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VAINFAS, Ronaldo. "A heresia dos índios: catolicismo e rebeldia no Brasil colonial".

São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.

Introdução:

 Santidades: era como os portugueses chamavam os ritos ou os caraíbas (homens que tinham
poder de conversar com os mortos) que encontraram no litoral. É interessante a observação
feita pelo autor de que os portugueses passaram rapidamente da ideia de ausência de fé
entre os índios à associação das santidades aos ritos diabólicos ("Passaram da perplexidade
ao medo) (p.p. 13-14).
 A proposta do livro é fazer uma abordagem histórica da temática da religiosidade indígena
na América portuguesa → tema abordado apenas por etnólogos.
◦ Desde Varnhagen, a historiografia brasileira aborda o índio da perspectiva do
colonialismo, ignorando um ponto de vista etno-histórico.
 Considera a Santidade do Jaguaripe como a mais importante da história quinhentista,
pois “desafiou o colonialismo, a escravidão e a obra missionária dos inacianos [...],
pondo em xeque, enfim, o status quo colonialista da velha Bahia de Todos os Santos”
(p. 14).
 Documentação utilizada: em primeiro lugar, os processos inquisitoriais (Santidade mais
documentada); como documentação de apoio, as correspondências jesuíticas, crônica
quinhentista, os papeis da governança, e os tratados Relazioni universali, de Giovani
Botero, e Historie des choses plus memorables, de Pierre du Jarrie.
 Afirma que a Santidade foi a mais documentada devido à participação de Fernão Cabral de
Taíde, fidalgo e senhor de engenho que teria cooptado a seita.
◦ O autor procura entender porque um senhor de engenho se uniria a uma seita que
preconizava a morte dos portugueses e o fim da escravidão → assim como a seita do
Peru preconizava a morte dos espanhóis (p. 15).
 Perspectiva teórica: A colonização do imaginário, de Serge Gruzinski. Na segunda parte,
mobiliza o conceito de “formação cultural híbrida de compromisso” sobre o fenômeno
“similar” do sabá europeu (p. 16).
 A estrutura do livro revela as três faces da Santidade que o autor elenca: rebeldia, idolatria
e heresia.
 Análise do inquisidor como antropólogo (inquisidor-antropólogo), como afirma Ginzburg
→ a história da Santidade, para Vainfas, é totalmente inseparável da passagem do Santo
Ofício pelo Brasil (p. 17).

