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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA

Fabiana Gaspar Gomes

A meditação como recurso no trabalho com a dependência química:


uma experiência no Instituto Psiquiátrico Philippe Pinel

Orientadora: Professora Denise Maurano

Niterói, 2012
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA

Fabiana Gaspar Gomes

A meditação como recurso no trabalho com a dependência química:


uma experiência no Instituto Psiquiátrico Philippe Pinel

Monografia de final de curso apresentada ao Programa de Pós-Graduação Latu


Senso em Antropologia e Desenvolvimento Cognitivo (420 horas) da
Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do
Grau de Especialização.

Niterói

2012
Dedico este trabalho a meu pai, Benjamim Gaspar Gomes, que me ensinou a
amar a filosofia e a poesia, e a minha mãe, Edmary Oliveira Valadares, que
me inspirou a amar os livros, os sábios e os “demasiadamente humanos”. Ao
meu irmão e às minhas irmãs, parceiros de aprendizados valiosos nessa
existência.

A todos os mestres especiais e amigos que contribuíram para a minha


formação.
AGRADECIMENTOS

Ao Dr. Marcos Micelli, por todo o apoio neste trabalho, pela inspiração e
pela amizade “filosófica”.

Ao João Paulo Fernandes Nery Rafael, pela parceria na caminhada espiritual


e pelos insights que tornaram esta pesquisa possível.

Á minha orientadora, Denise Maurano, por todo o apoio, pela precisão, pela
paciência generosa e pela confiança nessa trajetória.

Ao Nestor Cortes, pela leitura atenta, pelo acompanhamento e pelas


orientações valiosas.

À Fundação Roberto Marinho, pela oportunidade de realizar essa etapa


acadêmica e por ser uma casa-escola, onde se aprende e se ensina.
RESUMO

A pesquisa pretendeu analisar a intervenção de um Programa de Redução de Estresse com Base na


Plena Atenção (Prepa), seguindo o método modelado por iJohn Kabat-Zinn, que usa como recurso
principal a meditação, em um grupo de voluntários que convivem com a dependência química e que
estão em tratamento no Instituto Psiquiátrico Philippe Pinel, no Rio de Janeiro. O programa é
composto de encontros em formato de um curso que dura oito semanas e que integra práticas de
meditação, yoga, respiração e mindfullness (atenção plena) nas sensações, percepções, ações e
reações, que visam mobilizar nos participantes a capacidade de estarem plenamente atentos aos seus
processos e fenômenos físicos e mentais, nas inter-relações no cotidiano de suas vidas.

PALAVRAS-CHAVE

Estresse, meditação, yoga, dependência química, recuperação, psiquismo.


SÍMBOLOS, ABREVIATURAS, SIGLAS E CONVENÇÕES

ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas

PREPA Programa de Redução de Estresse com Base na Plena Atenção

MBSR Minfullness-Based Stress Reduction Program

MN Majjhima Nikaya (Conjunto de discursos médios de Sidarta Gautama, o Buddha)


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

a) Um percurso

b) Origem das Técnicas de Meditação e Yoga

CAPÍTULO 1 - JUSTIFICATIVA

1.a) A contemporaneidade e o consumo de drogas

2.b) Ocidente e Oriente: um diálogo a ser explorado no campo das ciências

2.c) Um programa de que nasce da interdisciplinaridade

CAPÍTULO 3 - PROPOSTA DE TRABALHO

CAPÍTULO 4 - OBJETIVOS

CAPÍTULO 5 - POPULAÇÃO ATENDIDA

CAPÍTULO 6 - METODOLOGIA

6.a) A escolha do método

CAPÍTULO 6 – METODOLOGIA DA PESQUISA

6.a) Um setting-base para um “olhar” atento

6.b) Experimentação e discussões em grupo

6.d) Mudanças de rota: onde começa a construção do conhecimento

6.e) Aplicação de questionários e atividades

6.f) Relatos escritos pelos participantes

6.g) Grupo focal

6.h) Confidencialidade
CAPÍTULO 7 – PLANO DE TRABALHO

7.a) A programação dos encontros

7.b) Materiais e atividades semanais

7.c) Minirretiro: prática intensiva de plena atenção

CAPÍTULO 8 - CRONOGRAMA

CAPÍTULO 9 - CORPO/RESULTADOS

9.a) Dados quantitativos

9.b) Demandas, expectativas e nível de bem-estar do grupo

CAPÍTULO 10 - CONEXÃO E TRANSFERÊNCIA

10.a) Algumas conexões

10.b) Percebendo a impermanência

10.c) Da fuga e do ataque para a aceitação

10.d) Atenção às sensações do corpo: estando presente no aqui, agora

10.e) Estado de abertura, curiosidade e maior subjetividade: percepção de processos mentais

10.f) Plena atenção, abertura e associação livre: um estado de não julgar nem constranger

10.g) Aceitar fragilidades e recuperar o “eu”

CAPÍTULO 11 - CONCLUSÕES

11.a) Em relação aos objetivos

11.b) Indo além: outras percepções e possibilidades

12 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

13 – ANEXOS

ANEXO 1 – CARTA CONVITE


ANEXO 2 – QUESTIONÁRIO DE PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO

ANEXO – 3 – QUESTIONÁRIO DE REAÇÃO

ANEXO 4 – RELATOS NA ÍNTEGRA


INTRODUÇÃO

a) Um percurso

Minhas reflexões sobre as possibilidades de compreensão do mundo a partir de experiências


transformativas, que possibilitassem a sensibilização e a abertura para novos olhares sobre si mesmo e
sobre o outro tiveram início muito cedo na minha formação, em grande parte pela influência de meus
pais, que atuaram nas áreas de psicologia e psiquiatria, além de terem estudado filosofia. Ambos me
inspiraram desde cedo e estimularam minha curiosidade no debate sobre a complexidade das relações
humanas, as origens do conflito, as blindagens cognitivas, a loucura e a incapacidade de lidar com a
realidade, a importância da socialização e do cultivo das virtudes e o encantamento pelo
desconhecido.

Pelas conversas na mesa de jantar sobre Fernando Pessoa, a tragédia de Édipo Rei, as visitas
ao hospital psiquiátrico onde meu pai trabalhava, as poesias que tinham que ser decoradas e as frases
em latim, que na época eram pouco compreensíveis, fui sendo convidada a me questionar sobre o
sentido da dor, sobre o que faz do humano verdadeiramente humano, sobre a perda da liberdade, a
percepção da incompletude, da crueldade, do desejo e da loucura e seus impactos na relação do
sujeito, consigo e com o mundo. Seguindo este rumo, escolhi estudar as relações humanas por meio
da comunicação social e, posteriormente, por outros olhares, como por meio da mediação de conflito
e das teorias de aprendizagem e desenvolvimento cognitivo, com um interesse cada vez maior pela
psicologia, neurociência, antropologia e meditação.

Sob o encantamento de autores como Paulo Freire, Cesar Benjamim, Gramsci e Brecht, fui
apresentada, no fim da década de 90, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), ao
movimento “Fome de Educação”, que se baseava em uma estrutura não hierárquica de intervenções, a
partir de performances poéticas e de manifesto em espaços públicos, com o objetivo de chamar a
atenção e estimular a reflexão do público em geral e da mídia. Algo semelhante aos flashmobs,
mobilizações que acontecem hoje em espaços coletivos, marcadas, em geral, pelo uso das redes
sociais, que naquela época limitavam-se aos encontros presenciais e a ferramentas como celulares,
murais, fanzines e e-mails.

Nesta etapa, a aparentemente despretensiosa leitura de “Zen em quadrinhos” surgiu como um


divisor de águas que me arrebatou pelo humor, profundidade, conteúdo e enigma das histórias Zen.
Todas as escolhas que se apresentavam na minha vida estavam ali. Incluindo a dor de ter familiares
vivendo, naquele momento, o processo de recuperação da dependência química. Após o livro, a
mesma colega com quem compartilhei a descoberta do Zen e a participação em movimentos sociais
levou-me à Sociedade Budista do Brasil, entidade fundada em 1972, em Santa Teresa, no Rio de
Janeiro, onde iniciei meus estudos na filosofia budista. Lá, tive contato com leituras de textos
canônicos, obras de monges e autores leigos, psicólogos, psicanalistas e filósofos que contribuíram
para a aproximação de dois mundos que antes, para mim, eram cindidos: o estudo dos processos da
mente, dos conflitos e da loucura pela psicologia ocidental e o olhar da psicologia budista.

Dos retiros de meditação, nasceu meu interesse pela prática do yoga, que se aprofundou numa
formação intensiva de instrutores de hatha yoga de que participei em 2009 em um ashram, o
Sivananda Yoga Vedanta Center (centro de estudos e práticas religiosas ligadas ao Vedanta, ramo da
tradição hinduísta), no Canadá. Hoje, ensino yoga voluntariamente como uma prática de plena
atenção em movimento, conectada com exercícios de respiração e meditação, na Sociedade Budista
do Brasil, onde fui presidente de 2006 a 2010.

Dando continuidade à busca de campos comuns entre a psicologia, a educação e a meditação,


em agosto de 2012 realizei um Curso Intensivo de Introducción a Mindfulness para Profesionales de
la Salud Mental, em Buenos Aires, na Sociedade Mindfullness y Salud, com Maria Noél Anchorena,
psicoterapeuta e aluna-residente de Jon Kabat-Zinn, americano, criador do Programa de Redução de
Estresse com base na plena atenção no hospital de Massachusetts. O curso abordou a teoria e a prática
de Mindfullness, termo usado em inglês para consciência plena, presença mental, mente plena ou
quaisquer um dos termos usados hoje para definir a “capacidade de prestar atenção de forma
intencional no momento presente, sem julgar” (KABAT-ZINN, 1990).

Pela forte ênfase na prática dos participantes e na integração deste método na prática clínica, o
curso me fez refletir sobre algumas associações que me pareceram possíveis entre a psicanálise e a
meditação que antes, por experiência própria como analisanda, eu não era capaz de enxergar. Percebi
aí um cruzamento interdisciplinar interessante que, ao meu ver, dialogava com o pensamento de
Morin, Varela, Maturana, entre outros autores inspiradores discutidos no curso de Antropologia que
fomentou essa pesquisa.

Neste momento, surgiu o convite de oferecer yoga e meditação no hospital Philippe Pinel, no
Rio de Janeiro, por intermédio do Dr. Marcos Micelli, psiquiatra, especialista em dependência
química, praticante de artes marciais orientais, coordenador de atividades como Tai Chi Chuan e
cultivo de Bonsai (técnica oriental de cultivo de árvores em miniatura) no hospital e interessado no
tema. A proposta que ofereci foi a de implementar uma edição do Programa de Redução de Estresse
com Base na plena atenção, o Prepa, que funcionasse como projeto-piloto para um possível
desenvolvimento do trabalho nesse hospital. O mesmo foi oferecido a um grupo de pacientes
relacionados ao tratamento da dependência química, tanto adictos quanto familiares destes.
b) Origem das Técnicas de Meditação e Yoga

As técnicas de meditação, com base na plena atenção e concentração, e a prática da yoga


foram desenvolvidas e ensinadas há mais de 5 mil anos pelas civilizações da Índia, particularmente no
contexto de treinamento espiritual do hinduísmo e do budismo. A partir de 1950, os métodos do yoga1
começaram a ser estudados mais profundamente por pesquisadores ocidentais e, recentemente,
passaram a integrar o tratamento terapêutico em instituições de saúde e qualidade de vida em países
da Europa e nas Américas.

Em “Neurofisiologia da Meditação”, Danucalov e Simões resumem as diferentes vertentes da


meditação e explicam que esta prática poderia ser tomada como um sinônimo do termo Yoga, que
significa em sânscrito “união”, e que pode ser interpretada como união entre mente e corpo, a união
do ser com o universal que quebra toda a visão de separatividade, como aborda a filosofia da yoga,
liberando-nos da ilusão de conceitos de tempo, espaço e identidade separados. Podemos considerar a
meditação uma prática intrínseca à filosofia yóguica, mas que está presente em diversos outros
sistemas filosóficos e religiões, como o cristianismo, na forma da meditação hesicasta. Para Mircea
Eliade, além do significado de união, “o vocábulo yoga serve em geral para designar toda a técnica de
ascese e todo método de meditação.” (ELIADE, 1996, p.20)

“De todas as definições que revestem a palavra yoga na literatura indiana, a mais precisa é a que se
liga à ‘filosofia’ Yoga (yoga-darsána) tal como é exposta, sobretudo no tratado de Patañjali, Yoga-
sutra, assim como seus comentários. Um darsána não é evidentemente um sistema filosófico no
sentido ocidental (darsána = vista, compreensão, ponto de vista, doutrina etc., da raiz drs = ver,
contemplar, compreender etc.) Não obstante, não deixa de ser um sistema de afirmações coerentes,
ligado à experiência humana – que se esforça por interpretar em seu conjunto -, tendo como objetivo
‘libertar o homem da ignorância’ (sejam quais forem as acepções do termo ignorância).” (ELIADE,
1996, p.21)

1
segundo a Wikipedia, em sua definição sobre o termo Ioga (verbete de EMAUSBOT e
outros, 2012).
Existem dezenas de linhas diferentes de yoga sendo praticadas atualmente em todo o mundo, o
que demonstra a possibilidade de diversos caminhos para alcançar o que na yoga denomina-se
Samadhi, Moksha ou Iluminação da Consciência. As escolas mais antigas utilizam-se de métodos
estritamente técnicos, e as escolas mais modernas relacionam as posturas a conceitos e conteúdos
ligados ao espiritualismo, fruto da difusão da filosofia do Vedanta na época medieval.

Não são conhecidos registros históricos exatos do surgimento da filosofia da yoga, mas sabe-
se que suas práticas têm origens há mais de 5 mil anos. Evidências arqueológicas mais antigas são
esculturas em rocha de posturas de yoga datadas de 3 mil a.C., encontradas na Índia. O termo yoga foi
citado pela primeira vez na vasta coleção dos Vedas (Veda, em sânscrito, significa “conhecer”), que
formam a base do extenso sistema de escrituras sagradas do da filosofia hindu, datada de cerca de
1.500 a.C., escrita em sânscrito, e que representa a mais antiga obra literária de língua indo-europeia.
A menção mais clara das técnicas e conceitos ensinados no yoga aparece por volta do século 6º a.C.
em um dos dois poemas épicos mais conhecidos da tradição hindu: o Ramayana e o Mahabharata, que
contém o Bhagavad Gita, talvez a mais conhecida das escrituras yóguicas. Nela, Gita, deus, encarna
no deus Krishna e ensina ao guerreiro Arjuna a arte da yoga, especificamente como atingir a liberação
através da realização de seu dever ou missão no mundo (Dharma).

A partir da sistematização dos Sutras (sutras, discursos ou costura em sânscrito) de Patanjali, houve
uma disseminação crescente da yoga conforme é praticada hoje. Na tradução de Carlos Eduardo
Barbosa (BARBOSA,1999, p.13), vemos que não há uma garantia sobre a data precisa, mas o estilo
da versão atual indica que ela deve ser um resumo de debates entre filósofos e praticantes do yoga
ocorridos durante alguns séculos e que foi editado durante a dinastia Gupta, entre os séculos 3º e 5º
d.C. Seu conteúdo, porém, leva a crer que foi escrita no século 4º a.C., quando o Budismo estava em
seus primórdios. Seus ensinamentos básicos estão apoiados nos Vedas e, por isso, a yoga é
considerada um dos seis sistemas filosóficos que compõem o que Barbosa considera “a ortodoxia
filosófica da Índia” (BARBOSA, 1999, p.14).

Mas a partir de 2500 a.C., com o advento dos ensinamentos de Sidarta Gautama na região
entre a Índia e o Tibete, uma outra abordagem para a meditação foi desenvolvida e disseminada,
rompendo com alguns princípios da filosofia hinduísta, como a existência de um eu superior e a visão
de uma entidade divina universal. Foram definidos novos conceitos inspirados nos ensinamentos
hinduístas, mas diferentes em muitos aspectos e que passaram a integrar o cânone páli, escrituras
antigas nas quais se baseia o Budismo Theravada e as quais muitas outras tradições do budismo
respeitam e valorizam.

Essas escrituras compõem os chamados Sutta Pitaka (Cesto de Discursos atribuídos ao Buddha e aos
seus principais discípulos), que fazem parte do segundo dos três livros principais (pitakas, “cestos”,
na língua páli) que são conhecidos como Tipitaka (Três cestos) ou Cânone Páli. Nessa grande coleção
escrituras budistas, o Sutta Pitaka (Cesto dos Discursos) se divide em cinco nikayas (coleções) de
suttas: Digha Nikaya (dīghanikāya), os discursos longos; Majjhima Nikaya, os discursos de extensão
média; Samyutta Nikaya (saṃyutta-), os discursos conectados; Anguttara Nikaya (aṅguttara-), os
discursos numéricos, ou seja, aqueles que citam listas e agrupamentos usando numerais, maneira
tradicional de ensinamento oral do Buddha, e o Khuddaka Nikaya, a "coleção menor".

Estas escrituras, consolidadas após cerca de 300 anos do falecimento do Buddha, são datadas de cerca
de 2200 a.C. e são a grande fonte documental de pesquisas e estudos sobre a psicologia, a filosofia e a
metafísica budistas. Conceitos como impermanência, insatisfatoriedade, não eu, desapego,
desenvolvimento de virtudes, lei da causa-efeito e as Quatro Nobres Verdades – que explicam a
existência, as causas, a possibilidade de extinção e o caminho para a extinção do sofrimento – são
alguns dos principais ensinamentos dessa filosofia ou psicologia, como muitos preferem chamar.
(BEISERT, 2012).

O Programa de Redução de Estresse com Base na Plena Atenção é articulado a partir dos
fundamentos da meditação budista, porém, não usa qualquer referência a suttas, cânticos, imagens ou
textos relacionados ao budismo. Os conceitos e princípios trabalhados são completamente interligados
à psicologia budista no que tange à forma como se desenvolve e conceitua aceitação, compaixão,
compreensão dos processos e padrões mentais, percepção dos padrões de fuga-ataque, e valoriza
como recurso o cultivo de mindfullness, termo usado por Jonh Kabat-Zinn para denominar plena
atenção, sati, em páli, seja com o corpo em movimento, a partir de exercícios corporais de yoga, seja
no escaneio corporal deitado com atenção às sensações, seja na meditação sentado, de pé, andando,
com foco na respiração (método Samatha, ensinado pelo Buddha) ou na compreensão da
impermanência a partir da observação das sensações físicas surgindo e mudando, momento a
momento (método Vipassana).

Parece interessante incrementar tal recurso dentro do esquema de tratamento da dependência


química. A dependência química é um problema que vem se manifestando vertiginosamente na
contemporaneidade sem que nenhum método proposto até agora tenha se colocado como decisivo no
seu tratamento, o que justifica o presente trabalho.

No capítulo a seguir, abordarei questões relacionadas a este contexto, o cenário que envolve o
fenômeno do consumo de drogas e dependência química e o que motiva o interesse por esta pesquisa,
além do processo de entrada no campo, suas alteridades, conflitos e negociações.
CAPÍTULO 1 - JUSTIFICATIVA

1.a) A contemporaneidade e o consumo de drogas

“Negar o indivíduo como singularidade subjetivamente constituída é ignorar a complexidade da


subjetividade...” (REY, 2005, p.37)

A contemporaneidade nos revela a cada dia novos desafios para a coexistência e a


sustentabilidade num mundo cada vez mais fluido, incerto e complexo. Nas palavras de Bauman, a
metáfora da liquidez é utilizada para explicar este sentido da pós-modernidade. Uma era de crise das
ideologias estáveis e sólidas, típicas da modernidade, e que produziu uma perspectiva cultural de
fluidez, de mundo líquido, caracterizando incerteza, efemeridade e movimento.

Os líquidos, diferentemente dos sólidos, não mantêm sua forma com facilidade [...] Enquanto os
sólidos têm dimensões especiais claras, mas neutralizam o impacto e, portanto, diminuem a
significação do tempo (resistem efetivamente ao seu fluxo ou tornam irrelevante), os fluidos não
se atém muito a qualquer forma e estão constantemente prontos (e propensos) a mudá-la.
(BAUMAN, 2005a, p.8).

Na cultura elaborada na pós-modernidade, tudo flui, diferentemente do período onde as ideologias,


regras, relacionamentos e visões de mundo eram feitas para durar. O que era certo pela manhã pode
não ser ao cair da tarde. E o advento das redes de informação tecnológica incrementa o potencial da
inovação, da mudança e da comunicação em meio a toda essa efemeridade. Mas os aparatos
tecnológicos, novos sistemas e arranjos não nos protegem da passagem de uma vida segura para o
paradigma da precariedade.

“A vida líquida é uma vida precária, vivida em condições de incerteza constante.” (BAUMAN, 2005b,
p.8). Se a modernidade oferecia um leque de ideologias fortes, que produziam uma segurança
existencial nas pessoas que nelas confiavam, neste mundo líquido não é possível contar com tantas
certezas e sistemas de ideias duradouros e estáveis.

A precariedade torna-se não só dado cultural, mas, sobretudo, social, já que não foram apenas
ideologias que se dissolveram, mas formas de relacionar-se, costumes, modas, rituais.
Nesse sentido, Campell aborda a força de um sistema chamado por Bauman de parasitário, e a
dificuldade que se coloca à humanidade de encontrar meios de se relacionar com seu projeto de vida
nesta nova realidade que se impõe e que é construída pelas próprias sociedades:

O sistema vai conseguir achatá-lo, ou você conseguirá utilizar-se dele para atingir
seus propósitos humanos? Como se relacionar com o sistema de modo a não o ficar
servindo compulsivamente? O que é preciso é aprender a viver no tempo que nos
coube viver, como verdadeiros seres humanos. (CAMPBELL, 2004, p. 17)

Para resgatar a ideia de conjunto, de um saber que dê conta deste universo cada vez mais complexo e
onde, apesar das conexões, a solidão e o desamparo são marcas irrevogáveis, é preciso investir em
meios de discutir, repensar e propor novas soluções integradas para os problemas deste mundo.

