja debater o
direito à saúde pelo prisma da macrojustiça, o que, por óbvio, passa pela pactuação da governança
13
Cujos vídeos e dados documentais encontram-se disponíveis em
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaSaude
25
federativa do SUS, pelo financiamento constitucionalmente adequado da saúde e pelo regime de
responsabilidade quanto ao descumprimento de ambos.
Eis o contexto em que esta petição busca lutar pelo enfrentamento das causas
sistêmicas14 da judicialização da saúde, ao invés de remediar seus sintomas, controlando a
fragilidade estrutural da política pública em seu arranjo federativo insatisfatoriamente pactuado e
em seu financiamento cada vez mais regressivo, sob pena de severo risco de centenas de milhares
de mortes de brasileiros e de colapso do SUS em face da pandemia da Covid-19.
A Lei nº 8080/1990 dispôs, em seu artigo 35, sobre critérios de rateio dos recursos da
União, obrigatoriamente transferidos para os demais entes federativos, em consonância com o art.
198, § 3º, inciso II da Constituição de 1988. Em igual medida, a Lei Complementar nº 141/2012, em
seu art. 17, incorporou o debate sobre a necessidade de suficiente rateio financeiro para
cumprimento pleno das pactuações celebradas na Comissão Intergestores Tripartite que administra
o SUS nos três níveis da nossa federação.
14
Como suscitado por Élida Graziane Pinto e Fernando Facury Scaff em
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2020/03/federalismo-saude-publica-e-macrojustica-na-pauta-do-
stf.shtml e https://www.conjur.com.br/2018-nov-07/opiniao-macrolitigancia-financeira-pelos-direitos-
fundamentais
26
o rateio pactuado, do ponto de vista da rede de serviços já contratados no âmbito do SUS,
dos repasses fundo-a-fundo e dos programas para fins de transferências voluntárias, tem
excedido, em valores monetários, o piso federal estritamente contábil-formal, daí porque o
governo federal tem se olvidado historicamente de cumprir as regras já estabelecidas de
incentivos, tem deixado de fazer correção monetária dos valores de referência dos
programas (não só da tabela SUS) e até mesmo tem atrasado repasses.
São diversas portarias que operam como insuficientes nacos orçamentários e atuam
como se fossem uma espécie de incentivo voluntarioso que impõe unilateralmente a extensa
agenda federal de execução federativamente terceirizada de programas e projetos mediante
precário custeio para os entes subnacionais. Tais portaria descem a detalhes e minúcias15, que
servem de parâmetros para as transferências subfinanciadas, em rota de afronta aos dispositivos
citados e, sobretudo, ao art. 198, §3º, II da Constituição.
Aludidos critérios deveriam ser separados nos três eixos abaixo dispostos:
• Eixo 1, que incorpora das necessidades de saúde da população de acordo
com as dimensões socioeconômica, epidemiológica, demográfica e geográfica,
o que aponta para um repasse per capita fixo. Seria um critério de equidade
federativa no tocante às ações e aos serviços de saúde e que, em época de
epidemias regionalizadas, imporia o dever de majoração desse valor per
capita, de modo sazonal, para satisfazer as necessidades apontadas pela
epidemiologia. No caso de uma epidemia nacional, originada por uma
pandemia, como a que estamos a viver, esse valor per capita deve ser
expandido exponencialmente para o atendimento das necessidades
conjunturais emergenciais.
O repasse em valor per capita fixo existente até o advento da Portaria do
Ministério da Saúde nº 2.979, de 13 de novembro de 2019, foi extinto16 e a
15
Segundo Lenir Santos, “são mais de 10 mil artigos, afora os parágrafos e incisos a regulamentar o SUS,
enquanto o código civil tem 2 mil artigos!”
16
Conforme noticiado no portal do Conselho Nacional de Saúde (http://conselho.saude.gov.br/ultimas-
noticias-cns/925-cns-aprova-recomendacao-pela-revogacao-imediata-da-portaria-2-979) em “Entre os pontos
polêmicos da Portaria nº 2.979 está a necessidade de cadastro da população para que seja feito o repasse do
27
própria atenção primária em saúde passa a ser financiada pela modalidade de
cadastramento de seus usuários e não pelos critérios do eixo 1 da LC
141/2012. O risco é de que haja redução ainda mais abrupta nos repasses
federais aos Municípios que não tiverem conseguido concluir o cadastramento
antes e mesmo em meio à quarentena imposta como medida de supressão da
disseminação do novo coronavírus.
