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A ENTRADA DO IDEÁRIO ANTICOMUNISTA DA ESCOLA SUPERIOR DE

GUERRA NA PRODUÇÃO DE MATERIAL PEDAGÓGICO E LIVROS


DIDÁTICOS VOLTADOS À DISCIPLINA DE EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA
(1961-1973).

Katya Mitsuko Zuquim Braghini


Universidade Federal de Minas Gerais
Email: katya.braghini@yahoo.com.br
Palavras-chave: editoras, livros didáticos, Escola Superior de Guerra.

Esta comunicação é uma parcela de pesquisa de doutorado finalizada e


apresentará como se deu a infiltração do ideário anticomunista produzido pela Escola
Superior de Guerra (ESG) nos documentos produzidos pela Editora do Brasil S/A. O
medo de “comunistas” e “subversivos” foi ativado pelo material didático elaborado na
Editora, a partir de uma relação estabelecida, tanto por afinidades de opiniões, quanto
pessoais, entre os seus editores e os membros da ESG, principalmente com o General
Moacir Araújo Lopes, professor e especialista de “liderança na guerra revolucionária”
nesta instituição.
Ao longo dos anos 1960, de forma crescente, os editores anunciavam aquilo que
na ESG era denominado como “indicadores da infiltração comunista” dentro de uma
possível “guerra interna” no Brasil. Acreditou-se na formulação de uma ofensiva de
caráter “defensivo-preventivo” de modo a despertar a “formação cívica da população” a
fim de proporcionar-lhes “reflexos e atitudes adequadas” na luta contra a subversão e a
“guerra psicológica”. Este trabalho pretende, portanto, apresentar algumas imbricações
sociais, políticas e econômicas acontecidas entre o mundo civil e o militar durante o
período de produção de material pedagógico pensado para a reentrada da disciplina de
EMC no currículo escolar. Os motivos pelos quais a Editora passou a incluir o conteúdo
da ESG em seu periódico mensal e nos livros didáticos de EMC serão desenvolvidos ao
longo do trabalho.
A Editora do Brasil S/A nos anos 1960 e o seu conteúdo didático e informativo

A Editora do Brasil S/A, editora familiar fundada em 1943, iniciou os seu


trabalho a partir de uma cisão de funcionários vindos da Companhia Editora Nacional.
Eram eles: Carlos Costa, Carlos Pasquale, Alfredo Gomes e Manoel Netto.
A Editora se destacou durante o período militar, já que fez parte de um salto
quantitativo de vendas de livros didáticos e infantis no país, por conta da expansão da
rede de ensino e das modificações propostas pelas a LDB (Lei 4.024 - 20/12/1961) e a
Lei nº 5692 (11/08/1971). Nos anos 1960, a Revista da Editora do Brasil S/A (EBSA)
deu a impressão de que a riqueza tinha chegado à Editora, principalmente após 1964. Os
editores, em 1971, inauguraram o seu parque gráfico em Guarulhos apresentado como
um dos maiores da América Latina. Grande parte da expressividade dessa Editora,
entre as décadas de 1960-1970 foi resultado de sua produção de livros voltados à
disciplina de Educação Moral e Cívica (EMC), Organização Social e Política Brasileira
(OSPB) e Estudos dos Problemas Brasileiros (EPB). A Editora do Brasil, em conjunto
com outras editoras brasileiras, passou a figurar como uma das mais importantes do
cenário editorial, também por conta de sua associação aos programas governamentais
voltados à produção de livros, entre eles: a Comissão do Livro Técnico e do Livro
Didático (COLTED), e a associação feita entre o Ministério da Educação e a United
States Agency for Internacional Development (USAID), projeto este que, dentre outras
coisas, estabelecia a cooperação para as publicações técnicas, científicas e educacionais.
Os editores divulgavam que o seu material didático achava-se “rigorosamente de
acordo com o programa oficial”, fato constatado pela comparação dos documentos e
pela bibliografia consultada. Os editores transcreviam textos feitos na caserna,
divulgavam eventos militares e publicavam artigos sobre a educação brasileira
produzidos, preferencialmente, por generais, em sua revista mensal.

