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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Educação e Humanidades


Instituto de Psicologia

Simone da Silva Ribeiro Gomes

Um estudo sobre a participação de jovens mulheres em


movimentos sociais de gênero no Rio de Janeiro

Rio de Janeiro
2010
Simone da Silva Ribeiro Gomes

Um estudo sobre a participação de jovens mulheres em movimentos sociais de


gênero no Rio de Janeiro

Dissertação apresentada, como requisito


parcial para obtenção do título de Mestre, ao
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Social, da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro.

Orientadora: Profª Drª Deise Mancebo


Coorientadora: Profª Drª Ana Lúcia Gonçalves Maiolino

Rio de Janeiro
2010
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CEH/A

G633 Gomes, Simone da Silva Ribeiro


Um estudo sobre a participação de jovens
mulheres em movimentos sociais de gênero no Rio
de Janeiro / Simone da Silva Ribeiro Gomes. 2010.
128f.

Orientadora: Deise Mancebo.


Coorientadora: Ana Lúcia Gonçalves Maiolino.
Dissertação (Mestrado) – Universidade do
Estado do Rio de Janeiro.Instituto de Psicologia.

1.Movimentos sociais – Rio de Janeiro (RJ) –


Teses. 2. Participação política – Teses. 3.
Exclusão social – Teses. 4. Identidade – Teses. I.
Mancebo, Deise. II. Maiolino, Ana Lúcia
Gonçalves. III. Universidade do Estado do Rio de
Janeiro.Instituto de Psicologia. IV. Título.

CDU 304(815.3)

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial


desta dissertação.

________________________________ _____________________
Assinatura Data
Simone da Silva Ribeiro Gomes

Um estudo sobre a participação de jovens mulheres em movimentos sociais de


gênero no Rio de Janeiro

Dissertação apresentada, como requisito


parcial para obtenção do título de Mestre, ao
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Social, da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro.

Aprovada em 24 de agosto de 2010.


Banca Examinadora:

______________________________________________
Profª Drª Daise Mancebo (Orientadora)
Instituto de Psicologia da UERJ

______________________________________________
Profª. Drª. Ana Lúcia Gonçalves Maiolino
Instituto de Psicologia da UERJ

______________________________________________
Profª Drª Anna Paula Uziel
Instituto de Psicologia da UERJ

______________________________________________
Profª Drª Simone Ouvinha Peres
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro
2010
DEDICATÓRIA

Pro João
e,
feminista em uma família de homens fortes (e
sensíveis), escrevo para meus tios Renato e
Roberto (em memória).
AGRADECIMENTOS

Às minhas entrevistadas, jovens fortes que eu admiro e que abriram suas


vidas para mim de uma forma muito gentil.
Aos meus pais, Selma e Rui, mais uma vez, que nunca entenderam muito
bem o que eu faço, mas sempre estiveram ao meu lado. Às minhas irmãs, Rachel e
Juliana, minhas melhores amigas. Feias, sem vocês isso seria impossível.
Às minhas orientadoras Ana Lucia Maiolino e Deise Mancebo, por me
guiarem no árduo percurso dissertativo. Meu muito obrigada pela disponibilidade e
paciência.
As professoras da minha banca examinadora Anna Uziel (mais uma vez, meu
muito obrigada) e Simone Ourinha Peres, por gentilmente aceitarem meu convite em
participar da minha banca de defesa.
Aos professores do PPGPS e seus funcionários, em especial ao Marcos, da
secretaria, sempre atento e disposto a ajudar.
À Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de
Janeiro (FAPERJ), pelo apoio financeiro.
Aos meus amigos da ALA: Silvia, Noelle, George, André, Raphael, Paola,
Chris, Ben Lessing, Carlos, Marco, Fernando, Chris, Max, Maria Rita, Marilia,
Vanessa, por redimensionarem minha loucura. Perto de vocês eu me sinto sã, valeu
gente.
Aos meus amigos que eu deixei de ver no processo, mas que espero que
ainda estejam aqui... Marcelo, Guilherme e Fernando.
Algumas pessoas tornaram esse trabalho possível nos detalhes. O meu muito
obrigado para Julia Zanetti, amiga generosa com a literatura feminista e com meu
trabalho de campo; Marcos Nascimento e Rita Louzada, que me incentivaram a
começar o mestrado e Antonio, meu companheiro de muitos anos, que me
incentivou a não desistir da faculdade.
Aos meus amigos Dudu, Damian, Ana Paula, Vivian, Maira, Sandra, Pedro,
Ricardo, Vanessa, Fabian, Roberta, Jonas, Bia, Isa, Sofia, Gab, Hugo e Fernando
Brancoli. Aos meus amigos da rotatoria da Hilda, Maieiro e Buchecha e suas Ninas.
À Ana Riva, minha amiga e fiel parceira. Por todas as leituras e interlocuções
de sempre (e para sempre).
Aos meus amigos (não positivistas) da Benjamim Constant: Cesar, Bruno,
Murilo e Vitinho, por me fazerem esquecer da dissertação quando eu precisava.
Minha família recém formada, Mari, Dani e Alvaro. Meus amigos, já mestres,
Mari e Dani, que me ajudaram, aconselharam, escutaram e leram...amo vocês. Ao
Álvaro, pelos seus silêncios e pela sua verborragia diurna. Pelas muitas coisas que
as palavras costumeiramente reduzem e por ser um companheiro paciente ao final
de uma etapa difícil, obrigada por topar a maluquice.
Utopia [...] ella está en el horizonte. Me acerco dos
pasos, ella se aleja dos pasos. Camino diez pasos y el
horizonte se corre diez pasos más allá. Por mucho que yo
camine, nunca la alcanzaré. Para que sirve la utopia?
Para eso sirve: para caminar

Eduardo Galeano (Las palabras andantes)


RESUMO

GOMES, Simone da Silva Ribeiro. Um estudo sobre a participação de jovens


mulheres em movimentos sociais de gênero no Rio de Janeiro. 2010. 128f.
Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) – Instituto de Psicologia, Universidade
do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.

Compreendido como um fenômeno da contemporaneidade, a partir da década


de 80 o movimento feminista é um exemplo do que se convencionou denominar por
novos movimentos sociais. A partir desse momento, verifica-se uma tendência de as
demandas dos movimentos expandirem-se para lutas estruturadas em torno de
opressões sofridas, principalmente identitárias, no lugar de militâncias da esfera
estritamente econômica. Neste contexto é que o presente estudo insere-se. Este
trabalho tem como objetivo verificar as motivações de jovens brasileiras, de origens
pobres, moradoras em áreas de favelas ou bairros populares, em movimentos
feministas no Rio de Janeiro. Foram analisadas suas motivações iniciais e as que as
manteriam militando, observando-se algumas tensões existentes nessas
participações políticas. Visando ao mapeamento da ambientação histórica e política
dos movimentos sociais que se abriam como possibilidades a estas jovens,
buscamos traçar um breve histórico dos movimentos sociais na contemporaneidade
e, em especial, nos contextos latino-americano e brasileiro, a partir da bibliografia
disponível sobre o tema. Para o caso específico dos movimentos no Rio de Janeiro,
foram realizadas entrevistas com antigas militantes. Tendo em vista que as
entrevistadas advinham de famílias pobres, consideramos importante enveredar nas
discussões sobre as exclusões sociais, a partir de uma literatura crítica ao conceito,
e procurando verificar os rebatimentos das teorias à situação especial em estudo. A
pesquisa de campo contou com entrevistas semi-estruturadas realizadas com cinco
jovens, com idades entre 19 e 29 anos. Para efeitos analíticos, compreendemos
suas histórias a partir da metodologia da História Oral, a qual visa evidenciar a
multiplicidade de vozes outrora desprezadas pelo saber científico, sublinhando o
caráter militante do entrevistador. Buscando conhecer as histórias de vida das
entrevistadas, foram focalizados aspectos tais como: suas origens familiares, suas
condições de jovens; situação de moradia e circulações pela cidade; percursos
escolares e trajetórias de trabalho. A partir desses dados abordarmos suas
trajetórias militantes.

Palavras-chave: Participação política. Exclusão social. Identidade.


ABSTRACT

Acknowledged as a contemporary phenomenon, starting in the 80s, the


feminist movement is an example of what has been called new social movements.
Starting at that moment, the trend is for the movements demands to expand for
struggles around oppressions, specially those related to identity, instead of
movements structured in a strictly economical sphere and it is in that context that we
find the present research. The research had as its goal to investigate the motivations
of young Brazilian women, from deprived backgrounds, living in favelas or
impoverished neighborhoods, in feminist movements in Rio de Janeiro. Their initial
motivations were analyzed as well as what would keep them militating, taking into
account some existing tensions in such political participations. In order to understand
the historical and political context of the social movements that have been set as
opportunities to those young women, we searched to establish a brief history of the
contemporary social movements, specially, in the Latin-American and Brazilian
context, taking into consideration the available bibliography. In Rio de Janeiro´s case,
in particular, old militants were interviewed. Since we established that the young
women interviewed were from deprived backgrounds, we considered important to
also discuss social exclusions, considering the critical theories on the concept and
searching to verify how the theory applied to the situations we found in this research.
Fieldwork had semi-structured interviews with five young women, aged from 19 to 29
years old. We searched to understand their stories using the Oral History
methodology that tries to evidentiate the multiplicity of voices previously not taken
into consideration by science, in order to highlight the militant aspect of the
interviewer. In order to get to know their life stories, we focused on aspects such as
their family origins, their conditions as young people, their habitational situation and
trajects around the city; scholarly and word trajectories, to, later on, investigate their
militant trajectories.

Keywords: Political participation. Social exclusion. Identities.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................... 11

1.1 Motivações e Mudanças .................................................................... 11

1.2 Objetivos e Marcos teórico-conceituais ........................................... 15

1.3 Metodologia ........................................................................................ 17

2 OS CONTEXTOS: MOVIMENTOS SOCIAIS NA


CONTEMPORANEIDADE ................................................................... 20

2.1 A construção de um conceito ............................................................ 20

2.2 Os Novos Movimentos Sociais ......................................................... 23

2.3 A nova relação entre o Estado e a sociedade civil .......................... 26

2.4 Novos movimentos sociais e sua relação com a identidade ......... 28

2.5 O(s) feminismo(s) do Rio de Janeiro: Trajetória a partir dos anos


70 .......................................................................................................... 33

3 ALGUMAS ANÁLISES SOBRE A EXCLUSÃO SOCIAL .................... 39

3.1 Pertinência e abrangência teórico-conceitua .................................. 41

3.2 Observações sobre exclusão social e política ................................ 47

3.3 Identidades e exclusão – o exemplo da discriminação negativa ... 50

4 HISTÓRIA ORAL: ALGUMAS DISCUSSÕES TEÓRICO-


METODOLÓGICAS .............................................................................. 55

4.1 História Oral: uma breve conceituação ............................................ 56

4.2 Implicação do Entrevistador .............................................................. 57

4.3 Entrevistados – História Oral e a Contra-História ........................... 59


4.4 O papel da política .............................................................................. 61

4.5 Situando o campo da pesquisa ......................................................... 62

4.6 Minha experiência como entrevistadora .......................................... 64

5 AS HISTÓRIAS DE VIDA DAS JOVENS ............................................ 67

5.1 Apresentando as entrevistadas ......................................................... 67

5.2 Sobre suas condições de jovens ...................................................... 73

5.3 Moradia e circulação pela cidade ...................................................... 75

5.4 Percursos escolares e trajetórias de trabalho ................................. 78

5.5 Exclusão social: capturas através de suas falas ............................. 85

6 AS JOVENS E A MILITÂNCIA POLÍTICA ........................................... 89

6.1 Características das suas militâncias ................................................ 97

6.2 Motivações iniciais e motivações para continuar nos


movimentos sociais ........................................................................... 109
6.3 Motivações iniciais e motivações para continuar nos
movimentos sociais ........................................................................... 109

6.4 Acertos e críticas as militâncias ....................................................... 114

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................. 118

REFERÊNCIAS .................................................................................... 123

ANEXO I– Roteiro para as entrevistas ................................................. 128


11

1. INTRODUÇÃO

1.1 MOTIVAÇÕES E MUDANÇAS

De uma experiência dolorosa pode-se também extrair coisas positivas? Quais são os
resultados práticos de um embate na vida das pessoas? Ao me debruçar sobre as aulas que
ssis i, os ex os que i, e i e “fichei”, ém, é c o, os que ão i (cuj usê ci se f z se i
toda vez que converso com alguém sobre o tema da minha dissertação e um novo [a] autor [a]
ou novo texto aparecem), percebo o quão dolorosa é a experiência de colocar algo no papel.
Penso com ternura nos meus textos já terminados, todos devidamente dimensionados abaixo
do peso simbólico de uma dissertação.

Os embates teóricos, inevitáveis em uma dissertação de Mestrado, acabam por revelar novos
caminhos a serem seguidos, tanto de ordem prática quanto teórica. Levando esses caminhos
1
em consideração percebo o quanto essa luta se relaciona diretamente com a vida das jovens
sobre as quais escolhi teorizar. Jovens que seguem pelo caminho da militância, entendida aqui
como uma das atividades da participação política, típica de democracias de países ocidentais,
que incluiriam o voto, a participação em manifestações, contribuições para uma agremiação
política, discussões de acontecimentos políticos, participações em comícios, difusão de
informações políticas, entre outras atividades (BOBBIO, MATTEUCCI e PASQUINO, 2000).

Portanto, jovens que vão às ruas falar (muitas vezes sem serem ouvidas) para homens e
mulheres sobre questões pertinentes às suas vidas, tais como militâncias pelo direito das
mulheres, direitos dos homossexuais e questões socioeconômicas partidárias, seja em forma
de discursos em palanques, através de estilos musicais como o hip hop ou da dança e do
teatro.

Esta dissertação aborda histórias de vidas de jovens militantes. É importante ressaltar que não
são quaisquer vidas, mas vidas com identidades marcadas, vidas femininas, vidas negras e
pardas, vidas de militantes, vidas de comunidades populares. De uma vida definida por
desvantagens e opressões, resta espaço para atuação militante e política. Sobre as mesmas,
Pasini e Pontes (2007) afirmam:

1
Não me passa desapercebido a utilização do linguajar bélico nesse estudo. Afirmo, todavia, que atento para o
mesmo, entendendo que convivemos, atualmente, com o emprego corrente de expressões como vencer a batalha,
armado até os dentes e palavras como luta, batalha, entre outras, usadas indistintamente no cotidano. Em se tratando
de movimentos por mudanças sociais, gostaria de ressaltar que só utilizarei tais palavras e expressões por não me
ocorrerem melhores.
12

[..] as mulheres jovens sofrem subalternidades não só pelas opressões de gênero, orientação
sexual, classe, raça e etnia, mas ainda pela posição em que se encontram nas lutas de poder
características das relações entre as gerações. Em nossa sociedade, as jovens e os jovens
estão em um lugar de preparação para o que se espera de suas vidas adultas, mas ainda de
formas diferenciadas pela perspectiva de gênero (PASINI e PONTES, 2007, p.16).

Percebo que o lugar do qual pretendo falar, o de psicóloga e atuante dos direitos humanos, me
aproxima das minhas entrevistadas para a presente pesquisa. Ainda assim, busquei, durante o
percurso das entrevistas que realizei durante um ano, colocar-me na situação de estranhar e
de questionar constantemente determinadas práticas das jovens entrevistadas.

O recorte realizado para a presente pesquisa, que as jovens tivessem participado em


movimentos de gênero, através de ONGs, foi norteado pelas minhas experiências de trabalho.
Uma vez definido tal recorte, o trabalho não se voltou ao mapeamento de outras formas de
participação de jovens mulheres em movimentos sociais. Apesar de considerar minha atividade
como militante, ainda me sinto distante dessas jovens. Essas jovens se expõem a partir de
suas dificuldades e criam (e atuam politicamente) em uma sociedade que, muitas vezes, lhes é
2
hostil. Os quatro anos em que atuei como técnica da ONG Promundo , em um caminho que
trilhei desde o sétimo período da graduação em Psicologia até o começo do segundo ano do
mestrado em Psicologia Social, influenciaram minhas visões acerca do meu objeto de
pesquisa.

Minha indagação inicial para a pesquisa aqui desenvolvida é resultado do meu trabalho de três
anos em um projeto denominado JovEMovimento – Jovens pelo fim da violência, cujo objetivo
3
era engajar jovens de comunidades populares de quatro regiões do Brasil (Rio de Janeiro –
RJ; Abelardo Luz – SC; Recife – PE e Ceilândia – DF) em atividades de prevenção de violência
e monitoramento de políticas públicas. Se a primeira atividade não se mostrou tão desafiadora
a ponto de me motivar para pesquisas posteriores, fiquei intrigada com o exercício de monitorar
as políticas, acompanhando e auxiliando esses jovens, homens e mulheres. A realidade que
vivenciei foi instigante e decidi torná-la, com algumas modificações, meu tema de pesquisa
para o mestrado, estudando histórias de jovens advindos de situações socioeconômicas
críticas, empenhados em atividades políticas.

2
A ONG Promundo é sediada no Rio de Janeiro e uma de suas áreas programáticas de atuação é Gênero e Prevenção
de Violência.
3
Faço um aparte para utilizar o termo comunidade, escolhido unanimamente pelos jovens em detrimento do termo
favela.
13

A realidade trabalhada com os jovens do Rio de Janeiro, em termos das políticas discutidas e
monitoradas, era a mesma trabalhada em outras regiões do país. As reuniões realizadas com
os jovens tinham o objetivo de definir atividades que envolvessem o monitoramento de políticas
de prevenção de violência. Participavam das discussões técnicos da ONG e dez jovens de
cinco favelas: Rocinha; Complexo do Alemão; Nova Holanda (dentro da Favela da Maré), Santa
Marta e Vila Aliança.

As reuniões não abordavam diretamente temáticas de gênero por se tratarem de atividades


que buscavam fomentar o ativismo juvenil para a violência e para um olhar para as políticas
públicas que tivessem como alvo a população jovem. Nesse ponto meu interesse foi definido:,
políticas públicas que têm como alvo a população jovem. Decidi então pensar em outro espaço,
como por exemplo, a universidade. Apesar das dificuldades sócio-econômicas e de outros
preconceitos sofridos, como o de gênero, racial e etário, ainda assim há jovens que buscam
uma participação política. Todavia, estabeleci, inicialmente, dois recortes: entrevistaria apenas
jovens mulheres que tivessem suas atividades focadas em políticas de gênero e feministas.

Ap i “vi ” eo i á ic é que senti a necessidade de melhor delimitar o


objeto da pesquisa. Primeiramente, defini que a exclusão social seria uma temática, já que
essas jovens se encontrariam em situações excludentes por habitarem em bairros das
camadas populares do Rio de Janeiro. Escolhi também só trabalhar com entrevistas de jovens
mulheres já que seus discursos me interessavam por ter observado anteriormente que era
comum o preconceito de gênero, algo pontuado em uma fala supracitada de Pasini e Pontes
(2007).

Outra questão que se apresentou foi a investigação da possível relação entre a origem sócio-
econômica e a escolha por uma atividade política. Como eu trabalhava com jovens oriundas de
favelas, acreditava que fosse essencial que as jovens escolhidas tivessem suas origens nas
mesmas. No entanto, pude perceber que as dificuldades relativas a vivências resultantes de
situações estigmatizantes e a questões sócio-econômicas enfrentadas por jovens moradoras
4
de favelas e de bairros pobres, quando se trata da cidade do Rio de Janeiro, são semelhantes .

Um bom exemplo dessa situação de aproximação da favela ao asfalto nas áreas mais pobres
da cidade é apresentado por tensões que resultaram da própria implantação do Programa
5
Favela-Bairro . Segundo o estudo do PNUD, em Rocha Miranda, os jovens reclamavam que o
Programa fazia muitos projetos dentro da favela, esquecendo-se dos bairros. Segundo suas

4
Esse aspecto será melhor detalhado no Capítulo 5 desta dissertação.
5
Um Programa implantado pela Prefeitura da cidade em favelas, a partir da década de 90, que tinha como objetivo
básico a implantação de melhorias no saneamento e a urbanização dessas áreas. Na atualidade, o programa também
envolve a regularização fundiária. Cabe citar que esse programa encontra-se praticamente paralisado desde de 2005.
14

v s, “Ti h que se f ve e o i o” (PNUD/IPEA/PCRJ, 2002, .4). Ess , um


situação radicalmente ife e e e ção o “ sf o” s á e s ic s ci e, é s e
representativa de que a oposição típica favela versus asfalto não se reproduz nas áreas mais
pobres, o que nos permite inferir que esses dois universos se aproximam tanto em termos das
precariedades vividas e das respectivas demandas quanto aos estigmas vivenciados.

O segundo embate teórico com o qual me defrontei foi a questão etária. A classificação etária
de juventude é díspar no Brasil e no mundo 6. Enquanto algumas classificações, como as da
UNICEF, OMS e UNFPA consideram jovens todos aqueles entre 15 e 24 anos, o governo
brasileiro (e suas políticas e orgãos públicos, dentre os quais podemos citar o IPEA – Instituto
de Pesquisas Ecônomicas Aplicadas), considera a juventude uma faixa etária que vai dos 15
aos 29 anos de idade.

Nesse sentido, é importante ressaltar que critérios etários são arbitrários, assim como
quaisquer outras classificações, o que não diminuiria sua importância e necessidade para
pesquisas e ações governamentais. A impossibilidade de determinar uma única condição
juvenil é assinalada por Pasini e Pontes (2007) ao apontarem para definições de juventude,
embasadas por marcos sociais (trabalho, educação, sexualidade e família):

[...] é importante ressaltar que essa marcação se dá muito mais por uma demanda coletiva – o
reconhecimento de que estrutural e hegemonicamente há certos grupos etários que são mais
atingidos por estas construções sociais-do que por uma possibilidade de determinação
individual sobre a condição juvenil (PASINI; PONTES, 2007, p.56-57).

No município do Rio de Janeiro, a juventude corresponde a uma parcela significativa da


população, estrutural e hegemonicamente. As tendências demográficas demonstram que o
município continua sendo composto, eminentemente, por pessoas de até 30 anos. Entre os
anos de 2001 e 2006, o maior contingente populacional carioca era representado por jovens
entre 20 e 24 anos7.

Todavia, esse grande contigente populacional não significou uma facilidade de acesso para as
minhas entrevistadas. Inicialmente, minha idéia era entrevistar jovens de até 24 anos de idade
e, assim, me manteria fiel à classificação utilizada pelos órgãos internacionais supracitados,

6
Pasini e Pontes (2007) afirmam que são marcadores físico-psicológicos que organizam a delimitação etária nas
legislações.
7
Segundo dados da pesquisa do IPP – Instituto Pereira Passos (2008): A cidade do Rio de Janeiro na PNAD:
Condições de vida, educação, renda e ocupação entre 2001 e 2006.
15

como a OMS, UNICEF e a UNFPA. Entretanto, os caminhos da minha pesquisa mostraram que
a militância era rara nas jovens até essa idade, pois a militância é uma atividade que exige uma
demanda e, na maioria das vezes, sem remuneração, logo, exercida quase sempre junto a uma
atividade remunerada.

Não se configurou como meu objeto de pesquisa discutir o motivo pelo qual, aparentemente, a
militância política se apresenta como uma atividade para jovens mais velhos, muitas vezes
acima de 24 anos. Eu acreditava, no momento em que iniciei a pesquisa, que a maturidade
necessária para exercê-la, além de um certo percurso por diferentes instituições e vivências,
poderiam ser explicações. Minhas cinco entrevistadas tinham entre 19 a 29 anos e quatro delas
estavam acima da faixa etária de 24 anos.

1.2 OBJETIVOS E MARCOS TEÓRICO-CONCEITUAIS

O presente trabalho pretende estudar as motivações de jovens brasileiras de origens pobres,


residentes no estado do Rio de Janeiro, para militar em movimentos feministas. A hipótese
inicial era que, vindas de famílias pobres, moradoras de bairros populares, engajadas em tais
movimentos, seriam discriminadas por diferentes motivos e, naquele momento, imaginava que
poderia mapear discriminações por gênero já que entrevistaria mulheres; por faixa etária, por
ter acesso a jovens; por seus locais de moradia, uma vez que moravam em bairros populares e
favelas e por raça, já que, através de meus contatos, sabia que era muito possível que grande
parte das minhas entrevistadas fosse negra. Assim, a partir dessa hipótese inicial, pretendia
investigar os motivos que levariam essas jovens ao feminismo, frente ao fato de,
provavelmente, sofrerem com os efeitos de tantos preconceitos.

Uma vez que tratamos da participação em movimentos feministas, a hipótese de que as jovens
do presente estudo teriam, anteriormente, feito parte de outros movimentos, me fez supor que
uma das motivações para seus engajamentos suporia um amadurecimento em participações
dos movimentos sociais.

Tendo em vista esse conjunto de aspectos, reforcei a idéia inicial de traçar a história de vida
dessas jovens antes e durante a participação nos movimentos, verificando possíveis influências
das histórias familiares, de suas trajetórias escolares e profissionais, de seus locais de
moradia, de suas formas de sobrevivência financeira e de seus vínculos em diferentes
participações políticas.

Por desejar mapear motivações, tomei como ponto de partida o fato de que buscaria entrevistar
16

jovens que não estivessem envolvidas nos movimentos por razões estritamente financeiras.
Isso me levou a excluir algumas jovens moradoras de favelas que haviam trabalhado comigo
em projetos no Promundo. De todo modo, inclui no conjunto de perguntas inicias se elas
participavam dos movimentos por fortes motivações políticas, a partir do engajamento com
alguma causa, ou se era uma atuação em determinada atividade remunerada que havia
atravessado seus percursos e na qual se mantinham pela ausência de outras oportunidades.

Considerando que estaria frente a jovens oriundas de famílias pobres e pertecentes a camadas
sociais que estão sujeitas a precariedades variadas, foi importante enveredar nas discussões
sobre as exclusões sociais, o que se constituiu como um dos objetivos secundários desta
pesquisa.

Certo estava que tais análises deveriam ser críticas, aderindo-se desde o início às advertências
de autores como Robert Castel (1997; 1998; 2008), Serge Paugam (1999; 2003) e José de
Souza Martins (1997; 2003), quanto ao fato de o termo ter abarcado um tal número de
situações e problemas, que perdera sua clareza conceitual, tornando-se muito mais uma
retórica que poderia ser bem utilizada no nível ideológico, mas com pequena contribuição à
circunscrição, compreensão e à busca de solução de determinados problemas sociais.

Nesse sentido, buscou-se discriminar / determinar como a exclusão social apareceria na fala
dessas jovens. Sobressairiam suas condições de moradia? De raça? Uma embricação dessas
possíveis condições de opressão?

Ainda tentando buscar a compreensão do objetivo primordial deste trabalho – a motivação que
as levara e as mantinha participando dos movimentos sociais – mostrou-se importante traçar a
história dos movimentos sociais na contemporaneidade e, em especial, nos contextos latino-
americano e brasileiro, o que se constituiu no objetivo secundário deste estudo. Mapear tal
contexto me permitiria compreender a ambientação histórica e política que se abria como
possibilidades a estas jovens.

O referencial teórico utilizado incluiu teorias sociológicas sobre as grandes temáticas


abordadas: movimentos sociais, exclusão social e histórias de vida. Nesse percurso, foi
importante traçar um breve panorama dos movimentos feministas no Rio de Janeiro, além de
tratarmos de situar a temática dentro dos movimentos culturalistas identitários. Partiremos, em
especial, da sociologia de Manuel Castells, Boaventura de Sousa Santos, Alain Touraine e da
filosofia de Hannah Arendt para falarmos de Movimentos Sociais e Política. Tais autores
embasam os teóricos brasileiros quanto às discussões da temática e, nesse contexto, citamos
Maria da Glória Gohn e Regina Bega dos Santos, dentre outros, que nos ajudarão a traçar um
17

panorama nacional da questão.

As discussões de Alain Touraine e de Boaventura Sousa Santos sobre a interseção dos


movimentos sociais com a exclusão social foram fundamentais. A produção da sociologia
francesa sobre a temática da exclusão, que foi privilegiada, incluiu autores que valorizam a
problematização do conceito. Com isso, traremos José de Souza Martins, Serge Paugam e
Robert Castel, três sociólogos que, em seus discursos, têm críticas semelhantes à abrangência
conceitual do termo. Todavia, suas contribuições são distintas, já que o brasileiro faz uma
leitura do conceito a partir de sua experiência com diferentes movimentos sociais, enquanto
Serge Paugam e Robert Castel teorizam a relevância do termo frente à questão francesa, em
face do Estado de Bem – Estar Social. Outros autores como Bader Sawaia, Maura Veras e
Denise Jodelet foram também referências à delimitação da questão nacional.

Para pensar a interseção entre juventude e os movimentos feministas, utilizamos a sociologia


de Helena Wendel Abramo. O breve histórico do movimento feminista no Rio de Janeiro foi
realizado com o auxílio da leitura de Céli Regina Jardim Pinto e Cynthia Sarti.

A História Oral, metodologia ligada a uma valorização da memória, que busca evidenciar a
polissemia e a multiplicidade de vozes outrora desprezadas pela ciência, no nosso caso, as
jovens entrevistadas, foi selecionada para a análise das entrevistas. Escolhi fazer uma breve
introdução sobre a vocação política desta historiografia, pois a mesma teria afinidades com a
temática da militância. Em relação às referências bibliográficas, foi usada a análise de Michel
Foucault com seu conceito de contra-história; Paul Thompson para pensar a interface da
historiografia oral com o tempo presente e Alessandro Portelli com sua teoria sobre a
implicação necessária do historiador oral.

1.3 METODOLOGIA

Além da pesquisa bibliográfica mencionada no item anterior, como a preocupação central do


trabalho foi entender a motivação para a participação em militâncias em movimentos feministas
de jovens do Estado do Rio de Janeiro, a partir do contexto em que estão inseridas, buscou-se
a realização de entrevistas com jovens que se enquadrassem nesse perfil de atuação.

Assim, entre janeiro de 2009 e janeiro de 2010, foram realizadas entrevistas individuais com
cinco jovens militantes. As entrevistas foram semi-estruturadas para que houvesse uma relativa
8
flexibilidade nas questões colocadas a partir de um roteiro preparado com o objetivo de
conhecer a história de vida das entrevistadas e suas inserções nos movimentos sociais. Os

8
Roteiro apresentado no Anexo 1 deste trabalho.
18

encontros duraram em média uma hora e meia e, com o consentimento das entrevistadas,
foram gravados.

O material foi transcrito literal e integralmente, o que se mostrou útil, já que permitiu a leitura
das transcrições posteriormente, rememorando aspectos que não estavam previstos no roteiro,
conversas sobre assuntos rotineiros entre as perguntas, bem como risadas, pausas, hesitações
e demais detalhes de uma linguagem não verbal, mas muito significativa. Nesse processo de
relembrar o contexto das entrevistas, também se mostrou de grande utilidade o uso de um
caderno onde eram anotados, logo após as entrevistas, fatos que haviam me chamado a
atenção. Foi questionado se as jovens se opunham à sua identificação e nenhuma delas se
opôs, mas ainda assim optei por omitir seus nomes verdadeiros, de tal forma que os nomes
que aparecem no presente estudo são fictícios.

Inspirada pelas recomendações realizadas pela História Oral, foram também realizadas
anotações sobre as condições de desenvolvimento das entrevistas, desde as dificuldades e
formas de estabelecimento de contato com as jovens até o momento da entrevista, com
observações sobre local e situação do encontro, dentre outros aspectos que se destacavam
naquelas situações.

É importante destacar que, apesar dos desafios encontrados para conseguir entrar em contato
com todas as jovens, marcar e realizar as entrevistas, a possibilidade de escutar suas histórias
tendo em mente os pressupostos da História Oral revelou-se adequado por dois motivos.
Primeiramente porque a metodologia me alertou para a captura de nuances dos discursos das
entrevistadas muito significativas para a compreensão de suas histórias de vida. Em segundo
lugar, por ter me permitido atentar com mais sensibilidade à minha posição de pesquisadora, o
que propiciou o estabelecimento de uma relação entrevistador-entrevistado mais dinâmica e
humana, segura de que o lugar da isenção e da desimplicação não são compatíveis com os
estudos da Psicologia Social.

É importante observar que a bibliografia inicialmente utilizada acerca das temáticas de


interesse contribuiu para a constituição do meu objeto de pesquisa e foi ressignificada e revista
ao longo do trabalho de campo, momento em que já empreendia análises iniciais do material
coletado.

Por último, gostaria de mencionar que, para compor a história dos movimentos feministas no
Rio de Janeiro, também realizei entrevistas com ativistas que militassem desde a década de
80, usc o com eme o his ó ico “ofici ” is o íve s i iog fi s esc i s. Sendo
19

assim, as militantes Schuma Schumaher e Solange Dacach foram entrevistadas para obter
maiores informações sobre o cenário carioca em que viriam a se inserir os sujeitos da
pesquisa. Referência na cena carioca, Schuma Schumaher é militante do movimento feminista
si ei o es e éc e 80, coo e o ONG Re eh e u o o iv o “Dicio á io
Mulheres do Brasil: de 1500 é u i e”, u ic o em 2001; So ge D c ch se u o-
i iu um “femi is u ô om ”, e o mi i o em ive s s o g iz ções o mesmo
período.

Ambas eu conheci devido a trabalhos de militância e os contatos foram feitos, primeiramente,


por email e depois por telefone. Enquanto o contato com Solange Dacach foi fácil, bastando
uma troca rápida de emails para agendar a entrevista, foram necessários muitos emails para
que a agenda de Schuma Schumaher permitisse um encontro. A entrevista com Solange durou
aproximadamente 1 hora e foi realizada em sua casa, em Santa Teresa, no Rio de Janeiro, em
Maio de 2009. Quanto à Schuma, conseguimos nos reunir, no escritório da ONG Redeh, em
Março de 2010, por menos de 1 hora, já que a entrevistada, assim que sentamos para
conversar, me informou que estava atrasada em atividades profissionais e que teríamos pouco
tempo para a nossa conversa.

As duas entrevistas foram realizadas sem roteiro prévio e sem o uso de gravadores,
diferentemente das feitas com as jovens. Por razões metodológicas considerei que, como as
entrevistas com Solange e Schuma tiveram como objetivo apenas complementar as
informações sobre o cenário do feminismo no Rio de Janeiro a partir da década de 80, não
seria propício o uso de um roteiro com perguntas. As entrevistadas me receberam em suas
casas e escritórios e, após uma breve explicação sobre o foco da minha pesquisa, senti que as
feministas se sentiriam mais a vontade para falar sem o uso do gravador.

Assim, tendo em vista que desejava que as entrevistadas falassem a vontade sobre seus
enfoques e inserções no cenário carioca no período, tentei que o ambiente se assemelhasse a
uma conversa sobre suas participações no feminismo do Rio de Janeiro. Por outro lado,
também não objetivava adentrar na análise de seus discursos e me pareceu que bastariam as
anotações que me propus realizar ao longo da entrevista. Por isso, achei que o gravador seria
dispensável.
20

2. OS CONTEXTOS: MOVIMENTOS SOCIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

Este capítulo está dividido em cinco partes que pretendem lançar algumas reflexões sobre o
desenvolvimento dos movimentos sociais, principalmente na América Latina; o fenômeno
experimentado desde a década de 80, conhecido como novos movimentos sociais; a relação
entre o Estado e a Sociedade Civil; os movimentos sociais identitários e, por fim, há
considerações sobre o feminismo enquanto movimento social no Rio de Janeiro.

2.1 A CONSTRUÇÃO DE UM CONCEITO

Falaremos aqui de realidades dos movimentos sociais por vezes muito semelhantes, como a
verificada em países latino americanos, em oposição à dos países norte americanos e
europeus, mas que também podem se mostrar muito distintas dentro de cada país. Para além
da práxis dos movimentos, sua teorização é também alvo de discordâncias, mesmo após
décadas de estudo exclusivo da teoria política e sociológica, contando ainda hoje com lacunas
na produção acadêmica (GOHN, 2008).

Assim, apesar de reconhecer tais dificuldades, o objetivo do item que segue é conceituar o
espaço de atuação das jovens entrevistadas, ou seja, os movimentos sociais em um período
que denominaremos contemporaneidade, circunscrito desde a década de 80 até os dias de
hoje. Convém chamar atenção para essa terminologia que aponta para uma idéia dinâmica a
de movimentar a sociedade, em oposição ao que seria a manutenção de determinadas práticas
ou estilos de vida. É a partir dessa constatação que traremos algumas definições que objetivam
estabelecer pontos em comum para a existência do que foi apreendido como movimentos
sociais clássicos, antes de adentrarmos nas mobilizações mais recentes.

Transformação é uma palavra chave nas definições de movimento social. A idéia de mudança
acompanha suas ações - que são heterogêneas nas formas, nos atores e no conteúdo de suas
demandas – e vêm sendo objeto da análise de sociólogos influentes no pensamento corrente
brasileiro como Manuel Castells, Alain Touraine e Boaventura de Sousa Santos. Cabe destacar
que os três teóricos europeus, além de possuírem relações com movimentos específicos
naqueles países, conhecem a realidade brasileira, apesar da especificidade da análise dos dois
primeiros se concentrar na América Latina. Alinhada com esses autores, a socióloga brasileira
Maria da Glória Gohn também se mostrou outra fonte de interesse no entendimento do caso
brasileiro.

Para Castells (1999) o que caracterizaria os movimentos sociais seria o fato de suas ações
21

co e iv s e em “um e e mi o o ósi o cujo esu o, o em c so e sucesso como e


fracasso, transforma os valores e as i s i uições socie e” ( .20). Já Bo ve u e
Sousa Santos, os novos movimentos sociais sinalizariam transformações globais no contexto
político, cultural e social da contemporaneidade, o que torna seus objetivos uma pauta
permanente da agenda política dos anos. Suas características principais seriam a introdução
da relação entre regulação e a emancipação de forma diferenciada segundo os contextos. De
acordo com Santos (1996):

[...] alguns dos factores novos que os movimentos sociais das duas últmas décadas vieram
introduzir na relação regulação-emancipação e na relação subjectividade-cidadania e para
mostrar que esses factores não estão presentes do mesmo modo em todos os NMSs em todas
as regiões do globo. (SANTOS, 1996, p.258)

Maria da Gloria Gohn (2008) afirma a dificuldade de conceituar os movimentos sociais, que
seriam, desde a década de 60, espaço e status de objeto científico de análise, ocorrendo a
produção de várias teorias. Para a autora, os movimentos sociais atuais seriam distintos dos
que emergiram no começo do século XIX e do século XX, apesar de manterem algumas
características dos mesmos, dos quais seriam herdeiros. A autora afirma que:

[...] a necessidade de qualificação do tipo de ação coletiva que tem sido caracterizada como
movimento social. Na atualidade, os movimentos sociais são distintos tanto daqueles que
levaram à sua emergência na cena pública no século XIX e nas primeiras décadas do século
XX [...] como dos movimentos que emergiram nos Estados Unidos nos anos 1960 [...] Na
América Latina, especialmente no Brasil, os atuais movimentos sociais são distintos dos
movimentos que ocorreram na fase do regime político populista [...] embora muitos dos atuais
movimentos sejam herdeiros dos anos 1980 (GOHN, 2008, p.11).