• Eixo 2, que incorpora as ações e os serviços de saúde em consonância com
a capacidade de cada ente federativo em sua rede de serviços. Esse critério
requer que haja repasses de acordo com as responsabilidades pela prestação
de serviços de cada ente. Hoje todos os repasses se dão por esse critério,
conhecido como faturamento de serviços prestados, medido por sistema de
informações do Ministério da Saúde, o qual é alimentado pelos entes e pelas
entidades privadas com serviços complementares ao SUS.
Esse critério ainda utiliza tabelas de procedimentos com valores
monetariamente defasados e incompatíveis com o custo do serviço, o que é
palco de inúmeras reclamações e discussões e até os dias de hoje não
resolvidas. Tal impasse decorre do fato de o SUS manter modelo de
pagamento da época de existência do extinto INAMPS, não obstante toda a
nova estrutura do SUS, que não é mais um eixo assistencial de serviços
exclusivamente médico-hospitalares, nem apenas ambulatoriais e de apoio
diagnóstico.
Em tempos de pandemia da Covid-19, o critério de pagamento por serviço
prestado (fee for service) levará os sistemas de saúde municipais e estaduais
e mesmo a rede credenciada de prestadores de serviços privados
complementares ao SUS literalmente à insolvência financeira. Todos os
serviços que não sejam para combate ao coronavírus ou urgências e
emergências estão suspensos.
Tal circunstância acarretará impossibilidade de faturamento dos prestadores
de serviços perante o Ministério da Saúde, pelo fato de muitas unidades de
saúde serem de atendimentos exclusivos de serviços que estão suspensos e
não podem ser utilizados para o combate ao coronavírus porque não são
hospitalares, ou seja, não têm essa vocação.
• O Eixo 3 diz respeito ao reconhecimento do desempenho do ente
federativo no ano anterior, o que não é cumprido também até os dias de hoje,
pelo fato de não haver critérios e índices de avaliação de desempenho dos
serviços em relação à sua qualidade, à eficácia e à efetividade. Esse eixo só
poderá ser cumprido após a atual crise da pandemia.
incentivo financeiro aos municípios, que deverá considerar as pessoas cadastradas nas equipes de Saúde da
Família e de Atenção Primária.
[...] “Penso que não há nenhum questionamento sobre a importância do cadastro para qualificar e servir de
base o planejamento do sistema, mas é muito problemático definir isso como critério para esse repasse”,
afirma Carlos Ocké. “Isso me parece extremamente problemático, do ponto de vista da sustentabilidade dos
municípios se, inclusive é reconhecido que os municípios arcam com 70% dos gastos com atenção primária”,
completa.:
28
e a demora na realização de exames, procedimentos etc. O direito que exige serviços diretos à
população como a saúde somente se realiza se houver financiamento que o sustente; senão finda
por configurar mera retórica, o que se revela absolutamente incompatível com a força normativa da
Constituição brasileira.
Todo país tem suas epidemias sazonais, as quais devem ser combatidas
preventivamente mediante ações e serviços que evitem risco de agravo à saúde, como é o caso das
imunizações e serviços de combates a outros vetores. Pandemias são mais raras, como a que se está
a viver neste ano de 2020. Mas elas sempre existiram e devem estar no conceito do art. 196 da
Constituição de 1988 acerca da garantia do direito à saúde mediante politicas sociais e econômicas
que evitem risco de agravo à saúde. Por isso, o SUS deveria contar em seu fundo nacional de saúde
com reservas para situações emergenciais, contingentes com ocorreu na época do vírus zika e agora
da atual pandemia.
29
prestação dos serviços. Após a contenção da pandemia, os demais serviços em regime de fee for
service terão de ser retomados e atendidos, num fluxo do que ficou represado por meses com as
necessidades futuras sempre sujeitas a filas intermináveis, ainda mais em saúde mental –
absolutamente dilapidada nos dias de hoje.