A Revista da Editora do Brasil S/A: “documentário de ensino”.

A Revista da Editora do Brasil S/A (EBSA) era uma publicação mensal,


educacional, lançada em 1947 e foi desativado nos anos 1990. A Revista foi publicada a
partir da observação de uma brecha editorial percebida por seus responsáveis. Devido a
um possível excesso de correspondências recebidas, houve a necessidade da fundação
de um “departamento educacional” que atendia os professores brasileiros, em suas
necessidades oficias e dúvidas pedagógicas. Ela foi distribuída gratuitamente, segundo
seus editores, em todos os ginásios brasileiros, órgãos estaduais de educação,
repartições públicas, associações de educadores e diretores de escolas secundárias.1
Como um “documentário”, teve a função de clipping. Funcionários da Editora eram
encarregados de folhear revistas e jornais diversos, à procura de notícias e normas de
interesse dos profissionais de ensino. EBSA acabava oferecendo ao leitor um panorama
filtrado da educação nacional, já que era constituído a partir de fragmentos que, unidos,
tentavam criavam a ideia consenso, principalmente na área política.
O documentário reunia e anunciava as informações retiradas de diversas
agências de divulgação de notícias ou de registro de documentos. Entre elas, podemos
citar as produções seriadas tais como jornais diários, semanários, e os documentos
divulgados por órgãos do governo, por exemplo, o Ministério da Educação, Conselho
Federal de Educação, Diretorias de Ensino etc.. Esses documentos eram apresentados
em seções diferenciadas. Tratava-se, portanto, de um material que auxiliava os
professores em questões legais, mas ao mesmo tempo, compilava conteúdos de diversas
fontes com a intenção de manter o profissional de ensino informado sobre questões
educacionais.2

A Escola Superior de Guerra (ESG) e a Doutrina de Segurança Nacional (DSN)


nos conteúdos didáticos da Editora do Brasil.

