Você está na página 1de 1

Articulando

Os porquês
do latim POR JOSÉ ERNESTO
POR CHARLENE
DE VARGAS
MIOTTI

N
ão existe uma recei- ginário coletivo construído por sobre a metodologia de ensino de
ta. Há quem diga: “sei quem ainda sofria com ele no latim nas Universidades Estaduais
conversar em latim!” colégio sob os pretextos clássicos de São Paulo. O que foi possível
ou “conheço que inúmeros professores, auto- constatar nas cinco Universida-
de cor!”. Terão esses aprendido e res de métodos e gramáticas e até des (considerando cada campus
conservado seu latim na base das admiradores leigos sustentavam: da Unesp como uma unidade)
tabelas, da tradução contumaz aprendê-lo aguça o intelecto, am- era previsível: cada professor tra-
ou ainda por uma fórmula má- plia a capacidade de observação, ta de compor por si só um méto-
gica ignorada pelos mortais? Ou aperfeiçoa o poder de concentra- do que de fato ajude seus alunos
ainda: o que é saber latim? Seria ção, desenvolve o espírito analí- a aprender aquele latim obriga-
dominar o sistema declinatório, tico, ajuda a mente a adequar-se tório do currículo mínimo dos
o universo sintático e vocabular à calma e à ponderação . Sem cursos de Letras – que não é nem
tão bem a ponto de transportar falar na militância do latim para de longe o latim necessário para
o latim para o presente e fazê-lo se tornar dono de um português se ter acesso a qualquer tipo de
sambar para se referir, por exem- impecável. Essas justificativas, literatura, mas resolve a questão
plo, ao nosso irremediavelmente são elas suficientes para embasar de quem sempre quis entender as
moderno jeans (socorre o Vatica- o ensino e o estudo de latim em frases de Edgar Allan Poe em
no: )? Ou qualquer instância? .
seria ter na ponta da língua o top Para além dos conteúdos e do O latim precisa ser encarado
da literatura clássica (junto com modo como eles vêm sendo ensi- sem o ranço erudito, tradicio-
uma galeria de aforismas de cada nados em sala de aula, há que se nalista e arcaizante que o reduz
autor)? repensar principalmente os obje- a uma língua morta (quando se
Orbitam em volta do latim tivos que norteiam esses esforços trata apenas de uma língua do
prescrições, mitos e preconcei- que, se não forem bem delinea- passado). Ora, um ensino que se
tos de todo tipo. Extinto do en- dos, produzirão pífios resultados pretenda eficaz precisa levar em
tão “segundo grau” na década de quando muito. O que buscamos conta a complexidade e as parti-
sessenta e desobrigado pelo MEC quando ensinamos latim para cularidades do sistema linguístico
no currículo universitário, o la- alunos de Letras e Filosofia em com o qual está lidando, além
tim vem ganhando uma aura de contexto universitário? Que eles das múltiplas competências sem
erudição inacessível que reforça possam conversar em latim? Que as quais é impossível alcançar
as crenças populares sobre ele. Se eles decorem os textos-base? qualquer dimensão, mesmo que
em uma roda de amigos o estu- Que eles saibam traduzir frases pequena do que de fato é deter-
dioso de latim cair na armadilha construídas por aqueles autores minada obra no seu registro origi-
cotidiana de contar o que faz da de gramática para quem o latim nal. E sem essa dimensão, afinal,
vida, com muita probabilidade é ferramenta indispensável para por que dedicar-se ao estudo de
será presenteado com um bom- um bom português e um raciocí- uma língua clássica?
bardeio de perguntas curiosas: nio lógico-matemático?
CHARLENE MIOTTI É AUTORA DA DISSERTAÇÃO
“para quê você usa o latim?”, “fala Essas questões vieram à tona
alguma coisa em latim?” etc... com o estudo em nível de mes-
O latim faz parte de um ima- trado que realizamos na Unicamp


Você também pode gostar