[...]
17
Publicado em https://www1.folha.uol.com.br/colunas/drauziovarella/2020/03/novo-coronavirus-pode-
causar-estresse-brutal-sobre-sistema-de-saude.shtml
30
[...]
[...]
31
[...]
32
A franca aceleração da judicialização da saúde demonstra que a causa das mazelas da
saúde não têm sido enfrentadas. É preciso atuar na saúde de modo sério, conhecendo seus custos e
suas necessidades; olhando o financiamento preconizado pela OMS e aplicado por países que nos
servem de modelo. Análises formais e focadas em demandas individuais do direito à saúde,
meramente jurídicas, desacompanhadas da economia da saúde, não se sustentam e caem no vazio
por sua incompletude e desconexão com a realidade.
18
Disponível em
https://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2020/03/21/interna_nacional,1131202/gabbardo-diz-que-
governo-vai-comecar-a-apresentar-dados-sobre-leitos-e.shtml
33
devido à grande capacidade instalada. O Brasil se aproxima mais dos Estados
Unidos, que já enfrenta escassez de máscaras e testes”, respondeu.
A falta de leitos de terapia intensiva (UTI) também foi objeto de divulgação pela
mídia19, que alertou para o fato de que “nove em cada 10 cidades do país não têm leito de UTI e
exportam pacientes”. Está bastante claro que o estágio atual da estrutura do SUS é insuficiente para
o combate imediato da pandemia, o que guarda relação direta com o subfinanciamento crônico do
SUS, agravado pelo desfinanciamento produzido pela EC 95.
Ações e Serviços Públicos de Saúde - Total Geral 125.136.864.837,00 125.136.864.837,00 4.838.795.979,00 -4.838.795.979,00
19
Disponível em https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/03/19/nove-em-cada-10-
cidades-do-pais-nao-tem-leito-de-uti-e-exportam-pacientes.htm
34
Esse remanejamento orçamentário para a ação criada para as despesas do novo
coronavírus totalizou R$ 4,839 bilhões, valor quase idêntico à perda estimada para 2020, indicada
na Tabela 1. Em outros termos, não haveria necessidade de retirar recursos da Subfunção-301
Atenção Básica (R$ 3,165 bilhões) e da Subfunção 302-Assistência Hospitalar e Ambulatorial (R$
1,674 bilhão) se o piso de 15% da Receita Corrente Líquida não tivesse sido extinto pela Emenda
Constitucional 95/2016.
Com isso, fica ainda mais evidente que a realocação de recursos federais para o
combate ao coronavírus não representou recurso adicional para o SUS. O adiamento do pagamento
das dívidas dos Estados não muda tal fato, já que daqui a seis meses elas voltarão a ser exigíveis e o
sistema público de saúde continuará a demandar expansão de custeio, agravada pela demanda
reprimida de atendimentos e procedimentos não realizados no período de quarentena.
20
Noticiada em https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/03/22/moraes-autoriza-sp-a-suspender-
pagamento-de-divida-com-a-uniao-para-utilizar-recursos-contra-covid-19.ghtml
35
O novo modelo de financiamento da atenção primária à saúde, estabelecido pela
Portaria 2.979/2019, entrou em vigor em 2020 sem a necessária aprovação do Conselho Nacional de
Saúde, a despeito do que determina a Lei Complementar 141/2012. Muitos especialistas têm
alertado para o impacto negativo em termos de financiamento, dentre os quais, destaca-se estudo
do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde de São Paulo (COSEMS-SP) que estimou as perdas
totais em 211 municípios paulistas no valor de R$ 120 milhões, conforme Nota Técnica21, cujo trecho
se transcreve a seguir:
Os valores totais constantes nas simulações do Ministério da Saúde e CONASEMS
demonstram que, apesar de todas as medidas atenuantes do período de
transição, na somatória de todas as dimensões previstas, 211 municípios
paulistas perdem em comparação ao projetado para o exercício de 2019
(aproximadamente 120 milhões de reais). Já os incrementos projetados na
somatória das dimensões são de 209 milhões para 434 municípios. Porém, é
importante salientar que aproximadamente 25% destes incrementos não são
ganhos reais, pois se referem à atualização salarial dos ACS e o restante refere-se
ao credenciamento nos novos programas que atingem uma pequena parcela dos
municípios.