Parte 1: Santidades e idolatrias em perspectiva histórica

1) Idolatrias e colonialismo

 O autor utiliza a encenação de Rouen, que foi chamada de combate com a sombra, para
ilustrar o embate que se deu com a expansão europeia na América: “embate entre o europeu
e o ameríndio; embate do europeu consigo mesmo” → reconhecimento da alteridade ou
hierarquização das diferenças e animalização e demonização do outro. Para o autor, a
descoberta da alteridade indígena implicou a (re)construção da identidade cristã ocidental (p.
23).
 Perspectivas teóricas: Vainfas faz um debate entre a ideia de Michel de Certeau e Laura de
Mello e Souza. Para Certeau, os cronistas quinhentistas teriam sido proto-etnólogos, ou
heterólogos (para utilizar o termo do próprio autor). Mello e Souza afirma que o próprio
saber demonológico da crônica quinhentista deve ser inserido no quadro do que Certeau
chama de heterologia. No entanto, a autora denomina os cronistas como etnodemonólogos,
pois as atitudes demonizadoras tanto espanhóis quanto dos portugueses acabariam por
triunfar sobre o “olhar antropológico”. Considerando que a missão dos cronistas da América
Portuguesa e Espanhola era salvacionista, Vainfas concorda com a perspectiva de Laura de
Mello e Souza e prefere o termo etnodemonólogos a heterólogos para denominar os
missionários. A perspectiva do autor é a mesma de Jean Delumeau, de que o olhar europeu
sobre os ameríndios é assombrado pelo seu próprio Lúcifer (p.p. 24-25).
 Os espanhóis são os maiores demonizadores da alteridade ameríndia entre todos os
europeus (p. 25) → associam a demonização ao conceito específico de idolatria.
 A ideia de idolatria está presente na cultura judaico-cristã desde pelo menos a Idade Média.
Transposta para a América, ela vai servir como filtro na percepção da religiosidade e dos
costumes indígenas (p. 26).
 Comparando a colonização espanhola e portuguesa, Vainfas afirma que na América
Hispânica, a “extirpação das idolatrias” assumiu características de grande violência,
principalmente no México e no Peru, mesmo após a retirada das idolatrias do foro
inquisitorial (p. 28).
◦ “Faltou à colonização portuguesa aquilo que sobejou na espanhola: a perseguição
implacável aos povos ameríndios por razões estritamente religiosas.”
◦ Nem mesmo a palavra idolatria era utilizada pelos portugueses, pelo contrário, esses
afirmavam que os índios viviam em uma espécie de anomia no que tange à religião,
visto que não possuíam as letras f, l e r, não possuindo, portanto, fé, lei e rei (p. 28).
 Os índios do Brasil, em termos de religião, foram vistos como tábulas rasas (“Antes de
serem efêmeras e imprecisas estátuas de murta, os tupinambás foram vistos como homens de
cera, prontos a receber uma forma”, Eduardo Viveiros de Castro). Esse contraste entre a
visão hispânica e a portuguesa é explicado pelas características ergológicas (materiais) da
religiosidade de cada povo indígena encontrado. No México e no Peru, os espanhóis
encontraram ídolos de pedra, máscaras e cultos que se encaixavam perfeitamente ao seu
modelo de idolatria, o que não havia entre os tupinambás. Além disso, a tradição
demonológica na Espanha era muito mais forte do que em Portugal (p. 29) → a preocupação
jesuítica era mais em evangelizar do que em extirpar idolatrias.
 O autor recorre a Sérgio Buarque de Holanda para explicar as diferenças de postura
entre espanhóis e portugueses: Holanda demonstra que os portugueses tinham maior
experiência no contato com outros povos e eram ainda desprovidos de uma “cultura do
maravilhoso”, enquanto espanhóis buscavam El Dorados “em sua Ofir americana” (p.
30) → o mito de Ofir, no entanto, está presente também em toda a crônica luso-americana.
 A ideia de idolatria, porém, não tarda a aparecer na América Portuguesa. Ao demonizarem o
“profetismo tupi”, os portugueses acabariam por negar a ideia de ausência de fé dos
ameríndios e seriam “obrigados a combater a própria sombra no trópico” (p. 30).
 Para o autor, mais do que culto de ídolos, a idolatria, posta em perspectiva histórica,
pode ser entendida como “expressão da resistência social e cultural dos ameríndios em
face do colonialismo”. Compreendida dessa maneira, “a idolatria pode se referir a um
domínio em que a persistência ou a renovação de antigos ritos e crenças se mesclava
com a luta social, com a busca de uma identidade cada vez mais destroçada pelo
colonialismo, com a reestruturação ou inovação das relações de poder e, inclusive, com
certas estratégias de sobrevivência no plano da vida material dos índios” (p. 31).
◦ Dupla dimensão histórica: rejeição do europeu pela religiosidade e cultura indígena
e obstinado apego dos ameríndios pelas suas tradições e crenças, podendo ser ainda
