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OS JOGOS DE REPRESENTAÇÃO (RPG) COMO FERRAMENTA DE

APOIO NA CRIAÇÃO DE TRANSMEDIA STORYTELLING1

Paula Toledo Palomino2

Resumo: O presente artigo visa apresentar os jogos de RPG como potenciais


ferramentas na criação de Transmedia Storytelling. Será realizada uma análise sobre os
conceitos teóricos que fundamentam estes processos e técnicas, acompanhados de uma
apresentação conceitual sobre o que são Jogos de Representação (RPG) e suas diversas
aplicações enquanto ferramentas de comunicação, focando principalmente em histórias
para engajamento de público alvo com marcas publicitárias através dos conceitos do
Transmedia Storytelling. Por fim, será realizado um estudo de caso relacionando o RPG
à uma utilização prática na construção da história de uma marca.
Palavras-chave: Transmedia Storytelling, RPG, franquias, marcas, engajamento.

Abstract: This paper aims to present the RPG games as potential tools in the creation
of Transmedia Storytelling. An analysis of the theoretical concepts that underlie these
processes and techniques, accompanied by a conceptual presentation on what are
Representation Games (RPG) and its various applications as communication tools will
be held, focusing mainly on stories to audience engagement with brands advertising
through the concepts of Transmedia Storytelling. Finally, a case study relating the RPG
to practical use in the construction of a brand story will be performed.
Keywords: Transmedia Storytelling, RPG, franchises, trademarks, engagement.

1. Introdução

Desde o surgimento da fala, o ato de contar histórias (storytelling) é parte


intrínseca da natureza humana, pois é o meio natural com que trocamos informações.
O ser humano anseia por histórias bem contadas, pois se vê nelas, sentindo seus dilemas
e agregando informações. Toda história possui uma mensagem a ser transmitida. Mas
para que ela seja transmitida corretamente, é necessário um contexto, sendo este o
grande diferencial entre uma história qualquer e uma história bem contada.