Além de não ter sido submetida à aprovação do Conselho Nacional de Saúde, faz-se
necessária suspensão dos efeitos da Portaria do Ministério da Saúde nº 2.979/2019, para manter a
transferência regular e automática do Piso de Atenção Básica-fixo (PAB-fixo) aos municípios segundo
os critérios populacionais, os quais também foram extintos por essa Portaria.
21
Disponível em https://www.conasems.org.br/cosems/nota-tecnica-cosems-sp-novo-modelo-de-
financiamento-da-atencao-primaria-em-saude/
36
V – DOS EFEITOS PROSPECTIVOS DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA EC 86/2015
EM FACE DO ART. 110 DO ADCT INSERIDO PELA EC 95/2016 – TESE INFUNDADA DE “PERDA DE
OBJETO”
Isso ocorre porque se o mérito da ADI 5.595 for julgado procedente, haverá alteração
do valor nominal do piso federal em saúde de 2016 até 2036, sobretudo para fins de fixação da base
de cálculo de 2017 (se inclui, ou não, a necessária compensação do déficit de aplicação verificado em
2016) para fins de aplicação, a partir de 2018, da correspondente correção monetária até 2036, na
forma do art. 110, II, do ADCT.
37
Art. 11. Concedida a medida cautelar, o Supremo Tribunal Federal
fará publicar em seção especial do Diário Oficial da União e do Diário
da Justiça da União a parte dispositiva da decisão, no prazo de dez
dias, devendo solicitar as informações à autoridade da qual tiver
emanado o ato, observando-se, no que couber, o procedimento
estabelecido na Seção I deste Capítulo.
§1º A medida cautelar, dotada de eficácia contra todos, será
concedida com efeito ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva
conceder-lhe eficácia retroativa.
§2º A concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação
anterior acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido
contrário.
22
BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da
doutrina e análise crítica da jurisprudência. 5. ed. rev. e atual. São Paulo. Saraiva. 2011. p. 236
38
Tal entendimento encontra-se firmado na ADI no 2.867/ES23, rel. Min. Celso de Mello,
julgamento publicado no DJ de 03/12/2003 e na ADI 3183/MS1424, rel. Min. Joaquim Barbosa,
publicada no DJ de 10/08/2006.
23
“A QUESTÃO DA EFICÁCIA REPRISTINATÓRIA DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE "IN
ABSTRACTO". A declaração final de inconstitucionalidade, quando proferida pelo Supremo Tribunal Federal em
sede de fiscalização normativa abstrata, importa - considerado o efeito repristinatório que lhe é inerente - em
restauração das normas estatais anteriormente revogadas pelo diploma normativo objeto do juízo de
inconstitucionalidade, eis que o ato inconstitucional, por ser juridicamente inválido (RTJ 146/461-462), sequer
possui eficácia derrogatória”.
24
O EFEITO REPRISTINATÓRIO. A declaração final de inconstitucionalidade, quando proferida em sede de
fiscalização normativa abstrata, importa - considerado o efeito repristinatório que lhe é inerente (RTJ 187/161-
162 - RTJ 194/504-505 - ADI 2.215-MC/PE, Rel. Min. CELSO DE MELLO - ADI 3.148/TO, Rel. Min. CELSO DE
MELLO) - em restauração das normas estatais precedentemente revogadas pelo diploma normativo objeto do
juízo de inconstitucionalidade, eis que o ato inconstitucional, por juridicamente inválido, não se reveste de
qualquer carga de eficácia jurídica, mostrando-se incapaz, até mesmo, de revogar a legislação a ele anterior e
com ele incompatível”.
25
SCAFF, Fernando Facury. STF deve estar alerta para o financiamento da saúde pública no Brasil. Consultor
Jurídico, 16/05/2017. Disponível em [http://www.conjur.com.br/2017-mai-16/contas-vista-stf-estar-alerta-
financiamento-saude-publica].