Para Campbell (2004), a perda da possibilidade destas discussões, devido ao pragmatismo da


sociedade industrial e pós-industrial, gerou à humanidade a perda efetiva de algo que não pôde ser
substituído. Abordar grandes temas de forma que possamos romper barreiras e não analisar
fenômenos em abordagens isoladas seria o caminho para desvendar comportamentos e atitudes
humanas, com o saber transdisciplinar da cultura, da psicologia, da sociologia e da antropologia, que
hoje ainda permanecem desconectadas.

Neste contexto, nos voltamos para o que os organismos que têm como missão pensar de forma
conjunta e estabelecer estratégias no campo da política internacional estão estabelecendo como
prioridades e vemos a ONU, em suas metas do milênio, criadas em 2000, colocar o desafio no
combate a epidemias e doenças, focando principalmente no HIV, que a cada dia infecta 6.800 pessoas,
além da tuberculose, da malária, entre outras. E vemos a preocupação crescente, em todo o mundo,
com a progressão do uso de drogas e a epidemia da dependência química, que é um dos fatores
resultantes e causadores de a economia das drogas ser uma das mais bem-sucedidas do mundo
(Relatório Mundial sobre Drogas, ONU, 212).

Em 2010, de 230 milhões de pessoas, uma em cada 20 pessoas havia consumido alguma droga ilícita
pelo menos uma vez. Cerca de 27 milhões, ou 0.6% da população adulta mundial, ou uma em cada
200 pessoas, é usuária problemática de drogas, em sua maioria dependentes de heroína e cocaína.

“O abuso de drogas e o tráfico de ilícitos continuam tendo um impacto profundamente


negativo para o desenvolvimento e a estabilidade em todo o mundo. Os bilhões de dólares
gerados pelas drogas ilícitas alimentam atividades terroristas e estimulam outros crimes,
como o tráfico de seres humanos e o contrabando de armas e pessoas. As drogas ilícitas e
as redes criminosas relacionadas enfraquecem o Estado de Direito”, afirmou
o  Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, em mensagem divulgada no lançamento do
Relatório, em 2012.
No Brasil, a problemática da dependência química ganha cada vez mais destaque na mídia
com o crescente uso do crack e seus derivados e os impactos para todo o sistema social e econômico,
além dos custos sociais que essa epidemia gera. Aumento da violência, desemprego, demanda de mais
centros de recuperação, problemas de aprendizagem nas escolas, custos de produção com faltas e
desagregação familiar são alguns dos fatores presentes na dinâmica do problema.

O fato de a aderência ao tratamento ser de cerca de 20% ou menos complica ainda mais o
cenário. Na discussão, hipóteses de soluções integradas favorecendo o aumento e a melhoria do
acesso à porta de entrada no tratamento (clínicas com programa 12 passos) e continuidade (grupos de
ajuda nas comunidades e atendimento da assistência social) são alguns deles.

Diversificar as opções de atendimento por meio da criação de equipamentos intermediários ao


ambulatório e à internação, tais como moradias assistidas e hospitais-dia (e noite) e integrar melhor a
rede existente, os grupos de autoajuda e as comunidades terapêuticas são alguns dos pontos da pauta
de discussão.

Esse é um exemplo de um problema sistêmico, que nossa estrutura de pensamento não


consegue resolver com base em saberes fragmentados e ações políticas isoladas. Como propõe Morin
(1990, p. 147), é preciso usar o pensamento complexo e transdisciplinar e agir em rede, uma vez que
o fenômeno precisa ser analisado na sua multiplicidade de interfaces.

A realidade social que nos circunda é algo complexo, e os princípios cognitivos da teoria da
complexidade possibilitam uma adequada percepção e compreensão dessa realidade.

Assim como a realidade social, a realidade desta mente e corpo não pode ser apreendida de
forma isolacionista, segmentada. Para Kabat-Zinn, com base na tradição oriental antiga, mente e
corpo são um sistema que funciona em interdependência, e qualquer olhar para ele demanda a
obrigação de partir desse pressuposto e ser coerente com ele.

Para Zabat-Zinn2 (1990), em tradução livre,

2
Cuerpo y mente son una unidad indisoluble. Todo lo que sucede en el cuerpo afecta a
la mente, y viceversa. En realidad funcionan el unísono. Todo aquello que hagamos
“Corpo e mente são uma unidade indissolúvel. Tudo o que acontece no corpo afeta a mente e vice-
versa. Na verdade, ambos funcionam em uníssono. Tudo o que fazemos para manter a
conscientização em nossa saúde e aptidão física se reverte necessariamente em nosso equilíbrio
emocional e psicológico. A dissociação entre corpo e mente, o arquétipo da era moderna, tem
contribuído para que muitos de nós vivamos como se nossos corpos fossem roupas penduradas em
um cabide, e como se nossa mente e emoções corressem em alta velocidade, indo muito mais
rápido do que nosso corpo.”

(MEYRIALLE, Cristina. El Estrés, la Enfermedad del 2000. Em <


http://www.psitranspersonal.com.ar/estres.htm > Acesso em 20 de novembro de
2012)

Percebemos assim o modelo cartesiano – baseado no racionalismo de René Descartes, que


defendia que a dúvida era o primeiro passo para se chegar ao conhecimento – como um sistema
simplificador ao extremo para uma leitura mais profunda da realidade, pois, ao produzir um
pensamento redutivo e disjuntivo, não é capaz de contemplar a complexidade do real; o pensamento
complexo, por sua vez, pode produzir um conhecimento pertinente por conseguir integrar, religar,
fazer comunicar as instâncias e esferas separadas do conhecimento (MARTINAZZO, 2010).

Morin, em sua construção sobre o pensamento complexo, nos questiona:

“sendo todas as coisas ajudadas e ajudantes, causadas e causantes, estando tudo


ligado por um laço natural e invisível, considero impossível conhecer as partes sem
conhecer o todo, como também considero impossível conhecer o todo sem conhecer
particularmente as partes.” (Morin, 1990 p.148)

Nesta perspectiva, investigaremos a experiência focando nos objetivos propostos e usando


alguns dos princípios da teoria da complexidade para a construção de conhecimentos pertinentes a
estes campos do conhecimento – Psicologia, Psicanálise, Meditação, Budismo, Mindfulness e
Antropologia.

para prestar conciencia a nuestra salud y el buen estado físico revierte necesariamente
en nuestro equilibro emocional y psicológico.  La disociación entre cuerpo y mente,
arquetipo de la era moderna, ha hecho que muchos de nosotros vivamos como si
nuestro cuerpo fuera un ropaje que llevamos colgando de una percha, mientras que
nuestra mente y sus emociones funcionando a gran velocidad, parecen ir mucho mas
adelante que aquél.
2.b) Ocidente e Oriente: um diálogo a ser explorado no campo das ciências

No artigo “Lacan e a arte zen do psicanalista: uma leitura de abertura e primeiro capítulo do
Seminário I”, André Camargo Costa faz um belo trabalho em que aborda corajosamente psicanálise e
budismo, explorando as motivações e pontos de interesse de Lacan, que abre seu seminário com uma
história zen e navega por pontos importantes de conexão da psicanálise com esta antiga tradição
religiosa oriental, presenteando-nos com saborosas surpresas. O encanto de Lacan com a enigmática
técnica zen, que usa de piadas e “gestos” que buscam romper padrões de pensamento que geram
insights e novas compreensões ao discípulo-interlocutor, e sua identificação como psicanalista com o
ofício do mestre zen é a hipótese ricamente ilustrada por ele.

Este exercício de transdisciplinaridade, a partir do olhar maduro e inovador do autor, foi capaz
de tecer uma costura que revela interpenetrações e olhares tanto opostos como convergentes, além de
conexões e complementariedades em temas como associação livre, transferência, a noção do eu, o
progresso da análise e a ética que lhe é pertinente.

Entre estranhamentos e diferenças no olhar para o que vem do oriente, Mircea Eliade faz
importantes contribuições para uma reflexão mais profunda sobre este debate no prefácio de Yoga,
Imortalidade e Liberdade. Como um apaixonado pela contínua descoberta e interpretação da Índia
pela consciência europeia, no que ele denomina de “indianismo europeu”, ele afirma que “a análise de
uma cultura estrangeira revela, sobretudo, aquilo que se busca ou que já se está preparado para
descobrir”. (ELIADE, 1996, p.9). Para ele, a compreensão da filologia e a posse de dicionários e
instrumentos de trabalho ajudam, apesar de não esgotarem, o entendimento do objeto de estudo,
principalmente no que tange às filosofias orientais. Mas para uma compreensão mais profunda da
episteme oriental, é necessário bem mais que recursos intelectuais e ferramentas de pesquisa.

“Quando abordamos uma espiritualidade exótica, compreendemos sobretudo aquilo que


estamos predispostos a compreender por nossa própria vocação, por nossa própria orientação
cultural e por aquela do momento histórico ao qual pertencemos. Esse truísmo tem uma
aplicação generalizada: a imagem que se criou das “sociedades inferiores” no século XIX
derivou, em grande parte, da atitude positivista, anti-religiosa e não metafísica de alguns
excelentes exploradores e etnólogos, que abordaram os “selvagens” com a ideologia de um
contemporâneo de Augusto Comte, Darwin ou Herbert Spencer.” (ELIADE, 1996, p.10)
A busca do pensamento europeu pelo entendimento de uma cultura “estranha” a si
mesmo, como a indiana, não esteve livre de dificuldades que exigiram, além do
desenvolvimento de instrumentos específicos de estudo e trabalho, a seleção de alguns
aspectos da espiritualidade indiana que pudessem ser mais permeáveis à ideologia europeia,
porém, repetidamente vistos como um conjunto de crenças, mitos e valores inferiores,
exóticos, ingênuos e infantilizados.

“Assim, entre os ‘primitivos’, descobria-se de forma ingênua o fetichismo e o infantilismo


religioso porque não se era capaz de ver ali outra coisa. Foram necessários o progresso do
pensamento metafísico europeu no começo deste século, o renascimento religioso, as inúmeras
conquistas da psicologia profunda, da poesia, da microfísica, para se chegar a compreender o
horizonte espiritual dos ‘primitivos’, a estrutura de seus símbolos, a função de seus mitos, a
maturidade de sua mística.” (ELIADE, 1996, p.10)

Assim, em meio a recortes, escolhas e interpretações baseadas na mitologia naturalista


e nos modismos culturais, foi-se desenvolvendo, no início do século 20, a sociologia e a
antropologia cultural, respondendo, inicialmente, às problemáticas inerentes à própria cultura
europeia.

Esse olhar pode nos ajudar a refletir sobre como a psicanálise e a psicologia ocidental podem
interpretar ou dialogar com métodos e práticas contemplativas baseadas na filosofia do Oriente, como
a meditação e a yoga, e em como o percurso de pensadores como Freud, Lacan, Jung e outros, que de
alguma forma se relacionaram com este pensamento, influenciam o interesse aparentemente crescente
da psicologia moderna nestes recursos e em diferentes abordagens. Em seguida, abordarei o
nascimento do Programa de Redução de Estresse com Base na Plena Atenção e seus fundamentos e
campos do conhecimento que contacta.

2.c) Um programa de que nasce da interdisciplinaridade


Os programas de mindfulness nasceram a partir de encontros que se deram com a criação do
Mind and Life Institute. Desde a década de 1970, quando os encontros passaram a ser oferecidos no
Hospital de Massachussets, não pararam de se expandir por todos os EUA e pelo mundo. Hoje, essas
práticas, já sedimentadas na Europa e Américas, começam a chegar ao ambiente científico e
terapêutico na América do Sul.

Os programas de MBSR nunca omitiram o fato de terem sua origem nas tradições budistas,
porém, sempre se preocuparam em não enfatizar essa relação, que poderia ser potencialmente sectária
ou sectarizante. Ao contrário, inspirado pela visão de mundo do Dalai Lama, Jon Kabat-Zinn
preocupou-se em captar o aspecto universal dessa prática milenar e em compartilhar o que poderia ser
benéfico e útil para todo ser humano que tivesse genuíno interesse em diminuir seu sofrimento e a
aprender uma nova maneira de gerenciar seu próprio estresse (físico e psicológico).

Nesse espírito nasceram os primeiros programas de mindfulness. Ao que parece, eles continuam
universais, e a escolha de torná-los separados de visões de mundo necessariamente religiosas parece
ser uma escolha benéfica e que possibilita a maior inclusão.

O hospital Phillipe Pinel é reconhecido nacionalmente como instituição de referência no sistema


público de saúde no tratamento da dependência química, dispondo de internação de emergência,
ambulatório, hospital-dia e atividades de terapia ocupacional diferenciadas, como a prática de
jardinagem e o cultivo de bonsai (técnica japonesa de jardinagem), artes marciais orientais como Tai
Chi Chuan e Liang Kong, além de atividades lúdicas e integrativas, como a Rádio Pinel e o grupo de
teatro, que recentemente deixou de existir.

Recentemente, instituições psiquiátricas como o hospital vêm experimentando soluções


alternativas à internação, buscando a socialização de pacientes, a sua recuperação e a criação de
vínculos com a família e o mundo do trabalho. O hospital procura ser um espaço onde práticas
alternativas e atividades coletivas como dança de salão, costura, arte e pintura, cultivo de bonsai
(técnica japonesa de jardinagem), tai chi chuan, entre outras, convivem com o tratamento tradicional
baseado em atendimentos individuais, terapia de grupo para acompanhamento e prescrição de
medicação.

Portanto, práticas que trazem mindfulness como um dispositivo de saúde são seguramente cada
vez mais relevantes no cenário das chamadas práticas integrativas, uma vez que o grande fluxo de
estímulos sensoriais tem afetado significativamente as populações urbanas em sua capacidade de
atenção.
No campo da psicologia, pesquisadores vêm se dedicando à investigação do uso de mindfulness na
área terapêutica e da arte. Nessa passagem, Kastrup define bem o contexto, o método e o objetivo das
práticas meditativas budistas donde as práticas de mindfulness derivam: “A proposta das práticas de
meditação budistas não é afastar o sujeito do mundo, mas ao contrário, capacitar a atenção e a
consciência a estarem totalmente presentes na experiência que não é recoberta pela história passada e
que está associada ao fato de ser destituída de um eu.” (KASTRUP, 2004, p.9)

Freud, em sua genialidade, já previa, desde O Mal estar na civilização, que as novas tecnologias,
apesar de trazerem um domínio inédito sobre a natureza, não trariam um aumento proporcional à
satisfação existencial.

Existe ainda um fator adicional de desapontamento. Durante as últimas gerações, a


humanidade efetuou um progresso extraordinário nas ciências naturais e em sua aplicação
técnica, estabelecendo seu controle sobre a natureza de uma maneira jamais imaginada. As
etapas isoladas desse progresso são do conhecimento comum, sendo desnecessário enumerá-
las. Os homens se orgulham de suas realizações e têm todo o direito de se orgulharem.
Contudo, parecem ter observado que o poder recentemente adquirido sobre o espaço e o
tempo, a subjugação das forças da natureza, consecução de um anseio que remonta a milhares
de anos, não aumentou a quantidade de satisfação prazerosa... (FREUD, 1997, p. 94-95)

É interessante que o próprio Buddha, Sidarta Gautama, já compartilhava com aqueles que
estavam interessados em seus ensinamentos visões de mundo semelhantes. Quase como se Buddha e
Freud tivessem uma intersecção considerável em sua weltanschauung3.

Em tradução livre,

Responda se você vê que isso é adequado. Agora, o que você acha: suponha que um chefe de
família ou o filho de um chefe de família tem uma casa com um telhado de duas águas, com
reboco por dentro e por fora, sem correntes de ar, com porta de fechar e janelas que se fecham
contra o vento. Dentro, ele tem um sofá tecido de crina com uma colcha de fios longos, uma
colcha de lã branca, uma colcha bordada, um tapete do vale de veados de kadali, com um
dossel acima e almofadas vermelhas em cada lado. E há uma lâmpada que ilumina, e suas
quatro esposas, com seus muitos encantos, assistem a ele. Será que ele dormirá em paz, ou não?
Ou como isso lhe afetaria? (BUDDHA, Anguttara Nikaya3, v.34)

3
Orientação cognitiva fundamental de um indivíduo ou de toda uma sociedade.
Dentre as muitas interpretações possíveis para esse contundente discurso, uma é a
compreensão de que o Buddha desde aquela época problematiza a insatisfação crônica da existência,
uma vez que, mesmo cercado de conforto, o “dono de casa” não experimentaria um sono pacífico.
Nesse exemplo, o sono seria uma alegoria para a paz mental e o grau de satisfação, mais amplamente
falando.

Obviamente, o Buda não testemunhou a revolução industrial e nem a toda revolução tecnológica vista
por Freud. No entanto, seu insight já o permitia supor que a insatisfação é uma característica presente
na condição existencial humana. Por isso, “dukkha”, insatisfatoriedade, é considerada uma das três
marcas intrínsecas da existência. Como meu desejo de pesquisar esse tema e de aplicá-lo como um
dispositivo de saúde vem da minha experiência como praticante de meditação num contexto budista,
gostaria de ressaltar que, apesar de o Buda descrever detalhadamente a insatisfação crônica da
existência, essa abordagem ao mesmo tempo aponta para um caminho de transcendência absoluta
desse problema eminentemente humano.

Marlos Gonçalves Terêncio, em Um Percurso psicanalítico pela mística de Freud e Lacan


(2011), brinda-nos com mais um exemplo de ponte bem construída, que aborda de forma ampla,
densa, interessante e surpreendentemente coerente o pensamento da mística em diversas tradições e
filosofias, e o olhar da psicanálise trabalhado com base em conceitos e fundamentos teóricos que são
chave para o entendimento de ambas as abordagens. Um olhar respeitoso, antropologicamente
falando, das culturas e lugares de fala de cada uma dessas manifestações do pensamento humano.

Podemos relacionar esse senso de insatisfatoriedade, ou sofrimento, ou impossibilidade de


completude, denominado dukka, em páli, com a ideia de “falta-em-gozar”, descrito na psicanálise. No
capítulo Mística e Gozo, em que se dedica a delinear esse campo e seu diferentes mecanismos na
psicanálise, Terêncio explica o fato de o gozo ser falta e, por isso, “o sujeito cria uma miragem de um
deleite absoluto (o gozo do outro)” (TERÊNCIO, 2011, p. 133). Em seguida, ele descreve o que seria
o gozo no campo místico:

(...) a falta em gozar é a própria pré-condição da escolha da senda para o êxtase. Como
qualquer ser humano, o místico é um ser de linguagem inserido inevitavelmente no gozo
fálico. Conforme todo sujeito, o místico depara-se com o fato de que o desejo, qualquer que
seja, jamais se satisfaz senão parcialmente, de que o gozo obtido nunca é o gozo esperado.
(TERÊNCIO, 2011, p.134)

Não é o escopo do presente trabalho desenvolver o tema do que seria o êxtase, nibbana, ou o
gozo pleno da libertação final sob o ponto de vista budista. A ressalva foi feita apenas por que faz
parte da minha experiência subjetiva e por ser uma forma acurada de referir-se aos ensinamentos
antigos atribuídos ao próprio Buddha histórico. Na tradução livre do inglês,
Além disso, há o caso de um monge que, com a completa superação da base da percepção, nem

da não percepção, entra e permanece na cessação da percepção e sensação. E, tendo visto isso

com discernimento, suas fermentações (impurezas) mentais finalizam completamente. Então, essa

linha de raciocínio pode ser compreendida agora como a “desvinculação é agradável” (ou a

renúncia é algo agradável). (BUDDHA, tradução de THANISSARO, Bhikkhu, 1997-2012)

Apesar dessa distinção relevante, guardadas as devidas proporções, ainda poderíamos traçar um
paralelo entre Nibana e os conceitos de Freud de mente oceânica e estados arcaicos. Em ambas as
abordagens, o estado cognitivo de absorção mental, que poderia ser descrito como uma concentração
profunda e silenciosa, ou “vazia”, como explicam mestres zen-budistas e outros autores, seria uma
base de percepção da realidade na qual, na explicação do Buddha, se poderia ir além da percepção e
da não percepção. Esse seria um dos estados mais profundos de concentração, que são detalhados de
forma gradual em diversos suttas (ensinamentos ou discursos) budistas feitos originalmente na língua
páli, oralmente, e depois registrados por seus discípulos após seu falecimento. Estas bases cognitivas
de percepção da realidade são conhecidas como jhanas, ou estados de absorção mental.

O Programa de Redução de Estresse não se baseia na prática de estados de concentração tão


profundos, e sequer se dedica a explicá-los em pormenores técnicos de nível avançado, como nos
ensinamentos budistas. O programa apresenta-se como uma experiência de campo com grupos que se
baseiam na meditação com um objetivo bem delimitado: a busca da tranquilização da mente por
meio da atenção na respiração (ou movimento) para permitir a investigação do praticante de suas
sensações, desejos e emoções que surgem momento a momento. Para isso, usa-se a atenção plena no
que se denomina “presente”, ou “aqui, agora”. A ideia é deixar surgir o que vier e cultivar a abertura
de aceitar o que vier. Sem julgamento e controle. O que se relaciona com o método da associação
livre. Segundo Freud

O cultivo de estados de plena atenção permite a emergência de muitas percepções e novas


compreensões sobre o funcionamento da mente, do desejo, dos estados emocionais que surgem e
passam, do senso de identidade e percepções de manifestações do psiquismo antes não disponíveis
para o sujeito etc.
Alternativas de tratamento de apoio à recuperação como essa têm se multiplicado com o
desenvolvimento de estudos, principalmente da neurociência, e nos mais diversos campos da
psicologia. Iniciativas que quantifiquem, explorem e analisem qualitativamente os objetos e
resultados de estudo podem contribuir para o campo das ciências do desenvolvimento cognitivo de
forma transdisciplinar, algo que é ainda tão pouco explorado em nosso país.

CAPÍTULO 3 - PROPOSTA DE TRABALHO

O Programa de Redução de Estresse com Base na Plena Atenção – conhecido como Prepa –
foi proposto em seu modelo tradicional de oito encontros nas instalações do próprio hospital. A
primeira palestra é aberta a todos os interessados que recebem uma carta de apresentação do programa
e são convidados a refletir se querem assumir o compromisso consigo mesmos para dar início ao
programa. Ao final de oito semanas, nas quais acontecem oito encontros de duas horas, realiza-se a
experiência de um retiro de seis a oito horas, onde os participantes têm a oportunidade de realizar uma
prática mais intensiva, em que se dedica mais tempo em silêncio e em sessões sequenciais de plena
atenção.

