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Universidade do Estado de Minas Gerais

Escola de Design

Pedro Henrique Lopes Ribeiro

Gênese e Estrutura da Estética da Mercadoria

Belo Horizonte

2018

Pedro Henrique Lopes Ribeiro

Gênese e Estrutura da Estética da Mercadoria

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Design Gráfico
da Escola de Design da Universidade do
Estado de Minas Gerais como requisito
para o título de Bacharel em Design
Gráfico.

Orientador: Sérgio Antônio Silva

Belo Horizonte

2018

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, Antônio e Patrícia, que sempre me deram todo o suporte
necessário para uma formação de qualidade, por sempre acreditarem em mim e por
todo o carinho.

Aos amigos, que me acompanharam nos últimos tempos e foram cruciais para a
minha formação. Matheus, Luísa, Geraldo, Eduardo, Diego e João. Aos amigos de
longa data, Igor e Thayná.

À minha companheira, Dani, por todo o apoio e cuidado, assim como à sua família.

Ao meu orientador, Sérgio, pelas correções, suporte e liberdade.

Ao meu consultor e amigo, Habib, pelos debates e correções.


“O mundo se decompõe como um peixe podre
Não vamos querer nós embalsamá-lo.”
Goethe
RESUMO

Este trabalho pretende analisar a estrutura, lógica, da estética da mercadoria,


desenvolvendo as categorias do modo de produção capitalista que se articulam para
que ela opere. Os pressupostos lógicos e históricos da estética da mercadoria
também foram objeto de estudo, para se compreender a sua gênese de forma mais
aprofundada e determinar a sua razão de ser para o sistema. Além da análise da
estrutura dessa categoria, o que tentou-se fazer aqui foi articula-la com o
desenvolvimento do comércio (autonomização do capital-mercadoria) para permitir
que ela fosse melhor situada na totalidade social. Também buscou-se uma
abordagem histórica que consiga apreender o modo de reprodução dessa dinâmica
na passagem do século XIX para o XX, desse modo, o recorte escolhido foi o
surgimento dos supermercados no começo do século passado e a instauração da
impessoalidade nas relações de troca mais imediatas e de que maneira a estética da
mercadoria permite que isso se consolide. Esse recorte permitiu que se analisasse
estratégias do comércio no período, principalmente o uso do self-service.

Palavras-chave: Estética da mercadoria. Marxismo. Circulação. Mercadoria.


Design.

ABSTRACT

This paper aims to analyse the logical structure of the commodity aesthetics,
developing the categories of the capitalist mode of production that are articulated so
that it can operate. The logical and historical presuppositions of the commodity
aesthetics were also an object of study, in order to understand its genesis in depth
and to determine its raison d'être for the system. Beyond the analysis of the structure
of this category, what was tried here was to articulate it with the development of trade
(autonomisation of the commodity-capital) to better understand how it locates itself in
the social totality. It was also sought a historical approach that could capture the way
this dynamics were reproduced in the passage of the nineteenth century to the
twentieth, for this, the chosen limit was the emergence of supermarkets at the
beginning of the last century and the establishment of impersonality in relations of
exchange and the way the commodity aesthetics allows this to be consolidated. This
framing allowed an analysis of trade strategies in the period, especially the use of
self-service.

Keywords: Commodity Aesthetic. Marxism. Circulation. Commodity. Design.



SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 7

1 - ESTRUTURA LÓGICA DA SOCIEDADE MODERNA 10

1.1. A mercadoria e as categorias da moderna sociedade burguesa 10

1.2. A especificidade histórica das categorias 16

1.3. A dinâmica da produção, distribuição, troca e consumo 19

1.4. Autonomização do capital-mercadoria 22

2 - DESDOBRAMENTOS HISTÓRICOS DA PRODUÇÃO E DO COMÉRCIO NO


SÉCULO XIX E XX 26

2.1. A Revolução Industrial e a expansão do comércio 26

2.2. Transformações no comércio 31

2.3. A pré-história do supermercado 37

2.4. A supressão das relações pessoais no consumo: o self-service 41

3 - ESTÉTICA DA MERCADORIA 52

3.1. As aparências não só enganam, também dão lucro 52

3.2. Especificidade histórica da estética da mercadoria 60

3.3. Conclusão 63

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 64
!7

INTRODUÇÃO

Gris, caro amigo, é toda teoria,


E verde a áurea árvore da vida.
Goethe

Se em um primeiro momento o trabalho aqui apresentado parece uma contradição,


afirmo de antemão que não poderia ser diferente. O design – que faz parte do objeto
de estudo aqui destrinchado – é uma atividade que precisa perecer com a sociedade
moderna. Para alguém que, como eu, atua profissionalmente nessa área, essa
afirmação pode parecer muito forte – e, como já colocamos, contraditória –, mas o
que ficará claro ao longo do trabalho é que não se trata de um desejo ou de uma
visão calcada de acordo com uma moralidade abstrata. Trata-se de uma construção
teórica da estrutura do design enquanto produto da moderna sociedade reprodutora
de mercadorias – a sociedade capitalista. Se partimos da crítica dessa sociedade,
não poderia ser diferente com os seus desdobramentos. Isso não significa dizer que
é preciso descartar o design, negá-lo como um todo, assim como aqui não se
encontrará uma defesa de se fazer isso com a sociedade que “conjurou gigantescos
meios de produção e de troca”1 e que libertou os homens das relações de
dominação direta.

O foco do nosso tratamento reside em evitar a simples crítica negativa e a apologia


vulgar. Desse modo, o conceito hegeliano de suprassunção, o “desaparecer
conservante”, nos é fundamental.

Esse processo de compreensão do design não pode significar outra coisa se não o
esforço de compreender – de forma direta ou indireta – a sociedade na qual ele
opera. Se esse discurso já se tornou clichê, isso acontece graças a sua necessidade
e urgência. As responsabilidades atribuídas constantemente aos profissionais da
área dizem não só sobre uma incompreensão em relação ao design, mas também
sobre um certo desconhecimento sobre a forma como a sociedade funciona,
principalmente no seu nível mais elementar.

!1 MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. Tradução de Álvaro Pina. São Paulo:
Boitempo Editorial: 1998. p. 45.
!8

Isso não quer dizer que os designers são impotentes. Longe disso. Eles
ocupam uma posição nodal no modo de produção capitalista e serão
importantes para sair dele. Coisas – objetos, espaços, imagens, tecnologias
– desempenham um papel tão crítico na reestruturação das relações entre
as pessoas quanto na manutenção delas, e um fogão solar ou uma
aplicação de software gratuita exige muito mais trabalho de design do que
um espremedor de limão Philippe Starck. Mas qualquer tipo de trabalho
progressista é difícil se estamos iludidos sobre o que realmente fazemos.
Como designers, faríamos bem em abandonar as preocupações com nossa
própria capacidade de gerar soluções, e começar a ser mais conscientes
das formas como participamos dos problemas. 2

Ter consciência da nossa atuação profissional não significa um mero imobilismo.


Todos que buscaram esse caminho profissional sabem que precisam de uma
moradia, de alimentos e de bens de consumo, portanto, não há mal algum em atuar
como designer para isso. Não se trata de recusar o lugar na sociedade, porque o
objetivo não é a busca por uma atuação mais “moral” e sim por uma sociedade onde
seja possível desenvolver uma atividade regulada por forças distintas das que a
regulam hoje. Por isso, se a crítica do design parece resultar em uma contradição
para os que atuam como profissionais da área, isso só pode acontecer por uma
incompreensão do que essa crítica significa, ou seja, ela busca a demolição das
condições de reprodução da moderna sociedade burguesa, não a ação individual e
“moralmente adequada” – principalmente porque essa ação não existe, justamente
por toda a nossa atividade ser um processo constante de reprodução das nossas
condições de atuação.

Nesse primeiro momento usamos a palavra design, entretanto, será curioso notar
como ela não volta a aparecer no resto do texto. Há, contudo, uma razão para isso.
O termo que será utilizado em seu lugar será “estética da mercadoria”, cunhado pelo
autor Wolfgang Fritz Haug, uma referência importante para esta pesquisa. As razões
dessa escolha passam pela abrangência do termo, que consegue englobar toda
uma dinâmica da sociedade que se apresenta na forma do design, da propaganda,
do marketing, do branding, além de várias outras. O uso do termo design limitaria o
nosso objeto e também deslocaria a discussão para fora do âmbito desejado.

2MCSWIGGEN, Colin. Designing Culture. 2012. Disponível em: <https://jacobinmag.com/2012/08/


designing-culture>. Acesso em: 04 nov. 2018. Tradução livre.
!9

A forma como este trabalho foi estruturado passa pelo desenvolvimento das
categorias da sociedade capitalista. Isso significa dizer que buscamos nos
elementos mais essenciais da sociedade respostas para compreendê-la. Há também
um estudo histórico das formas mais fenomênicas de reprodução dessa sociedade
ao longo do século XIX e XX, de acordo com os recortes que consideramos
adequados. A aparência que emana da mercadoria – a forma social da riqueza na
sociedade capitalista – é o objeto aqui analisado. O objetivo central do trabalho é
apresentar sua estrutura (o que a faz ser o que é, qual a sua razão de ser, como ela
se movimenta historicamente, etc.) e também analisar os pressupostos necessários
para a sua gênese. Por essa razão os fundamentos da sociedade burguesa e a sua
reprodução na história são, para nós, centrais.

Por mais que este trabalho pareça uma “ideia fora do lugar”, é justamente do interior
da formação dessa profissão que a sua crítica precisa partir. Os designers precisam
se apropriar da teoria, não para serem profissionais melhores, mas para
compreenderem mais profundamente como eles mesmos agem e como a sociedade
na qual atuam opera, em resumo, o que eles mesmos são. Isso não
necessariamente mudará o mundo, mas destruirá muitas ilusões infrutíferas.

!10

1 - ESTRUTURA LÓGICA DA SOCIEDADE MODERNA

1.1. A mercadoria e as categorias da moderna sociedade burguesa

Há várias razões para se começar pela mercadoria. Do ponto de vista do referencial


teórico adotado, a mercadoria é o ponto de partida de Marx na Contribuição à Crítica
da Economia Política e em O Capital. Já do ponto de vista histórico, ela tornou-se
um lugar privilegiado para se discutir a assim chamada “sociedade do consumo”. O
século XX é marcado pelo alto grau de desenvolvimento dos locais e objetos de
consumo, e com essas mudanças vieram diversas alterações na forma como os
indivíduos se relacionavam com a riqueza da sociedade, desde o grau mais íntimo
da individualidade até nos aspectos mais cotidianos partilhados por todos. A
mercadoria desenvolveu um aspecto estético próprio; a riqueza da sociedade, que
aparece como uma “grande coleção de mercadorias”,3 surge com uma infinidade de
cores, luzes e materiais. Por esta razão, com muita justeza, argumenta-se que o que
se chamava de mercadoria no século XIX, não pode dar conta de explicar a
mercadoria do século XX, e o conceito sofre, assim, uma “ruptura”.4 O feijão vendido
a granel, pesado na hora e embalado em um saco pardo por um vendedor com um
sorriso no rosto, não parece o mesmo feijão “orgânico”, adquirido em uma
embalagem impressa em cores Pantone, selecionado em uma prateleira de um
supermercado onde todo o processo ocorre com o menor grau possível de interação
direta entre indivíduos. Em termos de meios para um fim, parecem ter ocorrido
mudanças significativas. E elas realmente aconteceram, porém, serão tratadas nos
capítulos posteriores; por enquanto, trataremos do que permaneceu entre um
momento e outro, mas principalmente sobre o que significava essa tal de mercadoria
desde o início.

3MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. Livro I: O Processo de Produção do Capital.
São Paulo: Editora Boitempo, 2017a.
4Cf. SILVA, Lucas Frazão. O Gosto da Embalagem. 2001. 230p. Tese (doutorado) - Universidade
Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciencias Humanas, Campinas, SP. Disponível em:
<http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000219923>. Acesso em: 04 nov. 2018. Entretanto, há
vários outros autores que de forma direta ou indireta, tratam dessa ruptura.
!11

A mercadoria não é uma categoria com determinações meramente materiais,


sensíveis, mas trata-se de uma coisa “sensível-suprassensível”5. Mercadoria não é,
portanto, sinônimo de produto ou objeto, ela possui um caráter místico e
fantasmagórico, uma dimensão que vai além da sua materialidade imediata. A
forma-mercadoria6 é a forma social que envolve os produtos na sociedade capitalista
e só é posta em atividade (processo que será discutido posteriormente) no
capitalismo. A mercadoria é valor e valor de uso, ela é “ao mesmo tempo um produto
e uma mediação social”,7 que opera constantemente nos movimentos do capital. A
mercadoria é forma social da riqueza que a torna trocável – ou melhor, é a forma
social da riqueza em que os produtos sociais são produzidos para a troca e que o
consumo – o uso do objeto por um indivíduo – é mediado pela troca.

O valor é tempo de trabalho socialmente necessário. Não se trata de um tempo de


trabalho imediato para a reprodução de uma mercadoria, “mas da relação entre a
necessidade da sociedade como um todo e a quantidade de trabalho suficiente para
satisfazer essa necessidade”.8 Backhaus,9 em seu famoso ensaio, demonstrou que
o valor só aparece pela relação entre dois valores de uso, ou seja, da relação entre
dois produtos sociais. Essa forma de compreender como as categorias se
relacionam está muito próximo do que afirmava Hegel, “Tudo o que existe está em
relação, e essa relação é o verdadeiro de cada existência.”10 O valor, portanto, só
pode aparecer na relação, porque a força não se manifesta nos seus extremos, mas
“só nesse meio-termo e contato são o que são.”11 O valor de uma mercadoria é
trabalho objetivado, que vale por si, mas só existe – e principalmente, só aparece –
na relação com outra mercadoria.

5 MARX, op. cit.


6 “Forma” enquanto forma social.
7POSTONE, Moishe. Tempo, Trabalho e Dominação Social – Uma Reinterpretação da Teoria
Crítica de Marx. São Paulo: Boitempo, 2014.
8MARX, Karl. Grundrisse: Manuscritos econômicos de 1857-1858 Esboços da crítica da economia
política. São Paulo: Boitempo, 2011, p. 736.
9 BACKHAUS, H. G. On the dialectics of the value-form. Thesis Eleven, no. 1, p. 99–120, 1980.
10HEGEL, Georg W. F. Enciclopédia das ciências filosóficas em compêndio. (A ciência da lógica).
Trad. Paulo Meneses. São Paulo: Loyola, 1995, p. 255.
11 HEGEL, Georg W. F. Fenomenologia do Espírito. Trad. Paulo Meneses. Petrópolis: Vozes, 2008,
p. 112.
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Já o valor de uso, quando analisado por si mesmo, parece indiferente à


determinação econômica e aparenta ser o conteúdo material da riqueza de forma
independente, parece ter uma existência indiferente ao período histórico em que
está inserido.

Porém, o valor de uso da mercadoria – no modo de produção capitalista – só existe


enquanto valor de uso para outro, não pode ser valor de uso para o possuidor da
mercadoria; isso significa que o valor de uso, tido muitas vezes pela tradição como
mera utilidade e conteúdo da riqueza, possui uma determinação econômica,
exatamente pela sua subordinação ao valor de troca e pela sua capacidade de se
alienar. Marx é claro ao colocar que:

Os valores de uso das mercadorias chegam a ser, portanto, tais porque


mudam universalmente de posição, passando das mãos que constituem
meio de troca àquelas em que são objeto de utilidade. Graças unicamente a
essa alienação universal das mercadorias, o trabalho que contém converte-
se em trabalho útil. 12

Ou seja, é somente na relação – na passagem de uma mão para outra – que o valor
de uso pode tornar-se o que deveria ser, justamente pela forma como se dá a
produção capitalista, como uma produção de valores de uso para outros indivíduos;
a mercadoria só pode existir se não for um valor de uso para o seu possuidor, e é
isso que permite a sua alienação. Se o valor de uso muitas vezes é um meio de
existência para os indivíduos, não se pode deixar de lado o fato de que são meios
de existência produzidos socialmente.13 Além do que foi mencionado, quando Marx
trata da força de trabalho e do capital como mercadorias (que possuem valor de
uso), fica ainda mais clara a determinação do valor de uso como produto de um todo
social.

