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TÉCNICAS DE NECROPSIA

A necropsia é considerada como um ato que deve ser atribuído somente ao


anatomopatologista ou legista. Em grandes cidades a necropsia geralmente é realizada
pelo técnico legal do Instituto Médico Legal (IML) e o médico responsável somente
acompanha passo a passo o desenvolvimento, verificando e confirmando por fim a causa
da morte.
Para iniciar a necropsia o médico-legal deverá obrigatoriamente permanecer do
lado direito do cadáver e o auxiliar do lado esquerdo, para assegurar a facilitação das
manobras de evisceração e enxugar o sangue e líquidos. Está função é fundamental
durante uma necropsia tanto para evitar que os mesmos caiam no chão, quanto para
permitir visualização do campo.
Todas as técnicas de necropsia devem ser divididas e seguir exatamente três
tempos, sendo eles o exame externo do cadáver, seguida da abertura das cavidades e
por fim a evisceração. Após realizado estes três tempos, a técnica poderá ser
complementada com a dissecção do pescoço e membros inferiores se necessário
(MESSIAS, 2017).
No exame externo é fundamental que a medicina médico-legal atue de forma
integra possibilitando assim a investigação de casos de suicídio ou homicídio,
principalmente se estes forem realizados por arma de fogo. Neste exame principalmente
na mulher será realizado o exame geral da pele, especialmente nas partes intimas.
Durante a necropsia uma das grandes preocupações é em relação a proteção do
patologista, que está sujeito a se contaminar com materiais corporais. Portanto, o mesmo
deverá obrigatoriamente se proteger com a paramentação adequada utilizando avental,
máscara e botas impermeáveis, luvas de borracha e luvas de panos.
O material utilizado durante a necropsia, são os mesmos materiais utilizados em
cirurgias, entretanto com pouca variação, tendo em vista que o procedimento é e sempre
será um procedimento padrão, ou seja, a técnica não varia e consecutivamente o material
também não necessita ser variado.
Os únicos instrumentos necessários para a realização da necropsia são o bisturi,
facas com laminas curtas e longas, tesouras retas e curvas, enterótomo, pinças
anatômicas, pinça dente de rato, pinça Kocher, costótomo, rugina, serra, régua metálica,
balança, bandeja para colocação dos órgãos, agulha manual, fios de sutura ou barbante
(CHAGAS, 2009).
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Figura 01- Materiais utilizados na necropsia

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Além disso é importante ressaltar que o mobiliário da sala de necropsia deve conter
uma mesa de autopsia em aço inoxidável contendo canaletas para que o sangue possa
ser escoado até uma pia funda. Além disso é fundamental que haja uma mesa para o
instrumental do necroscopista, uma mesa para seccionar as peças e outra com uma
balança. A câmara frigorifica deverá ser regulada entre -5º C a +5º, permitindo assim a
conservação de cadáveres e peças frescas.
A técnica básica para necropsia é chamada de necropsia de Virchow, Ghon, M.
Letulle e de Rokitansky. Os necroscopista podem até adaptar tais técnicas, entretanto
todas as adaptações irão variar destas técnicas em especifico. De acordo com Virchow os
órgãos são retirados um a um e examinados posteriormente. Para Ghon, a evisceração
se dá através de monoblocos de órgãos anatomicamente/ou funcionalmente relacionados.
Já em seu ponto de vista M. Letulle afirma que o conteúdo das cavidades torácica e
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abdominal é retirado em um só monobloco. E para Rokitansky os órgãos são retirados
isoladamente após terem sido abertos e examinados "in situ".
Portanto, é importante ressaltar que os conhecimentos de todas estas técnicas irão
fornecer ao patologista ou ao técnico, outras variáveis opções de manipulações do corpo.
Podendo o mesmo, desenvolver técnicas especiais para situações especiais
(FORNAZIERO, 2009).

Tabela 1- Roteiro para realização da necropsia

Identificação do cadáver: Identificar sexo, nome, cor,


etnia e idade do cadáver.
Exame externo do cadáver.

