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Ficção
Poncio Arrupe
- 20 -
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Ana
- “Alerta! Inimigo à vista pelas treze horas!”, grita Duarte com todas as suas
forças.
- “Onde?”.
- “Ali, dez metros para dentro das espigas”, aponta Duarte.
- “Que giro! Como é que os teus sobrinhos, tão novinhos ainda, se prestaram tão
compenetrados a estes papéis?”, perguntou Rita a João.
- “Eu fui o realizador e camara man, mas eles é que fizeram o argumento”,
disse-lhe ao ouvido, e acrescentou “A Margarida era ainda muito pequena para
participar com um papel activo”.
Acabaram de ver um pequeno filme feito por João há muitos anos, na Folgosa, com
uma câmara amadora, sem qualquer montagem e edição, e com os quatro sobrinhos
mais velhos de João como actores. Era suposto ter sido o primeiro episódio de outros
que se seguiriam, em continuação do enredo ... mas ficou episódio único! Em princípio
Fernando viria a sobreviver ao terrível ferimento que sofreu ... João divertiu-se imenso
na altura, tanto ou mais do que eles ... num papel por excelência de observador do
exterior, e também como captador e guardador de imagens, como lhe era usual à época
... E também no apoio à construção das rústicas infra-estruturas no interior do pinhal.
Ana, que agora já é médica ... acabadinha de o ser ... porque jurou ... há pouco dias
... De imediato todos passaram a consultá-la, ... e antes não ..., e era óptima aluna ...
sabia tanto com sabe agora, e muito responsável ... hoje e antes ... No entanto, só agora
lhe reconhecem o poder de perceber as doenças e, sobretudo, de curar... uns dias antes
não ... Os mundos dos adultos são como os das crianças ... alguém decide quem é o quê
e de imediato esse alguém passa a ser o que é ... instantaneamente ... por magia ... Como
no filme em que ficou decidido que Ana sabia curar ... e ela então decidiu de pleno
direito que o faria com folhas de eucalipto ... Se Fernando não se curasse isso seria do
seu grande mal ... impossível de curar ... pelo menos com as folhas de eucalipto ... que
teriam sido a melhor opção de Ana de entre as disponíveis naquelas difíceis condições
... Ana teria decidido bem uma vez que ficou decidido que seria a médica ... muitos
factores incontroláveis acorrem a estas coisas das doenças ... Mas se Ana se erigisse em
curandeira, sem a anuência dos presentes, e se Fernando não se curasse, ... a culpa seria
sua ... deveria ter pedido auxílio ... e não o havendo, Fernando desfaleceria
irreversivelmente porque ninguém estaria presente com os conhecimentos necessários ...
Mas se se curasse, não teria sido pela folhas de eucalipto, mas sim talvez porque o mal
afinal não era grave, ... nem por Ana, ... teria sido por sorte ... ou por um momento raro
de lucidez da parte de Ana, que dificilmente se voltaria a repetir porque Ana não era
médica, no filme ... A sorte toca-nos poucas vezes ... a responsabilidade pelos
acontecimentos indesejados toca-nos muitas vezes ... a não ser que sejamos médicos,
engenheiros, advogados, ... (mesmo que instantes antes ainda não o sejamos), ou
detentores de quaisquer certificações e acreditações conferidas por entidades por sua
vez acreditadas e certificadas por ..., porque então a competência em alternância com o
azar estão omnipresentes. Existem apenas condições objectivas altamente complexas e
incontroláveis que tornam os resultados indesejados impossíveis de evitar ... e os
desfechos, quaisquer, estão definidos à partida, por competência se são os desejados, ou