Algumas definições dos movimentos sociais mostraram-se boas fontes interpretativas,


principalmente para o entendimento do cenário em que vieram a se inserir as jovens
entrevistadas nas quais observamos alguns pontos comuns. Além da noção de transformação,
já mencionada, também a identidade e a discussão da reorganização da sociedade civil frente
ao Estado na contemporaneidade se apresentaram como questões centrais. No presente
capítulo, abordaremos a primeira noção, enquanto as duas últimas serão abordadas
posteriormente por se articularem com outros conceitos tratados mais adiante.

Tou i e (1989) fi m que os movime os soci is se i m o “co ção socie e”, já que s
práticas democráticas de pressão teriam o potencial de tornar a sociedade mais igualitária.
Para isso, os mesmos poderiam contar, potencialmente, ao se opor a uma determinada
situação de vida – status quo -, com o uso da coerção física ou política. No Brasil, segundo
Santos (2008), o uso da primeira seria raro, no entanto, contaríamos com uma tradição de uso
da segunda, que seria a capacidade de cada movimento pressionar o poder público para o
cumprimento de suas reivindicações.
22

Crítico do uso dos modelos de outras sociedades para discorrer sobre a situação específica da
América Latina, Touraine (1989), afirma que na região o Estado assumiria um papel central na
análise, diferentemente de outras realidades. As condutas coletivas latino-americanas, a defesa
de interesses coletivos, a pressão extra-institucional e os movimentos sociais seriam mais
interdependentes do que em outras regiões do globo. Na prática, isso significaria que as ações
dificilmente são somente econômicas, desenvolvidas sem uma interseção com outros tipos de
ação.

Castells (1999) conceitua os contextos em que se desenrolam os movimentos sociais,


destacando o aspecto de que contariam com uma revolução tecnológica e capitalista, com a
eme gê ci e ov s ex essões e i e i e que “ es fi m go iz ção e com o
cosmopolitismo em função da singularidade cultural e do controle das pessoas sobre suas
próprias vidas e ambientes. Essas expressões encerram acepções múltiplas [...] e seguem os
co o os e i e es c cu u ” (CASTE S, 1999, .18).

As ações coletivas conceituadas por Santos (1996) como movimentos sociais são expressões
múltiplas segundo a diversidade das realidades sociológicas a serem consideradas,
principalmente segundo a sua base e o país em que os movimentos se desenrolam. As culturas
próprias desses fenômenos também são abordadas por Gohn, assim como outros elementos
constitutivos como a especificidade das suas demandas e as diferentes práticas comunicativas.
Segundo a autora:

Usualmente ele tem os seguintes elementos constituintes: demandas que configuram sua
identidade [...] práticas comunicativas diversas que vão da oralidade direta aos modernos
recursos tecnológicos; projetos ou visões de mundo que dão suporte a suas demandas; e
culturas próprias nas formas como sustentam e encaminham suas reinvidicações. (GOHN,
2008, p.14)

Em seu dicionário de política, Bobbio, Matteucci e Pasquino (2000) dedicam um longo verbete
aos movimentos sociais, reafirmando a multiplicidade de definições que envolvem o tema,
central na teoria sociológica. Contudo, alguns elementos comuns verificados em sua
conceituação que gostaríamos de enfatizar seriam: a existência de tensões na sociedade e a
comprovação da passagem de um estágio de integração a outro através de transformações
relacionadas a comportamentos coletivos. Além disso, é necessário sublinhar que suas ações
têm um caráter de ensaio, fundadas num conjunto de valores comuns.

Outros fatores devem ser considerados, segundo o verbete proposto pelos teóricos italianos,
que são: a existência de uma certa propensão estrutural para que possam ocorrer
comportamentos coletivos; a tensão estrutural específica gerada nos âmbitos das próprias
estruturas; o surgimento e a difusão de uma crença generalizada e a mobilização dos
23

participantes na ação. Além disso, o estabelecimento de condições estruturais e de tensões


próprias dos movimentos também contaria com o papel dos agentes envolvidos em tais ações.
Em se tratando de sujeitos, os aspectos psicológicos não devem ser deixados de lado, mas é
preciso levá-los em consideração junto aos componentes sociológicos ou macrossociais, de
forma que:

Esta análise se situa na interseção entre o comportamento do agente e a dinâmica do sistema,


correndo todos os riscos dessa colocação. No passado, o risco mais grave foi o de um certo
reducionismo psicológico. Em tempos mais recentes, surgiu o perigo da submersão do agente
individual dentro do movimento e da conseqüente falta de uma análise dos participantes, das
suas motivações, dos seus recursos e das suas incumbências (BOBBIO; MATTEUCCI;
PASQUINO, 2000, p.788).

Outro ponto frequente nas definições é o Estado, que teria sido deslegitimado e criticado com a
globalização para uma maior atenção na sociedade civil, cujas ações sociais por excelência
seriam os movimentos sociais. Esse fato leva a seguinte efi ição : “um movime o soci é
sempre a expressão de uma ação coletiva e decorre de uma luta sociopolítica, econômica ou
cu u ” (GOHN, 2008, p.14).

2.2 OS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS

Adicionalmente ao que foi conceitualizado no item anterior, nos propomos agora a detalhar
características específicas dos movimentos sociais desenvolvidos a partir da década de 80,
destacados por diversos autores, como Guattari (1986), os novos movimentos sociais. A
semelhança dos movimentos sociais clássicos, os NMS, como ficaram conhecidos, também
são heterogêneos devido à disparidade na abrangência de realidades sociológicas,
principalmente na América Latina, onde também são chamados de novos movimentos
populares, em oposição ao resto do mundo (SANTOS, 1996).

Assim como Guattari (1986), Boaventura de Souza Santos (1996) é outro autor que destaca o
descolamento dos movimentos sociais de questões restritas às lutas entre diferentes classes
sociais. Assim, para o teórico, a partir da década de 80, as novas demandas de militância
começam a se articular e a obter espaços para causas comuns, articuladas em torno da
palavra opressão. Dessa forma, haveria espaço para a atuação de novos sujeitos e é nesse
momento que ganham força os movimentos feministas, os quais buscam um afastamento dos
movimentos cujo foco reside apenas nas contradições e nas injustiças das classes sociais.
24

No caso brasileiro, é importante ressaltar a especificidade de os movimentos sociais terem se


voltado a aspectos das demandas das populações mais pobres. Segundo Santos (2006), após
a década de 70, ainda em contextos políticos extremamente autoritários, as reinvidicações dos
movimentos existentes relacionavam-se somente à precariedade das condições de vida da
população mais pobre, como, por exemplo, transportes públicos, moradia, educação,
saneamento básico, entre outras questões urgentes.

Assim, uma das novidades dos NMS em relação aos movimentos anteriores é que eles
mantêm o tom da crítica da regulação social do capitalismo, mas buscam discutir novas formas
de opressão que extravasariam as relações de produção – as lutas de classe – e não seriam
específicas delas, como por exemplo, o machismo, a guerra e a poluição. Além disso, o
paradigma cultural defendido é menos assente na riqueza, mas também na cultura e qualidade
de vida, denunciando assim, os excessos de regulação da modernidade que atingiriam não só
o modo como se trabalha e produz, mas também a forma de descansar, a pobreza e as
assimetrias das relações sociais como “formas de opressão não atingem especificamente uma
classe social e sim grupos sociais transclassisistas ou mesmo a sociedade no seu todo
(SANTOS, 1996, .258)”.

A autonomia e a opressão, norteadoras dos NMS, estariam relacionadas então à cidadania e


aos direitos universais. Logo, além da conquista da primeira, os movimentos buscariam
liberdade e independência de ação. Dessa forma, os novos espaços – junto aos novos autores,
as minorias outrora invisíveis da esfera pública, como negros, homossexuais, mulheres e
ambientalistas -, fora da esfera estatal, situados na sociedade civil, seriam construidos como
territórios de singularidades. Tais construções seriam responsáveis por questões culturais,
anteriormente reprimidas pela força do Estado (SANTOS, 2008).

Boaventura Santos (1996) parte dessa diminuição do papel estatal, a partir de uma afirmação
qu os NMS se i m es o sáveis m ém eo “ g me o o í ic ém o
m co i e is i ção e e Es o e socie e civi ” (SANTOS, 1996, .263). Dessa
forma, a politização do social, cultural e pessoal abriria novas possibilidades de exercício da
cidadania e revelaria as limitações da cidadania social, inscritas no Estado. Cabe citar que no
caso brasileiro ai ão houve um v ço sig ific ivo ú im , ois se u i “co s
novas formas de exclusão social, baseadas em sexo, raça, perda de qualidade de vida,
consumo, guerra as quais aprofundam a exclusão baseada nas classes soci is” (SANTOS,
2008, p.148). Definidas, portanto, culturalmente, mas tal multiplicidade de possibilidades
excludentes acaba por reforçar a exclusão típica relacionada às classes sociais.
25

A reconfiguração das demandas realizada pelos NMS foi tema da revista Le Monde
Diplomatique de Abril de 2009. O tema circulou pela grande mídia em dois artigos de teóricos
da ciência política que discutiam as novas ações coletivas. Bava (2009) frisa a importância de
não pensarmos somente em termos clássicos do marxismo, com o proletariado como ator
único, com a emergência de atores e interesses múltiplos a partir da década de 80, que teriam
recusado uma herança colonial e subalterna na sociedade. Tais agentes se disponibilizariam a
transformar a subjetividade através da mobilização de energias outrora paralisadas, afirmando
“ o ê ci ção co e iv ” (BAVA, 2009, .3), ess o im o â ci o histórico de
construção de décadas, da formação de redes e de confederações, além de fóruns e de outras
organizações em defesa de direitos e cidadania.

Já Cocco (2009) menciona que a multiplicidade de atores contemporâneos torna possível a


emergência e a ce i e e um o em o su o ê ci , o “ o e”, já que o Es o
ec iz i e mo i iz i os “exc uí os e qu o is, e qu o o es: i fo m is, ecá ios,
esem eg os, imig es es gei os, jove s, í ios, eg os, mu he es” (COCCO, 2009,
p.5). Essa base popular e heterogênea das mobilizações sinaliza para a relação entre
subjetividade e cidadania, típica de países latinoamericanos. Dessa forma, o desmonte de uma
“mo i iz ção o u iv sem que homoge eiz ção f i que o em ego ss lariado
e e mi ” (COCCO, 2009, .5) se i um s iquez s os movime os u is. Nesse caso, a
heterogeneidade nas origens e causas dos seus participantes, assim como a pobreza como
denominador comum seria o que lhes possibilitaria afirmar suas diferenças.

Para contrapor à nomenclatura dos novos movimentos sociais, apresentamos brevemente a


idéia do sociólogo francês Touraine (1989), na qual tais fenômenos seriam de base ou
sublevações, por residirem em questões estritamente culturais, de forma que não se colocam
como demandas para o sistema político. Por exemplo, as ações protagonizadas por mulheres,
jove s e mi o i s é ic s, ogo, “c ego i s efi i s m is cu u me e o que soci me e”
(TOURAINE, 1989, p.281), formadas em sociedades cada vez mais duais, com um aumento
progressivo de distâncias culturais e sociais entre cidadãos e excluídos9, teriam como objetivo,
em última instância, afirmar uma identidade cultural. Dessa forma, o conservadorismo de
Touraine em reduzir a afirmação de movimentos somente aos que buscam confrontar
disparidades sócio-econômicas de forma imediata vai de oposição às idéias de Boaventura
(1996) e Guattari (1986), as quais consideramos mais valiosas para o presente trabalho.

Touraine (1989) localiza uma especificidade do contexto latino-americano em relação aos

9
Utilizo “excluídos” para ser fiel à ideia de Alain Touraine, mas é preciso deixar claro que este conceito será
problematizado no capítulo seguinte desta dissertação.
26

movimentos atuais: assistiríamos a um paralelo entre as mobilizações de categorias urbanas -


mulheres, estudantes e outros grupos - vindos do reestabelecimento da democracia, com o
final das ditaduras militares e um menor controle por partidos políticos. A partir disso, surge a
importância em situarmos os NMS e suas condições de emergência com a redemocratização
das sociedades latinoamericanas, em especial o Brasil, nosso foco de estudo, em 1985, com
as primeiras eleições diretas após 21 anos de Ditadura Militar. Tal processo é acompanhado de
perto pelos NMS que já vinham se estruturando desde a década de 70 e a partir dessa época
puderam ocupar novos espaços de reivindicação, não se configurando mais como
clandestinos.

Por último, outra novidade dos NMS residiria na ausência de responsabilidade intergeracional
dos movimentos, ao menos de forma imediata, já que a questão geracional se colocaria de
forma imediata. A emancipação pela qual se luta buscaria transformar o cotidiano das vítimas
o essão o mome o ese e, já que “ u co [ s ve h s o essões] ão o e se
feita em nome de um futuro melhor numa sociedade a construir [...] a emancipação por que se
luta visa transformar o quotidiano das vítimas de opressão aqui e agora e não num futuro
o gí quo” (SANTOS, 1996, .259).

2.3 A NOVA RELAÇÃO ENTRE O ESTADO E A SOCIEDADE CIVIL

Considerando que as análises de Boaventura de Souza Santos citadas no final do item anterior
são de extrema relevância para o cenário nacional, apresentaremos de forma um pouco mais
detalhada suas argumentações. Em seguida, trataremos especificamente do caso brasileiro,
através das críticas de Gohn (2003) à atual mudança de foco do agente para a demanda na
parceria Estado-sociedade civil. Em relação ao contexto em que as jovens entrevistadas se
inseriam, é necessário entender tal mudança para poder melhor vislumbrar o cenário da
pesquisa.

Conforme apresentado ao final do item anterior, para Santos (1996), os novos movimentos
sociais seriam os responsáveis por estender o conceito de política para além da distinção -
liberal - entre Estado e sociedade civil. Esse alargamento se daria como uma ação política não
institucional, dirigida à opinião pública, com o uso dos meios de comunicação social,
envolvendo atividades de protesto e confiando na mobilização de recursos por elas
proporcionada.
27

A crítica corrente se dá na maneira como alguns autores apontam para uma certa tendência do
Estado de englobar ou mesmo absorver a sociedade civil e da forma, muitas vezes autoritária,
como isso é feito. Já outros teóricos apontam para uma crescente ineficácia do Estado, que
tornaria necessário o desempenho de certas de suas funções por atores fora de seu espectro,
sendo que “ es s á ises, o Estado ora surge como um leviatão devorador, ora como um
em ee e o f h o” (SANTOS, 1996, .116)

Esta contraposição da sociedade civil ao Estado é bem definida por Bobbio, Matteucci e
Pasquino (2000), podendo-se destacar o desenvolvimento das ações da Sociedade Civil como
acontecendo à margem das ações estatais. Há a restrição da sociedade civil à esfera de
conflitos que devem ser resolvidos pelo Estado, de forma que o sistema político possa
responder, seja com repressão, mediação, mobilização ou supressão. Nas palavras dos
autores, a sociedade civil seria:

[...] a esfera das relações entre indivíduos, entre grupos, entre classes sociais, que se
desenvolvem a margem das relações de poder que caracterizam as instituições estatais. Em
outras palavras, sociedade civil é representada como o terreno dos conflitos econômicos,
ideológicos, sociais e religiosos que o Estado tem a seu cargo resolver, intervindo como
mediador ou suprimindo-os; como a base da qual partem as solicitações às quais o sistema
político está chamado a responder; como o campo das várias formas de mobilização, de
associação e de organização das forças sociais que impelem à conquista do poder político
(BOBBIO, MATTEUCCI e PASQUINO, 2000, p.1210).

No caso brasileiro, Gohn (2008) observa que o país, na década de 90, teria assistido a um
certo deslocamento dos interesses do Estado para a sociedade civil, na qual os movimentos
sociais são considerados exemplos. A autora afirma que a nova visibilidade destes decorre da
sua qualidade de fenômenos históricos concretos, com ações coletivas em outro patamar, as
quais construiriam novas teorias sobre a sociedade civil.

Todavia, essa nova forma de relacionamento teria acarretado uma perda de parte da força
política dos movimentos por se transformarem em meios institucionalizados de práticas sociais
organizadas de cima pra baixo, de controle e regulação das populações. Gohn (2008)
menciona a transformação ocorrida a partir da década de 90:

O que era tido nos anos 1990 como eixo de construção de uma nova sociedade, nova
economia etc. passa a ser assediado por políticos e pelas políticas públicas, tornando-se elos
de uma cadeia de economia alternativa de sobrevivência ao padrão geral imposto –
mecanizado e redutor do uso de mão-de-obra. A sociedade civil torna-se no imaginário popular
o centro de referência do bem e passa a ser reduzida, à esfera das ONGs e entidades do
terceiro setor (GOHN, 2008, p.60).
28

A década de 90 assiste também à consolidação de mudanças que vinham sendo traçadas


desde os anos 80 com a redemocratização, a abertura política e a ascenção dos novos
movimentos sociais. Nesse contexto, as referências deixam de ser somente dos sujeitos
históricos predeterminados por demandas específicas originadas somente na luta de classes,
de uma certa forma homogêneos em termos de inserção de demandas e modos de vida, para
ou os que es ão so o eque exc usão, com em s mui o ife e ci s, os “[...] o es
e os excluídos, apartados socialmente pela nova estruturação do mercado de trabalho. A
grande tarefa política será incluí- os” (GOHN, 2008, .35)

10
Nesse sentido, a cidadania coletiva é expressa constitucionalmente como categoria a partir
do advento da Constituição Federativa de 1988, o que possibilitou um avanço em direção a um
ambiente democrático de atuação, livre das pressões e sanções do período da ditadura militar
brasileira. Dessa forma, a participação política e o exercício da cidadania coletiva teriam sido
legitimados, exigindo uma qualificação no seu cumprimento, não bastando mais somente aos
militantes reivindicar, pressionar ou demandar.

Gohn (2003) estabelece uma crítica a essa mudança de foco atual do agente para a demanda
na parceria Estado-sociedade civil, que criaria um espaço sem um campo relacional de
reconhecimento com a institucionalização das práticas, mas uma regulação normativa, com
eg s e es ços em c os. “A ossi i i e em ci ção fic co fi os es ços e
resistência existentes. [...] isso poderá gerar aprendizado sociopolítico para os movimentos
sociais e contribuir para a construção de valores, vindo a desenvolver uma cultura política
e iv o que es á os o” (GOHN, 2008, .65).

A autora observa que, atualmente, dada a consolidação do ambiente político democrático, a


conjuntura social e política seria a de ocorrência de vários movimentos sociais com maiores
condições de organização tanto interna como externa. Todavia, em contrapartida, contaríamos
com um e e es ígio e “fo ç o í ic ju o à o u ção, em vi u e ece ção e
não-credibilidade em geral da sociedade civil para com os políticos, da composição da arena
político- i á i e os ocessos mo osos e ici ção soci ” (GOHN, 2008, .59). Em
adição, conforme abordado anteriormente, as formas de mobilização, viriam ocorrendo,
preponderantemente, de cima para baixo como resultado da aliança entre ONGs e Poder
Público.

Apesar das críticas feitas ao argumento sobre a forma de financiamento dessa aliança,

10
Cidadania coletiva é um termo utilizado por Gohn (2008).
29

entendendo sua necessidade, Gohn (2008) defende que as atuais relações sociais entre
diferentes sujeitos sociopolíticos se alteraram com o crescimento do número dos protagonistas
de ações coletivas, se estabelecendo como uma característica positiva no cenário atual.
Também se alteraram as formas de atuação que se dão, em sua maioria, em redes,
acompanhado por um panorama mundial de alargamento das fronteiras de conflitos e tensões
sociais em face da globalização econômica e cultural. Tais formas de atuação funcionariam de
forma abragente e com diferentes meios de mobilização, o que se apresenta como relevante já
que há a possibilidade de aumentar o número de pessoas envolvidas,

Para finalizar, é preciso relativizar as críticas feitas à crescente institucionalidade dos


movimentos sociais brasileiros e sua atuação enquanto atores da sociedade civil. Partimos de
um contexto mundial de sucessivas crises financeiras que afetaram a dinâmica empregatícia,
populacional e cultural de determinados países, incluindo o Brasil. Logo, há uma crescente
demanda por empregos e uma diminuição nos financiamentos (condição sine qua non para
atividades de mobilização as quais incluem a produção de materiais impressos e a
necessidade de deslocamentos, entre outros aspectos). Dessa forma, é preciso estarmos
atentos para uma nova forma de avaliação dos financiamentos e das possibilidades estatais,
sem necessariamente entendê-las como tentativas de cooptação.

2.4 NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS E SUA RELAÇÃO COM A IDENTIDADE

Uma vez apresentadas as conceituações que consideramos mais significativas sobre os


movimentos sociais na contemporaneidade, além de situá-los, a partir da década de 90, frente
à nova relação estabelecida no Brasil entre o Estado e a Sociedade Civil. Trataremos agora de
movimentos sociais que, especificamente, dizem respeito à afirmação de uma identidade como
frente de luta, como é o caso das mobilizações nas quais se envolveram as jovens mulheres
entrevistadas.

Castells (1999) aponta para a centralidade da idéia de cultura quando tratamos da temática
identitária, já que para a sociologia o único consenso sobre as identidades é que elas seriam
construídas a partir de significados com base em atributos culturais ou no conjunto destes em
inter-relação. Entendemos por identidade uma fonte de significado e experiência de um povo,
o que abarca, dentro de suas próprias definições, tensões e contradições tanto na auto-
representação dos sujeitos quanto em suas ações sociais. Convém ressaltar que a teoria social
entende que identidades não encerrariam em si essências e não seriam tidas, per se, como um
valor retrógrado ou progressista se estivessem fora do contexto histórico.
30

Dessa forma, o autor construiu uma tipologia que visava dar conta das situações as quais os
NMS se deparam quando atribuidos aspectos identitários, entendendo que as relações de
poder são transversais ao contexto em que as três categorias por ele definidas (identidade
legitimadora, identidade de projeto e identidade de resistência) acontecem. A identidade
legitimadora seria introduzida por instituições dominantes da sociedade para expandir e
racionalizar sua dominação em relação aos atores sociais. Já a identidade de projeto seria
construida com qualquer material cultural ao alcance das pessoas para redefinir suas posições
na sociedade com o intuito de transformar toda a estrutura social.

No âmbito do presente estudo, buscamos ressaltar a importância da identidade de resistência,


o que nos parece ser relevante para os casos analisados. Para Castells a criação desse tipo de
identidade é feita por atores em condições desvalorizadas e/ou estigmatizadas por uma lógica
e omi ção, “co s ui o, ssim, i chei s e esis ê ci e so evivê ci com se em
princípios diferentes dos que permeiam as instituições da sociedade ou mesmo opostos a estes
ú imos” (CASTE S, 1999, p.24).

É importante ressaltar que as três categorias dessa tipologia não são definidas de forma
estanque, podendo se transformar umas nas outras. O autor observa que a dinâmica da
constituição de cada identidade levaria a um resultado distinto no que tange à constituição da
sociedade. Assim, segundo Castells (1999) a identidade legitimadora, que seria introduzida por
instituições dominantes para expandir e racionalizar sua dominação em relação aos atores
sociais estaria na gênese da sociedade civil, a qual discutimos previamente.

Kathryn Woodward (2000) levanta questionamentos importantes no âmbito desse trabalho no


que concerne à construção de determinadas identidades, pois tanto o aspecto simbólico quanto
o social deveriam ser levados em consideração já que a luta “ fi m s ife e es
i e i es em c us s e co sequê ci s m e i is” ( .10). P ém o s ec o cu u ,
argumenta a autora, há uma responsabilidade perante as desigualdades que necessitam ser
analisadas frente à identidade, já que os aspectos levantados anteriormente são necessários
para a construção e manutenção das identidades, definindo, do ponto de vista simbólico, quem
seria excluído e incluído em determinadas práticas. Além disso, a diferenciação social seria a
responsável por veicular como as classificações da diferença são experimentadas nas relações
sociais.

Consideramos, para fins deste trabalho, que a marcação de algumas diferenças podem
obscurecer determinados aspectos da identidade dos sujeitos. Por exemplo, marcações
31

estritas, como a leitura das classes sociais, podem omitir as diferenças etárias e de gênero.
Woodward (2000) localiza neste ponto a importância dos NMS, pois as identidades em conflito
estariam relacionadas ao interior das mudanças sociais, políticas e econômicas para as quais
elas contribuem.

Os sistemas simbólicos, responsáveis por novas formas de experimentar divisões e


desigualdades sociais, providenciariam outro sentido aos meios pelos quais certos grupos
sofrem com estigmas e exclusão, de forma que as identidades possam vir a ser contestadas.
Assim, “ s i e i es são f ic s o meio m c ção ife e ç . Ess m c ção
diferença ocorre tanto por meio de sistemas simbólicos de representação quanto por meio de
formas de exclusão social” (WOODWARD, 2000, p.39).

Apresentada para os NMS em geral e para os movimentos feministas de forma específica, o


essencialismo é um problema recorrente na discussão das identidades. Essa temática nos
interessa de forma particular, pois o argumento que levanta a bandeira de identidades com
apelo a uma essência pode ser comumente apresentado na militância política. Dessa forma,
contamos com a necessidade de invocar algo inerente à pessoa, uma autenticidade para a
demarcação de pertencimento a um certo grupo identitário, fato observado no discurso das
jovens mulheres entrevistadas.

Sobre o essencialismo, Woodward (2000) ressalta que suas fundamentações podem residir
tanto na biologia quanto na história, ou seja, certos movimentos políticos podem buscar sua
afirmação apela o “ve es io ógic s”, ou “ve e” fix e um ss o ih o.
No âmbito deste trabalho, pensando sobre as tensões intrínsecas às concepções
esse ci is s, gos í mos e f ze co o os ques io me os u o : “Que e iv s
existem à estratégia de basear a identidade na certeza essencialista? Será que as identidades
são fluidas e mutantes? Vê-las como fluidas e mutantes é compatível com a sustentação de um
oje o o í ico” (WOODWARD, 2000, .16).

Além disso, o campo identitário é marcado para além de questões culturais por questões de
opressão e marginalização de determinados grupos. A partir desses fatos, surge a importância
da política de identidade que define tais movimentos. A mesma é marcada por uma
preocupação com a significação, o ução e co e s ção i e i á i s, ou sej , “ o í ic e
identidade concentra-se em afirmar a identidade cultural das pessoas que pertencem a um
e e mi o g u o o imi o ou m gi iz o” (WOORDWARD, I SI VA, 2000, .34). Po isso
seria necessário pensar na afirmação de uma mobilização política que pense questões da
singularidade cultural sem esquecer de opressões específicas.
32

Su H , em su o “A i e i e cu u ós-mo e i e”, eo iz so e
emergência de um indivíduo fragmentado, identificado por múltiplos pertencimentos, também
balisados, por exemplo, pela cultura - étnico, raciais e religiosos, que seriam os responsáveis
por novos lugares para os sujeitos. Esses sujeitos seriam “co f o os o um mu i ici e
desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos
nos identificar – o me os em o i me e” (HA , 2000, .13). A ém isso, o u o m ém
levanta a importância de se problematizar a identidade se pensarmos em sua centralidade para
a política, atentando para as instabilidades e dificuldades que têm afetado as formas
contemporâneas da política de identidade, como exposto por Woodward (2000).

Tomaz Tadeu da Silva (2000), na mesma vertente de análise, afirma que a disputa por
identidades é mais ampla no nível societário, envolvendo outros recursos simbólicos e
materiais, pois a afirmação de certas semelhanças (identitárias) e a marcação de diferenças,
traduziria uma disputa por recursos sociais. Castells (1999), nesta mesma linha de
argumentação, observa que os sujeitos identificados em grupos sociais, posicionados de forma
assimétrica na sociedade, buscariam garantir o acesso privilegiado a determinadas práticas e
domínios. Assim, surge a importância da questão identitária, e seu fundo econômico junto à
centralidade assumida pela cultura.

Enfocando novamente os NMS, Gohn (2008) define três principais linhas de análise: a
histórico-cultural; a institucional/organizacional–comportamentalista e a culturalista-identitária.
Tendo em vista que a última teria como premissa a orientação política para movimentos
identitários múltiplos, agrupados segundo suas diferenças (de gênero, étnica, ecológica, entre
outros marcadores), faremos uso de algumas das suas premissas quando julgarmos pertinente.
Dessa forma, ao tratarmos de conjuntos que organizam e providenciam surgiu espaço e
visibilidade a novos atores (mulheres, jovens e negros); há um espaço inédito para a
apresentação de demandas na esfera pública.

Ainda segundo a análise de Gohn (2008), a corrente culturalista-identitária também foi a


responsável, nos últimos anos, por identificar e veicular novas formas de vida, ação social e
significados, pois criticava as análises anteriores, detidas principalmente em uma idéia
economicista da sociedade. Sua proposta, como a de Santos (1996), afirma que o foco
identitário dos movimentos com abordagens detidas somente nas análises de classes sociais
como categorias econômicas seriam reducionistas, deixando de lado ações coletivas de outros
agentes igualmente importantes. Observamos que esses questionamentos embasados pela
cultura aparecem na retórica das jovens entrevistadas que, todavia, afirmam preocuparem-se
também com questões sócio-econômicas, além de questionamentos estritamente de gênero.
33

Gohn (2008) complementa, por último, com a afirmação que a identidade, além de fonte de
conflitos, também pode ser produtora de emancipações. A categoria teria passado a ser
utilizada com diferentes significados, com agrupamentos distintos como o juíridico, cultural e
até mesmo estimuladas por políticas públicas que normatizam regras de pertencimento. Além
disso, há identidades políticas/nacionais que se cruzam com pertencimentos étnicos, religiosos
e culturais.

Tal diversidade não significa, entretanto, que as múltiplas desigualdades deixem de lado a
questão das classes sociais, até mesmo por seu caráter de participação ter um forte
componente de participação das camadas populares, embora não exclusivamente. Gohn
(2008) reforça essa concepção ao afirmar que com “o g v me o ques ão soci em
virtude de desigualdade social, a miserabilidade provocada pelo neoliberalismo e o retorno
pouco eficaz das políticas públicas focalizadas de inclusão social, passa a ocorrer um retorno
da categoria classe social para reso ve ques ão soci ( . 46)”.

2.5 O(S) FEMINISMO(S) NO RIO DE JANEIRO: TRAJETÓRIA A PARTIR DOS ANOS 70

A trajetória do movimento comumente conceituado como movimento social feminista, no Brasil


em geral e no Rio de Janeiro em particular, não será alvo específico desta pesquisa. Contudo,
faremos menção a alguns acontecimentos importantes, que ocorreram a partir da década de
70, de forma a contextualizar a história na qual se inseriram as jovens mulheres entrevistadas.

Cabe lembrar que o mapeamento desse processo foi realizado através de trabalhos publicados
por diversos analistas do tema, bem como a partir dos dados que foram coletados através de
entrevistas realizadas em Maio de 2009 e Fevereiro de 2010, com duas feministas atuantes no
cenário do Rio de Janeiro: Solange Dacach e Schuma Schumaher, com fins específicos para
este trabalho.

Para Sarti (2001) as experiências retratadas como feminismos seriam plurais e polissêmicas,
dependendo do ângulo a partir do qual se olhe, possibilitando um entendimento distinto dentro
do espectro que se convencionou chamar de feminismo(s). Primeiramente, gostaríamos de
fazer coro à afirmação de Pinto (2003) quanto à multiplicidade do movimento:

[...] (o feminismo) tem sido por natureza um movimento fragmentado, com múltiplas
34

manifestações, objetivos e pretensões diversas. Sua história, desde os primeiros momentos,


mas principalmente após os anos 1960, quando de sua grande voga, foi pautada por esta
multiplicidade, em que os momentos unitários foram efêmeros e com objetivos muito
específicos (PINTO, 2003, p.9).

A década de 70, conhecida como a década de mulher, foi o palco de uma grande mobilização
do feminismo, principalmente entre os anos de 1975 a 1985, com a emergência de movimentos
distintos. Para Sarti (2001), o reconhecimento trazido pela escolha do ano de 1975 como Ano
Internacional da Mulher, propiciou que grupos que existiam clandestinamente pudessem atuar
e fo m eg . Pi o (2003) fi m que “a questão da mulher ganhava a partir daí um novo
status, tanto diante de governos autoritários e sociedades conservadoras como em relação a
projetos ditos progressistas que costumeiramente viam com grande desconfiança a causa
femi is ” ( .56).

Naquele momento, inserindo-se no circuito internacional, o Rio de Janeiro recebeu pela


primeira vez a feminista norte-americana, Betty Friedan, referência de grande peso em todo o
11
mundo, como relatado por Schuma Schumaher . Segundo Schuma, era nítido que a cidade na
década de 70 contou com um certo protagonismo tanto nas discussões quanto nas
mobilizações de rua e iniciativas governamentais.

A formatação brasileira dos movimentos ao longo da década de 70, durante a ditadura militar,
com seu contexto de autoritarismo político revelaria, embora influenciado pelas experiências
européias e norte-americanas, uma atuação marcada pela contestação à ordem política
instituída no país. Nesse período, uma parte expressiva dos grupos encontravam-se articulados
a organizações de influência marxista, clandestinas à época, comprometidas com a oposição à
ditadura militar, imprimindo ao movimento características próprias. Outras dificuldades
ocorridas foram:

O feminismo brasileiro nasceu e se desenvolveu em um dificílimo paradoxo: ao mesmo tempo


que teve de administrar as tensões entre uma perspectiva autonomista e sua profunda ligação
com a luta contra a ditadura militar no Brasil, foi visto pelos integrantes desta mesma luta como
um sério desvio pequeno-burguês (PINTO, 2003, p.45).

No ano de 1972, as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo abrigaram os primeiros grupos
feministas brasileiros de reflexão, de inspiração norte americana. As reuniões, de número
incerto, eram informais, com a participação de mulheres que se conheciam previamente, com
laços de amizade ou afinidades políticas e intelectuais. Já em 1975, no Ano Internacional da
Mulher, foi criado o Centro de Desenvolvimento da Mulher Brasileira (CDMB), em São Paulo
(PINTO, 2003).

11
Em entrevista realizada em Fevereiro de 2010.
35

Em 1979, o Rio de Janeiro foi palco do 1º Encontro Nacional de Mulheres, organizado pelo
Centro da Mulher Brasileira (CMB), principal referência no cenário carioca entre os anos de
1975 e 1979. O Encontro tratou, principalmente, de demandas por creches e igualdade de
direitos trabalhistas, com reinvidicações sistematizadas no que ficou conhecido como
“Docume o s 21”. Esse ocume o isco i so e s es e ç s i ici is o ve o o
CMB como um espaço de realização coletiva de objetivos e sobre o desinteresse pelo
envolvimento de mulheres de camadas populares nos movimentos. O movimento foi
posteriomente acompanhado de uma cisão do movimento feminista nacional e, dessa forma, foi
criado o Coletivo de Mulheres do Rio de Janeiro – CERES (TEIXEIRA, 1991).

A mudança na composição do movimento deu visibilidade à participação feminina das camadas


populares, retirando-as do confinamento doméstico, propiciando a emergência de um novo
sujeito político. Dessa forma, a partir da década de 70, houve a união de grupos feministas,
cujos membros eram, em sua maioria, militantes das camadas médias e intelectualizadas, com
membros das organizações de bairro. Essa época, contemporânea ao surgimento dos NMS,
assiste ao amadurecimento de questões que residiam em planos culturais com a tentativa da
“co s ução e um ovo igm ção soci ” (GOHN, 2003, .159).

A multiplicidade do movimento amadurece na década de 80 com o III Congresso da Mulher


Paulista, no qual há a recusa da formação de uma Federação de Mulheres, o que provocou a
fragmentação dos movimentos. Dai em diante, há espaço para um feminismo mais amplo e
diverso, com a atuação em grupos menores preocupados com questões específicas e
concretas de diferentes realidades femininas. O cenário nesse período é de crise econômica
nacional, contando com uma florescência de movimentos políticos e culturais, que incluiam
entre seus atores crianças, índios, negros e pobres, articulados a intelectuais de esquerda,
co heci os como “ fo ç e ife i ” (GOHN, 2008).

Conforme analisado por Schuma, se o feminismo nasce no meio de mulheres com curso
superior, de classe média e majoritariamente brancas, os últimos anos teriam testemunhado o
surgimento de um protagonismo de movimentos de mulheres negras, principalmente contra o
racismo. Todavia, a segmentação do movimento permite que essas mulheres, mesmo que
identificadas como feministas, estejam à frente de movimentos negros, por exemplo, com
demandas identitárias diferentes. Além disso, a entrevistada afirmou que outro segmento, as
mulheres das camadas populares, estariam fora das instituições feministas por questões
práticas como, por exemplo, horários das reuniões e deslocamentos geográficos. Ainda assim,
não deixariam de participar de movimentos que tivessem entre as questões principais a
melhoria de condições de vida, o saneamento e a segurança pública.
36

Após esse período, houve uma ruptura entre os grupos no território nacional, incluindo o Rio de
Janeiro. A cisão do movimento nacional ocorreu quando esse já se constituia como uma força
política e social consolidada, mas há uma ampliação do público, com a incorporação de novos
segmentos e realidades, como os grupos de mulheres negras, lésbicas, trabalhadoras urbanas
e rurais, entre outras. Segundo Schuma Schumaher (2003), em seu ho “Um Rio e
mu he es”, f gme ção ii es ei o o esu o e um e e o í ico sobre a
polarização entre a luta geral e a luta específica dos anos 70 que resultou, no início da década
de 1980, em inúmeros grupos de mulheres espalhados pelo país, num amplo leque de
movimentos feministas.

Todavia, Pinto (2003) afirma que a inclusão de outros grupos não ocorreu de forma acrítica,
pois, alguns movimentos afirmaram, na época, que ao alegar a prioridade de combater o
autoritarismo e as desigualdades existentes na sociedade brasileira, algumas organizações
teriam relegado a um plano secundário a problemática feminista. Ao mesmo tempo, os
diferentes grupos feministas alastraram-se pelo país, com uma penetração em associações
profissionais, partidos e sindicatos, legitimando a mulher como sujeito social particular. A
respeito dessa cisão, Pinto (2003) afirma:

A questão política parecia dominar o feminismo em 1982, quando das primeiras eleições gerais
no país (exceto para presidente da república). Com o processo de redemocratização mais
avançado surgia uma nova divisão entre as feministas: de um lado ficaram as que lutavam pela
institucionalização do movimento e por uma aproximação da esfera estatal e, de outro, as
autonomistas, que viam nessa aproximação um sinal de cooptação (PINTO, 2003, p. 68).