uma “revanche contra o invasor estrangeiro” (p. 31).
 Vainfas observa que as idolatrias também se manifestavam nas atitudes cotidianas de boicote
à Igreja e à dominação colonial (p. 31).
 O debate sobre idolatria feito por Serge Gruzinski em Colonização do imaginário é
fundamental para a argumentação de Vainfas, visto que Gruzinski compreende idolatria a
partir de uma perspectiva mais ampla, definindo-a como “uma aproximação especificamente
indígena do mundo”. Gruzinski não se atém apenas ao debate sobre imaginário, sistemas
intelectuais e cultura simbólica, pelo contrário, compreende a idolatria a partir das práticas e
expressões materiais de que ela é indissociável. O confronto entre idólatras e extirpadores é
considerado da forma mais ampla possível: domínio religioso, político, afetivo, ético,
material, cotidiano (p. 32).
◦ Apesar de considerar esta a melhor definição de idolatria, Vainfas se afasta dela porque
Gruzinski considera a existência de idolatria pré-colonial, o que contraria a ideia de
idolatria como resistência que o autor pretende sustentar ao longo do livro. Vainfas
considera que a idolatria é “filha do colonialismo”, não podendo ser dissociada do
contexto colonial (p. 33).
 O autor adota a concepção de “idolatria como manifestação global de resistência ao
colonialismo” (p. 33).
 Classifica as idolatrias em dois tipos:
◦ Ajustadas: práticas em que os índios não confrontavam diretamente nem a exploração
colonial, nem o primado do cristianismo. Era a resistência cotidiana, praticada por índios
declaradamente cristãos e que, aparentemente, vergavam-se à Igreja. Ex: adoração à
Virgem de Guadalupe, no México.
◦ Insurgentes: essas tinham cunho declaradamente contrário ao europeu, sobretudo à
colonização e ao cristianismo, ainda que muitas delas tenham assimilado elementos do
catolicismo → “as atitudes de resistência oscilavam da ‘guerra cósmica’ à luta armada”
(p. 34).
◦ Vainfas adverte, porém, que estas categorias não são fixas, visto que algumas
idolatrias aproximam-se simultaneamente dos dois tipos apresentados; e outras,
mesmo encaixadas em determinado tipo, apresentam características muito
diferentes entre si. O autor usa como exemplo o caso de duas idolatrias peruanas
que poderiam ser classificadas como insurgentes: a resistência neo-inca e o
movimento do Taqui Ongoy. A primeira trata-se de um movimento armado,
liderado por parte da dinastia inca inconformada com a dominação espanhola. No
entanto, apresenta alguns momentos de conciliação, principalmente entre os anos
de 1530 e 1570. A segunda, por sua vez, pregava a ressurreição dos deuses
ancestrais no seio da sociedade colonial, prevendo uma “guerra cósmica” em que
esses deuses venceriam o deus cristão no ar. Era uma resistência cultural muito
mais forte, pois expurgava qualquer elemento do catolicismo da vida dos sectários
(p. 34).
 Segundo Vainfas, a mensagem rebelde das idolatrias insurgentes aproxima-se do que muitos
antropólogos e historiadores denominaram por milenarismo. O autor apropria-se do conceito
de mito de Micea Eliade, para quem o mito “conta uma história sagrada, relata um
acontecimento que teve lugar no tempo primordial, o tempo fabuloso dos começos”, é a
história verdadeira dos povos arcaicos, “suscetível de se repetir pelo poder dos ritos”. Nas
palavras de Vainfas, “ritualizar o mito é, portanto, (re)vivê-lo” (p. 35).
 Na concepção milenarista, há uma percepção cíclica do tempo. O fim do mundo já
aconteceu, mas irá se reproduzir em um futuro próximo. A previsão apocalíptica, à exceção
da cultura judaico-cristã, indica o recomeço. (p. 35).
 O autor analisa as idolatrias a partir da lógica milenarista do “eterno retorno”, visto que a
ruína do modus vivendi ameríndio, causada pela colonização, preconizava o retorno às
origens, aos tempos ancestrais (p. 35).
 O autor mobiliza um roteiro de questões fornecido por Eliade para compreender os
chamados “milenarismos primitivos”, sob a percepção de que eram movimentos
antiocidentais que absorveram elementos culturais europeus:
◦ Movimentos milenaristas são baseados na crença do eterno retorno, o que explica a
leitura indígena da conquista como caos e renovação;
◦ Influência da escatologia cristã: ocidentalização das crenças e do sistema cognitivo dos
colonizados;
◦ Ocidentalização desejada como aculturação “filtrada”. O desejo pela religião e pela
educação dos brancos não impede o sentimento de repulsa pelo “outro”;
◦ Movimentos suscitados por personalidades fortes: “no mínimo, profetas ungidos; no
máximo, homens-deuses”;
◦ O milênio está imanente, mas não virá sem cataclismos cósmicos ou catástrofes
históricas → os milenarismos indígenas assumem a feição de movimentos anticoloniais
(p. 37).