Abertura do cadáver em decúbito dorsal

Incisão da pele na linha média

Abertura da cavidade torácica.

Abertura da cavidade abdominal.

Verificar pressão negativa no tórax.

Exame das cavidades abdominal e torácica.

Remoção e exame das vísceras abdominais, inclusive


aparelho gênito-urinário e adrenais.
Apresentação ao médico

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É importante ressaltar que existe um termo chamado de premoriência que


representa a ordem cronológica em que os óbitos ocorreram, quando há diversas vítimas
no mesmo evento. A determinação da sequência dos óbitos é fundamental, pois se isto
não ocorrer podem ser desencadeados problemas patrimoniais e de herança.
Para que o legista consiga resolver este problema de forma adequada é
fundamental que este seja grande observador e do quadro em geral para poder em
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seguida determinar obrigatoriamente qual a natureza da lesão, o local especifico de todos
os ferimentos, a intensidade das lesões, condições físicas das vítimas e por último a
idade. Para se chegar em uma conclusão diagnostica, deverá ser considerada a diferença
entre a gravidade dos ferimentos onde os mais fortes prevalecem através da logica
natural, sobre os mais fracos, mais jovens e mais idosos (REMES, 2016).
As lesões traumáticas só podem ser comprovadas perante o exame externo
chamado de ectoscopia. Portanto durante o exame deve ser avaliado rigorosamente o
desenvolvimento do esqueleto, fazendo referência a deformidades existentes. O estado
de nutrição do cadáver que é avaliada pela quantidade de tecido adiposo subcutâneo e
desenvolvimento muscular. Na pele observa-se a presença de lesões cutâneas,
cicatrizes, incisões, tatuagens ou alterações da cor (que podem ser patológicas ou não). A
hipostasia (livor cadavérico) dá uma cor vinhosa ou violácea às porções mais inferiores do
corpo (dorso, no caso de pacientes deitados); se dá pelo acúmulo gravitacional de sangue
dentro dos vasos e desaparece com a compressão.
 É importante ressaltar que os hematomas e sufusões hemorrágicas não
desaparecem com a compressão, e são causados pela saída de sangue dos vasos para
os tecidos circundantes, podendo ser traumáticos ou por decomposição pós-morte (após
8 a 12 hs.). Áreas esverdeadas (putrefação), principalmente no abdome, indicam um
acentuado grau de decomposição (DA SILVA, 2015). 

Figura 2- Passo 1- abertura das cavidades

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A abertura do tempo cefalorraquidiano, deve ocorrer após a abertura do crânio,


entretanto para a realização deste procedimento o cadáver deverá ser posicionado em
decúbito ventral, tendo em vista que o acesso a medula só pode ser realizado na
superfície dorsal do corpo. Para este procedimento é necessário que seja realizada uma
incisão occípto-sacro-coccígea mediana, seguida do rebatimento da pele e musculatura
que recobre as vértebras.
Já para a abertura do crânio o cadáver deverá ser colocado novamente em
decúbito dorsal onde a cabeça ficará levantada, para facilitar a secção horizontal da
calota através da serra elétrica circular tomando-se como preferência os arcos
supraciliares do frontal e a protuberância externa occipital. Para a retirada da calota se
deve realizar a secção da dura-máter para retirar todo o encéfalo.
No tempo tóraco-abdominal será realizada uma incisão horizontal de um acrômio
ao outro e posteriormente deverá ser realizada uma incisão horizontal desde a fúrcula
esternal até a sínfise púbica, entretanto a cicatriz umbilical deverá ser contornada.
Posteriormente deverá ocorrer o deslocamento da pele e dos músculos em direção a linha
hemi-axilar (CARVALHO, 2011).