Outra teórica dos movimentos feministas, Carla Teixeira (1991) aponta para a criação do Forum
Feminista do Rio de Janeiro, em 1987, que reverte essa desarticulação da maioria dos grupos:
“ i em i e os movime os e g u i ção e vi iz ção o movime o femi is ss m
ser os encontros nacio is” (TEIXEIRA, 1991, .37).

A coexistência de lutas sindicais com lutas contra as múltiplas discriminações (negros,


homossexuais e mulheres) seria acompanhada de um sentimento generalizado de ausência de
esu os, es e “cu os ve ões e es e ç ” (GOHN, 2003, .127), com movime os
pela ética na política e pelo impeachment do presidente Collor. Por outro lado, Teixeira (1991)
observa que consta nos anos 90 um maior envolvimento de trabalhadores, que, embora ainda
atuassem, sobretudo nas mobilizações sindicais, também passavam a se organizar de forma
inédita, voltando seus interesses à participação na sociedade de consumo.

Assim, pode-se afirmar que é na década de 90 que há o início de uma redefinição do cenário
das lutas sociais no país, incluindo os movimentos feministas, com uma mudança na forma da
relação entre os atores-chave e o quadro geral das mobilizações. Se por um lado, Gohn (2003)
37

afirma que as mobilizações da época apelavam para a tomada de consciência individual de


cada pessoa e se a ese v m como “c m h s” o i vés e u i iz o ome e movime os
sociais, por outro, há, como afirma a autora, outro ator que ganha força no período:

A produção teórica desloca sua atenção para um outro sujeito social que esteve meio oculto
durante a fase de apogeu dos movimentos sociais no terceiro mundo, em especial na América
12
Latina: as organizações não-governamentais (ONGs) e as organizações do terceiro setor
(GOHN, 2008, p.34).

A profissionalização do movimento na época teria se dado, segundo Pinto (2003), de forma que
“o e s me o femi is se ge e iz e o movime o, o meio s ONGs, se es eci iz ”
(p.91). As decorrências nos movimentos feministas brasileiros é que os mesmos, com a
crescente institucionalização, esvaziaram-se de uma forma geral, ganhando força aqueles cuja
atuação era mais especializada, com uma perspectiva mais técnica e profissional. Disso
decorre a buca de muitos grupos pela organização em ONGs, de forma a influenciar as
políticas públicas em áreas específicas, utilizando-se dos canais institucionais (SARTI, 2001).
13
Solange Dacach , auto-i u “femi is u ô om ”, se mos c í ic o mome o u , o
afirmar que na década de 80 os grupos de estudos dos quais participou discutiam autonomia e
identidade. Todavia, minha entrevistada afirma que, quando falavam de autonomia, o faziam de
fo m que “ ão g h v m i hei o f ge e, que é o e fi e ONG”.

Pinto (2003) não vê o movimento de crescimento das ONGs e, consequente ,institucionalização


da militância como um fenômeno que esvarizaria o movimento social em questão. A autora
afirma que o terceiro setor seria o responsável, a partir da década de 90, pela continuação da
exis ê ci o femi ismo o B si “ o o e ç efes s os i e esses s
mu he es o c m o o í ic como icu ção e e es cio is e mu he es” (PINTO,
2003, p.98).

Diferentemente de Pinto (2003), Schuma Schumaher faz críticas a aspectos da


institucionalização pela via das ONGs, pois a diferença da atuação das ONGs para a atuação
e io à éc e 90 se i f u “ e um ge femi is ”. O Rio e J ei o, que já
protagonizou os debates em âmbito nacional, seria mais um dos agentes da realidade atual
14
com jove s e femi is s “ju ássic s” , incorporadas por ONG e suas iniciativas sempre
institucionalizadas. Dessa forma, as iniciativas não teriam mulheres à frente de ações
espontâneas e assistiríamos atualmente a uma certa desmobilização da cena feminista,

12
Terceiro setor é uma terminologia adotada para todas as iniciativas privadas de utilidade pública com origem na
sociedade civil. As ONGs, as entidades filantrópicas e as OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse
Público) fazem parte do terceiro setor.
13
Segundo entrevista realizada em Maio de 2009.
14
Feministas “jurássicas” é um termo utilizado pela minha entrevistada para se referir as feministas que atuam no
movimento há mais tempo.
38

15
i ci me e es o â e , o “femi ismo e u ” . Segundo a entrevistada, o contexto de
trabalho das ONGs é também díficil, pois o financiamento seria escasso e a mobilização,
estratégia de comunicação essencial para movimentos sociais ficaria prejudicada com a
ausência de dinheiro.

Tanto Schuma quanto Solange são categóricas ao afirmar que há muitas diferenças do
femi ismo éc e 70 o u , já que o “femi ismo jovem”, que e ic o
contemporaneidade, não teria que lidar com os estigmas que são correntes para as
16
feministas e as barreiras im os s e socie e, ois “ u o, u me e, já es á o”.
Enquanto Schuma afirma que ainda faltam autonomia e cidadania para as mulheres e a
mobilização e a articulação das jovens feministas é menor que antigamente, Solange afirma
que “o movime o femi is hoje é ss o”, ois f m o u so es que mu he es se
juntem por alguma causa, de forma que o legado do movimento seria seu desengajamento das
instituições e, consequentemente, sua atuação de forma pulverizada.

15
Feminismo de rua é como ficou conhecido o movimento social feminista em suas mobilizações nas ruas.
16
De acordo com Bila Sorj, em texto de 2005, o senso comum atribuiria às feministas os estigmas de mulheres mal-
amadas, histéricas, frustradas e mal-humoradas. Fonte:
http://www.clam.org.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=1854&sid=108
39

3.0 ALGUMAS ANÁLISES SOBRE A EXCLUSÃO SOCIAL

O capítulo que se segue não tem como objetivo esgotar a temática da exclusão social, mas
sim, a partir de uma breve revisão crítica da utilização do conceito, observar as aproximações
com os estudos desenvolvidos neste trabalho.

A importância da discussão sobre exclusão social frente ao presente estudo se dá em função


do fato de as jovens que serviram de mote a este trabalho se localizarem em estratos mais
pobres da população urbana, vivendo precariedades variadas (acesso aos bens e serviços
urbanos, dificuldades nas áreas da educação e moradia, dentre outras), resultantes das
disparidades presentes na sociedade brasileira. Alem de tais desigualdades, há que se
ressaltar a realidade de serem objeto de diversas formas de estigmas, que se expressam,
muitas vezes, através de atos excludentes por parte de indivíduos, grupos ou setores mais
amplos da sociedade.

Observando esses aspectos, o capítulo foi estruturado em três partes. Na primeira parte, serão
tratadas a pertinência e a abrangência teórico-conceitual da exclusão social, trazendo as
discussões de autores brasileiros e europeus sobre a aplicabilidade do conceito, um breve
histórico sobre a mudança da abordagem entre a conceituação de marginalidade para a
exclusão. Além disso, é abordada a polissemia que envolve a temática e há uma discussão
sobre os efeitos dos estigmas nas populações apreendidas como excluídas.

Em um segundo momento, avançando nas análises sobre as condições de desenvolvimento de


processos excludentes e seus efeitos sobre a sociedade, nos propomos a abordar
especificamente os aspectos vinculados à participação política de cidadãos que se inseririam
nesta categoria de excluídos. Serão problematizadas suas inserções em atividades políticas,
ressaltadas as situações que vivenciam, as quais podem se configurar como excludentes,
frente à sua condição etária, ao seu gênero e à sua situação sócioeconômica.

Já em um terceiro momento, falaremos sobre o papel das identidades nessa discussão sobre
as exclusões e sobre o conceito de discriminação negativa. A discussão identitária se coloca
como central, especialmente no momento em que se pensa em seus efeitos potencialmente
negativos. Discutimos a possibilidade de determinadas populações se identificarem com
identidades negativas e a ocorrência de um fenômeno conceituado, em 2008, por Robert
Castel, sociólogo francês, a discriminação negativa. Esse fenômeno respeito a uma
contrapartida discriminativa da sociedade frente a determinadas populações, no caso da
presente pesquisa, jovens mulheres de camadas populares.

Tendo isso em vista, é importante afirmar que consideramos importante manter tal temática no
presente trabalho, sobretudo para corroborar com as análises críticas que vêm sendo
empreendidas por diversos pesquisadores quanto ao uso irrestrito do termo e à abrangência do
conceito. Para isso, buscamos destacar as críticas mais pertinentes, principalmente frente às
40

análises de casos definidos como de exclusão social (por alguns setores da academia, pela
mídia e pelo senso comum), ao serem avaliados em seus processos. Isso nos permite observar
que não estamos frente a situações estanques, limites e irreversíveis, como abordados por
Paugam (2003), Castel (1998) e José de Souza Martins (1997, 2003).

Assim, em consonância com esses autores que propõem termos adicionais para tratar desta
temática, como por exemplo, a desfiliação cunhada por Castel (1998), podemos afirmar que,
também, face ao campo da presente pesquisa, o uso o e mo e o co cei o “ esigu e
soci ” se mos mui o m is e i e e.

Convém também destacar que concordamos com o entendimento de José de Souza Martins
(1997) ao defender que a exclusão social se apresenta basicamente como uma retórica dos
que se consideram incluídos, enquanto os atores da sociedade que se considerariam
“exc uí os” ão se u o e omi m dessa forma. A ausência desse discurso foi corroborada
pelo trabalho de campo, já que a temática da exclusão social, diferentemente de expectativa
inicial, não apareceu na fala das jovens como um aspecto central em suas motivações à
participação nos mivimentos e também não foi um termo usado nas suas auto-denominações.
Por outro lado, certamente identificamos uma importância atribuida a vivências de diversas
situações excludentes em suas falas.

Ainda com relação às entrevistadas, observa-se que, apesar de advirem de famílias pobres e
serem ou terem sido moradoras de áreas comumente vinculadas à exclusão social (favelas e
comunidades periféricas), as jovens apresentaram uma mobilidade social ascendente e que
este sim parace ser um aspecto central em suas vidas.
41

3.1 PERTINÊNCIA E ABRANGÊNCIA TEÓRICO-CONCEITUAL

Ilse Scherer-Werren (2007) traça uma relação entre os recém abordados novos movimentos
sociais e a exclusão social, pois os primeiros teriam como desafio cumprir uma agenda, de
forma que a diversidade das lutas pela cidadania dos grupos considerados excluídos se coloca
como um desafio reconhecido por seus atores frente ao contexto do século XXI.
17
Pensando na multiplicidade de marcadores identitários das jovens estudadas na presente
pesquisa, faz-se necessário tentar pensar as razões pelas quais o conceito de exclusão social
seria comumente lançado no dia a dia, na tentativa de demarcar o espaço ocupado por
determinadas juventudes na sociedade. A complexidade da temática é abordada pela autora
Bader Sawaia (1999), que coloca como uma prioridade nos estudos sobre o tema sua
perspectiva enquanto processo múltiplo, pois estaria no meio das confluências entre as
determinações sociais mediadas pela raça, classe, idade e gênero das pessoas.

A relevância em problematizar esse conceito se dá frente a uma situação muito comum quando
18
tratamos de minorias , tanto no Brasil quanto no mundo. Além disso, a intenção é,
primeiramente, qualificar algumas situações que se enquadrariam no que foi comumente
associado à exclusão social pelas ciências sociais desde a década de 80.
19
A partir da década de 80 , a exclusão social começou a se destacar como temática no Brasil,
substituindo a noção de marginalidade, apesar de alguns autores, como Paugam (1999),
localizarem a gênese do debate na década de 90. Anteriormente, discutia-se a nova pobreza e
não propriamente a exclusão. O cenário brasileiro convive com diferentes processos que são
considerados como excludentes, econômico, social, moral e simbólico com a intensidade
variando segundo o contexto histórico e geográfico. Dessa forma, a problemática fala de algo
caro à realidade brasileira na medida em que remete a um quadro comum vivenciado em
quase todo o território nacional nas últimas três décadas.

A diferença do pensamento social sobre a exclusão atual para o conceito de marginalidade,


utilizado na década de 60, é que, anteriormente, os “su o e á ios” (os m gi is, segu o
nomenclatura da época) eram considerados resíduos do progresso econômico crescente. A
discussão sobre a marginalidade no período girava em torno dessa massa de subproletariados
ser ou não alijada do processo econômico.

17
Tal diversidade será abordada posteriormente neste trabalho.

18
O conceito de minoria abordado neste estudo será o mesmo utilizado por LEVY (2009), da recomendação 1.201,
de 1993 pela Assembléia Parlamentar do Conselho Europeu. Em seu artigo primeiro, fica estabelecido que minoria
seria um grupo de pessoas em um Estado que residem sobre um território deste Estado, são cidadãos e têm ligações
características étnicas, culturais, religiosas ou linguísticas específicas.

19
Alguns autores, como Paugam (1999), localizam o início do debate na década de 90, principalmente considerando
que o debate da década de 80 dizia respeito à nova pobreza e não propriamente à exclusão.
42

Conforme citado por Ana Maiolino (2008), o sociólogo Quijano (1978), já na década de 70,
fi mou que o e mo “m gi i e” h vi co hi o um v ie e e si u ções e o em s, o
que dificultaria seu emprego analítico. Naquele momento, os marginais não eram excluídos da
sociedade, pois tinham funções para o capitalismo: regulavam salários e ofertavam um
aumento de mão-de-obra no momento que interessasse às empresas.

Assim, semelhantemente ao que ocorrera com a marginalidade, a polissemia do conceito de


exclusão social vem se constituindo desde o início de seu uso como uma marca tanto na
academia, quanto na mídia e no senso comum. Paugam (1999) critica exatamente tal
abrangência conceitual, pois “o uso oção e exc usão” é tão variado e impreciso que,
frequentemente torna-se inconsistente e, às vezes, equivocado, [...] [tornando-se] mais um
igm soci o que um ve ei o co cei o socio ógico” ( .49). O autor menciona que os
usos amplos do termo abarcariam desde minorias (negros, homossexuais, deficientes fisicos),
até pobres, sem-teto e desempregados.

No entanto, seu uso corrente incorre em um paradoxo, o qual é expresso pela oposição de um
e mo cuj “ efi ição parece, todavia clara à opinião pública e que, além disso, mobiliza a
energia de inúmeras instituições e associações que enfrentam permanentemente as múltiplas
dificuldades das populações desfavorecidas”. Ao mesmo tempo, os cientistas sociais nao
conseguiriam medir de modo satisfatório o que, extamente, se enquadraria em tal conceituação
(PAUGAUM, 2003).

O sociólogo Luciano Oliveira (1997) chama a e ção um ecessá i “ ec ção


e mi o ógic ” (p.2) do conceito. A exclusão social, a partir da sua incorporação ao discurso do
senso comum e mesmo da academia já seria usada para falar das mais díspares realidades
sociais, sempre caracterizadas por uma posição de desvantagem, que precisa ser considerada
frente ao seu contexto:

[...] têm sido chamados de excluídos os segmentos sociais mais diversos, caracterizados por
uma posição de desvantagem e identificados a partir de uma pertinência étnica (negros e
índios), comportamental (homossexuais), ou outra qualquer [...] Chamar de excluído todo e
qualquer grupo social desfavorecido pode levar a contra-sensos, como aplicar um mesmo
conceito tanto a moradores de rua quanto a pessoas que, apesar de portadoras de deficiência
física, gozam de uma situação econômica bastante confortável [...] os processos de exclusão
que afetam os dois grupos não têm nada em comum: nem a mesma origem nem a mesma
natureza, além de não se manifestarem da mesma maneira e, com toda evidência,
demandarem tratamentos bastante diferentes (OLIVEIRA, 2007, p.2).

Nessa mesma linha, Maiolino (2008) afirma que, atualmente, a exclusão é um conceito que
c i um m g m e o em s. “F -se de exclusão e há uma autorização
praticamente consensual para que aí estejam inseridas, de forma amalgamada, exclusões
cu u , es ci , soci e eco ômic ” ( .108). A u o fi m i que o e mo cos um vi
acompanhado de situações de desigualdades sociais do mundo globalizado, em especial, nas
grandes cidades, o que nem sempre se traduz em estados limites, como pressuposto pelo
termo.
43

José de Souza Martins (2003) é também um ferrenho crítico ao uso irrestrito e abrangente do
termo. Para ele, o conceito de “exc usão” c o cumprir a função de substituir a idéia
socio ógic e “ ocesso e exc usão”, se o atribuído mecanicamente a todos os problemas
soci is e is o ce o ques ão que ee e ex ic . Ess mesm “exc usão” f ria de
“si u ções o je iv s e iv ção, m s ão nos fala tudo nem nos f o esse ci ” (MARTINS,
2003, p. 43); a partir dela não se luta por transformações sociais e sim “em f vo e e ções
soci is exis e es, m s i cessíveis um e socie e” ( . 47).

Tendo isso em vista, apesar de suas críticas ao uso contumaz dessa terminologia, Martins
(2003) observa que o cenário urbano seria dominado pela concepção das cidades como lócus
de exclusão, que aprofundariam as desigualdades entre as pessoas. O autor afirma que os
centros urbanos tornam a exclusão mais dramática, pois são transformadas em um modo de
vida permanente. O presente assistira a uma sociedade regida sobe a dominação de uma
“co ce ção e ão e e cime o” (p.148), pois as cidades teriam perdido seu efeito de
ressocializar e incluir através de valores referidos à cidadania, à cultura, à consciência de seus
direitos.

Castel (1997), assim como diversos autores já citados, problematiza o uso indiscriminado do
termo, pois a abrangência da categoria de “excluídos”, aqueles responsáveis por suscitar
“fo m s es ecíficas de tomada de consciência” (p.21), é ampla. Nesse caso, torna-se
necessário, inicialmente, recompor o panorama da questão social de forma a definir os
questionamentos contemporâneos inéditos, abarcados na concepção de exclusão social.

Tendo em vista esse objetivo, Castel (1997) observa que, no caso francês, o grande e
heterogêneo grupo considerado socialmente excluído teria em comum um modo particular de
20
dissociação do vínculo social e, nesse caso, propõe o termo “desfiliação” em substituição ao
de exclusão social. Para o autor, a exclusão trata de um estado estanque, de isolamento em
relação à sociedade, ao passo que a noção de desfiliação traz à cena a trajetória do sujeito,
evidenciando que ele não está a parte da sociedade. O autor afirma que ao trocarmos os
termos podemos observar os processos que precedem a exclusão, inclusive levando em conta
seus espaços desencadeadores:

[...] passar da exclusão à vulnerabilidade que precede a exclusão, e até mais, ao foco mesmo
da vida social, no espaço de trabalho, onde são produzidas políticas que desencadeiam esta
espécie de onda de choque que por intermédio da flexibilização e da precarização do trabalho,
que, o fi s co s, ev m à “exc usão” (CASTE , 1997, 5).

Na mesma linha de Castel, Paugam e Oliveira, Martins (2003) também se voltam à análise de
processos que envolvem as situações excludentes e, nesse sentido, observam que nossa
sociedade precisa ser considerada como contraditória em sua totalidade e que compreender e

20
Entre as muitas diferenças entre França e Brasil, podemos citar a presença do Estado de Bem-Estar Social na
França como um organizador para o pensamento do pensamento sobre a desfiliação.
44

ci cu sc eve fe ôme o co i ó io se i esse ci o se v seus “mo os e


manifestação, os desastres sociais que ocorrem e seu lugar na dinâmica social” (MARTINS,
2003, p.13).

O autor também afirma que o conceito pressuporia uma sociedade acabada, cujo resultado
final não é por inteiro acessível a todos, sendo excluídos aqueles que não a acessariam por
inteiro. A sociedade, todavia, está em processo contínuo de desestruturação e re-estruturação,
ou sej , ão h ve i exc usões co sum s. “A vivência real da exclusão é constituída por uma
multiplicidade de dolorosas experiências cotidianas de privações, de limitações, de anulações
e, m ém, e i c usões e g o s” (MARTINS, 2003, p.21).

Martins (2003) observa que o perigo residira em se deixar seduzir por essa noção que faria
e e “um iscu so i fe iz so e ví im , so e o que gu s ch m m e exc uí os, so e o
esem eg o, so e o m gi iz o, e c” (MARTINS, 2003, .130), que esco e ico omi
da atual desigualdade social entre os plenamente incluídos - que desfrutam de oportunidades
na economia, relações sociais e cultura - em relação aos que estão na margem dessa mesma
sociedade, submetidos a permanentes insuficiências, carências e privações em suas relações
cotidianas.

Em 1998, na o “As me mo foses ques ão soci ”, Castel reafirma a importância do


espaço desencadeador, já que para que a noção de exclusão social pudesse ser utilizada,
“se i ecessá io que e co es o esse si u ções c c e iz s o um oc iz ção
geográfica precisa, pela coerência mais ou menos relativa de uma cultura ou de uma
su cu u e, m is f eque eme e, o um se é ic ” (CASTE , 1998, .26).

A situação conhecida como exclusão se configuraria como efeito de sucessivas privações e


seria estruturada pelos eixos do trabalho e pela sociabilidade sócio-familiar. A dimensão
econômica, segundo o autor, não é negligenciável, todavia, não é tão determinante quanto se
pensav . “Di o e ou o mo o, o ez como co me os que es e co me o entre a
relação-trabalho e o coeficiente de inserção social” (CASTE , 1998, p.31).

Também nessa linha de pensamento, Martins (2003 e 1997), faz críticas a uma visão
meramente economicista do processo de exclusão. O autor critica o que chamou de
“fe ichiz ção da idéia de exclusão” (2003, p.15), pois seu reducionismo interpretativo acaba por
suprimir as mediações que se interpõem entre a economia propriamente dita e os demais
níveis da realidade social. Essa precisaria ser pensada em sua diversidade, em termos de
riqueza e pobreza, mas também nas diferentes inserções sociais dos sujeitos e em suas
possibilidades e limites da atuação social. O autor afirma:

Minha linha de trabalho tem sido e será antieconomicista. Isto é, quando alguém ou um grupo
propõe um tema como esse, o que está de fato querendo é entender em que consistem os
processos sociais e as contradições que se determinam e se explicam pela ação poderosa de
instâncias de poder (o Estado, as multinacionais, os órgãos reguladores da política e da
economia mundiais etc.). Se concedemos a precedência à economia numa discussão assim,
temos de aceitar a lógica da economia à qual imputamos a responsabilidade da chamada
exclusão (MARTINS, 1997, p.12).
45

Sawaia (1999) também aponta para uma ambivalência das análises da exclusão, que, por um
certo monolitismo analítico, enfocariam, em sua maioria, somente uma característica em
detrimento das demais. Dessa forma, ou se consideraria as análises ecônomicas que tomam o
conceito como sinônimo de pobreza ou as centradas estritamente no social, que privilegiam a
discriminação, minimizando a injustiça social. A autora propõe uma abordagem que leve em
consideração a forma como o sujeito se relaciona com o social (família, trabalho, sociedade e
lazer), sem minimizar as dimensões afetivas e temporais. A autora continua:

A exclusão vista como sofrimento de diferentes qualidades recupera o indivíduo perdido nas
análises econômicas e políticas, sem perder o coletivo. Dá força ao sujeito, sem tirar a
responsabilidade do Estado. É no sujeito que se objetivam as várias formas de exclusão, a qual
é vivida como motivação, carência, emoção e necessidade do eu. Mas ele não é um mônada
responsável por sua situação social e capaz de, por si mesmo, superá-la. É o indivíduo que
sofre, porém, esse sofrimento não tem a gênese nele, e sim em intersubjetividades delineadas
socialmente (SAWAIA, 1999, p.98-99).

É importante, então, pensarmos em análises que levem em consideração outros fatores, além
dos aspectos sócio-econômicos. Também são múltiplos seus significados expostos por Denise
Jodelet (1999) de forma a mencionar uma organização específica das relações interpessoais,
seja de forma material ou simbólica, da qual um determinado grupo se coloca:

[...] exclusão induz sempre uma organização específica de relações interpessoais ou


intergrupos, de alguma forma material ou simbólica, através da qual ela se traduz: no caso da
segregação, através de um afastamento, da manutenção de uma distância topológica; no caso
da marginalização, através da manutenção do indivíduo à parte de um grupo, de uma
instituição ou do corpo social; no caso da discriminação, através do fechamento do acesso a
certos bens ou recursos, certos papéis ou status, ou através de um fechamento diferencial ou
negativo. Decorrendo de um estado estrutural ou conjuntural da organização social, ela
inaugurará um tipo específico de relação social (JODELET, 1999, p. 53).

Scherer-Werren (2007) chama a atenção para uma diferença importante no âmbito da exclusão
social: os planos da condição social e os planos simbólicos. Dessa forma, o primeiro espectro
abarcaria indígenas, populações em situação de rua, desempregados, enquanto o segundo
daria privilégio para os processos subjetivos como racismo, homofobia, preconceito e
discriminação. A exclusão, portanto, não se daria em um plano estritamente material, mas
ligaria-se “ um ocesso his ó ico e e o ução cu u socie e com um ‘sujei o
exc usão’, com im co es ec iv esv o iz ção i e i á i ” ( .26).

Já Paugam (2003) pensa na relação entre a desqualificação social e os efeitos do estigma no


conjunto da sociedade. O pensamento do autor enfatiza o descrédito dos que não participam
da vida econômica e social de forma plena, suas identidades e sentimentos subjetivos acerca
das situações que esses sujeitos enfrentam nas suas experiências e nas relações travadas
com os outros.
46

Para falar de uma associação comum entre a exclusão e a pobreza, Paugam (2003) identifica a
questão do status na sociedade moderna, pois a pobreza, per se, não seria somente uma
c ê ci e e s m e i is, m s ossui um s us soci es ecífico e esv o iz o, “que
m c ofu me e i e i e e o os os que vivem ess ex e iê ci ” ( .45).

É flagrante que denunciemos que não há uma unidade na categoria dos pobres, sua
heterogeneidade, inclusive, faz com que haja um aumento significativo do risco de isolamento
entre seus membros. Conforme abordado por Wacquant (2005), o peso social do estigma sob
os sujeitos faz com que haja um sentimento de ambivalência em relação a si mesmos, que
pode levar a um esforço em dissimular ou atenuá-lo, através de relações sociais mais distantes
e frias. Conforme citado por Maiolino (2008), p o u o , “o inverso desse processo de
estigmatização social é a dissolução o ‘ ug ’, is o é, a perda de um local com o qual as
o u ções u s m gi iz s se i e ifiquem e o qu se si m segu s”
21
(WACQUANT, 1997, apud MAIOLINO, 2008, p.111) , situação que a autora encontrou também
na realidade de favelas cariocas.

Quanto aos efeitos dos estigmas no caso dos guetos negros norte-americanos, Wacquant
(2005), defende que numa “socie e ivi i o ç , em que o s s esfe s vi es ão
claramente codificadas por cor [...] a melhor solução parece ser transformar a necessidade em
virtude, aprendendo a conviver com um estigma” (WACQUANT, 2005, .148). Em relação à
sociedade brasileira, podemos afirmar que, se não estamos em uma situação de radicalidade
22
semelhante à dos guetos negros norte-americanos , por outro lado, o preconceito racial é uma
realidade inequivocamente presente, tendo sido objeto de referência nos trabalhos de campo
que nortearam este trabalho. Dessa forma, apesar das diferenças, nos parece que, também
aqui, a difícil possibilidade de escapar aos preconceitos leva a produtivas formas de reação.

Com relação a outros pontos abordados neste capítulo, gostaríamos de destacar que, nos
capítulos subsequentes, é apresentado um breve mapeamento das inserções sociais das
jovens entrevistadas, o que nos permitirá observar os diferentes graus de inclusão e exclusão
em que se encontram.

Assim, fazemos coro às críticas ao uso do e mo “exc usão soci ”, no que se refere ao aspecto
dele pressupor um estado estanque, já que este não corresponde à realidade que pude
observar. As entrevistadas, embora possam se encaixar c ego i e “exc uí os”, o
estarem confrontadas com situações de precariedade em relação a classes mais altas do mapa
social brasileiro, de fato não estão à margem da sociedade.

É igualmente importante salientar que, em face de minha experiência de campo, considero


pertinentes as análises realizadas pelos diversos autores utilizados, sobre a necessidade de se

21
Observa-se que Wacquant se volta mais a análise dos efeitos dos estigmas territoriais e estes não serão objeto de
análises no presente trabalho. Quanto aos estigmas sociais, serão abordados no item 3.3, através das análises de
Castel (2008).
22
Maiolino (2008) analisa as diferenças e aproximações verificadas entre as situações sociais que contornam a
produção de estigmas nos casos dos banlieues franceses, guetos negros norte-americanos e favelas brasileiras.
47

atentar criticamente aos discursos vitimizantes e à redução de toda uma situação excludente
aos aspectos meramente econômicos, cabendo sempre buscar a contextualização das
diversas dimensões sociais, afetivas e simbólicas envolvidas nesses quadros.

Por outro lado, destaco que pude observar que as jovens entrevistadas se referem
frequentemente um má g m e si u ções “exc u e es”. No e o, su s ções nos
movimentos sociais privilegiam algum aspecto dessas várias situações, fato que discuto ao
longo dos capítulos 4 e 5, a seguir.

Assim, cabe destacar que essa relativização, tanto quanto ao uso do termo como aos seus
sentidos, foi acolhida, embora, ao longo do texto, ao mencionar diversos autores (Tourraine, em
especial), tenhamos optado por manter a nomenclatura utilizada por eles.

Por fim, gostaria de abordar outras duas análises realizadas por Martins (2003) de grande
relevância a este trabalho. A primeira estende o contexto excludente a todos nós na
contemporaneidade e não apenas aos que são normalmente nomeados por excluídos. Para o
autor, toda a sociedade brasileira viveria esse estado excludente, na medida em que todos
sofrem com a instabilidade do trabalho, a ameaça de desemprego ou a precariedade do
salário, dentre outros aspectos. Martins fi m que “exc usão é mui o m is um es fio à
compreensão do que um diagnóstico sólido. Cumpre, portanto, uma função importante na
percepção e no conhecimento das contradições da sociedade contemporânea, a função de ser
o o o e i ossi i i e e ef exão c í ic ” (MARTINS, 2003, .23).

Outro ponto que se destaca na obra do autor é sua crítica quanto ao fato de a retórica da
exclusão ser utilizada somente pelos que se encontram incluídos: “exc uí o e exc usão são
construções, projeções de um modo de ver próprio de quem se sente e se julga participante
dos benefícios da sociedade em que vive e que, por isso, julga que os diferentes não estão
e o cesso os meios e ecu sos que e e em cesso” (MARTINS, 2003, .30-31). Esse
ponto é central para nosso estudo, já que as jovens entrevistadas não fazem uso da
terminologia ”exclusão” ou “excluidos”, apesar de mencionarem inúmeras precariedades e
discriminações.

3.2 OBSERVAÇÕES SOBRE EXCLUSÃO SOCIAL E POLÍTICA

Avançando o que foi discutido no item anterior, é importante observar que os sujeitos desta
pesquisa não se encontravam em uma situação que se caracterizaria pela miséria ou por
estados de privação graves (impossibilidade de acesso à escola, à saúde, à moradia, dentre
outros). Ainda assim, gostaríamos de reafirmar que as jovens enfrentam dificuldades no
engajamento em atividades políticas, quando levadas em consideração as situações que
podem se configurar como excludentes, frente à sua condição etária, ao seu gênero e à sua
situação sócioeconômica.

Segundo Young (2006), a desigualdade socioeconômica estrutural produziria uma exclusão


48

política, principalmente para pessoas pobres, que, com frequência, não têm seus interesses e
perspectivas tão bem representados quanto os das pessoas de classe média. Além disso, a
autora afirma que mulheres e outros grupos culturais minoritários e situados em posições
raciais desvalorizadas também costumam carecer de voz política efetiva, ou seja, a categoria
classe social não daria conta de explicar a ausência de participação. Mas é importante pensar a
partir da ótica de posições sociais que são desvalorizadas.

A própria possibilidade de participar de atividades políticas seria, segundo Barry (2002), o que
caracterizaria um determinado segmento social como excluído, quer eles manifestassem
interesse em fazê- o ou ão: “Indivíduos ou grupos são socialmente excluídos se são negados
23
a oportunidade de participação, quer queiram participar ou não” (p.15).

Dessa forma, o grupo ocupando um papel social inferior em sua sociedade, ou seja, com
possibilidades condicionadas à sua vivência da exclusão, são problematizados por Carreteiro
(1999), que afirma que sua participação seria experimentada diferentemente de acordo com o
lugar social ocupado. As escolhas dos sujeitos estariam, segundo a autora, relegadas a uma
realização em um campo de possibilidades que podem ter diferentes níveis de abertura e
fechamento.

O ques io me o e A i Tou i e (1989) o imei o c í u o e su o “P v eS gue


– Po í ic e Socie e Amé ic i ”, so e relação entre exclusão e política nas
sociedades latinoamericanas, é o que move iscussão o âm i o ess isse ção: “Como
chamar para o afrontamento de classes quando uma parte da população pobre é mais excluída
que explorada” (p.16-17). O autor pressupõe a existência de um modo latino-americano de
desenvolvimento, que combinaria o racionalismo econômico e uma mobilização política e social
próprias ao continente.

Falando sempre sobre uma perspectiva que levaria em conta as sociedades latinoamericanas
inseridas no contexto mundial, Touraine (1989) menciona que na base dos países pobres, dos
quais o Brasil faz parte, estariam os excluídos, os quais teriam sua participação na vida política
condicionada ao lugar que ocupam na sociedade. Segundo o autor: “A exis ê ci e c ego i s
sociais, que não se definem através de nível relativo de participação, mas através dos
privilégios ou dos subprivilégios, tem consequências políticas diretas” (p.53).

Isso posto, apesar de o grau de dificuldade de inserção em atividades políticas ser maior em
sociedades com uma porcentagem significativa da população vivendo em diferentes níveis de
pobreza, existiria a possibilidade desta funcionar como um mote de luta. Dessa forma, o
embrião das situações de reivindicação deflagradas pelas mobilizações populares se daria
como uma mistura em locais nos quais convivem “ ese ç simu â e o ez e
ex e iê ci exc usão” (TOURAINE, 1989, .270). O autor localiza na privação, no
sofrimento, na exclusão e na repressão sofrida pelas populações pobres a força da sua

23
“Individuals or groups are socially excluded if they are denied the opportunity of participation whether they
actually desire to participate or not” (BARRY, 2002, p.15). Tradução da autora.
49

capacidade reivindicatória:

Não é o papel dos pobres como trabalhadores, como cidadãos ou como membros de uma
comunidade que dá a este tema a importância que tem; não é o que eles fazem, mas o que
sofrem; não é o que possuem, mas aquilo de que são privados; não é, pois, a sua identificação
com uma classe ou com uma nação que dá força ao seu protesto, mas sim, a sua miséria, a
exclusão e a repressão que eles sofrem é que dão ao seu protesto um valor fundamental.
Porque é quando os problemas da vida privada e os da vida pública se unem da forma mais
intensa para dar origem a um protesto cujo único objetivo é a defesa da vida (TOURAINE,
1989, p.276).

Para Touraine, segundo Scherer-Warren (2005), caberia à democracia, por um lado, criar
espaços cada vez maiores para a participação dos os sujeitos, ao mesmo tempo em que
garantisse o respeito às diferenças individuais e ao pluralismo. Uma sociedade democrática
teria na luta das minorias contra o poder e a ordem estabelecida, um embate contra a sua
redução à condição de integração acrítica ao sistema.

Já Martins (2003), em uma abordagem sociológico-politica, menciona que a política assumiria o


papel de refletir sobre a relação entre a sociedade e o Estado, possibilitando atividades de
intervenção na sociedade civil. Esse seria o lócus de ação do que se convencionou nomear
como excluí os, ois “esse é o âmbito da reivindicação e, até mesmo, exigência dos direitos
soci is” ( .13).

O autor afirma também que a perspectiva imobilista da exclusão, que a consideraria um estado
fixo e irremediável, seria a responsável por deixar de lado a perspectiva de um processo que
também gera e coloca em movimento a interpretação crítica e a reação da população excluída,
“is o é, su ici ção sfo m iv o ó io i e io socie e que exc ui, o que
e ese su co c e i eg ção” (MARTINS, 2003, .17). Além disso, suas reivindicações
não se dariam fora dos sistemas econômicos e de poder, mas sim dentro, de forma a negá-los:

[...] rigorosamente falando, não existe exclusão: existe contradição, existem vítimas de
processos sociais, políticos e econômicos excludentes; existe o conflito pelo qual a vitima dos
processos excludentes proclama seu inconformismo, seu mal-estar, sua revolta, sua
esperança, sua força reivindicativa e sua reivindicação corrosiva. Essas reações, porque não
se trata estritamente de exclusão, não se dão fora dos sistemas econômicos e dos sistemas
de poder. Elas constituem o imponderável de tais sistemas, fazem parte deles ainda que os
negando (MARTINS, 2003, p.14).

Para Paugam (2003), a existência da exclusão estaria relacionada a um esvaziamento do


poder reinvidicatório dos sujeitos, se caracterizando como uma estratégia própria do
capitalismo. Através da inclusão perversa, por meio de subempregos, há uma diminuição do
potencial político de reivindicação dos trabalhadores inseridos no sistema capitalista, pois se
ão são exc uí os em e mos so u os, su i c usão “ ci ” ovoc i e e seu
potencial de ação sobre o sistema. Em termos de mercado, tornariam-se consumidores
marginais; em termos de trabalho estariam afastadas de postos mais valorizados do mercado,
50

perdendo o poder de reinvidicar, de exigir o cumprimento das leis em relação a si próprios.


Sendo assim, o vínculo político das populações nessa situação, como é o caso das jovens
pesquisadas, seria extremamente enfraquecido se elas não tivessem achado alguma
motivação que proporcionasse o contrário.

Se, em grande parte, são organizações políticas e profissionais que realizam a integração dos
sujeitos, são elas que dizem o que eles devem ou não fazer para não ferir ou desorganizar a
socie e que e e cem, “ ici ção iv o fu cio me o e g u os soci is
organizados é, portanto, uma condição para integrarem-se” (PAUGAM, 2003, .275).

