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INTERDISCIPLINARIDADE NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES- O QUE

PENSAM ALGUNS DE SEUS PESQUISADORES?

Ivani Catarina Arantes Fazenda


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Pretendemos neste texto sintetizar algumas conclusões retiradas de três eventos


internacionais dos quais participamos enquanto organização., respectivamente
ocorridos em 2000,Canadá- 2004-Chile e 2005- Brasil como forma de contribuição ao
tema deste SIMPÒSIO que com muito carinho preparamos .

Colóquio Internacional sobre Interdisciplinaridade- Sherbrooke- Canadá- 2000

A temática desse Colóquio perseguiu uma dúvida: Quais são os fundamentos á , pela e
para a interdisciplinaridade na formação de Educadores?

Centros de referência reuniram-se nessa oportunidade tais como o CRIFPE- Centro de


Pesquisa Interuniversitária sobre a Formação da Profissão /Professor, o GRIFE, Grupo
de Pesquisa sobre Interdisciplinaridade na Formação de Professores, coordenado por
Yves Lenoir;- Canadá, o CIRID- Centro Universitário de Pesquisas Interdisciplinares
em Didática, coordenado por Maurice Sachot- França . Esses grupos influenciaram e
direcionaram as reformas de ensino de primeiro e segundo graus desses países.
Estiveram também presentes grupos americanos que discutiram resultados com base
em estudos coordenados por Julie Klein da Wayne State University e William Newell
da Miami University cuja intervenção alterou substancialmente as configurações
curriculares em vários estados..
Gerard Fourez – Bélgica- apresentou a forma como seus estudos ampliaram as questões
da interdisciplinaridade na educação, unindo-se aos grupos canadenses de Montreal,
Vancouver e Quebec.
Tivemos também a oportunidade de apresentar resultados de alguns estudos
produzidos no GEPI- Pucsp.onde.no processo de pesquisar,procuramos formar
pesquisadores, mestres e doutores levantando questões do ponto de vista prático,
epistemológico, metodológico e, profissional.
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A proposta do Colóquio de Sherbrooke sinteticamente apresentada em junho de 2000


assim delineava-se.
No limiar do século XXI e no contexto da internacionalização caracterizada por uma
intensa troca entre os homens, a interdisciplinaridade assume um papel de grande
importância. Além do desenvolvimento de novos saberes a interdisciplinaridade
favorece formas diferenciadas de aproximação à realidade social e dimensões culturais
das comunidades humanas.
A formação na educação à , pela e para a interdisciplinaridade se impõe e precisa ser
concebida sob bases específicas, apoiadas por trabalhos desenvolvidos na área,
trabalhos esses referendados em diferentes ciências que pretendem contribuir desde as
finalidades particulares da formação profissional até a atuação do professor. A
formação à interdisciplinaridade ( enquanto enunciadora de princípios) pela
interdisciplinaridade ( enquanto indicadora de estratégias e procedimentos) e para a
interdisciplinaridade ( enquanto indicadora de práticas na intervenção educativa)
precisa ser realizada de forma concomitante e complementar. Exige um processo de
clarificação conceitual que requer um alto grau de amadurecimento intelectual e
prático, uma aquisição no processo reflexivo que vai além do simples nível de
abstração, mas requer uma devida utilização de metáforas e sensibilizações.
Os fundamentos conceituais advindos dessa capacidade adquirida influirão na maneira
de orientar tanto a pesquisa quanto a intervenção do professor- pesquisador que
recorrer à interdisciplinaridade.
Muito mais que acreditar que a interdisciplinaridade se aprende praticando ou vivendo,
os estudos mostram que uma sólida formação à interdisciplinaridade encontra-se
extremamente acoplada às dimensões advindas de sua prática em situação real e
contextualizada.
Durante quatro dias consectuvos nos reunimos e o resultado em sua íntegra foi
publicado num livro organizado por Yves Lenoir, Bernard Rey e Ivani Fazenda
intitulado: Les fondements de línterdisciplinarité dans la formaton á lénseignement-
Editions du CRP- 2001.Não iremos resenhar esse livro, mas apenas destacar alguns
aspectos que nos parecem importantes serem aqui apresentados.
Lenoir introduz o Colóquio com uma leitura particular dos trabalhos apresentados para
discussão.Constata que a interdisciplinaridade na formação de professores exige
leituras distintas em função de culturas distintas. O movimento da interdisciplinaridade