1
Trabalho apresentado no Seminário Temático “Produção de Fãs e Cultura Participativa”, durante a I
Jornada Internacional GEMInIS, realizada entre os dias 13 e 15 de maio de 2014, na Universidade
Federal de São Carlos.
2
Mestranda em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Membro do Grupo
de Estudos sobre Mídias Interativas em Imagem e Som (GEMInIS). E-mail:
paulatpalomino@gmail.com
Segundo Scartozzoni, para se compreender o termo storytelling, utilizado em
transmedia storytelling, é preciso entender a diferença entre as palavras de origem
inglesa ‘history’ e ‘story’. A primeira está relacionada a fatos reais, como a queda do
Império Romano, por exemplo. A segunda é uma estrutura narrativa, geralmente ligada
à ficção, mas não necessariamente. Portanto, o tipo de história trabalhada nas técnicas
de storytelling é a ´story´.
O ato de contar uma história pode ser definido como um encadeamento de
eventos de maneira lógica, dentro de uma estrutura com certos padrões cujos principais
pontos são:
- Uma quebra de rotina. Histórias, em sua maioria são sobre eventos extraordinários,
conforme os passos da Jornada do Herói, de Campbell tão bem assinalam.
- Pelo menos um protagonista precisa existir, sendo este o personagem com o qual as
pessoas devem se identificar.
- Pelo menos um antagonista precisa existir, a fim de criar obstáculos para o
protagonista.
- Uma história precisa de um conflito, ou seja, a tensão desse embate entre elementos
opostos, sendo este ponto que busca segurar a atenção do público.
- A história deve ter um enredo, com começo, meio e fim, passando por pelo menos um
clímax. Em Storytelling, é chamado de plot, sendo essencial para que a história faça
sentido para as pessoas.
Este tipo de estrutura é utilizado desde épocas ancestrais, onde pessoas se
sentavam em torno de fogueiras para contar sobre suas caçadas. O objetivo era entreter
a tribo, e “viralizar”, ou seja, propagar e perpetuar suas aventuras, onde estavam
contidos conhecimentos necessários para sua sobrevivência, desde elementos práticos
até expectativas de conduta dentro daquele grupo, passando por tentativas para explicar
os mistérios da vida e do universo.
A progressão dessas histórias, que vão se modificando de acordo com as
necessidades culturais e sociais dos mais diversos grupos foram se modificando (e
geralmente aumentando), culminando no nascimento das mitologias, que dão forma às
culturas locais. Essa evolução continua com a invenção da literatura, teatro, cinema,
quadrinhos e videogames, numa infinidade de meios e estilos cujos objetivos do ponto
de vista da sociedade continuam os mesmos de sempre.3
Uma das fórmulas para se contar histórias mais utilizadas na atualidade são os
passos da jornada do herói, presentes no livro “O Herói de Mil Faces”, de Joseph
Campbell:
- Passo 1: Mundo Comum, onde o herói é apresentado em seu cotidiano.
- Passo 2: Chamado à aventura, onde a rotina do herói é quebrada por algo
inesperado, insólito ou incomum.
- Passo 3: Recusa ao Chamado, onde o herói não quer se envolver e prefere continuar
sua vida comum.
- Passo 4: Encontro com o Mentor, onde o herói é forçado a tomar uma decisão. Este
mentor pode tanto ser alguém mais experiente ou uma situação que o force a sair de sua
zona de conforto.
- Passo 5: Travessia do Umbral/Limiar, onde o herói decide ingressar num novo
mundo. Sua decisão pode ser motivada por vários fatores, entre eles algo que o obrigue,
mesmo que não seja essa a sua opção.
- Passo 6: Testes, aliados e inimigos, onde a maior parte da história se desenvolve.
No mundo especial, fora do ambiente normal do herói, ele irá passar por testes, receberá
ajuda (seja ela esperada ou inesperada) de aliados e terá que enfrentar seus antagonistas,
ou seja, seus inimigos.
- Passo 7: Aproximação do objetivo, onde o herói se aproxima do objetivo de sua
missão. No entanto o nível de tensão aumenta e tudo fica indefinido.
- Passo 8: Provação Máxima, constituindo-se no auge da crise.
- Passo 9: Conquista da recompensa, onde, passada a provação máxima o herói é
recompensado.
- Passo 10: Caminho de volta, onde, após ter atingido seu objetivo, o herói retorna
para o mundo anterior.
- Passo 11: Depuração, onde o herói pode ter que enfrentar uma trama secundária não
totalmente resolvida anteriormente.