É a partir das determinações tratadas acima que a mercadoria opera como uma
mediação social, ela é a passagem de um momento para outro no processo de
troca; mercadoria é um produto do trabalho abstrato, posta socialmente por meio da

12MARX, Karl. Contribuição à Crítica da Economia Política. São Paulo: Editora Expressão
Popular, 2008, p. 71.
13 Ibidem, p. 55.
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generalidade dos trabalhos. Para compreender melhor como a mercadoria se


reproduz socialmente, precisamos nos voltar para a polêmica da passagem do
trabalho concreto para o trabalho abstrato do primeiro capítulo de O Capital. A
autonomização das formas sociais em Marx é a chave para a compreensão de como
o sistema se reproduz constantemente e de que maneira os indivíduos aparecem
como meros apêndices desse processo, e não como sujeitos. Se a abstração muitas
vezes é compreendida como um processo da mente, Marx14 em um determinado
momento compreende o movimento da abstração que opera no próprio real, afinal, o
abstrato e o concreto não existem de forma cindida.15 O proceder dessa abstração
na realidade foi descrito na passagem abaixo:

Os homens não relacionam entre si seus produtos do trabalho como


valores por considerarem essas coisas meros invólucros materiais
de trabalho humano de mesmo tipo. Ao contrário. Porque equiparam
entre si seus produtos de diferentes tipos na troca, como valores,
eles equiparam entre si seus diferentes trabalhos como trabalho
humano. Eles não sabem disso, mas o fazem.16

Além dessa passagem, há outra emblemática na Contribuição à Crítica da Economia


Política onde Marx fala diretamente da realidade da abstração. Entre os leitores de
Marx, Ruy Fausto foi um que chamou a atenção para esta questão:

A produção da mercadoria opera, ela própria, a abstração: ela – e


não nós, que nos limitamos a reproduzi-la – opera a redução (e o
termo ‘redução’ ao qual Marx volta já é sintomático) do concreto ao
abstrato.17

A produção da mercadoria é o momento operante da abstração,18 é o que permite a


redução do trabalho concreto ao trabalho abstrato que faz com que as mercadorias
possam ser comparadas entre si, porque abstrai, coloca os trabalhos diferentes
enquanto trabalho uniforme; o trabalho “é idêntico pela qualidade e não se distingue

14 E sabemos que isso vem de Hegel, “[...] a ideia é antes algo ao mesmo tempo absolutamente
eficiente e também efetivo.” HEGEL, Georg W. F., 1995, p. 267.
15 FAUSTO, Ruy. Sentido da Dialética: (Marx: lógica e política): tomo I. Petrópolis (RJ): Vozes, 2015,
p. 125.
16 MARX, 2017a. p. 149.
17 FAUSTO, op. cit., p. 125
18Abstração aqui não contém o sentido comumente utilizado, de retirar determinações, mas o sentido
de relação que não é imediatamente observável, metafísica.
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senão pela quantidade”.19 O trabalho concreto, entendido como o aspecto qualitativo


do trabalho que tem a capacidade de criar valor de uso, é o que há de singular no
processo produtivo; trata-se do que há de diferente entre um trabalho e outro. Entre
os trabalhos concretos não há unidade senão como soma de cada trabalho
individual. Portanto, o que faz a mediação da produção social pré-capitalista são as
relações sociais; o que vincula os indivíduos uns aos outros para a produção são as
suas relações diretas. A redução do trabalho concreto – e não mera generalização –
conduzida pelo trabalho abstrato só é possível com a autonomização do caráter
social da produção, ou seja, em um produto do trabalho que lhe é estranho: o valor.
Se antes, a economia estava dissolvida nas relações sociais, agora as relações
sociais é que estão embutidas na economia;20 o trabalho aparece como unidade, e
os trabalhos individuais como “órgãos do trabalho”. São as coisas que conduzem a
produção dos indivíduos, somente por meio do mercado que os produtores
individuais de mercadorias conseguem se vincular, e é por meio dele que todo o
processo é conduzido.21 A relação entre os indivíduos se transfere para uma forma
social autonomizada, e eles só podem influenciar a atividade produtiva da sociedade
por meio de coisas.22 “O espírito social do trabalho adquire uma existência objetiva
fora dos trabalhadores singulares.”23

O trabalho é determinado por mercadorias que são produtos dele mesmo, e por
essa razão, tanto o trabalho quanto seus produtos constituem no capitalismo um
processo socialmente automediante. 24 A relação da causa (trabalho) e do efeito
(produtos do trabalho) precisa ser compreendida no fato de que o “efeito é a causa
tornada a outra de si”.25 O trabalho parece não ter um caráter social no capitalismo

19 MARX, Karl, 2008, p. 57.


20 POLANYI, K. A Grande Transformação. 2ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000, p. 77.
21RUBIN, Isaak Il’ich. A Teoria Marxista do Valor. Tradução de José Bonifácio de S. Amaral Filho.
São Paulo: Brasiliense Editora S.A., 1980, p. 23.
22 RUBIN, 1980, p. 24.
23 MARX, 2011, p. 436.
24 POSTONE, 2014.
25SANTOS, José Henrique. O Trabalho do Negativo: Ensaios Sobre a Fenomenologia do Espírito.
São Paulo: Loyola, 2007, p. 143.
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por aparecer deslocado das relações imediatas dos indivíduos, porém, como
observamos, o trabalho constitui uma mediação social objetivada no valor.

Com o que foi trabalhado acima, ficou claro que a mercadoria não é apenas um
produto ou objeto, mas que ela constitui uma mediação social específica, que é
produto do trabalho abstrato. Ela é forma social da riqueza, produzida e reproduzida
socialmente enquanto tal. Quando se afirma que “a mercadoria rompe o conceito
inicial (ou original) da própria mercadoria. Ela não é mais o que se mercadeja, mas
sim a idéia de se mercadejar ilusões e esperanças”,26 parece haver uma confusão
conceitual. É evidente que os indivíduos continuam reproduzindo a si próprios, ou
seja, estão produzindo alimentos, roupas, entre outros objetos que são trocados
constantemente pela lógica da mercadoria, e que independente se o que está sendo
vendido é uma ilusão ou um alimento, o sistema continua mediado pela forma-
mercadoria, pouco importando a maneira como a mercadoria aparece enquanto
riqueza material imediata, porque não é isso o que ela é em essência; trata-se do
que é produzido por uma relação, o que está entre dois momentos, e não de um
produto fechado em si. A própria circulação expele as mercadorias – que deixam de
ser mercadorias – para fora de si constantemente, como podemos observar no
trecho abaixo:

A mercadoria expelida da circulação do capital não é mais a


mercadoria como momento do valor que se pereniza, como
existência do valor. Ela é, portanto, sua existência como valor de
uso, seu ser para o consumo. […] A mercadoria, que enquanto tal é
expulsa da circulação do capital, perde a sua determinação como
valor e cumpre a determinação de valor de uso do consumo por
contraste com o da produção.27

Com isso, é possível concluir que a produção de valores de uso na nossa sociedade
opera ao mesmo tempo como a produção de mediações sociais, e a sua função
mediadora é independente da forma material particular. 28 As mercadorias se
relacionam entre si, e há a relação entre mercadoria e indivíduo, para o consumo,
que as retira da circulação. “A mercadoria, que enquanto tal é expulsa da circulação

26 SILVA, Lucas Frazão, 2001, p. 80.


27 MARX, 2011, p. 610.
28 POSTONE, 2014, p. 177.
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do capital, perde a sua determinação como valor e cumpre a determinação de valor


de uso do consumo por contraste com o da produção.” 29

1.2. A especificidade histórica das categorias

Ao tratarmos das categorias da moderna sociedade burguesa, em determinados


momentos elas parecem permear diversas civilizações na história pré-capitalista,
porém, trata-se de um equívoco. Se procurarmos determinações do valor antes do
advento do capitalismo, será possível encontrar algumas, mas não a sua posição na
realidade efetiva.30 A posição da coisa é a “existência (social) da coisa – é essencial
para que ela seja o que é”. 31 O que permite a existência efetiva dessas categorias é
a concorrência generalizada, que só existe no capitalismo. Como coloca Marx:

Por isso, nenhuma categoria da economia burguesa [nem] mesmo a


primeira, como, p. Ex., a determinação do valor, devém efetiva, [a
não ser] pela livre concorrência; i.e., pelo processo efetivo do capital,
que aparece como interação recíproca dos capitais e de todas as
outras relações de produção e comércio determinadas pelo capital.32

A concorrência permite a regulação do tempo socialmente necessário para a


reprodução das mercadorias, que é o que constitui o valor – a forma mais elementar
da economia burguesa. O tempo de trabalho socialmente necessário, como já
mencionado, opera como uma redução, e não uma generalização, da qualidade para
a quantidade; porém, não se trata somente do tempo medido em horas para se
reproduzir uma mercadoria, mas o tempo regulado socialmente pela concorrência,
que afirma a generalidade dos trabalhos. Dessa forma, é possível perceber que o
valor não é o tempo de trabalho cristalizado em uma mercadoria; se assim o fosse,
ele poderia existir antes do capitalismo. O valor é na verdade o produto do trabalho
abstrato, especificamente capitalista, regulado pela concorrência.

Na concorrência, a lei fundamental, desenvolvida por oposição à
formulada sobre o valor e o valor excedente, é que o valor é

29 MARX, 2011, p. 610.


30 FAUSTO, 2015, p. 157.
31 Ibidem, p. 157.
32 MARX, op. cit., p. 546.
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determinado não pelo trabalho nele contido ou pelo tempo de


trabalho em que ele é produzido, mas pelo tempo de trabalho em
que ele pode ser produzido ou pelo tempo de trabalho necessário à
sua reprodução.33

A concorrência, por meio dessa regulação do tempo socialmente necessário, abole


a aparente existência dos capitais enquanto capitais singulares, coloca-os em
constante choque, e permite a manifestação da dependência que eles têm uns em
relação aos outros. É a concorrência que garante a efetividade (unidade da essência
e da aparência) do valor; como necessidade, suprassume o “ser-imediato no ser-
mediatizado”,34 coloca as categorias em relação. A concorrência não cria as
categorias, mas lhes garante efetividade.

A concorrência em geral, essa locomotiva fundamental da economia


burguesa, não estabelece suas leis, mas é sua executora. Por essa razão, a
concorrência ilimitada não é o pressuposto para a verdade das leis
econômicas, mas a consequência – a forma de manifestação em que sua
necessidade se realiza. Para os economistas pressuporem, como faz
Ricardo, que a concorrência ilimitada existe, é pressuposta a realidade e a
realização plenas das relações de produção burguesas em sua differentia
specifica. 35

É interessante observar na passagem acima que a concorrência também pressupõe


o mundo burguês desenvolvido. Ela executa suas leis, mas sem criá-las. De certa
forma parece haver uma contradição: se o valor precisa da concorrência para sua
realidade efetiva, mas a concorrência precisa do mundo burguês desenvolvido,
como é possível sair desta relação aparentemente circular? A chave para a
compreensão dessa dinâmica está no fato de que a concorrência não cria nada, mas
sim o valor que possui como seu pressuposto o próprio valor em gérmen, e possui
suas determinações essenciais observáveis em diversos momentos. Como coloca
Hegel, a efetividade da Coisa36 considera a coisa mesma,

33 MARX, 2011, p. 550.


34 HEGEL, 1995, p. 279.
35 MARX, 2011, p. 456.
36 “Coisa”, conceituada, diferente de “coisa”, não conceituada.
!18

Quando estão presentes todas as condições, a Coisa deve tornar-se


efetiva; e a Coisa é ela mesma uma das condições; porque,
enquanto interior, ela mesma é apenas um pressuposto. 37

Ou seja, as categorias do mundo burguês não brotam do nada a partir da


concorrência, e do mesmo modo, a concorrência não pode surgir do exterior da
sociedade capitalista. O valor é pressuposto de si mesmo, ao mesmo tempo que
devém efetivo com a concorrência. É por esse motivo que na introdução dos
Grundrisse podemos observar:

Logo, só nos Estados Unidos a abstração da categoria “trabalho”,


“trabalho em geral”, trabalho puro e simples, o ponto de partida da
Economia moderna, devém verdadeira na prática.38

Por mais que se encontre as determinações do valor, da mercadoria, do trabalho e


de outras categorias antes do capitalismo, elas só podem se tornar “verdadeiras na
prática” a partir da sua posição relativa, frente às demais determinidades da
sociedade capitalista. No famoso exemplo hegeliano do gérmen39 da planta é
possível observar essa dinâmica operando:

Assim, por exemplo, como se notou anteriormente, o gérmen de


uma planta já contém, na verdade, o particular da raiz, dos ramos,
das filhas etc.; mas esse particular só está presente em si e só é
posto quando o gérmen se abre; o que se há de considerar como o
julgamento da planta. 40

A partir do momento em que as categorias estão postas, o mundo burguês pode


colocar constantemente os seus próprios pressupostos. Se antes “as condições e os
pressupostos do devir, da gênese do capital, supõem precisamente que ele ainda
não é, mas só devém”, agora “para devir, o capital não parte mais de pressupostos,
mas ele próprio é pressuposto, e, partindo de si mesmo, cria os pressupostos de sua
própria conservação e crescimento.”41

37 HEGEL, op. cit., p. 274.


38 MARX, 2011, p. 58.
39É interessante observar como o próprio Marx menciona a presença do valor em gérmen no pré-
capitalismo, ou seja, sem efetividade.
40 HEGEL, 1995, p. 303.
41 MARX, op. cit., p. 378.
!19

O que esse processo demonstra é a forma como a totalidade social precisa ser
apreendida, não como uma sucessão de fatos históricos, porque

para desenvolver as leis da economia burguesa não é necessário


escrever a história efetiva das relações de produção. Mas a sua
correta observação e dedução, como relações elas próprias que
devieram históricas, levam sempre a primeiras equações – como os
números empíricos, p. ex., nas ciências naturais – que apontam para
um passado situado detrás desse sistema. 42

E é por essa razão que as categorias em Marx não são colocadas em ordem
cronológica, mas “a sua ordem é determinada, ao contrário, pela relação que têm
entre si na moderna sociedade burguesa, e que é exatamente o inverso do que
aparece como sua ordem natural ou da ordem que corresponde ao desenvolvimento
histórico.”43 O capitalismo não surge como e por meio de um mero encadeamento de
fatos, mas como um sistema que põe uma totalidade social que se reproduz
constantemente, exigindo uma compreensão da racionalidade própria ao sistema. O
que se apreende não é o objeto estático, fixado no tempo e na história, mas o seu
constante devir.

O desenvolvimento aqui apresentado demonstrou a dependência das categorias


umas em relação às outras. Cada categoria contém a outra, ao mesmo tempo em
que se diferenciam, sempre em unidade e diferença. Entretanto, se as categorias
apresentadas até aqui se mostraram historicamente específicas ao capitalismo, da
mesma maneira, a teoria é um produto do seu tempo, e não uma lógica que opera
fora da história. A teoria de Marx precisa tratar do capitalismo nos seus próprios
termos, e da mesma maneira: “A indicação da historicidade do objeto, as formas
sociais essenciais do capitalismo, implica a historicidade da consciência crítica que o
compreende”.44

1.3. A dinâmica da produção, distribuição, troca e consumo

42 MARX, 2011, p. 378.


43 Ibidem, p. 60.
44 POSTONE, 2014, p. 168.
!20

Dentro da dinâmica capitalista é possível encontrar quatro momentos fundamentais:


a produção, a distribuição, a troca e o consumo. Em termos básicos, a produção é a
esfera onde ocorre a apropriação dos produtos da natureza pelos membros da
sociedade, permite que os objetos naturais sejam adequados às necessidades
humanas; a distribuição reparte o produto de acordo com leis sociais, assim como
influencia a proporção em que os indivíduos participam da produção; a troca é o que
fornece os produtos particulares, depois da distribuição; e o consumo45 é o momento
onde desaparece o movimento social dessa dinâmica, quando o produto converte-se
em objeto. 46 Entretanto, apesar do aparente isolamento de cada um dos momentos,
essas esferas não estão completamente apartadas no espaço e no tempo, elas se
determinam, e ao mesmo tempo formam uma unidade. Como coloca Marx:

O resultado a que chegamos não é que produção, distribuição, troca


e consumo são idênticos, mas que todos eles são membros de uma
totalidade, diferenças dentro de uma unidade. A produção estende-
se tanto para além de si mesma na determinação antitética da
produção, como sobrepõe-se sobre os outros momentos. É a partir
dela que o processo sempre recomeça. É autoevidente que a troca e
o consumo não podem ser predominantes. Da mesma forma que a
distribuição como distribuição dos produtos. No entanto, como
distribuição dos agentes da produção, ela própria é um momento da
produção. Uma produção determinada, portanto, determina um
consumo, uma troca e uma distribuição determinados, bem como
relações determinadas desses diferentes momentos entre si. A
produção, por sua vez, certamente é também determinada, em sua
forma unilateral, pelos outros momentos.47

Apesar da predominância da produção sobre as outras, tentaremos aqui tratar das


especificidades da circulação e do consumo. De qualquer maneira, a produção não
pode ser retirada do debate, e apesar do nosso foco, ficará claro como ela é central
para toda discussão devido ao seu caráter determinante. Essa relação ficará mais
evidente na discussão posterior sobre o capital comercial e sua conexão com o
capital produtivo.