Em 1949 foi criada a escola Superior de Guerra (ESG) com o intuito de pensar o
desenvolvimento do país na interdependência com a segurança nacional. A ideia de
“desenvolvimento” apresentada pela Doutrina de Segurança Nacional (DSN) não estava
restrita à condição econômica. Havia a ideia, amparada por uma “política de
segurança”, de associação de estratégias de cunho político, econômico, psicossocial e
militar para: o desenvolvimento integral do homem, desenvolvimento da terra e o
desenvolvimento das instituições. Nesse caso, a DSN foi pensada como um fator de
integração entre civis e militares de modo que, ambos, pudessem ser responsáveis por
uma espécie de adestramento na teoria de segurança (Gonçalves, 2011, p. 5).
No quadro de estratégias da política de segurança nacional foi possível perceber
que era importante, na “mobilização das condições psicossociais” do povo, fortalecer “o
moral da Nação e de seus aliados, quebrantando os antagonismos” a partir de um
adestramento técnico que pudesse movimentar a opinião pública em benefício dos laços
de coesão interna que pudessem salvaguardar o plano de desenvolvimento (Silva, 1981,
p. 157).
A ideia de agremiação política do povo, sem que houvesse os
“desencaminhamentos” de pensamentos de esquerda, comunistas fez parte de todo o
conteúdo analisado durante a pesquisa. A entrada do pensamento anticomunista nos
documentos produzidos por essa Editora não aconteceu ao acaso. Foi possível captar
que o caminho escolhido pelos editores não aconteceu, apenas, por uma reação à
agitação política nos anos 1960. Os conteúdos didáticos que passaram a divulgar os
conteúdos produzidos pela ESG eram resultados de uma oportunidade editorial
fomentada por contatos pessoais entre representantes da Editora e os membros da escola
militar em diversos fóruns de discussão.
Após 1964, o conteúdo de EBSA se apresentou totalmente favorável ao governo
militar, instituído naquele ano. Essa associação se manteve até às vésperas do período
de redemocratização. Antes disso, em 1953, o conteúdo da Revista já demonstrava em
suas “Crônicas do mês” a inquietação do General Juarez Távora com relação à falta de
civismo nas escolas (EBSA, 1953, pp. 14). Outro exemplo desse contato foi a
publicação do “diálogo entre os moços e o presidente da República” que à época era o
Mal. Castelo Branco (EBSA, 1964, pp. 1-2). A partir de 1961, a Revista passou a
pregar discursos contra os estudantes mobilizados, fossem eles secundaristas ou
universitários. Na Revista foi apresentada a entrada e fixação de um “braço” comunista
em meio aos estudantes brasileiros. A inauguração desse tema, o anticomunismo, em
um periódico educacional, como já foi dito, não foi um acaso. Isso se levarmos em
consideração movimentos contrários à “guerra psicológica” advinda da infiltração
comunista no Brasil, segundo o que era divulgado pela Escola Superior de Guerra
(ESG).
A Doutrina de Segurança Nacional (DSN) também se fundava "na concepção de
guerra total” composta por três elementos: a guerra generalizada, a guerra fria e a guerra
revolucionária. No sentido de guerra revolucionária, havia, de acordo com a DSN, uma
estratégia político-militar que se destinava a vencer “a luta revolucionária
ideologicamente dirigida” pelos comunistas (Martins Filho, 2007, pp. 3-4). Os militares
ligados à ESG formularam uma doutrina própria para combater a guerra revolucionária
e um dos parâmetros dessa formulação foi a idealização de um “programa de alteração
das relações civis-militares”, como forma de “alcançar a unidade do país no apoio à luta
do Exército”. A ideia era a de que a população, tal como o Exército, pudesse antever as
etapas do avanço comunista em seu território, prevenindo-se contra o inimigo (Martins
Filho, 2007, p. 11).
Nesse ideário das Forças Armadas, os militares teriam condições de antecipar
um ataque preventivo à subversão. Esta era vista pelos professores da ESG como índice