Desde sua implementação, foram desenvolvidas centenas de pesquisas e artigos científicos, livros e
relatos de experiências sobre o uso da técnica de mindfullness em todo o mundo, seja no contexto
hospitalar, escolar, clínico ou em empresas, e têm sido registrados resultados surpreendentes, como
maior capacidade de lidar com fatores estressores, de superar situações de crise emocional, de lidar
com perdas, morte, dor física e mental e uma maior conexão consigo mesmo, com outros, e uma
percepção maior de sentido nas relações do sujeito com a própria vida, com seus pensamentos,
emoções e tomadas de decisão.

A palavra mindfullness, que pode ser definida como “prestar atenção de forma intencional no
momento presente, sem julgar” (KABAT-ZINN, 1990), foi traduzida para o português de variadas
formas: consciência plena, presença mental e atenção plena, entre outras. Neste trabalho, usaremos o
termo atenção plena, e com ele queremos dar ênfase a esta habilidade de estar conectado e consciente
do que se passa, momento a momento.
Kabat-Zinn define que este tipo de atenção permite que aprendamos a nos relacionar de forma direta
com o que está acontecendo em nossas vidas, aqui e agora, no momento presente. É uma forma de
tomar consciência da nossa realidade, dando a nós mesmos a oportunidade de trabalhar
conscientemente com nosso estresse, dor, doença, perdas ou com os desafios da nossa vida (KABAT-
ZINN, 1990).

Outro conceito chave citado no programa é o da autorregulação. Estudos da neurociência e psicologia


comportamental abordam essa capacidade de forma ampla como

“(...) habilidade de modular a cognição, a emoção e o comportamento, a fim de gerar uma


melhor adaptação ao meio (LEWIS e TODD, 2007). Embora na Psicologia ainda se discuta se a
autorregulação envolve apenas processos executivos e/ou processos automáticos, há consenso de
que a mesma abrange o controle de respostas corticais e subcorticais. Por esta razão, é muitas
vezes dividida em regulação atencional e regulação emocional, embora se argumente que a
autorregulação é um processo único, envolvendo a interdependência dos diferentes níveis da
atividade cerebral (Lewis & Todd, 2007). Conforme será apresentado a seguir, diferentes
medidas – neurofisiológica, imagem funcional e comportamental – podem representar processos
regulatórios (MENEZES, DELL’AGLIO e BIZARRO, 2010).

Na visão de Bishop e colaboradores (2004), existem dois componentes para a Atenção Plena: o
primeiro seria adotar, na experiência, uma atitude específica de curiosidade, abertura e aceitação a
todos os conteúdos que surgirem na consciência. O segundo ponto enfatizado é a Autorregulação da
Atenção, que busca desenvolver o reconhecimento dos eventos mentais daquele momento. Ao
desenvolver a habilidade de regular o foco da atenção, pode-se observar a cada momento, em
detalhes, as mudanças nos padrões de pensamento, emoções e sensações. Isso pode proporcionar uma
percepção de estar mais presente e atento à experiência.

A autorregulação da atenção e a mudança do foco envolvem uma experiência direta dos


eventos da mente e do corpo, evitando, porém, ruminações e elaborações sobre a
natureza desses eventos. (BISHOP, 2004, p.232)

Cada indivíduo experiencia a prática de meditação de uma maneira única e especial, porém, as
orientações oferecidas pelo instrutor durante as práticas seguem uma sequência que estimula o
estabelecimento e a sustentação da atenção por um período prolongado de tempo, focada em um
objeto específico, como a respiração, uma parte do corpo ou o corpo como um todo. Em seguida,
orienta-se o grupo a perceber e a reconhecer estímulos mentais e sensoriais, como ideias,
pensamentos, sentimentos ou sensações físicas. A orientação é perceber cada fenômeno como ele se
manifesta, sem se identificar com ele, no sentido de “meu, eu, mim” (como “minha dor, minha perna,
minha mente”, por exemplo).

CAPÍTULO 4 – OBJETIVOS

A pesquisa A meditação como recurso no trabalho com a dependência química; uma


experiência no Instituto Psiquiátrico Philipe Pinel visa aplicar o Programa de Redução de Estresse
com Base na Plena Atenção seguindo a metodologia proposta por John Kabat-Zinn, objetivando
promover na população atendida subsídios para identificar e analisar as percepções sobre si e sobre o
mundo, sensações, desejos e emoções antes, durante e após o processo que experimentaram.

O estudo visa ainda a realização de círculos de troca e diálogos orientados, buscando


investigar a percepção do grupo sobre como a prática de meditação, exercícios corporais com base na
yoga e conversas mediadas podem influenciar nas terapêuticas e desafios da recuperação.

Por fim, pretende-se ensaiar algumas relações entre o processo de mindfullness (atenção
plena), tal como proposta no programa acima mencionado, e certos postulados teóricos da perspectiva
psicanalítica e da filosofia budista.

CAÍTULO 5 - POPULAÇÃO ATENDIDA

Por sugestão da equipe médica, o programa foi indicado para pacientes atendidos no
ambulatório, dependentes e familiares, e para alguns internos em processo de desintoxicação e que
tinham interesse em participar de encontros de prática e palestras sobre meditação e yoga por oito
semanas. Foram tomados cuidados na explicação dos detalhes do programa ao grupo de internos, em
especial, tendo em vista que o tempo de internação nesses casos, nesta instituição, pode varia de três e
cinco semanas. Durante todo o programa, contamos apenas com três participantes que estavam
internados, sendo que um deles prosseguiu até o final. Um deles veio em apenas três ocasiões, o
segundo veio de forma intermitente apenas enquanto estava internado, e o terceiro veio em quase
todos os encontros.

A sala do hospital usada para as práticas era um grande auditório com cerca de 50 lugares,
com cadeiras azuis acolchoadas e confortáveis, paredes brancas, um quadro de uma paciente
retratando um coelho saindo da cartola – usado por mim como um exemplo de como o insight se
manifesta –, janelas grandes dando para o pátio interno do hospital ocupando uma parede inteira e um
quadro negro na parede principal, de frente para a porta. O auditório contava ainda com uma mesa de
apoio e cadeira para o palestrante, uma mesa de apoio para computador, armário e uma mesa dobrável
para alimentos e bebidas que usamos algumas vezes para compartilhar um lanche colaborativo.

Uma primeira palestra de abertura foi agendada para esclarecer pontos do programa e convidar
os que quisessem aderir. Eu fui responsável pela apresentação do programa, que contou com a entrega
de uma carta-convite explicativa (Anexo 1), e tive a colaboração do Dr. Marcos Micelli,
corresponsável pela implementação dos encontros, nas explicações técnicas de como o estresse está
relacionado com a ansiedade e de como técnicas de meditação e yoga estão sendo usadas no contexto
terapêutico de tratamento da dependência química.

Com objetivo de mapear o perfil sociodemográfico (Anexo 2) e conhecer melhor a realidade


e contexto de vida dos participantes, foi aplicado um questionário no segundo encontro, após a
palestra inicial de abertura. A palestra inicial de abertura contou com 26 participantes, familiares e
dependentes químicos, e o encontro seguinte com 24, sendo que, ao final do programa, pudemos
apurar que 12 participantes estiveram no último encontro antes do minirretiro de encerramento, uma
prática intensiva que busca aprofundar a experiência do grupo a partir de uma dedicação, por metade
de um dia, a sessões de meditação andando, sentado, de pé, exercícios corporais em plena atenção,
palestras e círculo de trocas.

O questionário de perfil sociodemográfico foi preenchido e entregue apenas por 14 pessoas. Muitos
preferiram levar o questionário para casa e dois deles demonstraram ter sentido certo desconforto em
responder algumas perguntas – possivelmente as relacionadas à renda da família, formação
educacional do participante e de seus pais, etc. Sendo assim, 10 participantes, além dos respondentes,
continuaram no programa e não entregaram o questionário. Com o objetivo de fortalecer o vínculo
inicial de receptividade e confiança, achei melhor não pressionar os integrantes e cobrava o retorno
dos questionários sem colocar condições que pudessem ser interpretadas como “obrigatórias”.
Na palestra inicial do Programa de Redução de Estresse, para minha surpresa, já que não havia
sido informada, descobri que além de dependentes químicos foram inscritos, encaminhados pelo
psiquiatra responsável em acompanhar o programa, quatro parentes de dependentes que
apresentavam queixas como ansiedade, depressão, angústia, dificuldade para dormir, entre outras.
Delimitamos então um objetivo comum para o grupo de interessados de buscarmos compreender
como as técnicas de meditação e plena atenção podem ser usadas em conjunto com outros
tratamentos, já realizados por eles, para apoiar a recuperação dos participantes de situações diversas
de estresse.

A maioria dos participantes (57%) era composta por mulheres, (64%) de cor branca, (50%) solteira ou
(21%) separada, (64%) morando com a família, a maioria com a mãe (36%) – sendo (29%) sozinho,
(29%) com filhos ou (29%) com companheiro(a).

A renda da casa é de responsabilidade, em sua maioria, (36%) do pai ou (21%) marido. A


maioria (43%) vive com mais de cinco salários mínimos, seguida de um grupo menor (29%) de um a
dois salários e de outro (21%) de dois a cinco salários. A maioria (43%) divide a casa com mais duas
pessoas. Em relação à formação de pais, a maioria (42%) das mães de participantes estudaram até o
ensino fundamental e (36%) médio, sendo que uma pequena minoria (7%) concluiu o nível superior.
Já os pais, em sua maioria (35%), concluíram o ensino fundamental e (29%) o médio, sendo que
quase um quarto (21%) cursou nível superior.

De todos os que preencheram, apenas três afirmaram receber benefício do governo – dois aposentados
por tempo de serviço e uma recebendo auxílio-doença por diagnóstico de depressão maior. Do grupo,
a grande maioria (57%) reside em casa própria e quase todos afirmaram possuir bens como TV,
celular, geladeira, DVD, rádio, computador, telefone fixo e máquina de lavar.

É importante notar que a maioria dos participantes parece conseguir manter alguma atividade
remunerada e vínculo com o mundo do trabalho. Dos 14 que preencheram o formulário, criado por
mim e aprovado pela equipe técnica na reunião de planejamento inicial, 11 informaram suas
profissões – arquiteto, comerciante, figurinista, autônomo, costureira, gráfico, uma estudante de
direito, um militar reformado, dois aposentados, uma técnica em dependência química – e três
deixaram o campo em branco.

Em relação ao convívio e senso de camaradagem e informalidade no grupo, durante os


encontros percebi que a maioria dos pacientes ambulatoriais se conhecia e frequentava também
grupos de Alcoólicos Anônimos ou Narcóticos Anônimos comuns. Brincadeiras, cumprimentos,
conversas e combinações de eventos fora do contexto do grupo eram comuns entre eles. Mas os
parentes de dependentes, quatro pessoas do grupo, se integraram e foram recebidas sem diferenciação
aparente pela maioria.

CAPÍTULO 6 - METODOLOGIA

6.a) A escolha do método

Sabemos que existem diversas abordagens, programas e propostas bastante distintas para
desenvolver a habilidade de prevenir ou superar o estresse e a crise emocional. O principal motivo
para a escolha do Programa de Redução de Estresse com Base na Plena Atenção (Prepa), criado por
John Kabat-Zinn, conforme foi implementado no hospital de Massachussets, deve-se, inicialmente, ao
fato de que era preciso definir uma “moldura” para expor, de forma bastante sistemática e gradual, os
participantes às técnicas de meditação e plena atenção.

O uso de técnicas de meditação e yoga, em detrimento de muitas existentes hoje com objetivos
semelhantes – capacitar os praticantes a conhecerem melhor seus processos mentais e físicos e
fortalecer recursos que possam ajudá-los na lida em relação ao estresse –, deve-se principalmente à
experiência que venho adquirindo ao longo da minha trajetória pessoal como instrutora e praticante e
de pesquisas sobre o tema. Ter percebido uma melhora em minha própria capacidade de lidar com
conflitos e com o estresse cotidiano, além de dos benefícios que percebi em outras pessoas que
usaram esses métodos, motivou-me a experimentar esse caminho.

Outro ponto importante é algo que diferencia o programa de práticas místicas e religiosas focadas em
superação de estresse, crises e autorregulação emocional: o fato de ser composto por técnicas formais
e informais, e não ter como objetivo “formar gurus”, mas possibilitar a aplicação de recursos
aprendidos nas técnicas formais, nas situações de estresse (KABAT-ZINN, 1982).

Isso permite que o programa seja experimentado por pessoas de diferentes culturas, que seguem
diferentes práticas religiosas, sem gerar constrangimentos e obrigações como rituais, uso de mantras,
roupas específicas, locais sagrados e elementos simbólicos.
A metodologia do Prepa foi cada vez mais adaptada ao longo dos anos, mantendo seus
conceitos e fundamentos-chave – uso da plena atenção na meditação e em movimento, a percepção
dos estados mentais, o conhecimento dos efeitos do estresse, a discussão do conceito saúde-doença, o
reconhecimento das reações do tipo “piloto automático”, etc. – para o tratamento complementar de
compulsão alimentar, dependência química, pacientes que sofrem de dor crônica, depressão, pacientes
terminais, familiares e profissionais que lidam com situações de estresse em seu dia a dia, como
médicos, terapeutas, policiais, professores, mediadores, etc.

A forma como a metodologia encara o estresse e seus fatores causadores baseia-se na ideia de que este
é um tipo de problema sistêmico e complexo e que não admite soluções superficiais, exclusivas ou
simplistas. O estresse é visto como algo que constitui uma parte natural da vida e, assim como a
condição humana, dele também não conseguiremos escapar.

Estressores são todos os fatores que podem levar um indivíduo a um estado de exaustão e
adaptação- doença. E eles podem ser tanto externos quanto internos. Desta forma, um
pensamento ou emoção pode ter efeitos desestabilizadores e agressivos em nosso corpo inteiro.
No entanto, uma experiência em si não é necessariamente a natureza estressante, que é a maneira
como nós vemos. Apreciar ou avaliar uma situação é o que irá determinar como responder e
quanto de stress ela poderá nos causar. Há também inúmeros fatores ambientais que podem se
tornar fatores de estresse, tais como alimentos pobres ou inadequados, hábitos como fumo, álcool
ou drogas, a poluição ambiental, a que se juntam os fatores sociais e econômicos, entre outros.
(KABAT- ZINN, 1990)

É importante ressaltar que o papel da meditação neste método, portanto, não é retirar o sujeito
da realidade, como um escape, ou possibilitar um estado de transe, ou o desenvolvimento de poderes
psíquicos, o contato com um “vazio mental” e o controle de pensamento e emoções aversivas, ou a
conquista de um estado onde se “pare de pensar”, como se acredita em grande parte, no senso comum.
O objetivo da meditação nessa perspectiva é ser como uma “porta de entrada” para a compreensão e
proporcionar a tranquilização da mente por meio da atenção na respiração e nos movimentos
corporais (caminhada e yoga) e permitir a investigação do praticante de suas sensações, desejos e
emoções que surgem momento a momento. Para isso, usa-se a atenção plena no que se denomina
“presente”, ou “aqui, agora”. 

A ideia é deixar surgir o que vier e cultivar a abertura de aceitar o que vier. Sem julgamento
e controle. Um processo que se assemelha ao da associação livre e que permite a emergência de
muitas percepções e novas compreensões sobre o funcionamento da mente, do desejo, dos estados
emocionais que surgem e passam é o que investigaremos nos relatos e nas trocas de experiência entre
os participantes do programa, a partir do olhar para as percepções, as reações, o senso de identidade,
de liberdade, o reconhecimento de padrões de pensamento e comportamento, as manifestações do
psiquismo, entre outros.

CAPÍTULO 6 – METODOLOGIA DA PESQUISA

6.a) Um setting-base para um “olhar” atento

A escolha de aplicar o Programa de Redução de Estresse com Base na Plena Atenção (Prepa),
seguindo a metodologia proposta por John Kabat-Zinn como setting para a experiência do contato
com a prática das técnicas de plena atenção parado e em movimento, conforme explicado na
introdução deste trabalho. Relembrando, a escolha ocorreu pelo fato de a pesquisadora possuir
experiência no método, apesar de saber de outras abordagens ao desafio de lidar com o estresse, e
entender que, devido a sua sistematização, abordagem prática, didática, simplificada e não religiosa, o
programa seria uma estratégia adequada para uma experiência curta, mas que permitisse uma
exposição do grupo à técnica de plena atenção de forma minimamente significativa, para haver a
possibilidade de avaliação de benefícios ou dificuldades.

Na primeira reunião de alinhamento e planejamento do cronograma de encontros, apresentei à


equipe médica o programa e a pesquisa como dois trabalhos distintos, porém, concomitantes e
complementares. O grupo de médicos e psicólogos da instituição já conhecia a técnica de
mindfullness, mas não havia tido uma experiência significativa devido à perspectiva trazida por uma
profissional que os havia procurado há algum tempo propondo trabalhos neste sentido ter sido pouca
aberta a uma visão de complementariedade de tratamentos e parecer colocar a técnica como a única
solução para o problema da compulsão.

Foi combinado que os participantes se inscreveriam voluntariamente após a indicação dos


psiquiatras que os atendiam. Para a divulgação, foram colocados cartazes nos murais internos do
ambulatório que recebe diariamente dezenas de pacientes em tratamento de dependência química para
consultas individuais e em grupo. A indicação do psiquiatra responsável foi a condição básica para a
inscrição dos participantes.
Na ligação telefônica ou contato presencial com a psicóloga responsável pelas inscrições, já
eram explicados os dados básicos sobre o programa, buscando garantir que soubessem que a
participação era gratuita, totalmente voluntária, e que o não engajamento não impactaria no
cancelamento do atendimento ambulatorial prestado pela instituição. Além disso, foi explicado que o
programa teria duração de oito semanas, sendo que os encontros teriam duração de duas horas e
aconteceriam semanalmente, às terças-feiras pela manhã, nos meses de maio a julho, com um breve
recesso de uma semana devido a compromissos da instrutora. Foi explicado ainda que seria benéfico
se todos os participantes que se inscrevessem frequentassem os oito encontros com o intuito de
vivenciar todo o programa e poder contribuir para a pesquisa que seria aplicada ao final do processo.

Os participantes foram informados de que aprenderiam técnicas de como lidar com o estresse
e a ansiedade com base na prática da meditação e da yoga, com o apoio de uma apostila gratuita para
estudo e rodas de palestra sobre os eixos temáticos da apostila – fundamentos de meditação e
exercícios corporais com base na yoga, fisiologia do estresse, formas de comunicação assertiva,
passiva e agressiva, padrões de reação automática – e momentos de troca de experiências em grupo.

6.b) Experimentação e discussões em grupo

Na etapa de experimentação de técnicas de meditação e cultivo da atenção, foi utilizado como


base o Programa de Redução e Controle de Estresse (MBSR – Mindfullness-based Stress Reduction),
desenvolvido pelo dr. Jonh Kabat-Zinn, do Centro Médico da Universidade de Massachusetts (EUA).

Alguns ajustes precisaram ser feitos no planejamento dos encontros. O método do programa
precisou ser adaptado para a realidade local da instituição e do tempo disponível da pesquisadora,
reduzindo um pouco a carga horária dos encontros semanais em relação ao proposto no método (de
duas horas e meia para duas horas), e aumentando a duração de 8 semanas para 12 semanas devido a
duas semanas intercaladas de intervalo devido a compromissos já agendados da pesquisadora.

Os encontros são compostos de prática meditação, exercícios com base na yoga, leitura de
textos e discussão por meio de exercícios individuais e em grupo que permitem a troca de
experiências relacionadas a temas-chave e aos desafios da recuperação.
O eixo condutor central das discussões temáticas envolve cinco dimensões: as percepções
sobre os estados mentais dos sujeitos (pensamentos), as sensações no corpo (corporalidade), o
contexto a nossa volta (ambiente), os relacionamentos (emocional) e nossa identidade e
percepção sobre nós mesmos (consciência).

Esses cinco eixos compõem a base das dinâmicas de grupo, orientações, reflexões e dos questionários
e provocações que foram desenvolvidos com base no método de aplicação do Prepa, contido nos
cadernos de orientação do Programa de Redução de Estresse.

As práticas foram conduzidas pela pesquisadora, que tem formação como instrutora de
meditação e professora de Hatha Yoga, com experiência na condução de workshops e retiros, assim
como a aplicação de questionários e a condução do grupo focal.

6.d) Limitações do estudo

O fato de a própria pesquisadora ter conduzido as atividades ao longo dos encontros


possivelmente dificultou a coleta de dados de campo, compostos de depoimentos obtidos em
questionários e relatos escritos e orais nos círculos de troca de experiências e grupo focal.

Isso foi perceptível por alguns fatos, como por exemplo (1), a preocupação excessiva em focar na
metodologia do Prepa, e mediar as discussões e práticas não facilitou o registro de comportamentos,
falas e interações do grupo no momento em que aconteciam, o que ocasionou grande perda de dados
no diário de campo. A minha falta de planejamento para a gravação dos encontros também foi uma
falha que percebi durante o processo; (2) é possível que o senso de gratidão do grupo pela doação de
tempo e oferecimento do programa gratuitamente pela pesquisadora, além dos fatores discutidos no
trabalho, como a transferência, possam ter gerado um senso de obrigação em trazer percepções
positivas e evitar críticas às experiências vividas, e (3) o fato de não ter havido a aplicação de
entrevistas individuais, e sim de um grupo focal, pode ter inibido alguns participantes pelo mesmo
motivo e por influência do que Goffman chamaria de “mecanismos da performance”, já que alguns
poderiam motivar-se ou não a dizer o que sentiam com base nos depoimentos dos outros.