O primeiro momento da distribuição é o da distribuição dos instrumentos de


produção, operando como parte do processo produtivo. Em seu outro momento,

45 Há também o consumo produtivo, mas que não serve diretamente para o raciocínio aqui
desenvolvido.
46 MARX, 2011, p. 44.
47Importante mencionar também que quando tratarmos da circulação, trata-se da troca considerada
na sua totalidade.
!21

enquanto distribuição de produtos, o que ocorre é a alocação dos produtos sociais


(máquinas, mercadorias, etc.) para os respectivos estabelecimentos, indústrias,
transportadoras, etc., e que tem como sequência a apropriação individual dos
produtos por meio da troca, seguida do consumo.48 Se a produção viu grandes
modificações nos últimos tempos com as mudanças tecnológicas – apesar de que
em essência, toda a estrutura lógica do processo se manteve preservada –, na
esfera da distribuição, troca e consumo, as coisas sofreram modificações relativas
ao cotidiano dos indivíduos muito facilmente observáveis. De início, podemos
mencionar o surgimento do supermercado – e de todo o complexo de relações que
surgem com ele –, que será tratado em detalhes posteriormente, como uma
modificação na forma de circulação das mercadorias na sociedade capitalista,
principalmente quando se considera o caminho percorrido pelas mercadorias da
indústria até o consumidor.

A distribuição é o que funciona como mediação entre a produção e o consumo,


porém, há determinação da produção sobre o consumo, que se exprime no fato de
que “não há consumo sem objeto”, e esse objeto é um algo produzido,
materialmente, ou produzido enquanto necessidade para o indivíduo. A produção é o
fator determinante até mesmo da forma como o objeto será consumido, “a produção
engendra, portanto, o consumo 1° – fornecendo-lhes os materiais; 2° –
determinando seu modo de consumo; 3° – excitando no consumidor a necessidade
de produtos que a produção estabeleceu como objeto.”49 Ao mesmo tempo, “o
consumo coloca o objeto da produção idealmente, como imagem interior, como
necessidade, como impulso sem fim. [...] Sem necessidade não existe produção,
mas o consumo reproduz a necessidade.”50 O consumo é, de certa forma, o motor –
entretanto, motor produzido pela esfera da produção – e o resultado da produção.
Há um processo de retroalimentação que em muitos momentos é ignorado, levando-
nos a crer que vivemos a “sociedade do consumo”, como se isso não significasse
viver ao mesmo tempo a sociedade da produção. Como já mencionamos, é o capital
quem tem condições de criar os seus próprios pressupostos, é o único sujeito do

48 MARX, op. cit., p. 53.


49 MARX, 2008, p. 250 et. seq.
50 Ibidem, p. 247.
!22

processo, livre; o objetivo da produção não é o de atender as necessidades, “razão


pela qual não se deve apresentá-la como o que ela não é, a saber, como uma
produção que tem por finalidade direta o desfrute ou a criação de meios de desfrute
para o capitalista.”51 A necessidade só desempenha um papel enquanto momento do
capital e produzida por ele mesmo. Se a finalidade da produção capitalista não é o
desfrute do capitalista, tampouco seria o desfrute do trabalhador: a produção
capitalista é, na verdade, um fim em si mesma, a valorização do valor, em outras
palavras, a busca infinita pelo lucro.

É curioso observar como todo o processo aparece como unidade, ao mesmo tempo
em que se diferencia. A divisão do trabalho – não apenas dentro das fábricas, mas a
divisão que ocorre em toda a sociedade – é a responsável pela capacidade desse
diferenciar-se, enquanto o capital opera como espírito que atravessa cada um
desses momentos como um aglutinador, eles são na verdade momentos de si
mesmo. O capital é força social combinada, e “próprio do capital é unicamente a
união das massas de mãos e instrumentos que ele encontra. Ele os aglomera sob
seu comando.”52

Se há unidade, mas também uma diferença constantemente instaurada pela divisão


do trabalho, é preciso descrever como esse desdobrar-se do capital em vários
momentos opera na esfera da circulação para nos aproximarmos do nosso objeto,
que são as modificações ocorridas na esfera do consumo ao longo do século XX.

1.4. Autonomização do capital-mercadoria

A realização do valor de troca (que opera como manifestação do valor, a sua forma
visível) das mercadorias só pode ocorrer com a efetivação da troca. Se a mercadoria
possui mais-valor pelo trabalho vivo que a produziu, esse mais-valor precisa ser
realizado enquanto tal. “As condições de exploração direta e as de sua realização
não são idênticas”,53 ou seja, a apropriação de mais-trabalho (na forma de mais-

51MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. Livro III: O Processo Global da Produção
Capitalista. São Paulo: Editora Boitempo, 2017b, p. 283.
52 MARX, 2011, p. 417.
53 MARX, 2017b, p. 284.
!23

valor) por parte do capitalista na esfera produtiva precisa ser realizada pela troca;
trata-se de “valor prenhe de mais-valor (na forma de mercadorias)”.54

O capital-mercadoria – riqueza na forma de produtos a serem vendidos55 – não pode


se fixar nessa forma durante muito tempo, afinal, é uma forma perecível, diferente da
forma dinheiro. Os alimentos apodrecem, outros bens estragam pela falta de uso e
tantos outros perdem até mesmo a sua utilidade, diferente do que acontece com o
dinheiro. Portanto, é preciso que essa metamorfose do capital-mercadoria aconteça
rápido, para evitar o perecimento das mercadorias mas, também para evitar que o
valor criado seja negado na forma da sua não-realização. Para executar tal tarefa, o
capital-mercadoria autonomizou-se na forma de capital de comércio de mercadorias.
O modus operandi desse capital é a valorização como mediação da metamorfose do
capital-mercadoria, ou seja, na sua transformação em dinheiro; a sua valorização
ocorre fora dele, na esfera da produção. A forma do capital-comercial de se valorizar
é por meio da apropriação de parte do mais-valor produzido pela produção, o que
significa dizer que ao ganhar de um lado, perde-se no outro.

O tempo de circulação não é um tempo em que o capital cria valor,


mas em que realiza o valor criado no processo de produção. Esse
tempo não multiplica a sua quantidade, mas põe o valor em uma
outra determinação formal correspondente, da determinação do
produto na determinação da mercadoria, da determinação da
mercadoria na determinação do dinheiro etc. 56

O que é possível perceber é que o capital comercial opera como parcela da taxa de
lucro média considerada pela produção. Há nesse sentido uma constante disputa, e
“quanto maior for o capital comercial em proporção ao capital industrial, menor será
a taxa do lucro industrial, e vice-versa.”57 Se é possível perceber que com a
autonomização do capital comercial o capital produtivo tem a capacidade de se
voltar mais rapidamente para a produção, pela redução do tempo de circulação, é

54MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. Livro II: O Processo de Circulação do Capital.
São Paulo: Editora Boitempo, 2014, p. 110.
55“É evidente que o capital de comércio de mercadorias, na medida em que existe sob a forma do
capital-mercadoria – considerando o processo de reprodução do capital social total –, não é outra
coisa que a parte do capital industrial que ainda se encontra no mercado, sujeita ao processo de sua
metamorfose e que agora existe e funciona como capital-mercadoria.” MARX, 2017b, p. 316.
56 MARX, 2011, p. 551.
57 MARX, op. cit., p. 328.
!24

importante mencionar que é com o crédito que esse processo ganha uma grande
elasticidade. Porém, como o crédito não é o nosso foco, continuemos com a análise
do comércio.

Como o capitalista que lida com a produção não necessariamente domina o


processo de distribuição e possui conhecimento de mercado, torna-se prática a
utilização de um intermediário. Ao mesmo tempo, é importante mencionar que:
“Apesar de sua autonomia, o movimento do capital comercial jamais é outra coisa
senão o movimento do capital industrial no interior da esfera da circulação.”58 A
capacidade do capital comercial de se valorizar somente reforça a ilusão de que o
capital gera valor por conta própria.

Portanto, o tempo de curso do capital limita, em geral, seu tempo de


produção e, por conseguinte, seu processo de valorização. [...] Mas o que a
economia política vê é a aparência, a saber, o efeito que o tempo de
circulação exerce sobre o processo de valorização do capital em geral. Ela
toma esse efeito negativo como positivo, porque suas consequências são
positivas. Ela se agarra tanto mais a essa aparência porque nela crê
encontrar a prova de que o capital contém em si uma fonte mística de
autovalorização, que flui na esfera da circulação, independentemente de
seu processo de produção e, portanto, da exploração do trabalho. 59

Entretanto, é interessante mencionar um comentário de Marx ao tratar desse


assunto, que é o fato de os comerciantes varejistas funcionarem como um “gênero
híbrido” no que tange a relação comércio x indústria. Isso ocorre pelo fato de
embalar, pesar e outras tarefas executadas pelo varejo (comuns na época do
pensador) constarem como trabalho produtivo.

Se, por um lado, a participação do comércio na taxa de lucro aparece como algo a
posteriori, como cálculo desenvolvido após a produção industrial, por outro lado,

No curso do desenvolvimento histórico, ocorre exatamente o inverso.


É o capital comercial que primeiro determina o preço das
mercadorias mais ou menos conforme o valor delas, sendo a esfera
da circulação – mediadora do processo de reprodução – o lugar
onde se forma uma taxa geral de lucro. O lucro comercial determina
originariamente o lucro industrial. É apenas depois de ter-se imposto
o modo de produção capitalista e de o próprio produtor tornar-se

58 MARX, 2017b, p. 347.


59 MARX, 2014, p. 205.
!25

comerciante que o lucro comercial é reduzido à alíquota do mais-


valor total, que corresponde ao capital comercial como alíquota do
capital total empregado no processo social da reprodução. 60

A produção que comercializa somente o seu excedente tem com o comércio uma
relação muito distinta da produção para a troca; na última, o capital comercial
aparece como um apêndice do capital industrial. Mais uma vez podemos observar,
como já tratado anteriormente, que as categorias do sistema burguês aparecem pela
sua ordem na sociedade burguesa, que é o oposto da ordem em que elas aparecem
na história. A indústria parece um produto do comércio historicamente falando, mas
é justamente o contrário quando se trata da determinação categorial, da integração
sistemática entre os capitais.

O papel da indústria na determinação do comércio é o que constantemente se


observa no capitalismo. Ao criar os produtos a serem comercializados, determinando
a sua forma, quantidade e qualidade, a indústria constantemente revoluciona o
comércio pela sua necessidade imanente de expansão. É desse tipo de
transformação que trataremos posteriormente, mas antes vamos analisar um
contexto histórico relevante para as discussões aqui desenvolvidas: a Revolução
Industrial.

60 MARX, 2017b, p. 329.


!26

2 - DESDOBRAMENTOS HISTÓRICOS DA PRODUÇÃO E DO COMÉRCIO NO


SÉCULO XIX E XX

2.1. A Revolução Industrial e a expansão do comércio

No fim do século XVIII, ao contrário do que se especula tendo em vista a Revolução


Industrial, a superioridade da França em relação à Inglaterra operava em quase
todas as áreas da ciência. Como coloca o trecho abaixo,

Qualquer que tenha sido a razão do avanço britânico, ele não se


deveu à superioridade tecnológica e científica. Nas ciências naturais,
os franceses estavam seguramente à frente dos ingleses, vantagem
que a Revolução Francesa veio acentuar de forma marcante, pelo
menos na matemática e na física, pois ela incentivou as ciências na
França enquanto que a reação suspeitava delas na Inglaterra. 61

Mas em que direção essas informações apontam? Elas permitem a compreensão de


que a revolução industrial não foi uma mera revolução tecnológica com a inserção
da maquinaria, mas um processo de consolidação da sociedade capitalista. O
capitalismo não surge simplesmente como um avanço do moderno, mecanizado e
abundante em oposição ao atraso, mas como o estabelecimento de novas relações
de produção. Até mesmo as invenções do período não foram o que se imagina
comumente:

Felizmente poucos refinamentos intelectuais foram necessários para


se fazer a revolução industrial. Suas invenções técnicas foram
bastante modestas, e sob hipótese alguma estavam além dos limites
de artesãos que trabalhavam em suas oficinas ou das capacidades
construtivas de carpinteiros, moleiros e serralheiros: a lançadeira, o
tear, a fiadeira automática. Nem mesmo sua máquina cientificamente
mais sofisticada, a máquina a vapor rotativa de James Watt (1784),
necessita de mais conhecimento de física do que os disponíveis
então há quase um século – a teoria adequada das máquinas a
vapor só foi desenvolvida ex post facto pelo francês Carnot na
década de 1820 – e podia contar com várias gerações de utilização,
prática de máquinas a vapor, principalmente nas minas. 62

Entretanto, isso não quer dizer que a revolução industrial não tenha representado
um avanço significativo, mas o que ela realmente fez foi abrir caminho para o
desenvolvimento posterior. O começo da indústria pode ser menos empolgante do

61 HOBSBAWM, E. J. A Era das Revoluções. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 45.
62 Ibidem, p. 46.
!27

que se espera, mas as novas possibilidades abertas naquele período são o que há
de mais importante para se analisar. A pré-história do desenvolvimento industrial
europeu viu diversas ofensivas, que datam do ano 1000 até o século XVII, que
tentaram superar os limites naturais do homem.63 A revolução industrial não foi um
movimento com início e fim, mas a consolidação de uma norma, que teve seu início
entre 1780 e 1800, e um momento de grandiosidade na década de 1840 com o
término de importantes construções de ferrovias e indústria pesada.