39
Daí que o texto vigente é o que determina que o percentual a ser
aplicado seja o de 15% da receita corrente líquida da União em ações
e programas de saúde pública, conforme estabelece o texto
permanente da Constituição (artigo 198, parágrafo 2º, I, CF), em face
da expressa revogação do artigo 2º da EC 86/15 pelo artigo 3º da EC
95/16, que determinava o escalonamento de alíquotas, progressivas
no tempo, a serem aplicados a essa política pública.
É nesse sentido a minuciosa representação26 formulada ao Ministério
Público Federal, contra o presidente da República e seu ministro da
Saúde, pela membro do Ministério Público de Contas paulista e
colunista desta ConJur, Élida Graziane Pinto, em conjunto com o
economista Francisco Funcia. A lógica presente nessa representação é
que a revogação do escalonamento dessas alíquotas progressivas
(chamadas de subpisos) estabelecido na EC 86/15 estava prevista
desde o projeto apresentado pelo Poder Executivo, a PEC 241, em
junho de 2016, transformada em PEC 55 quando chegou ao Senado
Federal. Logo, com a revogação expressa e imediata dessa falsa
progressividade pela EC 95, deveria ser efetuado o gasto com as
políticas de saúde no percentual de 15% da receita corrente líquida
da União. E, segundo consta da minudente representação, faltam R$
2,5 bilhões para se chegar ao limite constitucionalmente
determinado."
Como se verifica pelo primoroso posicionamento do professor Fernando Facury Scaff,
a vigência da regra constante na EC86/2015 gerou efeitos concretos, sendo a sua declaração de
inconstitucionalidade oportuna para se reestabelecer, mesmo que de forma compensatória, os
valores aplicados pela União em saúde, mitigando – em 2017 – o déficit federal de aplicação mínima
em saúde verificado no exercício financeiro de 2016.
26
Noticiada em http://www.conjur.com.br/2017-abr-30/governo-nao-aplicou-minimo-saude-2016-mp-contas
40
Fonte: Excerto do “Anexo 12 – Demonstrativo das Despesas com Ações e Serviços Públicos de Saúde” do Relatório Resumido
de Execução Orçamentária do Governo Federal do 6º bimestre de 2016, cujo inteiro teor se encontra disponível em
http://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/352657/RROdez2016.pdf/19a25934-21d9-4e40-9304-a488555c8dbf
Como se extrai dos dados acima, para cumprir o piso federal em saúde em 2016 15%
da RCL, a União deveria ter aplicado, no mínimo, R$108,371 bilhões, ao invés de R$ 106,236 bilhões,
de modo que seu patamar de aplicação em ASPS ficou aquém do exigido constitucionalmente. Isso
sem falar aqui do dever de compensação dos restos a pagar que tenham sido computados em anos
anteriores no piso federal em saúde e que, em 2016, foram cancelados.
41
Nem se diga que haveria dúvida razoável sobre a eficácia retroativa ou não da
decisão cautelar proferida em 31/08/2018 por V. Exa., para fins de determinação à União que fosse
aplicado em saúde o piso de 15% da RCL no exercício de 2016, ao invés dos 13,2% mantidos pelo
Acórdão TCU 1048/2018. Com a revogação do art. 2º da Emenda 86/2015 pelo art. 3º da Emenda
95/2016, não haveria sequer razão de ser para a própria existência da cautelar em relação a esse
dispositivo, sobretudo, do ponto de vista do ciclo orçamentário e do regime jurídico do dever de
gasto mínimo em saúde, se a decisão não pretendesse examinar os efeitos prospectivos do subpiso
federal em saúde de 13,2% da RCL aplicado em 2016, para os exercícios de 2017 e seguintes (até
2036). Ora, a consequência imediata da cautelar na ADI 5595 para o TCU deveria ter sido a imposição
ao Ministério da Saúde do dever de compensação do déficit verificado no ano anterior, na forma do
art. 25 da LC 141/2012, o que, por óbvio, seria incorporado adicionalmente à base de cálculo de
2017, para a incidência do piso congelado em saúde a partir de 2018 e até 2036, que a Emenda
95/2016 inseriu no ADCT, na forma do seu art. 110, inciso II.