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poderá ser melhor compreendido quando forem analisadas as condições culturais onde
forem gestadas as proposições para sua efetivação.
Fala-nos de uma produção francesa onde existe uma preocupação maior com algo por
ele denominado de saber-saber. Seus estudos são precedidos por uma cuidadosa revisão
histórico crítica dos trabalhos publicados pelos participantes do Colóquio ao longo de
suas vidas. Com referência aos francófonos Lenoir conclui ser motivo de preocupação
maior , questões referentes á como definir, conceituar e organizar , além da
rigorosidade nas revisões histórico críticas.
Lenoir detém-se brilhantemente na exposição de motivos que alicerçam sua forma
francófona de enfrentamento das questões interdisciplinares. Diz também que essa
forma de conceber está tão arraigada ás tradições francófonas que é necessário respeita-
la em sua especificidade e valor.
A seguir discorre sobre a cultura anglófona onde o como e o para que agir
interdisciplinarmente precisam ser igualmente contemplados. Denomina esse
movimento de saber fazer. Os procedimentos rigorosos . as etapas e os objetivos
necessitam estar devidamente arquitetados para que os projetos cheguem a bom termo..
Conhecedor da produção brasileira de alguns de seus pesquisadores principalmente
algumas das quase cem pesquisas por mim orientadas ensaia uma classificação que
estaria entre as duas anteriores, mas que ousadamente pelas próprias condições
culturais do educador brasileiro seriam convergentes á proposição de um saber ser .
Lenoir respeita a contribuição fenomenológica, os princípios dialógicos que tal
concepção contempla.
Na discussão que sucedeu a apresentação dos trabalhos brasileiros várias questões
foram colocadas,que em síntese apontam para o sentido de uma melhor explicitação
quanto á forma como utilizamos de recursos da memória e de metáforas em nossas
pesquisas.Essa foi uma importante contribuição crítica que ainda nos empenhamos em
responder...
Evidentemente que no calor da discussão Lenoir explicita que o respeito ás culturas é
algo primordial nas questões interdisciplinares e que a marca própria de cada cultura
apesar de predominante nunca pode ser admitida como exclusiva.
Julie Klein presente á discussão recoloca a questão alertando sobre quanto ainda
precisaremos avançar principalmente metodologicamente para alcançarmos a dimensão
de um saber ser.

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Afirma que essa forma demandaria uma nova epistemologia onde o desapego e o
respeito pudessem ser devidamente legitimados.
Recupera . também o fato de se tratar de um sonho antigo de Gusdorf descrito há mais
de quarenta anos.
Lenoir coloca em relevo o valor desse posicionamento que destaca a questão da
importância da intencionalidade, a necessidade do auto-conhecimento, da
intersubjetividade e do diálogo como centro de um saber ser compreendido como a
descoberta de si ,pressuposto ao estudo dos objetos inteligíveis e forma de atualização
das atitudes reflexivas sobre as diferentes ações.