de estágio pré-revolucionário, por isso era necessário formular uma ofensiva situada nas
“ações de caráter defensivo”, das quais a população faria parte. Tais ações seriam
centradas na “formação moral e cívica da população, a fim de fornecer-lhe os meios
para fazer face à ofensiva da subversão e lutar contra a guerra psicológica”. A ideia era
a de elevar o aspecto mecânico do saber preventivo, tal como nos estágios militares,
“com a criação de reflexos e atitudes adequadas” (Martins Filho, 2007, pp. 16-17).
Um dos sentidos prioritários da DSN era, a princípio, a disseminação
institucional da doutrina, para que, depois, a linguagem “árida dos documentos
militares” fosse traduzida para o mundo civil. Portanto, a guerra revolucionária saiu dos
“currículos militares” e foi anunciada ao mundo civil por meio da mobilização de
aparelhos de circulação de informações: editoras lançavam livros, divulgavam cartilhas
e jornais apregoavam a tal ideia de preparo psicológico anticomunista.
Dentro das Forças Armadas, mais precisamente nas escolas de comando e
estado-maior, o General Moacir Araújo Lopes, membro da Associação de Diplomados
da Escola Superior de Guerra, órgão que mantinha contato direto com o Instituto de
Pesquisa e Estudos Sociais (Ipes), era o especialista de “Liderança na Guerra
Revolucionária”. O general Araújo Lopes era o responsável pelas palestras sobre esse
tema na área do conhecimento estratégico-militar dentro da ESG (Martins Filho, 2007,
p. 18). Posteriormente, ele seria um dos tradutores dessa ideia de preparo do mundo
civil, tanto na Comissão Nacional de Moral e Civismo (CNMC), já que era membro da
Comissão, quanto por meio das conferências proferidas em locais específicos, como o
Círculo Militar de São Paulo. Esse general foi um dos principais idealizadores do
anteprojeto de Lei da disciplina de Educação Moral e Cívica (Filgueiras, 2006, p. 59).
Membro atuante na luta pelo retorno da disciplina de EMC para o currículo escolar
esteve muito próximo aos produtores de livros didáticos, autores e editores, por meio de
sua atuação na CNMC.
Ao longo dos anos 1960, progressivamente, os textos de EBSA ampliavam o
foco do “perigo comunista” e passaram a mostrar que, de “infiltração comunista”, tinha
acontecido um gradual crescimento nas “organizações subversivas” dentro de diversas
instituições, principalmente escolas e universidades. Em seguida, aconteceriam os saltos
para os “atos de tumultos e sabotagem” e, por fim, em 1967, foi introduzido, em EBSA,
o termo “terrorismo”. No caso, houve a readaptação editorial do “pensamento árido da
linguagem militar”, já que os materiais da Editora passaram a veicular os passos
necessários para o reconhecimento do “avanço comunista” no mundo civil.
Isso pode ser exemplificado pelos títulos dos seguintes artigos apresentados em
EBSA sucessivamente: Denúncia de D. Jaime Câmara de conspiração contra a
democracia (EBSA, 1961, p.39); IV Congresso Internacional de Estudantes, em que foi
apresentada uma monção contra os crimes praticados por Fidel Castro contra os
estudantes cubanos contrários ao seu governo (EBSA, 1961, pp.32-36); Infiltração
comunista, o primeiro artigo que associa os comunistas aos estudantes brasileiros
(EBSA, 1961, p. 35); Comunismo atuante (EBSA, 1962, pp.76-77); Comunização do
ensino (EBSA, 1962, p.37); Os Estudantes e a Cortina de Ferro, artigo que demonstra a
opressão vivida pelos estudantes no leste europeu, invadido pela União Soviética
(EBSA, 1963, pp. 66-67); Greves de Alunos (EBSA, 1963, pp. 72-73)3.
As perspectivas registradas em EBSA se encaminhavam para um fechamento de
cerco ao governo de João Goulart. Entretanto, outros comentários e análises também
demonstravam que o alinhamento dos editores de EBSA andava em paralelo com as
designações propostas pelas diretrizes da ESG na circulação de ideias que instigavam as
imagens de país desestabilizado por ordem de “inimigos” infiltrados nas instituições
políticas, sociais e educacionais.