Se não foi a superioridade inglesa que garantiu o início da industrialização, também


não se tratou de mero acidente. A Grã-Bretanha já havia acabado com o absolutismo
monárquico há mais de 100 anos, além do lucro privado e o desenvolvimento
econômico já terem se estabelecido como objetivo da política-econômica nacional.64
Isso quer dizer que os britânicos tinham algo que os franceses não tinham:
condições político-econômicas para o florescimento do capital. Os resultados do
florescimento do capital não foram imediatos, mas um processo onde

A maior parte da expansão industrial do século XVIII não levou de


fato e imediatamente, ou dentro de um futuro previsível, a uma
revolução, isto é, à criação de um ‘sistema fabril’ mecanizado que
por sua vez produz em quantidades tão grandes e a um custo tão
rapidamente decrescente a ponto de não mais depender da
demanda existente, mas de criar o seu próprio mercado. 65

Se já havia um mercado de bens de consumo existente pelas necessidades dos


indivíduos (ou seja, pela necessidade de se vestirem, alimentarem, etc.), o que
marcou o período aqui descrito foi a criação e desenvolvimento de um forte mercado
de bens de capital. Não que o mercado de bens de consumo não tenha tido uma
tremenda importância, como demonstra o trecho abaixo:

Estas considerações se aplicam em certos aspectos a todos os
países nessa época. Por exemplo, em todos eles a dianteira no
crescimento industrial foi tomada por fabricantes de mercadorias de
consumo de massa – principalmente, mas não exclusivamente,
produtos têxteis – porque o mercado para tais mercadorias já existia

63 HOBSBAWM, 1979, p. 45
64 Ibidem, p. 47.
65 Ibidem, p. 48.
!28

e os homens de negócios podiam ver claramente sua possibilidade


de expansão.66


Mas a grande virada desse mercado necessitava de alterações no comércio e da
completa integração da classe trabalhadora. A classe trabalhadora não nasce como
compradora passiva de mercadorias e como um operariado subserviente. Ao longo
do tempo ocorreu um processo disciplinatório para que os trabalhadores passassem
a trabalhar durante toda a semana, o que se estabeleceu como a jornada de
trabalho – uma integração forçada, que não garantia poder de consumo abundante,
mas os submetia ao sistema. As práticas capitalistas incluíam “pagar tão pouco ao
operário que ele tivesse que trabalhar incansavelmente durante toda a semana para
obter uma renda mínima”.67 A venda da “totalidade de seu tempo ativo”68 da classe
trabalhadora consolidou-se somente depois de uma luta de 400 anos entre
trabalhadores e capitalistas,

Ainda durante a maior parte do século XVIII, até a época da grande


indústria, o capital na Inglaterra não havia logrado apossar-se da
semana inteira do trabalhador – com exceção dos trabalhadores
agrícolas – por meio do pagamento do valor semanal da força de
trabalho. O fato de que conseguiam viver uma semana inteira com o
salário de 4 dias não parecia aos trabalhadores uma razão suficiente
para que ainda trabalhassem mais dois dias para os capitalistas.
Uma parte dos economistas ingleses, em nome dos interesses do
capital, denunciou furiosamente essa contumácia, e outra parte
defendeu os trabalhadores.69

O predomínio do “consumo de massa” não podia se dar em um tempo de


domesticação dos trabalhadores. Tratava-se do momento de coagir os antigos
artesãos e camponeses à voracidade do capital por mais-trabalho e a completa
indiferenciação da atividade. A transformação de um talentoso criador de relógios
que dominava todo o processo de artesania, e em algum grau, se realizava por meio
das suas criações, em um operário responsável por uma parte do processo que
apenas exigia uma ação mecânica repetitiva por dezenas de horas semanais não foi
uma transformação que ocorreu sem seus conflitos. É interessante notar que,

66 HOBSBAWM, 1979, p. 49.


67 Ibidem, p. 67.
68 MARX, 2017a, p. 343.
69 Ibidem, p. 346.
!29

apesar de não se tratar de uma ruptura técnica com tudo o que havia sido feito até
então, o surgimento da maquinaria possibilitou a efetivação da transformação
anteriormente descrita, que permitiu a indiferenciação do trabalho, caracterizada
pela inversão dos agentes do trabalho.

Toda produção capitalista, por ser não apenas processo de trabalho,


mas, ao mesmo tempo, processo de valorização do capital, tem em
comum o fato de que não é o trabalhador quem emprega as
condições de trabalho, mas, ao contrário, são estas últimas que
empregam o trabalhador; porém, apenas com a maquinaria essa
inversão adquire uma realidade tecnicamente tangível.
Transformado num autômato, o próprio meio de trabalho se
confronta, durante o processo de trabalho, com o trabalhador como
capital, como trabalho morto a dominar e sugar a força de trabalho
viva. A cisão entre as potências intelectuais do processo de
produção e o trabalho manual, assim como a transformação
daquelas em potências do capital sobre o trabalho, consuma-se,
como já indicado anteriormente, na grande indústria, erguida sobre a
base da maquinaria. 70

Se antes o produto social trocado era o excedente, começa-se a estabelecer a


produção para a troca com a consolidação do capitalismo. Com esse fenômeno,
também é possível observar que o começo da revolução industrial marcou pela
incrível integração dos mercados internos com os mercados externos, como
apontado no trecho abaixo:

Em termos de vendas, a revolução industrial pode ser descrita, com


a exceção dos primeiros anos da década de 1780, como a vitória do
mercado exportador sobre o doméstico: por volta de 1814, a Grã-
Bretanha exportava cerca de quatro jardas de tecido de algodão
para cada três usadas internamente, e, por volta de 1850, treze para
cada oito. E dentro deste mercado exportador em expansão, por sua
vez, os mercados colonial e semicolonial, por muito tempo os
maiores pontos de vazão para os produtos britânicos, triunfaram. 71

Essa ampliação também teve como central o surgimento das ferrovias, que garantiu
avanços no crescimento da população que já não era mais refém da fome causada
pelas catástrofes que destruíam a capacidade de produzir e o acesso aos alimentos,
assim como possibilitou uma expansão dos meios de comunicação, e a
generalização do contato entre homens e mercadorias. “Entre 1816 e 1850, perto de
cinco milhões de europeus deixaram seus países nativos (quase quatro-quintos

70 MARX, 2017a, p. 495.


71 HOBSBAWM, 1979, p. 51.
!30

deles para as Américas)”.72 A expansão do comércio também se deu de forma


impressionante, e entre 1780 e 1850 ele se multiplicou em mais de quatro vezes.

É preciso agora estreitar os laços e as conexões entre o desenvolvimento de uma


nova forma de produzir e o comércio adequado a esta forma. Comecemos pela
gênese: se a criação de meios de produção revolucionários foi gestada na base da
precarização e submissão da classe trabalhadora, a expansão do comércio não foi
um processo menos violento. Com uma classe trabalhadora sem renda suficiente
para garantir a expansão do comércio, foi preciso ir além das fronteiras nacionais.

Se o capital pode arrancar pela força meios de produção das


estruturas sociais estrangeiras e obrigar os trabalhadores a
converter-se em objetos de exploração capitalista, não pode obrigá-
los pela violência a tornar-se compradores de suas mercadorias nem
forçá-los a realizar sua mais-valia. O que parece confirmar essa
hipótese é a introdução de meios de transporte – estradas de ferro,
navegação, canais – que constituem condição imprescindível para a
difusão da economia de mercado em territórios de economia natural.
A marcha triunfal da compra e venda de mercadorias pode começar
pela construção de transportes modernos, como estradas de ferro,
que atravessem selvas virgens e que transponham montanhas;
linhas telegráficas que passam pelos desertos; paquetes que fazem
escala nos portos do mundo inteiro. O caráter pacífico desses
eventos técnicos é ilusório.73

O caráter pacífico da expansão comercial é falso, não apenas pelas relações


comerciais violentas que se estabelecia com o que havia restado dos povos nativos
americanos, canadenses, etc., mas também pela relação colonial que deu vazão
para boa parte do que se produzia na Europa. Além destas, as relações
estabelecidas entre a Companhia das Índias Orientais e os países fornecedores de
matéria-prima foram sustentadas pelo roubo e pela chantagem.74 Um emblemático
exemplo da brutalidade da expansão comercial se encontra na China; um país auto-
suficiente e conservador do ponto de vista das importações,75 foi dominado pelo
ópio, uma perversa maneira dos ingleses de se inserirem no mercado chinês. As
relações comerciais firmadas entre China e Inglaterra ocorreram pela inserção de

72 HOBSBAWM, 1979, p. 191.


73LUXEMBURGO, Rosa. A Acumulação de Capital: Estudo Sôbre a Interpretação Econômica do
Imperialismo. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1970, p. 334.
74 Ibidem.
75 HOBSBAWM, op. cit., p. 52.
!31

uma droga nociva à população chinesa no mercado e pela guerra declarada contra a
China pela Inglaterra para permitir as importações.

Abertura da China ao comércio de mercadorias, que começou com a


guerra do ópio, foi selada com uma série de pactos e com a
expedição da China em 1900, onde os interesses comerciais do
capital europeu foram substituídos por um roubo público e
internacional de terras.76

A guerra do ópio abriu as porteiras do mundo das mercadorias na China, numa


marcha que proclamava a razão e espalhava a brutalidade. Mas nem só de barbárie
vive o capital, se por um lado “o capital nasce escorrendo sangue e lama por todos
os poros, da cabeça aos pés”,77 ao desfazer os laços da relações sociais, veremos
como ele demole – na medida em que se estabelece – as formas de opressão
diretas, e se instaura como a dominação do homem por meio de estruturas
abstratas;78 mas trataremos desse assunto quando entrarmos na história que
pavimentou o surgimento dos supermercados.

2.2. Transformações no comércio

O ponto de partida para a discussão das transformações no comércio que ocorreram


entre o fim do século XIX e o começo do XX está na compreensão do espaço como
uma “categoria construída socialmente, pelas ações sociais, mais do que tomá-lo
apenas considerando seus aspectos físicos, de forma independente.” 79 As galerias
de Paris e os supermercados americanos não surgiram como ideias geniais de
indivíduos, mas como reprodução de estruturas sociais auto-determinantes.

As galerias de Paris foram espaços destinados às mercadorias de luxo no século
XIX, onde o comércio se dobrava sobre a arte, e onde começa-se a observar

76 LUXEMBURGO, 1970, p. 341.


77 MARX, 2017a, p. 830.
78O capital, porém, não consegue se livrar de todas as estruturas do passado, porque ele não tem a
capacidade de abolir a história, mas apenas a reproduz sob uma nova lógica.
79PADILHA, Valquíria. Shopping Center: A Catedral das Mercadorias e do Lazer Reificado. 2003.
Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciencias Humanas,
Campinas, SP. Disponível em: <http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/280103>. Acesso
em: 04 nov. 2018, p. 39.
!32

grandes estoques de mercadorias.80 O clima de completa ruptura com o passado


imperava na Europa, era preciso distinguir os novos tempos em todas as esferas da
vida social: na arquitetura, nas artes, no consumo. Mas o que realmente ocorria é
que se tratava do “novo” ainda dominado pelos antigos modos de produção.81 Trata-
se do momento de consolidação do indivíduo moderno, onde todas as diferenças
são homogeneizadas e constitui-se apenas os possuidores e produtores privados
em constante competição. Tratava-se da demolição do passado – ou melhor, da
tentativa de sua destruição.

O desenvolvimento das forças produtivas deixou em pedaços os


símbolos dos desejos do século anterior, antes mesmo que
desmoronassem os monumentos que os representavam. No século
XIX, tal desenvolvimento emancipou as formas configuradoras da
arte, assim como no século XVI as ciências se livraram da filosofia.
O início disso é dado pela arquitetura enquanto construção de
engenheiro. Em seguida vem a fotografia enquanto reprodução da
natureza. As criações da fantasia se preparam para se tornarem
práticas enquanto criação publicitária. Com o folhetim, a poesia se
submete à montagem. Todos esses produtos estão a ponto de
serem encaminhados ao mercado enquanto mercadorias. Mas eles
ainda vacilam no limiar. Desta época é que se originam as
passagens e os interiores, os salões de exposição e os panoramas.
São reminiscências de um mundo onírico. A avaliação dos
elementos oníricos à hora do despertar é um caso modelar de
raciocínio dialético. Por isso é que o pensamento dialético é o órgão
do despertar histórico. Cada época não apenas sonha a seguinte,
mas, sonhando, se encaminha para o seu despertar. Carrega em si
o seu próprio fim e como Hegel já o reconheceu – desenvolve-o com
astúcia. Nas comoções da economia de mercado, começamos a
reconhecer como ruínas os monumentos da burguesia antes mesmo
que desmoronem. 82

Ou seja, as transformações do século XIX – da paisagem e da vida cotidiana –


foram produto de um modo de produção que se colocava como total, mas que ainda
estava em processo de devir. Para se ter ideia do ambiente em que essas mudanças
ocorreram, em 1870, 53% da população americana vivia em fazendas e produzia
praticamente tudo que consumia. 83 É por isso que analisar cuidadosamente o

80BENJAMIN, Walter. Paris, capital do século XIX. In: KOTHE, Flávio (org.), Walter Benjamin. São
Paulo: Ática, 1985. p. 30-43, p. 31.
81 Ibidem, p. 32.
82 Ibidem, p. 43.
83ROBBINS, Richard. Global Problems and the Culture of Capitalism. 2ª Ed. Boston: Allyn &
Bacon, 2001, p. 12.
!33

aspecto histórico desta transição, trataremos de uma transformação cotidiana


importante do período: os mercados.

O local onde se compra alimentos e produtos de necessidades básicas permite um


recorte privilegiado da sociedade para analisar transformações fenomênicas. O
mercado onde se adquiria alimentos no passado era um espaço não apenas de
trocas, mas também de socialização e reforço de laços da comunidade. Trata-se do
local onde os indivíduos entravam em contato direto com a produção social total
enquanto consumidores, mas também onde se construía laços identitários étnicos,
de gênero e de raça, assim como era um ambiente onde todos esses aspectos da
vida social entravam em constante conflito.


Como observado em Chicago84 na virada do século XX85 (que aqui nos servirá de
recorte para um processo mais amplo e generalizado), os mercados públicos eram
onde se disputava pelos alimentos mais frescos e pelos melhores preços.
Localizados ao redor dos terminais de trem perto do centro da cidade, os mercados
possuíam uma localização estratégica pelo fato de Chicago ser um ponto de
distribuição para o transporte de carne, grãos, etc, do oeste e sul para o leste e norte
dos EUA; os alimentos vinham da região, mas também de outros lugares ainda mais
distantes. Apesar de dominados por atacadistas, os mercados também mantinham a
presença de vendedores individuais. Entretanto, os mercados públicos não eram os
únicos lugares onde se comprava alimentos; os vendedores ambulantes e as
mercearias locais também faziam parte dessa imensa rede de distribuição de
produtos. Todas essas formas de comprar envolviam a barganha e a exigência por
um atendimento diferenciado, as compras eram um momento de extremo desgaste
para as mulheres – que eram as grandes responsáveis pelo planejamento alimentar
das famílias. Perdia-se muito tempo e se tratava de uma atividade de grande
responsabilidade, afinal, significava cuidar da nutrição de toda a família. Os
mercados públicos eram ambientes onde podia-se ouvir muita discussão, em um

84 É importante mencionar que daqui em diante o que será descrito trata de transformações ocorridas
nos EUA, em algumas regiões específicas. Há similaridades se compararmos a outros países, ao
mesmo tempo que em outros a situação era completamente distinta, porém, não é nosso objetivo
traçar essas diferenças ou estabelecer paralelos. Não se trata de generalizar um fenômeno regional,
mas de um recorte que permite compreender a dinâmica que pretendemos analisar.
85DEUTSCH, Tracey. Building a Housewife’s Paradise: Gender, Politics, and American Grocery
Stores in the Twentieth Century. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2010.
!34

tom de voz elevado, tanto entre os vendedores e consumidores como entre os


próprios consumidores. As exigências passavam pela qualidade dos alimentos,
preços baixos e atenção especial, o que gerava tremendos conflitos, principalmente
em ambientes marcados pela diversidade étnica e racial.

Nos mercados públicos geralmente era proibida a compra de grandes quantidades


de produtos para a revenda – o que não significa que essa regra não fosse burlada
–, por se tratar de um local onde se esperava que produtores e consumidores
entrassem em contato direto para garantir preços baixos e manter a cidade como um
local atrativo para o comércio de alimentos. 86 Para as pessoas que não tinham a
possibilidade de se deslocarem até os mercados públicos ou que simplesmente não
queriam, os ambulantes desempenhavam um papel central na distribuição de
alimentos. Entretanto, com os ambulantes, o processo não era mais pacífico e nem
menos pessoal, ainda havia a necessidade de se barganhar e disputar pelo melhor
preço e melhor produto. Eles também ofereciam algumas vantagens, a começar pelo
fato de venderem alimentos em baixa quantidade (o suficiente para um dia em
alguns casos), o que também significava a compra de alimentos sempre frescos. A
maior parte dos ambulantes se tratava de imigrantes judeus, gregos e italianos,87 o
que intensificava os conflitos pelo caráter anti-imigrantes e anti-semita de uma boa
parte dos moradores de Chicago. Os merceeiros também entravam em constante
conflito com os ambulantes, acusava-se os vendedores ambulantes de não terem
um negócio comercial licenciado e por isso podiam praticar preços mais baixos.
Durante um determinado período os ambulantes foram proibidos de vender produtos
pela pressão exercida pelos comerciantes da cidade.