Gerard Fourez como bom francófono trata cuidadosamente em seus estudos dos
fundamentos epistemológicos da Interdisciplinaridade.
Recupera os primeiros estudos da década de 70 do CERI/ OCDE- onde as definições de
disciplina, multidisciplina e pluridisciplina e mesmo interdisciplina aparecem de uma
forma padronizada. Atenta para o início do uso da palavra transdisciplinaridade ainda
indefinida naquele momento.Alerta-nos sobre os inconvenientes que surgem na
indefinição dos conceitos. A questão conceitual é tão relevante que determina a s
formas de intervenção Á seguir inicia uma argumentação em prol de uma cientificidade
nas práticas interdisciplinares,que sob sua ótica gerariam conhecimentos
representativos.
Para Fourez um conhecimento torna-se representativo quando proporcionar a
possibilidade de construir um produto concreto seja uma imagem, um discurso oral ou
escrito, uma maquete ou outra forma,que outorgue sentido á determinada discussão
projetada.
Diz-nos também do caráter provisório das representações e do cuidado para não as
fecharmos em algo absoluto.- elas constituem-se em reflexos da realidade em toda sua
complexidade.Melhor dizendo-em toda representação existe uma intencionalidade real
a ser especificada, cujo princípio funda-se no humano, sem ~ele torna-se impossível
inovar.Assim sendo disciplinas científicas para Fourez são formas de organizar nosso
mundo para que melhor possamos compreender sua dimensão histórica.Ressalta o
valor da invenção do conhecimento em disciplinas como algo extremamente importante
e significativo seja para o avanço intelectual seja para a divisão do trabalho.Agrega
ainda valor ás mesmas como formas de facilitação da aprendizagem.

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Fourez também elucida a questão do levar-se em conta representações de situações


singulares onde existe a busca da superação das disciplinas tendo em vista um desejo
de fusão com o mundo. Sendo assim teríamos que buscar procedimentos próprios para
a singularidadedas situações visto se apresentarem em toda sua complexidade
demandando tratamento personalizado.
Isso não significa que os aportes de generalidade e validação das disciplinas deixem de
ser considerados. Ao contrário, tornam-se cada vez mais fundamentais ao trabalharmos
interdisciplinarmente pois especializações propiciam olhares abrangentes sobre a
especificidade das situações concretas e singulares..
Outra contribuição original de Fourez está na introdução do atributo ilhas de
racionalidade.
No oceano da ignorância sempre existem ilhas de racionalidade às quais precisamos
aportar. Os saberes constituintes dessas ilhas organizam-se em função das ações
humanas sejam de natureza cultural científica ou prática. Sendo assim volta a nos
conclamar á importância das disciplinas científicas, norteadoras dos caminhos a serem
seguidos no naufrágio da ignorância.A prática interdisciplinar necessita de disciplinas
que atendam todas suas necessidades sejam ou não científicas.
Ensaia em seus estudos também um conceito preliminar de Transdisciplinaridade . Nela
busca-se a possível utilização dos diferentes aportes de uma disciplina á outra
entretanto como afirma, trata- de uma posição mais construtivista que platônica onde o
exercício da troca precisa ser amplamente praticado, cuidadosamente construído.
Nesse caso a transversalidade é impossível, na medida em que a transposição requer
competências especificas a serem devidamente respeitadas e aferidas. A transferência
requer uma construção lenta e equilibrada uma habilidade sabiamente construída.
Destacaremos a seguir uma síntese das contribuições de Maurice Sachot. Ao negar a
importância da interdisciplinaridade exclusivamente como método para o qual os
professores devam preparar-se tal como como encontra em algumas diretrizes
curriculares por ele examinadas Sachot re-afirma princípios epistemológicos e
praxeológicos dela constituintes para uma formação atenta não apenas ao formar
professores como formar alunos. A interdisciplinaridade em sua compreensão torna-se
constitutiva de toda a formação na medida em sua lógica plural.
Evoca os estudos de Lenoir e Sauvé em 1988 ao tratarem dessa questão –quando
introduzem o conceito de circundisciplinaridade - nele respeita-se uma circularidade