2) Santidades ameríndias:

 O horizonte utópico da cultura nativa se relaciona à busca da Terra sem Mal (yvy maraey) →
Kurt Nimuendaju, etnólogo alemão, desenvolveu pioneiramente a hipótese de que as
migrações indígenas tinha inspiração religiosa, estavam intimamente ligadas à busca pela
Terra sem Mal (p.p. 41-42).
 Vainfas confronta as teses dos principais etnólogos estudiosos das migrações tupi: o
etnólogo Alfred Métraux considera que a busca pelo “paraíso tupi” foi responsável tanto
pela efervescência religiosa observada pelos cronistas do século XVI como pelas migrações
que daí em diante fariam os índios: movimento inverso, do litoral para o sertão. Métraux
insiste, porém, no caráter puramente indígena do “messianismo tupi”, subestimando o
possível cruzamento cultural dos movimentos nativos quinhentistas, apesar de não negar seu
caráter anticolonialista. Vainfas observa uma radicalização das ideias de Métraux por
etnólogos como Pierre Clastres, para quem as migrações têm caráter unicamente vinculados
às tensões internas do mundo indígena. Para Clastres, os caraís, profetas errantes, se
levantavam em transe e estimulavam a desestabilização da própria sociedade quando algum
chefe se fortalecia e negava as tradições políticas dos tupi-guarani (“nosso autor percebe
uma dialética de sentido autofágico, na qual a defesa de uma ‘sociedade contra o Estado’
exigia a dissolução da própria sociedade”). Hélène Clastres, por sua vez, nega
veementemente o peso do colonialismo na irrupção mística e no surto migratório tupi . A
autora insiste que a busca pela Terra sem Mal existia antes dos portugueses e persistiu à sua
chegada como uma prática puramente indígena. Clastres nega, portanto, o possível caráter
anticolonialista e messiânico dos movimentos nativos.
 Para Vainfas, a conexão entre as migrações anteriores ao século XVI e a busca pela Terra
sem Mal é perfeitamente plausível. O autor acrescenta, porém, razões demográficas e
socioeconômicas das quais dependia o sistema religioso dos grupos. Para tal afirmação,
Vainfas se baseia em Florestan Fernandes, para quem a guerra, o parentesco, a relação com a
natureza, toda a organização social tupinambá, enfim, ‘se subordinava estreitamente ao
sistema religioso tribal’”. O autor não nega as origens indígenas da busca pela Terra sem
Mal, mas não deixa de reconhecer que esses movimentos “absorveram elementos ocidentais
em sua mensagem e estrutura”. Dessa forma, se une a Carlos Fausto na crítica às ideias de
autenticidade defendidas por Hélène e Pierre Clastres, pois crê ser insustentável a ideia de
que o profetismo tupi não tinha relações históricas com a irrupção do colonialismo, visto o
próprio movimento de retorno do litoral ao interior após a chegada dos portugueses e ainda
o conteúdo anticristão e antiescravista presente nas exortações (p. 45).
 A busca da Terra sem Mal muda de caráter sem prejuízo de sua originalidade ou do sistema
cognitivo indígena (p. 46).
 Vainfas relaciona a fuga da “Terra dos males sem fim” à conjuntura do início da colonização
do território brasileiro: implantação da lavoura de açúcar, escravidão indígena, cativeiro dos
índios, massacres, a chamada “guerra justa” e a instalação dos aldeamentos da Companhia
de Jesus, além das pestes, como a varíola, que dizimaram parte da população indígena (p.p.
47-48).
◦ “O impacto da colonização acabaria, na realidade, por reforçar a busca da Terra sem
Mal. Na pregação dos profetas encontra-se amiúde o ímpeto guerreiro com que várias
tribos tupi enfrentaram os portugueses, ou deles fugiram, no rumo dos ‘sertões’.
Alterava-se a rota, mantinha-se o mito. O paraíso tupi se deslocaria lentamente do mar
para o interior, pois era no litoral, sem dúvida, que se achavam os males e campeava a
morte. Não havia de ser na costa, salvo por azares da história, que os tupi buscariam,
doravante, a sua velha ‘morada dos ancestrais’” (p. 50).
 Analisando as crônicas sobre a efervescência religiosa indígena, Vainfas percebe que o
profetismo tupi foi dimensionado em termos de ritual e de movimento de massa. Observa
ainda que a palavra santidade é utilizada de forma recorrente para se referir às duas
dimensões do profetismo, o que é interessante, considerando que, mesmo com todos os seus
significados, o termo converteu-se em sinônimo de revolta e/ou heresia indígena (p. 51).
 O autor ocupa-se primeiro da Santidade enquanto ritual, apoiando-se nas descrições de
Manoel da Nóbrega, André Thévet, Hans Standen e Jean de Léry.
◦ No relato de Nóbrega, para além dos elementos demonizadores da cultura ameríndia, é
possível observar elementos da pregação que aludem à Terra sem Mal: juventude eterna,
plantações que crescem e flechas que caçam sozinhas etc. Além disso, o autor observa
elementos fundamentais do cerimonial que Nóbrega descreve (p. 53).