Acredito que poderia ter sido mais efetiva a condução do grupo focal por um colega conhecedor do
método, além da gravação em áudio, que deveria ter sido feita ao longo de todos os encontros e não
apenas no último.
6.d) Mudanças de rota: onde começa a construção do conhecimento

Durante o processo de construção do trabalho, muitas mudanças ocorreram devido às trocas


com os orientadores, especialmente com a orientadora Denise Maurano, um mergulho “introdutório”,
porém impactante para mim na psicanálise e na percepção desta sobre a mística.

Após esse contato e trocas em reuniões e e-mails, percebi que a metodologia que me baseava
anteriormente na ênfase em questionários de levantamento de experiências, bem estar e qualidade de
vida, inspirada na visão da psicologia cognitivo-comportamental usava ferramentas que não seriam
suficientes para dar conta da profundidade e amplitude exigidas pelo olhar que busca analisar
percepções mais sutis, resistências, ambiguidades que movem o meu interesse nessa experiência e em
seus resultados.

Assim, optei pela mudança de método, buscando analisar fragmentos das falas retiradas de
depoimentos e os comportamentos do grupo, manifestos nos encontros, esperando com eles apreender
um pouco sobre suas percepções após a participação no Programa de Redução de Estresse com Base
na Plena Atenção.

Ao longo da pesquisa, os objetivos do estudo foram ganhando novo corpo em relação aos
descritos anteriormente devido às descobertas e experiências vividas ao longo do processo. O contato
com alguns conceitos da psicanálise e a orientação em dados quantitativos, juntos com a missão de
abordar o tema de maneira transdisciplinar, à convite da Antropologia, deixaram-me mais à vontade
para navegar pelas interpenetrações entre antropologia, psicanálise, psicologia budista e filosofia,
tomando os cuidados que o limite do escopo e do tempo de produção e pesquisa impõem.

Os novos caminhos para a pesquisa eliminaram a necessidade de tabulação de grande parte dos
dados do questionário de expectativas (questionário inicial) e da avaliação de reação final (último
encontro), que focavam nas percepções e condições experimentadas ao longo e após o programa,
ligadas ao bem-estar, à crença e à motivação para superar crises, etc.

Escolhemos, portanto, respeitar o princípio da fundamentação teórica escolhida e explorar o


campo da fala livre, dos discursos escrito e oral construídos ao longo dos encontros, e não investir
tempo numa abordagem quantitativa, que muitas vezes pode ser adequada a diferentes interesses,
dependendo dos objetivos de quem os analisa.

Percebi ainda que as perguntas desenvolvidas no início do projeto implicariam em estudos de


pesquisas alheias a minha, o que inviabilizaria a tentativa de aprofundamento devido ao tempo e ao
escopo de um trabalho final de pós-graduação. A escolha foi a de focar exclusivamente em como a
intervenção das práticas de meditação e yoga atuam na recuperação de pacientes em tratamento de
dependência química no hospital e evitar abrir quaisquer outras variáveis e comparações. Ao longo da
pesquisa, pude perceber que o uso de indicadores quantitativos aliados a entrevistas é um método
trabalhado por diversos pesquisadores nessa área do conhecimento.

6.e) Aplicação de questionários e atividades

Dentro da metodologia do PRCE, é prevista a leitura de uma apostila e o preenchimento de


questionários, com o objetivo de dar espaço à exploração de expectativas dos participantes e
funcionar como um apoio no qual eles possam mapear seus próprios estados mentais e emoções mais
frequentes em seu dia a dia. Mas esses questionários são apenas discutidos em duplas ou em pequenos
grupos em sala e não devem ser entregues ao instrutor, por ser um registro pessoal e exclusivo de cada
um.

Considero que esse tipo de aplicação ganha vida quando não nos preocupamos apenas em medir
os resultados de maneira quantitativa, mas quando estamos receptivos à experiência subjetiva de cada
sujeito do grupo e dispostos a analisar seus relatos sistemática e intuitivamente.

6.f) Relatos escritos pelos participantes

A apostila do PRCE propõe exercícios de caracterização das sensações, pensamentos e percepções


que surgem na mente em detalhe – incluindo, por exemplo, o registro de episódios de depressão,
compulsão, raiva, culpa, agitação, entre outros. A ideia é possibilitar a aproximação com conteúdos
antes não observados e revelar percepções sobre si e o outro, identificar estigmas, ideias sobre a
doença, dificuldades, ideias sobre a possibilidade de recuperação, etc.
Em relação ao estigma, especificamente, estes podem ser entendidos como violência (cognitiva)
determinada pela família, pelos amigos, e até pela mídia (quando reforça estereótipos e lugares de
fala). O estudo avaliará como o dependente químico incorpora esse estigma, observando sua fala nos
relatos e depoimentos sobre a experiência.

Referências à corporalidade, performance, o simbólico nas relações com si, com o outro, a
percepção sobre um poder superior, ou seja, a relação do homem com o poder simbólico (sagrado),
serão analisados na perspectiva da antropologia e nas perspectivas freudiana e lacaniana, com o
objetivo de traçar paralelos entre essas visões de mundo.

6.g) Grupo Focal

Ao final dos oito encontros, foram realizados dois grupos focais com participantes para a troca
de percepções e experiências – um na oitava reunião e outro em um encontro mais longo, chamado
minirretiro, que marca o final do programa. Este encontro é, em geral, composto de seis horas de
prática com palestras, prática do silêncio, meditação andando, sentado e de pé, yoga, alimentação em
plena atenção e, ao final, trocas em grupo sobre a experiência.

A equipe médica foi ouvida na reunião de planejamento e na reunião de avaliação pós-programa, com
o objetivo de levantar expectativas e percepções sobre as vivências mais significativas relacionadas
aos temas foco do projeto, sob a perspectiva da instituição.

6.h) Confidencialidade

Como todo trabalho de pesquisa que respeita a integridade e o anonimato dos participantes,
todos foram informados das condições necessárias para a realização do projeto e da importância do
levantamento de dados.

Ao longo dos encontros, foram levantados dados que serão organizados em forma de relatório e
gravações, com a autorização da instituição e dos pacientes e seguindo as condições estabelecidas
pelos mesmos.
A análise das falas foi categorizada a partir de uma indexação, classificando alguns temas mais
frequentes e dialogando com autores e conceitos da fundamentação teórica, buscando refletir sobre os
objetivos propostos.

CAPÍTULO 7 – PLANO DE TRABALHO

Após a aprovação da proposta de pesquisa pelos coordenadores do curso de Pós-Graduação


em Antropologia e Desenvolvimento Cognitivo da UFF, foi realizada uma reunião para apresentação
do projeto para a equipe médica do hospital, além de um pedido de autorização da área de cursos e
educação da instituição para registro dos dados de campo. Esta primeira reunião de planejamento
envolvendo psiquiatras, psicólogas, estagiários e a assistente social do ambulatório de dependência
química aconteceu em abril de 2012 e teve como objetivo apresentar e aprovar a ideia da realização
do projeto, ouvir as percepções e sugestões da equipe para a realização do mesmo e acordar uma
divisão de tarefas para as próximas ações de comunicação, inscrição – para início em maio de 2012 –,
compra e preparação de material, reserva de sala e atividades de encerramento do programa.

Neste encontro, foi definido que o idealizador inicial do projeto, Dr. Marcos Micelli, um dos
psiquiatras responsáveis pela Unidade de Tratamento de Dependência Química do hospital, amigo e
inspirador da ideia de realizar práticas de meditação e yoga no local, acompanharia o trabalho, fosse
por meio de visitas ou de reportes semanais comigo sobre os encontros. Ele esteve presente nos
primeiros encontros com os participantes, contribuindo ativamente para os debates e trocas e,
surpreendentemente, manteve encontros em grupo semanais com foco na prática de meditação na
instituição por conta própria. Foi interessante perceber como sua presença influenciava na dinâmica
do grupo, que parecia sentir-se prestigiado com sua presença, sabendo do pouco tempo disponível
para outras atividades além do atendimento no ambulatório, individual e de grupos. O médico,
conhecido pela grande maioria, ao meu ver, tinha a confiança, o prestígio e a gratidão por parte do
grupo. Seu temperamento bem-humorado, informal e surpreendente, às vezes, visível nas falas, nas
explicações e nos cumprimentos a todos do grupo, parecia dar ao programa que ele apoiava a
credibilidade e o senso de integridade que mantiveram o interesse do grupo em participar. É claro que,
lembrando Goffman, o grupo não está livre, nem nós mesmo, eu e o próprio médico, das influências
da performance e da preocupação com o olhar daquele que respeitamos e valorizamos como
referência. Sendo assim, acredito que muitas das reações ou ausência de reações e comentários em
alguns momentos, quando na presença do Dr. Marcos, podem ter sido influência desse olhar e
presença de alguém que pode ser tão querido e admirado, mas, ao mesmo tempo, temido, tendo em
vista o conjunto de estigmas, estereótipos e representações que compõem a dinâmica das relações
nesse espaço de tratamento. Como diria Foucault, instituições de saúde onde, impreterivelmente,
estabelecem-se relações de afeto, de poder e de controle (2000).

“A presença de sinais físicos visíveis, que diferenciam e, por isso, depreciam o sujeito (estigma),
implica a maior ocorrência de reações de não aceitação ou rejeição por parte das outras pessoas.”
(GOFFMAN, 1988)

Para realizar a pesquisa, foi ainda necessário pedir permissão para usar os dados da
experiência como material de pesquisa, o que foi aprovado pela equipe médica e administrativa da
instituição. Esse objetivo foi explicado a todos os participantes desde o primeiro encontro, e
procurava deixá-los à vontade para participar ou não das atividades propostas, mesmo que o número
de pessoas se tornasse muito reduzido.

Todo o trabalho foi conduzido por mim, pesquisadora, instrutora e praticante de hatha yoga
(estilo conhecido como “yoga integral”) e meditação, e contou com a presença de uma psicóloga do
hospital, que apoiou a logística das atividades, participando em alguns momentos das trocas temáticas
sobre temas como compulsão, fatores físico-químicos do estresse, entre outros.

Os encontros aconteceram em um auditório com capacidade para 60 pessoas. Ao chegar, às terças-


feiras, às 8h30, arrumávamos a sala para a prática de exercícios usando as esteiras e, em seguida,
organizávamos as cadeiras em círculo para as práticas na posição de pé e sentado e a discussão.

Em relação aos materiais usados, fiz a doação de 15 esteiras de yoga para as práticas e contei com o
apoio parcial da instituição para fazer as cópias das apostilas, folhas de atividade, listas de presença e
kits de quatro CDs a serem oferecidos como material de estudo para cada participante.

7.a) A Programação dos encontros


O programa é planejado de forma que cada encontro aprofunde um tema específico, enfocado na
apostila, mas que siga uma estrutura semelhante para as atividades do dia:

 Recepção dos participantes (10 min)

 Exercícios corporais e/ou escaneio do corpo (40 min)

 Meditação andando, sentado ou de pé (20 min)

 Discussão temática e trocas em grupo com apoio da apostila (30 min)

 Conversa sobre as tarefas da semana e orientação para as próximas (15 min)

As temáticas dos encontros tratam dos temas-chave do programa e desenvolvem-se de forma


gradual, buscando sempre a complementariedade da teoria e da prática, cruzando os conteúdos
discutidos e habilidades trabalhadas, dando espaço para a expressão do grupo, possibilitando a
escuta e a troca entre todos e criando vínculos de confiança. Nesta edição, foram feitos ajustes no
modelo padrão do programa, buscando adaptar-se à realidade de tempo do grupo (duas horas por
semana). Foram escolhidos os seguintes temas-chave:

 Lidando com sensações agradáveis, desagradáveis e neutras

 Usando a respiração, presença no aqui e agora e escaneio corporal.

 Redução e recuperação de efeitos do stress e maneiras efetivas de resposta: percebendo


padrões reativos

 Adaptando-se ao desafio do stress usando o RAIN – Reconhecer, Aceitar, Investigar, Não se


identificar

 Plena atenção nos estados mentais em momentos de crise/stress

 Compaixão e comunicação: desenvolvendo a empatia, presença e confiança através da escuta

7.b) Materiais e atividades semanais


Como materiais de apoio, uma apostila era entregue no primeiro encontro formal, após a
palestra de abertura. Ao final de cada encontro, os participantes recebiam uma folha com as
orientações de prática de meditação e exercícios corporais a serem trabalhados na semana, sugestões
de leitura e preenchimento da apostila (tabelas de observação das sensações e emoções do dia, por
exemplo) e eram convidados a marcar numa tabela que integra a folha de atividades quantas vezes por
dia e por quanto tempo desenvolveram a plena atenção, fosse em movimento (exercícios e atividades
diárias) ou na meditação formal (sentado, de pé ou andando).

A folha de atividades traz ainda a sugestão de uso de um dos quatro CDs de 40 min. cada, que são
entregues gradualmente, a cada fase do programa, com orientações (guiadas) para quatro formas de
prática de plena atenção: (1) Orientações de Escaneio Corporal, (2) Orientações de exercícios
corporais, (3) Orientações de exercícios corporais de pé e (4) Orientações de meditação.

Além das atividades, na primeira semana foi proposto aos integrantes do grupo que
escrevessem, individualmente, uma carta de intenções, explicando o que buscavam no programa,
quais eram suas expectativas sobre o que pretendiam aprender e que compromissos pretendiam ter
consigo mesmos durante este período. A ideia era de que cada um trouxesse a sua carta no encontro
seguinte e, quem quisesse, compartilharia algum trecho. No final do programa, solicitou-se que
resgatassem a carta e a lessem novamente, buscando relembrar sentimentos, emoções e ideias que
surgiram nos dois momentos.

Ao final do último encontro, todos foram convidados a relatar a experiência de forma escrita e, em
círculo, em forma de depoimentos.

7.c) Minirretiro: prática intensiva de plena atenção

Ao final dos oito encontros, um último encontro foi organizado na forma de um minirretiro,
que marcou o final do programa. Este encontro foi composto de seis horas de prática com palestras,
prática do silêncio, meditação andando, sentado e de pé, yoga, alimentação em plena atenção e, ao
final, trocas em grupo sobre a experiência.

A ideia era proporcionar um momento de prática intensivo, no qual os praticantes pudessem


experimentar o silêncio, o cultivo da atenção e da concentração ao longo de quase todo o dia,
percebendo o que surgia com a experiência e abrindo-se para as novas possibilidades que este contato
diferenciado com a técnica, consigo e com o grupo lhes proporcionava.
CAPÍTULO 8 - CRONOGRAMA

As datas da implementação e encerramento acompanharam o cronograma do curso de pós-


graduação em Antropologia e Desenvolvimento Cognitivo da Universidade Federal Fluminense, no
modelo semipresencial, para a turma da Fundação Roberto Marinho, que aconteceu em 2011/2012.

Foi necessário acrescentar mais um encontro devido à dificuldade do grupo em entregar os


questionários e relatos sobre o programa. Aproveitamos e celebramos neste dia o final do processo
para quem não poderia estar com o grupo no minirretiro de seis horas.

Maio Maio Jun Jun Jul Jul Ago Ago Set Set Out Out Nov Nov

1-14 15-30 1-14 15-30 1-14 15-30 1-14 15-30 1-14 15-30 1-14 15-30 1-14 14-30

Pré-
projeto

1ª * ** ** *** 7, 14 4, 11 18
versão **
3 17, 24 31 20 a 25
27
10 (inter
valo)

Campo Mini
retiro

1ª 26 15
leitura

2ª 15-30
versão

2ª 1-7
leitura

Revisão 7-14
e
entrega
final

(*) Reunião de Planejamento


(**) Encontros / questionários
(***) Grupo Focal
CAPÍTULO 9 - CORPO/RESULTADOS

9.a) Dados Quantitativos

Em termos de número de participantes, o programa teve início com 21 pessoas na palestra de


abertura, sendo que, no segundo encontro, permaneceram 19 pessoas. No último encontro formal dos
oito propostos, contamos com 9 participantes, o que me levou a refletir sobre as possíveis causas
desta evasão ao longo deste e do próximo capítulos.

Devido à indicação tardia de alguns dos psiquiatras, cinco novos participantes entraram no quarto
encontro. Sendo assim, observando as listas de presença, vemos que 12 pessoas vieram a pelo menos
70% dos encontros, contando com os que entraram no quarto encontro.

Assim, podemos dizer que efetivamente, dos 21 inscritos inicialmente, tivemos mais 5 novos, o que
gerou um grupo de 26 pessoas (100%).

 14 participantes estiveram em pelo menos 70% dos 10 encontros (53,8%);

 11 pessoas (42,3%) permaneceram até o último (8º) encontro formal no hospital;

 9 participantes foram no encontro extra no hospital (34,6%) para preenchimento de


questionário final, relato escrito, roda de trocas e celebração do grupo;

 5 participantes foram ao minirretiro de 6 horas fora do hospital, em um centro de meditação


próximo ao local (19,2% ).

Encontro Número de participantes

Encontro 1 – 10/07/2012 21 pessoas

Encontro 2 – 14/07/2012 19 pessoas

Encontro 3 – 17/07/2012 17 pessoas

Encontro 4 – 19/07/2012 24 pessoas


Encontro 5 - 24/08/2012 11 pessoas

Encontro 6 – 28/08/2012 13 pessoas

Encontro 7 – 07/08/2012 14 pessoas

Encontro 8 – 14/08/2012 11 pessoas

Intervalo de 21 a 28/08/2012

Encontro 9 - extra (final) – 9 pessoas


04/09/2012

Encontro 10 - Minirretiro e grupo 5 participantes


focal final

Não foi possível aferir com exatidão os motivos que levaram à evasão de participantes, porém,
podemos traçar algumas causas possíveis. Houve registros, por e-mail e por telefone, de pedidos de
desculpas e expressão do desejo de continuar, apesar de contratempos como problemas familiares,
questões emocionais (um caso de episódio de depressão e um caso de recaída, porém, com retorno às
práticas e ao tratamento) e alguns casos de falta por não possuir recursos para o transporte, dois casos
de falta por sobrecarga de trabalho e pelo menos três casos de falta por indisposição física (efeitos da
medicação, como sonolência e torpor, ou problemas de saúde).

Considera-se que o índice de aderência ao tratamento de dependentes químicos em


recuperação em tratamento ambulatorial na instituição gira em torno de 20%. Ou seja, 80% dos
pacientes que são atendidos no hospital tendem a evadir e a abandonar o tratamento. Esses números
claramente não servem como motivação para a equipe que se dedica diariamente a abordagens
iniciais, atendimentos individuais e condução de terapia em grupo.

Analisando estes dados e juntando a isso o fato de a presença nos encontros ser voluntária e de
as ausências e atrasos não impactarem na continuidade do atendimento no ambulatório ou qualquer
outra penalidade, como desligamento do programa, os dados apresentados foram considerados
positivos pela equipe médica. Nas palavras usadas por eles, “acima das expectativas”.

Na reunião final, onde foram relatados pela equipe médica casos de melhoria de pacientes
participantes nos atendimentos médicos, individuais e em grupo, a equipe celebrou os resultados do
programa usando a expressão “isso tem sido um oásis no deserto”, e, em seguida, questionou se seria
possível manter a iniciativa e preparar mais multiplicadores. Essa fala me faz pensar sobre os
sentimentos de frustração e impotência da equipe diante do “eterno retorno” desafiador da recaída e
desistência do tratamento por parte da maioria dos pacientes atendidos ali. São perceptíveis o desejo
da equipe de melhora e aderência dos grupos à recuperação e o esforço que colocam em seu dia a dia,
como também são os constantes conflitos e limites que precisam ser impostos. Em uma ocasião, por
exemplo, quando um paciente, que parecia dopado e confuso, insistia em entrar na sala, durante uma
reunião da equipe, um dos médicos levantou-se algumas vezes e precisou falar num tom bastante
assertivo para que ele aguardasse do lado de fora.

9.b) Demandas, expectativas e nível de bem-estar do grupo

Com o objetivo de mapear as demandas principais e as expectativas do grupo em relação ao


programa, foi aplicado um questionário de bem-estar (Anexo 3) na segunda semana de encontros.

O questionário foi elaborado sem a preocupação de uma coleta formal de dados, que exigiria o
uso de escalas de bem-estar legitimadas cientificamente e um estudo estatístico mais aprofundado. A
ideia foi apenas levantar algumas opiniões e percepções do grupo antes do início das práticas, com a
ajuda de uma ferramenta que possibilitasse à instrutora o conhecimento das principais demandas e
ideias comuns que seriam consideradas e avaliadas informalmente ao longo do processo, sem a
necessidade de comparação de dados ao final do percurso.

Foi interessante, porém, perceber que minha inexperiência na aplicação de questionários deste
tipo acabou gerando um aprendizado importante: não se pode deixar para analisar os dados muito
depois da sua coleta, pois fica difícil esclarecer dúvidas e investigar possíveis entendimentos do
grupo. Ao analisar alguns dados, por exemplo, percebi que as respostas tendiam a um grau de
“positividade” nos níveis de bem-estar mais altos do que a minha expectativa e do que eu ouvia em
sala do próprio grupo. Isso me fez duvidar do entendimento do grupo em relação à pergunta em si ou
à forma de registro da resposta, que foi descrita com o uso de escalas de 1 a 10. Não havia uma
contradição explícita na maioria dos questionários, mas ao comparar o que lia nos dados com o que
ouvia de demandas sobre bem-estar na sala, achava que havia algo de incoerente nos registros dos
questionários. Acredito que a elaboração das perguntas poderia ter sido mais clara.
Mesmo assim, vale a pena observar que, dos estados mentais aversivos listados numa das
perguntas Ansiedade e a Dúvida/ Confusão mental foram os itens marcados com maior frequência
(60% do grupo os marcou na escala de 7 a 10), em detrimento de outros itens que se mantiveram
bastante equilibrados na escala – Desejo/ Compulsão, Raiva/ Má vontade/ Ódio, Vergonha/ Culpa,
Pânico, Tristeza/ Lamentação, Estados depressivos, Euforia e Sonolência/ Torpor.

Em relação ao estado de bem-estar geral dos participantes, colocou-se a questão “em geral, de 0 a
10, que nota você daria para cada um desses aspectos relacionados à QUALIDADE DE VIDA no
seu cotidiano hoje” e foram elencados os itens a seguir:

 Sono – capacidade de dormir e acordar tendo descansado o suficiente.