No capítulo 5 ficará evidente esse aspecto ao mencionarmos as indicações de críticas e


acertos realizadas pelas jovens entrevistadas aos movimentos sociais. Nas entrevistas,
podemos perceber um afastamento das bases, o que enfraquece a ampla mobilização dos
diversos segmentos da sociedade nas discussões e reivindicações. Todavia, reconhecem a
importância, nesse começo do século XXI, da aproximação dos movimentos às esferas
estabelecidas de poder – como as conferências de políticas públicas para determinados
segmentos sociais – nas qualis as reivindicações ocorrem e as demandas podem encontrar um
canal de efetivação.

3.3 IDENTIDADES E EXCLUSÃO – O EXEMPLO DA DISCRIMINAÇÃO NEGATIVA

A discussão identitária, dentro do contexto da exclusão social, é central quando pensada em


seus efeitos potencialmente negativos. Para Jodelet (1999), o engajamento no grupo ao qual
pertencem às pessoas conduziria a nele investir a própria identidade, o que faz com que a
imagem que os indivíduos têm de si mesmos esteja ligada à do seu próprio grupo. Tendo isso
em vista, a construção e a manutenção de representações positivas de si mesmo precisam ser
amparadas pela sociedade, quer essa aprecie ou deprecie as mesmas.

Paugam (1999) é outro autor que aponta para a centralidade dessa discussão no debate, já
que considera que na dinâmica da exclusão haveria uma interiorização de aspectos negativos.
O sociólogo, em sua obra de 2003, A desqualificação social, afirma que, quando aplicada
especificamente aos excluídos economicamente, suas identidades seriam marcadas por esses
processos de pobreza, já que ser pobre não seria somente carecer de bens materiais, mas ter
um status social especifico e desvalorizado.

A proposta do autor, inclusive, é de analisar o que se convencionou chamar de exclusão social


através de processos como a estigmatização, a discriminação racial e a identidade negativa.
Interessaria ao sociólogo conceituar tais processos, a partir da relação da procura de uma
identidade e de status entre a condição social objetiva de populações que ele convencionou
ch m e “em situação de precariedade econômic e soci ” (PAUGAM, 2003, p.60). Os
efeitos em suas identidades, todavia, só poderiam ser sentidos através do exame do sentido
51

que os sujeitos atribuem às suas experiências vividas, destacando elementos positivos ou


negativos.

Falando sobre a identidade negativa, Paugam (2003) menciona que essa se inscreveria na
consciência social dos habitantes da periferia francesa, de forma que fosse herdado um status
desvalorizado, “uma desvantagem suplementar – para procurar um emprego, por exemplo – e
um si ex e io e que e e cem ‘ s c m s i fe io es hie qui soci ” (p.213).

Observa-se que a correlação entre a busca por um emprego e a identidade negativa não era
inicialmente objeto de análise da presente pesquisa, mas surgiu como uma decorrência do
trabalho de campo. Por outro lado, é interessante assinalar que havia uma expectativa de que
a relação entre os processos de exclusão e os locais de moradia surgisse como ponto
importante nas entrevistas, o que acabou não ocorrendo.
24
Paugam (2003), ainda sobre o exemplo das cités francesas , menciona a possibilidade de
valorização de outros aspectos da vida social, de sua identidade coletiva, de forma que nem
todos os habitantes desses locais sofreriam com identidades negativas. Ao contrário, em
função das dificuldades enfrentadas foi observada uma mobilização em torno da defesa de
territórios comuns:

A constituição e a manutenção da identidade negativa não são observáveis em todas as cites


socialmente desqualificadas. Pesquisas revelam que, de fato, as familias que ali residem por
vezes valorizam os gestos espontaneos de ajuda mútua, a amizade e o calor das relaçõeses
sociais que mantem. Ao re-interpretarem os traços negativos e a má reputação de sua cite,
e e em mos que ão são “me os” que os ou os, m s “ ife e es”. T -se, nesse
caso, de uma revalorização da identidade coletiva e de uma mobilização de todos os
habitantes na defesa de um território comum (PAUGAM, 2003, p.228).

Ainda mencionando o caso francês, mas dessa vez a partir de um conflito específico ocorrido
em 2005, envolvendo jovens moradores das periferias de Paris, Castel (2008) conceituou o
fe ôme o que e omi ou o “ isc imi ção eg iv ”, sof i o o jove s com o igem o ular
e preponderantemente provenientes de imigração africana, que seria mais facilmente
observado em tempos multiculturais e multiétnicos. Tal discriminação suporia uma vivência da
precariedade, da economia informal e, por vezes, da delinquência. Para Castel, ser
discriminado negativamente representa estar associado a um estigma, que os transforma em
símbolos da inutilidade social e da periculosidade. Tais análises são aplicáveis ao nosso
estudo, já que foi possível verificar que as jovens entrevistadas sofrem com o acúmulo de uma
série de contra-performances sociais.

Ao analisar as manifestações dos jovens moradores das periferias parisienses, Castel (2008)
observa que:

24
Cités são as periferias francesas, que levariam em consideração um certo aspecto moral.
52

[...] tais episódios, desprovidos de reivindicações e marcados por intervenções improvisadas e


esporádicas, constituíram-se como uma forma de demonstrar seu descontentamento com o
tratamento recebido pela sociedade francesa como um todo, em face de um profundo
sentimento de desesperança que perpassa suas expectativas em relação a conseguirem uma
pertença plena à sociedade e as suas perspectivas futuras. (GOMES; MAIOLINO, 2009, p. 788
- 789)

Podemos inferir que tratamos, nessa situação, de um sentimento de desesperança que


perpassa expectativas juvenis em relação a conseguirem uma pertença plena à sociedade e às
suas perspectivas futuras. Passaremos a suposição que, nesse caso, a identidade atribuída a
esses jovens moradores da periferia (em grande parte franceses filhos de migrantes) seria
estereotipada e reduzida, marcada por estigmas, e que, em contraposição, tais sujeitos devem
vivenciar uma múltipla vivência identitária, a qual pode ser muito rica. Essa redução de seu
mundo identitário pode ser verificada também em relação a diversos grupos brasileiros, em
especial a negros, pobres e moradores de favelas ou da periferia.

A tese defendida pelo multiculturalista Homi K. Bhabha (2007) é que assistiríamos atualmente a
emergência de domínios de diferença na contemporaneidade, ou seja, os sujeitos seriam
formados em seus cruzamentos de identidades (racial/étnica, de gênero, etária e de classe
social). Nesses “e e- ug es” é que seriam valorizadas as experiências intersubjetivas, os
interesses comunitários e o valor cultural, em oposição ao afastamento de singularidades
organizacionais que permitissem uma identidade única na modernidade. Segundo o autor:

O afastamento das singularidades de “classe” ou “gênero” como categorias conceituais e


organizacionais básicas resultou em uma consciência das posições do sujeito – de raça,
gênero, local institucional, localidade geopolítica, orientação sexual – que habitam qualquer
pretensão à identidade no mundo moderno. O que é teoricamente inovador e politicamente
crucial é a necessidade de passar além das narrativas de subjetividades originárias e iniciais e
focalizar naqueles momentos ou processos que são produzidos na articulação das diferenças
culturais (BHABHA, 2007, p.20).

Retornando a Castel (2008), o autor afirma uma correlação entre exclusão, discriminação
negativa e associação a um estigma, já que os jovens que ele menciona seriam tidos para o
senso comum como símbolos da inutilidade social e da periculosidade. Para o autor, a pertença
étnica acaba sendo feita como um suporte para o tratamento diferencial dos indivíduos, de
fo m que “a diferença aqui é sublinhada e funciona como um estigma: a cor da pele ou a
consonância do nome deflagram a suspeição e ejeição” (p.13).

No caso brasileiro, assim como no caso francês, também é nítido que em determinados
segmentos da população a pertença social não se efetive de forma completa. É preciso,
o vi , e o vivê ci “ s m ge s” es es jovens, destacando que:

se não estão confinados a guetos (como os negros norte-americanos nas grandes cidades dos
53

EUA)25, não vivenciam uma situação de apartheid e também não conhecem o lugar da miséria,.
Por outro lado, não ocupam nenhum lugar reconhecido, tendo um cotidiano marcado por
promessas não cumpridas em relação a oportunidades e valores encarnados pela sociedade
francesa [e também pela brasileira]. Assim, apesar de se beneficiarem de prerrogativas
essenciais de pertença à nação [...], dispondo de cidadania política e social, recebem um
tratamento que as desqualifica (GOMES; MAIOLINO, 2009, p. 789).

As promessas não cumpridas são retomadas na fala de Castel (2008), já que ele coloca que as
desvantagens concretas seriam visíveis em suas inserções precárias em diferentes aspectos
da vida social: no campo do trabalho, na sua relação com a justiça e na escola. O autor
continua:

[...] o problema com o qual se defrontam estes jovens não é estar fora da sociedade, nem
quanto ao espaço que ocupam [...], nem quanto ao estatuto deles [..] Contudo, eles também
não estão dentro, visto que não ocupam nenhum lugar reconhecido e muitos dentre eles
parecem pouco suscetíveis de encontrar este espaço (CASTEL, 2008, p.40).

Castel (2008) destaca que esse déficit de cidadania e o respectivo sentimento de injustiça
vivenciado por jovens é ainda mais grave ao considerarmos que estamos na presença de uma
sociedade democrática que proclama a igualdade de direitos e de chances. A juventude
m ém sof e i com um ocesso que “c is iz s m ge s s ch u s o ce o” e
es o s i iz e s “ isfu ções que es que são jus me e su s m io es ví im s” (CASTE ,
2008, p. 59-60).

Ao falar da situação vivenciada nas periferias, o autor coloca que a perspectiva que a
considera como margem possibilita uma inscrição plena na questão social contemporânea que
seria tornada dramática com a adição do aspecto étnico-racial, incorrendo no fenômeno da
discriminação negativa, caso que se aplica a uma transposição ao caso brasileiro, guardadas
as diferenças das características dos preconceitos.

Segundo Gomes e Maiolino (2009), é necessário fazer ressalvas à transposição da análise de


Castel (2008) sobre determinados mecanismos estigmatizantes ao caso brasileiro, na medida
em que nossa sociedade convive com um déficit histórico do que o autor conceitua como
cidadania social. Já na França, apesar dos estigmas, as populações das periferias contam com
proteções contra riscos sociais (acidentes, doenças, ausência total de recursos). Castel (2008)
destaca como um aspecto positivo da sociedade francesa esta obtenção da cidadania social,
assinalando que essa levou mais tempo do que a cidadania política para ser implantada, não
sendo ainda uma conquista na maior parte dos países.

Assim, cabe destacar que apesar das diferenças históricas, a convergência das situações
desenvolvidas nas periferias francesa e brasileira pode ser notada na ausência de condições
de igualdade do tratamento dos cidadãos, verificando-se, em ambas as sociedades, a
ocorrência da discriminação negativa, operando em contextos onde o acesso ao trabalho e, em

25
A análise das condições dos guetos negros norte-americanos é realizada por Maiolino (2008), a partir das
discussões empreendidas por Wiliam Wilson, na década de 90, e Wacquant (2003).
54

consequência, aos bens produzidos é extremamente desigual.

Uma vez mapeado esse quadro das discriminações negativas, que bem se aplica às jovens
estudadas, observamos que trabalhamos neste estudo com a hipótese de que as atividades de
militância das jovens seriam, para as mesmas, uma das formas encontradas para a inserção na
sociedade, já que sua pertença em movimentos sociais se coloca como uma alternativa de
participação efetiva na sociedade, frente às contrapartidas excludentes e às discriminações
vivenciadas.
55

4. HISTÓRIA ORAL: ALGUMAS DISCUSSÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS

Atentemos para o cotidiano: quem são os donos e quais seriam os objetivos das histórias que
nos são contadas? No passado, práticas e narrativas de discursos históricos se assemelhavam
a rituais de poder justificando e, simultaneamente, fortalecendo-os. Nesse sentido, a própria
função da História diria respeito ao ato de poder expressá- , ogo: “A his ó i , como os i u is,
como as sagrações, como os funerais, como as cerimônias, como os relatos legendários, é um
o e o , um i e sific o e o e ” (FOUCAU T, 1999, p.77).

O presente capítulo tem como objetivo discutir a escolha da metodologia da História Oral
sensível à proposta de escuta das histórias das jovens selecionadas para a pesquisa. Tendo
isso em vista, buscamos apontar para o engendramento de forças que ligaria uma determinada
historiografia considerada excluída a histórias de grupos excluídos, que seriam, para efeitos de
oss esquis , s jove s e evis s, e fo m “su i h ese ç o sujei o
his ó i ” (RODRIGUES, 2004, .25).

Para tanto, a primeira parte do capítulo pretende conceituar brevemente a Historia Oral; seu
surgimento no meio acadêmico como uma metodologia que se detém em contar as histórias de
vida dos sujeitos; a polifonia dos discursos que emergiu dessa conjuntura e os métodos
comuns a esta metodologia. Já a segunda parte do texto objetiva mencionar o papel implicado
do entrevistador, que assinalaria, durante uma entrevista de História Oral, assimetrias e
tensões particulares à pesquisa.

Passamos, então, para a terceira parte, algumas considerações sobre os sujeitos, comumente
apreendidos como excluídos, que, a partir da década de 70, contam suas histórias no bojo das
conquistas dos direitos civis. Em uma quarta parte, falamos do aspecto político da metodologia:
as possibilidades de ação sobre o presente, em detrimento de fontes estritamente escritas.
Além disso, o caráter político da disciplina é problematizado quando há um espaço inédito para
reinvidicações e contestações de diferentes públicos.

Após esses primeiros momentos de caráter mais teórico, apresentamos o item denominado
“Si u o o c m o esquis ”, que ve s so e e iz ção os co os s
entrevistas, assim como os aspectos éticos envolvidos. Finalizamos o capítulo com a minha
experiência como entrevistadora, que busca situar a minha abordagem durante as entrevistas
realizadas.
56

4.1 História Oral: Uma breve conceituação


26
A Historia Oral, surgida a partir da Escola de Chicago , após a Segunda Guerra Mundial (1939
– 1945) é uma disciplina acadêmica uti iz como me o o ogi , com o o je ivo e “f ze
his ó i ” e um fo m ife e e icio , ossi i i o eme gê ci e um ce
polissemia e polifonia dos discursos.

À Escola de Chicago também é creditada a responsabilidade por uma relativa apropriação de


métodos e ferramentas que puderam ser utilizados na escuta das histórias de vida. Isso posto,
a entrevista direta, observação participante, pesquisa documental, métodos tradicionalmente
utilizados em outras disciplinas das ciências humanas, os quais foram aproveitados pela
disciplina emergente.

Meihy (2000) afirma que o projeto metodológico da disciplina conta com entrevistas gravadas,
transcritas e publicadas de acordo com critérios determinados previamente por um projeto.
Dessa forma, valoriza-se a subjetividade, já que quem conta a história é o historiador-
27
pesquisador , o qual escolhe suas perguntas e, por ter o controle do texto final (caso a
narrativa seja transformada em documento escrito), se vale da fala de sujeitos para confirmar e
contrapor as hipóteses da sua pesquisa.

A contraposição a outras disciplinas das ciências humanas é dada pelo caráter inexorável do
trabalho de campo, sem cuja existência a História Oral seria impossível, já que as primeiras
disporiam de um arcabouço teórico independente do relato das pessoas. As vidas humanas
ão se i m, o o, me os i s ume os e i e fe ê ci s, m s sim, o su “memó i ,
iscu so e iá ogo” (PERE MUTTER, 1997, .26), se so qu esi e ó i eo i
construida.

Dessa forma, a História Oral teria como objetivo buscar entender padrões culturais, estruturas
sociais e processos históricos, utilizando de entrevistas com pessoas, nas quais seriam
produzidos relatos sobre suas experiências, memórias individuais e o impacto que estas
tiveram em suas vidas. À oportunidade de se valer de uma literatura prévia sobre entrevistas no
âmbito das ciências humanas, somamos a vantagem obtida pela diversidade teórica que
abarcaria os relatos de vida. Segundo o historiador italiano Alessandro Portelli:

Em o his ó i o sem e sej ssoci com “mic o-his ó i ” evi o o seu e foque s
vidas individuais e seu modo de transmissão, o trabalho de seus historiadores varia
amplamente. A amplitude dos caracteres pode ir da história de vida de um indivíduo à

26
A Escola de Chicago, corrente de pensamento de diferentes áreas surgida na década de 1910, nos Estados Unidos,
foi uma iniciativa do Departamento de Sociologia da Universidade de Chicago. Seu surgimento está relacionado a
uma sequência de problemas sociais urbanos, como por exemplo, crescimento da criminalidade, aumento da
delinquência juvenil, aparecimento de gangues de marginais, bolsões de pobreza e desemprego e a formação de
comunidades segregadas.

27
O papel essencial da presença, na maioria das vezes sublinhada no próprio texto, do historiador-pesquisador na
História Oral, será problematizado doravante no texto.
57

reconstrução de um processo envolvendo milhões de pessoas (PORTELLI, 2001, p.27).

O gravador utilizado nas entrevistas é o dispositivo da História Oral, o qual é responsável por
trazer para a pesquisa um método mais sistemático de coletar evidências. A mudança
acarretada por essa forma de reunir informações seria, segundo relata o historiador Paul
Thom so (1992), ão im o e “ o c áe his ó i qu o fize m, o ss o, o
m usc i o, im e s e o quivo” (THOMPSON, 1992, . 84).

Para além da memória, instrumentos e parâmetros mínimos da metodologia, os testemunhos


orais trazem a oralidade como um elemento inédito a ser observado, mesmo que quase
invariavelmente haja uma transformação do documento oral em escrito. As histórias, portanto,
devem ser encaradas como parciais e não necessariamente verdadeiras, fiéis à proposta
subjetiva da História, das impressões sobre a materialidade concreta. Nesse sentido, a
fi e ig i e s i fo m ções ss s “ o õe um f s esco h . Se s fontes orais podem
ef o smi i i fo m ção ‘fi e ig ’, á- s sim esme e ‘como um ocume o m is’ é
ig o o v o ex o i á io que ossuem como es emu ho su je ivo, f o” (THOMPSON,
1992, p.138).

As histórias de vida contadas abrem espaço para a multiplicidade de vozes que abarca a
disciplina, já que os textos produzidos evidenciam as escolhas feitas (o lugar das entrevistas, a
forma como elas decorreram e eventuais interrupções). A esse respeito, Portelli afirma que
“ qui o que c i mos é um texto dialógico de múltiplas vozes e múltiplas interpretações: as
mui s i e e ções os e evis os, oss s i e e ções e s i e e ções os ei o es”
(PORTELLI, 1997, p.27).

Tais multiplicidades interpretativas dentro do texto devem ser observadas, todavia, de forma
que se faça jus às escolhas das falas dos sujeitos. Além disso, é preciso atentar, segundo
Thompson (1992) para a representatividade das histórias, responsáveis por ilustrar a
percepção social dos fatos pelas pessoas, sujeitos às pressões sociais do contexto em que as
entrevistas acontecem. Dessa forma, suas falas já apresentam vieses e a função (e
compromisso) da História Oral seria, portanto, torná-los explícitos.

4.2. Implicação dos entrevistadores

A implicação, conceito essencial para a Análise Institucional, é também importante para o


entendimento do papel do historiador-pesquisador, figura sublinhada no texto de Historia Oral.
Por escolher suas perguntas e ter domínio do documento final, esse ator não pode ter sua
centralidade negligenciada, sendo necessária a explicitação da sua relação com a sua
produção. Os delineamentos políticos, em termos da História Oral, imprescindíveis, tornam
necessária a menção das escolhas feitas, como por exemplo, de quem são os entrevistados.

O historiador-e evis o em seu e sem e “visíve ”, o que ão g e que es ej em é


58

de igualdade com os entrevistados, mas viabiliza que as tensões sejam problematizadas no


corpo do texto, tornando a pesquisa mais fiel às perspectivas implicadas da metodologia. Se o
pesquisador é o sujeito da demanda apresentada e a primeira pessoa a falar em uma
entrevista, logo, é patente a relação de autoridade estabelecida de antemão. Portelli (2001), a
esse es ei o fi m que: “ um se i o mui o co c eto, a narrativa da fonte pode ser vista
sem e como um es os à ques ão i ici o his o i o “qu o você sceu?”“, “co e-me
so e su vi ” [...] i ici o co ve s , o e evis o efi e os éis e es e ece se
e uoi e iv ” ( p.18).

A ausência de neutralidade sentida na disciplina torna patente a necessidade de legitimar e


problematizar as assimetrias no documento escrito. Eduardo Coutinho, cineasta e referência
por seus documentários afinados à teoria (e prática) da História Oral, é partidário da revelação
dessa assimetria dentro do próprio diálogo. Não contando a entrevista final, escrita, com a fala
do historiador-entrevistador, haveria espaço para uma certa manipulação e um grau de
ocu ção, o isso: “o iá ogo é sem e assimétrico, isso só pode ser compensado, na minha
o i ião, e um fo m co e , i c ui o ess ssime i e iv o o u o que você f z”
(COUTINHO, 1997, p.166).

Revelar a assimetria do diálogo é uma das decisões políticas que caberiam ao historiador-
entrevistador. Além disso, a imparcialidade assumida pode ser vista, principalmente, na
multiplicidade de confrontos que podem e devem ser assumidos no texto, segundo os preceitos
da disciplina. A esse respeito é importante fazer coro à perspectiva de Portelli (1997), que
defende que os múltiplos pontos de vista, os lados do contar, responsáveis por passar a
história adiante, sejam acompanhados da parcialidade do historiador - entrevistador, em
oposição à pretensa neutralidade dos historiadores tradicionais.

Po o, o o e “ om i o”, ii es ei o os “ os” que exis em e o o ó io


co , u c o mesmo “ o”, o que sig ific que é eciso f ze esco h s o co s
histórias, um terreno propício ao dissenso. Portelli a esse respeito, fi m : “A co f o ção e
suas diferentes parcialidades – co f o ção como “co f i o” e co f o ção como “ usc e
u i e” – é um s cois s que f z his ó i o i e ess e” (PORTE I, 1997, .39).

A ausência de parcialidade e os vieses de um texto são questões políticas que devem ser
assumidas por seus autores, em oposição aos documentos de fontes estritamente textuais,
pretensamente não enviesados. As influências sociais, desejadamente marcadas por um
historiador-entrevistador que esteja consciente da sua implicação no texto final, não eram
problematizadas em um documento escrito, de acordo com Thompson (1992), utilizando o
exemplo das cartas:

as cartas [...] estão sujeitas ao mesmo tipo de influência social que tem sido observada em
entrevistas, porém de forma exagerada, porque raramente se escreve uma carta a um
destinatário que esteja tentando ser neutro como um entrevistador. Contudo, raramente os
entrevistadores param para pensar até que ponto determinada carta foi formulada por quem a
escreveu para atender às expectativas de seu imaginado destinatário, fosse este um inimigo
59

político ou um amigo político (THOMPSON, 1992, p.141).

Dessa forma, o comprometimento com o pluralismo apelaria para um sentimento de


responsabilidade ético-política-metodológica do historiador-entrevistador. E nesse sentido é
que, ao assumir as assimetrias do diálogo, este historiador-entrevistador rejeita a pretensa
objetividade científica que o ausentaria dos discursos e simularia uma neutralidade que é tanto
impossível quanto indesejável (Portelli, 1997).

A entrevista também deve ter seu mérito pessoal problematizado, de forma que o entrevistador
se porte de forma próxima, já que foi o responsável pelos contatos iniciais. Portelli (1997)
afirma que essa postura é essencial para o estabelecimento de uma troca, já que um
e evis o im esso e is e ão se i c z e o e um iv e ev e “Po que
devo eu esperar que outros me falem de sua vida se eu não me mostro disposto a contar algo
a respeito da minh ” ( .22).

A necessidade de uma atmosfera familiar com a realidade da investigação se coloca, portanto,


como uma decorrência clara da implicação. Para a própria viabilização da pesquisa de campo,
é necessário que o contexto a ser explorado seja minimamente familiar ao historiador-
pesquisador para que o acesso às pessoas seja viável e que a própria temática seja explorada
com profundidade. Perguntas e uma atitude implicada requerem do narrador que se interesse,
converse e que o tratamento da entrevista não seja burocrático e distante, em oposição a
determinadas entrevistas que se utilizariam das falas dos sujeitos de forma a torná-las
descontextualizadas, apresentando as respostas e nunca as perguntas, por exemplo.

4.3 Entrevistados – História Oral e a Contra-História

Em “Em efes socie e”, Fouc u (1999) ese eo i e um co -história da


luta das raças, que emergeria das sombras para veicular o discurso dos sem glória ou
daqueles que a perderam e se encontram agora no silêncio. Pretendemos utilizar essa teoria,
dentre outros aportes de diferentes autores, como uma forma de veicular parte da polifonia
outrora excluída das grandes narrativas da história e de seus homens e mulheres.

A historiografia na qual se insere a História Oral é uma das responsáveis pelo aparecimento de
componentes da subjetividade outrora ocultados, quiçá silenciados (Perelmutter, 1997). Dessa
forma, desde a década de 70 nas ciências humanas, quando se iniciou a discussão sobre a
inserção de sujeitos da camada popular na escrita da História, os participantes da contra-
história - no bojo de conquistas de direitos civis – foram trazidos para o debate. Apesar das
limitações impostas tanto pelo método quanto pelas conjunturas político-epistemológicas de
sua escrita acadêmica, His ó i O ão se fu ou ess iscussão, usc o “i ve e o
pêndulo historiográfico na direção de uma história dos vencidos, dos excluídos, da outra
his ó i , um his ó i vis e ixo” (VASCONCE OS, 2004, .250).
60

É importante marcar a não espontaneidade dos relatos das vidas da contra-história, pois as
falas partem de demandas do historiador-entrevistador. Tendo em vista tal ausência de
es o ei e, é ecessá io ex ici s e ções e o e e vo vi s: “o i ei o e f , em
particular sobre si mesmo, não é assumido automaticamente, especialmente entre os grupos
soci me e me os f vo eci os, os qu is os his o i o es se vo m m is f eque eme e”
(PORTELLI, 2001, p.18).

Partiremos da hipótese de que o ato de contar determinadas histórias as insere (e seus


sujeitos) no mundo, além de assegurar o papel da memória como um recurso adicional, o qual
rompe com a exclusividade de documentos escritos como transmissores de histórias para o
futuro. Outra dificuldade advém de uma desconfiança histórica de certas tradições e pessoas
em tornar suas vidas parte de evidências públicas, partindo, principalmente, de uma concepção
na qual as pessoas acreditam que suas histórias não seriam interessantes para os outros.
Portelli é defensor da escuta de vozes os que “ ão fo m ouvi os” e io me e:

[...] fomos motivados a iniciar nosso trabalho e a ele damos continuidade, porque, em essência,
desejamos ouvir aqueles que não foram ouvidos – as pessoas comuns, os trabalhadores, os
pobres e os marginalizados, os homossexuais, os negros, as mulheres, os colonizados. Em
nossa área de atuação, a voz de todos esses indivíduos, isolados e obscuros – e, sem
exceção, muito especiais -, é igualmente importante e necessária (PORTELLI, 1997, p.18).

Segundo Bourdieu (1993), as histórias de pessoas que confiam aos entrevistadores o propósito
de sua existência devem ser organizadas de forma a fazer com que o leitor lhes conceda um
olhar tão compreensivo quanto as exigências que o método científico impõe. Além disso, a
intervenção do analista tem a função de aproximar as leituras de pontos de vista diferentes e
também de trazer à luz a representatividade do caso analisado, como por exemplo, um
ofesso ou eque o come ci e, gu o em o o e e “c sos” que fu cionem como
variantes. O processo de passar da fala para a escrita deve fornecer todos os elementos
ecessá ios que ão sej i s u um “ is â ci o je iv e que e uzi i o es o
de curiosidade entomológica; adotar um ponto de vista tão próximo quanto possível do seu
sem, para tanto, projetar-se indevidamente nesse alter ego que é sempre, quer queíramos ou
ão, um o je o, se o usiv me e o sujei o e su visão e mu o” (BOURDIEU,
1993, p.10).

Paul Thompson (1992) afirma que, se ou o eme osos se evis s com “ge e comum”,
necessidade de ouvir vozes das camadas populares passou a ser imperiosa no presente. O
historiador credita à História Oral tal mudança de abordagem, responsável por um alargamento
do seu campo de ação, onde o foco recairia sobre a vida contada dentro da própria história.
Assim, os “he óis” o e i m su gi e e m io i esco heci o ovo, ão c e o m is
no espaço somente para as grandes figuras da História.
61

O já me cio o “ é e igu e” usente nas entrevistas com as camadas populares


aparece nas falas que não devem ser naturalizadas por historiadores-entrevistadores, frutos de
sociedades essencialmente desiguais (Portelli, 1997). Ao observarmos a genealogia da História
Oral em países latino-americanos, notamos uma ligação entre as temáticas iniciais de
experiências de exílio ou da exclusão de segmentos revolucionários. Portanto, a própria
isci i ei sci o “exi ”, em o osição s su s ízes “co o iz s” (MEIHY, 2000, p.2).
Sendo assim, Portelli destaca o papel da historiografia e se “m is i i sec me e e
mesm ” ao escutar as histórias dos excluídos da esfera pública:

A combinação entre a prevalência da forma narrativa, de um lado e a busca de uma conexão


entre biografia e historia, entre experiência individual e as transformações da sociedade, de
outro [...] a história oral expressa a consciência da historicidade da experiência pessoal e do
papel do indivíduo na história da sociedade em eventos públicos: guerras, revoluções, greves,
inundações [...] um subproduto desse enfoque genérico é que a história oral é mais
intrinsecamente ela mesma quando concerne às pessoas que ainda não foram reconhecidas
como protagonistas da esfera pública (PORTELLI, 2001, p.14).

4.4 O papel da política

Tendo em vista que a Historia Oral se propõe a falar de fatos e eventos que incidem no social,
os oxim mos e um co ju u que o iciou um “i v são e memó i s su e â e s”
(POLLACK, 1989), que seria pertinente ao debate político. Tal enquadre resultaria em uma
maior apropriação do espaço público, possibilitando uma abertura para múltiplas reinvidicações
na disputa pelos usos da memória e das histórias a serem contadas, aumentando as chances
de contestação:

O problema que se coloca à longo prazo para as memórias clandestinas e inaudíveis é o de


sua transmissão intacta até o dia em que elas possam aproveitar uma ocasião para invadir o
es ço ú ico e ss o “ ão- i o” à co es ção e à eivi ic ção; o o em e o
memória oficial é sua credibilidade, sua aceitação é também sua organização (POLLACK,
1989, p.9)

Foucault também é responsável por expor que o processo histórico que deflagrou a aparição e
a tomada de cena dos responsáveis pela contra-história se daria por sua reivindicação pelo
o e . Esse se i , o vi , fei o e fo m “ eivi ic i ei os ig o os, ou sej , ec
gue ec o i ei os” (FOUCAU T, 1999, .85).

No Brasil, firmou-se no meio acadêmico a tradição da escuta de histórias de vida de sujeitos


como crianças, analfabetos, presos políticos e militantes de esquerda, demonstrando uma
conexão entre suas temáticas e um compromisso político da disciplina universitária (MEIHY,
2000). Reafirma-se, assim, um compromisso militante da metodologia, posicionando os
defensores da História Oral como ativistas da relevância da memória. Rodrigues (2004)
argumenta nesse sentido:
62

Certas vicissitudes da história oral podem ser entendidas sob a mesma égide: fenômeno
psicológico, privado e dificilmente fidedigno, a memória não é fonte confiável para a
representação do passado – argumentam os tradicionalistas, defensores incondicionais da
exclusividade do documento escrito como fonte histórica; fenômeno social, público e
objetivável, a memória é passível de rigorosa coletivização − e ic m os que e usc m
uma conceituação de peso, ancorada nas teorias da produção sócio-cultural das lembranças.
Menosprezados por ambas as tendências, os ativistas, mais atentos à relevância da memória
para o empowerment de movimentos do que às querelas acadêmicas, não chegam a encontrar
um lugar confortável neste mapeamento intelectual permeado de armadilhas (RODRIGUES,
2004, p.31).

O caráter militante, que influi na apreensão dos efeitos do passado sobre o presente reafirma,
assim, o uso meramente instrumental de uma disciplina acadêmica. Além disso, sua
temporalidade calcada no presente torna possível uma ação quase simultânea, já que os
sujeitos ouvidos são contemporâneos, o que viabiliza uma política imediata, inviável com o uso
exclusivo de fontes escritas.

Assim, tendo em mente as considerações desses autores sobre as definições e a polifonia da


História Oral, bem como sua pertinência, seu caráter militante e a importância do historiador-
entrevistador para a disciplina, passaremos para aspectos práticos do presente estudo. No
momento seguinte, abordaremos aspectos específicos da presente pesquisa, com as histórias
orais das jovens entrevistadas.

4.5 Situando o campo da pesquisa

Após pensar a metodologia da História Oral e suas vicissitudes, munida de um gravador de


voz, realizei, para o presente trabalho, entrevistas com cinco jovens mulheres, entre os meses
de Janeiro de 2009 e Janeiro de 2010. As entrevistadas, Julia, Elisa, Paula, Diana e Alice, cujos
nomes reais foram trocados, tiveram suas falas gravadas mediante autorização, de forma a
observar os aspectos éticos e respeitar o que foi previamente combinado com as jovens.

Os locais em que as entrevistas ocorreram foram os mais diversos. Julia, a primeira a ser
entrevistada, em Janeiro de 2009, me recebeu no escritório da ONG em que trabalha,
CAMTRA – Casa da Mulher Trabalhadora. A segunda entrevistada, Elisa, encontrei na
universidade na qual desenvolvi a pesquisa de Mestrado (UERJ), em Julho de 2009. Já no mês
de Outubro, encontrei Paula, no CEFETEQ – Escola Federal de Química do Rio de Janeiro,
escola técnica municipal. No final do mesmo mês, entrevistei Diana na ONG Polo MultiAção, na
favela de Vila Aliança, Bangu. Finalmente, em Janeiro de 2010, encontrei Alice em Morro
Agudo, Nova Iguaçu, na sede da ONG na qual encontra-se inserida o Grupo Enraizados, .

Os locais foram escolhidos pelas jovens entrevistadas e observei, posteriormente, que estes
tinham relação com o momento atual de suas militâncias. Elisa, jovem que na ocasião da
entrevista estava afastada dos movimentos sociais, foi entrevistada, por exemplo, em um local
63

distinto às suas militâncias, a UERJ, dada a proximidade de sua casa e a conveniência para
ambas. Seguindo o critério de escolha das mesmas, as outras três entrevistadas foram
entrevistadas em seus atuais ocais de militância, duas ONGs (CAMTRA e Grupo Enraizados) e
uma escola técnica (CEFETEQ), local que a jovem menciona que possui uma relação de
militância com seus alunos. A relação travada com o local da entrevista diz respeito, no
entendimento do pesquisador e segundo a metodologia da História Oral, aos pertencimentos
das minhas entrevistadas.

Cabe ressaltar que a entrevistadora não conhecia previamente nenhuma das cinco jovens,
tendo estabelecido um contato inicial através da troca de emails com quatro das jovens,
28
enquanto uma entrevista foi marcada pelo telefone . Todos os nomes fictícios foram sugeridos
29
por amigos que militam em movimentos sociais, que as conheciam através de participações
em diferentes espaços de militância.

Atentei para meu papel de historiadora-entrevistadora quando realizei a análise das entrevistas
e na forma como me coloquei no decorrer do processo, procurando me sentir próxima das
militâncias das jovens. A minha participação em atividades do movimento feminista, além da
busca de pertencimentos comuns: etários e de gênero, eram objetos de comentários
frequentes meus na busca de uma empatia em situações que pudessem ser encaradas como
desconfortáveis. Foram frequentes os registros de comentários e conversas sobre situações
que vivenciei semelhantes às minhas entrevistadas, como o quanto o nosso feminismo
cotidiano influenciava nos nossos relacionamentos com namorados e parentes, por exemplo.

No intuito de não esconder a minha familiaridade com as temáticas e com situações


vivenciadas pelas jovens entrevistadas, percebi que quanto mais tínhamos algo “em comum”,
maior era o espaço dedicado às conversas que não estavam no roteiro das entrevistas. Dessa
forma, as semelhanças eram muitas com Paula, que já tinha passado pelo mestrado e, logo,
mostrou-se muito familiarizada e à vontade com o processo da entrevista; ela tinha a mesma
idade que eu e também havia morado muitos anos em Niterói, o que resultou no seguinte
diálogo:

Simone: Nasceu aqui também..?


Paula: Nasci em Niterói...lá..
Simone: Ahh, sim ... é, eu faço esse reajuste sempre.
Paula: Nós temos esse vício.

Além disso, a entrevistada faz uma referência constante à linha de pesquisa na qual me insiro,

28
Ressalto que, apesar de ter sido dado o telefone dessa jovem, tentei inicialmente contatá-la por email, de forma a
respeitar o que tinha estabelecido como procedimento, mas como não obtive resposta, liguei para a entrevistada.
29
Gostaria aqui de registrar minha imensa gratidão a Julia Zanetti, Max Freitas e Marcos Nascimento pelas sugestões
e pelo apoio.
64

a Psicologia Social, o que provoca respostas que se assemelham a um bate papo, como por
exem o: “Tenho sido levada cada vez mais coisas de “um tal de” Deleuze, um tal de Guattari,
uma tal de micropolítica, subjetividade, ainda não tá muito claro pra mim não, esses
atravessamentos como vocês da Psicologia Social mesmo dizem” (Paula, Outubro/2009).
Respondi que eu tinha feito o caminho inverso, tendo saído de uma formação em Psicologia e
buscado temas que se aproximassem à temática da Sociologia.

Já com Alice, a entrevista transcorreu em um ritmo diferente, pois a jovem aparentava estar um
pouco contrariada em falar. Suas primeiras respostas foram curtas e diretas e, eu, no decorrer
da entrevista, aproveitei deixas de assuntos para descontrair o ambiente e tentar fazer com que
a entrevistada não se sentisse inquirida, mas sim, num ambiente em que pudéssemos
conversar, o que ocorre após os primeiros minutos. Além disso, cito alguns amigos que temos
em comum tão logo me apresento a ela para que o estranhamento da situação seja
minimizado.
30
O roteiro das entrevistas tem uma estrutura básica com três eixos: história de vida, escola e
trabalho e movimento social. No eixo história de vida o objetivo era obter dados gerais sobre a
vida das jovens, com perguntas sobre sua idade, local de nascimento, local de moradia atual,
seus trajetos pela cidade e histórias de vida dos seus pais. Já o segundo eixo, escola e
trabalho, tinha por objetivo investigar suas trajetórias escolares, a idade com que começaram a
trabalhar e as motivações iniciais e atuais para trabalhar no movimento social. O terceiro e
último eixo, movimento social, buscou averiguar a trajetória dentro dos movimentos; os
obstáculos, críticas e acertos que faziam aos mesmos, além de questioná-las sobre como suas
experiências foram moldadas pelo fato de serem mulheres e como se veem no futuro. A essas
perguntas, duas foram acrescentadas a partir da segunda entrevista: se as entrevistadas se
consideravam feministas e o que entendiam por participação política.

