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Como monitorar a qualidade


da fibra da forragem fornecida ao seu rebanho?

Por Marina A. Camargo Danés e Fernanda Lopes  


postado em 11/09/2015

Forragens compõem aproximadamente 40-60% da materia seca em dietas de


vacas leiteiras. Com isso, os carboidratos presentes nas forragens são a maior
fonte de energia para esses animais. O carboidrato das plantas forrageiras
encontra-se principalmente na fração fibrosa da planta, classificada nas análises
laboratoriais como FDN (fibra insolúvel em detergente neutro). A fração FDN dos
alimentos consiste de celulose e hemicelulose, carboidratos estruturais presentes
na parede das células vegetais, e também de lignina, um composto fenólico (isto
é, não-carboidrato) responsável pela rigidez da estrutura da planta. Mamíferos
não secretam enzimas para digerir carboidratos estruturais e, portanto, não são
capazes de extrair energia de fibras. No entanto, os microorganismos que vivem
no rúmen dos animais ruminantes são capazes de digerir celulose e hemicelulose
e permitem aos ruminantes utilizar a fibra dos alimentos como fonte de energia.

A fração FDN dos alimentos é composta por uma parte completamente


indigestível (FDNi) e uma parte potencialmente digestível (FDNpd), que pode de
ser digerida desde que fique tempo suficiente em contato com os
microorganismos. A quantidade de energia que a fibra da dieta fornece à vaca
depende, no entanto, do quanto do FDNpd é efetivamente digerido. Esse
número é consequência não somente do tamanho da fração de FDNpd, mas
também da velocidade com a qual essa fração é degradada no rúmen (taxa de
degradação = kd) e do quanto tempo ela permanece dentro do rúmen para que
possa ser degradada, o que depende da taxa de passagem (kp) do FDNpd para
fora do rúmen.  

A digestibilidade do FDN pode ser medida no animal pela quantidade de FDN


ingerida e a quantidade excretada nas fezes. No entanto, para uma estimativa
precisa, é necessária a coleta total de fezes, processo bastante laborioso. Para
contornar esse obstáculo, análises laboratoriais são utilizadas com o objetivio de
oferecer uma estimativa para a digestibilidade do FDN. As análises mais
utilizadas pelos laboratórios são a incubação in vitro com fluido ruminal por um
período fixo (30, 48, ou 72horas), considerando o FDN que desapareceu como
sendo digestível. A determinação do tempo de incubação vem da premissa de
que esse seria o tempo médio que a fibra da forragem permaneceria no rúmen.
Outra análise muito comum é a incubação por 240 horas para determinação do
resíduo como FDNi e, por diferença, cálculo do FDNpd. O NRC (2001), modelo
nutricional mais utilizado na formulação de dietas para vacas leiteiras, sugere
que a incubação in vitro por 48 horas pode ser utilizada na fórmula do modelo
que estima o valor energético de um ingrediente da dieta para consumo em nível
de mantença.  

No entanto, existem problemas conceituais em se utilizar um único tempo de


incubação para determinação da digestibilidade da fibra. Não é possível
diferenciar no resíduo da incubação por 30, 48 ou 72 horas a fração de FDNi da
fração de FDNpd que não foi digerida. No caso da incubação por 240 horas,
apesar do resíduo poder ser considerado FDNi, não necessariamente esse valor é
diretamente correlacionado com a velocidade com a qual a FDNpd é degradada
no rúmen. Portanto, a incubação por um único período de tempo traz
informações incompletas. Essa limitação é bem ilustrada quando se correlaciona
os valores de digestibilidade da fibra obtidos por esses métodos laboratoriais
com os valores in vivo coletados em experimentos medindo a quantidade de FDN
ingerida e excretadanas fezes. 