 Hábitos alimentares – capacidade escolher, comer e digerir bem alimentos que


satisfaçam suas necessidades.

 Reequilíbrio pós-stress – capacidade de retornar a um estado confortável após picos de


raiva, irritação, ciúme, impaciência, tristeza, etc.

 Corpo – ausência de dores e tensões no corpo na maior parte do tempo.

 Capacidade de estar focado, consciente, concentrado, no momento presente.

 Capacidade de perceber estados mentais aversivos (desagradáveis) – raiva,


ressentimento, má vontade, compulsão, tristeza, etc. no momento em que surgem.

 Capacidade de empatia – capacidade de escuta e expressão do que se sente em relação


ao outro, incluindo os sentimentos e percepções do outro, incluindo o outro como
referência.

 Capacidade de defesa do sistema imunitário – resistência às doenças, gripes, mal-estar


e recuperação do corpo após situações de saúde.

 Capacidade de criar, criatividade, habilidade para construir soluções para problemas;


visão do todo; capacidade de ver as diferentes causas e efeitos de um problema.
Analisando as respostas, percebe-se que não houve demonstração de grandes dificuldades e
desconfortos em relação ao sono, hábitos alimentares, corpo – ausência de tensões, capacidade de
foco, de perceber estados mentais, capacidade de empatia, capacidade de defesa imunitária,
criatividade. O único ponto convergente, em que a maioria marcou que de 0 a 4 na escala, foi o item
reequilíbrio pós-estresse, o que nos leva à principal demanda a ser trabalhada (ver Anexo 3).

Questiono-me, porém, se a baixa incidência de alta frequência de “estados mentais aversivos”


não se deve ao pouco contato e à baixa percepção sobre os estados emocionais em geral, que surgem a
cada momento; uma característica comum, relatada por pessoas que sofrem de ansiedade, agitação, e
que vivem processos compulsivos.

Talvez seja interessante refazer o estudo usando escalas mais precisas e entrevistas individuais
para certificar o entendimento da pergunta e realizar a coleta antes e depois da experiência no
programa, explicitando, numa pergunta específica, se o participante percebeu alguma mudança na sua
capacidade de “se dar conta” dos estados emocionais que surgem a cada momento em sua mente e
corpo, e pedir que marquem o quanto acreditam que esta capacidade modificou-se numa escala.

9.c) Dados qualitativos

Obviamente que, em razão do escopo do trabalho, não poderemos nos dedicar na discussão a
problematizar todos os pontos relevantes da experiência, bem como dos relatos (escritos e verbais).

Como foi dito, darei prioridade máxima a uma análise qualitativa dos dados coletados. Inclusive, em
razão disso, ocuparei-me principalmente em analisar os relatos dos próprios sujeitos.

Todos os dados coletados, em forma de depoimentos de áudio e texto, foram analisados buscando
padrões e semelhanças nas falas, atitudes e percepções, procurando investigar o que pudesse ser
apreendido como um traço de identidade do grupo e respeitando opiniões, posições, percepções e
experiências individuais que pudessem ser relevantes para as questões levantadas e objetivos da
pesquisa.

Os seis depoimentos escritos foram entregues em um nono encontro, numa sessão extra, que foi
agendada com o objetivo de conseguir a captação dos depoimentos dando a oportunidade, aos que não
iriam ao minirretiro, de expressar suas percepções.
O pedido feito ao grupo era de expressar, da forma como quisessem, o que levariam do programa,
o que sentiam naquele último encontro, como pretendiam prosseguir dali em diante e se tinham
interesse em continuar no programa, caso ele fosse reeditado. Os dois relatos, gravados em áudio,
foram coletados após o retiro de seis horas, no décimo encontro. Por problemas na qualidade da
gravação, não foi possível utilizar os outros dois depoimentos registrados em áudio.

Em relação à quantidade de dados coletados, contou-se com uma amostra reduzida em relação à
expectativa, já que dos 26 participantes inscritos, 11 (42,3%) permaneceram até o último (oitavo)
encontro formal no hospital e apenas 5 foram ao minirretiro de seis horas fora do hospital, em um
centro de meditação próximo ao local (19,2% ).

Sendo assim, foi preciso extrair o máximo dos dados coletados, recorrer as anotações sobre o
andamento do grupo e perceber a riqueza de sutilezas e possibilidades de leitura e cruzamentos
possíveis com o material coletado.

9.d) Percepções da equipe médica

Na opinião da equipe técnica do hospital, o índice de evasão foi muito abaixo do esperado,
comparando a iniciativa com outros tratamentos oferecidos no hospital (internação e ambulatório),
que variam de 75 a 80% de índice de evasão. No caso do programa de Redução de Estresse, 50% de
evasão, no total, foi percebido como uma boa surpresa para a equipe, ou, como disse uma das
psiquiatras no encontro de avaliação, “um oásis no meio de tantas dificuldades” ocasionadas pelo alto
índice de pacientes novos e casos reincidentes, principalmente em dependência de crack, considerado
uma epidemia, no momento, na cidade do Rio de Janeiro.

Antes de entrar nos dados propriamente ditos, vou expor brevemente o feedback da equipe do
hospital, uma vez que pude perceber, nas suas falas e relatos, a relevância do programa neste
contexto, tão novo para mim, e que, talvez por isso, eu considere tão significativo.

Segundo a equipe, foi possível perceber uma melhora consistente no estado de bem-estar dos
pacientes que participavam do programa. Isso foi percebido pela equipe por meio de relatos em
consulta e no próprio atendimento ambulatorial. Relatos de melhoria de bem-estar em geral, listando
itens como melhoria da ansiedade, sono, agitação e capacidade de superar conflitos foram citados e
surpreenderam a equipe positivamente.
Como resultado disso, a equipe técnica fez um pedido formal a mim para que o programa,
realizado de forma voluntária, continuasse a ser oferecido em outro ciclo de oito encontros, com um
minirretiro ao final. A possibilidade de continuidade existe e está sendo estudada, buscando adequar o
tempo disponível da instrutora voluntária e solucionar as dificuldades relacionadas ao apoio e à
estrutura oferecidos pela instituição – incertezas quanto à disponibilidade de sala adequada para a
realização das atividades, investimento em material didático e possível discussão sobre apoio para as
passagens dos participantes.

Hoje, o psiquiatra corresponsável pela implantação do projeto está mantendo os encontros


semanais com novos grupos no hospital e conduzindo meditações breves, com trocas de experiências.

9.e) Percepções dos participantes

As falas são o ponto mais vivo da coleta de dados, pois me ajudaram a colocar-me diante dos
sujeitos de pesquisa sem ignorar suas subjetividades e suas complexidades. Desse modo, acredito que
a hipótese investigada e a práxis ocorreram de maneira a respeitar o fato de que aqueles sujeitos não
são “dados” ou “resultados” meramente esperando inevitável quantificação. Essa reflexão fez-me
relembrar Eclea Bosi, em seus brilhantes estudos qualitativos sobre memória:

“Nesta pesquisa fomos ao mesmo tempo sujeito e objeto. Sujeito enquanto indagávamos, procurávamos
saber. Objeto quando ouvíamos, registrávamos, sendo como que um instrumento de receber e
transmitir...” (BOSI, pág. 38)

Com esse olhar, de sujeito e objeto que interage, se emociona e se transforma no processo,
analisei os dados coletados tendo o cuidado de perceber o quanto o desejo de sucesso da empreitada
não estaria impactando os resultados finais, que certamente não trarão certezas, mas tendências e
possibilidades ainda a serem investigadas.

Em razão da importância que atribuo aos relatos, optei transcrevê-los, agrupando-os, e os


anexei, na íntegra, ao final da pesquisa. Não o fiz por um preciosismo acadêmico, nem tampouco para
obter o máximo de dados em um nível quantitativo, mas para dar ao leitor a oportunidade de imersão
na experiência que tive no momento da coleta e na experiência dos próprios participantes.
Na análise de resultados, estarei preocupada em continuar dando prioridade máxima aos relatos
pessoais deles, porém, escolherei os trechos mais significativos e que expressam demandas,
percepções e emoções mais recorrentes, e que serão usados na discussão dos conceitos teóricos e
autores nos quais me baseio para análises, construções e reflexões sobre os resultados e impactos da
experiência.

CAPÍTULO 10 - CONEXÃO E TRANSFERÊNCIA

Seguem os relatos escritos pelos participantes no nono encontro (extra) e gravados em áudio
após a realização do minirretiro de seis horas de prática:

10.a) Algumas conexões

Como M.D, alcoólica, relatou:

“A princípio tive um pouco de preconceito, pois sou cristã e achei que por ser prática de yoga teria
a ver com Budismo. Uma frase dita pela Fabiana mudou algo em mim, não só a frase, mas o
abraço afetuoso e longo ao som de “vai passar”. Foi um momento difícil, me ajudou e estou
passando adiante.”

Segundo seu próprio relato, duas coisas ajudaram a dissolver o preconceito, pouco a pouco:
“mudaram algo em mim...”. Primeiramente, a frase “vai passar”, pareada com um “abraço
afetuoso”.

Estudemos o que M.D. chamou de “abraço afetuoso”, a partir do contexto de mindfulness. As práticas
de mindfulness são sempre oferecidas tendo o autocuidado consigo e com os outros como moldura
constante. Inclusive por isso, as ideias e os conceitos do programa nunca devem ser impostos ou
mesmo ensinados, numa relação hierárquica “professor-aluno”, “mestre-discípulo”.

Idealmente, o instrutor de mindfulness deveria ter a habilidade de corporificar tal autocuidado e


aceitação de modo a ser uma experiência tangível dos conceitos que embasam o programa. Ciente das
minhas próprias limitações, sempre tentei compartilhar esse conhecimento, com base na minha
própria vivência, como é sempre recomendado aos instrutores de mindfulness, e de maneira
espontânea e sincera. Pela minha experiência significativa com a prática de meditação e o sincero
desejo de conexão com pessoas que vivem o sofrimento da dependência química, pela minha própria
história familiar, que explicitei resumidamente ao grupo, tenho a sensação de que consegui transmitir
um sentimento de partilha e gerar um rapport e a confiança de que esse tipo de conhecimento nunca é
imposto, e que, de fato, é algo precioso e genuíno.

Além disso, percebi que algo que permeia a maioria dos depoimentos é a conexão e a gratidão
comigo, pela atuação como instrutora, e com o psiquiatra responsável pelo trabalho. Penso que essa
conexão pode relacionar-se ao surgimento da transferência, conceito psicanalítico que pode ser visto
como relativo à repetição de atitudes emocionais inconscientes, amigáveis ou hostis, que o paciente
estabelece em relação ao analista, relacionadas a outras que o paciente estabeleceu com seus pais ou
pessoas mais próximas, que eram importantes para ele.

Seguem alguns outros exemplos de falas que expressam afeto, vínculo e gratidão:

“(...) a nossa querida mestre Fabiana, que nos mostrou o caminho com carinho” (M.R.)

“Hoje eu quero agradecer, pois acho que teve muito carinho, muita atenção, muito aprendizado e muitas
coisas boas. Foi fantástico”. (R.)

“Sou muito grata e sempre serei a você e ao Dr. Micceli!” (F.F)

“O que você puder nos indicar de livros, de cursos e de coisas, vamos nos manter unidos. Viu como
ficou? Quem está é quem tem que estar.” (R. A)

É interessante analisar essas falas em conjunto com outros comportamentos que pautaram os
encontros, como demonstrações de afeto, públicas e em particular, dos participantes em relação à
instrutora, na forma de abraços e palavras carinhosas ao final de cada reunião, como um eufórico “eu
te amo!” que era dito da porta, em voz alta, na despedida de um dos participantes mais idosos ao final
da reunião. Além dessas falas, o envio de e-mails pessoais de alguns dos participantes agradecendo
pelo aprendizado, desejando um bom curso quando precisei afastar-me por uma semana, entre outras
manifestações, reforçam a crença de que uma conexão especial e profunda aconteceu ali.

“O fenômeno da transferência é a chave da invenção desse novo modo de tratamento”


(MAURANO, 2011, pg. 15)

Refletindo sobre a “transferência” e endereçando esta relação que transcende o ensino-


aprendizagem e toca o solo da cura no trabalho terapêutico, transcrevemos abaixo o que nos apresenta
Denise Maurano sobre a dinâmica da transferência:
A transferência ganha tal importância que será condição preliminar para o estabelecimento do
tratamento psicanalítico. Se por alguma razão ela não se estabelece, se o paciente não é capaz de
fazer um investimento no analista, sustentado sobretudo em supor-lhe um saber e viver os efeitos disso
também em sua dimensão afetiva, a utilização desse método fica inviabilizada” (MAURANO, 2006, p.
16)

Para Maurano, a relação de transferência é a chave para o processo da cura na psicanálise, pois é por
meio da relação de vínculo com o analista que todo o processo de reviver conflitos e relações se
estabelecerá, com base no vínculo do afeto do paciente pelo analista e, na contratransferência, do
analista pelo paciente. Por isso, acredita-se na impossibilidade deste caminho em casos onde o
paciente não consiga estabelecer vínculos afetivos baseados no desejo de saber mais sobre si e sobre
sua condição. (MAURANO, 2006, P.26)

No processo de adicção, o campo das relações e do afeto são profundamente revolvidos e


muitos autores acreditam que o caminho da recuperação envolve o reestabelecimento de novas formas
de relações íntimas diferentes das nutridas anteriormente, na vida “ativa” do dependente. Muitos
desses relacionamentos baseavam-se em conexões superficiais ou intensas com pessoas, por vezes,
pouco dignas de confiança, já que os próprios adictos muitas vezes consideram-se assim. Nakken
(1996, p.43) afirma que a construção de novas relações muitas vezes se inicia partindo de uma relação
com uma ideia de poder superior, que atue de maneira independente e não controlada pelo adicto, que
está acima de si mesmo, e que pode ser entendida como uma relação com uma força ou entidade
espiritual, ou com a força e integridade do grupo do qual ele participa, ou a força que percebe na
instituição onde se trata.

A transformação das relações é influenciada pelo partilhar com os outros, em grupo, que
permite ao dependente perceber uma dignidade partilhada em falas, abraços, contatos. Nas palavras de
Nakken, “começam a pôr em questão a crença adictiva que diz, ‘não se deve confiar nas pessoas –
você é muito diferente – não é como eles’. Os adictos em recuperação descobrem que são como os
outros” (NAKKEN, 1996, p.45). E quando encontramos pessoas capazes de nos compreender, as
relações íntimas e os vínculos passam a fazer sentido e a ser desejáveis.

Neste espaço de convivência e trocas que foi criado, podemos relacionar a emergência da
relação e a transferência com os responsáveis pela condução do programa, a relação de respeito e
gratidão dos participantes pela existência do Programa de Redução de Estresse, as menções durante
suas falas sobre a importância do grupo de mútua ajuda do qual fazem parte e as próprias relações de
camaradagem e parceria, perceptíveis nas brincadeiras e conversas durante os encontros, com essa
“nova maneira de relacionar-se” e de sentir-se parte de uma rede de vínculos baseada em confiança,
segurança, solidariedade e afeto.

Com isso, podemos refletir sobre as ideias de civilização e ética trazidas por Freud e pela
psicanálise.

(...) A substituição do poder do indivíduo pelo poder de uma comunidade constitui o passo
decisivo da civilização. Sua essência reside no fato de os membros da comunidade se restringirem
em suas possibilidades de satisfação, ao passo que o indivíduo desconhece tais restrições. A
primeira exigência da civilização, portanto, é da justiça, ou seja, a garantia de uma lei, que uma
vez criada, não será violada em favor de um indivíduo. (FREUD, 1997, P.49)

Em sua abordagem, Freud pressupõe que uma ética definida pela vontade de uma comunidade com a
qual nos identificamos e da qual nos sentimos parte permite que façamos os sacrifícios necessários de
nossos instintos e recebamos a possibilidade de uma liberdade individual, que nasce dessa disciplina
do grupo. Essa disciplina e proteção, todavia, será sempre um campo de dualidade com a liberdade
individual, já que será sempre reivindicada em prol do “eu” nos momentos de conflito com o grupo.

10.b) Percebendo a impermanência

Analisando a outra parte deste depoimento, a expressão “vai passar” poderia passar
despercebida como mero senso comum. Não menosprezando o senso comum como uma via legítima
para o conhecimento, dedicaremos nessa pesquisa um maior cuidado na análise desta frase,
aparentemente aleatória e despretensiosa, mas que tem como possibilidade ser resultado de um tipo de
comportamento estruturado por um tipo de condição cognitiva.

A ideia de que tudo passa fundamenta todo o panorama dos ensinamentos de mindfulness. De fato, o
conceito de impermanência é também primordial na visão de mundo budista (anicca, em páli). Como
é algo a ser explorado e investigado por cada um, e não é um conceito apresentado como um dogma
que deve ser alvo da crença dos praticantes, esse tipo de ideia foi mantida nos programas seculares de
mindfulness.

Jonh Kabat-Zinn, na apostila do programa (Prepa), destaca no texto “Por que meditar?” a
relação entre a capacidade de indagação para aquilo que está oculto, para a efemeridade dos
fenômenos, por exemplo, como algo que nos exige sair do nível dos conceitos para o nível da
experiência direta, para um verdadeiro conhecimento. Assim, a partir da meditação focada na
observação das sensações, percebemos a dinâmica fluida e de constantes mudanças e nossas próprias
sensações corporais, pensamentos e emoções.

Esse processo pode nos levar a um insight, o que na tradição budista é definido como compreensão
por meio da experiência direta não conceitual (insight). Acredita-se que, a partir de uma nova
compreensão de si e da realidade por meio da prática de meditação e do cultivo constante da plena
atenção na vida diária, a dinâmica das relações interpessoais e os mecanismos de defesa e de
orientações do sujeito para com essa realidade com a qual ele interage serão profundamente
impactados.

Kabat-Zinn descreve a compreensão deste processo ou característica presente em todos os


fenômenos da seguinte forma:

Em primeiro lugar, descobrimos que tudo muda, que tudo aquilo que considerávamos sólido,
imutável e permanente é sujeito na realidade a um processo de fluxo contínuo. Há aqueles que, ao
ouvir isto, dizem: “já sei que tudo é impermanente, mas isso não tem nada de surpreendente”.
Todavia, ainda que no plano intelectual saibamos que tudo é impermanente, a maioria de nós
possui apenas um conhecimento superficial da impermanência. Ela não é conhecida por nós de
forma visceral e profunda, ou seja, a partir do interior. A meditação, neste sentido, constitui um
meio capaz de desvelar a sua verdade em níveis mais profundos. Tudo, absolutamente tudo – seja
interna ou externamente – todas as sensações, os pensamentos, os sentimentos, os sons e os
sabores estão em contínua dissolução” (KABAT-ZINN,2009, p.45)

Neste sentido, a frase “vai passar” é uma lembrança a tudo o que foi experimentado e investigado
ao longo do programa – sensações agradáveis, desagradáveis e neutras, estados mentais e físicos etc.
–, e o fato de a paciente ter relatado essa vivência como algo especial, podem ser interpretados como
um aceite para o convite que foi feito durante as práticas: o de explorar profundamente, na vida diária,
essa característica da existência.

Dessa forma, o programa orienta para a tentativa de prática da resiliência na vida cotidiana e,
principalmente, de cada um consigo. Esse é um desafio, um convite à investigação e à percepção
atenta de todos os fenômenos que nos cercam e expressam a transitoriedade, a efemeridade e a
impermanência, de diferentes formas. Isso possibilita ao praticante uma oportunidade de desenvolver
maior capacidade de adaptação às mudanças que são simplesmente inevitáveis e parte natural da vida.
10.c) Da fuga e do ataque para a aceitação

Na perspectiva de Minfullness, este olhar para a impermanência e o entendimento da efemeridade


dos fenômenos é percebida em outros depoimentos e pode ser conectada a um novo comportamento
que se estabelece com base no entendimento dos padrões de reação de fuga e ataque constantes,
disparados pelo medo, ansiedade e desejo de proteção do Eu/ Ego nas situações de estresse constantes
na vida.

Podemos explorar uma relação entre o mecanismo de fuga e ataque e o modelo cartesiano citado
anteriormente, baseado no racionalismo, partindo do princípio de que neste modelo costuma-se
justificar reações como a fuga e o embate a tudo aquilo que é para nós desagradável, aversivo ou que
gera medo (como a morte, a dor, a angústia e o desespero), como um mecanismo de defesa sem o qual
não poderíamos sobreviver. A crença de que esse padrão cognitivo e comportamental é inerente à vida
humana é discutido na perspectiva de mindfullness, que convida à compreensão dos fenômenos a
partir da aceitação deles, e por meio de um olhar aberto, curioso, que busca uma experiência de
contato e entendimento direto a partir da capacidade intuitiva de percepção, que poderia ser chamada
de pré-conceitual, ou seja, não exclusivamente baseada na razão e nos recursos da lógica e do
intelecto.

Nesta série de depoimentos, percebemos em comum a noção de que a aceitação das condições
presentes e expressas na mente, em conjunto com a observação de nossa tendência a fugir do que é
desagradável e a repetir o que é agradável, pode ser uma forma de “escape”, que Kabat-Zinn define
como “piloto-automático”.

Se prestarmos atenção veremos que só nos estressamos porque não sabemos lidar com
acontecimentos, não prestamos plena atenção e não aceitamos algo que nos desagrada ou é
desconhecido. (C.D.)

Gostei muito dos exercícios. Algumas frases faladas durante os exercícios me fortalecem e me
sinto bem, como por exemplo: “você é assim, desse jeito”.”(M.D.)
Porque tem hora que eu tava aqui e eu tava com vontade de ir embora sabe. Tem hora que eu
tenho agonia e quero ir para casa (gestos com as mãos de encaixe entre os dedos e olhos
fechados). Aí eu consigo colocar em prática alguma coisa e penso que isso também vai passar.
(J.B.)

Até no dentista tenho usado a respiração. Para voltar pro centro, quando sinto que estou
estourando, no trabalho, etc. O STOP* é fantástico! Presente no decorrer do meu dia! Ele
complementa todo um trabalho de "só por hoje" de uma alcoólatra reativa e impulsiva!”
(*STOP – “Parar, Tomar Fôlego, Observar e Proceder) (F.F)

“Um momento não é igual ao outro, e isso me ajuda nos momentos difíceis”. (M.D.)