Figura 3- Técnicas de abertura do cadáver

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Disponível em: https://digitalis-dsp.uc.pt/bitstream/10316.2/38478/1/A%20perspetiva
%20forense%20da%20aut%C3%B3psia%20bucal.pdf

Posteriormente transforma-se o retalho músculo-cutâneo numa bolsa contendo


água e perfura-se o espaço intercostal para pesquisa de bolhas de ar quando houver
pneumotórax. Depois deve-se haver seccionamento das cartilagens ao nível da junção
condro-costal e exposição dos pulmões e coração. Abertura do tronco da artéria pulmonar
para pesquisa de eventual embolia trombótica venosa (MOTT, 2009). 

Figura 4- Abertura do tempo tóraco-abdominal

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No terceiro tempo encontramos o tempo cervical ocorre a secção da pele do pescoço até
a face interna da mandíbula para que seja realizada a penetração da cavidade oral.
Liberação do segmento cervical ao nível do palato duro e coluna cervical. A evisceração
implica também na abertura ou secção das vísceras bem como na retirada de fragmentos
de tecido para o exame microscópico (MESSIAS, 2017). 

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Figura 5- Tempo cervical

Disponível: https://digitalis-dsp.uc.pt/bitstream/10316.2/38478/1/A%20perspetiva
%20forense%20da%20aut%C3%B3psia%20bucal.pdf

Os órgãos do pescoço e do tórax poderão ser extraídos iniciando pelo timo e


posteriormente a veia cava inferior, esôfago e aorta permitindo assim a liberação em
bloco das vísceras torácicas. Em seguida abertura da faringe e esôfago, laringe traqueia e
brônquios principais. Posteriormente ocorrerá a abertura do coração em direção a correte
sanguínea iniciando sempre das veias para as aortas (DA SILVA, 2015).

Figura 6- Evisceração em bloco do tórax

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Disponível em: http://anatomistaenecropsista.blogspot.com/2012/05/

Em relação aos órgãos abdominais deve inicialmente ser realizada a secção do


epiplon gastro-cólico, pois com este procedimento ocorrerá a separação do estômago e
do intestino. Secção da junção duodeno-jejunal e liberação do intestino delgado e do
grosso até o limite do cólon sigmoide com o reto. A abertura do estomago ocorre pela
curvatura do duodeno.
Após a separação de tais órgãos deverá ser realizada a separação da vesícula e
do fígado. E em seguida liberando o estômago, duodeno, fígado e pâncreas e depois o
baço. Ocorre liberação das adrenais, secção lateral dos rins, abertura da pelve e ureteres
até a bexiga. Dissecção do reto para expor as vesículas seminais e a próstata.
A dissecção dos membros inferiores deve ser iniciada a partir da veia femoral
desde a arcada crural, seguindo assim o caminho do músculo sartório e do fêmur,
permitindo assim a pesquisa de trombos nos membros inferiores.
Para a abertura da cavidade torácica se faz necessário o uso de uma faca longa
para a retirada em bloco das vísceras. Na retirada do coração se faz necessário uma
abertura do arco da Aorta e artéria pulmonar. Abertura dos átrios com visão das válvulas
cardíacas. Introdução de faca longa pelo átrio direito, passando pelas valvas tricúspides
até o ápice interno. Abre-se a parede do ventrículo direito com a faca. Introdução da faca
no átrio esquerdo, passando pelas valvas mitral até o ápice interno do ventrículo. Abre-se
a parede do ventrículo esquerdo com a faca (OLIVEIRA, 2009).
O mesmo sentido de corte será feito entrando na aorta e artéria pulmonar. Sendo
assim haverá a exposição total dos ventrículos e das papilas e valvas. Cortes no músculo
miocárdio esquerdo e direito, representados como cortes de “bife” para identificar infartos.
Ao lado da saída da artéria Aorta, existe o óstio da aorta onde ocorre a entrada de sangue
arterial para o miocárdio. Cortes neste sentido podem localizar obstruções coronarianas.
Na cavidade abdominal para a retirada em bloco das vísceras, deverá ocorrer
inicialmente a observação de aderências e a existência de cirurgias recentes ou antigas.
Posteriormente se deve observar a presença de ascite ou hemorragias, verificando
especialmente a quantidade ou a coloração. Consecutivamente os órgãos deverão ser
separados iniciando pelo baço, fígado, pâncreas, rins e próstatas.
Após a abertura e retirada de todos os órgãos deverá ser realizada a sutura e o
estancamento do sangue e dos orifícios para que haja a recomposição do cadáver. Para
isso, os órgãos podem ser realojados em suas respectivas cavidades, entretanto os
órgãos lesionados deverão ficar guardados em bandejas na câmara frigorifica. A pele, tela
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subcutânea e músculos da parede seccionados para incisão, são suturados em chuleio
com fio grosso ou barbante por meio de agulha manual ou montada em porta agulha.
Após serem examinadas todas as vísceras devem ser colocadas no local e em
seguida realizar a aplicação de serragem misturando a mesma com as vísceras para
assegurar o estancamento. Em seguida deverá suturar e lavar o cadáver. A sutura é feita
quando o corpo estiver preenchido. A serragem não pode ficar entre os pontos. O esterno
é colocado de forma a não mostrar altas saliências.
Na realização da sutura a agulha deverá entrar na epiderme e levar a linha para
transfixar a derme. Neste caso com uma das mãos deverá ser manipulada a agulha e
com a outra a linha deverá ser segurada. Para assegurar uma sutura adequada é
necessário que seja observada também a estética do procedimento. Em relação a sua
estética é importante ressaltar que não pode haver vísceras e nem serragem entre os
pontos da sutura (FORNAZIERO, 2009).