Os conflitos observados nos mercados públicos e na relação dos vendedores


ambulantes com seus clientes também era visível nas mercearias – que
representavam o maior setor de varejo do país. Os merceeiros nem sempre
compartilhavam da mesma etnia, raça ou religião dos seus clientes, ou mesmo
quando compartilhavam, eles muitas vezes eram acusados de falta de solidariedade

86 DEUTSCH, 2010, p. 26.


87 Ibidem, p. 30.
!35

ao seu grupo.88 Havia uma noção de que as mercearias, por serem um local de
comércio de produtos tão elementares à sobrevivência, precisavam desempenhar
um papel social referente ao grupo no qual o merceeiro pertencia. Pelo fato da
mercearia ser um espaço físico, era possível estabelecer laços mais diretos entre os
consumidores e comerciantes, diferente do que ocorria com os ambulantes.

Era preciso manter boas relações com o merceeiro para que fosse possível ganhar
crédito na sua mercearia, para que ele fornecesse os produtos mais frescos e para
que o preço cobrado também fosse diferenciado. Ressentimento e confiança
desempenhavam um papel importante nas negociações. As tensões sociais
presentes nas mercearias também se demonstravam na prática tanto pelo
atendimento ao cliente quanto pela contratação de empregados. Esperava-se que
uma mercearia onde o dono fosse judeu empregasse apenas outros judeus, em um
processo de ajuda comunitária. Mas esse tipo de situação intensificava conflitos
raciais e étnicos – altamente presentes em uma sociedade racista como a
americana. O caso da comunidade negra era ainda mais evidente pelo fato de os
negros serem donos de poucos estabelecimentos, mas quando o eram, tratava-se
de mercearias, que desempenhavam um papel político importante na tentativa de
autonomia da comunidade negra – o que intensificava ainda mais os conflitos
raciais.

Uma parte considerável dessa dinâmica de negociação era desempenhada pelas


mulheres. O que significava que em tempos de inflação e dificuldades econômicas,
muitas vezes elas foram acusadas de serem as responsáveis pelas complicações
financeiras nos lares. As mulheres eram vistas como seres naturalmente aptos à
negociação, barganha e negociação, entretanto, trata-se de atributos desenvolvidos
pelo papel social desempenhado pelas mulheres naquele período e a capacidade de
economizar na compra de alimentos para a família era muito valorizada. Esse foi um
período importante para a criação do estereótipo da mulher que gastava de forma
descontrolada; por serem as responsáveis pela maior parte das compras no lar, é
claro que as mulheres acabavam gastando mais e com mais frequência que os
homens – o que obviamente não se tratava de um descontrole financeiro, mas de

88 Ibidem.
!36

um papel socialmente desempenhado. Até mesmo as mulheres de classe média


desempenhavam esse papel em casa, porque não confiavam em suas empregadas
e empregados, acusando-os constantemente de trazerem produtos de baixa
qualidade para casa. As compras por telefone também acabavam com o mesmo
problema, pelas quais não era possível selecionar os melhores produtos.

O cenário das mercearias era muito diferente dos supermercados que surgiram
depois. Se no fim do século XIX começaram a surgir os primeiros alimentos pré-
embalados, eles ainda não haviam se generalizado no começo do século XX nos
EUA. Os clientes se aproximavam dos vendedores e escolhiam os produtos que se
localizavam atrás do balcão, ou que estavam nos fundos, onde não era possível que
o cliente tivesse qualquer controle sobre os produtos escolhidos. Não era comum
encontrar preços fixos nos produtos, o que permitia uma elasticidade no preço de
acordo com o cliente. Os grãos – e diversos outros produtos – eram pesados e
embalados pelos funcionários, e era nesse momento que a barganha e as relações
sociais operavam de forma direta nas trocas. Toda compra precisava ser
racionalizada – comprar em grande quantidade para economizar ou comprar em
pouca quantidade para ter alimentos sempre frescos. Os mercados públicos e as
mercearias nem sempre estavam próximos dos lares, o que significa que muitas
pessoas precisavam levar suas compras no transporte público ou arcar com os
custos da entrega.

Foi em meio aos conflitos aqui tratados que diversas transformações nos locais de
consumo começaram a operar. A segunda metade do século XIX foi o momento da
história em que podemos observar a produção para a troca se estabelecendo como
norma nos EUA, generalizando-se. As transformações que isso gera tanto nos
espaços de trocas quanto nos produtos trocados é imensa. É importante mencionar
que se a abordagem mais comum tende a valorizar o aspecto do “espetáculo” e da
“manipulação”, o nosso objetivo aqui é tratar como essas mudanças estavam
presentes no que havia de mais cotidiano e mundano e não meramente no
extraordinário. A nova forma de consumir alterava a vida das pessoas de forma não
tão empolgante, mas o fazia pela reconstrução da rotina e dos espaços públicos e
!37

privados.89 As transformações observadas na aquisição de alimentos foram


compartilhadas por toda a sociedade, elas integraram o dia-a-dia da maior parte da
população de forma direta ou indireta; não se tratava somente da fantasia, dos
desejos e dos sonhos, mas de necessidades básicas para a reprodução da vida
humana. A indústria de alimentos americana sofreu fortes mudanças entre 1880 e
1920, tanto pelos avanços das técnicas da produção como pelo marketing. Tratava-
se do surgimento de produtos padronizados, tanto em seu conteúdo quanto em sua
forma, distribuídos nacionalmente e divulgados em jornais e outdoors. Tudo isso foi
possível graças ao desenvolvimento de novas tecnologias como a linha de produção
e a eletricidade, mas também pelo desenvolvimento do transporte – afinal, a
produção, como já discutimos antes, é a esfera determinante, mas também
dependente de fatores da distribuição.

Se a produção em massa surgia como a forma adequada da produção capitalista,


era preciso o surgimento de uma forma adequada de consumo: o consumo em
massa, aliada ao comércio em massa. Mas se o consumo em massa em certa
medida era a consequência da produção em massa, ele precisava adquirir uma
forma imediata bem acabada, que foi atingida com o self-service.

2.3. A pré-história do supermercado

O supermercado, que agora aparece como um ponto de chegada, na verdade


operou como um ponto de partida para diversas reflexões. Muito antes de consultar
a literatura sobre o assunto, pode-se perceber o quanto temos no supermercado um
dos ambientes mais frequentados no cotidiano. Afinal, é de lá que vem a maior parte
dos alimentos que consumimos, dos mais industrializados aos orgânicos, os
produtos de limpeza que utilizamos diariamente e diversos utensílios domésticos. O
supermercado não é onde tudo isso é produzido, mas é o local onde ocorre a
mediação entre a esfera do consumo e a da produção – não é o único, é claro, mas
é um lugar que carrega dinâmicas do sistema que merecem um olhar mais
cuidadoso.

89HUMPHERY, Kim. Shelf Life: Supermarkets and the Changing Cultures of Consumption.
Cambridge, United Kingdom New York: Cambridge University Press, 1998, p. 26.
!38

Voltemos à história. Os EUA no fim do século XIX e começo do século XX, como já
observamos com o caso de Chicago, tratava-se de um país permeado por relações
conflituosas. O ano de 1919 ficou marcado por um intenso conflito entre afro-
americanos e brancos, ao longo desse período foram registrados uma enorme
quantidade de roubos, pilhagem e ataques. Os bairros negros e de trabalhadores
brancos foram onde o conflito se concentrou. Muitos negros ficaram impedidos de ir
ao trabalho – que incluía a passagem por bairros brancos no caminho – durante
vários dias.90 Esse período escancarou ainda mais o racismo presente na sociedade
americana e considerando que se chegava no fim da Primeira Guerra Mundial, é
possível entender como os problemas se intensificaram e geraram uma sociedade
ainda mais cindida.

O custo de vida no ano de 1920 já era duas vezes maior que o de 1913.91 O pós-
guerra ficou marcado pela inflação, responsável pelo aumento dos conflitos descritos
anteriormente entre comerciantes e consumidores, por consequência, nos EUA, a
segunda década do século XX se apresentava como o momento ideal para o
surgimento das cadeias de lojas.92 Nos anos próximos à Primeira Guerra Mundial, as
cadeias de lojas transformaram completamente o cenário varejista de Chicago. Se
antes as vizinhanças eram dominadas por pequenas lojas, a operação destas era
feita localmente e os ambulantes faziam parte do cotidiano dos compradores, o
cenário se transformou com a chegada das corporações que geriam as cadeias de
mercearias.93 Com promessas de preços baixos (em um período pós-guerra),
independência do consumidor (que agora escolhia o seu produto) e garantia de
qualidade dos produtos (que em alguma medida, vinham pré-embalados), é possível
compreender a transformação causada pelas cadeias. As novas mercearias eram
menores que as mercearias tradicionais, mas agora eram bem planejadas e com a
sua operação centralizada – “pequenas lojas eram lugares de grandes negócios”.94

90 DEUTSCH, 2010, p. 38.


91 Ibidem.
92 Na literatura consultada, o termo utilizado em inglês é “chain stores”.
93 DEUTSCH, op. cit., p. 43.
94 Ibidem, p. 44.
!39

O desenvolvimento capitalista, tanto na produção quanto na circulação, gira em


torno de um controle centralizado e da padronização de processos e produtos.

As cadeias de lojas surgiram como uma resposta para o problema da alta dos
alimentos que estava além do controle individual. As mulheres, responsáveis pelo
planejamento alimentar das famílias, foram culpabilizadas em alguma medida pelo
aumento do custo de vida, como se elas estivessem gastando de forma irracional.
Por essa razão, as cadeias surgiram com um grande apelo para as mulheres pela
sua capacidade de oferecer preços baixos. Entretanto, como podemos observar no
trecho abaixo, não se tratou de uma “solução” sem conflitos.

Esse estilo de varejo sempre foi controverso e foi responsável pelo


primeiro movimento contra as cadeias de lojas, que surgiu na
década de 1920. Quando começaram a proliferar lojas de descontos
como a AEtP e a Woolworths, pequenos comerciantes tentaram
tornar ilegal para as cadeias usar seu porte relativo para forçar os
preços no atacado para baixo e reduzir os preços no varejo. A
retórica da época, como assinalou Ortega, guarda uma semelhança,
atordoante com a linguagem de grupos de oposição populares que
brotaram em dezenas de cidades norte-americanas quando era
anunciada a chegada iminente de uma nova loja Wal-Mart.95

A entrada do capital no comércio com a mesma voracidade que já se estabelecia na


produção enfraqueceu os pequenos negócios. Não que eles tenham deixado de
existir de forma definitiva, o papel que eles desempenhavam na sociedade foi
reduzido drasticamente e uma nova forma de fazer varejo se formava. A
concorrência, mais uma vez, executava as leis do capital. Como vemos no trecho
abaixo,

Se, ao contrário, o grande capitalista quer derrubar o pequeno, tem


perante este último todas as vantagens que o capitalista, como
capitalista, tem perante o trabalhador. Os ganhos menores lhe são
compensados através da maior quantidade do seu capital, e ele
pode inclusive suportar prejuízos momentâneos por um tempo, até
que o pequeno capitalista esteja arruinado e ele se veja livre dessa
concorrência. Assim, ele acumula os ganhos do pequeno capitalista.

E ainda: o grande capitalista compra sempre mais barato do que o


pequeno, porque ele compra em grande quantidade. Portanto, pode
vender mais barato, sem prejuízo.96

95KLEIN, Naomi. Sem Logo: A Tirania das Marcas em um Planeta Vendido. Rio de Janeiro, Ed.
Record, 2002, p. 104.
96 MARX, Karl. Manuscritos Econômicos-Filosóficos. São Paulo: Editora Boitempo, 2004, p. 50.
!40

O fenômeno descrito acima (em 1844) pode ser observado nas cadeias de lojas no
começo do século XX, mas também na segunda metade do século. Quando
pequenas empresas, concorrentes da rede de supermercados Wal-Mart, afirmavam
que pagavam mais caro nos produtos no atacado do que o supermercado vendia no
varejo,97 trata-se do mesmo processo observável em diversos momentos e locais na
história.

O surgimento das cadeias minou a barganha e disputas por preços dentro das
mercearias. Com o sistema de preços fixos, os funcionários não podiam mais
conceder descontos e também não estavam autorizados a disponibilizar crédito para
os consumidores. As animosidade e conflitos pessoais não influenciavam mais
diretamente a experiência do usuário como acontecia antes – instaurava-se, aos
poucos, as relações impessoais de troca na esfera do consumo.

Além disso, ao contrário das [mercearias] independentes geridas por


famílias, as cadeias de lojas precisavam de trabalhadores externos.
Eles estavam dispostos a contratar afro-americanos (e imigrantes
brancos) para ocupar cargos, especialmente quando as lojas eram
em vizinhanças afro-americanas ou de etnias brancas. Isso não quer
dizer que afro-americanos ou imigrantes recém chegados
experimentassem igualdade em cadeias de lojas, seja como
trabalhadores ou como clientes. Mas essa estrutura oferecia novas
possibilidades para evitar e minar as expressões locais de racismo.98

Entretanto, o domínio das corporações deveio também das novas estratégias que a
centralização do controle das lojas permitia. Abrir uma nova loja era um processo
dispendioso e que não garantia um sucesso imediato. A padronização das lojas99
permitiu que a expansão das redes fosse feita com mais eficiência e menor custo; no
lugar de adaptar-se à região onde a loja atuaria, buscava-se locais onde já havia
chance de sucesso e a população tivesse uma boa aceitação dos seus termos.100

97 KLEIN, 2002, p. 104.


98 DEUTSCH, 2010, p. 53. Tradução livre.
99 O marco desse fenômeno foi a planta patenteada da rede Piggly Wiggly, que representou uma
virada no mundo do comércio ao consolidar o self-service. As lojas possuíam catraca e obrigavam o
consumidor a atravessar todos os corredores até chegar nos caixas por meio de um caminho único. A
rede era famosa também por vender praticamente apenas produtos pré-embalados. Cf. PALM,
Michael. Technologies of Consumer Labor: a History of Self-Service. New York: Routledge, 2017, p.
45.
100 DEUTSCH, op. cit., p. 64.
!41

Locais movimentados, com muitas famílias na região, menos concorrência, entre


outros fatores, eram o que as corporações buscavam para se instalar. Entretanto,
isso significava que nem todas as vizinhanças receberam as redes de mercearias.

Se a década de 1920 ficou marcada pelas cadeias de lojas, as décadas de 1930 e


1940 viram o surgimento do supermercado. É interessante observar como as lojas
das primeiras cadeias de mercearias eram menores que as antigas mercearias
independentes; era uma redução do espaço físico imediato aliada a uma expansão
econômica. Por outro lado, os supermercados eram estruturas muito maiores (em
alguns casos, utilizou-se do espaço de antigas fábricas), o que demonstrava a
escala em que o capital comercial pretendia operar a partir daquele momento. Os
supermercados surgiram como um exemplo não apenas para a venda de alimentos,
mas para todo o comércio. O comando dos supermercados era ainda mais distante
dos consumidores do que o comando das primeiras mercearias em cadeia,
principalmente porque os supermercados surgiram distantes das vizinhanças, o que
também impulsionou a presença de uma cultura do automóvel e uma expansão das
rodovias presente nos EUA na época. 101

O processo de compra agora possuía uma dinâmica distinta: não era mais preciso
confiar no vendedor, era preciso confiar na mercadoria. A uniformização dos
produtos – levada a cabo pelo processo produtivo – também permitia a redução de
custos, porque significava o aumento da produtividade pelo aperfeiçoamento da
divisão técnica do trabalho.


As corporações que agora tomavam conta do varejo introduziram muitas novidades


na forma como a venda acontecia. Contudo, a novidade que começava a florescer
no período das cadeias de lojas que merece uma atenção especial: o self-service.