3
SCARTOZZONI, Bruno. Storytelling e Transmídia: afinal, o que é e para que serve? Disponível em:
< http://www.caldinas.com.br/2011/03/storytelling-e-transmidia-afinal-o-que.html >
- Passo 12: Retorno transformado, onde o herói volta ao seu mundo transformado. Ele
obteve um crescimento enquanto personagem e já não é mais o mesmo.
Nas últimas décadas, com o surgimento e o avanço das novas tecnologias, a
informação e o entretenimento foram transportados para múltiplas plataformas de
comunicação, que continuam a se multiplicar. A ascensão da web e da convergência
digital trouxe novas possibilidades e mudanças ao conceito de se contar histórias.
Segundo Jenkins, assim como a revista Wired declarou Marshall McLuhan
como o patrono da revolução digital, poderíamos atribuir ao cientista político do MIT
Ithiel de Sola Pool, o título de profeta da convergência midiática. Seu livro,
Technologies of Freedom (1983), foi provavelmente o primeiro livro a traçar o conceito
de convergência como uma força de mudança dentro das indústrias de mídia, através
de um processo chamado “convergência de modos”, que trata-se de que um
embaçamento nas linhas entre uma mídia e outra, até mesmo em comunicações ponto-
a-ponto, como o telefone ou telégrafo, ou em comunicações em massa, como a
imprensa, rádio ou televisão. Um único meio físico - seja ele fios, cabos ou ondas –
pode carregar serviços que no passado eram providos separadamente. Reciprocamente,
um serviço que era oferecido por qualquer um dos meios – seja ele radiodifusão,
imprensa ou telefonia – pode agora ser oferecido em diversos meios físicos diferentes.
Desta forma, a relação de um para um que existia entre uma mídia e seu uso está se
erodindo (JENKINS, 2008).
Este processo pelo qual estamos passando e evoluindo nas últimas décadas é de
fundamental importância para os estudos de comunicação, pois se trata não apenas de
um aprimoramento de nosso habitual discurso comunicacional, mas sim de um salto
para outro patamar. O que era linear tornou-se multifacetado, o que nos era inatingível
hoje é passível de toque, e tantas outras facetas da estrutura discursiva básica estão hoje
sujeitas a diferentes estímulos, que apontam para uma alteração não das bases, mas sim
da estética e fluidez do processo da comunicação, pois pedem alterações na estruturação
do pensamento em sua forma.
Neste ambiente, surge o conceito do transmedia storytelling, que consiste em
técnicas para contar uma história ou experiência através de múltiplas plataformas e
formatos, utilizando-se de tecnologias digitais. Do ponto de vista da produção, esta
técnica envolve criar conteúdo que envolva a audiência usando vários métodos para
permear seus cotidianos. A fim de conseguir este envolvimento, uma produção
transmidiática desenvolverá histórias em múltiplas formas de mídia, a fim de prover
partes do conteúdo em cada canal. Estas partes devem não apenas estar ligadas, mas
estar em narrativa sincronizada uma com a outra.
Para Jenkins, a narrativa transmídia representa um processo no qual os
elementos integrantes de uma história são dispersos sistematicamente através de
múltiplos canais de distribuição, com a finalidade de criar uma experiência de
entretenimento unificada e coordenada, onde cada meio faz a sua própria e distinta
contribuição para o desenrolar da história. Desta forma, a narrativa transmídia torna-se
parte da franquia de mídia. No entanto a franquia de mídia não pode ser compreendida
como uma narrativa transmídia.
Pode-se citar diversos exemplos de Transmedia Storytelling em filmes, como
por exemplo Matrix (1999), Harry Potter (2001), Star Wars (1977). Em todos os casos,
o envolvimento dos fãs é crucial para a construção com sucesso da narrativa, através
da cultura participativa.
A franquia transmidiática do universo do Star Wars por exemplo é um dos
maiores casos de estudo da influência dos fãs no desenvolvimento da história e na
produção de conteúdo de fãs para fãs, e foi extensamente analisada por Jenkins em seu
livro Convergence Culture: Where Old and New Media Collide (JENKINS, 2008).
Ao se ter como foco uma narrativa transmídia, os processos para cada mídia a
ser utilizada devem ser projetados de acordo com as características e comportamento
dos fãs.
No âmbito da comunicação de marcas, as técnicas de transmídia storytelling
podem ser utilizadas para fazer uma amarração contextual mais elaborada e
potencialmente mais engajadora entre as diferentes mídias de uma campanha, conforme
descrito no capítulo a seguir.

2. Transmedia Storytelling aplicado ao Marketing


Conforme apresentado no capítulo acima, é mais natural que as pessoas guardem
informação mais facilmente quando ela está envelopada nesse tipo de estrutura de
roteiro com os elementos bases do protagonista (herói), antagonista (vilão), conflito e
encadeamento lógico com começo, meio e fim. Transmedia Storytelling auxilia
portanto na atribuição de significados emocionais aos elementos técnicos por meio de
um contexto.
De acordo com o psicólogo Jerome Bruner, um fato tem 20 vezes mais chance
de ser lembrado se estiver ancorado em uma história (BRUNER, 2003). Com base
nestes dados, podemos utilizar os conceitos de transmedia storytelling para o
marketing, substituindo o papel do fã pelo papel do usuário/consumidor de uma
determinada marca ou produto.
Segundo os conceitos de Design de Interação, os clientes e/ou usuários devem
ser o foco no desenvolvimento de qualquer produto ou serviço (ROGERS, 2005).
Ainda de acordo com Scartozzoni, existem diversas formas, com maiores ou
menores graus de dificuldade e eficiência, de se aplicar as técnicas de transmedia
storytelling ao marketing. A maneira mais básica é estudar a história real de uma marca,
ou daquilo que estiver se querendo vender, e reorganizar os fatos de forma que estejam
dispostos em uma estrutura de história, como se fosse um filme do estilo "baseado em
fatos reais". No entanto, nem todas as marcas possuem uma ‘history’ adequada para ser
uma boa ‘story’. Dessa forma, pode-se utilizar de elementos da ficção, que permite um
controle muito maior dos personagens e do enredo, aumentando assim as possibilidades
de engajamento e também os desdobramentos.
Como exemplo desse tipo de utilização, pode-se usar o desenho Popeye. O herói
marinheiro foi criado em 1929, e nos quadrinhos não precisava comer espinafre para
ganhar força. Este elemento só foi introduzido algum tempo depois, quando houveram
as primeiras adaptações do quadrinho para o cinema. Não é certo se isso foi solicitação
de uma empresa de espinafre, mas o fato é que o desenho aumentou o consumo de
espinafre nos EUA em 30% nos anos subsequentes.4