A esse respeito, oportuna é a análise da Dra. Élida Graziane Pinto27 sobre a eficácia
retroativa e sobre os efeitos prospectivos (até 2036) da cautelar concedida na ADI 5595, refutando,
portanto, a tese esposada pelo TCU no Acórdão 1048/2018 e pela AGU de que a decisão cautelar de
V. Exa. não teria alcançado o exercício de 2016:
Em tempos de [...] congelamento dos pisos de custeio da saúde e da educação, na
forma do artigo 110, inciso II do ADCT, inserido pela Emenda 95/2016, é alvissareira
essa decisão do Supremo [na ADI 5595]. Nela lemos que “a ocorrência de reforma
constitucional que vise ao aprimoramento dos direitos e garantias fundamentais é
medida desejável de atualização dos fins e preceitos da CF, mas alterações que
impliquem retrocesso no estágio de proteção por eles alcançado não são
admissíveis, ainda que a pretexto de limites orçamentário-financeiros.”
A aludida decisão considerou que “as alterações empreendidas pelos artigos 2º e
3º da EC 86/2015 no financiamento mínimo do direito à saúde inegavelmente
constrangem a estabilidade jurídica e o caráter progressivo do custeio federal das
ações e serviços públicos de saúde.”
Para que tenhamos em mente a absoluta atualidade e a ordem de grandeza do
conflito em comento, vale lembrar que o déficit de aplicação em saúde da União
em 2016 deve ser compensado no exercício imediatamente subsequente ao da sua
constatação, por força do artigo 25 da Lei Complementar 141/2012. Significa dizer
que, em 2017, deve haver a compensação do quanto o governo federal deixou de
aplicar nas ações e serviços públicos de saúde em 2016, por causa dos aludidos
artigos 2º e 3º da Emenda 86. Some-se a isso os nada desprezíveis efeitos
prospectivos da cautelar na ADI 5.595, já que, por força do regime trazido pela
Emenda do Teto Fiscal, o novo piso da União em saúde, a partir de 2018 e até 2036,
27
Em artigo disponível em https://www.conjur.com.br/2017-set-12/contas-vista-stf-reconhece-direito-custeio-
adequado-direitos-adi-5595
42
deverá corrigir pela inflação o quanto for gasto em saúde no corrente ano de 2017,
incluído aqui o montante da necessária compensação em tela.
Para quem, de forma um tanto míope ou até apressada e enviesadamente,
sustenta que a cautelar da ADI 5.595 não poderia alcançar o artigo 2º da Emenda
86/2015, porque ele fora revogado pelo artigo 3º da Emenda 95/2016, devemos
considerar que tal decisão se ampara no artigo 11, parágrafo 1º da Lei 9.868/1999,
vez que – motivadamente – impôs a suspensão da eficácia – com efeitos
retroativos – dos dispositivos questionados da Emenda 86.
A eficácia ex tunc da cautelar especificamente no que se refere ao revogado artigo
2º da Emenda 86 se projeta muito além do ano de 2016, pois a daí decorrente
medida compensatória em 2017 incorporará a base de cálculo do piso federal em
saúde para os próximos 19 anos, de modo a evitar o congelamento do déficit
verificado, o que agravaria ainda mais a regressividade histórica da participação da
União no custeio federativo do SUS.
Ora, o ministro Ricardo Lewandowski reconhece, na fundamentação da sua
decisão, a repercussão orçamentária da suspensão da eficácia, com efeitos
retroativos, do subpiso de 13,2% da receita corrente líquida para o gasto mínimo
federal em saúde, nele indevidamente incluídos os recursos oriundos do regime do
pré-sal, não só para o exercício de 2016, mas também para 2017 e para os
próximos 19 exercícios financeiros:
Mas qual é o montante estimado do déficit, cuja imediata compensação a ADI
5.595 permite seja exigida? [...] Na conta mais ousada, a fatura do dever de
compensar o gasto mínimo federal em saúde em 2017 sobre o que a União deixou
de aplicar no ano passado pode superar a casa dos R$3 bilhões. Na conta mais
tímida, a decisão cautelar na ADI 5.595 pode repercutir algo em torno de R$1,2
bilhão para o custeio da saúde pública brasileira, já que o TCU, diante de um déficit
já consumado no piso federal em saúde de, no mínimo, R$250 milhões, não vai
poder relevar como irregularidades formais os expressivos saldos de restos a pagar
cancelados e não compensados e de despesas incluídas indevidamente no piso
(cuja soma alcança R$992 milhões). Ora, em face da ADI 5.595, não há como o TCU
se furtar ao dever de rever seu entendimento de que o piso de 13,2% da RCL teria
sido válido e que, em 2016, teria havido, por isso, um “excedente” de aplicação
em saúde de R$10,9 bilhões.
