Janaína Pamplona
Nilton Pereira dos Santos
Artigo
Introdução
O artigo que ora é apresentado como atividade avaliativa da disciplina CT 050 –
Geografia da Inovação, Política Tecnológica e Governança de Redes buscará tecer
considerações sobre como a atuação do setor público pode ser analisada a partir da
teoria da complexidade e de que maneira este referencial teórico pode ser uma
ferramenta para o levantamento de questões importantes ao estudo de políticas públicas,
especialmente no que diz respeito à inovação no serviço público. Vale esclarecer que
para os fins do presente trabalho a análise não considera as empresas públicas, que em
geral são instituições de direito privado atuando em mercados competitivos. Também
não são considerados institutos de pesquisa, que por vezes tem preocupações específicas
com a produção de conhecimento e busca por inovações. Assim, o termo setor público,
neste ensaio, faz referência à área de serviços com atendimento direto ao cidadão, como
educação e saúde.
As reflexões apresentadas neste exercício tiveram como ponto de partida o texto
de BOSCHMA & MARTIN (2010), utilizado na aula 10 da CT 050, intitulado
“Introdution – The New Paradigm of Evolutionary Economic Geography: the aims and
scope of evolutionary economic geography” presente no “Handbook of Evolucionary
Economic Geography”.
No texto, os autores apresentam considerações acerca do desafio de construir
uma Geografia Econômica Evolucionária partindo das contribuições da Economia
Evolucionária que, ao pensar a economia como um sistema dinâmico, irreversível e
capaz de se auto-transformar, abriu novas portas para a exploração de teorias e
conceitos, bem como novas perspectivas heterodoxas (BOSCHMA; MARTIN, 2010, p. 4-5).
Partindo destas reflexões, BOSCHMA & MARTIN (2010, p. 7) aprofundam sua
análise indicando aquilo que classificam como os três maiores arcabouços teóricos da
Geografia Econômica Evolucionária: generalised darwinism, complexity theory e path
dependence.
No que diz respeito à teoria da complexidade, os autores afirmam que esta teoria
trabalha com sistemas em constante interação com seu ambiente, tendo como
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Partindo destes autores é possível afirmar que um sistema complexo pode ser
física ou virtualmente distribuído por vários espaços e relacionamentos, e que feedbacks
podem ocupar várias escalas e lugares. Trata-se também de um sistema multi-escalar e
em constante interação com o meio em que está inserido, ao contrário do que
usualmente se supõe (que um sistema opera sempre dentro de seus próprios limites).
Outra característica de um sistema complexo é não ser isolado (non-isolation or
openness), além de “dissipador” (dissipative), mantendo constante interação e troca com
o meio no qual está envolvido (MARTIN & SUNLEY, 2010, p. 96.).
São sistemas não determinísticos, com dinâmica não linear, pois mesmo
conhecendo as partes que o compõem, não é possível prever seu comportamento com
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precisão, o que não significa dizer que seu comportamento seja caótico. Nestes sistemas
as mudanças são irreversíveis (irreversibility), o que determina trajetórias distintas
(path-dependence). Além disso, possuem grande instabilidade, já que estão suscetíveis a
externalidades, mas também grande capacidade adaptativa (MARTIN & SUNLEY,
2010, p. 96-98).
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Pesquisa realizada em 22 nov. 2017, às 8h53. < https://scholar.google.com.br/scholar?hl=pt-
BR&as_sdt=0%2C5&q=embrapa+and+innovation&btnG=>
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Enquanto o agente privado pode fazer aquilo que a lei não proíbe, no setor público a atuação deve estar
circunscrita apenas ao que a lei estipula, o que delimita a área de atuação do servidor. A legalidade, junto
com a impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência foram os príncipios da administração pública,
conforme art. 37 da Constituição Federal de 1988. <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em 29 nov. 2017.
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MULGAN (2007, p. 08) cita vários politicos sendo inovadores, creditando a estes atores uma inclinação
pessoal para a inovação.
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ficar oculto, exceto quando ações pontuais são indicadas à premiações, como acontece
nos Estados Unidos, Dinamarca, África do Sul e Brasil (MULGAN; NATIONAL
ENDOWMENT FOR SCIENCE, 2007, pp. 8-10).
Embora a literatura que trate das particularidades da inovação no setor público
seja escassa, sobretudo em língua portuguesa, há alguns trabalhos que visam a uma
melhor compreensão desta temática. Um exemplo foi o estudo publicado pela Escola
Nacional de Administração Pública – ENAP sobre a inovação no setor público
brasileiro intitulado: “Inovação no setor público: teorias, tendências e casos no Brasil”
(CAVALCANTE (org), 2017).