4
SEGAR, Elzie C. Popeye the Sailor Man, 1929.
Fig 1. Popeye The Sailor Man (1929).

Outro exemplo é o case da campanha Coca-Cola Happiness Factory, criada


pela W+K e lançada mundialmente em 2006. Trata-se de um mundo que se passa dentro
da ‘vending machine’ da Coca-Cola, com personagens e regras próprias, mostrando
como a Coca-Cola chega até o consumidor de uma forma bastante emocionante. Esta
história é um case de transmedia storytelling pois criou-se a história, e esta foi contada
em diversas mídias como anúncios de TV, web episódios, jogos e músicas.5

Fig 2. Coca-Cola Happiness Factoy (2006).

5
W+K, Coca-Cola Happiness Factory. Disponível em: <
https://www.youtube.com/watch?v=R1NnyE6DDnQ >. Acesso em 14 de fevereiro de 2014.
Os últimos desejos da Kombi também é um caso mais recente do uso do
transmedia storytelling. A campanha foi criada pela AlmapBBDO e teve início em
2013, quando a Volkswagen anunciou a aposentadoria do modelo Kombi no Brasil. A
história foi contada em diversas mídias, entrelaçando-se e contando com a participação
ativa dos fãs e consumidores da marca, através da cultura participativa, desmembrando-
se em vídeos, sites e livros.6

Fig 3. Os Últimos Desejos da Kombi (2013-2014).

Conforme demonstrado, existem diversas técnicas para a criação desses enredos


para transmedia storytelling, e esta forma de se contar histórias está intrinsecamente
ligada à cultura participativa.
Como técnica alternativa para a criação dessas histórias, analisaremos no
próximo capítulo o potencial dos RPGs (jogos de representação) como ferramentas de
comunicação, e como suas regras e sistemas podem ser utilizados para amparar e
direcionar estes enredos.

6
AlmapBBDO, Volkswagen. Os Últimos Desejos da Kombi. Disponível em: <
http://kombi.vw.com.br/pt>. Acesso em 14 de fevereiro de 2014.
3. O que é RPG e seus usos como ferramenta de comunicação

O RPG (Role Playing Game) é um jogo onde uma história é contada por um
narrador, ou como é chamado, o Mestre do Jogo (ARNESON & GYGAX, 1974).
Esta história é interativa pois, além de ser contada e gerenciada pelo Mestre, é
composta também pelas decisões e interações dos demais jogadores, chamados de
personagens jogadores (ou Player Characters).
O conjunto da história contada pelo narrador e vivida pelos jogadores, constitui-
se numa partida de RPG. Sua origem relaciona-se à arte de contar histórias e aos jogos
de tabuleiros fantásticos (COOK, 2009).
No começo dos anos 70, nos EUA, foi criado o primeiro Wargame de fantasia
medieval (os wargames anteriores utilizavam-se de referências históricas), o Wargame
Chainmail, cuja base estava na mitologia criada por Tolkien em O Senhor dos Anéis
(TOLKIEN, 1954). Em 1974, três anos após a criação do Chainmail, surgia o primeiro
RPG, baseado nos mesmos elementos ficcionais do Wargame Chainmail mas com
personagens individualizados. Através das regras específicas do RPG era possível
definir cada um dos personagens que antes eram tratados por conjuntos. Dungeons and
Dragons, ou simplesmente D&D, como é mais conhecido, e o Chainmail, foram criados
por Gary Gygax em duas parcerias (com Jeff Perren no Chainmail e Dave Arneson no
D&D) e foram publicados pela editora TSR. Ambos constituíram-se nos primeiros
mecanismos que abriram as portas para a exploração de possibilidades e realidades
ficcionais através dos jogos (ANDRADE et. al., 2011).
As regras existem para dar solidez e acrescentar elementos do acaso à história.
Elas ditam os limites sobre o que os personagens podem fazer e se suas ações foram
bem sucedidas ou não. Além disso, auxiliam a criação dos personagens e delimitam
seus pontos fortes e fracos (REIN HAGEN et. al., 1994).
Desde então, o RPG já vem sendo utilizado como ferramenta na criação de
histórias que se desdobraram em quadrinhos, novels e games, como Record of Lodoss
War (1986), criado por Group SNE, originalmente como um replay de sessões de jogo
o RPG Dungeons and Dragons. No Japão, replays são diferentes de novels,
constituindo-se mais em transcrições de sessões de RPG, com o intuito de manter o
interesse dos leitores e registrar os eventos acontecidos. Record of Lodoss War foi
tamanho sucesso que foi adaptado pelo Mestre do Jogo Ryo Mizuno em novels de
fantasia em 1988, e em 1990 deu origem à série de anime (animação japonesa) de
mesmo nome.

