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Contraponto Tonal

O intervalo antecedeu aos acordes. Da classificação dos intervalos simultâneos entre


consonâncias e dissonâncias é que os acordes surgem. Nesse sentido o contraponto antecede
à harmonia e o estudo do contraponto elucida as questões que posteriormente (em termos
históricos) a harmonia tratou. Um bom caminho para uma melhor compreensão dos aspec-
tos essenciais do que hoje chamamos de harmonia, seria sequenciar os conteúdos em: con-
traponto modal, contraponto tonal e harmonia.

Para Johannes Tinctoris (Liber de Arte Contrapuncti, editado no ano de 1477), há duas
formas de contraponto: o simples (uma nota contra outra) onde apenas os intervalos simul-
tâneos consonantes podem ser usados e o contraponto diminuído, onde o valor de duração
de uma das vozes é diminuído e, com isso, acrescenta-se rítmica aumentando a quantidade
de notas contra uma voz mais lenta. No contraponto diminuído as dissonâncias passam a ser
utilizadas seguindo-se certos critérios (tratamentos). Essa concepção de contraponto de Tin-
ctoris é muito boa para uma melhor compreensão do processo de estudo sistemático ideali-
zado por Johann Fux (Gradus ad Parnassum, editado no ano de 1725), tornando evidente que
a primeira espécie trata do contraponto simples e nas espécies 2, 3, 4 são observados as
formas de tratar as dissonâncias e acrescentar movimento rítmico em uma das vozes, para
então chegar na 5ª espécie ao contraponto diminuído propriamente dito.

Esse processo de estudo, iniciado com o contraponto modal, passa agora a ser traba-
lhado em termos tonais. Historicamente, o contraponto tonal usa de forma mais consistente
as dissonâncias nas diminuições. A razão está numa tentativa de introduzir “afetos” na com-
posição. Dois estilos vão sendo estabelecidos: um baseado na polifonia modal e tratamento
rígido das dissonâncias, chamado stylus gravis (antiquus) e outro, baseado em estruturas
harmônica tonais subjacentes e com maior movimentação rítmica e liberdade no tratamento
das dissonâncias, chamado de Istylus Luxurians (modernus).

Desse modo, o contraponto tonal terá como característica contrastante ao modal já


estudado, um baixo cada vez mais sólido e uma voz superior movimentada, repleta de técni-
cas de diminuições (ornamentações) e ambos sustentados por uma estrutura harmônica pré-
determinada. Pode-se chamar de um contraponto harmônico, onde a estrutura não é mais
baseada em um cantus firmus a partir do qual são estabelecidas as demais melodias simultâ-
neas, mas sim uma estrutura harmônica subjacente, consolidada a partir do baixo. A harmo-
nia das vozes simultâneas continua seguindo a lógica dos intervalos que antecedem aos acor-
des. Nesse ponto, o contraponto tonal é um elo entre o contraponto modal e a harmonia.

Se no contraponto modal o modelo foi Palestrina, no tonal será J. S. Bach.


Aspectos Melódicos/Harmônicos

Embora o contraponto tonal solidifique o baixo e a voz mais aguda figurada a partir de
uma harmonia previamente delimitada, a independência das vozes continua sendo primor-
dial já que isso caracteriza o contraponto. Tal independência é alcançada tendo em vista dois
fundamentos essenciais: contraste rítmico entre as vozes e predominância de movimento
contrário (também o oblíquo).

O contraponto modal, sendo essencialmente vocal, possuía rigorosas restrições em ter-


mos de movimentos melódicos. No contraponto tonal, usado para música instrumental, tal
rigor é bastante flexibilizado. Saltos maiores que quinta são permitidos, movimento melódico
de trítono também.

As dissonâncias passam a ser mais frequentes e com tratamentos mais livres, possibili-
tando mais figurações nas diminuições de uma ou mais vozes: dissonâncias poderão aparecer
em tempo forte (dissonâncias acentuadas) e apojaturas, escapadas, duplas bordaduras, sus-
pensões e antecipações serão permitidas.

Cromatismos serão originados a partir da presença de dominantes individuais (domi-


nantes secundários) e modulações para tons vizinhos.