2.4. A supressão das relações pessoais no consumo: o self-service

As novas mercearias, com seu espaço planejado e seus produtos distribuídos em


prateleiras, não podiam surgir sem as condições adequadas para isso. Apesar dos

101Com seus grandes estacionamentos, os supermercados deixavam claro o papel dos automóveis
nesse processo.
!42

conflitos e inflação, verificava-se a ampliação de investimentos e a mudança nos


padrões de produção de alimentos e outros produtos. Em 1910 a produção de
enlatados já representava 20% do total e mais de 3 bilhões de alimentos enlatados
foram produzidos. A publicidade chegava nos 600 milhões de dólares em
investimentos na mesma data – um número incrível considerando-se que em 1880 o
gasto foi de 30 milhões (em 1929 chegou a 11 bilhões). Foi também nesse período
que ocorreu o surgimento de novas tecnologias utilizadas em embalagens (produção
de garrafas automatizada em 1903, produção de folhas de alumínio após 1910 e a
produção do papel celofane em 1913). Não se tratava, porém, de uma ruptura com
tudo que havia sido feito anteriormente: em 1852 já surgia a primeira loja de
departamento em Paris, a Bon Marché, que permitia que os consumidores
entrassem sem terem necessariamente a pretensão de comprar algo e era possível
observar o self-service dando os seus primeiros passos.102 Entretanto, a principal
diferença reside no fato de as lojas de departamento serem ambientes de consumo
das classes mais altas, enquanto o supermercado e as cadeias de mercearias eram
locais de consumo de todas as classes, o que possibilitava uma maior generalização
da transformação descrita.

No varejo, o vendedor das novas mercearias desempenhava funções muito distintas


do que desempenhava anteriormente. Se antes eles recomendavam produtos para
os clientes, moíam os alimentos, os embalavam e participavam de uma intensa
negociação, agora essas funções já não lhes cabiam mais. Surge assim o conceito
de “vendedor silencioso”.103 Enquanto nos mercados públicos as discussões e
negociações eram sempre feitas em um tom de voz muito elevado, o que começou a
imperar com o supermercado foi o silêncio. Os mercados públicos não eram
ambientes limpos e organizados, a maneira como os produtos eram expostos não
era de forma alguma sistematizada e, consequentemente, não se tratava de um
processo onde o consumidor se relacionava diretamente com a mercadoria, havia
sempre um mediador. As corporações que agora dominavam o varejo trabalharam
muito para se distanciarem dos elementos aqui mencionados que marcavam o
imaginário da antiga forma de adquirir produtos.

102 ROBBINS, 2001, p. 13.


103 BOWLBY, Rachel. Carried Away: The Invention of Modern Shopping. London: Faber, 2001, p. 35.
!43

Nas cadeias de mercearias e nos supermercados, os produtos eram dispostos em


prateleiras, em embalagens fechadas com preço e peso já definido, além de
organizados em setores e sempre alinhados, o ambiente era o mais limpo possível e
o papel do vendedor agora era outro. O comprador agora estava só, vagando por
corredores, escolhendo os produtos que desejava levar para casa. O silêncio era
também a representação de um ambiente sem conflitos, sem disputas e onde a
ordem imperava. O “vendedor silencioso” não era apenas o trabalhador do varejo,
mas também as embalagens, as quais desempenhavam o papel mediador sem
emitir som algum.

Se por um lado, o self-service era um produto de um contexto específico e


necessitou do amadurecimento de diversas dinâmicas comerciais da sociedade, ele
foi, por outro lado, o responsável pelo desenvolvimento de tantas outras dinâmicas
sociais, logo, foi responsável pelo estabelecimento de novos impasses. A separação
das ilhas e do caixa criou um tipo de situação onde era possível escolher um produto
sem ter a obrigação imediata da compra. O que era vendido como a máxima
liberdade dos clientes, gerou na prática uma nova situação legal, onde o consumidor
assumia algum grau de responsabilidade sobre produtos que ele ainda não havia
adquirido.104 Foi preciso proteger legalmente os consumidores ao mesmo tempo que
essas novas responsabilidades eram adquiridas, já que agora o comprador
desempenhava tarefas que eram anteriormente desempenhadas por trabalhadores
nos mercados. A “doutrina do risco assumido”, que historicamente protegeu os
empresários pelos acidentes que aconteciam com os empregados no trabalho, se
estendia aos consumidores, que agora arcavam com as consequências de poder
caminhar pelos supermercados com um carrinho cheio de produtos que ainda não
haviam sido efetivamente adquiridos. Isso significava que os consumidores também
passavam a ter responsabilidade pelos acidentes que ocorressem com eles no
interior das lojas.105

104 PALM, 2017, p. 51.


105 Ibidem.
!44

Um importante fator necessário para o sucesso do self-service foi a crescente


alfabetização dos consumidores. O uso de embalagens presumia elementos textuais
(além de elementos gráficos), o que significa dizer que os compradores precisavam
ao menos compreender o mínimo da informação sobre o produto ofertado. O
analfabetismo foi, inclusive, um dos fatores responsáveis pelo sistema não ter
atingido o sucesso esperado de imediato. O grande número de imigrantes, de
pessoas não familiarizadas com os produtos e de outros fatores fizeram com que
vendedores fossem contratados novamente para lidar com os clientes. Em 1936, em
Chicago, apenas uma das cadeias de mercearias operava somente com o self-
service em todas as suas unidades, provando que o desenvolvimento não foi linear,
como muitas vezes se espera da implementação desse sistema. 106

Todo o processo de dividir um produto em partes iguais e embalá-lo fazia parte de


uma transformação da distribuição que agora também estava sob os mesmos
ditames da eficiência que imperava na produção. As possibilidades se ampliavam e
o marketing podia operar de forma muito mais presente, entretanto, no início do
processo, a estratégia de marca ainda não estava bem estabelecida. Como bem
revela o trecho abaixo:

As primeiras campanhas de marketing de massa, que começaram


na segunda metade do século XIX, trabalharam mais com a
publicidade do que com a marca como a compreendemos hoje.
Diante de um leque de produtos recentemente inventados – rádio,
fonógrafo, carro, lâmpada elétrica e assim por diante – os
publicitários tinham tarefas mais prementes do que criar uma
identidade de marca para qualquer corporação; primeiro tinham de
mudar o modo como as pessoas viviam. A publicidade devia informar
os consumidores da existência de algumas novas invenções, depois
de convencê-los de que sua vida seria melhor se usassem, por
exemplo, carros em vez de bondes, telefones em lugar de cartas e
luz elétrica em vez de lampiões a óleo. Muitos desses novos
produtos traziam marcas – e algumas delas ainda estão por aí hoje
–, mas isso era quase incidental. Esses produtos eram em si mesmo
uma novidade; e isso praticamente bastava como publicidade.107

O uso de rótulos e embalagens em geral se colocava como uma garantia maior do


que a palavra dos vendedores (por conta do registro material), era um espaço
informativo sobre os produtos e dava condições de um papel ativo por parte dos

106 DEUTSCH, 2010, p. 69.


107 KLEIN, 2002, p. 15.
!45

consumidores. Ao mesmo tempo, o uso de embalagens – principalmente no caso


dos alimentos enlatados – transferia toda a aparência e qualidade do produto para
uma dimensão exterior a ele; o que também significava que já não era mais possível
distinguir imediatamente a qualidade dos produtos, a comparação era realizada por
meio da análise de suas embalagens. Entretanto, alguns consumidores ainda eram
céticos em relação às informações contidas nas embalagens, preferindo confiar nos
antigos vendedores – ainda era preciso convencer os compradores de que as
embalagens diziam a verdade. Essa dinâmica exigiu novas estratégias de
comunicação que envolviam tanto os aspectos materiais do produto comercializado
(embalagem e rótulo) como todo a narrativa que girava ao seu redor. A propaganda
se intensificava (como os dados que apresentamos anteriormente demonstraram) e
foi preciso criar familiaridade dos clientes com os produtos comercializados. Porém,
como mostra o trecho abaixo, não era o seu aspecto útil o foco do que se veiculava
na propaganda, mas toda uma estratégia de marca que agora se desenvolvia como
uma articulação importante para a venda de produtos.

A primeira tarefa do branding era dotar de nomes próprios bens


genéricos como açúcar, farinha de trigo, sabão e cereais, produtos
que antes eram retirados de barris por comerciantes locais. Na
década de 1880, as logomarcas corporativas foram aplicadas a
produtos fabricados em massa como a sopa Campbell's, os picles H.
J. Heinz e a aveia Quaker. Como observam os historiadores e
teóricos do design Ellen Lupton e J. Abott Miller, as logomarcas eram
elaboradas de modo a evocar familiaridade e um caráter popular (ver
Tia Jemima), como uma forma de tentar superar o novo e
perturbador anonimato dos bens embalados. “Personalidades
familiares como o Dr. Brown, Uncle Ben, Tia Jemima e Old Grand-
Dad passaram a substituir o lojista, que tradicionalmente era
responsável por medir a quantidade de alimentos para os clientes e
agir como divulgador dos (...) um vocabulário nacional de marcas
subseguiu o pequeno lojista local como a interface entre o
consumidor e o produto.” Depois de estabelecer o nome e o caráter
dos produtos, a publicidade lhes deu um meio de atingir diretamente
os prováveis consumidores. A “personalidade” corporativa,
singularmente nomeada, embalada e divulgada, havia chegado.108

Ou seja, era preciso ensinar as pessoas a consumirem um “novo” tipo de produto,


mas principalmente ensiná-los uma nova forma de consumir. Incrivelmente, ir às
compras não é uma atividade tão natural e instintiva como as empresas fazem
parecer nos dias de hoje. O indivíduo moderno precisou aprender sobre produtos e
serviços, precisou aprender a dinâmica dos preços, onde comprar e como comprar.

108 KLEIN, 2002, p. 16.


!46

A contemporaneidade só confirma como é forte e constante esse processo de


reafirmação do aprendizado das compras, esse esforço está presente nas revistas
especializadas em carros que produzem longas análises sobre cada modelo que
está por vir aos canais no YouTube com especialistas em tecnologia que nos
mostram o modelo mais adequado de aparelho celular a ser comprado. Trata-se de
um processo sem fim que tem como um de seus marcos o momento histórico aqui
destacado e que demonstra se aprimorar a cada dia.

O fortalecimento das propagandas encorajou progressivamente os consumidores a


perguntar por produtos pelo nome da sua marca, o que significava que muitos
estavam sendo conquistados pelas propagandas. Esse fenômeno voltou a reduzir a
autoridade do vendedor no processo de compra e abria-se definitivamente o espaço
para a generalização do self-service nos supermercados. “O supermercado expurga
a sociabilidade, que desacelera as vendas.”109 Porém, é curioso notar que a retirada
do atendente e do vendedor no processo de compra permitiu o ressurgimento destes
como um serviço exclusivo de algumas lojas, como um “atendimento especial” – o
capital não descarta o seu passado, mas o coloca para operar em novas estruturas.

A embalagem esconde agora aspectos da mercadoria que fazem parte da sua


existência natural. Ela esconde odores, texturas e diversas características que são
associados a falta de higiene e ausência de cuidados com a preservação do
produto.110 A embalagem agora não apenas substitui os antigos métodos de
embalar, mas carrega toda uma narrativa sobre o produto ali presente; para fazer
isso a sua estratégia é esconder o que ela vende. Ela se volta para fora, tenta
apartar o seu conteúdo natural da sua imagem.

Há diversas estratégias utilizadas em toda a estrutura desenvolvida pela estética da


mercadoria. Uma embalagem que não se altera com frequência é vista como uma
embalagem familiar. A distância entre o produto e todo o material gráfico veiculado
sobre ele permite que cartazes, slogans, propagandas e outros sejam alterados
constantemente. Por se tratar de material que não está diretamente ligado com o

HINE, Thomas. The Total Package: The Secret History and Hidden Meanings of Boxes, Bottles,
109

Cans, and Other Persuasive Containers. Boston: Back Bay Books, 1997, p. 2.
110 BOWLBY, 2001, p. 48.
!47

produto comercializado de forma mais imediata, mas que opera como material
complementar é possível alterá-lo com uma frequência maior sem grandes
problemas de logística e custo. Esse material de publicidade tinha a função de
“venda prévia” do produto para que o consumidor chegasse ao supermercado,
encontrasse o produto já “pré-vendido” e apenas concluísse a compra. Trata-se da
extensão da venda para um momento anterior à sua concretização, uma tentativa de
encaixar a dinâmica das trocas em toda a experiência social dos indivíduos.
Estimular desejos, criar sentimentos, construir toda uma narrativa sobre um estilo de
vida e associar a felicidade ao consumo são tentativas não de mera “manipulação”,
mas de vender bens de consumo antes da efetivação do ato de troca. Tudo isso é
feito mediante a diversos artifícios que trabalham com a sensibilidade dos
indivíduos. Vender um produto fora do local onde ele é comercializado significa
romper com as barreiras locais da negociação – não há mais necessidade de
convencer, porque a maior parte do serviço já foi feito fora do supermercado, a
confiança do consumidor já foi conquistada.

Mas como opera o self-service do ponto de vista da sociedade capitalista? Para que
ele serve na moderna sociedade burguesa? A principal função do self-service é a
transferência de atividades, que antes eram executadas pelo trabalhador (e eram
trabalho), para o consumidor, por meio de um objeto externo e ambiente mediador.
O vendedor não precisa mais buscar os produtos solicitados pelo comprador, o
próprio consumidor é quem faz todas as escolhas no supermercado e as coloca no
carrinho. Se antes ele era convencido pelo vendedor, agora o diálogo de venda é
feito entre o indivíduo e a mercadoria.

A título de exemplo de como o self-service caminha aliado ao processo de redução


de custos para o capital, é curioso notar como ele operou no campo da telefonia:
não era mais necessário a contratação de telefonistas para conectar duas pessoas
que queriam se comunicar, todo o processo passou a ser mediado por uma interface
(teclado numérico) que permite que o processo seja automatizado. A transferência
de trabalho pode se dar de tal forma que um determinado tipo de emprego deixe de
existir, ou que nele se desempenhe menos funções do que antes. Uma série de
atividades desempenhadas por trabalhadores de empresas agora não precisam
!48

mais ser desempenhadas por eles. O trabalhador precisa cada vez menos de
habilidades para a execução de tarefas no seu ambiente de trabalho, porque sempre
que possível o capital irá transferir suas funções a objetos e máquinas que são mais
confiáveis, aumentam a produtividade e, principalmente, não dependem de salário
para operarem. Mas não se trata de uma transferência de trabalho de forma tão
mecânica e sempre com bons resultados, o self-service precisa de artifícios
tecnológicos para operar de forma adequada, precisa de um contexto favorável para
seu sucesso e de uma interface gráfica que torne familiar aquela relação entre um
indivíduo e um produto. Sabemos que esse processo não pode acontecer sem
enfrentar empecilhos e que ele possui limites.

O self-service está associado e é constantemente determinado também pelo


processo produtivo. O uso de prateleiras para que os indivíduos peguem um produto
por conta própria nos supermercados exige que esses produtos contenham
informações e uma interface gráfica que convença o comprador a levá-lo. Tudo isso
não pode ser feito sem o devido desenvolvimento técnico de impressões. “As
máquinas não apenas produziam em massa um crescente número de bens para a
venda, mas também faziam as embalagens contendo bens produzidos em
massa.”111 É interessante observar também como as prateleiras significaram uma
nova dinâmica de estoque, pois elas eram capazes de armazenar uma grande
quantidade de produtos no mesmo local em que os consumidores visualizavam e
escolhiam o que seria comprado. Isso não significa que os supermercados se
livraram dos estoques, principalmente porque com a redução do tamanho das casas
e apartamentos no começo do século XX,112 o espaço para estocar alimentos havia
se reduzido, portanto as lojas precisavam desempenhar esse papel e as pessoas
compravam a medida que necessitavam dos alimentos.113 Mas o cenário logo se
transformou, com o surgimento dos freezers (também no começo do século XX), o
armazenamento foi parcialmente transferido de volta para os consumidores. O

111 PALM, 2017, p. 46. Tradução livre.

Há várias razões para explicar esse fenômeno, mas a principal é a redução da família a um núcleo
112

menor do que antes.


113 BOWLBY, 2001, p. 144.
!49

desaparecimento das vitrines nos supermercados 114 foi outro fenômeno que
explicitava o novo papel desempenhado pelas prateleiras: o de ser local de
armazenamento e de exposição. Trata-se de uma função híbrida onde não apenas
se estocava, mas também se promovia vendas ativamente.