Fig 4. Record of Lodoss War (1986).

Outro exemplo da utilização do RPG como ferramenta e inspiração para a


criação de histórias é o seriado A Hora da Aventura (2010), criada por Pendleton Ward
para o Cartoon Network. Neste caso a história também baseia-se no cenário do RPG
Dungeons and Dragons.

Fig 4. A Hora da Aventura (2010).


Os diversos cenários de RPG possuem toda uma estrutura de regras e base para
criação de histórias já propícias para a utilização também em transmedia storytelling,
conforme será visto no próximo capítulo.

4. RPG e Transmedia Storytelling

O RPG é uma ferramenta para contar histórias de forma interativa, imersiva e


contextualizada, criando uma experiência profunda (engajamento) das pessoas
envolvidas.
Conforme vimos acima, transmedia storytelling busca contar histórias com
contexto, enredos, personagens e sentido, que engajem sua audiência em diversas
mídias diferentes. Como naturalmente os RPGs já trabalham com este contexto, enredo
e sentido, podem ser utilizados como um framework para a criação de Transmedia
Storytelling.
Utilizando-se dos cenários existentes para RPG e de suas regras é possível criar
portanto personagens e histórias através de guias (guidelines) que deem um conceito e
um contexto para a campanha de marketing em questão.
Existem casos ainda onde o próprio universo de RPG constuti-se em um
universo transmídia por si só. É o caso do RPG Terras de Shiang, de autoria de Léo
Andrade, que está em constante desenvolvimento desde 1993, gerando um livro, jogo
de miniaturas, animações e contos que complementam a história como um todo.
Através da plataforma do RPG (que neste caso também é um dos produtos), a história
da marca em si é ampliada (as Terras de Shiang), trazendo engajamento de seu público
alvo (jogadores).
Fig 6. Mapa das Terras de Shiang

Existem diversos sistemas que podem ser utilizados para tal função, sendo
alguns deles citados abaixo:
Sistema Storyteller (White Wolf / Onyx Path): como o próprio nome já diz, o
foco deste sistema e suas regras é permitir que histórias sejam contadas, de forma
prática, rápida e engajada.7
ReOps / Terras de Shiang (Léo Andrade): é um sistema genérico brasileiro,
permitindo a adaptação de qualquer cenário em suas regras, possibilitando a criação de
uma gama infinita de histórias com base em suas guias.8
Storium.com: é uma plataforma online criada recentemente e apoiada por
diversos escritores em todo o mundo, específica para a criação de histórias interativas
em grupo (cultura participativa).9
Para fins dessa pesquisa, criou-se um framework baseado no sistema Storyteller,
cujo foco específico é a criação de Transmedia Storytelling:
Os passos a serem seguidos são:
1. Construção de Cenário
2. Definição do tema e clima (mood)