4.6 Minha experiência como entrevistadora

Os contatos estabelecidos por email com jovens que eu não conhecia previamente me
deixaram ansiosa a respeito das histórias de vida que eu ouviria, além da forma como as
entrevistas se dariam. Em um ano realizei cinco entrevistas e pude notar diferenças na forma
como me portava como entrevistadora, desde a primeira, realizada com Julia, em Janeiro de
2009, até a última entrevistada, Alice, em Janeiro de 2010. Se na primeira entrevista percebi
um nervosismo mútuo e tentei, ao máximo, me ater às perguntas do roteiro, posteriormente,
percebi que as perguntas serviriam como um norteador e que uma conversa mais
descompromissada com as jovens me aproximava das suas histórias de forma mais livre.

Em relação ao contato inicial das entrevistas, pude perceber que as jovens, de uma maneira

30
O roteiro encontra-se no Anexo deste trabalho.
65

geral, se mostraram abertas a contar suas histórias, não aparentando estarem nervosas. Paula,
a jovem doutoranda, me pareceu familiarizada com o processo e me perguntou diversas vezes
se as suas respostas correspondiam ao que eu queria saber. Eu respondia que sim,
ressaltando que o importante era que ela falasse sobre sua vida. Diana também questionou
gum s vezes “ es o i?”, como se es ivesse em usc e um i ecio me o que
passássemos às próximas perguntas. A jovem também mostrou-se bastante a vontade ao falar
sobre sua vida.

Como historiadora-entrevistadora cabe, de antemão, realçar alguns aspectos que acredito


serem relevantes para a pesquisa desenvolvida. Atentei para a presença de mesas me
distanciando de três das entrevistadas (Julia, Paula e Diana) e como isso foi colocado na
relação travada entre pessoas desconhecidas que se portaram de forma diferente com a
presença da mesa.

Se Julia estava no escritório da ONG em que trabalha há dez anos, a mesa e a presença da
sua irmã ao lado, além das portas abertas durante toda a realização da entrevista (a primeira
realizada em Janeiro de 2009), deixaram a historiadora-entrevistadora mais apreensiva. A
entrevistada, todavia, parecia à vontade, não se incomodando com a irmã, estagiária da
mesma ONG, nem com a movimentação do escritório (telefones tocando e vozes sendo
ouvidas na sala ao lado). Paula, entrevistada em Outubro de 2009, tentou minimizar a distância
oferecida pela mesa enorme que estava entre nós. A mesa é, normalmente, usada pelos
professores na sala de reuniões da escola CEFETEQ, local em que ela tinha acabado de dar
uma aula de História. A jovem buscou minimizar as interferências, como a presença de
professores que nos interromperam algumas vezes no decorrer das entrevistas.

Já Diana, entrevistada no final de Outubro do mesmo ano, mostrou-se à vontade com o local
da entrevista, uma ONG na favela em que reside desde o seu nascimento. Conversamos com
uma mesa entre nós, em uma tarde de sábado pouco movimentada, o que não se mostrou uma
preocupação. Ao menos aparentemente, a entrevistada parecia bem à vontade. A presença do
gravador, instrumento que historicamente modificou as entrevistas de História Oral, foi um dado
adicional na entrevista, pois, com o término da bateria, filmamos com a câmera do celular sua
história e a jovem mostrou-se bastante confortável com o vídeo, o que supus ter relação com
31
suas atividades no teatro, na dança e na televisão .

É importante ressaltar que esse não foi o único problema envolvendo o gravador no decorrer
do trabalho de campo, pois vivenciei também situações como fitas que acabaram (o que só
percebi momentos depois), gravações difíceis de escutar devido ao barulho do jardim da UERJ

31
A jovem e sua irmã gêmea participaram de uma novela da Rede Globo no ano de 2007, o que não apareceu em sua
entrevista, mas era um dado que eu sabia previamente.
66

e a aproximação da chuva que ameaçava atrapalhar a entrevista ao ar livre em Morro Agudo,


Nova Iguaçu.
67

5. AS HISTÓRIAS DE VIDA DAS JOVENS

Neste capítulo apresentamos as histórias de vida das jovens. Dessa forma, iniciamos com uma
breve apresentação das entrevistadas. A seguir, falaremos sobre suas condições como jovens,
para mencionar, logo em seguida, elementos sobre suas moradias e sobre sua circulação pela
ci e. Em um mome o segui e, emos os “Pe cu sos esco es e je ó i s e
ho”, verificando a importância atribuída à trajetória educacional na vida das entrevistadas.
Além disso, faremos um mapeamento de suas inserções no mundo do trabalho, sempre
buscando alcançar os traços de suas subjetividades.

Após essa contextualização, analisaremos, na parte i i u “Exc usão soci : c u s


vés e su s f s”, gu s ques io me os zi os e s jove s so e os
engendramentos excludentes que vivenciam em seu cotidiano. As suas formas de participação
política serão discutidas no capítulo seguinte.

5. 1 Apresentando as entrevistadas

32
As jovens entrevistadas: Julia, Elisa, Paula, Diana e Alice tinham entre 19 e 29 anos no
momento das entrevistas. No que tange à determinação racial, suas etnias, considerei a auto-
afirmação e seus engajamentos em movimentos pela afirmação negra como critério validador
de minhas próprias impressões. Foram entrevistadas quatro jovens negras, Diana, Alice e
Elisa, as quais militaram em movimentos de identidade racial negra e Paula, que se auto-
definiu como negra. Somente Julia se identificou como branca. Das minhas entrevistadas, duas
eram casadas, uma era divorciada e duas eram solteiras. Todas as jovens já tinham
completado o ensino médio e somente Paula havia interrompido os estudos, após finalizar tal
etapa. Elisa cursava a graduação. Julia e Alice já haviam se graduado e Paula começava o
doutorado na época da entrevista.

Julia, 24 anos de idade, branca, casada, é natural de Fortaleza e atualmente reside no Centro
da cidade do Rio de Janeiro. Seus pais, advindos de famílias pobres do Ceará, se conheceram
33
no MR-8 e, posteriomente, sua mãe migrou de Fortaleza para Brasília. Após, se estabeleceu
no Rio de Janeiro com a jovem e suas duas irmãs. Já seu pai, se estabeleceu em Belém e é
militante partidário.

Após ter estudado em escolas públicas no ensino médio e fundamental, estudou Direito e

32
Faço aqui uma estimativa da idade da minha entrevistada Alice que, ao ser perguntada sobre sua idade, respondeu
“parei de contar minha idade há tempos..”, me revelou, quando eu disse que era importante para minha pesquisa, que
“estava dentro do meu recorte, entre 15 e 29 anos”.
33
Organização brasileira de esquerda, que atuou na década de 60 no país, participando do combate armado ao regime
militar, com o objetivo de instalar um Estado socialista no Brasil .
68

estagiou em duas ONGs de advocacia popular durante a graduação, participando por um breve
período no movimento estudantil da Faculdade de Direito da UFRJ - Universidade Federal do
Rio de Janeiro. Julia trabalha desde os 14 anos na ONG feminista CAMTRA – Casa da Mulher
34
Trabalhadora , fundada e gerida por sua mãe. Após ter auxiliado em cargos administrativos,
afirmou ter se envolvido de forma gradual com as tarefas do movimento social feminista.
Atualmente, faz parte do Fórum de Juventudes do Rio de Janeiro e manifestou o desejo de
trabalhar como advogada de sindicatos que lidem com mulheres.

Elisa, de 29 anos de idade, negra, casada, nasceu na favela do Vidigal e no momento da


entrevista morava na Tijuca, na zona Norte do Rio de Janeiro, com a esposa e a enteada. Seus
pais, separados desde a infância da jovem, advêm de contextos pobres. Sua mãe também
nasceu na favela do Vidigal, enquanto seu pai é descendente direto de escravos. A jovem e
seus três irmãos mais novos moraram em três favelas diferentes durante a infância e a
adolescência.

Durante o ensino médio, após ter estudado em escolas públicas, a jovem conta que começou a
trabalhar vendendo sanduíches em shoppings e, por volta dos 16 anos, ocorreu seu primeiro
envolvimento com o movimento social em um grupo de identidade homossexual, o Grupo Arco
35
Iris , do qual foi desde voluntária até agente de saúde. Depois desse período, Elisa começou
sua militância feminista na ONG CAMTRA, aos 19 anos. Após a participação nos projetos
dessa organização, aos 22 anos, foi chamada para ser co-fundadora de uma ONG feminista e
de direitos da população lésbica, o Grupo de Mulheres Felipa de Souza, junto a uma amiga
dissidente do Grupo Arco Iris.

Referentemente a esse aspecto, ela menciona a centralidade da rede de relacionamentos em


sua vida, contando que estabeleceu contatos dentro dos movimentos que permitiram iniciar tal
projeto, de forma que “é a rede de relacionamentos, né, cheguei lá através de uma amiga,
cheguei lá, fui montando redes, fui pra CAMTRA, continuei montando redes, ai fiquei em
36 37 38
Felipa em tempo, passei pelo PIM , Criola também foi uma rede”, tendo esse percurso

34
A CAMTRA – Casa da Mulher Trabalhadora é uma ONG feminista fundado em 1997, no Rio de Janeiro, que tem
como missão colaborar para o fortalecimento da autonomia de mulheres e despertár para a importância da
participação feminina na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Fonte: wwww.camtra.org.br. Acesso
em Março 2010.
35
O Grupo Arco-Iris de Cidadania LGBT, ONG fundada em 1993, no Rio de Janeiro, cuja missão é atuar como
referência na promoção e ampliação da auto-estima e cidadania LGBT, tendo em vista a defesa dos direitos humanos
para o exercício da livre orientação sexual e identidade de gênero. Fonte: www.arco-iris.org.br Acesso em Fevereiro
de 2009.

36
O Grupo de Mulheres Felipa de Souza, organização a qual Elisa foi co-fundadora, foi fundado em 2001, como
ONG, no Rio de Janeiro, “por mulheres comprometidas com a causa das lésbicas e de mulheres bissexuais”, segundo
Maria Fátima Magalhães, uma das coordenadoras. Fonte: http://www.uneb.br/exibe_noticia.jsp?pubid=3382
37
O PIM - programa Integrado da Marginalidade é uma ONG fundada em 1991 que realiza um trabalho de educação
em saúde e cidadania junto a populações marginalizadas socialmente, como os profissionais do sexo, travestis,
detentos e familiares de detentos. Fonte: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/periodicos/aids_boletim42.pdf
69

transcorrido entre seus 17 e seus 27 anos.

A jovem também militou em organizações da afirmação da identidade negra e feminista, tendo


atuado como coordenadora de projetos na ONG Criola, que em suas palavras, seria: “um
organização de mulheres negras que trabalha basicamente buscando o fortalecimento das
mulheres eg s [...] o mu he es jove s qu o u s [...] áe e i ei os, ci i ”.
Posteriormente, iniciou sua graduação em Serviço Social na PUC – Pontifícia Universidade
Católica e no momento da entrevista cursava o 3º período, afirmando estar afastada dos
movimentos sociais.

Paula, negra, 25 anos de idade, divorciada, é natural de Niterói e passou sua infância em São
Gonçalo, no Estado do Rio de Janeiro. Atualmente mora sozinha na Tijuca, após ter se
divorciado. Morou durante a infância com seus pais e um irmão mais novo, tendo afirmado que
foi a primeira na família a ter completado o ensino superior.

No que tange seu percurso educacional, a jovem estudou em escolas particulares durante o
ensino médio e fundamental, mas fez a graduação em História, o mestrado e iniciou
recentemente o doutorado em universidades públicas. Atualmente ela faz doutorado em
História na UFF - Universidade Federal Fluminense. Suas experiências de trabalho contam
com breves períodos no comércio, tendo trabalhado em uma loja em Alcântara, no Estado do
Rio de Janeiro, aos 15 anos, e também com a venda de bijouterias e lingerie durante o período
em que cursava a graduação.

Após ter iniciado sua militância na Igreja Católica, participando de forma ativa dos 13 aos 18
anos de idade, envolveu-se com diferentes militâncias durante a graduação. Nessa etapa de
sua vida, começou sua militância estudantil dentro do Centro Acadêmico (CA) de História,
relatando, além dessa vinculação, o início do seu envolvimento com o feminismo a partir da
ONG CAMTRA, como estagiária e coordenadora de projetos também na Marcha Mundial das
39
Mulheres e na direção do Sindicato Estadual dos Professores do Estado do Rio de Janeiro,
além de ter participado em diferentes partidos politicos: PSTU (Partido Socialista dos
Trabalhadores Unificado) e PT (Partido dos Trabalhadores). Atualmente, encontra-se vinculada
ao partido Psol – Partido Socialismo e Liberdade.

38
Criola é uma ONG, criada em 1992, sediada no Rio de Janeiro. Sua atuação é definida a partir da defesa e da
promoção de direitos das mulheres negras em uma perspectiva integrada e transversal. Fonte:
http://www.criola.org.br/quem_somos.htm
39
A Marcha Mundial das Mulheres é um movimento criado no ano de 2000 como uma mobilização mundial em uma
campanha contra a pobreza e a violência. O movimento é caracterizado por ser uma mobilização de rua, que tem
entre seus princípios a organização das mulheres urbanas e rurais a partir da base e das alianças com movimentos
sociais. Para maiores informações, ver: http://www.sof.org.br/marcha/
70

Diana, negra, 19 anos de idade, solteira, é moradora, desde a infância, da favela de Vila
Aliança, em Bangu, na zona Oeste do Rio de Janeiro, Seus pais se separaram quando a jovem
e sua irmã gêmea ainda eram crianças; ela tem outros 10 irmãos, por parte de ambos, sendo
que a jovem só conheceu seu pai, falecido em 2008, aos 12 anos de idade. Tanto seu pai
quanto sua mãe são advindos de contextos pobres e Diana relatou que sua família materna
vivenciou situações de extrema miséria.

Tendo trabalhado desde a infância, cuidando de filhas de vizinhos, cursou o ensino


fundamental e médio em escolas públicas e manifestou o desejo de cursar Direito e Sociologia
nos próximos anos. Antes mesmo de terminar o ensino fundamental, também aos 10 anos, a
jovem envolveu-se em projetos de movimentos sociais de forma remunerada, na ONG Polo
MultiAção, vizinha a sua casa, em Vila Aliança. Sua militância foi construida em torno de
projetos voltados para o diálogo com o movimento feminista, em parceria com outras ONGs
40 41
como o CIESPI (Centro de Estudos e Pesquisas sobre a Infância) e o Promundo (no
Projeto Jovens pela Equidade de Gênero).

No que tange sua interseção com a militância pela afirmação da identidade negra, a jovem
participou de projetos relacionados à dança afro e ao teatro e, atualmente, faz parte do Fórum
de Juventude Negra. Diana também militou em projetos de uma ONG que abordava a
valorização da identidade negra, a CEDOICOM - Centro de Documentação e Informação Coisa
42
de Mulher , que, de acordo com suas palavras, ”tinha esse foco para mulheres, jovens, negras
e ai eu peguei, já tava ali dentro desse grupo, já tava dançando, já me identifiquei com essa
coisa da dança afro”. (Daiana, Outubro/2010).

Alice, negra, 29 anos, solteira, vive com os pais e três irmãos mais novos na favela de Parada
Angélica, em Duque de Caxias, desde que nasceu. Apesar de resgatar histórias de escravidão
por parte dos avôs e tataravôs, sobre seus pais relata apenas que eles nasceram e continuam
morando em Parada Angélica. Seu percurso escolar no ensino médio e fundamental foi

40
O CIESPI é um centro de estudos e de referência dedicado ao desenvolvimento de pesquisas e projetos sociais
voltados a crianças, adolescentes, jovens e seus elos familiares e comunitários. Tem como meta subsidiar políticas e
práticas para esta população, contribuindo para o seu desenvolvimento integral e para a promoção e defesa dos seus
direitos. Fonte: www.ciespi.org.br Acesso em Março de 2010.
41
O Promundo é uma ONG, fundada em 1997, que busca promover a igualdade de gênero e o fim da violência contra
mulheres, crianças e jovens através da realização de trabalhos em âmbito local, nacional e internacional, tais como:
pesquisas, programas e advocacy. Fonte: www.promundo.org.br Acesso em Abril de 2010.
42
ONG fundada 1994 com o propósito principal de contribuir com a eliminação de todas as formas de opressão
sofridas por mulheres, principalmente por aquelas que têm maior probabilidade de serem discriminadas ou
socialmente excluídas como mulheres negras, pobres, lésbicas, encarceradas, recém-libertas, meninas e adolescentes
em situação de risco. Fonte: www.coisademulher.org.br Acesso em Abril de 2010.
71

realizado em escolas públicas, mas a jovem recentemente se formou em Marketing em uma


faculdade particular.

Sua infância contou com experiências de trabalho, já que Alice relatou ter começado a ganhar
dinheiro com atividades como cuidar de outras crianças e varrer quintais vizinhos desde os 7
anos de idade. Envolveu-se com a militância a partir do hip-hop, tendo também passado por
diversos empregos em paralelo às atividades de militância no movimento feminista, no Fundo
43
Elas , ONG feminista e também pelo CEDOICOM, na qual teria se reconhecido como “jovem
mulher, negra e feminista”. Atualmente, milita no movimento hip-hop e atua como coordenadora
de projetos do Grupo Enraizados, no bairro de Morro Agudo, Nova Iguaçu. Além disso,
atualmente encontra-se envolvida com o Fórum Estadual de Juventude Negra, ocupando a
cadeira de conselheira de Raça.

Um aparte sobre as especificidades do universo da militância feminina no movimento hip-hop


se faz necessário. Zanetti e Souza (2009) mencionam suas características como um espaço de
intervenção entre jovens de periferia de diferentes lugares do mundo, de forma a denunciar as
situações de miséria, violência urbana e de racismo na qual se inserem. Só recentemente é
que as questões pertinentes aos direitos e à própria visibilidade das mulheres dentro do meio
se configuraram como uma denúncia específica.

No que tange o contexto familiar, especificamente os pais e as mães das jovens entrevistadas,
é importante explicitar uma conexão que apareceu nas cinco entrevistas. As mães de todas as
jovens são mencionadas como exemplos, em detrimento de figuras paternas pouco
mencionadas e, em geral, quando mencionadas, são de forma negativa. Zanetti (2009) já havia
mencionado o papel de destaque de figuras maternas na socialização no núcleo familiar,
impactando diretamente na identificação com o feminismo. A esse respeito, as entrevistadas
trouxeram histórias que confirmam a hipótese da autora.

Julia menciona a sua mãe já na primeira resposta, quando perguntada sobre sua história de
vida, quando e onde nasceu "a minha trajetória tem muito a ver com a trajetória da minha mãe”.
Além disso, a jovem demonstra uma certa diferenciação das trajetórias de vida dos pais, pois,
seu pai teria tido apoio (financeiro e psicológico) da família nuclear, diferentemente da sua mãe,
que não teve uma estrutura semelhante e “foi morar em Brasília em busca de algo melhor, de
uma estrutura melhor”. Assim, es e m os se em ove ie es e f mí i s o es o
Ceará, as dificuldades de sua mãe impactaram sobre Julia, diferentemente da história do seu
pai, que lhe parece menos dura: "[...] tem uma coisa que eu acho que na trajetória dos dois

43
Fundo de investimento social voltado para a promoção do protagonismo das mulheres. Seu objetivo é, através do
investimento em ações para mulheres, que haja a possibilidade de transformação, gerando resultados diretamente em
comunidades e em todo o Brasil.Fonte: www.fundosocialelas.org Acesso em Abril de 2010.
72

difere muito é que de alguma forma meu pai teve apoio o tempo todo". Sobre a história da sua
mãe, ela afirma:

[...] minha avó materna, se eu não me engano, teve 8 filhos mas 2 faleceram e já foi
uma trajetória com mais dificuldade, porque ela não teve, não por isso, digamos
assim, mas conta, não tinha uma pessoa com ela. Então ela tem filhos de várias
pessoas e acabou criando basicamente sozinha, né. Então eu sei que a trajetória dela
... a infância da minha mãe foi muito pobre, da minha avó dar alguns filhos para
alguns cuidarem e depois pegar de volta, todas essas dificuldades. (Julia,
Janeiro/2009)

Já Elisa fala da sua mãe em diferentes momentos da entrevista, a qual é esc i como “uma
mulher batalhadora pra cacete, hoje em dia é funcionária pública”. Qu o e gu “De que
fo m su ex e iê ci foi mo e o f o e se mu he ?” su es os f e su figu
materna, que teria consciência de gênero sem ter sido alertada para tal: "O que me move [...] é
olhar pra trás e olhar pra minha mãe, que é uma mulher que independente de qualquer
homem, correu atrás. Na verdade, a história de vida dela começa com essa história de querer
se desvincular de um homem que era o pai dela". A jovem também menciona que sua mãe
su i su s eocu ções, é mesmo “de coisas que eu já nem tinha mais”:

“A minha mãe, embora bem dura, era uma mãe que supria tudo, preocupações de
coisas que eu já nem tinha mais, preocupações com coisas do cotidiano, porque é
mãe que cria. Então eu tive que acordar mesmo, pra vida, porque meu pai, na época
meu irmãozinho era novo, então minha madastra tinha que cuidar dele, embora ela
tenha me apoiado muito mais que meu pai, me deu muito mais apoio” (Elisa,
Julho/2009).

Paula m ém me cio exis ê ci e “mulheres muito fortes” na família, quando perguntada


so e fo m como su ex e iê ci foi mo e o f o e se mu he , fi m o que “quis
ser feminista e me tornei por conta disso”:

“Vivo numa família de mulheres muito fortes e por mais que não tenham sido
mulheres de grandes manifestações [...] eu falo mais da família da minha mãe que foi
com quem eu tive mais contato. São, foram seis filhas, cinco mulheres e um homem
... e todas com casamentos, relacionamentos muito complicados, é ver que elas tiram
uma força, uma energia não sei de onde, por mais que tenham uma vida sofrida, elas
recriam aquilo e tiraram força daí ... então eu acho que quis ser feminista e me tornei
por conta disso". (Paula, Outubro/2009)
73

Alice, quando responde sobre suas críticas aos movimentos sociais também enfatiza a
im o â ci esem e h o su mãe em su vi o fi m “minha mãe me ensinou a ser
assim, se precisar você vai tar junto" e valoriza a figura materna quando fala de sua atitude
i e e e e, ão su me i figu s m scu i s: “Graças a minha mãe, eu venho de uma
dinastia de mulheres guerreiras na minha família e eu sempre fui muito empoderada, sempre,
por causa delas assim, nunca dependi de homem nenhum, nem emocionalmente, nem
financeiramente.” (Alice, Janeiro/2010)

Diana, o su vez, us je ivos como “batalhadeira”, para falar da história de vida da sua
mãe, que se i seu “carro forte, é meu exemplo". A entrevistada, ao responder sobre a
trajetória de seus pais, continua valorizando sua mãe, frente às dificuldades financeiras pelas
quais passou: “a família da minha avó sempre foi uma família pobre, então as pessoas davam
comida pra família da minha avó, então a minha mãe sempre foi muito guerreira, sabe, trabalha
desde os 11 anos, sabe... na casa de madame, tomando conta de criança” (Diana,
Outubro/2009).

Com relação à figura paterna, há poucas menções, sendo uma realizada por Paula,
relacionada a uma briga por ocasião da separação dos seus pais. Em outro momento, ela
discorre sobre problemas relacionados à violência físic , e eu o seu i: “eu tive
muitos problemas em casa, entre meus pais, de violência doméstica que, por um momento, eu
só identificava a violência do meu pai com a minha mãe que era a violência física, mais
recorrente e depois eu fui percebendo o que é a violência no processo de análise, que se
retroalimenta” (Paula, Outubro/2009).

Elisa, o su vez, me cio que seu i se i um “sujeito desligado”, ém e me cio que


e e se i “meio irresponsável” com e . A es ei o e e, ela fi m que “sempre morou, desde a
juventude, desde que veio pro Rio de Janeiro, de favor, foi criado numa família branca de
classe alta, mas sempre foi um cara meio desligado do mundo e da vida ... meio irresponsável
com a filha, comigo .. é um cara meio desligado” (Elisa, Julho/2009).

5.2 Sobre sua condição de jovens

D y e (2003) co cei u “co ição juve i ” como um e mo m is o i o o que juve u e,


pois compreenderia a construção social não delimitada apenas por padrões biológicos, sociais
ou comportamentais, já que tal ideia necessariamente engendra diferentes modos de construir
a juventude. Isso posto, percebemos que a forma como as entrevistadas percebiam sua própria
juventude era bastante diferenciada. Constatei, ao longo do trabalho de campo, a existência de
um recorte socioeconômico na própria percepção do que as identificaria como jovens, já que as
três jovens oriundas de favelas do Rio de Janeiro, aparentemente, localizavam sua juventude
74

em uma etapa mais precoce do que as duas outras oriundas de diferentes contextos.

A entrevistada Elisa, ao mencionar “ai eu saí de casa já jovem, com 19 anos, ai fui morar com
meu pai, fui morar sozinha, casei, casei de novo", aponta, em diferentes momentos, para um
entendimento da sua juventude como precoce, já que afirmou ter sido casada duas vezes
( es os 30 os) e m ém e sof i o eco cei o, ois “embora eu tenha 29 anos, eu
pareço muito mais nova, eu sofri muito com isso, porque eu tinha 22 anos e já era
coordenadora de uma organização”. Tendo isso em vista, suas experiências seriam diferentes
das jovens nesta mesma faixa etária, mas da classe média, que costumam casar e sair de casa
mais tarde.

Diana é mais explícita ao demonstrar o atravessamento financeiro da sua percepção etária


quando fala sobre não ter tido contato com seu pai em sua infância, ter sido registrada aos seis
anos de idade e aos doze anos ter experimentado uma tentativa de reaproximação por parte
dele:

Eu já tinha doze anos quando ele tentava se aproximar, então eu não via tanta
necessidade, de fato, de ter um pai [...] Se eu esperei até os seis anos pra ter um
nome do meu pai, e agora com doze anos, criada, com doze anos a gente já entende
quando não tem leite, quando não tem um danone, a gente já sabe fazer muitas
coisas, a mãe não precisa mais pagar outra pessoa pra ficar olhando (Diana,
Outubro/2010).

A presença de responsabilidades comumente atribuídas a adultos é o que caracteriza a fala de


Alice, que também nasceu e foi criada em uma favela, pois, ao responder sobre quando
começou a trabalhar, a jovem menciona atribuições financeiras precoces, diferentemente de
jove s e c sses soci is m is s: “minha festa de dez anos fui eu que paguei, sabe, com
meu trabalho ea de quinze anos também, de quinze anos eu ajudei a fazer”.

Tais falas podem nos situar a respeito da relatividade dos conceitos de infância, adolescência e
juventude, como questões socioeconômicas que atravessam seus discursos. Abramo (2008)
afirma que a juventude, se tomada a partir de sua perspectiva social, seria caracterizada por
su s es o s ii es e iv s, já que “os jove s ( e c sse mé i ) êm es o s ii es e
encargos, mas, normalmente, não tanto quanto aqueles que têm de sus e su s f mí i s”
(p.89). A autora avança na sua relativização do conceito ao diferenciar existências juvenis que
incluiriam um tempo de espera, de suspensão e e “ e ção o fu u o”, sem ime são
na vida produtiva (principalmente o trabalho), característicos apenas de certos setores sociais,
especialmente os da classe média.

Para contrapor a essa visão, a fala da entrevistada Paula cuja situação socio-econômica se
75

44
aproximaria da classe média baixa , moradora da Zona Norte do Rio de Janeiro, ao mencionar
sobre sua primeira experiência de trabalho em uma loja no município de Alcântara, demonstrou
uma percepção etária marcada por um dado biológico, a maternidade: "essas mulheres, elas
me chamavam de menina, mas hoje eu vejo que a diferença não era tanta, elas que se
colocavam num lugar de muito mais velhas, mas elas deviam ter a idade que eu tenho hoje,
mas elas tinham filho".

5.3 Moradia e circulação pela cidade

Sobre seus locais de moradia, três das jovens entrevistadas (Elisa, Diana e Alice) nasceram e
passaram a infância (e as duas últimas continuavam no momento da pesquisa), em favelas.
Elisa nasceu na favela do Vidigal na Zona Sul do Rio de Janeiro e Diana nasceu e mora na
favela de Vila Aliança em Bangu, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Já Alice nasceu e mora em
Parada Angélica em Duque de Caxias. Destas, somente uma jovem (Julia) passou pela
experiência de migração, tendo vindo do Nordeste do Brasil, passando por Brasília e se
estabelecendo no Rio de Janeiro, aos cinco anos de idade. As demais entrevistadas nasceram
no Rio de Janeiro.

A respeito das outras jovens, Paula e Julia, nascidas respectivamente em Niterói (RJ) e
Fortaleza (CE), cabe dizer que suas famílias eram de camadas populares e Paula, apesar de
ter nascido em Niterói, passou grande parte de sua infância com a sua família em São
45
Gonçalo . Isso ocorreu antes da separação dos seus pais, fato que a levou definitivamente
para a cidade “Enquanto meus pais ainda estavam casados, eu morava em Niterói, em Santa
Rosa [...] mas, meu sonho ...eu passava a semana inteira esperando chegar o final de semana
pra ir pra São Gonçalo”.

Tal pergunta sobre a infância suscitou, nas jovens oriundas de favelas do Rio de Janeiro,
respostas sobre seus primeiros anos de vida. Enquanto Diana e Alice permanecem morando
nas mesmas favelas em que nasceram, Vila Aliança e Parada Angélica, respectivamente, Elisa,
que morava no momento da entrevista na Tijuca, no Rio de Janeiro, afirma que morou em
ife e es f ve s ci e “Eu nasci no Vidigal, morei lá até meus sete anos, de lá nós fomos
morar na Cidade de Deus, moramos em dois lugares da Cidade de Deus, de lá nós fomos
morar em Paciência” Já as outras entrevistadas, nascidas em Fortaleza e em Niterói,
atualmente moram na cidade do Rio de Janeiro, nos bairros do Centro e Tijuca,
respectivamente.

44
Consideraremos para fins desse trabalho, classe média baixa como R$ 500,00 a R$ 1250,00, como proposto por
Quadros (2006), que, no ano de 2006 representaria cerca de 10% da população brasileira.
45
O município, segundo o PNUD, tem o IDH – Indice de Desenvolvimento Humano considerado médio, de 0,782
(entre 0,500 a 0,799); ocupando a 22ª colocação no Estado do Rio de Janeiro. Fonte:
http://www.riodemocracia.org.br/riodemocracia/site/municipios/#22, Acesso em 12 de Março de 2010.
76

O is o “Que i que você me co sse sobre sua trajetória pela cidade, sobre a sua
oi , os ug es o que você ci cu ”, os mos ou g e ime são ocu e s
atividades de militância em suas rotinas cotidianas. Esse dado é interessante de ser olhado
junto à quase ausência de respostas sobre as alternativas de lazer, pouco mencionadas, sendo
a praia a atividade mais presente nas suas falas, aparecendo nos discursos de Diana, Julia e
Alice.

“Passear, ir ao cinema, gosto muito da Costa Verde, Muriqui, Mangaratiba ... gosto
muito dessas praias, vou às vezes pra Copabacana, mas acho muita contramão,
praia não pode ser muito cansativa porque tem que pegar dois ônibus.” (Diana,
Outubro/2009).

“Meu lazer é muito assim, é sair à noite eu não saio tanto mais, mais assim ir para
um show [...] encontrar com os amigos ou um show alguém que eu queira assistir, ir
pra casa dos amigos, praia, cinema.” (Ju i , J ei o/2010)

“Eu vivo agora em Morro Agudo, praticamente e Centro da cidade, Tijuca por causa
da faculdade e Ipanema por causa da praia .... então, esses quatro lugares, Ipanema,
centro da cidade, Tijuca e Morro Agudo” (Alice, Janeiro/2010).

Em relação ao conhecimento da cidade, o trabalho de militância aparece, na entrevista com


Ju i , como es o sáve o m i seus co hecime os oc is: “eu conheço muito o Rio por
conta do trabalho, então assim Baixada e Zona Oeste, conheço muito, muito, bastante. A gente
tem trabalho que até ano passado era fixo numa escola de Campo Grande que é na Sarah
Kubitschek e outra em São João de Meriti” (Julia, Janeiro/2009).

A militância também atravessa os trajetos pela cidade das outras entrevistadas. Paula afirma
que seu doutorado é uma forma de militância (a entrevistada é identificada com a militância
46
acadêmica, feminista, sindicalista e dos movimentos populares no decorrer da entrevista) e
que se desloca pela cidade de forma que “tentei me reaproximar através da minha pesquisa, já
que eu pesquiso comunidades, eu moro na Tijuca, tenho ido a Niterói por conta do doutorado
[...] e a pesquisa, né? faço pesquisa em Acari, faço pesquisa em Santa Marta ... pro doutorado.”
(Paula, Outubro/2009).

46
Em um determinado momento da entrevista, Paula afirma que sua militância é tida como confusa para algumas
pessoas, já que não seria somente uma coisa “acho que para várias pessoas a minha militância é uma militância
confusa, porque eu não sou só sindicalista, não sou só militante do movimento popular, não sou só militante do
movimento feminista. Então, quando eu vou para um congresso, aquela parte “de onde você é”, eu nunca sei se eu
sou Paula sindicalista, Paula dos movimentos populares..e hoje eu pesquiso lan houses nas favelas, então tenho me
aproximado e gostado cada vez mais da área dos direitos humanos, então hoje eu sou Paula do que? Paula da
educação? Paula dos direitos humanos? Paula feminista?”
77

Já o fato de morar longe dos locais pelos quais circula, em Duque de Caxias, não se apresenta
como um complicador para a entrevistada Alice. Quando perguntada sobre os obstáculos que
enfrentou para participar dos movimentos em que fez (e faz) parte, diz: “eu moro muito longe,
Parada Angélica é muito longe, a passagem é muito cara, mas mesmo assim, eu sempre tava
em tudo quanto é lugar, eu lembro que ia de trem, passava três, quatro horas no trem” (Alice,
Janeiro/2010).

Cabe observar que, com exceção de Diana, todas as jovens citam o bairro do Centro do Rio de
Janeiro como parte dos seus trajetos diários. É nesse local que se localizam as sedes das
ONGs citadas (CAMTRA, CEDOICOM, Felipa de Souza, Criola e Grupo Arco-Iris), as quais as
jovens encontravam-se inseridas no momento das entrevistas ou já haviam pertencido. Além
disso, outros locais de militância mencionados (PSOL e Sindicato Estadual dos Profissionais de
Educação) também são localizados no bairro. Dessa forma, tendo em vista a proporção tomada
pelas atividades de militância em suas vidas, não surge como uma surpresa as falas citarem
comumente o bairro como um local de circulação.

A extensão do espaço das atividades de militância nas vidas das jovens foi aferida através da
e gu “N s su s e ções e ze , qu éo e o ho, s esso s o movime o
soci ”. E quanto Julia responde que não mistura suas relações de trabalho e pessoais,
ife e eme e “de outras pessoas até do movimento”, podemos inferir que a jovem não veria
como um problema a ausência de uma relação, na maioria das vezes comum, entre suas
amizades e suas relações travadas na militância. A jovem menciona ter outras relações que
ão es i m e vo vi s com ivi es e mi i â ci : “acho que de alguma forma é saudável,
eu observo que, às vezes, na questão dos movimentos tem muito desentendimento, então às
vezes a pessoa é sua amiga hoje e por questões políticas até acaba, então eu tento não
misturar” (Julia, Janeiro/2009).

Aparentemente na mesma direção, Alice afirma, em momentos distintos da entrevista, que não
misturaria suas relações: “tenho os amigos certos de ir pra praia, os amigos certos de sair pra
dançar, sabe ... e eu tenho os amigos certos que são pros trabalhos de militância. Eu divido
muito bem isso [...] isso tá muito dividido assim, meus relacionamentos pessoais, meus
namorados assim, eu não misturo com o trabalho”. Entretanto, se contradiz em um momento
posterior, ao afirmar: “meus amigos do trabalho são também os amigos que eu saio”, além
disso, ao falar de sua vida afetiva, diz que evoluiu sua forma de pensar, pois em um primeiro
momento, pensava que ganharia respeito ao não namorar ninguém do meio da sua militância
no hip-hop, posteriormente reviu essa postura mudou:

“Eu botei na minha cabeça que eu não ia namorar ninguém do meio pra mostrar pros
caras que eu não tava ali pra “panhar” nenhum deles, eu tava ali pra cantar, hoje, se
78

eu tiver que namorar um cara do hip hop, tranquilo, porque eu não tenho que provar
nada pra ninguém. No começo eu optei por isso pra ser mais fácil, pra ganhar o
respeito dos caras, que eu não era diferente só porque usava saia” (Alice,
Janeiro/2010).

A fala de Alice, aparentemente rígida, é segundo Zanetti e Souza (2008) comum no meio hip-
hop, principalmente quando tratamos de jovens mulheres que necessitam se afirmar em uma
cultura predominantemente masculina. Tal predominância diria respeito à criação do hip-hop,
ligado à cultura de rua, local associado à violência, à criminalidade e ao perigo, uma das razões
de as mulheres terem sido historicamente afastadas, uma vez que é em tal espaço que essa
expressão cultural vem sendo praticada.

De forma bem diferenciada de Julia e Alice, Elisa, apesar de afastada dos movimentos sociais,
não aparenta vivenciar um conflito com sua interseção atual e passada em espaços e relações
afetivas comuns de lazer e militânci e fi m que “a noite é geralmente barzinho com meus
amigos e meus amigos geralmente trabalham ou já trabalharam comigo e essa galera de ONG
também". Na mesma direção, Paula afirma que seu lazer se daria com pessoas envolvidas
com a militância: "por mais que eu tivesse amigos da militância, eu vivenciei muito a
militância... meu ex-marido é da militância, nós nos conhecemos na militância [...] saímos
juntos com os amigos da militância”.