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presente no ato de conhecer onde alunos e professores se auto- incluem num


movimento que nunca termina.
Como outros já citados Sachot inicia por afirmar o caráter polissêmico da
interdisciplinaridade.
Sem ater-se portanto á definições no campo semântico detalha aspectos das dimensões
epistemológicas e praxeológicas- onde o importante é globalmente pensa-las, seja no
ensino, seja na formação para ensinar. Tratou também de dois atributos contidos nesse
duplo sentido: disciplina e currículo.
O que distinguiria para Sachot uma interdisciplinaridade heurística de uma
interdisciplinaridade praxeológica?
Na primeira o que observamos é a pragmática do pensamento que visa a produção de
verdades Nela encontramos uma enorme dificuldade de execução por sua combinatória
complexa, por configurações muito diversas e pelos conceitos não padronizados.
A segunda nos conduziria ao enfrentamento de dificuldades de outra natureza.
Na primeira a lógica é a da cientificidade. Na segunda a lógica é da ação, lógica essa
que parte da explicitação da intencionalidade inicial onde juízos de valor que precedem
a ação nela permanecem.
Para Sachot a mais adequada á Educação é a segunda por nela não encontrar os
atributos das clássicas ciências, muito menos de sua aplicabilidade ou generalizações
teóricas.
Sachot trata a educação como um projeto político global que encontra-se
permanentemente em conflito.Esse conflito gera confronto -este seria para Sachot o
território da interdiscplinaridade.
Historicamente as disciplinas precederiam a interdisciplinaridade. A
interdisciplinaridade surge após a organização em disciplinas dos cursos de formação
de professores, justamente em razão dos excessos e desvios dessa forma disciplinar de
formar.
Segundo estudos de Chervel em 1988 por ele citado o termo disciplina surge em 1892
para clarificar as matérias escolares, porém Sachot clarifica aspectos muito importantes
na história da sociedade francesa onde essa lógica disciplinar acaba por validar
aspectos excludentes das formas como cada um percebe e interpreta o mundo.
Sachot alerta para essa concepção corporativista e pseudo científica que também acaba
por contaminar a concepção de currículo.

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Ao adentrar ao campo da lingüística francesa o termo currículo submete-se a outras


lógicas diferentes das anglófonas onde foi cunhado.
Caminhando por searas da formação religiosa e da origem latina da cultura francesa
Sachot conclui que a lógica de cientificidade que marca essa tradição induz á
exploração da pessoa. Numa perspectiva interdisciplinar,a possibilidade de liberação de
mentes e corpos.
Participamos interativamente desse colóquio revimos muito do que vínhamos
pesquisando e animamo-nos a prosseguir o diálogo nos quatro anos que nos
distanciaram do próximo Colóquio patrocinado pela Associação Mundial de Ciências
da Educação em 2004.

Colóquio Internacional sobre Interdisciplinaridade- Santiago- Chile-2004

A temática desse Colóquio perseguiu a seguinte dúvida: A interdisciplinaridade e os


saberes a ensinar: Que compatibilidade existe entre esses atributos?
Iniciei o colóquio com uma homenagem a Yves Lenoir com quem divido idéias e
projetos há quinze anos.
Atendendo seu pedido de prosseguir o debate preparei o Colóquio convidando os
anteriores participantes e outros que nesses quatro anos mantiveram o diálogo com meu
grupo de pesquisas..
Como procedi anteriormente não resenharei o debate pois preparei uma publicação que
encontra-se no prelo da Editora Papirus.
Apenas salientarei alguns pontos de interlocução mais contundentes para a temática
desse simpósio.
Todas as comunicações tocaram em um ponto comum:
Como a interdisciplinaridade coloca-se ao enfrentar os problemas gerais a que a
sociedade nos impele e os saberes disciplinados, fragmentados, que nela são
construídos- essa é uma dúvida que cada pesquisador foi decifrando á partir dos
resultados de suas pesquisas.
Desafiei o grupo presente inicialmente relembrando o seguinte :
Em 1999, Morin organiza a coletânea Relier Les connaissances onde este paradoxo é
colocado como desafio- seu trabalho convida-nos ao desapego das falsas seguranças e a
um lançar-se à aventura do sonho interdisciplinar onde o gosto do risco, a inquietude