Indo além do exame dos números, a medida cautelar concedida na ADI 5.595 nos
lembra, do ponto de vista hermenêutico, que o orçamento público não pode se
eximir da sua finalidade primordial de custear os direitos fundamentais. Eis um
precedente que nos chega em boa hora tanto em face da Emenda 95, quanto em
relação à crise nos serviços essenciais que indicam uma rota de falência da razão de
ser do Estado brasileiro.
[...] A ADI 5.595 reconhece a existência da dimensão objetiva do direito à saúde de
ter seu custeio fixado em bases suficientes e, na medida do fiscalmente possível,
progressivas. Desse modo, o dever de gasto mínimo em saúde se configura como
verdadeira garantia de tutela do próprio direito fundamental. (grifo acrescido ao
original)
43
VI – DOS PEDIDOS
Diante da forma limitada como tem sido interpretado o dever de gasto mínimo
federal em ações e serviços públicos de saúde (ASPS) previsto no art. 198 da Constituição, faz-se
necessária a fixação do preceito de que o piso constitucional não é apenas uma equação
matemática que vincula determinado volume de recursos a um conjunto aleatório de despesas. Há
conteúdo e finalidades substantivas a serem cumpridos por meio do dever de aplicação mínima de
recursos em saúde, em um arranjo federativo que prima pela redução das disparidades regionais e
pelo rateio equilibrado das responsabilidades e receitas entre os entes.
28
Como debatido em PINTO, EG. Guerra fiscal de despesas na pactuação federativa do SUS: um ensaio sobre a
instabilidade de regime jurídico do piso federal em saúde. SANTOS, A; LOPES, LT. Coletânea Direito à Saúde:
dilemas do fenômeno da judicialização da saúde. Brasília: CONASS, 2018, pp. 92-107. Disponível em
http://www.conass.org.br/biblioteca/download/6880/
44
Se a União pactuou na CIT e gerou compromissos federativos com os entes
subnacionais, ela, naturalmente, precisa cumprir tal pactuação, em consonância com as necessidades
de saúde da população e com o levantamento dos riscos epidemiológicos (conforme o art. 198, §3º,
II da CF); ainda que, eventualmente, venha a ser formalmente excedente ao piso inscrito no art. 110
do ADCT, sob pena de lesão ao dever de gasto mínimo material e ao pacto federativo, além de
ofensa à mais básica concepção de boa-fé nas relações jurídicas. O mesmo raciocínio se aplica a
alguns dos Estados que não cumprem o pactuado na Comissão Intergestores Bipartite – CIB (art. 19,
§1º da LC 141/2012, em conformidade com o art. 198, §3º, II da CR/88).