5.4 Percursos escolares e trajetórias de trabalho

Advindas de percursos escolares muito distintos, com exceção de Paula, todas as jovens
estudaram em escolas públicas na infância e na adolescência. Paula, todavia, após ter
frequentado escolas particulares no ensino fundamental e médio, cursou a graduação e a pós-
graduação (atualmente está no doutorado) em instituições públicas: Universidade Estadual do
Rio de Janeiro (graduação e mestrado em História) e a Universidade Federal Fluminense
(doutorado em História).

Duas entrevistadas que frequentaram escolas públicas até o final do ensino fundamental, Alice
e Elisa, cursaram (cursam atualmente no caso da última), instituições particulares de ensino na
graduação. Julia foi a única entrevistada que teve sua formação em escolas públicas no ensino
47
fundamental, médio e graduação (U ive si e Fe e o Rio e J ei o). O “B izo ão”
ece je ó i esco e u se evis s, “Eu terminei o segundo grau em 2008, no
ano passado, eu vim de Brizolão, né, escola pública, sempre estudei em escola pública”

47
Brizolão é a forma como os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), projeto educacional de autoria do
antropólogo Darcy Ribeiro, implementados no estado do Rio de Janeiro, ao longo dos dois governos de Leonel
Brizola (1983-1986 e 1991-1994).
79

(Diana, Outubro/2009). Essa menção também apareceu na fala Julia: "Eu estudei sempre em
escola pública, comecei lá em Campo Grande, quer dizer tirando o maternal onde eu estudei
numa crechezinha, e ai depois eu fiz a primeira série num Brizolão lá em Campo Grande, que
era o Nelson Mandela” (Julia, Janeiro/2009).

Todas as jovens entrevistadas terminaram o ensino médio e a única a não estar cursando (ou
ter cursado) uma faculdade foi Diana, que, tem 19 anos, terminou o ensino médio
recentemente e manifestou o interesse em cursar dois cursos universitários (Direito e
Sociologia). Das outras jovens, três já haviam se formado no momento da entrevista, Julia,
Paula e Alice (que estava com a data da cerimônia de formatura marcada para a semana
seguinte), em cursos das ciências humanas: Direito, História e Publicidade, respectivamente.
Elisa estava, no momento da nossa entrevista, cursando o terceiro período de Serviço Social
na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

A esse respeito, convém apontarmos para uma pretensão de algumas das jovens em aliar suas
carreiras acadêmicas com o trabalho desenvolvido na militância, de forma a qualificá-la. Alice,
por exemplo, afirma que sua formação em Publicidade parte de uma vontade de manejar as
técnicas de marketing em favor da organização para qual trabalha. Formada em Direito, Julia
si iz vo e e vog si ic os, ois “acabei de acabar a faculdade, no
meio do ano passado, eu de alguma forma, quero, tenho vontade de advogar, mas se tiver
aliado dentro de uma proposta [...] como eu me identifiquei com a questão trabalhista, eu queria
trabalhar com os sindicatos .. .com os trabalhadores nesse sentido”. De forma semelhante,
Paula explicita a continuidade de seus vínculos com a militância no sentido mais amplo do
termo:

48
“Eu lembro de discutir com as pessoas que diziam, principalmente do CA , se você
for militante, seu CR vai ser baixo [...] eu já tinha a bolsa da UERJ da monitoria,
vendia as minhas coisas e ainda tinha o estágio no Museu Judaico, isso tudo dava
uma grana e não atrapalhava no horário da minha militância então eu não procurei.
Ai então apareceu a CAMTRA que também juntava, e por mais que eu já tivesse na
militância partidária e por mais que não desse pra separar muito, eu tava ali como
Paula profissional da área da História, não só como Paula da DS, é ... as coisas
acabavam se misturando [...] então eu não tava muito preocupada em procurar
outras coisas não, então continuei estudando” (Paula, Outubro/2009)

Tal como o poder simbólico, conceituado por Bourdieu (1998), como uma influência que só
pode ser exercida mediante a cumplicidade dos que exercem e também de quem não deseja

48
Centro Acadêmico.
80

saber que lhe estão sujeitos, haveria um valor simbólico na escolarização das jovens. O
diploma universitário se apresentaria como um elemento de distinção social, na medida em que
a estruturação do poder se dá de forma que a ideologia oficial, na teoria, prega a existência de
uma igualdade de ensino e oportunidades para todos. A distinção ressaltada pelo percurso
acadêmico comprova a inexistência da igualdade de oportunidades para todos, realidade que
afronta os direitos constitucionais de garantia de educação a todos os cidadãos. No entanto
esse é apenas mais um dos direitos que não se efetiva, pois há uma gama de direitos
49
diariamente desrespeitados pelo Estado brasileiro .

As falas das jovens demonstram o valor apregoado aos estudos por suas famílias. Bourdieu
(1974) cita que ”Tí u os esco es ece em v o es e fu ções s e v iáveis co fo me o
capital econômico e social (sobretudo o capital de relações legadas pela família) de que dispõe
seus e e o es e e co o com o me c o que são u i iz os” (BOURDIEU, 1974, .332).

Quatro entrevistadas mencionam a centralidade do estudo em suas vidas, seja abordando suas
perspectivas ou as de seus pais e/ou mães. Esse fato nos remete à análise de Touraine (1989)
de que o alto valor simbólico do papel do estudo apareceria como uma especificidade para a
juventude de sociedades latino- me ic s, me i em que “ esco e u iversidade são
objeto de expectativas extremamente fortes por parte dos pais, porque, para eles, a
universidade ece se o qu se ú ic o êxi o e seus fi hos” ( .138).

Julia menciona uma trajetória de ascenção social ao relatar a história de vida de seu pai, pois a
pobreza dos seus avós paternos não impediu que ele estudasse. De acordo com seu relato, no
Ceará, seu avô era feirante e sua avó não trabalhava; esse fato não foi um impedimento para
o es u o “em alguma medida sempre conseguiu colocar os filhos para estudar, então assim,
dentro desses oito os filhos tão em diferentes níveis, né? Tem gente que, tem um que trabalha
na Petrobrás, tem outro que não tem emprego, que é trocador de ônibus" (Julia, Janeiro/2009).

Paula também menciona que foi a primeira pessoa na família a ter concluído um curso
su e io : “meus pais, nenhum dos dois tem curso superior, eu fui a primeira na família, na
família mais próxima, obviamente..primos, etc, a ter graduação”.

Elisa e Paula são as únicas entrevistadas que não apresentam em suas falas nenhum
questionamento sobre a relação da escolarização como um valor para suas famílias, em
oposição a uma inserção precoce no trabalho. Ao passo que as jovens Diana e Alice
apresentam a vontade de suas mães como uma justificativa para o valor do estudo. Segundo

49
O artigo 5 da Constituição Federal, por exemplo, preconiza que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”. Disponível em:
http://www.culturabrasil.pro.br/zip/constituicao.pdf. Acesso em: 4 de abril de 2010.
81

suas narrativas: "[a mãe] sempre quis que a gente estudasse, tirasse notas boas, ela sempre
falava pra gente que se tivesse tido a chance de estudar, ela teria estudado, porque minha avó
era analfabeta, então ela dizia pra ela: pra que você quer estudar? E ela só permitiu que minha
mãe estudasse até a quarta série” (Diana, Outubro/2009).

Diana também faz uma diferenciação entre sua noção de “e e ime o” e su mãe, que
saberia ler “mas não tem muita noção de entendimento das coisas, como a gente tem, né”,
demonstrando o valor que a escolarização, principalmente até o ensino médio, teria para si e
para a sociedade. Já Alice demonstra a importância atribuída ao estudo, pois o trabalho não
pode ser um impedimento para seus estudos e o dos seus irmãos: "eu nunca, assim fiz um
trabalho que me tirasse, do caso, do estudo. Sempre estudei, minha mãe sempre falou assim”
a gente vai passar fome, mas vocês não vão trabalhar enquanto não terminarem o segundo
grau”.

Esse aspecto é abordado por Abramo (2008), em sua pesquisa sobre grupos de militância
juvenil no Brasil. A autora apontou a desigualdade como um fator que se refletiria nas
possibilidades relativas à escolaridade, principalmente para os jovens pobres, com dificuldades
de acesso e qualidade na educação básica e no ensino superior. As oportunidades seriam
distintas também na medida em que o estudo aparece atravessado pela necessidade de
trabalhar ou de cuidar dos filhos.

No que tange à última dificuldade encontrada pela autora, Diana tem algumas falas que são
emblemáticas sobre a ocorrência de gravidez na adolescência em moradoras de favelas. Ao
mencionar as discussões ocorridas no âmbito dos projetos dos quais fez parte, a jovem
menciona que era motivo de tristeza:

“Quando acontecia de alguma companheira nossa do grupo engravidava ou saia do


grupo por algum motivo, pra gente sempre foi muito triste, porque a gente tinha toda
essa discussão dentro do grupo e pra gente era ´não...porque se todo mundo
trabalha, a gente discute todas essas coisas, sobre o uso do preservativo, a questão
da gravidez na adolescênci´`[...] mas as coisas não param nas discussões, sabe? A
prática é muito diferente “(Di , Ou u o/2009).

A entrevistada reitera esse posicionamento ao mencionar motivações atuais para seu


e g j me o mi i e, fi m o que, e e s jove s o seu g u o, ex essão “dar certo”
ii es ei o às que ”estudaram ou que saíram pra fazer coisas legais na vida e outras
meninas não, sabe, que pararam por ali, porque o tempo delas era aquele”. Portanto, aferimos
que uma gravidez na adolescência é encarada como um obstáculo na trajetória escolar. Diana
compara quem é, atualmente, e quem poderia ter sido, quando questionada sobre quais seriam
os principais acertos do movimento:
82

“Hoje, o grande acerto pra mim é quem eu sou, quem é a Diana, quem eu poderia ter
sido. Pra mim ... eu olho pra mim e vejo as pessoas próximas, algumas meninas
muito próximas de mim e é uma história que eu poderia tar contando, poderia tar com
um filho, ficar grávida, mas não, eu estudei. Acho que a coisa do movimento social é
que te dá a oportunidade de escolher, né?” (Diana, Outubro/2009)

Passando agora para o trabalho enquanto categoria de análise, foram feitas algumas perguntas
de forma a fomentar falas sobre suas percepções e inserções no mundo do trabalho.
Primeiramente, afirmaremos, com exceção de Elisa, que se encontrava somente estudando,
que todas as jovens estavam empregadas quando realizamos as entrevistas. Julia e Alice
estavam inseridas em cargos administrativos nas ONGs nas quais militavam. A primeira era
responsável pelo núcleo jovem da CAMTRA e a segunda era a produtora executiva do grupo
Enraizados. Paula é professora de uma escola técnica e Diana, no momento da entrevista, era
recém contratada da biblioteca de uma escola em Marechal Hermes, bairro da zona norte do
Rio de Janeiro.

O início das suas trajetórias de trabalho, conforme constatamos, é marcado pela precocidade,
principalmente se comparada à faixa etária da inserção de jovens de classe média e alta
brasileiras. As primeiras experiências de trabalho das jovens ocorreram em idades semelhantes
50
e, é importante ressaltar, anterior à idade permitida por lei no país, que é de dezesseis anos .

Duas hipóteses podem ser traçadas, dada à precocidade da inserção laborial das jovens. Julia
iniciou sua trajetória aos quatorze anos e Elisa e Paula começaram aos quinze anos ou no final
do ensino médio. As outras duas entrevistadas começaram a realizar atividades ainda mais
cedo: Diana aos onze anos e, finalmente Alice aos sete anos. Dessa forma, nossa primeira
constatação é que a precariedade da situação financeira das últimas jovens teria empurrado-as
para o trabalho ainda em uma etapa infantil (antes dos doze anos de idade). É interessante
notar que ambas desempenharam a mesma tarefa, cuidar de filhos e filhas de amigas das suas
mães ou pessoas da vizinhança. Tal inserção é comum nas favelas e nos bairros da periferia
do Rio de Janeiro e não causa estranhamento que as duas relatem terem se inserido nessas
atividades nessa faixa etária.

“Eu trabalho desde os sete anos, quando minha mãe trabalhava e eu cuidando dos
meus irmãos e ai depois sempre fazendo uma coisa ou outra pra ganhar dinheiro,

50
Segundo o site do Ministério do Trabalho (www.mte.gov.br), a idade mínima para o ingresso em qualquer
atividade profissional é 16 anos, sendo assegurados todos os direitos legalmente estabelecidos. Acesso em : 10 de
Março de 2010.
83

ajudava a minha avó, ajudava alguém, varri quintal, capinava, sempre fiz tudo“ (Alice,
Janeiro/2010).

Diana, de 19 anos, fala sobre seu trabalho realizado desde a infância, o qual ela menciona que
servia para complementar a renda financeira da sua mãe:

“[...] trabalhar assim, sem carteira assinada eu comecei com 16 anos, mas depende,
porque quando eu [...] era mais nova eu olhava uma garotinha e a mãe dela me
pagava pra olhar ela. Eu tinha 11 anos e eu comecei a olhar essa menininha tinha 11
nada, tinha 10, porque ela tá com 9 anos agora e a mãe dela me pagava, então eu já
considerava isso um trabalho porque eu sempre tive mania de comprar roupinha, aqui
na praça tinha uma feirinha, e como eu não podia ir pra Bangu porque Bangu era
longe pra mim naquela época, eu vinha pra cá, era o máximo ter dinheiro pra ir
feirinha comprar roupa. Ai depois de um tempo eu comecei a olhar outra garotinha ai
já tinha mais dinheiro, já comecei a ajudar minha mãe”. (Diana, Outubro/2009)

Já as outras experiências de trabalho relatadas por ambas remontam ao final do ensino médio,
por situações específicas, mas são as duas relacionadas ao comércio. Paula relata ter
começado a trabalhar em uma loja no município de Alcântara para ter alguma autonomia
financeira em relação ao seu pai:

“[...] no segundo ano do ensino medio eu [...] fiquei em dependência em química,


nunca tinha ficado em dependência em nada porque eu tinha brigado com meu pai,
[...] não queria mais depender do dinheiro dele, ai fui trabalhar de extra de natal na
rua da feira de Alcântara [...] trabalhei numa loja, trabalhei de novembro até
dezembro, comecei a trabalhar numa loja minúscula, de sei lá, cinco metros, cheia de
normas, hora pra almoçar, você tinha que ficar até a hora da loja fechar”. (Paula,
Outubro/2009)

Já a experiência para Elisa é diferente, segundo seu relato, envolve uma dificuldade financeira
e um sentimento de relativa desilusão frente ao funcionamento da escola pública em que
estudava:

51
“fiz novamente o primeiro ano no colégio Amaro Cavalcanti , ali no Largo do
Machado, fiz o primeiro e o segundo ano lá, mas ai era escola pública e nessa época
eu comecei a trabalhar, nessa época eu trabalhava com uma vizinha do meu pai, ela
trabalhava, ela vendia salgado e sanduíche dentro de shopping, pra quem trabalhava

51
Colégio Estadual Amaro Cavalcanti.
84

no shopping. Ai eu comecei a trabalhar com ela e era o dia todo, super cansativo. Ai
eu saí do colégio, é uma coisa horrível trabalhar dentro de shopping, você não vê o
dia passando e ia pra escola e quando chegava lá não tinha aula, o professor faltou,
ai eu comecei a ficar cansada disso, ai parei de estudar” (Elisa, Julho/2009).

Julia, em oposição, é a única entrevistada a trabalhar no mesmo local desde os 14 anos, logo
no final do ensino fundamental. Após o período escolar, sua experiência de trabalho é na
graduação, na qual fez es ágios em ONGs e emá ic femi is : “fiz estágio na Advocacy na
faculdade, que é uma ONG feminista de advocacia jurídica, por pouco tempo [...] e no grupo de
assessoria jurídica Mariana Crioula, que é um grupo que trabalha assessorando o MST e
outros movimentos [...] tem uma rede nacional de advogados populares”. Durante a graduação,
permaneceu na mesma ONG que trabalha atualmente, fundada por sua mãe, a CAMTRA –
Casa da Mulher Trabalhadora. A jovem também relata uma necessidade financeira para a
motivação em ter começado a trabalhar, relacionada à “necessidade mais de querer ter
algumas coisas, de querer sair e não podia”:

“[...] eu lembro que eu coloquei na cabeça que ia trabalhar então na época a


CAMTRA ainda não tinha uma estrutura de ter uma equipe, uma sala funcionando
então minha mãe falou assim ‘então você quer trabalhar fica lá na CAMTRA pra mim’,
então eu vinha trabalhar atendendo telefone, eu vinha, foi quando eu comecei o
segundo grau [...] eu ganhava cinquenta reais, eu lembro e vinha nisso, pra atender
telefone”. (Julia, Janeiro/2009)

Apesar de não se configurar como uma das situações de exclusão social pensada
anteriormente ao trabalho de campo, a fala das jovens entrevistadas em relação a situações de
trabalho demonstrou o engendramento excludente das oportunidades. A fala de Alice sobre a
f e o ções ós e mi o e si o mé io é em emá ic : “depois que eu terminei o
segundo grau o trabalho que tinha era o de empregada doméstica e ai eu fiz, não aguentei
mais de dois meses, mas precisava de dinheiro” (Alice, Janeiro/2010).

A exclusão vivenciada por outras, próximas, aparece na fala de Paula, apesar de tratar de
jovens experimentando uma situação semelhante, que era o trabalho em uma loja, submetidas
às mesmas regras, suas situações financeiras diferiam. Paula, em sua primeira experiência de
trabalho na Feira de Alcântara, demonstra um certo distanciamento da situação vivenciada
pelas jovens que trabalhavam na loja, já que “era filhinha do meu papai que ainda podia descer
e comprar comida [...] tava fazendo birra, pensei que queria estudar” (Paula, Outubro/2009).

“Comecei a trabalhar numa loja minúscula [...] Eu lembro que eu almoçava em pé, e [...]
eu fui começando a entender a realidade, porque eu conheci a realidade [...] eu lembro
85

de um momento bem marcante lá, que a gente almoçava no estoque, um dia eu estava
lá, ai subiu uma menina pra pegar uma blusa e falou ‘que cheiro é esse ... caramba,
você tá comendo comida estragada’ Ai que eu me toquei, eu tava tão cansada, tinha
subido pra almoçar às 4 horas da tarde, com tanta fome que eu nem notei que tava
comendo comida estragada..e ai eu falei ‘caraca não’, ai ela virou pra mim e falou ‘eu
comi a minha toda, ou eu dava minha comida pra você’, eu falei que não precisava,
pois eu podia descer e comprar, fiquei pensando que eu era filhinha do meu papai que
ainda podia descer e comprar comida. Ai dois dias depois eu pedi demissão, tava
fazendo birra, pensei que queria estudar, até porque se eu não passasse no vestibular
de primeira, meu pai não ia pagar uma faculdade particular pra mim” (Paula,
Outubro/2009).

A jovem também faz uma diferença entre algo que entendeu primeiramente na prática, para
posteriormente apreender na teoria, durante a sua graduação em História: “entendi, sem nunca
ter ouvido falar no que era exploração, o que era luta de classes [...] ai depois quando eu entrei
na faculdade, eu entendi” (Paula, Outubro/2010).

Convém fazer um adendo sobre as atividades desenvolvidas pelas jovens e uma certa
diferenciação sobre a atividade militante e seu enquadramento como um trabalho, já que a
entrevistada Julia, por exemplo, considera diferentes. Se, ao falar do seu pai a jovem faz uma
diferença: “Meu pai especificamente sempre teve envolvido com a militância, então ele nunca
trab..assim trabalhou no sentido formal [...] ele trabalhava...ele militava no MR-8”, A mesma
diferenciação não aparece quando fala das suas atividades desenvolvidas ou da sua mãe, o
que pode sinalizar para uma diferença importante. As atividades institucionalizadas se
co figu i m como ho, em o osição à mi i â ci i á i ou “ e u ”.

5.5 Exclusão social: capturas através de suas falas

Ainda discutindo um tanto da exclusão social, a partir de suas falas, observamos um outro
aspecto interessante surgido, o da exclusão sócio-econômica. Nesse sentido, é necessário
reafirmar o critério prévio estabelecido para a inclusão na pesquisa, que condicionava a
participação de jovens necessariamente provenientes de camadas populares. Como discuto
anteriormente, é importante afirmar que a leitura do conceito de exclusão é ineficaz quando se
trata de méritos estritamente ecônomicos, pois trata de uma abordagem economicista da
sociedade.

Ainda assim, considerei importante que a renda das entrevistadas fosse colocada como um
critério includente para o recorte dessa pesquisa, já que faria parte de um dos engendramentos
excludentes em que se encontrariam (junto aos critérios: gênero feminino, faixa etária juvenil e
86

um critério surgido de forma não intencional, a raça, já que quatro das jovens eram negras).

Algumas falas sobre a história de vida das entrevistadas merecem ser realçadas, como por
exemplo, a história de escravidão dos avós de duas entrevistadas. Convém notarmos que tais
falas podem trazer uma certa afirmação identitária já que tratamos do discurso de duas jovens
que militaram (ou militam) em movimentos pela afirmação da identidade negra. As duas
entrevistadas também eram oriundas de favelas, a saber, Alice, nascida em Parada Angélica, e
Elisa, nascida na Favela do Vidigal:

“Eu não conheço meus avós, porque ele veio muito cedo de Vassouras, a família dele
foram escravos, tal ... então ele veio de uma fazenda de Vassouras pra cá pro Rio de
Janeiro,sempre morou, desde a juventude, desde que veio pro Rio de Janeiro, de
favor” (Elisa, Julho/2009)

“Todos eles vieram de famílias humildes, né, ambos negros, é tanto meu pai quanto a
minha mãe são de descendência direta de escravos, de escravizados [...] Minha
tataravó nasceu oito dias depois da Lei do Ventre Livre. E aí, as tias, minha avó ainda
foi de fazenda, veio de fazenda lá em Minas Gerais. Ai depois ela casou, o meu avô é
angolano, a família dele veio toda da Angola, por parte de mãe. E ai veio trabalhar ali
no Cais do Porto, morou ali no morro da Providência” (Alice, Janeiro/2010)

Pulando uma geração, dos avós para os pais e mães, observamos também na fala das jovens,
que três entrevistadas contam que suas mães foram em algum momento da vida (ou são,
atualmente) empregadas domésticas. Convém apontarmos para um distanciamento da
trajetória de exclusão econômica vivenciada pelas gerações anteriores, já que, aparentemente,
apesar de retratarem dificuldades pela falta de dinheiro, tais histórias de pobreza mais
excludente não parecem envolver as entrevistadas de forma mais imediata.

"Minha mãe nasceu aqui no Rio mesmo, de uma família muito pobre, meu avô era
pescador, depois virou porteiro e pescador, minha avó era empregada doméstica"
(Elisa, Julho/2009).

"Por mais que eu nao seja de uma família rica, muito pelo contrário, meu pai ganhava
pouco, minha mãe não trabalhava fora” (Paula, Outubro/2009).

“Quando você é uma pessoa ... é filha de pobre, é a mais velha de quatro irmãos, o
biscoito recheado pode ser um por semana e você vai ter que dividir esse pacote de
biscoito" (Alice, Janeiro/2010).

“Minha mãe sempre trabalhou de doméstica, em empresas ... sempre serviços


87

gerais..sempre foi esse o trabalho da minha mãe [...] mas ai a minha mãe sabe ler ...
mas não tem muita noção de entendimento das coisas, como a gente tem né” (Diana,
Outubro/2009).
SÍNTESE DO PERFIL DAS JOVENS ENTREVISTADAS

JULIA ELISA PAULA DIANA ALICE


IDADE 24 anos 29 anos 25 anos 19 anos 29 anos

LOCAL DE Natural de Fortaleza Nasceu na Favela do Nasceu em Niterói – Rio Nasceu e mora na Nasceu e mora na favela
NASCIMENTO E (CE). Residente do Vidigal no Rio de Janeiro de Janeiro e mora na Favela de Vila Aliança – de Parada Angélica em
Centro da cidade do Rio e mora na Tijuca – Rio Tijuca – Rio de Janeiro. Bangu – Rio de Janeiro. Duque de Caxias – Rio
LOCAL DE de Janeiro. de Janeiro. de Janeiro
MORADIA ATUAL
COR Branca Negra Negra Negra Negra

ESTADO CIVIL Casada Casada Divorciada Solteira Solteira

CONFIGURAÇÃO Mora com o marido e tem Mora com a esposa e a Mora sozinha e tem um Mora com a mãe e tem Mora com os pais e três
FAMILIAR duas irmãs. enteada. Têm três irmãos irmão mais novo. onze irmãos. irmãos mais novos.
mais novos.

HISTÓRIA DOS Ambos são de famílias Mãe nascida na favela Seus pais interromperam Pais separados e sua Seus avós e tataravós
PAIS pobres do Ceará. Pai do Vidigal. Seus pais são os estudos e a jovem família materna tem eram escravos, mas
trabalha com militância separados desde que a afirma que foi a primeira histórias de sobre seus pais afirma
partidária e mãe fundou a jovem era criança e há, na família a terminar um miserabilidade. apenas que eles
ONG CAMTRA. em sua família paterna, curso superior. Conheceu o pai pouco naceram e permanecem
histórias de escravidão antes de ele falecer. em Parada Angélica.
por parte dos bisavós.
Estudou em escolas Estudou em escolas Estudou em escolas Estudou em escolas Estudou em escolas
públicas durante o públicas durante o particulares durante o públicas durante o públicas durante o
TRAJETÓRIA ensino médio e ensino médio e ensino médio e ensino médio e ensino médio e
EDUCACIONAL fundamental e é formada fundamental e cursa o 3º fundamental, fez fundamental. Planeja fundamental. Recém
em Direito pela UFRJ. período de Serviço graduação e mestrado estudar Direito e formada em Marketing
Social na PUC. em História. Atualmente Sociologia nos próximos em uma faculdade
faz doutorado em anos. particular.
História na UFF.

TRABALHO Começou a trabalhar aos Começou a trabalhar por Começou a trabalhar por Começou a trabalhar Começou a trabalhar
14 anos na CAMTRA. volta dos 15 anos, no volta dos 15 anos, em com 11 anos, cuidando com sete anos, cuidando
Estagiou em ONGs de final do ensino médio, uma loja na Feira de de outras crianças na de outras crianças e
Advocacia popular e vendendo sanduíches Alcântara. Trabalhou favela de Vila Aliança. realizando pequenos
pretende trabalhar como em um shopping. durante a graduação serviços, como varrer o
advogada de sindicatos Envolveu-se com o vendendo bijouterias e quintal dos vizinhos, em
no futuro. movimento social lingerie. Posteriormente, Parada Angélica.
posteriormente, aos 16 começou a militar na
anos. CAMTRA.

CARACTERÍSTICAS Filha de pais militantes Militou, primeiramente, Militou durante a Militou desde os 10 anos Começou a militar no hip-
PRINCIPAIS DAS que se conheceram no em um grupo de graduação no Centro em projetos de uma hop na adolescência e
MR-8, está envolvida afirmaçao da identidade Acadêmico, em partidos ONG feminista no seu com o feminismo na
MILITÂNCIAS com o feminismo desde homossexual. políticos e na direção do bairro, participando de Fundação Elas.
os 14 anos. Posteriormente, militou movimento sindical projetos nas ONGs Atualmente, está
no feminismo e também estadual dos Promundo e CIESPI. envolvida com o hip hop,
em movimentos sociais professores. Começou a Começou a militar em através da ONG
de afirmação da militar no feminismo movimentos sociais de Enraizados e também
identidade negra. No durante a faculdade e, valorização da identidade com a valorização da
entanto, no momento da atualmente, milita no negra na adolescência. identidade negra, no
entrevista, encontrava-se partido Psol. Atualmente, milita no Fórum de Juventude
afastada dos movimentos Fórum de Juventude Negra do Rio de Janeiro,
sociais. Negra do Rio de Janeiro ocupando o cargo de
e também está envolvida conselheira da cadeira
com projetos de dança de Raça.
afro e de teatro.
6. AS JOVENS E A MILITÂNCIA POLÍTICA

A participação política é tema do artigo 21 da Declaração Universal dos Direitos Humanos,


52
assinada em 1948, pelos países signatários da ONU , incluindo o Brasil. O verbete afirma que
todo ser humano tem o direito de tomar parte no governo, diretamente ou por intermédio de
representantes livremente escolhidos do seu país e que a vontade do povo será a base da
autoridade do governo.

Em relação a nossa pesquisa, as jovens foram questionadas sobre o que entendem por
participação política; quais foram as motivações para a entrada e permanência no movimento
social; como e quando surgiu seu interesse pelo movimento ; como se deram suas trajetórias
até o momento da entrevista; quais são seus obstáculos e acertos. Muitas das respostas
mencionavam definições, trajetória pela militância, motivações, acertos e dificuldades.

O objetivo do presente capítulo é, primeiramente, discutir as definições de política e os


benefícios trazidos pela participação em movimentos sociais, através de conceitos recorrentes
nas falas das jovens, como coletivo e direitos. Seus projetos futuros são mencionados e é
discutida a relativa inserção proporcionada pela militância em uma sociedade que as
estigmatiza de diversas maneiras. A partir da análise de suas falas, apontamos elementos que
caracterizem as jovens militantes.

Além disso, visamos discutir a ascensão social proporcionada pela militância. Em seguida,
nossa intenção é discutir algumas características das experiências de militâncias das jovens,
atentando para a utilização de uma terminologia própria para discutirmos as apreensões dos
diferentes elementos identitários na fala das jovens.

Após esse momento, passamos então para as motivações iniciais e atuais para o engajamento
em movimento sociais. Em seguida, são abordadas as falas das jovens no que tange suas
considerações sobre os principais acertos e críticas aos movimentos.

Primeiramente, no que tange a suas percepções sobre a participação política, foram


ressaltadas em suas respostas a tomada de consciência dos direitos e a necessidade de
atuações cotidianas. Elisa coloca da seguinte forma:

“[...] a política faz parte da sua vida a partir do momento que você vota pro
representante de turma, você tá tomando decisões pro conjunto [...] você ter
consciência dos seus direitos e atuar para que eles possam ser exercidos, não
necessariamente naqueles espaços de conselhos, conferências não, é diariamente”.
(Elisa, Junho/2009)

A jovem menciona a centralidade dos direitos em sua concepção de participação política, já


que é a consciência destes que possibilitaria a participação na vida comum, que incluiria todos
os cidadãos, não estando relegada somente aos representantes escolhidos por voto em

52
Disponível em: http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm
90

eleições formais:

"Participação política pra mim é você ter consciência, principalmente dos seus direitos
e como você pode estar colocando em prática e a política pra mim já faz parte,
embora muitas pessoas achem que política é só quem tá lá, a política faz parte da
sua vida a partir do momento que você vota pro representante de turma ... é estar no
mercado e a mulher esta te atendendo mal de algum jeito e você reclamar, falar ‘opa’,
é reclamar que algum ônibus não tá passando direito na sua rua (Elisa, Junho/2009).

Os direitos também são retomados no discurso de Diana e de Alice, ambas moradoras de


favelas, em falas que colocam a participação política como uma forma de embate frente a
gestões políticas insatisfatórias. O Estado, para as jovens, se aproveitaria da ausência de
consciência e morosidade de reivindicações por parte dos moradores de comunidades:

“[...] se você não sabe seus direitos, seus deveres, você não está fortalecido, se não
tá fortalecido, ai acontece isso quem tem conhecimento, tem poder, fica cada vez
mais no poder e quem não tá no poder vai tar sempre aqui nessa vidinha: o
Joãozinho e a Mariazinha que vão fazer três filhos, que vão fazer mais três, que vão
fazer mais quatro, mais cinco e essa superlotação e acaba não dando conta de
(
ninguém. Os programas sociais não vão dar conta” Diana, Outubro /2009).

“[...] muitas coisas que dependem de nós, muitos direitos que, pra que sejam
realmente eficazes, a gente tem que exigir alguns e garantir outros pra tirar do papel.
Se tem alguma coisa que aqui na minha comunidade que tá me incomodando, eu
tenho que pegar e dizer pros meus representantes políticos e dizer a eles o que tá me
incomodando e organizar" (Alice, Janeiro/2010).

Elisa, por sua vez, contrapõe em sua fala a política cotidiana à necessidade de uma vinculação
institucional em organizações ou mesmo em movimentos sociais. Ao responder sobre sua
identificação como feminista, a jovem menciona que sua atuação cotidiana daria conta da
fi osofi que e e e como femi ismo, que i e um “mi i â ci co i i ”, exis i o
assim mulheres que, apesar de não se identificarem como feministas, possuem atuações
diárias que correspondem o seu entendimento do feminismo:

“[...] é uma filosofia, sabe... não é estar nas organizações, não é estar no movimento
social, é o cotidiano na sua vida, é você não se permitir a muitas coisas que os
homens e a sociedade passam pra você [...] Eu falo que sou feminista, eu entrei no
91

movimento, mas eu acho que muitas mulheres são também e não usam esse rótulo”
(Elisa, Julho/2009).

Os relacionamentos cotidianos são também defendidos como forma de militância constante nas
falas das jovens que fazem uma distinção entre a participação em movimentos e a militância
cotidiana, como aponta Elisa: “é uma militância cotidiana, você tem que colocar em prática
todos os dias, em todos os momentos você enxergar machismos e uma violência e você se
colocar contra isso”.

Julia destaca o aspecto da possibilidade de multiplicar o olhar crítico sobre a realidade:

“[...] você conseguir de alguma forma, discutir, levar outras pessoas a pensarem um
pouquinho sobre a sua condição, né? Que eu acho que tem muito a ver com a sua
condição na sociedade, se perceber e perceber as coisas que falam pra você, como
te olham, assim e tentam te faixar o tempo todo, tem muito a ver com isso, assim,
tentar ganhar pessoas” (Julia, Janeiro/2009)

Em linhas gerais, vemos que essas jovens falam de conceitos que se aproximam do que é
teorizado pela filósofa Hannah Arendt. Para a autora, a política seria uma atividade na qual
homens e mulheres, plurais e diferentes, exercem a possibilidade de reunir-se, organizar-se e
regular seu convívio como diferentes e não como iguais. Logo, a idéia da política como algo
que se faz em uma relação entre as pessoas é de suma importância, para que não sejam
e i s i e e e es o ei e os e vo vi os, já que “o se i o o í ic é
i e e” (ARENDT, 2006, .9).

Tal liberdade seria para Arendt (2004) uma forma política de compartilhar o mundo, resultando
em uma determinada maneira de agir, ligada a um ponto de vista que levaria em consideração
o co e ivo, já que “se c z e e su i e i f ue ci os ou os, que e como os ci ãos
pólis interagiam politicamente, pressupunha um tipo de liberdade que não estava
i evog ve me e , me ou fisic me e, à ó i osição ou o o e vis ” ( .229).

A noção de coletivo também é importante e usual para a definição de política na fala das
jovens. Quéniart e Jacques (2002), em uma pesquisa em Quebec com 30 jovens militantes,
sinalizaram a importância desse conceito, principalmente em relação a uma mudança coletiva,
que dependeria dos esforços de cada um e do seu grau de engajamento pessoal e individual.
De co o com es esquis , o “ o e e gi ” só se e iz i com um ho em comum,
como observado em “elas sublinham, assim, a necessidade de um agrupamento para uma
ção co e iv , um ‘ gi -em-comum’" (QUENIART; JACQUES, 2002. p.6).

Quando perguntadas sobre os acertos dos movimentos, ouvi com frequência a referência à
ação coletiva, como na fala de Paula: "um grande acerto é ainda acreditar na coletividade, né?
É fazer possível isso em um mundo onde é cada um por si e você olha pro lado e vê pessoas
92

passando fome ou levando um tiro na cabeça por nada" e também em sua percepção sobre o
que define como participação em atividades políticas: "é uma aposta no coletivo, é uma aposta
no fazer diferente e é uma aposta, inclusive, nesse trabalho... acho que são acertos, continuar
acreditando nesse coletivo, que não é necessariamente passar por cima dos indivíduos, de
suas necessidades, de suas individualidades”.

Já Alice, falando de sua militância dentro do hip-hop, traz a revolta como um disparador,
entendendo que não era uma revolta negativa (“porque eu sempre fui uma menina muito
revoltada... mas nunca era aquela revolta do mal”). Ao contrário, tratava-se de uma revolta que
ela reverteria de forma a buscar fomentar um processo de ação política nas pessoas. A jovem
cantora, identificada com um nome artístico no meio hip-hop, que faz alusão a revolta, afirma
que esse sentimento serviria para: "questionar, pra trazer a reflexão das pessoas pra uma série
de coisas e mostrar a elas que, sim, a gente precisa das políticas públicas, mas que tem muitas
coisas que dependem de nós” (Alice, Janeiro/2010).

Quando perguntada sobre sua definição de participação política, Alice ressalta que tal atividade
deve surtir efeitos positivos em todos os envolvidos, pois isso a diferenciaria de profissões que
não teriam tais preocupações, levando em conta somente seus interesses individuais. Assim, o
co e ivo é ess o, ois ici ção o í ic só v e i e c so fosse “bom pra todo
mundo”:

"Só vale a pena você se envolver na militância e na participação política, seja ela em
qual nível for, se for algo que faz sentido pra você, tem que ser algo positivo, tem que
ser bom pra todo mundo [...] tem que interferir positivamente na vida das pessoas,
agora é o que eu falo, vou fazer uma militância que só é boa pra mim, só vou ver o
meu lado, como tem vários políticos que fazem isso, ai eu prefiro ser engenheira,
arquiteta [...] o movimento social, uma ação ele atinge muito mais gente, e isso é
muito sério [...] você não tá reivindicando só por você, tá reivindicando pela vida de
muitas pessoas e isso é muito positivo" (Alice, Janeiro/2010).

A referência a um coletivo, principalmente a um projeto comum, apareceu nas entrevistas de


forma diferenciada. Nas jovens com maior tempo de inserção em movimentos sociais, a noção
foi menos presente. Todavia, as jovens atualmente inseridas em atividades de militância, em
especial quando perguntadas sobre como se veem no futuro, fizeram menções a projetos
envolvendo a coletividade.

Conforme veremos mais adiante, diferentemente das respostas de Julia, Alice e Paula, as quais
focam nos projetos de militância voltados ao coletivo, as respostas de Diana e Elisa versaram
sobre desejos voltados para suas próprias vidas. Se Diana manifesta a vontade de ter saúde,
força e uma vida em paz, Elisa quer continuar estudando, enveredar pelo meio acadêmico e
duvida de uma eventual participação futura em movimentos sociais. Além disso, destaca que
93

seu percurso em atividades militantes já contava com 10 anos:

“Se eu continuar estudando eu sei que eu vou me formar [...] hoje eu tô num
momento que eu vou fazer depois que eu me formar, não sei se vou continuar no
movimento social, trabalhando com ONGs, isso pra mim é uma grande dúvida. Eu
sou nova, mas já são 10 anos trabalhando com isso. Eu não sei se vou continuar [...]
uma coisa que me chama a atenção atualmente é a área de pesquisa... quando eu
me formar, eu quero continuar, fazer mestrado” (Elisa, Junho/2009).