O retorno da disciplina de Educação Moral e Cívica, o conteúdo da Doutrina de


Segurança Nacional e o caráter de “antecipação” da Editora do Brasil.

A ameaça de uma "possível guerra interna" foi tomada como uma linha temática
e incluída no material produzido na casa editorial. A campanha anticomunista deu
margem à elaboração e produção de livros didáticos de Educação Moral e Cívica e
congêneres, Organização Social e Política Brasileira (OSPB) e Estudos dos Problemas
Brasileiros (EPB). Surgiu disso um fruto pioneiro, o livro de Victor Mussumeci, um dos
primeiros livros de OSPB publicado no país, antes mesmo de 1964.
Os membros da Editora mantiveram contato direto com os agentes responsáveis
pelas ordenações educacionais, como já apontamos. Por se apresentar como pioneira na
produção e distribuição de livros de Civismo percebeu-se que a Editora do Brasil já
havia se preparado para os trâmites que seriam apresentados pela Indicação nº 1 de 1962
do Conselho Federal da Educação, cujo teor propunha a prática educativa da Educação
Cívica.
No mesmo ano, houve a criação da disciplina de OSPB para o ensino secundário
“como parte complementar do currículo escolar para o ciclo ginasial” (Filgueiras, 2006,
p. 37). Talvez, não por coincidência, o livro de Mussumeci, no ano seguinte, já estivesse
em sua 23ª edição4. Em outubro de 1963, EBSA publicava a Portaria nº 419 de
17/10/1963 dispondo sobre a formação moral e cívica aos estabelecimentos de ensino
médio, na tentativa de se "criar um lastro comum de unidade nacional" por meio do
culto aos símbolos pátrios (EBSA, 1963, p.28).
Não é de se estranhar, portanto, que tenha sido noticiado no periódico, em 1966,
a ida de Victor Mussumeci, representante da Editora do Brasil, à Terceira Reunião
Conjunta dos Conselhos de Educação Cívica, promovida pelo Conselho de Educação, e
com os trabalhos abertos pelo Ministro da Educação e Cultura, Muniz de Aragão. Essa
reunião demonstrou que os membros da Editora do Brasil não eram os únicos sujeitos
embrenhados nas discussões sobre o retorno da disciplina de EMC nas escolas.
“Educação Cívica” foi o tema debatido durante a reunião, em meio aos
representantes dos Conselhos Estaduais de São Paulo (presidido pelo professor Erasmo
de Freitas Nuzzi e o Padre Lionel Corbeil); Minas Gerais (Emanuel Pontes); Rio Grande
do Sul (Irmão José Otão). Além de Mussumeci, também estiveram presentes à reunião
professores, outros autores de livros didáticos, técnicos e membros do governo. Dentre
eles, estavam presentes o Padre Gabriel Galache, Humberto Grande, Padre Orlando
Vieira e o Marechal Inácio Rolim, membro da Liga de Defesa Nacional.5
Palestras como “Civismo: da casa ao cosmos”, proferida por Alceu Amoroso
Lima, ou a discussão sobre o significado de civitas proferida por Newton Sucupira do
Conselho Federal de Educação (CFE), fizeram da programação do encontro (EBSA,
1966, p. 2). O representante da Editora do Brasil, professor Mussumeci, se destacou
com a discussão sobre a “solidariedade”.
O editor salientou a ideia de que, no “estudo dos processos para formar o
cidadão”, deveria ter sido considerada a exigência de quatro tipos de civismo (o
patriótico, o institucional, o político e o solidarista). O “conceito de civismo como
expressão da solidariedade”, como parâmetro para as futuras incursões sobre o currículo
de Educação Moral foi definido durante essa reunião. (Filgueiras, 2006 e Oliveira et alii,
1984). Como podemos perceber, com incisiva participação da Editora em questão.
A solidariedade humana como valor essencial para a unidade da Pátria, no
entanto, fazia parte das palestras proferidas pelo do Gal. Moacir Araújo Lopes..
Consecutivamente, esse termo passou a fazer parte das finalidades da Educação Moral e
Cívica no Decreto-Lei nº 869/69. Passou a ser um dos “valores permanentes” dentro dos
subsídios para o Currículo e o Programa Básico de EMC proposto pela CNMC e pelo