7 http://www.theonyxpath.com
8
http://www.terrasdeshiang.com
9
http://www.storium.com
3. Definição das características e pontuação das mesmas
4. Definição do Contexto
Os personagens devem ser construídos utilizando-se de 2 métricas com uma
escala de 1 a 5: Atributos (físico, social e mental) e habilidades (como dançar,
conversar, ler, etc).
As escalas possuem o significado conforme abaixo:
1: Fraco
2: Normal
3: Bom
4: Muito bom
5: Excepcional
O objetivo de se utilizar o framework e estas escalas está em parametrizar o
comportamento dos personagens, a fim de que os mesmos tenham consistência e
contexto dentro das histórias, traçando limites até os quais é possível chegar e limiares
de onde não é possível ultrapassar, de acordo com as escalas.
Isso mantém a consistência do cenário e dos personagens, independente da
mídia a qual estejam inseridos, trazendo a narrativa transmídia contexto e coerência.
Foram realizadas oficinas testando este framework, com jogadores de RPG e
não jogadores. No entanto, ainda busca-se aprofundar as pesquisas e testes na utilização
deste framework, de forma a refiná-lo como uma ferramenta para a criação de
transmedia storytelling.

5. Conclusão

Através desta pesquisa, chegou-se à conclusão que Storytelling é a arte de se


contar histórias. O RPG é uma forma, ou seja, uma técnica para se contar histórias
interativas e participativas. Transmedia é distribuir uma história que tenha um contexto
e complemente-se por diversas mídias. Logo, Transmedia Storytelling (enquanto
técnica para se contar histórias com contexto por diversas mídias, a fim de se obter um
engajamento e aproximação com o público alvo), pode-se utilizar do RPG enquanto
ferramenta ou framework para realizar seus processos.
É comum em campanhas de marketing a utilização errônea dos conceitos de
transmedia storytelling, com a criação de personagens descontextualizados e histórias
desconexas distribuídas por diversas mídias, cujo enredo e proposta original acabam se
perdendo no emaranhado criado por essa difusão.
Este artigo demonstra então como o RPG é uma ferramenta capaz de unificar e
ser um guia para a criação das histórias com contexto, personagens inseridos e
interconectados nas mídias, a fim de produzir transmídia de qualidade que agregará
valor à marca em questão.

Referências Bibliográficas

ANDRADE, Leonardo A., SANTOS, Tiago E. dos, GONÇALVES, Diogo Augusto.


Implicações Transmidiáticas do uso do RPG e do Wargame como ferramenta de
apoio à Vastas Narrativas de Fantasia Medieval. Revista GEMInIS, v. 02, p.103-134,
2011.

ANDRADE, Leonardo A. Terras de Shiang. 1ª Edição, 2011.

ARNESON, D.; GYGAX, G. Dungeons & Dragons. Primeira Edição. TSR, 1974.

BRUNER, Jerome. Making Stories: Law, Literature, Life. Harvard University Press,
2003.

CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces. Editora Pensamento, 2004.

HARRIGAN, Pat & WARDRIP-FRUIN, Noah. Third Person – Authoring and


Exploring Vast Narratives. The MIT Press, 2009.

JENKINS, Henry. Convergence Culture: Where Old and New Media Collide. NYU
Press, 2008.

JENKINS, Henry. Transmedia 202: Further Reflections. Disponível em: <


http://henryjenkins.org/2011/08/defining_transmedia_further_re.html> . Acesso em
14/02/2014.

REIN.HAGEN, M. et al. Vampiro, a Máscara. São Paulo: Devir, 1994.

JOHNSON, Derek. Media Franchising: Creative License and Collaboration in the


Culture Industries (Postmilleninial Pop). NYU Press, 2013.
PHILLIPS, Andrea. A Creator’s Guide to Transmedia Storytelling: How to
Captivate and Engage Audiences Across Multiple Platforms. McGraw-Hill, 2012.

PREECE, J.; ROGERS, Y. SHARP, H. Design de Interação: além da interação


humano-computador. Bookman, 2005.

SCARTOZZONI, Bruno. Storytelling e Transmídia: Afinal o que é?


<http://www.caldinas.com.br/2011/03/storytelling-e-transmidia-afinal-o-que.html>
Acesso em 14/02/2014.

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