Como vimos, os novos arranjos de self-service e de armazenamento


transferiram para clientes funções que foram anteriormente
realizadas por lojas: as pessoas agora fazem o seu próprio estoque
e sua própria distribuição, em ordem inversa, viajando longas
distâncias para a loja em seu próprio veículo de entrega.115

O que todas essas transformações indicam é que a automação no setor comercial


muitas vezes vem acompanhada pelo self-service, que é a forma ideal de consumo
em massa na sua relação com a produção em massa. Trata-se de reduzir custos de
circulação, porque

Os custos da circulação se resolvem em custos de movimentos;


custos de levar o produto ao mercado; o tempo de trabalho que é
requerido para efetuar a mudança de uma condição à outra; custos
todos que, de fato, resolvem em operações de cálculo e no tempo
que custam […].116

Ou seja, trata-se de “falsas despesas”, que tem origem nas funções autonomizadas
pela divisão do trabalho, como o comércio. Esse processo não tem como objetivo a
criação de valores117 (principalmente quando o processo se automatiza), mas de
reduzir os custos adicionais acrescidos aos valores criados para que os mesmos
fossem vendidos – reduzindo a negação dos valores criados, permitindo a sua
realização. Essa questão levanta muitos questionamentos, principalmente sobre a
possibilidade do setor se automatizar de forma completa, onde não haveria mais a
necessidade de se utilizar trabalhadores. Como não pretendemos nos aprofundar no
tema, segue uma citação que visa levantar alguns pontos importantes sobre o lugar

A rede de supermercados Big Bear foi uma das primeiras a consolidar essa tradição. Cf. BOWLBY,
114
2001, p. 142.
115 Tradução livre. BOWLBY, 2001, p. 157.
116 MARX, 2011, p. 517.
117Esse debate e suas complicações não serão tratados aqui, mas é importante mencionar a
complexidade da questão, que abre espaço para muitas divergências dentro da tradição marxista.
!50

do trabalho do setor comercial no capitalismo.


O processo de reprodução engloba ambas as funções do capital e,


portanto, também implica a necessidade da representação dessas
funções, seja pelos próprios capitalistas, seja por seus agentes, os
trabalhadores assalariados. Mas isso não é razão para confundir os
agentes da circulação com os agentes da produção, e tampouco as
funções do capital-mercadoria e do capital monetário com as do
capital produtivo. Os agentes da circulação têm de ser pagos pelos
agentes da produção. Mas se os capitalistas, ao comprarem e
venderem entre si, não criam com esse ato qualquer produto ou
valor, isso não se altera em nada quando o volume de seu negócio
lhes permite e exige que transfiram essa função a outrem. Em
muitos negócios, compradores e vendedores são pagos com uma
porcentagem do lucro. Dizer que eles são pagos pelos consumidores
não ajuda em nada. Os consumidores só podem pagar na medida
em que eles mesmos, como agentes da produção, produzem um
equivalente em mercadorias ou se apropriam de tal equivalente dos
agentes do produção, seja com base num título jurídico (como seus
associés [sócios] etc.), seja por meio da prestação de serviços
pessoais.118

O ponto central levantado acima trata da dependência dos agentes da circulação em


relação aos agentes da produção. Os agentes da circulação serem pagos pelos
agentes da produção significa que é o mais-valor produzido na produção que paga o
trabalho despendido na circulação. Essa dependência existe, mas o que
observamos é que a esfera da circulação tem adquirido cada dia mais uma aparente
autonomia. A automação e as estratégias de self-service que costumam acompanhar
podem ser viáveis na circulação porque são uma redução real de custos para o
capital; não carregam as mesmas sementes da crise quando a automação opera no
setor produtivo. Se hoje se discute sobre a possibilidade do varejo parcialmente
automatizado,119 contudo, já era possível observar esse fenômeno no ano de 1945
nos EUA, com o supermercado Keedoozle, uma das primeiras investidas para a
automatização do setor. Nessa experiência, os consumidores usavam uma chave
para destravar a vitrine interna e sinalizar quais produtos eles queriam. Eles eram
despachados por meio de uma esteira até o caixa e identificados pelo código da
chave utilizada.120 As tentativas de automatizar o setor não são novas, mas há

118 MARX, 2014, p. 206.


119Nos EUA podemos observar o supermercado da Amazon inaugurado no ano de 2018, enquanto
no Brasil, há a loja Zaitt, em Vitória no estado do Espírito Santo. Todas essas experiências são
dependentes de trabalhadores para reposição de estoque, mas não há vendedores nem operadores
de caixas, tanto o controle quanto as compras são feitos por meio de um aplicativo no aparelho
celular dos consumidores.
120 BOWLBY, 2001, p. 141.
!51

grandes barreiras que, para além das questões técnicas, envolvem a experiência
dos usuários. Em outras palavras, o trabalho que será executado por eles precisa
estar claro o bastante para que aquela tarefa seja executada sem grandes
dificuldades.

A dependência real e a aparente autonomia do setor comercial são dois aspectos da


mesma forma social. O setor comercial parece caminhar com as próprias pernas e
impõe dinâmicas novas a cada momento. Se por um lado os objetivos desse setor
são a redução de custos de circulação, por outro há uma tentativa de aumentar o
preço das mercadorias. O que parece uma contradição da teoria é na verdade uma
contradição da própria realidade social. Essa contradição significa principalmente um
acirramento da disputa entre diferentes setores do capital que entram em constante
choque por terem distintos lugares reservados na reprodução da totalidade social
capitalista. Onde um perde, outro ganha. A diferença entre os momentos do
processo são apenas aparentes, o capital total é integrado, contém a contradição,
mas põe a si mesmo continuamente.

Resumindo as três formas, todos os pressupostos do processo


aparecem como seu resultado, como um pressuposto produzido pelo
próprio processo. Cada momento aparece como ponto de partida,
ponto de transição e ponto de retorno. O processo inteiro apresenta-
se como unidade do processo de produção e do processo de
circulação; o processo de produção torna-se mediador do processo
de circulação, e vice-versa. 121

Essa aparente cisão entre os capitais tem consequências nos aspectos mais
elementares do capitalismo. Trataremos disso a seguir.

121 MARX, 2014, p. 179.


!52

3 - ESTÉTICA DA MERCADORIA

Elas abstraem do Ser o Parecer,


E cada um jura que é o Ser.
Goethe

3.1. As aparências não só enganam, também dão lucro

As mercadorias, como já destacamos no começo, precisam se realizar enquanto


valores de troca. A maneira como essa realização acontece é o ato da troca, ou seja,
a mercadoria (M) passa por uma transformação formal, torna-se dinheiro (D).122 Em
outras palavras, trata-se da venda, da passagem da mercadoria das mãos do
vendedor para o comprador e do dinheiro das mãos do comprador para o vendedor.
As mercadorias prenhes de mais-valor precisam ser realizadas, ou seja, vendidas. O
sistema precisa – apesar de todos os artifícios que utiliza para que a produção
continue sem grandes interrupções – que o ciclo se feche para que ele possa se
manter em constante reprodução.

Se por um lado descrevemos diversas estratégias do comércio desenvolvidas ao


longo dos últimos dois séculos, por outro, ainda não tratamos de uma questão
elementar do processo. A discussão se inicia com a constatação, que parece óbvia,
de que a compra e o uso estão (normalmente) separados no espaço e no tempo.
Entretanto, essa obviedade implica o seguinte problema: para que a compra
(realização do valor de troca) ocorra, pressupõe-se que o uso da mercadoria se
concretizará (realização do valor de uso) e para que o uso da mercadoria ocorra,
pressupõe-se que ela seja comprada.123 Essa cisão entre dois momentos gera uma
aparente relação circular que precisa ser quebrada para que a troca se efetue – e
como sabemos que as trocas acontecem, há algo operando para que a quebra
ocorra.

122 Entretanto, a sua substância permanece a mesma, valor.


123HAUG, Wolfgang F. New Elements of a Theory of Commodity Aesthetics. 2005. Disponível em:
<http://www.wolfgangfritzhaug.inkrit.de/documents/NewElementsCommodityAesthetics.pdf>. Acesso
em: 04 nov. 2018, p. 5.
!53

A resolução para a questão acima está na promessa do valor de uso.124 Ele é o


motor do processo descrito e faz o consumidor dar o primeiro passo – confiar no
vendedor – e comprar a mercadoria. Os aspectos da mercadoria que permitem que
a promessa seja feita são manifestações do valor de uso que, como já observamos,
não é a mera utilidade das mercadorias, mas a utilidade subordinada ao valor de
troca. O seu aspecto qualitativo é diretamente transformado pela dinâmica das
trocas. O trecho abaixo descreve com precisão a operacionalidade dessa categoria.

Se os conceitos centrais na crítica da economia política devem ser


compreendidos como negativos, críticos, o mesmo vale para o valor
de uso. Este não descreve a "utilidade" simplesmente, mas a
utilidade sob a ditadura do moderno sistema produtor de
mercadorias. O que não era talvez ainda tão claro para Marx no
século XIX. Pão e vinho, livros e sapatos, construção civil e cuidados
de saúde pareciam então ser sempre as mesmas coisas, fossem ou
não produzidas de forma capitalista. Isso mudou profundamente. Os
alimentos são cultivados de acordo com normas de embalagem; os
produtos vêm com um "desgaste artificial", para que rapidamente se
tenha de comprar outros; o tratamento dos doentes obedece a
critérios económico-empresariais, como o dos automóveis na
estação de serviço. O debate sobre as consequências destrutivas do
transporte individual e da urbanização predadora da natureza, já
com dezenas de anos, arrasta-se sem qualquer resultado.

Manifestamente, a "utilidade" torna-se cada vez mais duvidosa. O


que ainda tem a ver com os velhos ethos e pathos do valor de uso, o
poder-se ver um filme em andamento com requintes de high tech
num ecran do tamanho de um selo? Com o progressivo
desenvolvimento capitalista mostra-se que a própria categoria do
valor de uso é uma categoria negativa no sistema da produção de
mercadorias. Não se trata do oposto sensível e qualitativo do valor
de troca, mas do modo como as próprias qualidades sensíveis são
adaptadas pelo valor de troca. É a categoria valor que une ambos os
lados, o "uso" e a forma social abstracta.125

Se a maneira como o valor de uso é parte do sistema ainda não estava


suficientemente clara no século XIX, também as manifestações do valor de uso não
apareciam com tanta desenvoltura. Isso significa que a promessa de valor de uso
ainda dava os seus primeiros passos e, como vimos no desenrolar deste trabalho,
tratou-se de um desenvolvimento que apesar de ter na sua estrutura essencial a
possibilidade de se pôr na efetividade, necessitou de condições históricas para se
generalizar. Voltaremos nesse ponto depois.

124 Ibidem, p. 6.
125 KURZ, Robert. Adeus ao Valor de Uso. 2004. Disponível em: <http://www.obeco-online.org/
rkurz165.htm>. Acesso em: 04 nov. 2018.
!54

A promessa do valor de uso se divide em sua atividade subjetiva e sua aparência


objetiva (a qual influi sobre a atividade subjetiva). A percepção sobre a aparência
também recebe influência direta do “diálogo de venda” que pode alterar a percepção
do comprador e fazê-lo confiar ou não na promessa de que o produto realizará o que
se espera dele. É importante notar que essa cisão (entre atividade subjetiva e
aparência objetiva) pressupõe que a troca seja dividida em dois momentos, compra
e venda, antagônicos do ponto de vista do vendedor e do comprador por possuírem
interesses divergentes. Quem reproduz essa cisão constantemente é o dinheiro que
faz com que o processo se divida nesses dois momentos, diferentemente do que
acontece na troca direta entre mercadorias. Aquele que compra não é
imediatamente aquele que vende e vice-versa, ao contrário do escambo em que
esses dois extremos da relação não aparecem. Trata-se do resultado de uma
sociedade de produtores privados com interesses antagônicos, regulados por uma
forma social externa a eles, onde a produção não é imediatamente social 126 e
tampouco as trocas são feitas para atender diretamente as necessidades dos
indivíduos.

É na troca, na compra de mercadorias, entendida como liberdade do consumidor


que se esconde toda uma dinâmica que coloca o consumo como meio e não como
finalidade. Entretanto, a razão para que não se compreenda o consumo como meio
reside no fato que “a mercadoria expelida da circulação do capital não é mais a
mercadoria como momento do valor que se pereniza, como existência do valor”, isso
significa que há dois momentos nesse processo: a mercadoria deixa de ser
mercadoria e se torna “[…] valor de uso, seu ser para o consumo.”127 Ou seja, é no
uso que a mercadoria deixa de ser valor, é lá onde a mercadoria deixa de ser objeto
da economia política e desloca-se para o campo do consumo privado. Nesse ponto
podemos observar que existe uma diferença entre a mercadoria regulada pelas
relações de troca e a mercadoria na sua relação direta com o consumidor no
ambiente privado, que deixa de ser mercadoria e passa a ser simples objeto útil. Do
ponto de vista do vendedor, a compra é o fim de um processo de valorização, mas
do ponto de vista do comprador ela é o começo e é pressuposto para que o uso

126O aspecto social do trabalho é transferido ao capital, que trata de agir como “força social
combinada.”
127 Ibidem, p. 610.
!55

possa se concretizar. Antes de sair da mercadoria sair da circulação por meio da


venda, há um momento de convencimento entre o vendedor e o consumidor, há o
momento que antecede a compra; trata-se do aspecto mediador entre o movimento
do capital e o uso privado: é nesse local que reside a estética da mercadoria.

Se as qualidades da mercadoria permitem que o consumidor aceite a promessa de


realização do valor de uso, isso só é possível porque há um processo de coisificação
das relações sociais. Há a transferência de uma relação social imediata para uma
forma externa mediada. Como já descrevemos nos capítulos anteriores, se antes
havia um processo de convencimento executado pelos vendedores nas mercearias,
atravessado por conflitos de classe, raça e gênero, agora a maior parte dessa
atividade foi transferida para a aparência das coisas, por consequência, a estética
da mercadoria – que é justamente essa promessa do valor de uso conectada
umbilicalmente ao mundo das coisas – é uma dinâmica mediadora do sistema que
surge como uma forma autônoma. As mercadorias dispensam aos poucos as
relações humanas na esfera comercial e tratam elas mesmas de fazerem o trabalho.
Não são apenas as relações entre trabalhadores e capitalistas e as relações de
troca que são reguladas pelo valor, mas também a aparência e materialidade
imediata dos produtos do trabalho que agora desempenham uma função econômica.
O grau de estranhamento necessário para que esse processo ocorra se assemelha
muito ao que acontece com o dinheiro, descrito por Marx no trecho abaixo:

Os próprios economistas dizem, nesse caso, que os homens


depositam na coisa (no dinheiro) a confiança que não depositam em
si mesmos como pessoas. Mas por que depositam a confiança na
coisa? Evidentemente, só como relação coisificada das pessoas
entre si, como valor de troca coisificado, e o valor de troca nada
mais é do que uma relação da atividade produtiva das pessoas entre
si. Qualquer outro penhor pode servir diretamente ao seu possuidor
enquanto tal: o dinheiro serve-lhe somente como “penhor mobiliário
da sociedade”, mas só é tal penhor em virtude de sua propriedade
(simbólica) social; e só pode possuir propriedade social porque os
indivíduos se estranharam de sua própria relação social como
objeto.)

Dessa frase abstrata poderia ser deduzido, ao contrário, que cada


um obstaculiza reciprocamente a afirmação do interesse do outro, e
que desta bellum ommium contra omnes, em lugar de uma
afirmação universal, resulta antes uma negação universal. A moral
da história reside, ao contrário, no fato de que o próprio interesse
privado já é um interesse socialmente determinado, e que só pode
ser alcançado dentro das condições postas pela sociedade e com os
meios por ela proporcionados; logo, está vinculado à reprodução de
tais condições e meios. É o interesse das pessoas privadas; mas
!56

seu conteúdo, assim como a forma e os meios de sua efetivação,


está dado por condições sociais independentes de todos. 128

A estética da mercadoria só pode substituir o seu ser (a mercadoria na sua relação


com o consumidor antes da efetivação da troca) porque as relações sociais estão
coisificadas, foram transferidas para estruturas abstratas que controlam a sociedade.
“Seu poder social, assim como seu nexo com a sociedade, [o indivíduo] traz consigo
no bolso.”129 A centralidade do ser humano na aparência estética das mercadorias é
ilusória. O sujeito opera como ambiente para um sistema que gira em torno de si
mesmo,130 ele é meio e não fim. “Assim, a centralidade do sujeito é imaginária, ou os
aspectos imaginários do sujeito tornam-se centrais.”131

O aspecto estético é produzido separadamente e torna-se um mecanismo para se


obter dinheiro.132 A sua origem é o antagonismo de interesses entre o comprador e o
vendedor – que reside na contradição essencial da mercadoria entre valor de uso e
valor de troca –, “a mercadoria é submetida sob o controle consciente do ponto de
vista da valorização, sua parte externa e seu sentido libertam-se formando um ser
intermediário funcionalmente separado.”133

A realização do valor de troca é a responsável pelo processo de abstração estética


da mercadoria, a transformação de uma relação social em forma social autônoma. A
autonomização desse processo chega em graus tão abstratos que é possível
conceber a ideia de uma “marca” sem que ela esteja diretamente associada a
qualquer produto – é o produto que opera como apêndice da marca, não o contrário.
Se a mercadoria é a forma social da riqueza na sociedade capitalista e engendra
relações próprias, então a sua aparência agora é mais um produto das suas
contradições internas que se manifestam na imediaticidade.