A gente aprende não é? Olha aí ó! (aponta para o quadro onde há uma equação que
apresentar o sofrimento como algo proporcional à “luta” contra ele) Sofrimento é igual a Dor
vezes Resistência! É matemático o negócio! Então vamos embora! (R.A)

Podemos observar nesta última fala o entendimento de que a resistência e luta constantes
contra as condições externas e internas do mundo que nos cerca, e que muitas vezes são
incontroláveis e diferentes do que desejamos que fosse, gera ainda mais estresse, perda de energia e
“ruminação” mental, como Kabat-Zinn denomina o fluxo incessante de pensamentos relacionados a
preocupações e expectativas. Uma postura de abertura e aceitação dessas condições e a lembrança de
que são temporárias, parece trazer uma nova possibilidade de se relacionar com elas.

Allan Wallace, físico e filósofo, doutor em estudos da religião, ex-monge budista por quatorze
anos, descreve em “Ciência Contemplativa” os tipos de desequilíbrios mentais relacionados à
conação, à atenção, à cognição e ao afeto. Ele relaciona a prática da plena atenção à possibilidade de
superar desequilíbrios cognitivos relacionados a nossa “incapacidade de perceber o que está presente
nos cinco campos da experiência sensorial e na mente”.

Quando nos encontramos dissociados do que está ocorrendo tanto à nossa volta como em nosso
interior, estamos sofrendo do distúrbio de deficiência cognitiva. A hiperatividade cognitiva entra
em ação quando confundimos nossas projeções conceituais com a verdadeira percepção – quando
não conseguimos distinguir as realidades percebidas das suposições e fantasias sobrepostas.
(WALLACE, 2009, p.22)
Ele explica que as personalidades psicóticas fazem isso de formas extremadas, mas pessoas normais também o
fazem, de forma mais prudente, mas apresentando também a característica da hiperatividade cognitiva, que
gera desgaste, conflitos e sofrimento mental desnecessário.

Wallace esclarece que um dos princípios dos quais a psicologia budista parte é o de que este desequilíbrio
cognitivo pode ser superado, e que um dos principais mecanismos de “intervenção” é o cultivo do que ele
denomina “percepção atenta”, a plena atenção ou mindfullness.

O primeiro desafio consiste em aprender a dar atenção apenas ao que está sendo apresentado
aos nossos sentidos e aos nossos processos mentais internos. Para isso, o Buda propôs o seguinte
ideal: no que é visto, existe apenas o que é visto; no que é ouvido, existe apenas o que é ouvido;
no que é percebido, existe apenas o que é percebido. (...) o budismo dá instruções detalhadas
sobre como aplicar a atenção a nossa presença física e mental no mundo (...). (WALLACE, 2009,
p.22)

É possível relacionar o conceito de fuga x ataque com a teoria das pulsões, delineada por Freud, em
diferentes períodos de sua obra, que aborda essa dualidade psíquica inerente ao ser humano definida
como um “conflito de forças contraditórias motrizes do psiquismo”, conforme aborda Maurano.

Mas é importante frisar que, para a psicanálise, o dinamismo psíquico é tal que qualquer ideia
de equilíbrio é um ideal que se distancia do real da vida psíquica. Longe de ir na direção da promessa
de plenitude, equilíbrio e satisfação, a ética da psicanálise aponta a dimensão irrefutável da
precariedade humana e convoca a que possamos lidar com isso da melhor forma possível. Trata-se de
uma ética da precariedade (MAURANO, 1995).

Freud denominou como pulsão como drive (impulso) ou urge (ânsia), dois termos usados com muita
frequência na literatura sobre dependência química e adicção. Ao longo de sua obra, Freud propõe
estruturas de pulsões de naturezas diferentes, passando primeiramente pela oposição FOME x AMOR,
“que se traduz na existência de PULSÕES DO EU (ou de autoproteção) e PULSOES SEXUAIS (ou de
preservação da espécie)”, conforme esclarece Maurano. Posteriormente, o conceito de narcisismo é
inserido neste contexto e passa a se referenciar às pulsões dirigidas ao próprio eu. Nessa construção, a
expressão deste dualismo foi enunciada entre LIBIDO DO EU (investimento sexual dirigido ao próprio
eu) X LIBIDO OBJETAL (investimento sexual dirigido aos objetos). Em “Além do Princípio do
Prazer”, Freud expõe esse dualismo de uma terceira forma: PULSÕES DE VIDA X PULSÕES DE
MORTE (MAURANO, 1995, p.42).

Marlos Gonçalves Terêncio, autor de “Um Percurso Psicanalítico pela mística, de Freud a
Lacan”, define a teoria das pulsões, que como Freud descreveu é a própria mitologia da psicanálise,
como forças que podem ser representadas “como uma energia fundamental que anima todo sujeito
humano, promovendo uma tensão que demanda descarga” (TERENCIO, 2011, P.84).

Devido ao instinto, modelo usado para definir o que rege os impulsos animais, cujas necessidades e
objetos para a satisfação são biologicamente determinados, não caber na definição do que rege o
comportamento humano, por sua qualidade de ser falante, entra em cena a noção de pulsão, que pode
ser definida também como uma pressão constante, de natureza múltipla, que amplia a noção de
sexualidade humana e transpassa os limites da genitalidade e funções de reprodução.

De forma muito concisa, afirma-se que as pulsões têm características variáveis e metas (alvos)
provisórias, e que, por nunca permitirem uma satisfação plena, a descarga acontece apenas em parte,
nunca deixando de atuar como uma pressão sobre o sujeito. Ela nuca atinge seu alvo e apenas
circunda-o para então iniciar um outro percurso, como por exemplo, no ato de alimentar-se, onde o
objeto não é o que satisfaz a pulsão, mas o prazer que se têm no saboreá-lo, o deleite. (TERENCIO,
p.86)

Isso nos traz novamente à questão do sofrimento que, para Freud, pode surgir de três fontes
distintas: o poder superior e incontrolável da natureza, a fragilidade de nossos corpos, que envelhecem
e adoecem, e a inadequação das regras que regem os relacionamentos humanos nas esferas familiar,
estatal e social. Surpreendente é as regras criadas pela própria civilização se mostrarem incapazes de
proporcionar aos sujeitos o bem-estar e segurança de que necessitam para alcançar a felicidade
(MAURANO, 1995, p.79).

Isso nos leva a pensar em como os sistemas por nós criados nos levam à insatisfatoriedade, conforme
o próprio Buddha coloca em seus ensinamentos sobre a compreensão do padrão mental inerente ao
que denomina mente (manas, em páli) e formações mentais (sankaras, em páli), que é aprisionada
pela constante fuga dos perigos e do que desagrada e pela busca obsessiva pelo que é agradável,
prazeroso e seguro para o Eu.

Freud discute ainda qual seria a motivação de tantos que se rebelaram contra a civilização, e
chega à ideia de que seria pela natureza coercitiva das vontades individuais, ou seja, que esta
característica da base civilizatória conteve em si mesma a semente de sua contestação (...). Descobriu-
se que uma pessoa torna-se neurótica porque não pode tolerar a frustração que a sociedade lhe impõe,
a serviço de seus ideais culturais, inferindo-se disso que a abolição dessas exigências resultaria num
retorno a possibilidades de felicidade (FREUD, 2010, p. 49).

O fato de vivermos em uma sociedade cada vez mais estimulante do consumo, da vaidade, do
poder da imagem, da necessidade de prazer imediato entre outros impulsos, leva-nos a refletir sobre
como a insatisfação, com a renúncia pela coerção, também são forças dicotômicas, que alimentam
padrões às quais essas pulsões dão vida.

10.d) Atenção às sensações do corpo: estando presente no aqui, agora

Foi possível perceber em algumas das falas a percepção de que o estado de atenção nas sensações
do corpo ajuda a estar mais presente e a viver o momento, seja como ele for.

Desde o primeiro encontro entendi que todos nós precisamos estar presentes (conscientes do
que estamos fazendo) em todos os momentos de nossa vida, prestar atenção plena no aqui e
agora, desenvolvendo maior interesse em todos os nossos atos. Não viver automaticamente,
como se cada segundo fosse igual ao outro. (C., esposa de alcoólico em recuperação)

A percepção das sensações no momento em que acontecem, desperta o foco para o presente e
reduz o movimento de “ruminação” de fatos do passado e a ansiedade com as expectativas, que
surgem do que está por vir. Esse estado mais atento, aberto, que percebe que tudo muda e passa, como
as sensações do corpo, ajuda a manutenção de uma qualidade de presença (consciência) e atenção
maior, auxiliando o sujeito a dispor de mais recursos para superar situações altamente estressantes.

Foi um ótimo curso, pois estou sabendo lidar com algumas dificuldades e também poder
usufruir do meu próprio corpo como tomar um banho, sentir o cheiro do sabonete, saber
apreciar uma boa alimentação, degustar com mais calma, utilizar o CD número 1 para praticar
o conteúdo do mesmo. Quando faço um bom alongamento corporal e aceito as coisas que eu
não posso alimentar nem tão pouco modificar. (R., alcoólico em recuperação, membro do AA).

A redescoberta de alguns prazeres simples, que podem ser experimentados com a atenção mais
apurada a cada instante revela novas perspectivas e reforça, para o sujeito, a crença de um saber do
outro, o instrutor, que ele ainda não dispõe, mas que, conforme a experiência demonstra, traz
benefícios e estimula uma postura de curiosidade, abertura, confiança e destemor.

Eu não quis anotar nem gravar porque eu queria estar inteira no momento, com o sentidos
todos, ouvindo tudo o que eu ouvi e vivenciando tudo que eu vivenciei (...). Ter a consciência
dessa ansiedade, dessa ambição, de você estar em um lugar e querer estar em outro, e que você
volta, vê que o corpo está aqui mas a mente está lá não sei onde... Como é que pode se viver
desse jeito? Essa ligação, essa integração, eu acho que a gente fez isso aqui e vem fazendo.

Essa coisa do corpo é muito importante, de sentir os pés, de se sentir... Esse trabalho paralelo
que eu faço com Gurdjeff está complementando muito uma coisa com a outra...

(R., alcoólica em recuperação, membro do AA.)

Percebemos que a possibilidade de poder escolher estar presente, completamente inteiro em


uma experiência, e sair de uma espécie de escravidão dos padrões mentais e emocionais de ansiedade,
agitação, confusão mental ou torpor é algo muito valorizado, principalmente para aqueles que são
membros de grupos de autoajuda, como Alcoólicos Anônimos, Narcóticos Anônimos, Dasa
(Dependências de Amor e Sexo) entre outros. A abertura para o uso de técnicas complementares no
suporte da recuperação demonstra ser algo frequente nas falas, revelando o entendimento de que
ferramentas distintas podem ser empregadas de forma conjunta, sem restrições.

Nesse sentido, como afirma Wallace, “existe um volume crescente de pesquisas científicas
explorando os efeitos terapêuticos dessa prática de atenção, grande parte delas inspirada na obras de
Jon Kabat-Zinn e seu extremamente bem-sucedido programa de redução de stress com base nessa
prática” (Wallace, 2009).
10.e) Estado de abertura, curiosidade e maior subjetividade: percepção de processos mentais

Vemos em outros depoimentos, como um estado de abertura, curiosidade e atenção permite que
processos mais sutis, antes imperceptíveis, possam ser observados e sentidos pelos sujeitos. Processos
ligados ao pensar, ao sentir, às reações automáticas. A interdependência entre os diversos fatores
cognitivos, por exemplo, de um som que é ouvido até o sentimento de medo do cão agressivo,
conforme foi exemplificado por um dos praticantes do programa, pode ser percebida momento a
momento, em toda a sua velocidade, dinâmica e gama de intensidades.

Essa percepção de estados emocionais e mentais transcende a prática formal da plena atenção e
meditação e proporciona, na vida cotidiana dos praticantes, a maior percepção de padrões repetitivos
ligados principalmente a conflitos familiares e no trabalho, e que se manifestam por meio da
linguagem e de modos de fala e interação que não facilitam o diálogo, a escuta empática e o cuidado
no relacionar-se com as emoções, desejos e necessidades, suas e do outro.

Agradeço (...) com sua delicadeza nos orientou e nos despertou para enxergarmos o nosso
interior e exterior e nos deu material que servirá para cada vez mais entendermos nossa própria
mente. (C.D)

Essa experiência me ajudou muita na questão da disciplina com a meditação e me fez conseguir
aumentar minha prática, que tem me beneficiado no meu dia a dia, voltando a atenção para
minha respiração e para a plena atenção entrando mais em contato comigo. (M.R.)

Essa prática tenha me causado também um certo desconforto da alma e do corpo, da mente e do
coração, pois este contato comigo mesma tem me trazido descobertas que me angustiam. Mas
hoje consigo usar as ferramentas necessárias para controlar a situação. (M.R)

Essa descoberta está me fazendo ver a vida com um novo olhar. (S.V)

Outra coisa é que isso talvez seja uma coisa inédita: eu nunca fiquei tanto tempo sem falar.
Nunca, na minha vida inteira. E fiquei tranquilo, não fiquei com vontade de falar. Fiquei ali na
minha sabe. (J.B.)
Ao longo dos encontros, o tema da “estilos de comunicação” é trabalhado com foco em
dinâmicas e experiências no grupo onde praticamos a escuta ativa, um exercício no qual cada
integrante, em duplas, conta algo que lhe emocionou para o outro, buscando deixar claros os fatos, os
sentimentos e as necessidades envolvidos na história. O outro escuta e reconta ao parceiro – sem
emitir sua opinião, julgamento ou conselho – o que foi entendido. Essa prática foi acrescentada por
mim ao programa, porém, é fruto de minha experiência em mediação de conflitos a partir da
abordagem de Marshal Rosemberg, estruturador da Comunicação Não Violenta (CNV), método
usando em mediações de conflito pela ONU e diversas instituições reconhecidas mundialmente.

Com base nisso, trabalha-se com a conceituação de estilos de comunicação agressiva, passiva
e assertiva, e é sugerido que os participantes busquem identificar os tipos de respostas mais frequentas
que costumam oferecer nas suas interações na vida diária. O exercício parece ter permitido reflexões e
compreensões de padrões, como vemos numa das falas de uma esposa de dependente de álcool.

Pessoalmente estou tentando deixar de ser “passiva” para ser “assertiva”, pois aprendi
também que devemos expor nossos sentimentos e vontade com clareza e firmeza, sem
machucar ninguém, mas deixando que os outros saibam nossas opiniões e desejos, e tenho
conseguido. (C.D)

Uma das habilidades desenvolvidas no programa e muito valorizada por Kabat-Zinn em suas
obras é a autocompaixão, a capacidade de dedicar a si mesmo sentimentos de amorosidade, perdão,
reconhecimento de intenções e ações saudáveis e hábeis e a possibilidade de reduzir julgamentos,
críticas e a rigidez que muitas vezes acompanham, neste caso, pacientes em recuperação de
drogadiccção, frequentemente cruzada com outras condições emocionais-mentais.

As falas apontam para uma avaliação positiva da experiência pela maioria do grupo, como vemos nos
trechos a seguir. A demonstração da intenção de continuidade, seja de praticar por si mesmo ou de se
manter no grupo, além de pedidos para que o grupo continue e de endereços e contatos de grupos de
yoga e meditação em outras regiões da cidade, foram eventos marcantes dos últimos dias do
programa.
Um episódio interessante ocorreu no último dia dos encontros formais, quando o participante
J.B, cujo perfil era mais reservado, altamente impulsivo, expressou que, às vezes, sentia vontade de
correr e gritar, frequentemente incomodado com os ruídos e conversas na sala ou com o fato de sua
cadeira e espaço de prática estar ocupado por outro, roubou a cena e, num clima de euforia e ebulição
que tomava conta da sala, tomou a frente do grupo e escreveu no quadro três locais de prática de
meditação e yoga, explicando a todos como chegar, o que levar e a dinâmica dos encontros. Foi
perceptível a surpresa e a alegria do grupo com a atitude do colega, que recebeu agradecimentos de
todos, e nos dois encontros seguintes mostrou-se mais aberto ao contato verbal, visual e físico.

Outra relação interessante que pude estabelecer foi entre a capacidade de superação,
continuidade e gratidão dos participantes a si mesmos, aos colegas e à equipe realizadora.

As referências a dificuldades de continuidade, obstáculos e frases como “nem que precise me puxar”
– relacionada à percepção de que muitas vezes é necessário desenvolver certa disciplina para perceber
estados mentais não hábeis e não agir automaticamente, levados por certos padrões de comportamento
e estados mentais de preguiça, procrastinação, etc. – foram vistas em alguns depoimentos. “Fazer algo
por si mesmo” e “concluir a tarefa” também foram termos frequentemente usados pelos praticantes.

Agradeço a mim também por ter persistido e me trazido com determinação e agradeço a Deus
que olha por mim. (M.R)

Estou muito satisfeita de ter concluído esse tempo juntos, de ter vindo e de ter feito alguma coisa
por mim. Me senti muito bem também. Fiquei um muito feliz, pois hoje eu estou conseguindo
colocar essas coisas na minha vida, como prioridade, e não só ter trabalho, trabalho, dinheiro,
dinheiro, ganância essas coisas... (R.A)

Então eu espero muito continuar com esse trabalho e ir aonde for preciso, me puxar, me levar.
(R.A)

Para os integrantes que mantinham atividades profissionais – um ponto importante no


processo de socialização e recuperação – o fato de os encontros terem sido às terças de manhã muitas
vezes tornou-se um obstáculo. Outros apontaram a dificuldade com passagens e transporte como o
maior problema. Independente desses fatores, o material oferecido foi apontado como “saída” para a
manutenção da prática e continuidade das mesmas, garantido uma certa autonomia aos participantes,
aspecto que é bastante reforçado no programa.

Nas duas ultimas semanas não consegui (por conta de um trabalho muito puxado!), mas também
tenho usado o cd de meditação / consciência plena! São 40 minutos que paro. Que me dou, no
meio do dia, para voltar pro meu interior! Centrar!!! (F.F)

Gostaria que houvesse um local mais próximo de casa para que eu pudesse participar. Não devo
continuar a prática no hospital, pois é dispendioso neste momento de minha vida. Praticarei em
casa, com o material que tenho. (...) Por favor, continuem. (M.D)

Sou grata por esses incinamentos (sic), por essa esperiência (sic) por essa programação, pelo
grupo e pelas descobertas. Gostaria de poder me dedicar mais e me aprofundar mais, nesses
incinamentos (sic). Hoje eu tenho a serteza (sic) que a ioga irá fazer parte da minha vida para
sempre. (...) Eu pretendo continuar nesse programa. (S.V)

Continuo meditando todo dia, pela manha. Trabalhei enlouquecidamente esse dias. Dormi quatro
horas por noite, mas não abri mão de acordar 20 min antes para meditar! Já é incrível, ´notável’,
‘paupável’ a diferença que já está fazendo no dia a dia. Meu trabalho é muito louco e já colho
frutos da prática! (F.F.)

Refletindo com Berger e Luckman, autores de “A Construção Social da Realidade”, é possível


perceber que tudo que é criado pelo homem está sujeito a tornar-se um hábito, e que este dá a direção
e a especialização da atividade humana. Esse processo de formação do hábito é anterior à
institucionalização que ocorre sempre que existe uma tipificação recíproca de ações habituais entre
tipos de atores. Podemos afirmar que uma tipificação é uma instituição que também é considerada um
fato social, ou seja, algo que é de natureza coercitiva, coletiva e exterior ao sujeito. Assim, quando se
desvia da ordem da instituição, afasta-se da realidade (BERGER E LUCKMAN, 1985, P.176).

Os padrões que passam a ser internalizados pelos sujeitos nas fases de socialização secundária,
como afirmam os autores, deram aspectos que demostram a força do externo sobre o sujeito, seja na
forma de lei, ética e moral do grupo ou, como seria na visão de Freud, do superego.
Percebemos em alguns dos depoimentos traços de rigidez, muita criticidade no
autojulgamento, a tendência aos rituais, muito conectados à personalidade adicta e o desejo, em
alguns momentos excessivo, pelo controle da situação e o desejo de perfeição.

A primeira coisa para mim, o que eu senti, é que eu me senti muito bem porque eu consegui
vir. Eu tenho uma experiência de muitos anos em que eu faço muita coisa, muito tratamento,
enfim. Eu observo isso não só nesse campo do tratamento, mas em outros. Você começa,
sempre tem muita gente. Com o passar do tempo vai esvaziando, né? Aqui também aconteceu
isso. Pouca gente veio nesse encontro. Eu, para mim, tenho muita dificuldade, muita
dificuldade. Então eu conseguir vir e ficar é uma vitória pra mim. Porque tem hora que eu
tava aqui e eu tava com vontade de ir embora sabe. Tem hora que eu tenho agonia e quero ir
para casa. – disse ele, usando gestos com as mãos de encaixe entre os dedos e olhos fechados.

Essa corporeidade, como linguagem não falada, é como o paciente dá conta de


representar sua forma de reagir e perceber o momento, ou seja, é algo não traduzível na
linguagem falada, mas que, como gestualidade, remete-nos a uma tentativa de conectar
dois lados, de juntar uma cisão (com as mãos) que parece emergir de forma
incontrolável, que gera dúvida, conflito, e que permeia os impulsos e rompimentos que
as crises histéricas costumam ocasionar em sua vida.

Se eu for embora sei que vai ser pior. Sempre que eu interrompo uma coisa assim, depois,
quando eu volto para casa ou para onde queria ir, me dá uma sensação muito ruim porque eu
não consegui fazer aquilo. (J.B. – paciente que relata surtos, com alta impulsividade, rigidez e
necessidade de muitas vezes sair da sala e voltar em seguida)

Entretanto, é visível nas falas o entusiasmo pelo reconhecimento da capacidade em si mesmo de


permanecer, persistir, enfrentar os desafios e manter-se no programa de redução de estresse, assim
como muitos se mantém no programa de 12 passos dos Alcoólicos e Narcóticos Anônimos, e como
isso nutre uma autoaprovação, um senso de compaixão e amorosidade por si mesmo e de “missão
cumprida” por parte de muitos deles, ao final do programa.