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das novas descobertas, a renovação das fontes de inspiração, possam traduzir-se num
projeto de uma humanidade mais feliz.
Como as diferentes culturas enfrentam o dilema proposto nesse colóquio e que Lenoir
nos diria: saber saber, saber fazer e saber ser?
Compreendemos que o conhecimento surge no vértice dessa tríplice aliança. Como
construí-lo quando nossas universidades estimulam-nos a competitividade desenfreada,
onde nos cegamos pelo desejo de saber a qualquer custo, onde tememos por não saber e
onde nos angustiamos por algum dia nada termos de novo para oferecer?
Como exercitar a parceria, quando somos impelidos a acumular coisas, à defesa de
nossos particulares territórios, a um micro saber, a um micro poder, a um reinado sem
súditos?
Todos os trabalhos lá apresentados pretenderam discutir formas alternativas de eliminar
o vazio em torno de nós mesmos, nossa solidão.
Todos incitaram-nos ao ingresso na aventura de um saber conhecer.
Alguns tocaram no segredo maior do encontro de um ponto comum que possa resultar
em ilhas de racionalidade banhadas pela Paz.
Outros trataram de como passar de um saber mesquinho a um saber compartilhado.
Todos concordaram que à interdisciplinaridade cabe partilhar, não replicar.
Todos incitaram-nos a retirar das raízes da inteligência as qualidades do coração, onde
o entusiasmo e o maravilhamento estão ancorados.
Como Paul Ricoeur recuperado no Cahiers de L´Herne por Jacques Derrida, René
Remond e Julia Kristeva, o grupo neste colóquio caminhou em busca do sentido do
Reconhecimento, onde a cegueira dos especialistas será substituída pela compreensão
das situações complexas. Alguns trabalhos trataram do enfrentamento do supérfluo, ao
pesquisarem sua beleza, ao afinarem o espírito, retirando do intelecto, Arte.
Todos nossos trabalhos tiveram por comum o estímulo à liberdade do pensamento,
reafirmando que ao não pedirmos demissão da reflexão, nos aproximaremos do saber
do conhecimento.
A Interdisciplinaridade concebida nesse Colóquio pretendeu um diálogo entre pares,
capazes de compreender a mensagem das diferentes línguas nas suas entrelinhas.
A Interdisciplinaridade aqui arquitetada buscou a troca de idéias locais e sua
universalização, nesse sentido, pretendeu não confundir as coisas da lógica com a
lógica das coisas.

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Estivemos naquele tempo a nós reservado- quatro dias- protegidos do medo e da recusa
a que a estagnação do sistema educativo nos coloca. Tivemos condição de compreender
porque lá nos juntamos, pudemos discutir o porque o novo que pregamos incomoda em
qualquer cultura, por que desacomoda o instituído, o aceito.
A intenção foi pensar na confluência de nossos projetos individuais, na cooperação de
nossos saberes, a possibilidade de traçar metas comuns e articula-las.
Concluímos por vivenciar algo que a teoria sempre nos induz acreditar: no poder de
negociação a que a Interdisciplinaridade nos congrega.
Naquele Colóquio pudemos igualmente testemunhar a potencialidade da circulação de
conceitos e esquemas cognitivos, a emergência de novos esquemas e hipóteses, a
constituição da organização de novas concepções de educação.
Pudemos também aferir que essa força advém de uma parceria,diuturnamente
construída.
Outra conclusão a que chegamos analisando o produto de nossos estudos e pesquisas
foi que a atitude interdisciplinar quando cuidada em seus princípios epistemológicos e
praxeológicos poderá criar novos perfis de cientistas, desenvolver novas inteligências,
abrir a Razão para outras formas de conhecimento.
Outra constatação a que fomos conduzidos tratou da força mitológica de um novo
tempo, onde todos nós nos disporíamos a um processo de realfabetização, não apenas
do substantivo, mas do verbo, não mais do predicado, mas do sujeito, não mais do
modelo, mas da hipótese, não mais da resposta, mas da pergunta.
Quando da preparação desse Colóquio fomos surpreendidos por um texto/ presente de
Hilton Japiassú sobre o sonho interdisciplinar.Durante a gestação no ano que precedeu
sua realização o texto de Japiassú foi nosso fiel companheiro.
Japiassú arquiteta argumentos de um sonho de imaginar um mundo melhor cujo
utópico objetivo é a unidade do saber onde o desafio é a contradição entre os problemas
gerais, globais, interdisciplinares e os saberes fragmentados, parcelados.
Seu texto alimenta-nos com o gosto do risco, da inquietude latente do desapego das
falsas seguranças, da renovação das fontes de inspiração, da força incontrolável do
tempo, do crescimento arborescente dos saberes, do esfacelamento dos saberes
emudecidos.
Aponta as controvérsias da política educacional que recusa-se às exigências
interdisciplinares , a mesquinha sub-divisão da universidade em Departamentos, as
estratégias de fragmentação das disciplinas, o abandono das boas tradições, a recusa ao