Figura 7- Sutura do cadáver

Disponível em: http://anatomistaenecropsista.blogspot.com/2012/05/

Figura 8- Técnica de sutura

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Disponível em: http://anatomistaenecropsista.blogspot.com/2012/05/

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHO, Lígia Alexandra da Silva. A valoração do testemunho da criança vítima de


abuso sexual intra-familiar no contexto da avaliação forense. 2011. Disponivel:
<https://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/7544>. Acesso 31 de Julho de 2019.

CHAGAS, Juarez et al. Cadaver desconhecido: importan historica e academica para o


estudo da anatomia humana. 2009. Disponivel:
<https://core.ac.uk/download/pdf/37720499.pdf>. Acesso 31 de Julho de 2019.

DA SILVA, Cícera Soares et al. Os Cursos da UFCA e a importância das práticas em


Laboratório: LACIM. Folha de Rosto, v. 1, n. 3, p. 20-30, 2015. Disponivel:
<https://periodicos.ufca.edu.br>. Acesso 29 de Julho de 2019.

MESSIAS, Joeder da Silva. Estudo clínico da atividade laboral dos técnicos em


necropsia de um serviço de verificação de óbito no nordeste do Brasil. 2017.
Dissertação de Mestrado. Brasil. Disponivel:
<https://repositorio.ufrn.br/jspui/handle/123456789/25273>. Acesso 31 de Julho de 2019.

MOTT, Luiz. Homo-afetividade e direitos humanos. Revista Estudos Feministas, v. 14,


n. 2, p. 509-521, 2009. Disponivel: <https://www.redalyc.org/pdf/381/38114211.pdf>.
Acesso 31 de Julho de 2019.

OLIVEIRA, Rogério Belle de et al. Utilização de diferentes materiais de reconstrução em


fraturas do assoalho de órbita: relato de seis casos. Rev Cir Traumatol Buco-Maxilo-
Fac, v. 5, n. 3, p. 4350,2009. Disponivel:
<https://www.researchgate.net/profile/Rogerio_Oliveira9/publication/242420674.pdf>.
Acesso 03 de Agosto de 2019.

REMES, Luciano. Estudo anatômico e morfométrico para identificação humana: uma


contribuição para a antropologia forense e a medicina legal. 2016. Disponivel:
<https://www.acervodigital.ufpr.br>. Acesso 31 de Julho de 2019.

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