Diana, por sua vez, não menciona atividades de militância no futuro e fala de projetos que
possibilitem uma vida tranquila para ela e para a comunidade em que vive, além de saúde e
paz. A jovem faz um contraponto entre o futuro que deseja, a violência dos confrontos com a
polícia que marca o presente e a situação no passado, em Vila Aliança, quando a favela era
mais pacífica, apesar de visualmente não tão bonita. Em suas palavras:

“[...] o que eu quero é ter estudado anos, ser respeitada pela minha profissão, ter uma
família, morar num lugar tranquilo ou mesmo morar aqui, mas ter uma vida estável,
mas eu faço planos de ter saúde e paz [...] de poder ver a comunidade do jeito que eu
via quando era criança, que, fisicamente não tinha essa beleza toda [...] mas que era
53
uma coisa calma, a gente podia brincar, não tinha medo do caveirão [...] Eu tenho,
na verdade, muito medo de, se as coisas continuarem do jeito que estão, porque pra
mim, quando eu tinha 8,9 anos eu não pensava que meu futuro seria esse [...] eu não
achava que eu não ia poder chegar no meu trabalho, que às vezes não dá pra entrar,
que eu ia estar comprando um lanche e ia ter que sair correndo, porque alguém ia
passar atirando que eu ia ter perdido tantos amigos e uma coisa que me preocupa
muito porque eu perdi muitos amigos por conta da violência [...] como eu me vejo no
futuro, eu quero um futuro calmo, um futuro de paz (Diana, Outubro/2009).

Hannah Arendt (2006) menciona que central ao conceito de política é a preocupação com a
sociedade de uma determinada forma e com os seres humanos de maneira profunda, pois a
conquista de um mundo, aliada a um projeto, i i es ei o “àqueles que se preocupam e são
o í icos, ju g m que vi ão v e e se vivi ” ( .35).

Em consonância com essa perspectiva, Julia menciona um projeto futuro que necessariamente
alie sua formação acadêmica com a sua militância. Ao falar sobre como se vê no futuro,
menciona uma preocupação com o coletivo e também traz questionamentos sobre a

53
Caveirão é o nome popular do carro blindado usado pelo BOPE – Batalhão de Operações Policiais Especiais da
Polícia Militar do Rio de Janeiro em incursões nas favelas do Rio.
94

sociedade, colocados diante de sua inserção como militante feminista:

“[...] tenho vontade de advogar, mas, se tiver aliado dentro de uma proposta. Não
consigo ver largando o que eu faço [...] Eu não me vejo fazendo nada... mesmo que
possa melhorar minha vida assim... muito na questão financeira, que não esteja
aliado a questão das mulheres, a questão do movimento [...] só não consigo enfim,
me ver trabalhando por trabalhar [...] só não me vejo trabalhando fora disso, das
coisas que eu acredito. Mesmo que eu não vá estar fazendo o contrário, mas também
não vou estar fazendo nada, não vou estar contribuindo” (Julia, Janeiro/2009).

De forma semelhante, Alice e Paula responderam sobre como se veem no futuro, mencionando
projetos que envolvam uma atuação que levasse em consideração um coletivo. Alice menciona:
“eu sei que eu vou fazer a mesma coisa que eu faço aonde eu estiver, vou tá interferindo
positivamente na vida das pessoas”. A jovem fi m que es e es e vo vi com
militância no futuro, mencionando ter certeza de uma atuação no movimento hip-ho : ”Eu me
vejo fazendo a mesma coisa, mas de forma diferente”, colocando inclusive que sua
participação não deve ser interrompida com o nascimento de seus filhos, "se em 10 anos eu
não tiver aqui, eu vou estar no hip-hop de alguma forma [...] vou estar construindo coisas com
certeza.. porque é isso que me move, sabe.. talvez eu só pararia pra cuidar dos meus seis
filhos [...] Acho que nem por eles eu pararia, acho que eu carregaria eles."

Paula é mais incisiva em afirmar que continuará militando no futuro:

“Militando com certeza ... não sei onde, não sei em que, não sei se em algum partido,
não sei se em alguma corrente ou sindicato, mas sei que envolvida com certeza em
movimentos sociais [...] me vejo com muita paixão pelo que eu faço,assim, em todas
as esferas, desde a militância, passando pelo trabalho, até a questão acadêmica,
porque hoje, tá sendo possível.. acho que a trajetória que eu construí ajuda nisso”
(Paula, Outubro/2009).

Pude observar que as falas das jovens apontam para uma militância muito voltada para a
reação sofrida frente a preconceitos cotidianos vivenciados em uma sociedade que as oprimiria
e excluíria de diversas formas. A participação política se configura, então, como uma forma de
inclusão no sistema que as estigmatizaria por serem jovens, mulheres, negras e por suas
condições sócio-econômicas. Em relação a esse último aspecto, somada a questão dos direitos
das mulheres, Elisa, Alice e Diana também evocam suas raízes pobres. Chama a atenção,
sobretudo, as histórias de escravidão dos avós das duas últimas, o que me faz supor que a
inserção política das entrevistadas seria uma forma de reverter radicalmente o rumo de
histórias familiares marcadas pela subalternidade.
95

A idéia de inserção social através da participação foi também verificada por Helena Abramo
(2004) em su esquis “Que é se jovem o B si hoje? Ou co s ução mi i e
ju ve u e” para quem as reivindicações expressas pelas organizações juvenis defenderiam a
participação juvenil, comumente através da nomenclatura de protagonismo juvenil (termo
i c usive u i iz o o Ju i em su e evis “a proposta do núcleo era o protagonismo das
jovens”). Abramo (2004) afirma que a participação seria encarada como o exercício de
fortalecimento da cidadania e como uma forma de inserção social.

A ascensão social, outro aspecto verificado na presente pesquisa, proporcionada pela


militância é experimentada de forma diferente pelas jovens, com ganhos para suas vidas,
incluindo o domínio da escolaridade, assim como oportunidades de outras ordens surgidas.
Paula menciona que teve como benefícios uma qualificação na sua prática docente, além de
suas conquistas no âmbito acadêmico, pois na época da entrevista, com 25 anos, já cursava o
doutorado e era professora concursada do CEFETEQ. Outro ganho atribuido à participação em
movimentos sociais seria sua capacidade de escuta:

“[...] me ajudou muito na minha formação, e hoje [...] se eu cheguei aonde eu


cheguei, passei em concurso muito nova, estar no doutorado, foi graças a minha
prática mais sensível da militância, ser professora, ter um contato com os alunos,
tudo: desde impostação de voz, até mesmo escutar esse outro, que é o aluno, é o
professor” (Paula, Outubro/2009).

E is ce i o movime o soci o f o e es g u ção: “eu tô numa universidade


particular com bolsa [...] ninguém nunca na minha vida ia imaginar que eu ia fazer inglês no
IBEU, ia estudar na PUC." Na mesma trilha, a faculdade e a vontade de estudar são
mencionadas por Alice, como decorrências do seu envolvimento com o hip-hop: “o hip-hop me
deu tudo, me deu visibilidade, conhecimento [...] Fez ser quem eu sou, as viagens todas que eu
fiz, estar no movimento social, ser feminista, estar na faculdade, sabe". Além disso, o próprio
reconhecimento enquanto feminista teria advindo da militância, através da cultura do
reconhecimento:

"[...] e o hip-hop me proporcionou conhecimento, eu comecei a estudar mais, tem


aquela coisa do estudar, da cultura de reconhecimento. Eu me reconheci como
feminista através do hip-hop, apesar de ser um espaço super machista, foi ali que eu
me reconheci como feminista, que eu passei a lutar pelos direitos das mulheres”
(Alice, Janeiro/2010).

O conhecimento propiciado pela participação política é recorrente nas falas das jovens
entrevistadas, condicionado a uma possibilidade de escolha, como sublinhado por Elisa: "Não
quer dizer que todo mundo que tá na militância vai ter essa participação qualificada, mas ela te
proporciona, se a pessoa quiser e souber tirar proveito disso, ela consegue” (Elisa,
96

Junho/2009).

A escolha é também um ponto trazido pela fala de Diana, que contrapõe o seu destino ao
destino das suas amigas, principalmente por ter estudado, uma atribuição creditada ao seu
envolvimento com o movimento social. O destino comum das amigas em sua comunidade,
trazido pela sua fala destaca a interrupção do ensino médio e, muito comumente, conta com
episódios de gravidez. Dessa forma, ganha importância o contraponto feito pela entrevistada
em diferentes momentos de sua história com a de outras jovens:

"[...] eu estudei, acho que a coisa do movimento social é que te dá a oportunidade de


escolher, né? Não é errado viver como minhas amigas vivem, depende do que você
acha que é certo, é relativo [...] eu fui aprendendo com o movimento social, dali é
como uma peneirinha, né, aquilo que você vai aprendendo você deixa passar, aquilo
lá em cima você joga fora" (Diana, Outubro de 2009).

"[...] eu fui querendo aprender, aprender, aprender e nunca quis ser mais uma, ’ah, só
mais uma menininha que participou de um projeto’[...] tem muitas coisas legais... eu
tenho 19 anos, não tenho filho, não fumo, não bebo, moro com a minha mãe, ajudo a
minha mãe” (Diana, Outubro/ 2009).

É importante destacar aqui o ganho de capital cultural dessas jovens, responsável, conforme
conceitualizado por Bourdieu (2004), pela reprodução da estrutura das relações de força e das
relações simbólicas entre as classes. Tendo em vista as entrevistas que realizei, pude perceber
falas que indicavam sutilezas desse aumento do capital cultural das entrevistadas, como pode
ser observado na retórica de Diana sobre a forma de se portar, as oportunidades de escolha e
a vontade de aprender. Nesse sentido, a militância se colocaria como substituta ao processo
comumente desempenhado pelo ambiente escolar na ascensão social dos indivíduos. Diana
continua:
54
"[...] se eu não tivesse participado do Caixa de Surpresa , sei lá, se pudesse
responder assim, ‘quem seria a Diana? ’, eu acho que eu não conseguiria nem te
responder. Eu não sei se eu não teria estudado, mas eu teria ido a muitos bailes funk,
já deveria estar até de repente estaria até com filho, não sei o que seria eu” (Diana,
Outubro /2009).

Diana também menciona que um dos ganhos obtidos para a sua vida, decorrentes do
movime o soci , se i “saber se colocar nos espaços”. A jovem contrapõe as oportunidades a
que teve acesso às das suas amigas. Diana coloca da seguinte maneira “eu penso assim, eu

54
O Caixa de Surpresa foi o primeiro projeto da Ong Polo Multiação, localizada em Vila Aliança, em que Diana se
inseriu, aos 10 anos de idade.
97

tenho oportunidades que amigas que moram na mesma rua que eu não tiveram e fui e vou a
lugares que algumas jamais irão, algumas morreram sem ir, algumas que a conjuntura não
permite e isso pra mim é um acerto" (Diana, Outubro/2009).

Alice também fala de experiências que se afastariam da rotina experimentada pelas amigas
como um ponto positivo, mesmo que se posicione de fo m ques io os “ ós e co s”
vida que leva, já que gostaria de levar uma vida, pelo menos às vezes, mais tranquila:

“[...] é legal que a gente conhece vários caras legais pela vida, pelo mundo... pelas
viagens ... e você tem amores em vários lugares, eu tenho experiências que nenhuma
outra mortal vai ter, sabe... vai ter os prós e contras... Eu tenho as minhas amigas,
que já têm seus filhos, são balconistas, têm sua família, chegam em casa e vão
jantar, às vezes eu queria essa vida, mas ai quando eu fico parada assim, de folga,
eu fico triste.. e ai eu penso assim, e elas queriam ter a vida que eu tenho, sabe...
porque eu tô reclamando a gente nunca tá satisfeito” (Alice, Janeiro/ 2010).

Levando em consideração as vozes das jovens no que tange suas definições sobre
participação política, seus sonhos para o futuro, a ascenção proporcionada pela militância e o
patente ganho de capital cultural, podemos notar um distanciamento atual de seus ambientes
de origem, marcados tantas vezes por diversas precariedades. A política, portanto, aparece
como uma forma de inclusão na mesma sociedade que as estigmatiza e as convoca para a
luta, como suas reações frente aos preconceitos sofridos.

Podemos notar também um distanciamento da realidade das jovens de igual origem


socioeconômica, principalmente nas falas das jovens moradoras de favela, Diana e Alice, que
se distanciariam da realidade vivenciada por seus vizinhos nas favelas. As duas, inclusive,
mencionam a conjuntura que não permitiu que suas amigas tivessem as oportunidades -
creditadas sempre à participação no movimento social - de conhecer o mundo, de acessar a
escola e conhecimentos de uma forma geral.

6.1 Características das suas militâncias

Paula apresenta-se como a entrevistada que mais discorre sobre sua inserção em diferentes
militâncias. Suas falas, contudo, não fazem tanta referência à sua identidade de gênero e
racial, como as falas de Alice e Elisa, mas sobre suas entradas em movimentos identitários
distintos. Além da sua participação no movimento partidário e feminista, a jovem cita sua atual
atividade docente no CEFETEQ como uma forma de militância, devido ao contato com
temáticas sociais em suas aulas, além de participar do Sindicato Estadual dos Professores.
Sobre suas atividades políticas, mencionou a mudança na saída do PT para o Psol e também a
98

especialização que a participação política que realiza no momento demandaria:

"[...] a minha militância e minha teoria tavam muito presas ao plano das formas. Só
que a fôrma e as formas quebram e a militância tem muito isso, tem muita gente
quebrando e como eu não quero quebrar, as coisas... as pessoas podem achar que
as coisas são fundamentais, mas elas têm movimento e elas quebram”. (Paula,
Outubro/2009).

"Aquela questão da especialização que a gente fala tanto na indústria também


acontece na militância e hoje eu não me sinto tão autorizada para falar sobre tudo de
um assunto, acho que eu consigo falar bastante sobre várias coisas, mas sobre um
assunto... eu acho que eu deixei de ser especialista" (Paula, Outubro/2009).

Em uma crítica sobre esta cobrança de se definir de forma fechada sobre uma identidade
“o igi á i ”, P u fi m fo ç ive si e que vess :

"[...] ao formalizar esse não-lugar, eu tô me afirmando como a Paula que... é dos


direitos humanos, faz discussão de gênero, é sindicalista, enfim ... acho que isso
talvez contribua mais pra gente pensar nos diversos atravessamentos que a gente
vive do que em uma militância que compartimentalize as coisas, acho que fazendo
isso a gente ganha força" (Paula, Outubro/2009).

Paula também se remete a uma dificuldade em assumir diferentes identidades dentro dos
movimentos sociais, além de mencionar que as organizações do Rio de Janeiro, salvo a
Marcha Mundial das Mulheres, ainda não conseguiram articular debates com identidades
diferentes, como, por exemplo, a articulação de gênero para a população que não se identifique
como militante. Com relação à Marcha Mundial das Mulheres a entrevistada observa:

"A Marcha tinha um potencial enorme de diálogo com as mulheres no geral... fez uma
coisa que os outros movimentos, inclusive o movimento estudantil, não conseguiram
fazer até então no Rio de Janeiro, que é fazer o debate de gênero para além das
militantes e sindicalistas. Existe uma dificuldade entre as articulações de fazer o
debate entre o que é uma discussão de gênero e ai eu acho importante a auto-
organização, os espaços inter-setoriais, mas eu acho importante você fazer esse
debate” (Paula, Outubro/2009).
99

A jovem também menciona uma similaridade das experiências de ocupar diferentes espaços
nas militâncias (ser sindicalista e também militar em movimentos feministas), como um
momento de crise, assim como vivências críticas relacionadas ao crescimento:

“Parece que quando você é sindicalista, você deixou de ser feminista, eu vivi essa
crise quando eu saí em 2005 pra ir pro movimento sindical. Por essa crise no meio de
todas, né.. como deixar de ser criança pra ser adulta. Ai parece que quando falam
dos jovens e dos sindicalistas, como se não pudesse ter jovens sindicalistas “(Paula,
Outubro/2009).

Por sua vez, Diana menciona uma certa relutância por parte de militantes feministas em
dialogar com outros movimentos. A ausência de diálogo é citada pela jovem como uma
característica presente em espaços de discussão, principalmente quando as pautas envolvem
homens:

"[...] é claro que tem feministas de todos os tipos, tem feminista que são muito
55
focadas nessa questão , então não querem estar nos mesmos espaços que os
homens, pra poder dialogar e outras não, que conseguem ouvir os outros, que sabem
a bandeira que levam, sabem da nossa luta, sabem que o feminismo veio para poder
dar a nós mulheres a voz" (Diana, Outubro/2009).

Já a entrevistada Julia, ao mencionar a sua participação no movimento estudantil durante a


graduação em Direito, afirma que seu posicionamento estaria marcado por já participar de
outro movimento social, o feminista:

“[...] como eu já participava do movimento feminista... e em alguns eu


... nisso eu tenho um pouco de preconceito, talvez, e como já tivemos
vários momentos juntos com movimento de partido .. e por não gostar
de determinadas práticas, eu sempre tentei ficar mais distante” (Julia,
Janeiro/2010).

Segundo Woodward (2000), seria característico da construção das identidades que existam
identificadores simbólicos e sociais, algo verificado na participação em movimentos identitários.
Isso posto, observamos nas entrevistas a utilização de uma terminologia específica dos
movimentos sociais dos quais as jovens fazem parte.
56
Ju i u i izou gum s vezes o e mo “em o e ” , além de outras expressões correntes no

55
Nesse momento, a jovem sinaliza com as mãos em sua cabeça como uma caixa em torno da cabeça, o que assumi
como uma referência a pessoas de mentes fechadas.
56
Empoderamento é um termo utilizado pelas ONGs brasileiras, tradução do inglês empowerement, que diria respeito
100

movime o femi is como “ o go ismo”; “ u iz ção s esigu es” e c m os


mistos. Elisa, mais identificada com o movimento homossexual, utilizou termos que faziam uma
ife e ci ção e e i e i es homossexu is, como: “mulheres que faziam sexo com
mulheres, homossexuais, lésbicas, bissexuais” e m ém f ou e um “ eco cei o ge cio ”
sofrido dentro do movimento.

Já Paula, dada sua inserção acadêmic , u i izou e mos como “ vess me os”, u e
57
c sses e “ ão-lugar” . Além disso, a jovem usa um vocabulário comum aos membros da
mi i â ci i á i : “co ei e smissão”; u o-organização; espaços inter-setoriais e
colateral de um movimento.

Di me cio gí i s como: “se e e oi o” efe ê ci à i ez, um usão um sso e


ç e ou s ex essões e gí i s como “fo eci o” e “c s e m me”, i ic ivos e
gírias utilizadas por jovens nas favelas cariocas. Elementos da cultura hip-ho , como “CD e
se”, ém e um voc u á io co e e e ONGs, como “cu u e eco hecime o” e
empoderamento foram ouvidos na fala de Alice.

É importante observar também que os marcadores inscrevem-se em outras esferas mais


visíveis, como uma associação comum entre sua identidade e as coisas que a pessoa usa
(Woodward, 2000). Nesse sentido, Elisa afirma, em um dado momento, que não vai deixar de
usar o fio de conta, utilizado por membros da sua religião, o candomblé, “ou alguma coisa que
me identifique porque eu to na rua [...] eu sou uma pessoa que é isso, eu gosto de estar
rompendo, mostrando minha cara, eu gosto disso, todas as minhas experiências são assim”.

Os marcadores identitários funcionariam na retórica da militância, conforme colocado por


Abramo (2008), principalmente quando há mais de uma identidade (ser negra, jovem, mulher,
pertencer a classe popular). Para que tais identidades sejam expostas, a liberdade se coloca
como um fator imprescindível para que a militância possa ocorrer, segundo A e (2006), ” iv e
agir é agir em público e público é o espaço original do político. Nele, o homem deve mostrar-se
em su i e e e es o ei e e se fi m o o o í ico com ou os” ( . 11).

A retórica de Elisa, quando perguntada sobre a relação entre sua motivação para trabalhar no
movimento social e a afirmação de sua identidade, é emblemática da necessidade de liberdade
que sua militância demandou, já que teria saído de casa e entrado no Grupo Arco-Iris, sua
primeira inserção nos movimentos soci is: “não tava a fim de aturar uma repressão da minha
mãe. Eu tenho muita dificuldade com a mentira e essa coisa de não poder falar quem eu
namoro ou pra onde eu vou [...] era muito complicado pra minha cabeça” (E is , Ju ho/2009).

a uma alteração radical dos processos e das estruturas que reproduziriam a posição da mulher como submissa. Sua
utilização é vista, no campo das ONGs como principal estratégia de combate à pobreza e de mudanças nas relações
de poder. O termo chama a atenção para a palavra “poder” e sua relação social, que implicaria em uma fonte de
opressão, autoritarismo, abuso e dominação. O feminismo, porém, fala deste como uma fonte de emancipação e
forma de resistência (LISBOA, 2008).
57
Referência ao conceito cunhado por Marc Auge (1994) para designar um espaço de passagem incapaz de dar
forma a qualquer tipo de identidade. O lugar, enquanto espaço antropológico seria um espaço identitário, relacional e
histórico. Já o não-lugar se daria de forma não relacional, não identitário e não histórico.
101

É dessa forma que a militância teria aparecido como um espaço identitário de liberdade para a
jovem:

“[...] eu vi que eu podia ser quem eu era, e te dá forças, e tinha a ver com a minha
identidade. Até porque eu nunca tive problema em falar que eu sou homossexual pra
ninguém, então tinha muito a ver comigo, a coisa de mostrar a cara, independente da
minha militância, então ali eu vi que eu poderia contribuir.” (Elisa, Julho/2009)

Ainda sobre a coragem requerida no âmbito político, Arendt (2004) menciona a ligação entre as
vidas privadas e existências familiares a uma determinada forma de agir e, assim, atingir o
espaço público político comum. Nesse sentido, é importante destacar falas corajosas das
entrevistadas e como elas encontram-se relacionadas às suas atividades escolhidas dentro dos
movimentos sociais:

“A minha história de vida, porque eu saí de casa, não fui expulsa de casa, já que eu
sabia que a minha mãe não ia lidar bem com a minha homossexualidade, ia ter muito
atrito, e ai decidi morar com meu pai, o que foi bom, porque ele não teve muito grilo
com isso, nem ele nem minha madrasta. Me deram um certo apoio em relação a isso,
e eu tinha muito apoio em relação à minha homossexualidade [...] podia levar minhas
namoradas pra casa,não tinha problemas de aparecer em televisão, dar entrevista
essas coisas” (Elisa, Julho/2009).

A jovem continua relacionando sua vida privada e sua vida política, iniciada em um grupo de
afirmação da identidade homossexual, que era um espaço em que ainda assim observava que
existiam mulheres que não poderiam assumir sua identidade, ao contrário dela:

“E eu via muito, naquela época do Arco-Íris muito isso, mulheres que não podiam
aparecer [...] tinham muito medo de aparecer em algum lugar. Isso me fez assim,
essa facilidade que eu tive com meus pais... isso me fez perceber que eu poderia
estar contribuindo de alguma forma com essas mulheres, que eu podia atuar e isso
foi muito legal e isso foi o que me fez ficar [...] vi que poderia contribuir de alguma
forma, que eu podia fazer uma coisa que outras mulheres não poderiam fazer” (Elisa,
Julho/2009).

As características pessoais de Alice também são frisadas em sua fala, já que a jovem afirma
estar confortável em sua posição (no meio hip-hop), que ainda não conta com muitas jovens
mulheres, frente aos obstáculos que ela assegura não ter dado importância:
102

“[...] não tive muitos obstáculos porque eu procurei não vê-los, eles sempre existem..
mas eu nunca procurei dar importância pra eles, porque pra mim quanto mais difícil,
melhor.. porque me motiva, eu gosto de ser motivada o tempo inteiro. Se você falar
pra mim ‘você não pode fazer aquilo’ ai que eu vou fazer, acho que é isso que eu tô
no hip-hop, porque não tinha mulher e vão me respeitar por isso e hoje eu tô, me
respeitam, entendeu e é isso. Não tenho problema nenhum, nunca tive.. e se tem, é
as outras pessoas comigo, eu tô muito confortável na minha posição de mulher na
cultura hip-hop” (Alice, Janeiro/2010).

Por último, é preciso destacar a importância da ONG CAMTRA – Casa da Mulher Trabalhadora,
na vida das jovens, pois três entrevistadas pertenciam ou já tinham feito parte do quadro da
ONG, que existe desde 1997. Além da CAMTRA, da qual fez parte também Julia Zanetti -
amiga que me indicou o nome da maioria das jovens entrevistadas para o presente trabalho -,
seriam poucas as organizações feministas no Rio de Janeiro que teriam a juventude como
o go is e ções e um iscussão com “o foco no feminismo, mas tenta aliar com uma
discussão maior, a questão da desigualdade de classe, a desigualdade social... uma
transformação maior” (Julia, Janeiro/2009).

Se a entrevistada Julia tem sua trajetória ligada a tal instituição, fundada por sua mãe, dado
que ela afirma que: “a minha trajetória tem muito a ver com a trajetória da minha mãe”, Elisa e
Paula militaram na instituição em algum período no curso de seus envolvimentos em
movimentos feministas. Elisa trabalhou na CAMTRA entre 2000 e 2004 e retornou em 2005 de
forma mais pontual. A jovem foi, primeiramente, agente de saúde em um projeto de prevenção
de DST/ AIDS e assistente de um projeto que lidava com direitos trabalhistas, no SAARA. Em
sua opinião, “a CAMTRA pra mim é uma das poucas organizações que tá em contato
diretamente com as mulheres, não é um projeto, são vários projetos que tão em contato direto”
(Elisa, Junho/2009).

Essa característica de trabalhar diretamente com as mulheres também é ressaltada por Paula,
a qual afirma que lá vivenciou uma experiência de trabalho mais formal, passando de monitora
à coordenadora de projetos:

“[...] um feminismo que saia das cartilhas, não tava só nas palavras ou na teoria, tava
indo pra prática e ai você tem que dialogar [...] um exemplo, a gente fez uma
campanha uma vez na CAMTRA, numa das marcas de violência contra a mulher e o
slogan era “um tapinha não dói”, um funk da Tati Quebra-Barraco e você escutar né:
“às vezes não, às vezes um tapinha é bom...” e você tá aberta a escutar isso. Se
aquilo te dá prazer, porque não? [...] a CAMTRA e a Marcha me fizeram ser mais
feminista nesse sentido” (Paula, Outubro/2009).
103

6.2 A questão das identidades nos movimentos sociais estudados

Os movimentos culturalistas-identitários que privilegiamos dentro da definição mais ampla dos


movimentos sociais brasileiros produzem diversas definições de política. O entendimento de
tais atuações políticas difere também segundo os distintos pertencimentos das jovens
entrevistadas: movimento sindical; movimento hip-hop; movimento feminista; movimento de
promoção dos direitos dos negros e movimentos partidários, que possuem discussões às vezes
muito fragmentadas. São as diversas expressões desses movimentos identitários que
compõem o cenário no qual as jovens se inserem, cada uma com as suas particularidades.

Helena Abramo (2008) faz uma primeira sinalização para as diferenças entre as participações
de jovens em movimentos políticos, tais como os com uma bandeira explícita, como, por
exemplo, o passe livre; movimentos com um mote de atuação, como o combate à violência; os
que se reúnem a partir de uma categoria, como os estudantes ou em torno de uma identidade
diferencial, como as jovens mulheres.

A autora também localiza que, independentemente da inserção identitária dos movimentos, a


identidade juvenil não se revelaria imediatamente para grupos de militância de jovens como um
mote para sua posição e atuação política. Apesar da faixa etária dos participantes de tais
grupos, nem sempre a causa juvenil é dada como um ponto de partida para sua configuração
ou atuação em sua apresentação pública.

Em relação ao nosso trabalho de campo, a juventude e a questão geracional não apareceram


como uma bandeira de luta nas retóricas das jovens, salvo em uma fala de Elisa sobre
preconceito geracional, já que ela esteve envolvida na gestão de uma ONG aos 22 anos:

“No profissional eu sentia muita dificuldade com preconceito geracional [...] Mas o
geracional era ... era não, é.. até hoje, porque embora eu tenha 29 anos, eu pareço
muito mais nova. Eu sofri muito com isso, porque eu tinha 22 anos e já era
coordenadora de uma organização, por muitas vezes e eu lembro muito da época, a
gente tinha que pedir espaço... e era difícil” (Elisa, Junho/2009).

Castro (2004) e Zanetti (2009) reafirmam os dados de Abramo (2008) sobre a ausência de uma
afirmação identitária jovem e confirmam nossa impressão sobre um aparente desinvestimento
dos movimentos e agremiações juvenis para buscarem definir noções específicas das
identidades femininas jovens.
104

Por outro lado, Abramo (2008) observa que, apesar de a identidade juvenil não funcionar como
deflagrador de movimentos de jovens, é possível observar que tais grupos realizam um esforço
em marcar sua singularidade geracional dentro de suas organizações identitárias. Um exemplo
pode ser observado nos movimentos de mulheres, nos quais os setores, especificamente
juvenis, marcam sua singularidade em falas ancoradas no debate da juventude, mas sempre
em cruzamento com seus outros pertencimentos, de gênero, classe e raça, dentre outros.

Abramo (2008), em sua pesquisa, identifica que haveria uma pregnância na fala de jovens
militantes negros de sua condição social, que tornaria essa desigualdade combinada no único
enquadramento possível para falar sobre suas experiências juvenis. Sendo assim, “ i
disso, todas as situações são relatadas como fruto da desigualdade e todas as características
como desvantagens. Por isso, essa condição lhes parece absolutamente urgente e prioritária
em e ção o s s ou s” (ABRAMO, 2008, . 92).

Ainda tematizando sobre tais cruzamentos de pertencimentos, Abramo (2008) relata que os
jovens da sua pesquisa se sentiam parte das contradições da sociedade, já que também as
vivenciavam, experimentando sua condição juvenil pelas desigualdades e contradições que
atravessam. Tal desigualdade social é referida tanto por sua estrutura como uma condição de
classe, no âmbito socioeconômico, como por outros aspectos como sua localização
socioespacial, no caso das jovens das comunidades, das favelas e periferias. A autora também
ssi ese ç o e mo “ e ife i ” f os jove s, o que caracterizaria não apenas
uma situação espacial, mas, uma ampla gama de dificuldades como o acesso a bens e
serviços, garantia dos direitos, dificuldades de inserção no mundo formal do trabalho, dentre
outras.

Abramo (2008) também menciona a concretude e importância das experiências de


desigualdades vivenciadas de formas diferentes pelos membros dos grupos identitários juvenis,
ao ponto de os marcadores de desigualdades transformarem-se em pontos obrigatórios de
seus discursos e práticas coletivas.

Toda essa condição anterior, meio abstrata e genérica, que emergiu das diversas pontuações
levantadas pelos grupos, é vivida, concretamente, de modo bastante diverso segundo as
diferenças e as desigualdades existentes na estrutura e na cultura de nossas sociedades. Para
alguns, torna-se mesmo impossível falar de juventude, a não ser a partir das desigualdades,
como para os jovens do Fórum Baiano de Juventude: para eles, «ser jovem negro, pobre e da
periferia» marca uma condição tão especialmente dramática que torna imperativo localizar, o
tempo todo, o seu lugar na denúncia desta iniquidade. (ABRAMO, 2008, p.90)

Essa transversalidade das lutas juvenis é colocada também por Pasini e Pontes (2007), pois os
autores acreditam que as mulheres jovens sofreriam subalternidades pelas opressões de
105

classe, raça e etnia, orientação sexual, mas principalmente pelo lugar ocupado nas lutas de
o e “c c e ísticas das relações entre as gerações. Em nossa sociedade, as jovens e os
jovens estão em um lugar de preparação para o que se espera de suas vidas adultas, mas
i e fo m s ife e ci s e e s ec iv e gê e o” ( .16).

A entrevistada Elisa demonstra o engendramento dos pertencimentos e como vivencia as


subalternidades citadas por Pasini e Pontes (2007), ao mencio “quem v i ouvi um jovem,
eg , mo o B ix F umi e se, [...] fi h e f xi ei ?”. Di , o su vez, ex ici
sua forma de vivenciar tais cruzamentos singulares, trazendo como um dado adicional o fato de
ser moradora de favela:

“[...] há uma diferença, ser mulher, ser jovem e ser negra, pra início de conversa.
Primeiro que as pessoas, ninguém quer uma pessoa como eu, moradora de favela,
saindo por ai, que fala o que pensa, que sabe o que tá falando, que sabe o quer.
Ninguém quer alguém com poder crítico, que agradece a cesta básica e não sabe
reclamar seus direitos” (Diana, Outubro/2009).

A autora indiana radicada na Inglaterra, Avtar Brah, questiona o que daria força à articulação
das diferenças. Brah (2006) diferencia a constituição e representação das mulheres segundo
uma determinada miríade de processos econômicos, políticos e ideológicos. Diante desse fato,
só haveria a possibilidade de lidarmos com categorias diferenciadas de mulheres, tais como,
“mu he es c sse h o ”, sempre fazendo referência a uma condição social
específica. A autora afirma ainda que as opressões não podem ser tratadas de forma isolada, já
que: “Es u u s e c sse, cismo, gê e o e sexu i e ão o em se s como
“v iáveis i e e e es” o que a opressão de cada uma está inscrita dentro da outra – é
constituída pela outra e é constitutiva dela (BRAH, 2006, p.351).

A política, para Brah (2006) possibilitaria, ao marcar os engendramentos de opressões, tornar


visível a operação de tais processos ideológicos e materiais, evidenciando as desigualdades,
de forma que as lutas sobre questões isoladas como fins em si mesmas não limitem
enfrentamentos mais amplos às desigualdades sociais.

As desigualdades de gênero e de raça, apesar de frequentemente citadas na pesquisa de


Abramo (2008), só seriam motes de luta em movimentos constituidos especificamente em torno
de tais questões. As falas das jovens do presente estudo podem ser consideradas semelhantes
aos discursos encontrados pela autora, caracterizando-se pelo fato de que as jovens feministas
consideram a desigualdade social tão fundamental quanto sua condição de gênero. Para as
106

jovens de sua pesquisa, haveria a necessidade de considerar as múltiplas desigualdades que


atravessam a juventude, o que vai de encontro ao que foi observado na presente pesquisa.

No que se refere à veemência das retóricas de afirmação identidária, destacaram-se as falas


das militantes de movimentos de afirmação negra. Conforme exposto por Alice, “nós, mulheres
negras, nunca tivemos opção, nós sempre tivemos que estar na rua trabalhando, cuidando dos
filhos, nós nunca tivemos opção de escolher querer ser a dondoquinha dentro de casa ou
querer ser a mulher que vai pra rua” demonstrando, mais uma vez, o embricamento das
condições diferenciadas de sobrevivência das classes sociais com a desigualdade racial.
Posteriormente, Alice credita ao hip-hop o “co hecime o” adquirido, já que faria parte da
“cu u e eco hecime o” o o cio que ou s mu he es su comu i e e ham voz:

“[...] enquanto as mulheres tavam lá queimando soutien na fogueira, nós já


estávamos lá, sem soutien, cozinhando para que elas fizessem a revolução, enfim...
eu me reconheci assim e comecei a querer proporcionar que as mulheres da minha
comunidade tivessem voz e a orientar, empoderar, enfim... trabalhar com o
empoderamento das mulheres" (Alice, Janeiro/2010).

As especificidades das mulheres negras também são trazidas na fala de Carvalho e Quintilliano
(2009), que ressaltam sua condição de estarem desde o período colonial às voltas com o
mundo do trabalho externo ao ambiente doméstico, compulsório ou livre, marcado por
imposições de ordem histórica, racial e de gênero. De forma diferente dos espaços ocupados
pelas mulheres brancas, muitas vezes restritas ao domínio doméstico, é que os autores fazem
a ressalva de também se configurar como um espaço por vezes opressor, ao passo que as
mulheres negras:

Na venda direta como escravizadas ou em atividades domésticas remuneradas no pós-


escravidão, essas mulheres sempre tiveram o espaço público como um terreno de domínio,
fazendo deste a sua arma de sobrevivência diante das adversidades colocadas pelo constante
empobrecimento, pelo racismo e pelo sexismo estruturais na construção do Brasil.
(CARVALHO e QUINTILLIANO, 2009, p.89)

No entanto, como observado anteriormente, verificamos os motes para que se destaque um ou


outro marcador identitário e, na fala de Diana, os espaços institucionais ocupados pelas jovens
apareceram como fomentadores de determinadas retóricas. Diana menciona as discussões
dentro do espaço de militância da afirmação negra, o Fórum de Juventude Negra, somado ao
fato de morar em uma favela, em resposta à pergunta sobre sua trajetória no movimento social:
"Dentro do fórum de juventude negra a gente conversa bem isso, essa questão da identidade,
do que que é ser negra, do que é ser negra e mulher, ser negra na Vila Aliança, como é ser
107

negra no Brasil” (Diana, Outubro/2009).

Diferentemente de Diana, a questão da sexualidade aparece como um forte componente


identitário para Elisa quando ela menciona como sua experiência foi moldada pelo fato de ser
mulher e lésbica: "o que me faz entrar e permanecer dentro do movimento é ser mulher lésbica.
O que me move de início é minha homossexualidade e primeiro eu trabalho isso e depois a
questão do gênero". Posteriormente, a entrevistada afirma que sua religião, o candomblé,
também aparece como um gerador de preconceitos e que faria parte da sua personalidade ser
motivada por uma certa ruptura de padrões, já que fala “eu gosto de estar rompendo,
mostrando minha cara”.

“[...] e ai eu vou agregando várias questões, né? A minha experiência enquanto


mulher, enquanto mulher lésbica, enquanto mulher lésbica negra, depois, mais a
frente à coisa da minha religião, que também sofre muito preconceito. E isso vai
motivando assim... e assim hoje se discute muito a intolerância religiosa..e assim,
hoje em qualquer lugar se me perguntarem qual é a minha religião eu respondo
candomblé. [...] Tudo vai me motivando, eu sou uma pessoa que é isso, eu gosto de
estar rompendo, mostrando minha cara ... eu gosto disso” (Elisa, Julho/2009)

Retornamos, portanto, à questão do embricamento das diversas formas de opressão e dos


diversos marcadores identitários. Ao avançarmos um pouco mais no entendimento desse
processo, trazemos novamente Brah (2006), que assinala o que desencadearia a
e o e â ci e um m c o so e ou o. N s v s uo , “ á ise s
interconexões entre racismo, classe, gênero, sexualidade ou qualquer outro marcador de
“ ife e ç ” eve ev em co osição os ife e es cismos e e si” (BRAH, 2006,
p.331).