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novo,a necessidade de reformulação das estruturas pedagógicas, o saber-se tudo sobre


nada e nada sobre tudo , o temor de não saber e á angústia por algum dia nada ter
para dizer.
Outro aspecto tratado por Japiassú refere-se ao acúmulo das coisas. Agarrando-se á sua
posse, aos micro-saberes que conduzem aos micro poderes, ao vazio em torno de si, ao
falar hermético detentor de um saber porque fala a língua de ninguém. No diálogo com
pares capazes de entender sua língua, o conseqüente impedimento de idéias novas.
Medo e recusa são para esse nosso maravilhoso mestre o lamentável estado de
estagnação a que nosso sistema educativo se atrela.
Japiassú diz-nos sobre a divina beleza de um sonho compartilhado estabelecendo as
diferenças entre replicar e compartilhar.
A seguir aquece-nos com as raízes de uma nova inteligência onde as qualidades
maiores são as do coração onde o entusiasmo e o maravilhamento florescem.
Ao tratar do impedimento no diálogo com aqueles que erigem em absoluto as causas
que defendem acrescenta o cuidado que o conhecimento interdisciplinar necessita ter
para com o dito supérfluo, assim trata dos preconceitos.
Como outros pesquisadores aqui citados considera o caráter político das práticas
interdisciplinares onde há confluência entre a pesquisa fundamental e a aplicada.
Meu diálogo com Japiassú conduziu-me a uma divisão preliminar, a um inicio de
disciplinarização dos textos enviados ao Colóquio para estabelecimento de uma prévia
ordenação.
Desta forma procurei agregar os saberes dos estudos a serem apresentados em três
categorias: Saberes intelectuais, saberes praxeológicos e saberes existenciais onde
brasileiros, canadenses e chilenos aportaram contribuições substantivas.
Sem nomeá-los exaustivamente diria com o brasileiro Joe Garcia que a
interdisciplinaridade exige a compreensão de múltiplas temporalidades.A exploração da
linguagem metafórica contribui para o desenvolvimento conceitual e como forma
intercultural de captar a integração de conhecimentos. A exploração de narrativas,
mitologias e suas metáforas ampliam o potencial das investigações educacionais.
Yves Coutourier – canadense,elucida-nos sobre uma questão controversa quando a
investigação alicerça-se na interdisciplinaridade: Até que ponto ao intervirmos
estaremos pesquisando? Clarificando a dicotômica noção de intervenção ,Coutourier
encontra na hermenêutica do sujeito proposta por Foucault as bases para sua
argumentação afirmativa.