Nas figuras 1 e 2 estão gráficos correlacionando a digestibilidade do FDN medida


nos animais em 7 experimentos do Departamento de Dairy Science da
Universidade de Wisconsin com dois dos índices mais utilizados para estimar
digestibilidade do FDN em laboratório. Como podemos ver pelos valores dos
coeficientes de determinação (R2), a incubação in vitro por 30 horas não teve
nenhuma correlação com os valores in vivo (R2 = 0.05), enquanto que o FDNi
explicou apenas 36.4% da variação observada nos valores in vivo. 

Figura 1. Relação entre digestibilidade do FDN estimada por incubação in vitro por 30 horas (eixo x) e medida nos animais (eixo y) em 7

experimentos do Departamento de Dairy Science da Universidade de Wisconsin (Lopes et al., 2014)


Figura 2. Relação entre FDNi (eixo x) e digestibilidade do FDN medida nos animais (eixo y) em 7 experimentos do Departamento de Dairy

Science da Universidade de Wisconsin (Lopes et al., 2014)

Para que um teste de laboratório possa substituir medições feitas nos animais, é
necessário que as estimativas feitas pelos dois métodos seja comparável, o que
de acordo com os dados apresentados nas figuras acima, não é o caso para
incubação in vitro por 30 horas e iFDN.Essa incoerência se deve ao fato de que a
digestibilidade da fibra é um processo dinâmico, que depende de três fatores,
anteriormente mencionados neste artigo: a quantidade de FDNpd, a taxa de
degradação no rúmen e a taxa de passagem.

Com o objetivo de contornar esse problema, o grupo de pesquisa do Prof. David


Combs, do Departamento de Dairy Science da Universidade de Wisconsin,
desenvolveu um índice conhecido como TTNDFD (sigla em inglês para Total
Tract NDF Digestibility) ou digestibilidade do FDN no trato total. Esse índice
combina os valores FDNpd, kd e kp e ainda inclui a contribuição da digestão da
fibra que ocorre no intestino grosso (como sendo 10% da digestibilidade do trato
total). A inclusão de todos esses fatores no índice permite comparar forragens
não somente do mesmo tipo, mas também de famílias diferentes (por exemplo,
silagem de milho e capim).Outra vantagem desse índice é que se trata de
digestibilidade da fibra no trato total, e não apenas no rúmen, o que permite a
sua inclusão nos programas de formulação de ração com base no NRC (2001)
para o cálculo de disponibilidade de energia de uma forragem e predição de
produção de leite das vacas ingerindo essa forragem.

Quando o TTNDFD foi comparado à digestibilidade do FDN medida in vivo nos


mesmos 7 experimentos explorados nas figuras 1 e 2, o resultado foi muito mais
satisfatório (figura 3). Não apenas o coeficiente de determinação foi
expressivamente maior, mas também os parâmetros da equação (isto é,
intercepto igual a zero e inclinação muito próxima de 1) mostram que os valores
absolutos obtidos pelo TTNDFD são similares aos valores medidos nos animais. 

Figura 3. Relação entre TTNDFD (eixo x) e digestibilidade do FDN medida nos animais (eixo y) em 7 experimentos do Departamento de

Dairy Science da Universidade de Wisconsin (Lopes et al., 2014)

Um exemplo prático que demonstra muito bem a importância de poder contar


com um teste laboratorial que represente melhor o que acontece no organinsmo
da vaca está ilustrado na figura 4. Uma propriedade reportou uma rápida queda
na produção de leite média do rebanho após a troca da silagem de milho de
2009 pela de 2010. As análises laboratoriais tradicionais mostravam a silagem de
2010 com menor teor de FDN do que a de 2009 e ambas com mesma
digestibilidade da fibra (de acordo com a incubação por 30 horas). Olhando
apenas para essas duas medidas, seria esperado que a silagem de 2010 fosse de
melhor qualidade e portanto aumentasse a produção de leite. No entanto,
quando as duas forragens foram analisadas para TTNDFD, uma grande diferença
em digestibiliadade do FDN ficou clara, evidenciando a superioridade da silagem
de 2009 e explicando a queda na produção de leite.  
Figura 4. Estudo de caso de uma propriedade leiteira que observou queda na produção de leite após a troca de forragem. O quadro

apresenta resultados de análises laboratoriais para as duas forragens. Fonte: slide gentilmente cedido pelo Prof. David Combs.