No âmbito europeu, foi realizado há alguns anos o projeto PUBLIN, coordenado
pelo Nordic Institute for Studies in Innovation, Research and Education - NIFU
(https://www.nifu.no/en), da Noruega, e que contou com a participação de instituições
de Israel, Espanha, Lituânia, Eslováquia, Suécia, Inglaterra, Holanda e Irlanda. O
programa teve início em 2003 e foi concluído em 2005. No relatório final, onde
diversos autores abordaram vários aspectos relativos à inovação no setor público, o
principal objetivo foi expresso da seguinte maneira:
One important goal of the Publin project has been to develop a consistent and
general basis for the main processes of public sector innovation and policy
learning. The overall objective has been to contribute to the knowledge base for
the European and national policy development in this area. This applies to the
need for a broad based “holistic” innovation policy that goes beyond the call for
reform and increased efficiency and looks at learning and creativity in public
institutions and at their interaction with private and non-governmental
organisations and with various knowledge institutions. (KOCH, PER;
HAUKNES, JOHAN; HALVORSEN, THOMAS, 2005 p. 1)
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ser mais fácil simplesmente retirar da agenda algumas atividades à buscar por inovações
e melhor desempenho. (RØSTE & MILES, 2005, p. 25).
Um dos poucos estudos comparativos entre a inovação nos setores público e
privado foi feito por EARL (2002). O trabalho mostrou que, para o Canadá, em algumas
áreas o setor público realiza mais inovações organizacionais que o privado. Isso
ocorreria tanto por razões políticas, como pessoais. A primeira porque, nas democracias
ocidentais, os políticos competiriam pelos votos a partir de uma melhor performance
diante da máquina pública, e as inovações, além de servir como propaganda de uma
gestão, ajudariam a obter melhores resultados. Pessoais porque, gestores e funcionários,
como os próprios políticos, ganhariam algum tipo de status e satisfação ao verem suas
ideias implementadas.
No caso dos políticos há ainda um fenômeno bastante específico, que é sua
atuação como empreendedores, buscando interferir diretamente no cotidiano das
pessoas através de políticas públicas novas. Neste movimento, políticos buscam deixar
um legado. Entretanto, tal legado muito provavelmente será abanado se as inovações se
mostrarem um fracasso (RØSTE, RANNVEIG; MILES, IAN, 2005, p. 33). Isso indica
que o compromisso não é necessariamente com a inovação, mas com os possíveis
ganhos políticos que pode proporcionar.
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Ainda assim, o setor inova. E não apenas por movimentos do tipo top-down,
com diretrizes impostas pelos agentes políticos e alta burocracia aos funcionários de
médio e baixo escalação. Há também o movimento contrário, do tipo bottow-up, que
atua de diversas formas, tanto criando pequenas inovações, que costumam ficar ocultas
em meio ao trabalho cotidiano. Essa inovação também pode acontecer tanto por
movimentos do tipo push for innovations (objetivos políticos, opinião os usuários,
instituições, desenvolvimento científico e tecnológico, marcos institucionais (leis,
regulação, acordos internacionais), e outras demandas sociais), como também ser
movida por fatores circunstanciais do próprio setor público (pull for innovations)
(KOCH, PER; HAUKNES, JOHAN; HALVORSEN, THOMAS, 2005, pp 6-7).
O médio/baixo escalão muitas vezes impõe resistência às orientações emanadas
dos agentes políticos. Isso acontece porque os membros da burocracia que atuam nas
operações cotidianas conhecem mais profundamente o sistema que os políticos. Por
isso, estes membros podem tanto ser fonte de inovação como um empecilho à mesma
(RØSTE, RANNVEIG; MILES, IAN, 2005, p. 33).
Contudo, a resistência de alguns servidores e o apego à rotina não são os únicos
obstáculos à inovação. Uma estas barreiras é o fato de que muitas das decisões
estratégicas, bem como a indicação de pessoas para cargos com elevado poder
decisório, não atendem a critérios técnicos e meritocráticos, mas políticos. Além disso,
a dependência do processo político é um entreve à inovação, conforme confirmado por
BRANDÃO & BRUNO-FARIA (2017), ao investigar possíveis dificuldades à inovação
em órgãos públicos através do depoimento de diversos dirigentes:
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“Eu acho que as pessoas não estão muito incentivadas a inovar. Não sei
como é que eu explico isso. Qual o ganho? Não tá muito claro qual é o
ganho da minha proposta de inovação. Não tem um ambiente de
inovação” BRANDÃO & BRUNO-FARIA, (2017, p.160).
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Uma boa análise sobre o papel da eficiência, efetividade e eficácia na gestão pública foi feita por SANO
& MONTENEGRO FILHO, 2013.
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Referências bibliográficas
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SANO, Hironobu; MONTENEGRO FILHO, Mário Jorge França. As técnicas de
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desenvolvimento social e das ações públicas. Desenvolvimento em Questão, v. 11,
n. 22, p. 35, 2013.
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