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Odile Espinoza e Gilles Baillat - França - pesquisam as dificuldades vivenciadas por


um professor polivalente sem formação interdisciplinar, elencando os equívocos e
procedimentos autoritários não condizentes com os princípios de uma educação
interdisciplinar.
Maria de Fátima Josgrilbert do Brasil persegue em sua pesquisa trilha próxima aos
estudos de Coutourier. Ao trabalhar hermeneuticamente com o conceito de projeto. Da
mesma forma, porem com outros argumentos trabalha Luis Flores do Chile.
Estratégias didáticas dotadoras de sentido ás aprendizagens ou a didatização de saberes
profissionais são objeto de estudo dos pesquisadores franceses da Escola Normal
Superior, presentes ao Colóquio.
Marisa Meza do Chile ao avaliar experiências da escola alemã com propostas
interdisciplinares encontra imensas dificuldades na aplicação de pressupostos
interdisciplinares pela extremada rigidez das estruturas organizacionais daquele
sistema.

Colóquios Internacionais sobre Interdisciplinaridade- São Paulo- PUCSP-2002


2003- 2004 e 2005 – Gaston Pineau e Yves Lenoir

Nossa interlocução mais direta como dissemos foi com esses dois pesquisadores.
Uma síntese do que apresentamos como inquietações nossas sequenciam nossas
argumentações
Estudos de intervenção educativa apresentados por Lenoir em seu grupo de pesquisa
apontam para as dificuldades intrínsecas á própria natureza da construção das ciências
humanas impeditivas de interdisciplinarmente adentrar na dupla entrada do universo
humano de compreensão da realidade: social e ao mesmo tempo natural. Ao
desenvolvermos nossos estudos buscando acrescentar dados à construção de uma teoria
interdisciplinar de Educação passamos trinta anos investigando o cotidiano de
professores do ensino fundamental, médio e superior. Desenvolvemos muitas pesquisas
e orientamos um grande número de pesquisadores.
Verificamos nessa trajetória que a teoria que vem sendo construída, somente se
legitima na ação, então fomos experimentando formas diferenciadas de observação e
registro das ações cotidianas de professores. .
Nossa busca revelou professores muitas vezes perdidos na função de professar,
impedidos de revelarem seus talentos ocultos; anulados no desejo da pergunta,

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embotados na criação; prisioneiros de um tempo tarefeiro, reféns da melancolia;


induzidos a cumprir o necessário, cegos à beleza do supérfluo.
Encontramos também que a repercussão à adesão de propostas de formação inicial ou
continuada desperta neles o desejo de torná-los pesquisadores, mas poucas vezes
conseguem discutir o sentido e o valor da pesquisa em suas vidas. Sabemos que para
esse dilema existem inúmeras alternativas. As escolhidas aproximam-se de dilemas de
ordem teórico/metodológica que vimos enfrentando em nossa tarefa de formar
professores pesquisadores.
Como retecer histórias interrompidas?
Como estimular a alfabetização em linguagens novas?
Como recuperar a memória de fatos sombrios?
Como valorizar a linguagem singular?
Como auxiliar na descoberta de talentos?
Como estimular a leitura das entrelinhas?
Como cuidar da leveza e beleza do discurso sem macular a crítica?
Como legitimar a autoria do outro sem ferir a própria?
Como acompanhar a lentidão da metamorfose sem precipitar o desfecho?
Como auxiliar na descoberta do melhor estilo?
Para respondê-las decidimos relembrar alguns aspectos da construção teórica
interdisciplinar. Nossa busca aos principais centros mundiais de referência na área da
Interdisciplinaridade revelaram quatro princípios que norteiam o caminho das pesquisas
que orientamos desde 1986:
Espera
Humildade
Respeito
Desapego
Para tanto muito temos nos servido da interlocução constante com os denominados
Centros de Referência da Investigação Interdisciplinar onde acompanhamos a evolução
dos estudos sobre a recuperação das histórias de vida, o aprofundamento dos recursos
propiciados pela hermenêutica, os cuidados e o valor do uso de metáforas, os avanços
nas questões da subjetividade e a importância atribuída à dimensão simbólica.
Principalmente reportamo-nos às Universidades de Tours – França, Nova- Lisboa e
Sherbrooke- Canadá.