Um contraponto de primeira espécie, orientado por esquemas harmônicos pré-deter-


minados, garantirá uma linha guia (o contorno da melodia) coesa. As diminuições (figurações)
realizadas sobre essa estrutura gera a composição. Dessa forma, não há dissociação da har-
monia e da melodia em termos estruturais na composição, trata-se de um processo contínuo
e não-linear (reentrante, talvez possa ser chamado). A harmonia e a melodia não são mais
um fim em si mesmo, mas ao contrário, interdependentes.
O campo harmônico com tríades com e tríades de sexta

Os intervalos antecedem aos acordes. Desse modo, os acordes estruturam-se a partir


da combinação de intervalos consonantes. No contraponto, consideram-se intervalos conso-
nantes as 5ªs e 8ªs Justas (essas chamadas de perfeita) e 6ªs e 3ªs maiores ou menores (chamadas
de imperfeitas). A 4ª Justa é tolerada (num primeiro momento) apenas entre as vozes “internas”,
ou seja, é evitada quando esse intervalo é formado a partir do baixo. No contraponto tonal, há a
exceção em relação aos acordes dominantes (o trítono formado será possível, porém deverá ser
observado o tratamento adequado dessa dissonância). Dessa forma, os campos harmônicos gerados
a partir das fundamentais estão escritos abaixo (observe que há três modelos de cifragem: o sistema
de cifras usado em música popular, a cifra funcional e o baixo cifrado):

Em relação ao campo harmônico menor há algumas considerações importantes. A sen-


sível será gerada para a realização da cadência. Acordes com função dominante serão acres-
centados ao campo harmônico (V7 e vii°). Porém, outros acordes podem surgir por condução
da linha melódica. Para amenizar o salto de 2ª aumentada entre o 6º grau menor e o 7º grau
maior da escala menor harmônica, será necessário elevar o 6º grau, gerando assim os movi-
mentos melódicos característicos da escala menor melódica. Esse assunto, por hora, não será
contemplado.
A resolução do trítono

Como vimos, as dissonâncias presentes nos acordes dominantes (V7 e vii°) serão permi-
tidas nas linhas guias estruturais, desde que sejam observadas as devidas resoluções (condu-
ções melódicas das notas que formam o trítono).

O princípio básico é que o trítono deve ser resolvido em movimento contrário e grau
conjunto para uma consonância imperfeita (3ª ou 6ª):
Tal resolução pode ocorrer tanto para acorde menor como acorde maior. Como
exercício, escreva a resolução do trítono para a tríades de lá maior, em posição fundamental.

Os caminhos melódicos da resolução do trítono devem ser observados também quando


localizados no baixo.

Também serão observados os caminhos melódicos de resolução do trítono quando uma


das vozes estiver no baixo, para resolução em acorde maior. Como exercício, escreva essas
resoluções para tríades de Lá Maior.
O acorde diminuto da tonalidade menor (vii°) deve ser encarado como um acorde de
função dominante e, preferencialmente, usado no lugar do V7 da tonalidade menor.

Dessa forma, os caminhos melódicos de resolução do trítono são também observados:

As outras duas vozes do acorde diminuto podem, ocasionalmente, serem conduzidas


pelo baixo em grau conjunto, criando mais possibilidades de criação das duas vozes mais
efetivas da linha guia estrutural da composição (baixo e soprano).
Baixo pedal na tônica

Um processo muito importante no início da composição é o estabelecimento da tona-


lidade a partir da qual a peça será desenvolvida (estruturando inclusive os modelos possíveis
de modulação). A tonalidade fica bem estabelecida se no início os três acordes de função
primordial estiverem contemplados (I IV V7 e i iv V7 ou vii°). Um recurso muito comum é
manter o baixo parado na tônica da tonalidade em questão, enquanto os três acordes cami-
nham acima dele. Veja os exemplos a seguir:

BWV 1007, Suíte nº1 Cello (J. S. Bach)

Reduzindo esse trecho da composição à sua linha guia estrutural, temos:

Observe que do acorde de D7 para o acorde de G, a linha estrutural obedeceu à con-


dução melódica de uma das vozes do trítono (a 7ª menor do acorde dominante caminha
para a 3ª maior do acorde de resolução). Atente para isso, pois veremos que isso será uma
constante e importante estrutura para construção de linhas melódicas.
A seguir outro exemplo. Desta vez em ré menor e com uso do acorde diminuto com
função dominante.
BWV 999, Suíte para Cravo (J. S. Bach)
(adaptada para Violão)

Reduzindo esse trecho da composição para as linhas guias estruturais:

Novamente a resolução melódica do trítono é observada para a constituição da linha


guia estrutural. Observe atentamente essa questão.

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