Conselho Federal de Educação (CFE). Nos conteúdos dos livros didáticos, a
“solidariedade” estava inserida nas instruções metodológicas para a prática de ensino.
A questão é a de que o valor de "solidariedade" como princípio ético a ser
exaltado foi um dos motores dos discursos da Editora, nos anos 1960. E a Revista
refletiu todas essas as orientações para o seu público leitor. Deve-se lembrar de que o
termo “solidarismo” ou “solidariedade”, neste caso, estão relacionados à seção
“Instituições Sociais e Contemporâneas” contida no Manual da ESG no sentido de
ampliação da ideia de individuo como “bom membro da família e da comunidade”
(ESG, 1975, p. 401).6
Posteriormente, o livro de Costa, Moschini, Mussumeci, e usou o conceito de
Segurança Nacional distribuído pelo mesmo General como elemento fundamental para
o entendimento de Moral e Civismo. O livro justificou a ação do Governo de então,
ações políticas, econômicas, psicossociais e militares, como garantias para a
“consecução ou manutenção dos objetivos nacionais, em face dos antagonismos
existentes” (Costa, Moschini, Mussumeci, s/d, p. 160).7
É por meio da batuta de Alfredo Gomes, dando continuidade a sua preocupação
com a moral e o civismo, que a Revista EBSA, em janeiro de 1969, apresentou a
“peregrinação cívica” do Gal. Moacir Araujo Lopes, feita por meio de um ciclo de
palestras pelo Brasil. Também foi por intermédio de Alfredo Gomes que a Revista
EBSA publicou em julho do mesmo ano as palavras do General José Nogueira Paes,
Diretor do Serviço Militar, encarregado por coordenar e controlar todas as atividades
ligadas ao Serviço Militar no país. A publicação tratava-se da conferência proferida no
Círculo Militar de São Paulo sobre O Serviço Militar e as Responsabilidades das
Autoridades e das Lideranças Civis (EBSA, 1969, p.3). O registro desse relacionamento
só demonstrou que a entrada do ideário da ESG nos produtos da Editora não acontecia
somente por conta de uma afinidade de ideias, mas tinha a ver com um relacionamento
mais direto, cujas trocas de interesses, ajudou a construir o conteúdo didático publicado.
Alfredo Gomes não escondia e se comprazia com os contatos pessoais
adquiridos dentro do Círculo Militar. Dentro do Círculo, por exemplo, o editor-chefe
idealizou e escreveu o livro “Numes Tutelares: Alameda Cívica Mal. Maurício José
Cardoso” que foi publicado em 1971.8 Em certa ocasião, em setembro de 1969, dentro
do Círculo Militar, o Gal. Moacir de Araújo Lopes teve a “gentileza” de oferecer a
Alfredo Gomes, em “caráter reservado”, um exemplar do anteprojeto de Lei sobre a
Educação Moral e Cívica, elaborado em 31 de julho de 1968. De acordo com Gomes, o
anteprojeto ainda “estava sendo estudado pelo próprio Governo da República”. E, sem
“aludir ao documento” que lhe fora entregue, editor e general conversaram sobre a
infeliz supressão da disciplina com o advento da “Revolução de 1930” (EBSA, 1969,
pp. 2-3).9 Em meio à conversa, general e professor, tiveram lampejos de melancolia
diante da não continuidade da EMC nos currículos. Foi nesse ambiente que o redator de
EBSA pôde manter relação com esses conferencistas vindos da caserna, conservando
um contato, senão de amizade, no mínimo, mantido pela afinidade de ideias.
Mesmo antes desse encontro, EBSA demarcou outro aspecto da "peregrinação
cívica" do general Araújo Lopes. Tratava-se da premiação de cinco trabalhos, com
prêmio fixado em dinheiro, do Concurso Nacional do Guia de Civismo, na qual foram
premiados professores da rede oficial de ensino. Tanto o presidente da comissão
julgadora do evento, o próprio general, quanto o Ministro da Educação, Favorino Bastos
Mércio, atestaram que "os cinco trabalhos" seriam publicados pelo MEC e que
constituiriam "base da educação cívica em todas as escolas de nível médio do país".
Naquele momento, o general adiantava que se encontrava no CFE, "para exame", o
projeto pelo qual seria incluído o civismo nos currículos escolares (EBSA, 1969, p. 37).