“Essa questão também de não falar foi maravilhoso! Minha mãe ligou só duas vezes e eu
achei que teria 18 ligações. Eu só peguei o telefone agora.” (M.R.)
Foi maravilhoso, nem sei, não tem nem palavras. Tudo que eu ouvi aqui hoje e o que eu
experienciei me fortaleceu e me mostrou que tem saída, que eu sou viável, que eu posso... Essa
impermanência, que eu posso mudar, que às vezes eu estou muito angustiada, muito agoniada,
muito mal e que passa. Então eu tenho que saber lidar com isso, eu vou aprendendo essa
consciência de si, que é preciso ter essa consciência. (M.R.)

10.f) Plena atenção, abertura e associação livre: um estado de não julgar nem constranger

Após a análise de todos esses fragmentos e tendo agora a dimensão do que foi possivelmente
experimentado e apreendido pelo grupo e sua avaliação sobre as emoções, percepções e sensações
com as quais entraram em contato, gostaria de retomar o aspecto da plena atenção, mindfullness, e
desenvolver algumas relações que se tornaram, para mim, visíveis neste processo.

Seria esse estado um caminho hábil para o processo terapêutico com uso da psicanálise? Seria
esse estado capaz de permitir que conteúdos inconscientes venham à tona no discurso, nas sensações e
percepções dos sujeitos falantes no processo psicanalítico?

Nessa reflexão, chegamos ao conceito de associação livre definido pela psicanálise e descrito
por Maurano:

O método propriamente psicanalítico da associação livre só se estabelece quando Freud se


propõe a renunciar, na medida em que lhe é possível, à intervenção sugestiva sobre o paciente,
confiante de que os elementos inconscientes possam emergir através de uma fala ‘livre’ do
paciente. É quando então propõe a regra fundamental para a psicanálise: falar o que vier à
cabeça sem se deixar deter por julgamentos, seleções ou constrangimentos morais ou de qualquer
outra natureza. (MAURANO, 1999, p.32)

Na perspectiva do Programa de redução de estresse e da filosofia budista, o estado de Minfullness


mantido por determinados períodos possibilita a emergência da concentração em diversos graus. Nos
ensinamentos budistas (suttas) são descritos quatro estágios de concentração ou absorção mental,
como a maioria dos autores prefere dirigir-se ao conceito, porém, não entraremos nesses pormenores
neste estudo por serem muito específicos para uma prática mais profunda e de maior tempo de
meditação.
Seria interessante que novos estudos pudessem ser feitos buscando entender melhor a relação
entre os tipos de conteúdos que podem emergir no psiquismo de sujeitos que se propõem à prática do
silêncio e do cultivo da plena atenção da respiração ou nas sensações do corpo, onde são orientados a
um estado de abertura, curiosidade, não julgamento, num espaço que permita uma breve contenção de
sentidos.

A ideia não é conter e controlar, mas proporcionar um espaço de ausência, de excesso de estímulos
visuais, auditivos e sensoriais. Orientações que não gerem ansiedade e necessidade de se chegar a
algum lugar, ou seja, de se produzir algum tipo de sensação, sentimento ou controlar determinados
impulsos, pensamentos também são fundamentais para se permitir estar nesse estado. Usa-se apenas a
sugestão – que não envolve nenhuma técnica de hipnose ou autosugestão como as usadas por Freud –
de se contemplar o que surgir, como surgir, quando surgir, e perceber seu processo de surgimento,
mudança e dissolução ou desaparecimento.

10.g) Aceitar fragilidades e recuperar o “eu”

Chegamos então àquele que sempre foi nosso ponto de partida neste trabalho: o sujeito, o Ego,
a subjetividade, e esse enigma complexo e pleno de incompletude que chamamos de Eu.

Trazemos as ideias de Nakken e o olhar humano que lança sobre a pessoa adicta e vamos com ele até o
limite do conhecido e do desconhecido que, quando resignificado a partir do outro, já que é o outro que me
define, como conceitua Freud, partimos juntos para o processo que pode levar a essa travessia, que poderia
levar a um estado de plena consciência, segundo denomina a filosofia budista, e transformar esse encontro
consigo mesmo da mesma forma que proporciona um encontro verdadeiro com esse outro incognicível.

Algumas pessoas dizem que os adictos são pessoas egocêntricas. Discordo completamente. Os
adictos são antes pessoas centradas no adicto à custa do Eu. O processo de recuperação da
doença da adicção encontra-se na renovação do Eu. Para nos recuperarmos, temos de nos
dedicar ou de voltar a dedicar-nos ao Eu. Por outras palavras, o Eu tem de se tornar outra vez
importante. (Nakken, 1996, P. 129)
Nesse sentido, Nakken valoriza, no tratamento do dependente químico, o aspecto da reaproximação,
renovação e recentramento em um Eu resignificado. Esse processo de atenção ao eu e relacionamento
com o Eu é um dos princípios de recuperação enfatizados em grupos em irmandades como Grupos de
Álcoólicos e Narcóticos Anônimos. Nas medalhas oferecidas nestes grupos, a cada aniversário de
abstinência, lê-se: “Seja verdadeiro com você mesmo”.

Nakken diferencia o adicto na ativa como tendo uma relação de Eu com o adicto e o adicto em
recuperação tendo uma relação de Eu com os outros. E se nos perguntamos: qual é a diferença entre
ambos? Ele afirma ser a honestidade que passa a ser desenvolvida nessa relação com o Eu – incluindo
reconhecer respeitosamente o perigo em que vivem – e isso nutre a confiança, que gera segurança, e a
recuperação depende disso para se estabelecer. Ao se identificar nas reuniões de grupos como adictos
em recuperação, eles se apresentam aceitando essa característica e admitindo honestamente essa
condição, diferentemente de negá-la, o que para Nakken é o perigo para que o adicto cresça em
relação ao Eu.

O caminho da recuperação envolve o reestabelecimento de relações íntimas antes baseadas em


relacionamentos com pessoas, muitas vezes pouco dignas de confiança, já que os próprios adictos
frequentemente consideram-se assim. As novas relações muitas vezes iniciam partindo de uma relação
com um poder superior ao dependente, como uma relação com a espiritualidade, ou com o grupo do
qual participa, ou a instituição onde se trata. E ao partilhar com os outros e perceber uma dignidade
partilhada em falas, abraços, contatos, eles, nas palavras de Nakken, “começam a pôr em questão a
crença adictiva que diz, “não se deve confiar nas pessoas – tú és muito diferente – não és como eles”.
Os adictos em recuperação descobrem que são como os outros.” E quando encontramos pessoas
capazes de nos compreender, as relações íntimas e os vínculos passam a fazer sentido e a serem
desejáveis.

Chegamos então a um axioma formulado a partir dos pensamentos de Freud, Lacan Kabat-
Zinn, Nakken e de todos que nos acompanharam nessa trajetória: Ser verdadeiro é não fugir. É ficar
com o que existe, agora.

Nessa caminhada com os participantes do programa, senti-me companheira em recuperação


desta que é uma condição “demasiadamente humana”, como definiria Nietzche. Percebi que estamos
juntos, dependentes de tantos objetos, sujeitos a tantas pulsões e compulsões, num mundo de
incertezas, estímulos e desatenção, que o silêncio do momento em que nos recolhemos sozinhos nos
chama a pensar sobre nossa finitude, nossos desejos de felicidade e satisfação, nossas demandas de
prazer, satisfação, reconhecimento e a inequívoca possibilidade da morte.

Carriére, em “Fragilidade”, evoca a grandeza de nossa vida, seres num clarão no meio do
nada, aguardando o naufrágio que nos espreita.

Quanto à grandeza humana, nós mesmos a definimos. Ela não tem nenhum sentido no Universo
incalculável. Só vale para nós, só é medida segundo nossa escala. E não acho um exagero dizer
que nossa única grandeza está em nossa fraqueza e em nossos limites. E nossa única beleza está
aí, a nossa única oportunidade de sentir algum orgulho, alguma felicidade por estar vivo, às
vezes também alguma nobreza, se é que esta palavra ainda tem algum sentido: na brevidade de
nossa pequena luz, no que nos fragiliza e às vezes nos quebra, na mão-na-mão de cada instante
com a morte, no contraste extraordinário, provavelmente único no Universo (façamos a aposta)
entre nossa insignificância e nossas alucinações de infinito. (CARRIÉRRE, p.206)

CAPÍTULO 11 - CONCLUSÕES

11.a) Em relação aos objetivos

A pesquisa aponta que a prática da plena atenção na forma de meditação, yoga e em atividades
diárias no contexto experimentado – seguindo a metodologia do Programa de Redução de Estresse
com base em Mindfullness –, voltada para pacientes dependentes químicos em recuperação, pode
trazer benefícios no que se relaciona à superação de estados de estresse devido ao aprendizado de
novas ferramentas que permitem o aumento do contato com conteúdos subjetivos e que possibilitam
resignificações de questões como estados compulsivos, aversivos e dos constantes conflitos e
frustrações enfrentadas na vida diária.

Apenas a título de breve análise, farei uma leitura sucinta sobre as possibilidades e os desafios
enfrentados nessa primeira edição de um programa de prática de mindfulness no Hospital Philippe
Pinel. Acredito que outros estudos poderiam ser realizados cruzando e comparando grupos que
experimentem essas práticas e grupos que não as experimentem. A parceria entre pesquisadores
interdisciplinares, conforme foi pensado inclusive no início deste trabalho, devido a discussões com
pesquisadores da área de Neurociência da UFRJ, poderia ser uma possibilidade. Avaliar um grupo de
participantes utilizando tecnologias que permitem métricas com uso de imagem, possibilitando
perceber a ocorrência de mudanças na estrutura cerebral e atividade neural de participantes,
provavelmente catalisaria a produção de novos olhares, abrindo outros questionamentos em relação à
possibilidade do uso da meditação e yoga em diferentes contextos terapêuticos.

Outra possibilidade seria solicitar o diagnóstico prévio, por escrito, de um especialista


(psiquiatra e/ou psicólogo) que pudesse entrevistar todos os participantes antes e depois da
experiência, auxiliando a perceber nuances de discurso, mudanças no uso de medicações, sintomas e
outros dados que pudessem ajudar a perceber se houve melhoria no bem-estar, qualidade de vida,
autonomia, crença na recuperação e motivação para o tratamento.

Acredito que um estudo específico sobre emoções, com foco no senso de compaixão,
solidariedade e autocompaixão, capacidade de superação de estresse e autorregulação poderia ser feito
com participantes deste programa. Lançando luz em relação ao potencial dessas emoções no contexto
da recuperação, bem como sobre a hipótese de um possível treinamento de inteligência emocional.
Esse estudo poderia incluir o acompanhamento dos participantes ao longo de um período e registros
de depoimentos de familiares e amigos, etc.

11.b) Indo além: outras percepções e possibilidades

Uma das primeiras dificuldades que se mostraram na realização da pesquisa foi a resistência
inicial da equipe médica em relação ao Programa de Redução de Estresse com Base na Plena Atenção,
especialmente devido ao uso do termo Minfullness, que já havia sido conceituado para o grupo em um
contato anterior, percebido como negativo, com uma profissional que se ofereceu para ensinar a
técnica para o grupo médico.

Ressalta-se que tal resistência expressou-se muito mais como hesitação e receio do que como
ataque direto. Interessante foi perceber que o apoio de um dos médicos da equipe, como aquele que
me indicou para liderar o programa, foi um dos pontos fundamentais para a aprovação da realização
do trabalho. Houve um senso de trabalho em equipe e confiança inicialmente estabelecido na reunião
que se configurou gradualmente ao longo dos encontros e das trocas de acompanhamento com o
psiquiatra e a psicóloga responsáveis por apoiar o trabalho.

Uma possibilidade de estudo interessante, que me motiva profundamente, é a experimentação


de um curso de Introdução ao uso de Mindfullness em um contexto terapêutico, com profissionais de
saúde mental, nos moldes do qual eu participei em agosto de 2012, na Sociedad Mindfullness y Salud,
em Buenos Aires.

Considero que todo profissional da saúde, em especial psicólogos e psiquiatras, seriam muito
beneficiados se pudessem seriamente explorar as possibilidades terapêuticas de mindfulness, no
melhor espírito do “ceticismo benevolente”, proposto por Freud (FREUD, 1913), uma vez que a
dimensão científica que o mindfulness ganhou no cenário internacional de pesquisa vem mostrando,
com algum grau de notoriedade, que a prática, além de ser benéfica, também pode ser aplicada
independentemente da religião e de outros fatores de diferenciação, que poderiam dificultar a
replicação do procedimento em grupos heterogêneos.

Além disso, atualmente há uma enorme demanda por práticas de cultivo de atenção que não se
pautem apenas pela lógica da medicalização, protocolo necessário em muitos casos, porém, que tem
tomado proporções preocupantes e que tem sido inserida em diversos contextos de modo cada vez
mais automático e precoce.

Vale lembrar que não houve o envolvimento de outros profissionais da equipe médica durante
os encontros, buscando maiores trocas ou contato com a técnica. Para os profissionais que nunca a
experienciaram, essa seria uma oportunidade possível de apropriação da metodologia, algo que foi
expressado pela equipe técnica na última reunião de trabalho e avaliação do programa, como uma
preocupação para a manutenção do trabalho.

Considero que, para uma próxima edição, seria muito benéfico e rico se houvesse uma maior
abertura e curiosidade dos profissionais da instituição pela experiência e troca de ideias que pudessem
catalisar as condições necessárias para que o programa seja oferecido dentro de padrões mínimos e
indispensáveis e para que possa gerar uma riqueza de olhares e perspectivas na troca interdisciplinar
dentro da própria instituição.

11.c) Oportunidades de continuidade do estudo


Mesmo com a evasão entre 47 e 58% dos participantes, variando de acordo com o critério
usado, foi possível realizar o levantamento de dados para análise e foi atingido um percentual acima
dos 80% de evasão, de acordo com a expectativa da equipe médica (expectativa pautada na média de
evasão nos demais programas oferecidos pela instituição).

Voltando aos dados apresentados no item Resultados, dos 21 inscritos inicialmente, tivemos
mais 5 novos, o que gerou um grupo de 26 pessoas (100%).

 14 participantes estiveram em pelo menos 70% dos 10 encontros (53,8%);

 11 pessoas (42,3%) permaneceram até o último (8º) encontro formal no hospital;

 9 participantes foram no encontro extra no hospital (34,6%) para preenchimento de


questionário final, relato escrito, roda de trocas e celebração do grupo;

 5 participantes foram ao minirretiro (treinamento de mindfulness mais intensivo) de 6 horas,


fora do hospital, em um centro de meditação próximo do local (19,2% ).

Os relatos demonstraram benefícios obtidos na prática em grupo, no uso das técnicas no dia a
dia, além de menções à redução de níveis de estresse em situações de conflito, ou de volta a estados
de equilíbrio emocional de forma mais rápida após situações de estresse, impulso, irritação ou
depressão. Desse modo, concluo que existem indicadores significativos de que esse tipo de programa
geraria resultados desejáveis em grupos de dependentes químicos.
12 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Artigos

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13 – ANEXOS

ANEXO 1 – CARTA CONVITE E CARTAZ

PROGRAMA COM BASE EM EXERCÍCIOS DE ATENÇÃO E MOVIMENTO

Rio, 10 de julho de 2012.

Caros participantes,

O programa que queremos compartilhar com vocês não é um programa religioso e nem é,
tampouco, um grupo terapêutico. É um programa educacional, que tem por objetivo transmitir
variadas técnicas de meditação e capacitar os participantes a manter uma prática de meditação em
sua rotina.

E o que é a meditação?

Segundo John Kabat-Zin, médico americano que aplica o método em hospitais e empresas nos EUA,
uma das habilidades fundamentais da meditação é a capacidade de estar no momento presente de
maneira não crítica, não julgadora e consciente do que está acontecendo no aqui e agora.

É uma postura de receptividade, exploração e curiosidade. A meditação, portanto, não é um técnica


de relaxamento, mas antes de mais nada, uma técnica para o autoconhecimento do nosso
funcionamento psicofísico e suas inter-relações.

Óbvio que o relaxamento é bem vindo e acontecerá durante a prática. No entanto, a plena atenção
tem a capacidade de reconhecer e aceitar, sem crítica ou sem julgamento, sem reprimir nem recalcar
sentimentos/sensações não prazerosos como angústia, agitação, desejo (craving), "fissura" e outras
emoções aflitivas (*RAIN – “chuva” em inglês e sigla com iniciais para sequência do método de
“Reconhecer, Aceitar, Investigar, não se identificar”).

A partir daí, teremos a nossa disposição um instrumento poderoso para não agirmos a partir da
impulsividade, de maneira mecânica e automática.

Novas possibilidades de escolha e caminhos nascem dessa nova plataforma que podemos alcançar,
como nosso próprio esforço e atenção. Mas para tudo tem um primeiro passo. E o desenvolvimento
dessas habilidades é gradual e dependerá de cada um de nós.
Os participantes do grupo estarão contribuindo ainda como “pesquisadores”, já que, durante e ao
final do programa, registrarão o que experienciaram como possíveis dificuldades, benefícios,
mudanças, e darão sugestões que podem ajudar a melhor o programa em relação ao seu formato,
frequência, etc.

Para participar, basta comprometer-se em estar presente nos oito encontros que acontecerão às
terças-feiras, das 8h às 10h, no auditório nos dias:

Julho
Dom Seg Ter Qua Qui Sex Sáb

1 2 3 4 5 6 7
8 9 10 11 12 13 14
15 16 17 18 19 20 21
22 23 24 25 26 27 28
29 30 31

Agosto
Dom Seg Ter Qua Qui Sex Sáb

1 2 3 4
5 6 7 8 9 10 11
12 13 14 15 16 17 18
19 20 21 22 23 24 25
26 27 28 29 30 31

Setembro
Dom Seg Ter Qua Qui Sex Sáb
Importante: Vir com roupa confortável e discreta, adequada para
1 a prática de exercícios leves de yoga. Trazer meia, caso sinta frio
2 3 4 5 6 7 8 ao tirar sapatos.
9 10 11 12 13 14 15
Haverá papel e caneta para notas. Quem puder, é interessante
16 17 18 19 20 21 22
trazer um caderno.
23 24 25 26 27 28 29
30
Manter a prática em casa – leitura, registro por escrito e prática
com cds.
7 - Independência do Brasil
Esperamos que você possa estar com a gente nessa experiência
e que ela traga bons frutos a todos!

Que todos possam estar bem e felizes.


Fabiana Gaspar Gomes e equipe HPP – RJ
fabiana.gaspar.gomes@gmail.com
“O primeiro e mais importante
passo que precisamos dar para
liberar-nos de toda uma vida de
reatividade ao estresse é dar-nos
PROGRAMA DE REDUÇÃO conta de tudo o que ocorre,
enquanto ocorre.”
DE STRESS
COM BASE EM EXERCÍCIOS DE
ATENÇÃO E MOVIMENTO Jon Kabat-Zinn, criador do
Mindfulness-Based Stress
Reduction – MBSR / University of
Massachusetts Medical School –
USA

PROGRAMA COMPOSTO DE

10 ENCONTROS DE PRÁTICA NO
HOSPITAL (2H/ SEMANAL)

EXERCÍCIOS LEVES DE YOGA,


RELAXAMENTO E MEDITAÇÃO

TAREFAS SEMANAIS E
EXERCÍCIOS DE
CONSCIENTIZAÇÃO NO DIA A
O QUE É ESTRESSE? DIA
O estresse se produz nos níveis psicológico, fisiológico e social – e
tem diversas causas, entre elas, as inúmeras pressões a que somos MATERIAL DE APOIO: CD E
submetidos na vida. APOSTILA INDIVIDUAL
Estas múltiplas interações influem no estado real de nossa mente e DIÁLOGOS EM GRUPO E
do nosso corpo, e afetam os recursos com os quais contamos para CONVERSAS INDIVIDUAIS
lidarmos com as distintas situações. SOBRE A PRÁTICA
Não são necessariamente os eventos que ocorrem em nossas vidas
COMO PARTICIPAR
que nos estressam, mas a forma como os percebemos e lidamos
com eles. Quando podemos mudar o modo como os vemos, - GRATUIT. VAGAS LIMITADAS.
podemos mudar nosso modo de responder a eles.
- PARA SE INSCREVER É NECESSÁRIO
ENTRAR EM CONTATO ATÉ O DIA 6/7
O QUE É O PROGRAMA?
COM DR MARCUS MICELI (2º andar) E
Uma oportunidade para aprender, crescer e se desenvolver, de fazer
INFORMAR NOME COMPLETO,
algo que ninguém pode fazer em seu lugar, de aprender como
ENDEREÇO E TELEFONE
acessar seus próprios recursos internos e suas capacidades naturais
para desfrutar de melhor saúde e equilíbrio, maior calma e paz de - AS INSCRIÇÕES SERÃO AVALIADAS
espírito. PELA EQUIPE DE ORGANIZAÇÃO DO
CURSO.
O QUE É PLENA ATENÇÃO?
É uma capacidade humana básica que nos possibilita prestar atenção ao que está acontecendo
conosco a cada momento, de modo intencional, com interesse, curiosidade e aceitação,
estabelecendo uma maior conexão com nossa vida.
ANEXO 2 – QUESTIONÁRIO DE PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO

QUESTIONÁRIO DE PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO

PARTICIPANTES

Este questionário permitirá que a gente possa conhecer você melhor, por isso, fique à vontade.
Quanto mais informações você responder, de forma sincera, melhor.

Conhecer as pessoas que participam do projeto é fundamental para entendermos os impactos do programa

DADOS PESSOAIS

Ocupação/ área de atuação:

Nome:  

Tempo de tratamento na instituição:

Telefone Fixo:
( ) Celular: ( )
(opcional)

E-mail:
 

Seu sexo: ( )Masculino ( )Feminino Data de nascimento:  

Cor/etnia: ( )Branco(a) ( )Pardo(a) ( )Negro(a) ( )Amarelo(a) ( )Indígena

Qual seu estado civil?            