◦ Vainfas faz uma espécie de tabela comparativa dos quatro relatos, observando elementos
como as mensagens veiculadas pelos feiticeiros e descritas nas crônicas, os elementos
presentes no cerimonial e o emprego da palavra santidade pelos cronistas
 O autor identifica, assim como Métraux, uma forma particular de idolatria nos ritos tupis,
contradizendo a afirmação de Hélène Clastres de que o maracá seria unicamente um
instrumento musical (p. 61).
 Santidade significa o dom do caraíba, o poder mágico dos maracás e ainda a festa
extraordinária dos índios. Vainfas discute o porquê de os autores quinhentistas atribuírem o
termo santidade à religiosidade indígena. Se apoia no debate feito por Laura de Mello e
Souza, em Inferno Atlântico, sobre a fluidez das fronteiras entre Deus e o Diabo na época
moderna. Desse modo, chamar santidade a uma cerimônia que os próprios europeus
consideravam diabólica é ilustrativo do quanto o santo e o profano estavam unidos, ainda
que se tentasse separá-los (p. 63). → achei essa explicação meio sem sentido.
 As santidades também foram percebidas como movimento, “como ações coletivas dos
índios quer no sentido de migrações em massa rumo ao interior, quer no sentido de rebeliões
e assaltos contra o colonizador” (p. 64) → no século XVII santidade ainda era sinônimo de
revolta indígena.
 A relação que Vainfas procura demonstrar é entre as fugas do litoral, a busca pela Terra sem
Mal e a incitação à guerra no discurso dos caraíbas → caráter de guerra anticolonial →
relação entre bravura guerreira, mitologia heroica e busca da Terra sem Mal → “a
transferência da ‘santidade’ - como diziam os portugueses – do caraíba aos demais nativos
incluía, como parece óbvio, uma espécie de anima belligerante que não é possível
desconhecer” (p. 65).
◦ Guerra como elemento fundamental para a cultura tupi (Florestan Fernandes)
◦ Mais uma vez, critica a tese de Hélène Clastres sobre a autenticidade da mitologia tupi-
guarani. Na argumentação da autora, as guerras anticoloniais não estavam relacionadas à
busca pela Terra sem Mal, mas eram, pelo contrário, um pretexto para a resolução de
conflitos internos e manutenção de poder por algumas lideranças indígenas. Pelo
contrário, para Vainfas, o que se pode perceber no período é “a transformação do mito da
Terra sem Mal, de suas cerimônias e do tradicional apelo dos caraíbas à guerra em
cenário e instrumento de resistência ao colonizador. Caraíbas e guerreiros pareciam
mesmo irmanados, e não rivais, na consecução desse projeto” (p. 66).
◦ Logo depois o autor fala sobre as insurgências indígenas no Paraguai e em como os
caraíbas se colocavam como divindades (homens-deuses), autoridades máximas diante
dos indígenas, e os insuflavam contra os portugueses (p.p. 66-67).
 A busca pela Terra sem Mal converteu-se, portanto, em baluarte da resistência ao
colonialismo, absorvendo também elementos do catolicismo, como é possível perceber por
meio dos relatos da ação de caraíbas que eram índios meio cristianizados ou mesmo colonos
indianizados.
 As hipóteses que o autor pretende comprovar são: santidade é um fenômeno ameríndio que
não pode evitar a assimilação de elementos cristãos; movimento de migração e de luta
centrado na busca pela Terra sem Mal que se torna cada vez mais uma antítese do
colonialismo.
 Além disso, o autor compreende o fenômeno das santidades como expressão das “idolatrias
insurgentes”, como negação simbólica e social do colonialismo. As santidades dos índios do
Brasil, porém, não estão isoladas, mas se inserem no contexto de surgimento de
milenarismos entre os diversos povos da América, atrelados à expansão ibérica e aos
embates culturais dela resultantes (p. 69).

3) História de uma santidade

 A Santidade de Jaguaripe é a mais documentada devido à proteção de Fernão Cabral de


Taíde – que a cooptou para sua fazenda, dando abrigo e proteção –, denunciada ao Santo
Ofício cinco anos após sua destruição. Ao tratar da documentação, porém, Vainfas recorre à
advertência de Carlo Ginzburg sobre os filtros culturais e potencialidades dessa
documentação: o filtro da própria Inquisição, que via na Santidade uma “abusão”, “heresia”,
entre outros termos; distorção de alguns detalhes na descrição das cerimônias pela pena dos
próprios notários inquisitoriais, ou pelos relatos produzidos por brancos e mamelucos; além
da atenuação de alguns detalhes presente no depoimento daqueles que temiam ser
relacionados de alguma maneira à seita. Os únicos, por incrível que pareça, que não dão
depoimento sobre a seita são os próprios índios (p. 76).
 A Santidade do Jaguaripe era muito eclética, reunindo índios “cristãos e pagãos”, negros e
índios “cativos e forros” (p. 78)

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