Considerações Finais

Os livros da Editora do Brasil possuíam “praticamente os mesmos temas do


programa curricular de Educação Moral e Cívica” que foi apresentado como regra geral
para o país (Filgueiras, 2006, p.116). Nesse sentido, a Editora do Brasil, deixava
evidente que o conteúdo de suas publicações de EMC, não só tinham as ideias dos
editores e autores, apresentavam uma sintonia ideológica entre aquilo que eles
acreditavam e o que passou a ser determinado pelos pensadores da Escola Superior de
Guerra. E essa sintonia não foi construída apenas no plano das ideias, mas foi o
resultado de planejamentos e acordos firmados em reuniões, encontros, palestras,
acontecidas na CNMC, mas também em ambientes públicos, tais como nos eventos
organizados pelo Círculo Militar.
Foi percebido um caráter de “antecipação” nos escritos de EBSA, já que a
Editora aparecia com um passo à frente diante da concorrência, quando eram
apresentadas as especificações do governo para a EMC. Depois, foi percebido que
caráter de antecipação, na verdade, foi fruto de um relacionamento mais coeso, pautado
pelo compartilhamento de espaços e discussões sobre a reorganização do currículo da
disciplina de EMC no país. O “caráter reservado” das transações, dadas a entender ao
longo do trabalho, nos conduz a três vestígios a respeito das práticas efetuadas pelos
sujeitos responsáveis pela Editora: 1) De que os seus editores conseguiam, com
antecedência, compreender as normas que seriam aplicadas ao mercado do livro
didático, exatamente porque faziam parte do grupo que decidia essa questão na CNMC,
deste modo, conseguiam se organizar previamente para atender a nova demanda; 2)
Essas informações repassadas, às vezes, de forma “reservada”, dão um sentido de
estreitamento de laços, criando um aspecto de cumplicidade para com um representante
do governo instituído; 3) Os editores de EBSA foram partícipes dos fóruns de discussão
organizados pelos dirigentes da CNMC, nas discussões e decisões que, em breve,
interfeririam no currículo das escolas, na produção de livros, nos conteúdos aplicados
pelos professores e, por isso, colocava-se em um local privilegiado de poder. Local em
que, de acordo com Mathias (2004, p. 192), estava concentrado “o maior número de
militares no período”, ou seja, os fóruns de discussão e as comissões de planejamento.
Ao que parece, as Editoras não apenas seguiam os parâmetros estipulados pelos
Programas, como também, participavam das discussões que inseriam temas dentro do
currículo de EMC estando em associação às temáticas desenvolvidas na Escola Superior
de Guerra.
A pesquisa pode apontar que esse caso não parece ser isolado, já que outros
autores e representantes de outras editoras fizeram parte da CNMC, tendo voz para a
organização curricular da disciplina que retomava aos bancos escolares. Além disso, é
necessário, por fim, pontuar que, por ser um clipping, o “documentário de ensino”
publicado mensalmente pela editora, deu um panorama generalizado do que era
publicado pela grande imprensa, demonstrando que a ideia de integração social, por
meio de uma coesão nacional a partir da associação civil-militar, não estava presente
somente nos livros da Editora do Brasil. O domínio adquirido aqui, transformado em
produto didático, apelava ao medo da conquista “subversiva” ao Poder, e representou,
exatamente a associação civil-militar registrada nos documentos da ESG. Isso nos faz
pensar nos mecanismos capazes de estabelecer uma rápida integração reacionária de
grupos, pensando em interesses econômicos (ou não), quando existe o medo comum por
um inimigo hegemonicamente forjado...