128 MARX, 2011, p. 108.


129 Ibidem, p. 104.
130 HAUG, 2005. p. 10.
131 Ibidem, p. 10. Tradução livre.
132HAUG, Wolfgang F. Crítica da Estética da Mercadoria. 1ª edição. São Paulo: Editora UNESP,
1996, p. 27.
133 Ibidem, p. 74.
!57

Nesse contexto, o aspecto sensível torna-se portador de uma função


econômica: o sujeito e o objeto da fascinação economicamente
funcional. Quem domina a manifestação, domina as pessoas
fascinadas mediante os sentidos.

Desse modo, desde os primórdios do capitalismo, na relação de


interesses da troca, a tendência para a tecnocracia da sensualidade
situa-se economicamente na subordinação do valor de uso ao valor
de troca.134

Como foi possível notar, a estética da mercadoria está diretamente associada ao


processo de self-service descrito anteriormente. Os aspectos sensíveis dos produtos
do trabalho ao carregarem uma relação social que pretende facilitar a venda,
também a fazem por meio da expansão do consumo em massa. Todas essas
estruturas se baseiam na ideia de que as pessoas podem dialogar com as
mercadorias. Para o capital é preciso criar dinâmicas onde haja economia de
trabalho assalariado, aumento das vendas e, consequentemente, aumento da
lucratividade. A estética da mercadoria e todos os seus artifícios possibilitam que
isso ocorra de forma voraz.

Mas voltemos à mercadoria: depois que a sua superfície se liberta,


tornando-se uma segunda frequente e incomparavelmente mais
perfeita que a primeira, ela se desprende completamente,
descorporifica-se e corre pelo mundo inteiro como o espírito colorido
da mercadoria, circulando sem amarras em todas as casas e abrindo
caminho para a verdadeira circulação das mercadorias. A intenção
de realização lança-as com a aparência abstraída e bastante
aperfeiçoada tecnicamente do valor de uso cheio de promessas,
para os clientes em cuja carteira – ainda – se encontra o equivalente
do valor de troca assim disfarçado.135

Esse processo escancara a função da marca na sociedade capitalista. Para além da


familiaridade descrita anteriormente (que foi historicamente necessária para que a
marca pudesse se estabelecer como uma relação válida) e da capacidade de “pré-
vender” os produtos no cotidiano das pessoas, ela permite criar uma cadeia de
mercadorias onde uma compra acarreta outra e busca-se abolir a mercadoria
isolada. As estratégias utilizadas são diversas; os trustes chegam a criar marcas
concorrentes entre si para atender públicos consumidores com poder aquisitivo
distintos – se a marca X oferece um chocolate “premium” por um preço A, a marca Y

134 HAUG, 1996, p. 27.


135 Ibidem, p. 75.
!58

(do mesmo truste de X), oferece o mesmo chocolate com uma roupagem econômica
pela metade do preço. Um capital singular parece concorrer consigo mesmo, mas o
que ele faz é abocanhar uma maior fatia do mercado e acumular ainda mais.136

A capacidade de conectar as marcas aos valores de uso só demonstra como a


aparência consegue construir uma utilidade subordinada à troca. As marcas chegam
ao ponto de garantirem o monopólio do valor de uso, como, por exemplo, a marca
Gillette que é usada como termo para se referir a qualquer aparelho de barbear, ou o
tablet da Apple, o iPad, que é usado no cotidiano para se referir a qualquer tablet. As
marcas se colocam no lugar da utilidade pura, “deslocam-se para a experiência
humana diante da natureza, assumindo até mesmo o seu lugar.”137 São marcas
supra-regionais, que estão presentes em uma quantidade enorme de países e já
estão para além das fronteiras nacionais. O produto estranho é o produto local, o
produto comum é o produto globalizado – estrangeiro. O monopólio do valor de uso
garante também que a regeneração da demanda seja executada com mais
efetividade por meio da obsolescência programada. Essa obsolescência é, na
verdade, obsolescência do valor de uso, porque é a criação de uma utilidade com
prazo de validade pré-determinado. A obsolescência pode operar também por meio
da aparência, quando o design de um produto é decretado defasado por meio da
inovação estética.138 “É nesta ‘aparência’ que a forma do valor começa a devorar o
conteúdo [...].”139

O que as propagandas apresentam constantemente é o valor de uso sendo


realizado. O refrigerante refrescando quando está calor, o sabão em pó deixando as
roupas limpas e diversas outras utilidades sendo concretizadas. Para além da
realização imediata, a estética da mercadoria também se apropriou do estilo de vida
onde o uso se realiza, ou seja, ela se apropria do imaginário do contexto do uso para
garantir ao consumidor a sua realização. A estratégia varia de mercadoria para
mercadoria, mas um exemplo que ilustra muito bem o que foi descrito são as

136 Ibidem, p. 113.


137 HAUG, 1996, p. 37.
138 HAUG, 2005, p. 11.
139 KURZ, Robert. Vendedores de Almas. 2010. Disponível em: <http://www.obeco-online.org/
rkurz412.htm>. Acesso em: 04 nov. 2018.
!59

propagandas da empresa Apple onde aparecem pessoas utilizando seus


dispositivos em cafeterias, ao ar livre e todo tipo de ambiente onde se espera que o
produto seja utilizado. Os comerciais de automóveis também são emblemáticos,
vão de situações de aventura até às viagens em família – o carro é o pretexto para a
situação prometida. Em outros casos o contexto tem uma centralidade ainda maior,
como na propaganda de margarina em que é possível observar uma família feliz
reunida ao se alimentar, todo um contexto que se desdobra ao redor daquela
mercadoria comercializada. Por essa razão, a venda do estilo de vida só pode existir
enquanto venda do contexto de uso. É também curioso notar o impacto desse tipo
de propaganda no terceiro mundo: quando se promete um estilo de vida que gira ao
redor das mercadorias em um país subdesenvolvido, onde esse estilo de vida não
pode se realizar, a promessa não é apenas do valor de uso, mas de um novo
mundo.140

A mercadoria precisa subordinar a sua aparência aos ditames que a regem. Se “nos
anos 1950 e 1960 ninguém esperava encontrar ou discutir sobre a inovação artística
em um pacote de sabão em pó ou cereais”,141 agora isso torna-se realidade quando
as mercadorias dependem da sua aparência para terem sucesso nas venda. Os
produtos do trabalho, indiferentes uns dos outros, comparáveis quantitativamente,
agora precisam se diferenciar: “Marx compara o capital a um eunuco agindo como
um cafetão, procurando uma mercadoria para cada desejo: a indiferença
proclamando a diferença, a abstração real como concretização ilusória para os
outros.”142

A produção da aparência das mercadorias parece poder caminhar independente da


produção de bens de consumo. O setor garantiu uma autonomia considerável a tal
ponto que empresas podem operar quase exclusivamente na produção da aparência
das mercadorias produzidas por outros fabricantes, como demonstra o trecho
abaixo:

140 HAUG, 2005, p. 41.


141 Tradução livre. DEUTSCH, 2010, p. 95.
142 Tradução livre. HAUG, op. cit., p. 17.
!60

Uma vez que muitos dos mais conhecidos fabricantes de hoje não
mais fazem os produtos e os distribuem, mas em vez disso compram
produtos e lhes dão sua marca, essas empresas estão
continuamente procurando por novas formas criativas de construir e
fortalecer a imagem das marcas. Fabricar produtos pode exigir
perfuratrizes, fornalhas, martelos e similares, mas criar uma marca
pede um conjunto completamente diferente de ferramentas e
materiais. Requer um desfile infindável de extensões de marca,
imagens continuamente renovadas para o marketing e, acima de
tudo, novos espaços para disseminar o conceito da marca.143

A estética da mercadoria possui uma dinâmica própria engendrada pelas relações


capitalistas. A razão que a guia é a do aumento dos lucros, por meio da redução de
custos e constante autonomização de formas sociais – a aparência das mercadorias.
Trataremos agora dos pressupostos lógicos da estética da mercadoria.

3.2. Especificidade histórica da estética da mercadoria

O fato do valor de uso só existir enquanto valor de uso para outrem é um dos
elementos chaves para a gênese da estética da mercadoria; em outras palavras, a
produção para a troca e não para o consumo lhe é essencial. Quando o valor de uso
se manifesta por meio da troca é possível que haja uma diferenciação aparente
entre ele e a sua manifestação (que é a promessa da realização do uso). Diferente
do que dissemos antes, a aparência não está simplesmente subordinada ao valor de
troca e apartada do valor de uso, porque esse valor de uso mesmo só o é enquanto
produto do valor de troca. Não há, como já colocamos, valor de uso como forma
“pura” da utilidade, mas sim como a utilidade que opera pela lógica do capital. O
valor de uso se manifesta pela troca, ou seja, só pode aparecer por meio da
comparação de uma mercadoria com a outra – isso significa dizer que a
manifestação do valor de uso, a sua promessa, é também uma manifestação que só
pode existir por meio da troca.

A cisão entre valor de uso e promessa de uso não é mero produto do valor de troca
agindo sobre o uso, mas do próprio valor de uso enquanto categoria negativa. A
estética da mercadoria, portanto, não é a estética do produto, mas a estética de uma
forma social da riqueza. Para que um produto seja valor de uso e tenha a
capacidade de manifestar uma promessa de realização do uso, ela precisa ser valor

143 DEUTSCH, 2010, p. 16.


!61

de uso para outrem: “Para seu possuidor não é valor de uso, porque é valor de
troca. Como valor de uso, é preciso que chegue a sê-lo, em primeiro lugar para os
demais.”144

O trabalho útil presente na mercadoria é trabalho engendrado por relações


antagônicas; trata-se de um suporte para o processo de trocas, não é fim, mas meio.
O valor de uso não existe na sua relação com o consumidor sem a devida mediação
do sistema.

Se do ponto de vista do valor de uso a mercadoria isolada parecia um


objeto independente, como valor de troca, ao contrário, desde o primeiro
momento, era considerada em relação com as demais mercadorias.
Contudo, essa relação não era mais que teórica, existindo apenas no
pensamento.145

O valor de uso só existe de forma indiferente no campo teórico, no movimento do


real, por seu turno, trata-se sempre de um valor de uso regido pela troca. “Graças
unicamente a essa alienação universal das mercadorias, o trabalho que contém
converte-se em trabalho útil. […] Para ter realidade como valores de uso é
indispensável, pois, que tenham realidade como valores de troca.”146

Em resumo do que foi dito até aqui, se o valor de uso só pode aparecer na relação,
então é essa mesma relação a responsável pela estética da mercadoria (como
manifestação do valor de uso) e se, como já demonstramos antes, a mercadoria é a
forma social da riqueza na sociedade capitalista, então a sua estética também é
produto da moderna sociedade burguesa.

A estética da mercadoria tem a sua gênese na contradição elementar do capitalismo


(entre valor e valor de uso), mas o seu desenvolvimento é também produto da
autonomização do capital-mercadoria (ou seja, de uma quantidade de mercadorias

144 MARX, 2008, p. 71.


145 MARX, 2008, p. 71 et. seq.
146 Ibidem, p. 72.
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disponíveis para a venda) na forma do comércio. 147 A divisão (e integração) do


capital em seus diversos momentos é o que garante a posição efetiva da estética da
mercadoria. Do início ao fim, o comércio sob os ditames do capital surge como um
produto da divisão do trabalho:

Por outro lado, se o comerciante continua a atuar como tal, o produtor


economiza o tempo que, de outro modo, teria de destinar às vendas, tempo
que ele pode empregar na supervisão do processo de produção, ao passo
que o comerciante, por sua vez, tem de dedicar às vendas seu tempo
integral. 148

A forma autônoma da venda se utiliza do self-service, da aparência das mercadorias


e de todos os artifícios possíveis para reduzir trabalho e aumentar as vendas. O
comércio altamente dependente de relações pessoais não era a forma mais
adequada à produção em massa, era preciso um tipo de comércio padronizado,
expansível, facilmente exportável para outros países e que fosse adequado a uma
sociedade coisificada, a qual deposita toda a sua confiança no mundo das
mercadorias. A forma-mercadoria, que já era a regente das relações capitalistas,
precisava regular também as relações mais imediatas da troca, “expurgando a
sociabilidade” e garantindo um sistema de comércio que parece caminhar com as
próprias pernas – mais do que já parecia fazê-lo. Por essa razão, se a mercadoria
significou a abstração da qualidade, ou seja, a abstração do aspecto singular dos
homens no processo produtivo (o trabalho concreto), então não é surpresa alguma
que a relação social que mediava a troca resulte em uma abstração estética.

Se “o fato de a mercadoria ser ela própria uma mediação social materializada


implica a ausência de relações sociais abertas que impregnem os objetos com uma
significação ‘supracoisal’ (social ou sagrada)”,149 portanto a relação social que

147 “Desse modo, no capital de comércio de mercadorias o capital-mercadoria assume a forma de um


tipo autônomo de capital, e isso pelo fato de que o comerciante adianta capital monetário, que só se
valoriza como capital, só funciona como capital na medida em que está exclusivamente ocupado em
mediar a metamorfose do capital-mercadoria, sua função como capital-mercadoria, isto é, sua
transformação em dinheiro, e o faz mediante compra e venda constante de mercadorias. Essa é sua
operação exclusiva; tal atividade mediadora do processo de circulação do capital industrial é a função
exclusiva do capital monetário, com o qual opera o comerciante.” MARX, 2017b, p. 315 et. seq.
148 MARX, 2017b, p. 317.
149 POSTONE, 2014, p. 201.
!63

mediava a troca (diálogo de venda, convencimento, promessa de valor de uso) foi


também transferida para uma forma mediadora autônoma.

O ponto central da argumentação aqui exposta reside na especificidade histórica da


estética da mercadoria. Isso significa dizer que por mais que se encontre fenômenos
que se assemelham às marcas, embalagens, propagandas e aos diversos outros
elementos em sociedades pré-capitalistas, não é possível dizer que se trata da
mesma coisa. É necessário afirmar a sua differentia specifica, porque trata–se de
coisas distintas em essência, determinadas por diferentes dinâmicas sociais. A
aparência das mercadorias é um produto do seu tempo e a sua reprodução se dá
por meio das estruturas abstratas que regem o mundo moderno.

3.3. Conclusão

Como vimos ao longo do trabalho, o capitalismo se caracteriza pela autonomização


de formas sociais. Trata-se de relações sociais objetivadas que ganham um grau de
autonomia e instauram leis próprias. É assim que opera a estética da mercadoria,
ela nasce desse processo e ao longo do trabalho tratamos de diversas estratégias
adotadas por ela para sua afirmação. Entretanto, um ponto que foi chave para o que
desenvolvemos é a forma como a autonomização da estética da mercadoria – que
nasce da contradição interna da mercadoria – só pôde ocorrer com a autonomização
do capital-mercadoria na forma de comércio: essas duas instâncias se entrelaçam
ao longo do processo. As implicações dessa conclusão passam pelo fato de a
estética da mercadoria se subordinar também às regras mais imediatas do comércio,
aliando-se aos processos de automação do varejo, ao self-service e à redução de
trabalho e custos. A estética da mercadoria é a forma adequada do comércio para
uma sociedade coisificada baseada na produção em massa que não pode depender
das relações diretas dos indivíduos para a sua reprodução: eles não podem guiar o
processo; pois são do objetos do verdadeiro sujeito social, o capital.

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