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Os resultados dos estudos na área da Interdisciplinaridade apontam para as dificuldades


de intervenção e para seus cuidados. As questões metodológicas da investigação
interdisciplinar esboçadas em tempos anteriores, hoje já se consolidam em
procedimentos de pesquisa. Torna-se imperativo neste momento reafirmá-las pois ao
formarmos o professor pesquisador verificamos que não apenas o formamos para uma
determinada pesquisa, mas percebemos que o trabalho dessa forma diferenciada de
investigar acaba por desencadear outros atributos até agora não considerados nas
pesquisas convencionais sobre educação. Ao formarmos o professor pesquisador sob o
enfoque interdisciplinar, entre outros aspectos, estaremos ao mesmo tempo recuperando
aspectos de sua auto-estima provocados pelo sucateamento a que nossa profissão nos
conduziu. O professor quando iniciado nessa forma de investigar contagia
imediatamente toda sala de aula, a escola e a comunidade.
Ao nos referirmos naquele momento aos princípios formulados por Antonio Nóvoa,
parceiro nosso naquele momento que tratávamos das Histórias de Vida, alertávamos
para o perigo em categorizá-las dentro de barreiras disciplinares. Melhor explicando:
Categorizações disciplinares podem apenas nos auxiliar na elucidação de aspectos
generalizadores e superficiais. Se aí permanecermos, corremos o risco de perder a
riqueza dos detalhes singulares que podem nos conduzir a uma compreensão mais
apurada de aspectos importantes que nem sempre a generalização contempla.
Histórias de Vida quando devidamente recuperadas permitem-nos a conjugação de
olhares singulares das ações educativas. Cada pesquisa que tem a História de Vida
como procedimento requer configuração própria,cuidados diferenciados, por que
sugerem movimentos novos no delineamento de ações. No projeto de construção de
uma teoria da interdisciplinaridade detivemo-nos na explicitação de ações educativas.
A pergunta que hoje fazemos é a seguinte: porque foi importante partirmos delas em
nossas pesquisas? A resposta pode ser em parte explicitada pela afirmação de que as
questões da interdisciplinaridade precisam ser trabalhadas numa dimensão diferenciada
de conhecimento-daquele conhecimento que não se explicita apenas no nível da
reflexão, mas sobretudo no da ação. Assim sendo vai exigir do pesquisador um
envolvimento tão profundo com seu trabalho que o conduzirá ao encontro de uma
estética e uma ética próprias, singulares. Somente quando o pesquisador encontra sua
estética e sua ética interior e as projeta numa dimensão transcendente estará exercendo
a atitude interdisciplinar.

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Que tipos de ação poderiam ser escolhidas para serem pesquisadas? Essa é uma
indagação freqüente. À resposta temos nos reservado o direito de nova pergunta: qual o
grau de compromisso que o pesquisador demonstra com a ação a ser pesquisada? Na
resposta a essa interrogação estão contidos princípios fundamentais à execução de uma
investigação interdisciplinar tais como o comprometimento, o envolvimento e o
engajamento. Perceber o grau de envolvimento do pesquisador com o objeto de
pesquisa envolve um trabalho paralelo de investigação sobre a intencionalidade e
origem das pesquisas. Gaston Pineau em seus mais recentes estudos categoriza este
trabalho numa tríplice dimensão: direção, significação e intenção. Vários dos trabalhos
por nós orientados nestes três últimos anos dialogaram recriando o esquema tripartite
de Pineau. Esse esquema foi particularmente interessante na medida em que auxiliou
nossos pesquisadores na compreensão e organização de suas práticas.

Bibliografia

Fazenda, I.C.A.org (2006) Interdisciplinaridade na Educação Brasileira- 20 anos. SP-


Edições Criarp.
Fazenda, I.C.A.org (2004) Interdisciplinarity and the knowings to teach. What
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Fazenda, I.C.A, Rey,B., Lenoir, Y. (2001) Les Fondements de l´Interdisciplinarité dans
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Pineau,G., Le Grand (2002) Les Histoires de Vie. PUF.
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