concessão de medida cautelar inaudita altera pars para que sejam determinadas,
45
custeio perante o controle da execução orçamentária exercido pelo Ministério da
Economia, por força de limites de empenho e/ou de pagamento impostos àquele
Ministério;
3. transferência voluntária de recursos adicionais em caráter extraordinário e
proporcional ao aumento de necessidades dos entes para contenção da pandemia,
na forma do parágrafo único do art. 18 da LC 141/2012;
4. manutenção do pagamento aos prestadores de serviços credenciados no SUS
(sobretudo as entidades sem fins lucrativos) pelos valores não faturados (em regime
de remuneração fee for service) em caso de motivada suspensão da execução
terceirizada de ações e serviços públicos de saúde por força da pandemia da Covid-
19. Para tal medida de resguardo da solvência financeira da rede terceirizada de
prestadores de serviços credenciados do SUS, o mês de fevereiro de 2020 deverá ser
considerado como base de cálculo de faturamento mínimo a ser mantido. Para fins
do controle a que se refere o art. 48-A da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei
Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000), deverá ser resguardado também o
dever de transparência, mediante publicação concomitante das respectivas despesas
com manutenção da rede assistencial em saúde no portal da transparência de todos
os entes federativos;
5. recomposição imediata da perda financeira decorrente da mudança de regra
no piso federal em saúde a partir de 2018, apurada em R$ 22,5 bilhões, conforme
Tabela 1, causada pela regra de cálculo estabelecida pela Emenda Constitucional
95/2016 (na forma do art. 110 do ADCT). Trata-se aqui de sustar, durante a vigência
da Lei 13979/2020, a incidência do art. 110 do ADCT e garantir – sem prejuízo dos
pedidos anteriores – a aplicação federal mínima em ações e serviços públicos de
saúde fixada na forma do art. 198, §2º, I da CF;
6. imposição do dever de levantamento semanal coordenado nacionalmente
pela Comissão Intergestores Tripartite (a que se refere o art. 14-A da Lei 8.080, de 19
de setembro de 1990) das demandas sanitárias e respectivas respostas tempestivas
para resguardar sua célere execução orçamentário-financeira do total de recursos
necessários por cada ente da federação. Busca-se determinação de diagnóstico
coordenado nacionalmente – de forma transparente e mediante publicação em sítio
oficial – de todas as demandas de despesas a serem realizadas na governança
federativa do SUS, em caráter extraordinário e adicional às dotações orçamentárias
46
já em execução, para o enfrentamento sistêmico e suficiente da pandemia do novo
coronavírus;
7. realização pelo Ministério da Saúde dos repasses interfederativos imediatos e
integrais para execução das despesas diagnosticadas pela CIT como necessidades de
saúde da população na forma do item anterior em cada Estado, DF e Município.
Considera-se repasse imediato o que se consuma em 48 horas a partir da aprovação
da demanda de ação na CIT;
8. vedação ao Executivo Federal de que promova, como se configurasse
acréscimo real de recursos para as ações e serviços públicos de saúde durante a
vigência da Lei 13.979/2020, a abertura de crédito extraordinário, em favor do
Ministério da Saúde, mediante mero remanejamento contábil de dotações (fontes de
custeio) do próprio Ministério;
9. aplicação, durante o prazo de vigência da Lei 13.979/2020, de todos recursos
disponíveis no Fundo Social do Pré-Sal (a que se referem os arts. 47 a 60 da Lei
12.351/2010) nas ações e serviços públicos de saúde e no financiamento de
atividades de ciência e tecnologia que se fizerem necessários ao enfrentamento da
pandemia da Covid-19. Trata-se de apoiar os gestores do SUS e as instituições
públicas de ensino superior e de pesquisa habilitadas para que possam demandar e
promover produção de kits de testagem, equipamentos de proteção individual,
aparelhos e insumos mínimos necessários para criação de unidades intensivas e
semi-intensivas de urgência (respiradores, monitores multiparametrizados e bombas
de infusão, entre outros) e de outros tipos de unidades de atendimento de saúde de
diferentes tipos de complexidade;
10. imposição de dever ao Ministério da Saúde para que realize, ampla e
ostensivamente, testes na população em condições de suspeita de infecção do
coronavírus (Covid-19), bem como dever de levantamento, consolidação e divulgação
nacional dos dados estatísticos sobre os casos confirmados, suspeitos e em
investigação a que se refere o art. 6º da Lei 13.979, de 6 de janeiro de 2020;
11. criação de central nacional de regulação unificada de leitos públicos e
privados em unidades de tratamento intensivo, sob responsabilidade do Ministério
da Saúde, enquanto perdurar a vigência da situação que levou à edição da Lei nº
13.979, de 2020;
47
12. levantamento da demanda total de recursos para resguardar atendimento
suficiente no SUS da demanda reprimida por ações e serviços públicos de saúde que
for liberada após o período crítico de contenção da pandemia em esforço planejado e
suficiente de retorno ao cotidiano operacional do sistema público de saúde
brasileiro, que ordinariamente tem atuado sempre além de suas capacidades.
48