A autora exemplifica a maior importância dada a alguns marcadores através da situação


vivenciada por grupos africanos-caribenhos e sul-asiáticos na Grã-Bretanha no pós-guerra, em
que se verificava a experimentação de uma racialização de posições de classe e de gênero.
Esse fato teria ocorrido e ex osição um cismo que u h em imei o o su “ ão-
cu ” como emá ic comum o iscu so so e s “ esso s e co ” ( .333). Logo, o binário
branco/não-branco teria construído a similaridade de suas experiências, muito embora também
experimentassem estigmatização, exclusão e discriminação no que tange ao emprego, à
educação e à moradia” (BRAH, 2006).

Segundo Brah (2006), os processos de reivindicação são também mediados de acordo com
108

parâmetros culturais e sociais, logo a negritude teria diferentes significados políticos e culturais
em contextos distintos. A autora critica o que chama de etnicismo, que se daria como uma
ex e iê ci e g u os ci iz os i ci me e em e mos cu u is, os u o “ ife e ç
é ic ” como mo i e i ci em o o qu vi soci se i ex e ime .A uo
continua afirmando que não haveria necessidades culturais comuns para grupos que são
apenas supostamente homogêneos:

Necessidades culturais são definidas em termos amplos como independentes de outras


experiências sociais centradas em classe, gênero, raça ou sexualidade. Isso significa que se
supõe que um grupo identificado como culturalmente diferente é internamente homogêneo,
qu o esse, e eme e, ão é o c so. As “ ecessi es e mo i ” e um siá ico
classe trabalhadora vivendo em condições de superpopulação num conjunto residencial, por
exemplo, não podem ser as mesmas de um asiático de classe média vivendo numa casa semi-
isolada no subúrbio. (BRAH, 2006, p.337)

A uo usc c i ic o que co ve cio ou ch m e “ iscu sos e icis s”, ois os mesmos


buscam impor noções este eo i s e “ ecessi e cu u comum” so e g u os
heterogêneos com aspirações e interesses sociais diversos. Dessa forma, tais grupos
identitários freque eme e eix i m e e ção e e “ ife e ç ” e s e ções
sociais de poder em que ela pode estar inscrita. Brah (2006), nesse contexto, defende que o
Es o e h o e e se “se síve à u i e e ecessi es e e seus ci ãos. M s
ecis mos es e os à m ei como s ‘ ecessi es’ são co s uí s e e ese s
em vá ios iscu sos” (BRAH, 2006, .337).

Brah (2006) critica o fato de o Estado, muitas vezes, se apropriar dos discursos identitários,
como no caso dos grupos de ascendência africano-caribenha e sul-asiática, onde teria ocorrido
com sucesso a apropriação do negro como cor política, mas com a assunção de novos
significados na esfera estatal. Em presença deste fato, Brah (2006) observou que o que gerava
solidariedade entre estes dois grupos em torno de problemas políticos específicos, passou a se
tornar um lugar de conflito e dissenso à medida em que seus integrantes começaram a
competir por recursos e empregos no setor estatal.

Esse não é um exemplo que tenha correspondência, em sua natureza, ao universo que foi
analisado neste trabalho, mas a crítica a um ce “ so ção” os movime os soci is e o
Estado também foi detectada em alguns discursos que ouvi. Elisa, por exemplo, apesar de
reconhecer o benefício da representatividade dos movimentos sociais junto aos poderes
políticos instituídos – que decidem sobre as políticas a serem implantadas, disponibilizando
recursos que permitam a implementação de ações compensatórias face às desigualdades
sociais – destaca os prejuízos que resultam do afastamento dos movimentos das bases. Em
suas palavras,
109

“[...] hoje em dia as organizações tão perdendo isso [o contato com os movimentos
de base], eu não sei falar pra você se isso é bom ou se isso é ruim, mas tem a coisa
da demanda política, a coisa das políticas públicas, de tar indo nas conferências, nas
reuniões, em Brasília... então isso acaba demandando um tempo que as outras
coisas vão diminuindo. Então hoje você vê, por exemplo, a CAMTRA pra mim é uma
das poucas organizações que tá em contato diretamente com as mulheres [..] E hoje
em dia, as organizações estão perdendo isso, tão muito ligadas nas demandas das
políticas públicas e isso é muito importante mas pra mim é isso, o movimento social tá
enfraquecendo. Você não vê mais manifestações nas ruas, o 8 de Março,se você
juntar 100 pessoas é muito” (Elisa, Julho/2009).

Esse, no entanto, é um longo tema para discussão, que não faz parte das ambições deste
trabalho. No momento, pretendemos, sobretudo, discutir a especificidade da questão
identitária, considerando que foram entrevistadas jovens participantes de movimentos sociais,
em face da observação de suas histórias. A seguir, passaremos a abordar especificamente
suas trajetórias na militância.

6.3 Motivações iniciais e motivações para continuar nos movimentos sociais

Tendo em vista que a pergunta norteadora do presente trabalho foi o que levaria jovens nas
situações específicas das entrevistadas a se engajar em atividades políticas de militância, a
mo iv ção i ici foi e sum e evâ ci e foi ve igu vés e gu : “Qu o e como
surgiu seu interesse pelo movimento social?”.

É interessante observar que as jovens da presente pesquisa atribuiram inicialmente ao acaso


seu envolvimento nos movimentos sociais, mesmo que, posteriormente, citassem outras
questões de grande significado.

Julia discorre longamente sobre o papel da sua família na militância, mas antes menciona uma
ce c su i e fo m como se eu seu e vo vime o i ici : “na verdade as coisas foram
acontecendo ” (Ju i , J ei o/2009).

Já Elisa usa o termo acaso para falar de seu envolvimento com o Grupo Arco-Íris, sua primeira
vi cu ção com o movime o soci “as coisas foram acontecendo, por um acaso eu fui parar
numa reunião no Arco-Íris [...] a gente ia falar sobre a questão da homossexualidade feminina,
foi acontecendo, né? Se eu falar pra você que eu procurei, eu não procurei isso, foi
acontecendo realmente". Todavia, seu relato sobre a mudança da casa da sua mãe, que não
aceitava sua homossexualidade, para a casa do seu pai, que não se importava, para poder
viver sua vida de forma mais livre, é um indicativo de que a vinculação com a causa da defesa
dos direitos à liberdade sexual pode ser um forte motivador para a sua militância.
110

Julia ressalta a influência da família em sua fala, pois, seus pais eram (e continuam sendo)
militantes, tendo se conhecido no MR-8 – Movime o Revo ucio á io 8 e Ou u o: “minha mãe
e meu pai são militantes, meu pai é militante do movimento partidário até hoje, minha mãe é
militante, era também do partidário, eles se conheceram no MR-8, e agora ela atua no campo
feminista já tem um tempo”. Julia menciona que havia uma cobrança, desde a sua infância, por
parte do seu pai para que militasse, já que esse também continua militando em partidos
políticos:

“[...] eu tinha uma cobrança... eu não sei, meus dois pais sempre foram militantes e ai
principalmente meu pai, acho que meu pai, talvez por não me ver, na verdade ele só
me vê nas férias, sempre tinha um tipo..de ficar catucando...”que que você vai fazer?
Vai participar de alguma coisa? ”E ai assim, eu não sei, eu não me via muito
participando do movimento partidário assim ... então quando eu vim pra CAMTRA eu
fui descobrindo outras formas de participação”. (Julia, Janeiro/2009).

A família aparece como um fator de motivação também para Paula ao mencionar que, durante
o mestrado, percebeu através da terapia que seu envolvimento com a militância sindical estaria
relacionado, de forma inconsciente, à militância empreendida por seu avô, sindicalista durante
o regime militar de 64. Além disso, a jovem conta também que situações de violência doméstica
ocorridas entre seus pais, a teriam levado para participar de movimentos feministas:

“eu achava que o que me motivava era a minha relação com a Igreja [...] na época do
Mestrado eu fui fazer terapia fui discutir essas coisas, descubro [...] um projeto grupal
que tratava de pessoas, familiares de pessoas que tinham sofrido violência de
Estado, ai nesse processo eu descubro que talvez isso tenha me afetado mais do que
eu imaginava... Meu avô foi preso na época do golpe... em 64, na época da ditadura,
meu avô era sindicalista, só que isso nunca foi falado na minha família [...] e ai no
processo de análise eu fui descobrir outras coisas que permeavam ali, que me
influenciaram, não só a história do meu avô, bom, hoje em dia eu tenho muita clareza
disso [...] não é a toa que eu fui ser sindicalista e ai super nova, já na direção do
sindicato [...] e é isso... acho que a motivação vem daí ... tanto da questão familiar... e
a questão do movimento de mulheres também... eu tive muitos problemas em casa,
entre meus pais, de violência doméstica” (Paula, Outubro/2009).

Assim, observei no desenrolar da pesquisa que o engajamento ocorria por motivos diferentes,
mas que, de fato, as questões familiares eram bastante significativas, de uma forma geral. A
localização do engajamento político na socialização familiar é apontada pelas entrevistadas,
assim como na pesquisa realizada por Quéniart e Jacques (2002), na qual a maioria das jovens
111

mulheres afirmou que seu gosto pela política iniciou na infância através de seus pais e mães. A
família teria aberto seus os olhos às questões sociais, trazendo à tona um olhar mais atento
para a coletividade.

A vivência escolar também se mostrou um disparador das mobilizações. Julia, por exemplo, faz
referência a seu percurso escolar no ensino fundamental e médio, e, apesar de não mencionar
ex ici me e que e i si o mo iv mi i e s ques ões esco es, oc iz o “contato
com questões maiores [...] uma movimentação em prol de alguma coisa... uma mobilização”
uma vantagem do ensino público:

“[...] consegui ir pro Instituto de Educação, na Tijuca e fiz o segundo grau lá, que é
uma escola de formação de professores [...] fiz prova pra FAETEC [...] que eu tinha
que tentar entrar numa escola um pouco melhor. Então eu fiz segundo grau normal e
[...] lógico, como é público tem alguns problemas... falta de professor e tal, mas tem
um nível..pelo menos tinha, um nível razoavelmente melhor do que a maioria e
também você passa a ter contato com questões maiores..percebi uma movimentação
em prol de alguma coisa, uma mobilização” (Julia, Janeiro/2009).

É também no espaço escolar que nasce o interesse de Alice. Nas aulas de filosofia do ensino
mé io, i iciou um ocesso e “ques io um sé ie e cois s”, cujas respostas não eram
encontradas em sua realidade em Parada Angélica. Após sair do ensino médio, já em torno dos
18 anos, ela relata seu encontro com o movimento hip-hop, o qual Alice conheceu pouco tempo
depois, estabelecendo-se como meio para veicular os seus questionamentos. Em suas
palavras:

“[...] no segundo grau eu tive aula de filosofia [...] e comecei a questionar uma série
de coisas [...] E ver que nem tudo, que a realidade que era apresentada pra mim em
Parada Angélica não era a realidade, não era a única realidade, porque haviam várias
realidades [...] e a partir disso eu comecei a me questionar de uma série de coisas,
sabe? Do meu espaço e uma série de coisas. E onde eu tava em Parada Angélica
ninguém tinha resposta, ninguém sabia como sair daquela coisa e ai eu conheci o
hip-hop que tinha uma série de jovens periféricos que provavelmente tinham uma
série de questionamentos, só que se eles [os jovens do hip-hop] não tinham
respostas, pelo menos eles tinham alguém pra ouvir eles falarem” (Alice,
Janeiro/2010).

A Igreja e os pertencimentos religiosos são outros disparadores citados por Paula, o que vai de
encontro a uma pesquisa de Novaes (1998) sobre associativismo juvenil. No referido estudo, a
autora cita que a maioria dos jovens menciona como “ e e cime o i ugu ” (Nov es I
ANDIM, 1998) su s ici ções em movime os e o e Ig ej s que f vo ece i m ”um
112

soci iz ção que o e esu em ici ção em ou os es ços ssoci ivos civis” ( .107). A
militância dentro da Igreja, particularmente a católica, é citada por Paula como o disparador de
seu envolvimento com o movimento social, aos 13 anos:

“Eu acho que comecei de fato a militar na igreja, por mais que não tenha sido no
setor progressista da Igreja [...] com meus 13 anos eu comecei a me envolver com
tudo na igreja, banda, grupo jovem, mas também comecei a discordar de um monte
de questões, como a questão do aborto, da virgindade e outras questões” (Paula,
Outubro/2009).

Goss (2003) também encontrou em sua pesquisa sobre identidades militantes uma relevante
influência da Igreja Católica na militância de seus entrevistados, que teriam iniciado suas
atividades políticas a partir de atividades em espaços religiosos. A autora salienta que muitas
pessoas que têm papel destacado na política regional e nacional, principalmente aquelas
ligadas a partidos de esquerda, tiveram suas origens vinculadas a movimentos da Igreja.

Segundo a pesquisa realizada por Quéniart e Jacques (2002), o conceito de transformação


também se mostrou central na retórica inicial de motivações das jovens militantes. Quando
e gu s “ o que mi i ?”, s es os s o v m e ese ção e um o e e
agir para mudar a sociedade. Em todas as respostas da pesquisa das autoras canadenses, o
motor de engajamento citado seria o desejo de transformar as coisas.

Esse mote também aparece nas falas de duas das cinco entrevistadas:

”Você conseguir, de alguma forma, discutir, levar outras pessoas a pensarem um


pouquinho sobre a sua condição [...] se perceber e perceber as coisas que falam pra
você [...] tentar a transformação” (Julia, Janeiro/2009).

“Quem tá em processo de transformar e quem pode transformar a realidade é você,


você é o principal sujeito de transformação da sua realidade e da realidade até de
outras pessoas” (Alice, Janeiro/2010).

Dessa forma, as motivações iniciais listadas pelas jovens estão muito ligadas às instituições da
sociedade contemporânea, tais como a família, a escola e a igreja. É possivel perceber os
atravessamentos desses fatores na militância das entrevistadas, assim como a proeminência
do âmbito familiar como um disparador de questionamentos que levaram as entrevistadas para
a arena política.

Identificamos que suas aproximações com o feminismo também se constituíam como um mote
a suas participações nos movimentos. Todas as entrevistadas se identificaram como feministas,
entendendo que a auto-identificação surgiu na retórica das cinco jovens. Elisa menciona a não
113

institucionalidade do feminismo, ou seja, não seria necessário estar nas organizações para que
o rótulo se aplicasse: "eu me considero feminista. Ser feminista pra mim é uma filosofia, sabe...
não é estar nas organizações, não é estar no movimento social. É o cotidiano na sua vida, é
você não se permitir a muitas coisas que os homens e a sociedade passam pra você..." (Elisa,
Junho/2009).

Diana também, após mencionar que seria feminista, fala da oposição aos homens, colocando
que o movimento feminista não teria como objetivo excluí-los do processo, mas sim, valorizar a
presença feminina outrora oprimida. Além disso, a jovem menciona o preconceito com o
feminismo jovem:

"[...] tem essa coisa de preconceito com a questão do feminismo, inclusive com o
feminismo jovem “ah, essas mulheres feministas que acham que não vão precisar
dos homens pra nada”. Pra mim não é isso, o feminismo não veio para excluir os
homens, mas veio pra valorizar, pra dar uma força para a mulher [...] porque durante
muito tempo nós mulheres fomos só feitas para lavar, cozinhar e passar, então o que
a gente pensava não contava [...] então nós mulheres fomos e ainda somos muito
oprimidas até hoje, não tínhamos voz [...] então assim, eu me considero feminista,
mas é claro que tem feministas de todos os tipos” (Diana, Outubro/2009).

Paula menciona a importância das figuras familiares na sua identificação com o feminismo,
mesmo que tenha visões distintas sobre os papéis femininos no casamento. Por exemplo:
“quando eu me casei e fui pra lá [São Gonçalo] eu era cobrada... Quando eu chegava lá, elas
me perguntavam: ´você já fez o prato do seu marido´ e eu” não...”. A jovem menciona que o
fato de conviver com mulheres fortes na sua família materna foi determinante para sua
identificação com o movimento "eu acho que quis ser feminista e me tornei por conta disso”.

O tema da influência de ser mulher na vida das jovens suscitou respostas que, em sua maioria,
citavam a influência de outras mulheres de suas famílias em seus comportamentos. Alice faz
menção ao comportamento tradicional dos avós católicos e ao fato de ter sido criada em uma
família só de mulheres, especulando sobre a diferença em sua vida caso sua mãe tivesse
ficado em Fortaleza:

“tenho muitas questões no sentido de ter sido criada pela minha mãe, então,
enfrentando dificuldades das famílias que são chefiadas só por mulheres, de ter que
assumir tarefas né.. só tinha mulheres e eu era a irmã mais velha.. e ter que assumir
tarefas mais cedo, cuidar das minhas irmãs e tal... Mas tenho muito claro que
..talvez... talvez não... muito provavelmente minha trajetória teria sido muito diferente
se a gente tivesse ficado em Fortaleza, se tivesse tido a família por perto... meus
avós são católicos né, eu tenho contato muito nas férias e sou muito ligada à minha
114

família, mas, nas férias mesmo dá pra você perceber quais relações seriam
moldadas, né" (Julia, Janeiro/2009).

Paula também menciona a centralidade da família na sua experiência de ser mulher, citando as
su s i s e vó como exem os, mesmo que “ ão e h m si o mu he es e g es
m ifes ções”, são figuras fortes que sobreviveram a acontecimentos trágicos e, contudo, são
“mui o femi is s e fo es, i e e e es e u o isso”:

“[...] vivo numa família de mulheres muito fortes e por mais que não tenham sido
mulheres de grandes manifestações ... a minha mãe..eu falo mais da família da minha
mãe que foi quem eu tive mais contato, são, foram 6 filhas, 5 mulheres e um homem..
e todas com casamentos, relacionamentos muito complicados... A mais velha
assassinada por conta, a mando do ex-marido [...] ver minha avó sobreviver a isso,
ver minhas tias sobreviverem a isso [...] e ver essas mulheres que são mulheres
felizes, eu sempre vou pra lá pra São Gonçalo, porque mora todo mundo no mesmo
terreno, é o famoso puxadinho... e eu sempre que vou pra lá, volto com as energias
renovadas, porque mesmo com toda a dor [...] eu acho que lá elas são muito
feministas e fortes, independentes de tudo isso” (Paula, Outubro/2009)

6.4 Acertos e críticas as militâncias

Quando as entrevistadas foram perguntadas sobre quais seriam os principais acertos dos
movimentos sociais, as respostas versaram, principalmente, sobre dois eixos: ganhos para a
coletividade e ganhos individuais. Julia menciona o que seriam os acertos do feminismo em
sua opinião, ressaltando que acredita que ainda restariam avanços a serem feitos: "Eu acho
que ainda tem o que se melhorar [...] tem alguns avanços, principalmente da questão racial,
nesse momento tá crescendo a aliança entre a questão feminista e a questão econômica”
(Julia, Janeiro/2009).

No que tange aos acertos dos movimentos sociais, as colocações de Elisa são o outro lado das
suas críticas, relacionadas à aproximação e ao afastamento do trabalho com as bases,
respectivamente. Primeiramente, quando menciona o que consideraria avanços, a influência
que a militância proporciona sobre outras vidas é resgatada, especialmente, quando ela fala de
sua participação na CAMTRA:

“[...] valia muito a pena estar em contato com elas, perceber que aquele trabalho
contribuía para que elas mudassem, no seu comportamento, na visão, enxergar
essas pequenas coisas, de alguma forma contribuía para a vida delas [...] muitas
meninas não se identificavam como adolescentes negras, já que tinham a pele um
115

pouco mais clara e depois passaram a se ver como negras, passaram a ver o que era
racismo, ou machismo ... identificar essas coisas na escola, na família, aonde
trabalhavam, onde moravam. Uma coisa que pra elas era muito forte é o local de
moradia, né, a maioria delas ou morava em comunidade ou na baixada. Essas
coisas, então, me motivavam muito. Como os partidos falam, quando a gente tá em
contato com a base, isso é muito legal, isso eu gosto” (Elisa, Julho/2009).

A lógica individual dos avanços é ressaltada por Paula quando ela menciona que, além de
acreditar na coletividade, os benefícios para a sua vida estariam relacionados à sua prática
sensível de militância, principalmente à escuta de outras pessoas. Diana também aponta
benefícios individuais advindos da sua participação em movimentos sociais, que incluiriam não
ter engravidado na adolescência e ter continuado a estudar.

Apesar de reconhecer um avanço no que tange ao papel de pressionar o Estado e avançar na


emá ic s o í ic s ú ic s, “ a parte de políticas públicas têm muitos ganhos, tão atuando
ai, pressionando o governo”, Elisa afirma que esse avanço teria vindo em detrimento do
trabalho direto com a base, pois as demandas políticas ocupariam a maior parte do tempo de
quem está na militância das instituições, principalmente das ONGs. A ém “ isso:” [...] porque é
isso né... quem não foi pros governos, tá nas organizações, mas que tão muito voltadas pros
governos, de alguma forma tá inserida nos comitês que demandam” (Elisa, Julho/2009).

O tema do afastamento do trabalho com as bases é uma critica recorrente na fala das jovens.
Julia também menciona a falta de mobilização atual. Sua fala ressalta a importância do diálogo
os movime os e fo m que o co o com se oss “mobilizar o outro lado”,
criticando os movimentos que não buscam uma mobilização de massa, ou seja, suas
discussões ficariam restritas as mesmas pessoas:

“[...] o movimento feminista tem que caminhar nesse sentido de ser um movimento de
massa. Eu não acredito muito... quer dizer, acredito que tem muitas limitações em um
movimento que não vai pras ruas, que não mobiliza outras pessoas, que fica sempre
aquele mesmo grupo discutindo aquelas mesmas coisas. Então assim se a gente não
conseguir mobilizar o outro lado como a gente vai mobilizar uma estrutura mais
fechada” (Julia, Janeiro/2009).

Diana, ao tratar de suas inserções no movimento negro e estudantil, também menciona a falta
e “fo ecime o e se” como su i ci c í ic os movime os soci is u is. É
im o e oc iz su f efe ê ci à f ve em que esi e, ois “comu i e”,
u i iz o o exem o o “Joãozi ho e M i ” m ém ecessi i es fo eci , o que ão
acontece quando os movimentos deixam de discutir com tais interlocutores. Assim, conforme a
116

entrevistada, os movimentos representados pelas ONGs pecam pela falta de fortalecimento da


base em detrimento de atividades como eventos e viagens:

“[...] os eventos são maravilhosos, as viagens são maravilhosas, muito chique, mas
eu fico preocupada porque pra mim não existe movimento sem fortalecimento de
base. E quem é a base? É a comunidade, é o povo, os movimentos que estão ai pra
discutir a questão das drogas, a questão da saúde, da violência, do aborto e como
você pode discutir saúde, educação e formação, e a comunidade não tem esse
acesso... se você não fortalecer o Joãozinho e a Maria daqui, não adianta ir lá pro
Congresso, falar bonito, porque... quando você chamar Joãozinho pra conversar e
perguntar, qual é o problema da saúde, qual o problema da educação? Ele vai dizer
pra você que é nenhum, porque o filho dele acorda e vai pra escola às 8 horas da
manhã, sai às 17hs, mas almoça e janta, mas ele não compreende que o filho dele
saiu da escola, mas não sabe ler e escrever direito” (Diana, Outubro/2009).

Já a crítica de Paula aos movimentos sociais gira em torno da necessidade de se discutir as


á ic s, o que em sem e o se v os movime os e gê e o: “muitas vezes eu achar que
as companheiras que militam, principalmente na área de gênero, também não colaboram, ficam
muito no discurso e na prática não ajudam a mudar o que vemos atualmente”. Tal crítica pode
ser avaliada segundo a teoria de Arendt (2004), na qual a associação entre discurso e ação é
esse ci eu ião e i iví uos “ eu i os usc e um o je ivo comum ge m o e ,
que, ao contrário da força, provém das profundezas da esfera pública e a sustenta, enquanto
eles permanecerem associados em discursos e ação” (p.37). Paula critica os métodos a serem
discutidos posteriormente à ação no que ela chama de espaços mais formais de militância:

“[...] espaços mais formais da militância [...] os espaços são pragmáticos demais,
você está no meio de uma greve e tem que decidir [...] coisas objetivas mesmo, vai
ter assembleia, a passeata vai pra lá ou vai pra cá... acho que muitas vezes a gente
começa a discutir os métodos depois... e apesar de eu achar que isso é importante,
se continuarmos deixando pra depois, não vamos mudar isso nunca e ai a história já
nos mostra alguns erros [...] não basta chegar ao poder e manter as mesmas
práticas” (Paula, Outubro/2009).

Mas as falas sobre os acertos e críticas à militância não se restringiram a esses aspectos de
ordem coletiva. Alice, uma das entrevistadas, indica como crítica a falta de rotina na vida dos
militantes, o que prejudicaria sua vida particular, muito embora ela também veja ganhos
pessoais trazidos por esse estilo de vida. Assim, as falas de Alice são, ao mesmo tempo,
emblemáticas e contraditórias a respeito dessa instabilidade:
117

“[...] no mínimo uma vez no mês eu penso em desistir, penso em largar tudo, você
tem que abrir mão de várias coisas, vida pessoal assim [...] seus amigos de infância,
você não tem mais contato, festa de família, às vezes eu não vou” (Alice,
Janeiro/2010).

No entanto, ela também mostra apreço pela mesma falta de rotina, que incluiria viagens e
novas relações, "eu não posso prever o que eu vou fazer amanhã, eu abro meu email e às
vezes eu tenho surpresas, abri meu email hoje e estavam me chamando pra ir pra Brasília". A
jovem contrapõe a ausência de contrapartida financeira com as vantagens de, por exemplo,
poder viajar e conhecer lugares diferentes "O movimento social te possibilita, sabe ... eu
conheci o mundo, gosto tanto de viajar, a gente não recebe, mas dá um prazer, você conhece
pessoas do mundo inteiro e você nunca faz a mesma coisa, você nunca faz, nenhum dia é
igual" (Alice, Janeiro/2010).
118

CONSIDERAÇOES FINAIS

O tema da participação política da juventude ainda é pouco explorado na literatura brasileira,


apesar das discussões que têm ocorrido na esfera governamental sobre os direitos e a
autonomia dos jovens no país. O presente trabalho propôs-se a agregar discussões sobre este
tema, através da análise da participação de jovens mulheres, moradoras de bairros populares
do Rio de Janeiro, em movimentos de gênero.

Nosso objetivo central foi estudar suas motivações para entrarem nos movimentos e o que as
mantém militando. Suas participações políticas foram entendidas em suas singularidades,
buscamos compreendê-las frente aos seus contextos de vida mais amplos, bem como face a
suas trajetórias nos movimentos sociais. Assim, visamos a um entendimento maior do
surgimento da política em suas vidas.

Observamos que suas inserções na militância ocorreram no cenário dos novos movimentos
sociais, que se caracterizam por estarem vinculados a temáticas identitárias, não mais se
orientando para mudanças sociais de âmbito estritamente econômico. De fato, foi possível
observar na pesquisa uma pregnância da participação das jovens em movimentos identitários,
fossem eles contra a discriminação racial, por orientação sexual, de gênero ou pelo movimento
hip-hop. Esse fato é também corroborado por uma pesquisa realizada pela UNESCO em 2004,
a qual apontou uma preferência da juventude por tais movimentos.

Tendo em vista as disparidades sociais vigentes no país, relevamos as condições de vida das
jovens entrevistadas, considerando, contudo, não somente as desigualdades de classes sociais
que vivenciam, mas também outras subalternidades, como as de gênero, raça e geração. Tais
condições de opressão, utilizando a terminologia adotada pelos novos movimentos sociais
identitários, estiveram no cerne das nossas atenções na avaliação de suas motivações para o
engajamento político. Assim, atentamos para as suas condições etárias, de moradia, de raça,
de gênero e para a prórpria embricação desses marcadores de forma a avaliar se as jovens
sofreriam com tais discriminações e se essas seriam listadas como motivações.

Em função de as jovens situarem-se em camadas mais baixas do extrato social, foi realizado
um estudo sobre a temática da exclusão social, com o intuito de verificarmos em que extensão
as discussões teóricas que vêm sendo empreendidas pela academia se comprovam frente a
suas realidades. O conceito da exclusão foi problematizado, avaliando-se a utilização irestrita
do termo e a abrangência das situações envolvidas.

Verificamos que as jovens não se autodenominaram excluídas, o que corrobora as


advertências realizadas por Martins (2003) de que o discurso da exclusão faz parte da retórica
de quem se consideraria incluido. Dessa forma, o excluído precisaria se enxergar como uma
categoria, um sujeito, para que o termo pudesse ser aplicado em sua vida.
119

É importante destacar que, apesar de as jovens serem moradoras de favelas ou de bairros


populares, elas não têm uma vida marcada pela miséria, fato que transparece em seus relatos,
que não traduzem experiências próprias de pobreza extrema. Tal situação nos levou à
constatação de que as jovens entrevistadas não experimentavam uma exclusão absoluta e,
sim, engradamentos excludentes que se faziam sentir em determinados aspectos de suas
vidas, como as oportunidades de estudo e trabalho e demais preconceitos sofridos,
principalmente o racial e o de orientação sexual.

Tendo em vista esse fato, aderimos às críticas realizadas por autores como Paugam (2003) e
C s e (1997, 1998) qu o à u i iz ção i es i o e mo “exc usão soci ”, me i em que
as desigualdades não se constituem como estados estanques e limites, conforme sugerido pelo
termo.

Considerando tais ressalvas sobre a exclusão social, buscamos entender, através da história
das jovens, se a desigualdade socioeconômica produziria uma exclusão política e verificamos
que ocorre o contrário. As jovens que entrevistamos, mesmo advindas de contextos
econômicos empobrecidos, não apenas buscaram e conseguiram um engajamento em
atividades de militância, como também salientaram as vivências constittuídas como parte de
suas motivações.

Cabe salientar que, embora a exclusão econômica individual não tenha aparecido diretamente
como questão central para as próprias entrevistadas, foi possível perceber o quanto as
histórias de pobreza de suas famílias ganharam relevo em seus relatos. Além da importância
de suas histórias familiares, também observamos que o sofrimento de seus pares se
constituíram como motivações para seus engajamentos. Foi interessante constatar que as
jovens frequentemente realizaram análises críticas das situações socioeconômicas excludentes
vividas por suas vizinhas nas comunidades, bairros e favelas onde viviam (ou já viveram),
mostrando um distanciamento em relação a esta situação.

Com relação às suas condições de moradia, imaginávamos que o fato de morarem em favelas
ou bairros populares seria uma questão central na motivação das participações políticas das
jovens, o que não se confirmou. Na verdade, seus locais de moradia nem foram apontados
como parte de um cenário de precariedades. Em contrapartida, as entrevistas demostraram
que as situações excludentes que se fazem presentes no mundo do trabalho, através da
escassez de oportunidades, que marcam, sobretudo, as classes populares, são objeto de
preocupação, o que se rebate em seus investimentos na formação escolar. Verificamos que
todas estão realizando (ou já finalizaram) o ensino médio.

Imaginávamos que os preconceitos – de moradia, raça, gênero e etário - seriam as questões


centrais e primeiras nas motivações para iniciarem suas militâncias, mas, embora esses
aspectos tenham surgido em suas falas, observamos um destaque para o papel da família. O
núcleo familiar foi citado como um motivador inicial, um disparador de questionamentos que as
120

levou para a política, principalmente tendo em vista a menção, por parte de todas as
entrevistadas, de suas mães, que seriam mulheres fortes, as quais lutaram frente a situações
de violência e de desigualdades sociais.

Em adição, contamos também com relatos de motivações relacionadas à igreja e a percursos


escolares, o que nos permite concluir que as motivações que deflagraram suas aproximações
dos movimentos sociais estão intimamente ligadas a instituições que ainda mantém grande
poder na sociedade contemporânea, como a família, a escola e a igreja.

Em relação às motivações para permanecerem nos movimentos, constatamos em suas falas


uma vontade política de mudar um status quo, contribuindo à emancipação de camadas
estigmatizadas pela sociedade, através da conscientização dessas pessoas discriminadas.
Numa outra vertente, foram mencionados ganhos de ordem pessoal, como o acesso a
experiências diferentes daquelas que teriam caso não estivessem participando dos
movimentos, como a participação em eventos, que envolvem viagens e o encontro com novas
pessoas. Além disso, a capacidade de escuta, a sensibilidade e a oportunidade de poder ter
uma influência positiva na vida de terceiros também foram citados pelas jovens.

Como abordado ao longo deste trabalho, percebemos a importância e a centralidade da


militância na vida das jovens, de forma a não se configurar, ao menos em suas falas, como
apenas mais uma tarefa. Foi observada, inclusive, a diferenciação que fazem de trabalhos com
atividades remuneradas, principalmente o comércio, em relação à sua atuação em movimentos
sociais. Ou seja, muito embora a participação nos movimentos sociais possa ser remunerada e
esta remuneração seja importante em suas sobrevivências, verificamos uma diferenciação
qualitativa entre esses ganhos e o de que seria (ou foi) obtido em outras atividades
profissionais.

Retomando a questão do patente distanciamento das jovens em relação às suas situações de


origem (locais de moradia, em especial quando se trata das favelas e de baixa escolaridade,
dentre outros aspectos), verificamos que a possibilidade de uma escolha por outras visões de
mundo que, de algum modo, a participação em movimentos proporcionou, conduziu, em
algumas situações, ao afastamento de seus pares. As jovens relataram um ganho advindo da
continuidade nos percursos escolares, o que frequentemente não acontece com suas vizinhas.
Quanto a este último aspecto, é forte a consideração de que elas possivelmente não
interromperiam o prosseguimento de seus percursos escolares, diante de um episódio de
gravidez, fato que é relativamente comum para suas vizinhas e amigas. As jovens associam
essa nova visão de mundo às experiências proporcionadas pela militância, evidenciando em
diversos aspectos de suas vidas um efetivo ganho de capital cultural.

Outro fato verificado foi o de que a centralidade da militância em suas vidas é de tal ordem que
seus trajetos pela cidade incluíam comumente os bairros ligados aos movimentos sociais que
faziam parte. Além disso, observamos um determinado alinhamento de seus planos
acadêmicos com suas atividades em movimentos sociais, já que as jovens relataram buscar na
121

formação acadêmica uma qualificação para o trabalho desenvolvido na prática militante. É


importante atentar para falas que apontam o mundo da militância como uma forma de inclusão
social, uma experiência junto a grupos, que faria frente aos preconceitos e discriminações
sofridas em outros meios.

No que tange à importância da política identitária nos movimentos sociais abordados,


encontramos uma identidade multifacetada nas falas das jovens entrevistadas, mas central nos
motivos de seus engajamentos. Tal fato corrobora a teoria de Woodward (2000), segundo a
qual na participação política de grupos de camadas culturalmente oprimidas ou marginalizadas,
as identidades, suas formas de produção, significação e contestação são alvos de
preocupações constantes.

Do mesmo modo, as falas das jovens sobre os aspectos identitários também apresentam
pontos de convergência com a teoria de Castells (1999), no que se refere às identidades de
resistência, criadas por atores em posições socialmente desvalorizadas, originando formas de
resistência coletiva diante das opressões sofridas. Os aspectos identitários, portanto, foram
ressaltados como importantes fatores de mobilização política, fato que observamos nas
histórias das jovens como de motes para suas ações, de forma a salientar as opressões
específicas vividas.

Analisando a questão da identidade em conjunto com as situações de opressões de classe,


raça e etnia, orientação sexual e geracional, destacamos a importância de marcadores
i e i á ios como “jovem”, “mu he ”, “ eg ”, “mo o B ix F umi e se”, “mo o e
f ve ”, “fi h e f xi ei ”, que se mos m eco e es. É im o e su i h que s
experiências de desigualdades eram comumente marcadas em suas falas, indo de encontro à
pesquisa de Abramo (2008), na qual os jovens militantes pesquisados sempre falavam de sua
condição juvenil a partir de tais vivências.

Com relação aos acertos e equívocos dos movimentos sociais, há que se destacar a crítica
uníssona das jovens a um afastamento atual dos movimentos sociais das bases,
principalmente em face da aproximação com o Estado. Apesar de reconhecerem os benefícios
dessa representatividade na esfera estatal, as jovens destacaram os prejuízos que resultariam
dessa nova configuração, pois ao focarem suas atuações no campo estatal, os participantes
desses movimentos deixam de se envolver em movimentos de base. Encontramos falas
pontuadas pela perda de uma certa riqueza proporcionada pelo contato com a base para a vida
das pessoas com quem se envolvem na militância. Tal perda remete especialmente à questão
da auto-estima e seu reconhecimento e afirmação como jovens, negras e moradoras de
favelas.

Por último, gostaríamos de observar que se mostrou extremamente profícua a opção de tentar
trabalhar com as histórias orais das jovens, pois seus ricos testemunhos nos providenciaram
abordagens dinâmicas das temáticas que esperávamos encontrar, o que nos permitiu
122

estabelecer diálogos críticos com as teorias apresentadas. Ainda assim, é importante ressaltar
o caráter não generalizante dos resultados da presente pesquisa.
123

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ANEXO I
ROTEIRO PARA AS ENTREVISTAS
O roteiro abaixo teve a intenção de nortear as entrevistas.

História de vida
Quando e onde você nasceu?
Onde você passou a sua infância?
O que você sabe sobre a história de vida do seu pai e da sua mãe? (Trabalho, local de
nascimento, locais de moradia durante a vida).
Quantos irmãos/ irmãs você tem? Nasceram aqui ou imigraram?
Quantos anos você tem?
Quais são seus trajetos pela cidade? Em que lugares você circula?
Quais são suas atividades de lazer? Qual é o espaço do trabalho (local, atividades e pessoas)
nessas atividades?
Relações de amizade (lazer) são as mesmas do trabalho?

Escola e trabalho
Você estuda? Já estudou? Em que lugares? Como é/ era sua escola?
Com que idade começou a trabalhar? Aonde?
Quais oportunidades surgiram de emprego no início?
O que te motivou a trabalhar/ militar no movimento social e não em outras coisas?
O que continua te motivando?

Movimento Social
Como e quando surgiu seu interesse pelo movimento?
Como foi sua trajetória nele até aqui?
Quais foram alguns dos obstáculos enfrentados?
Quais os principais obstáculos da prática?
Quais você considera os principais acertos do movimento? Suas qualidades?
Você tem alguma crítica ao movimento? Sugestões para a mudança?
De que forma sua experiência foi moldada pelo fato de ser mulher?
Como você se vê no futuro?

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