A informação correta sobre a digestibilidade da fibra da forragem é fundamental


para o bom manejo nutricional de uma propriedade leiteira. E isso é válido não
somente para forragens conservadas mas também para pastagens, uma vez que
a digestibilidade da fibra impacta diretamente o consumo de pasto pelos
animais. Além disso, sabendo a disponibilidade de energia da forragem, é
possível formular concentrados que melhor complementem a deficiência do
pasto. O laboratório do Prof. Combs, em parceria com o Prof. Ronaldo Reis da
UFMG, já realizou a análise de alguns capins tropicais coletados no Brasil em
sistemas de manejo rotacionado intensivo com altas taxas de lotação e
fertilização nitrogenada. A tabela 1 traz um resumo da avaliação dos capins
tropicais, além de silagem de milho e alfafa para comparação.

Tabela 1. Avaliação nutricional de pastos tropicais manejados intensivamente.


Fonte: Lopes, et al. 2013

Desta forma, é extremamente importante que os laboratórios de análise de


alimentos comecem a estudar a possibilidade de introduzir esse índice nos
relatórios oferecidos aos produtores e nutricionistas. Já existe um laboratório nos
EUA e um no Brasil que incluem o TTNDFD para forragens no relatório de rotina
das amostras de alimentos. Como o objetivo da análise, neste caso, é
caracterizar o alimento e tornar possível comparações entre forragens, os valores
são padronizados para uma vaca de 630 kg comendo 24 kg de matéria seca de
uma dieta com 28-30% de FDN. No entanto, para fins de formulação de dietas,
esses valores podem ser ajustados para melhor caracterizarem o rebanho sendo
alimentado. 
 
FÓRUM

Moacyr Bogado
OUTRA - OUTRO - NENHUM - Indústria dos lacticínios
postado em 14/09/2015
Considerando a cana como a forragem usada em grande parte do Brasil para
vacas de leite e sabendo que, a exemplo das silagens de milho, existe uma
enorme variação de qualidade na cana ofertada ao gado, existiria alguma forma
prática de de avaliar a cana utilizada? Por ex :a muito que o usineiro adquire a
cana dos fornecedores pagando pelo ATR (Açúcar Total Recuperado),
poderíamos correlacionar o ATR, de alguma forma, com o valor nutricional da
cana para as vacas leiteiras?  Existe outra forma melhor e mais prática de
avaliação da cana?
Parabéns pelo artigo, 
Moacyr

Fernanda Lopes
Indaiatuba - São Paulo - Indústria de insumos para a produção
postado em 16/09/2015
Prezado Moacyr Bogado,

Açúcar tem taxa de degradação média de 40 a 60% por hora. Em uma vaca com
taxa de passagem de 5% por hora, teremos de 88% a 92% de fermentação do
mesmo no rúmen, contas abaixo.
40 / (40 + 5) = 88%
60 / (60 + 5) = 92%
Portanto quanto mais açúcar melhor.
Entretanto, na média, 50% da cana é fibra. Este possui uma utilização muito
baixa pelo animal.
Portanto, quanto menos fibra melhor.
Com certeza, uma cana com mais açúcar e menos fibra é interessante.
Diferente da silagem de  milho onde precisamos entender sobre a digestibilidade
do amido, a digestibilidade do açúcar e muito alta (discutido acima).
Portanto, semelhante a silagem de milho precisamos buscar materiais com maior
digestibilidade de fibra.
Estes pontos são pontos importantes e práticos para avaliação de cana.  

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