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Outros autores se contentaram em chamar a atenção para as características distintivas

mais tangíveis da vida onírica e em adotá-las como ponto de partida para tentativas que visavam a
explicações de maior alcance.
Observou-se, justificadamente, que uma das principais peculiaridades da vida onírica
surge durante o próprio processo de adormecimento, podendo ser descrita como um fenômeno
anunciador do sonho. De acordo com Scheiermacher (1862, 351), o que caracteriza o estado de
vigília é o fato de que a atividade do pensar ocorre em conceitos, e não em imagens. Já os sonhos
pensam essencialmente por meio de imagens e, com a aproximação do sono, é possível observar
como, à medida que as atividades voluntárias se tornam mais difíceis, surgem representações
involuntárias, todas elas se enquadrando na categoria de imagens. A incapacidade para o trabalho
de representações do tipo que vivenciamos como intencionalmente desejado e o surgimento
(habitualmente associado a tais estados de abstração) de imagens - estas são duas características
perseverantes nos sonhos, que a análise psicológica dos sonhos nos força a reconhecer como
características essenciais da vida onírica. Já tivemos ocasião de ver [pág. 69 e segs.] que essas
imagens - alucinações hipnagógicas - são, elas próprias, idênticas em seu conteúdo às imagens
oníricas.
Os sonhos, portanto, pensam predominantemente em imagens visuais - mas não
exclusivamente. Utilizam também imagens auditivas e, em menor grau, impressões que pertencem
aos outros sentidos. Além disso, muitas coisas ocorrem nos sonhos (tal como fazem normalmente
na vida de vigília) simplesmente como pensamentos ou representações - provavelmente, bem
entendido, sob a forma de resíduos de representações verbais. Não obstante, o que é
verdadeiramente característico dos sonhos são apenas os elementos de seu conteúdo que se
comportam como imagens, que se assemelham mais às percepções, isto é, que são como
representações mnêmicas. Deixando de lado todos os argumentos, tão familiares aos
psiquiatras,sobre a natureza das alucinações, estaremos concordando com todas as autoridades
no assunto ao afirmar que os sonhos alucinam - que substituem os pensamentos por alucinações.
Nesse sentido, não há distinção entre as representações visuais e acústicas: tem-se observado
que, quando se adormece com a lembrança de uma seqüência de notas musicais na mente, a
lembrança se transforma numa alucinação da mesma melodia; ao passo que, quando se volta a
acordar - e os dois estados podem alternar-se mais de uma vez durante o processo do
adormecimento - a alucinação cede lugar, por sua vez, à representação mnêmica, que é, ao
mesmo tempo, mais fraca e qualitativamente diferente dela.
A transformação de representações em alucinações não é o único aspecto em que os
sonhos diferem de pensamentos correspondentes na vida de vigília. Os sonhos constroem uma
situação a partir dessas imagens; representam um fato que está realmente acontecendo; como diz
Spitta (1882, 145), eles “dramatizam” uma idéia. Mas essa faceta da vida onírica só pode ser
plenamente compreendida se reconhecermos, além disso, que nos sonhos - via de regra, pois há
exceções que exigem um exame especial - parecemos não pensar, mas ter uma experiência: em

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