1
Informações disponíveis em 06/08/2006, em http://www.editoradobrasil.com.br.
2
Para maiores informações sobre a Editora do Brasil S/A ver Braghini, Katya M. Z. A constituição e
consolidação da Revista da Editora do Brasil S/A EBSA (1946 1960): Periódico educacional pioneiro no
gênero. Em Questão (UFRGS. Impresso), v. 18, p. 63-76, 2012.
3
O texto de Aroeira foi transcrito de O Estado de Minas, Belo Horizonte, 20/05/1962. O discurso do
Senador Guido Mondim (PRP-RS), Infiltração Comunista, foi pronunciado no dia 04/12/1962 no Senado
Federal. O artigo Greves de alunos, de autoria de Souza Brasil, foi transcrito do Jornal do Brasil, Rio de
Janeiro, 20/09/1963.
4
Referência retirada do Banco de Dados Livres e da Biblioteca do Livro Didático da Faculdade de
Educação da USP: MUSSUMECI, Victor. 1963. Organização Social e Política Brasileira. São Paulo:
Editora do Brasil, 23ª edição. No ano seguinte, este mesmo livro já havia atingido a 33ª edição.
5
Humberto Grande é autor de numerosas publicações, como por exemplo: O Culto da Grandeza (1949),
Trabalho, Cultura e Espírito (1961), Educação Cívica das Mulheres (1967), A Universidade do Trabalho e
o desajustamento de massas e de classes (1965). Nos anos 1950, foi um grande divulgador do projeto
sobre Universidades para o Trabalho. O Padre Gabriel Galache era jesuíta, foi diretor das Edições
Loyola, e autor de livro didático e religioso pela mesma editora: Brasil: processo e integração – Estudos
dos Problemas Brasileiros e Síntese da Doutrina Social. O padre Orlando Vieira é autor da Pessoa
Humana no mistério do mundo. Já a Liga de Defesa Nacional é uma “entidade cívico-cultural” fundada
por Olavo Bilac em 1916. Ela tem por princípio “robustecer na opinião pública nacional um elevado
sentimento de patriotismo” e já foi agraciada com Ordens do Mérito Militar, Naval, Cruz Mérito
Educação Cívica e Medalhas Tamandaré (por prestar relevantes serviços para a divulgação das tradições)
e D. Pedro II (por prestar importantes serviços no âmbito da defesa civil):
http://www.ligadadefesanacional.org.br, em 28/02/2008. O professor Erasmo Nuzzi foi Conselheiro do
Conselho Estadual de Educação de São Paulo. O padre Lionel Corbeil foi fundador do Colégio Santa
Cruz de São Paulo e teve uma atuação bastante duradoura dentro do Conselho Estadual (1963-1986).
Irmão José Otão foi membro da congregação Marista e um dos fundadores da Faculdade de Ciências
Políticas e Econômicas em Porto Alegre, o que no futuro se tornaria a Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul. Nada foi encontrado sobre Emanuel Pontes.
6
É importante ressaltar que a idéia de “solidariedade” entre os brasileiros, no entanto, era uma das idéias
que já “circulavam” anteriormente. Primeiro entre os isebianos, em especial Álvaro Vieira Pinto, que via
no “trabalho” um ponto de solidariedade entre as diversas classes sociais que, segundo o pensador,
buscavam o desenvolvimento do Brasil (Franco, 1978). Depois, dentro do próprio movimento estudantil,
especialmente na Ação Popular, corrente saída da Juventude Universitária Católica (JUC), que via
solidariedade como um dos elementos agregadores entre os estudantes ao povo, “grupo cego a ser guiado
rumo às transformações sociais” (Fávero, 1994, p. 33).
7
Fernando N. Moschini era padre e esteve ligado à Federação do Comércio de São Paulo. Participou da
Campanha de Educação Cívica realizado pela União Cívica Feminina em 1964, sendo conferencista de
diversos estudos sobre os problemas nacionais promovidos por aquela entidade (Filgueiras, 2006, p. 103).
8
O livro Numes Tutelares: Alameda Cívica Marechal Maurício José Cardoso é um pequeno dicionário
com a biografia com nomes considerados célebres da História do Brasil, e tem o prefácio escrito pelo
General Claudio Cardoso, presidente do Círculo Militar de São Paulo. São citados no livro nomes como
os de Fernão Dias Paes, Joaquim José da Silva Xavier (Tiradentes), Luis Alves de Lima (Duque de
Caxias), Joaquim Marques Lisboa (Almirante Tamandaré), Cândido Mariano da Silva Rondon, Artur da
Costa e Silva, e do próprio Gal. Maurício José Cardoso. Também foram citados Alberto Santos Dumont,
Rui Barbosa, José Maria da Silva Paranhos Júnior (Barão de Rio Branco). A única mulher citada foi Ana
Justina Ferreira Néri.
9
De acordo com Cunha (2006): “Nesse período, a EMC ora foi incluída no currículo, ora foi dele
suprimida: presente na ‘lei’ orgânica do ensino secundário (1942) até o fim do Estado Novo; ausente na
República Populista, para retornar com toda a força em 1969 (Decreto-Lei 869), sendo mais uma vez
suprimida em 1993 (Lei 8.663)” (Cunha, 2006, p. 5087).
Documentos

AROEIRA, Luiz Eduardo. Comunismo Atuante e democracia recuada. Revista da


Editora do Brasil S/A (EBSA), São Paulo, nº 170, p. 76-77, mai., 1962.

BRASIL, Souza. Greve de alunos. Revista da Editora do Brasil S/A (EBSA), São Paulo,
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