( ) Solteiro(a)  

( ) Casado(a) / mora com um(a) companheiro(a)  


( ) Separado(a) / divorciado(a) / desquitado(a)  

( ) Viúvo(a)  

Onde e como você mora atualmente?          

( ) Em casa ou apartamento, com sua família  

( ) Em casa ou apartamento, sozinho(a)  

( ) Em quarto ou cômodo alugado, sozinho(a)  

( ) Em casa de outros familiares  

( ) Em casa de amigos  

( ) Em habitação coletiva: hotel, quartel, pensionato, república, etc  

( ) Outra situação, qual?            

Quem mora com você?

( ) Moro sozinho(a)  

( ) Pai    

( ) Mãe     

( ) Marido/Esposa/Companheiro(a)    

( ) Filhos  

( ) Irmãos  

( ) Outros parentes  

( ) Amigos ou colegas   

Quantas pessoas moram em sua casa? (incluindo você)        

( ) Duas pessoas ( ) Três pessoas ( ) Quatro pessoas ( ) Cinco pessoas 

( ) Seis pessoas ( ) Mais de 6 pessoas ( ) Moro sozinho 

Qual o principal meio de transporte que você vai utilizar para vir à instituição?  

( ) A pé ( ) Transporte coletivo  ( ) Carona  

( ) Transporte próprio(carro/moto) ( ) Bicicleta      

Sua família recebe algum benefício social governamental? ( ) Sim, qual?________________ ( ) Não

você frequentou o Ensino Fundamental? ( ) Sim ( ) Não


       
Se sim:

( ) Todo em escola pública ( ) Todo em escola particular, com bolsa  

( ) Maior parte em escola particular ( ) Maior parte em escola pública  


( ) Maior parte em escola particular, com bolsa ( ) Todo em escola particular
     

Você frequentou o Ensino Médio?

( ) Sim ( ) Não
         

Se sim:

( ) Todo em escola pública ( ) Todo em escola particular, com bolsa  

( ) Maior parte em escola particular ( ) Maior parte em escola pública  

( ) Maior parte em escola particular, com bolsa ( ) Todo em escola particular       

Você frequentou o ensino superior? ( ) Sim ( ) Não

Se sim, onde você frequentou o Ensino Superior?

( ) Todo em universidade pública ( ) Todo em universidade particular, com bolsa

( ) Maior parte em universidade particular ( ) Maior parte em universidade pública

( ) Maior parte em universidade particular, com bolsa


       
( ) Todo em universidade particular 

Quem é a pessoa que mais contribui na renda familiar?        

( ) Pai ( ) Mãe ( ) Irmão ( ) Filho ( ) Filha ( ) Marido ( ) Esposa

( ) Outra pessoa Quem? _____________________________________________________________ 

Qual a renda mensal de sua família? (considere a renda de todos que moram na sua casa)

( ) Até 1 salário mínimo (até $545,00)

( ) de 1 até 2 salários mínimos (de $545,01 até $1090,00)

( ) de 2 até  5 salários mínimos (de 1090,01 até $2725,00)

( ) mais de 5 salários mínimos (mais de $2725,00)

Qual a escolaridade de seus pais?

Pai:    ( ) Não estudou   ( ) Ensino Fundamental até 4ª série ( ) Ensino Fundamental até 8ª série

( ) Ensino Médio ( ) Ensino Superior (Faculdade)

Mãe: ( ) Não estudou   ( ) Ensino Fundamental até 4ª série ( ) Ensino Fundamental até 8ª série
( ) Ensino Médio ( ) Ensino Superior

A casa em que sua família reside é:          

( ) Emprestada ou cedida ( )Própria, em pagamento  

( ) Alugada              ( ) Própria, já quitada  

Quais dos itens abaixo há em sua casa?              

  Quantidade  

  ( ) Tv    

  ( ) Videocassete e/ou DVD    

  ( ) Rádio    

  ( ) Microcomputador    

  ( ) Automóvel    

  ( ) Máquina de lavar roupa    

  ( ) Geladeira    

  ( ) Telefone fixo    

  ( ) Telefone celular    

  ( ) Acesso à internet    
ANEXO – 3 – QUESTIONÁRIO DE EXPECTATIVAS E REAÇÃO (ANTES E DEPOIS)

QUESTIONÁRIO DE EXPECTATIVAS/ REAÇÃO

PARTICIPANTES

Este questionário permitirá que a gente possa conhecer você melhor, por isso, fique à vontade.
Quanto mais informações você responder de forma sincera, melhor.

Nnmnmnm nmnmnn
Conhecer as pessoas que participam do projeto é fundamental para entendermos os impactos do programa

PÚBLICO: PARTICIPANTES

Objetivo: Levantar percepções e sugestões sobre a relação com os pacientes dentro da instituição, possíveis
mudanças, avanços, retrocessos e possibilidades surgidas ao longo do projeto.

EXPECTATIVAS EM ESCALA DE 0 A 10

EM RELAÇÃO A:

1. Na sua opinião, o quanto a prática de meditação e exercícios de respiração podem influenciar no


processo de recuperação da dependência química, em uma abordagem sistêmica (complementada
por outras técnicas ou práticas)?

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

2. Você já fez alguma prática relacionada ao uso da atenção com foco no corpo ou no momento
presente? (yoga, meditação andando, meditação sentado, tai chi chuan ou outros.)

( ) sim ( ) não

Se sim, quais e por quanto tempo?


________________________________________________________
3. Dentre estas outras técnicas, qual é sua expectativa de benefício em relação à recuperação de
pacientes em tratamento de dependência química:

a) Grupos de autoajuda ligados aos 12 passos

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

j) Leitura em grupo

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

k) Leitura individual

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
l) Artesanato e pintura

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

m) Costura

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

n) Plantas/Bonsai

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

o) Passeios culturais

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

p) Trilhas

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

q) Shiatsu/ Acumputura

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Outros? Quais? _____________

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

r) Qual é a sua expectativa em relação à possível eficácia do uso da meditação e exercícios de yoga
neste contexto terapêutico?

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

4. Você vê resistências possíveis (fatores para a desistência / saída / evasão) para sua continuidade no
grupo?
( ) sim ( ) não ( ) talvez

Quais?
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_____________

5. Qual a sua expectativa em relação a sua possível saída / desligamento / evasão do grupo antes da
conclusão dos nove (9) encontros (0 = mais baixa possível e 10 = mais alta possível)

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

6. Em relação aos estados mentais aflitivos, qual a frequência de cada um deles, no seu cotidiano

(0 = frequência mínima e 10 = frequência máxima/ constante).

a) Estados de Compulsão/ desejo / cobiça

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

b) Ansiedade

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

c) Dúvida e confusão mental

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

d) Raiva/ ódio/ má vontade

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

e) Vergonha/ culpa

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

f) Pânico

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
g) Tristeza e lamentação

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

h) Estados depressivos

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

i) Euforia

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

j) Sonolência e torpor

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Outros: ________________ ( )

Outros: _________________ ( )

7. Quais são as ideias que mais se relacionam com a dinâmica entre a você e sua FAMÍLIA?

Você pode marcar um número para cada uma.


Utilize de 0 a 10, em relação à frequência – 0 = menos frequente e 10 = mais frequente:

( ) Parceria

( ) Conflito

( ) Gratidão

( ) Obrigação

( ) Desentendimento

( ) Amizade
( ) Indiferença

( ) Relação profissional

( ) Troca

( ) Interação

( ) Empatia

( ) Colaboração

( ) Disputa

( ) Missão

( ) Apoio

( ) Preconceito

( ) Partilha

( ) Sacrifício

( ) Direitos e deveres

( ) Suporte

8. Você tem ou teve parentes que sofrem de alguma dependência química? ( ) sim ( ) não

Qual grau de parentesco?

( ) filha
( ) filho
( ) marido
( ) esposa
( ) mãe
( ) pai
( ) padrasto
( ) madrasta
( ) avô
( ) avó
( ) tio
( ) tia
( ) outros __________________________________________________________

9. Quais são as ideias que mais se relacionam com a dinâmica entre a você e sua EQUIPE TÉCNICA DO
HOSPITAL (MÉDICOS E APOIO)?
Você pode marcar um número para cada uma.
Utilize de 0 a 10, em relação à frequência – 0 = menos frequente e 10 = mais frequente:

( ) Parceria

( ) Conflito

( ) Gratidão
( ) Obrigação

( ) Desentendimento

( ) Amizade

( ) Indiferença

( ) Relação profissional

( ) Troca

( ) Interação

( ) Empatia

( ) Colaboração

( ) Disputa

( ) Missão

( ) Apoio

( ) Preconceito

( ) Partilha

( ) Sacrifício

( ) Direitos e deveres

( ) Suporte

10. Em geral, qual o percentual de pacientes que, na SUA OPINIÃO, se recupera e consegue resgatar importantes
dimensões de suas vidas entrando em um programa de recuperação (entre 0 a 100%)? ______________

Por que motivos? (opcional)


_______________________________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________________
_______

11. Em geral, de 0 a 10, que nota você daria para cada um desses aspectos relacionados à QUALIDADE DE
VIDA no seu cotidiano hoje:

Sono – capacidade de dormir e acordar ( )1( )2( )3( )4( )5( )6 ( )7( )8( )9( )
tendo descansado o suficiente. 10
Hábitos alimentares – capacidade de ( )1( )2( )3( )4( )5( )6 ( )7( )8( )9( )
escolher, comer e digerir bem alimentos que 10
satisfaçam suas necessidades.

Reequilíbrio pós-stress – capacidade de ( )1( )2( )3( )4( )5( )6 ( )7( )8( )9( )
retornar a um estado confortável após picos 10
de raiva, irritação, ciúme, impaciência,
tristeza, etc.

Corpo – ausência de dores e tensões no corpo ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ( ) 5 ( ) 6 ( ) 7 ( ) 8 ( ) 9 ( )10


na maior parte do tempo.

Capacidade de estar focado, consciente, ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ( ) 5 ( ) 6 ( ) 7 ( ) 8 ( ) 9 ( )10


concentrado, no momento presente.

Capacidade de perceber estados mentais ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ( ) 5 ( ) 6 ( ) 7 ( ) 8 ( ) 9 ( )10


aversivos (desagradáveis) – raiva,
ressentimento, má vontade, compulsão, tristeza,
etc.) no momento em que surgem.

Capacidade de empatia – capacidade de escuta ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ( ) 5 ( ) 6 ( ) 7 ( ) 8 ( ) 9 ( )10


e expressão do que se sente em relação ao
outro, incluindo os sentimentos e percepções do
outro, incluindo o outro como referência.

Capacidade de defesa do sistema imunitário – ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ( ) 5 ( ) 6 ( ) 7 ( ) 8 ( ) 9 ( )10


resistência às doenças, gripes, mal-estar e
recuperação do corpo após situações de saúde.

Capacidade de criar, criatividade, habilidade ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ( ) 5 ( ) 6 ( ) 7 ( ) 8 ( ) 9 ( )10


para construir soluções para problemas; visão
do todo; capacidade de ver as diferentes causas
e efeitos de um problema.
ANEXO 4 – RELATOS NA ÍNTEGRA

Depoimentos após seis horas de prática – Minirretiro urbano na SBB

23/09/2012

Paciente “J”

“A primeira coisa para mim, o que eu senti, é que eu me senti muito bem por que eu consegui vir. Eu
tenho uma experiência de muitos anos em que eu faço muita coisa, muito tratamento, enfim. Eu
observo isso não só nesse campo do tratamento, mas em outros. Você começa, sempre tem muita
gente. Com o passar do tempo vai esvaziando, né? Aqui também aconteceu isso. Pouca gente veio
nesse encontro. Eu, para mim, tenho muita dificuldade, muita dificuldade. Então eu conseguir vir e
ficar é uma vitória pra mim. Porque tem hora que eu tava aqui e eu tava com vontade de ir embora
sabe. Tem hora que eu tenho agonia e quero ir para casa (gestos com as mãos de encaixe entre os
dedos e olhos fechados). Aí eu consigo colocar em prática alguma coisa e penso que isso também vai
passar. Se eu for embora sei que vai ser pior. Sempre que eu interrompo uma coisa assim, depois,
quando eu volto para casa ou para onde queria ir, me dá uma sensação muito ruim porque eu não
consegui fazer aquilo. Então eu me sinto muito bem. Outra coisa é que isso talvez seja uma coisa
inédita: eu nunca fiquei tanto tempo sem falar. Nunca, na minha vida inteira. E fiquei tranquilo, não
fiquei com vontade de falar. Fiquei ali na minha sabe. Fui andar lá em cima, em volta da piscina, o
ambiente aqui, fisicamente, é bom, né? E foi essa a minha experiência.”

Paciente “R”

Estou muito satisfeita de ter concluído esse tempo juntos, de ter vindo e de ter feito alguma coisa por
mim. Me senti muito bem também. Fiquei muito feliz, pois hoje eu estou conseguindo colocar essas
coisas na minha vida, como prioridade, e não só ter trabalho, trabalho, dinheiro, dinheiro, ganância,
essa coisa, sabe, essas coisas todas que ficaram anos da minha vida. Hoje eu quero agradecer, pois
acho que teve muito carinho, muita atenção, muito aprendizado e muitas coisas boas. Foi fantástico.
Eu não quis anotar nem gravar porque eu queria estar inteira no momento, com os sentidos todos,
ouvindo tudo o que eu ouvi e vivenciando tudo o que eu vivenciei. Essa questão também de não falar
foi maravilhoso! Minha mãe ligou só duas vezes e eu achei que teria 18 ligações. Eu só peguei o
telefone agora. Foi maravilhoso, nem sei, não tem nem palavras. Tudo o que eu ouvi aqui hoje e o que
eu experienciei me fortaleceu e me mostrou que tem saída, que eu sou viável, que eu posso... essa
impermanência, que eu posso mudar, que às vezes eu estou muito angustiada, muito agoniada, muito
mal e que passa. Então eu tenho que saber lidar com isso, eu vou aprendendo essa consciência de si,
que é preciso ter essa consciência. Essa coisa do corpo é muito importante, de sentir os pés, de se
sentir... Esse trabalho paralelo que eu faço com Gurdjeff está complementando muito uma coisa com a
outra. E ter essa consciência dessa ansiedade, dessa ambição, de você estar em um lugar e quere estar
em outro, e que você volta, vê que o corpo está aqui, mas a mente está lá não sei onde... como é que
se pode viver desse jeito? Essa ligação, essa integração, eu acho que a gente fez isso aqui e vem
fazendo. Então eu espero muito continuar com esse trabalho e ir aonde for preciso, me puxar, me
levar. Essa ideia de que se precisa ser um astro ou qualquer coisa, o que eu busco, não tenho nenhuma
ambição a não ser ter mais compreensão e administrar melhor as minhas dificuldades, minhas falhas,
meus momentos difíceis e o aprendizado. A gente aprende, não é? Olha aí ó! (aponta para o quadro
onde há uma equação que apresentar o sofrimento como algo proporcional à “luta” contra ele)
Sofrimento é igual a Dor vezes Resistência! É matemático o negócio! Então vamos embora! O que
você puder nos indicar de livros de cursos e de coisas, vamos nos manter unidos. Viu como ficou?
Quem está é quem tem que estar. Só tenho agradecimento mesmo. Maravilhoso!”

Paciente “F”

Primeiro queria passar algo que pode ser útil para os outros. Uma coisa simples. Um dia você disse:
lembre-se que você respira em tudo o que você faz. Foi genial, sensacional. E eu vejo que em tudo
que a gente está fazendo a gente está respirando e naqueles 20 ou 30 minutos que você está
exercitando isso, a respiração. Então a gente pratica a respiração em todas as nossas atividades. E
segundo é essa forma que é muito fácil de nós entendermos, conectarmos grande parte das coisas que
você falou com o programa de AA, de 12 passos. E que tem muita espiritualidade, o emocional se
confunde com o espiritual. E combina muito, pois como todas as coisas espirituais, não vale nada se
você não colocar em prática, se você não coloca em ação. Ou seja, só salva se colocar na prática.
Assim como os 12 passos e assim como a bíblia, só salvam se você colocar na prática. E eu aprendi
muita coisa aqui e eu até mudei a minha forma de falar no AA sem você me cobrar direitos autorais,
inclusive para a minha família.

RELATOS DE PACIENTES
C., esposa de dependente químico. Relato de ansiedade, submissão, passividade e preocupação
extrema com familiar dependente.

O que aprendi com o programa de redução de stress?

“Desde o primeiro encontro entendi que todos nós precisamos estar presentes em todos os momentos
de nossa vida, prestar atenção plena no aqui e agora, desenvolvendo maior interesse em todos os
nossos atos. Não viver automaticamente, como se cada segundo fosse igual ao outro. Todos os
momentos são heterogêneos, as sensações, o humor, a nossa saúde, enfim temos que viver conectados
conosco mesmos. Aceitar tudo que está acontecendo, tal como é, e observando tudo isso, podemos
sempre fazer melhor, pensar melhor e ter uma vida mais feliz, com mais saúde e paz interior.

Outra coisa que acho muito importante: saber quem somos, como agimos, e se descobrirmos isso,
poderemos modificar nossa atitudes que às vezes são grosseiras, para agirmos com mais amor ao
próximo e a nós mesmos.

Se prestarmos atenção veremos que só nos estressamos porque não sabemos lidar com
acontecimentos, não prestamos plena atenção e não aceitamos algo que nos desagrada ou é
desconhecido.

Com este programa, dia a dia podemos crescer e trabalhar nossa mente para ‘espantar os maus
pensamentos’. Vamos nos sentir ‘vitoriosos’ quando conseguirmos ter mais autocontrole, sem
sofrimento, sem grande esforço, isso passará a ser parte de nossa vida diária.

A meditação e a concentração são ferramentas que, nestes encontros, nos foram ‘ofertadas’, e que nos
ajudarão no ‘resto’ de nossas vidas.

Pessoalmente estou tentando deixar de ser ‘passiva’ para ser ‘assertiva’, pois aprendi também que
devemos expor nossos sentimentos e vontade com clareza e firmeza, sem machucar ninguém, mas
deixando que os outros saibam nossas opiniões e desejos e tenho conseguido.

Agradeço, em primeiro lugar, o Dr. Marcos Michele, que me encaminhou para estes encontros, e à
Fabiana, que com sua delicadeza nos orientou e nos despertou para enxergarmos o nosso interior e
exterior e nos deu material que servirá para cada vez mais entendermos nossa própria mente.

Obrigada.”
11/9/12

M. R. dependente química. Membro dos AA.

“Carta de agradecimento pela oportunidade de vivenciar as práticas que tivemos aqui no Pinel,
durante o Programa de Redução e Controle de Stress. Essa experiência me ajudou muita na questão da
disciplina com a meditação e me fez conseguir aumentar minha prática, que tem me beneficiado no
meu dia a dia voltado a atenção para minha respiração e para a plena atenção, entrando mais em
contato comigo.

Talvez? Não sei! Essa prática tenha me causado também um certo desconforto da alma e do corpo, da
mente e do coração, pois este contato comigo mesma tem me trazido descobertas que me angustiam.
Mas hoje consigo usar as ferramentas necessárias para controlar a situação. E isso é fato.

Pretendo dar continuidade a essas práticas. Agradeço ao Joubert, por ter me indicado ao Dr. Marcus,
que por sua vez me deu a oportunidade de participar do grupo. E a nosso querida mestre Fabiana, que
nos mostrou o caminho, com carinho. Agradeço a mim também por ter persistido e me trazido com
determinação e agradeço a Deus, que olha por mim. Pretendo continuar no programa. Namaste! Muito
obrigada.”

M.D, dependente química. Relata que teve tentativas de suicídio e episódios frequentes de depressão
profunda.

“Eu não sabia o que seria o curso. Consegui, através dos ensinamentos, pôr em prática, a respiração
como âncora, para me fixar no aqui e agora. Ainda não consegui ter disciplina, mas quero ter. Gostei
muito dos exercícios, mas algumas frases faladas durante os exercícios me fortalecem e me sinto bem,
como por exemplo: ‘você é assim, desse jeito’. Um momento não é igual ao outro e isso me ajuda nos
momentos difíceis. O que tem me impedido de ser disciplinada como estava no início é ter tido que
temporariamente dividir meu quarto com meu irmão.

A princípio tive um pouco de preconceito, pois sou cristã, e achei que por ser prática de yoga teria a
ver com Budismo. Uma frase dita pela Fabiana mudou algo em mim. Não só a frase, mas o abraço
afetuoso e longo ao som de ‘vai passar’ (foi um momento difícil, me ajudou e estou passando a
diante).

Gostaria que houvesse um local na Ilha do Governador para que eu pudesse participar. Não devo
continuar a prática no hospital, pois é dispendioso neste momento de minha vida. Praticarei em casa,
com o material que tenho. Agradeço ao Dr. Marcos Micelli e à Sra. Fabiana pela iniciativa do trabalho
e pela oportunidade de conhecer e ter material para ir me ‘virando’. Por favor, continuem.

Um abraço longo.”

R.L, dependente químico. Membro e coordenador de grupo dos AA.

“O programa de Redução e Controle do Stress tem sido para mim um ótimo curso, pois estou sabendo
lidar com algumas dificuldades e também poder usufruir do meu próprio corpo, como tomar um
banho, sentir o cheiro do sabonete, saber apreciar uma boa alimentação, degustar com mais calma,
utilizar o CD número 1 para praticar o conteúdo do mesmo. Quando faço um bom alongamento
corporal e aceito as coisas que eu não posso alimentar nem tão pouco modificar. Enfim, tem sido de
muito proveito este programa.

Muitíssimo obrigado. Sou muito grato por esta chance de me conhecer para ser uma pessoa melhor.”

S. V., dependente química. Relatava ansiedade e dificuldade de participar de atividades em grupo.

“Sou grata por esses incinamentos, por essa esperiência, por essa programação, pelo grupo e pelas
descobertas. Gostaria de poder me dedicar mais e me aprofundar mais, nesses incinamentos. Hoje eu
tenho a serteza que a ioga irá fazer parte da minha vida para sempre. Essa descoberta está me fazendo
ver a vida com um novo olhar. Obrigada Fabiana . Eu pretendo continuar nesse programa.”
i

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