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Maria de Lourdes Trassi Teixeira é psicanalista, doutora pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (PUC-SP) na área de adolescência e violência, e conselheira da Fundação
Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente.
Estes desafios se revelam nestas escolas dos bairros pobres na falta de
pessoal para atender os alunos (ausência de professores?), superlotação das
salas, falta de espaço físico adequado, número excessivo de períodos
escolares, diversidade de níveis de ensino, ausência de integração com a
comunidade, questão salarial dos professores (3); em síntese, o desafio é
superar a precariedade da qualidade do ensino que é oferecido a todos os
adolescentes, educandos do sistema público de ensino.
***
***
“Na linha do tempo, a vida dos indivíduos é marcada por etapas, sejam elas
sinalizadas pelo desenvolvimento biológico, por ritos sociais, por
determinações de ordem objetiva, por tudo isto e muitas outras variáveis
históricas ou circunstanciais conectadas. Quando nos referimos ao
desenvolvimento endócrino do púbere não quer dizer que consideramos
exclusivamente os aspectos orgânicos como definidores, mas que este é um
fato inegável, comprovado e produz alterações importantes na vida do
indivíduo. Claro que estas alterações poderão ser maximizadas ou
minimizadas, em seus efeitos na conduta, dependendo dos ritos sociais que
cercam esta passagem (por exemplo, o controle da conduta sexual) ou de
aspectos singulares da biografia de um adolescente (por exemplo, a prática do
ato infracional). Ou, ainda, uma determinada condição de vida objetiva. A
pobreza, por exemplo, poderá implicar que este aspecto, o biológico, deixe de
ser significativo porque, independente dele, o indivíduo deverá ingressar na
vida adulta – o trabalho (4) – como provedor da renda familiar, uma função
destinada aos adultos em nossa sociedade. Neste sentido, a adolescência
como uma etapa da vida deve ser compreendida também como uma variante
da condição social de classe (5). Outro consenso é que aspectos jurídicos,
históricos, sociais, culturais, tecnológicos interferem, produzem
adolescências...” (TRASSI, 2006).
O relatório da Unesco assinala em sua introdução (p. 22) “... uma das maiores
dificuldades de qualquer reforma: as políticas a adotar em relação aos jovens e
adolescentes que terminam o ensino primário. Políticas que cubram o período
que decorre até a entrada na vida profissional ou no ensino superior”. Neste
caso, a referência não se restringe aos aspectos comportamentais dos
adolescentes e jovens, ao seu modo de se relacionar com o mundo, com o
outro e consigo mesmo; mas, também, aos seus novos e desconhecidos
interesses que tornam – para ele – a experiência escolar pouco atraente, útil,
significativa e de difícil permanência, nestes tempos de produção contínua de
conhecimentos e avanços tecnológicos ininterruptos. Portanto, a dificuldade de
permanência na escola não é exclusividade do adolescente envolvido com a
prática do delito. Ele revela, de modo mais contundente, o desinteresse por
aquilo que a escola quer ensinar. E, isto é compreendido pelos gestores como
característica do adolescente difícil e, com raras exceções, não ouvem, não
problematizam – não se percebem implicados – o que eles falam, cantam,
gritam, picham.
A escola, com freqüência cada vez maior, prepara-se para receber seus
educandos tornando-se uma “escola blindada”, ou uma “escola caserna”:
muros altos, grades, cadeados, vigias, ronda escolar em um ambiente, muitas
vezes, fisicamente deteriorado, sem biblioteca, sem equipamentos
tecnológicos, sem área de lazer e, às vezes, sem ventilação adequada, sem
água e sem professor ou com professores que são a primeira força contrária a
recebê-los... querem que a escola seja elitizada(!). É uma recepção e
permanência expulsiva que, no caso do adolescente autor de ato infracional,
começa a se revelar na resposta, bastante significativa, que eles conseguem
vaga por pressão judiciária. Ou seja, não deveriam estar ali. E, quando estão
suscitam medo.
A grande força dos professores reside no exemplo que dão, manifestando sua
curiosidade, reconhecendo os próprios erros, desenvolvendo no educando a
revolucionária capacidade de pensar sobre o outro, sobre o mundo, sobre si
mesmo. O Relatório da Unesco enfatiza a necessidade de o ensino contribuir
para a formação da capacidade de discernimento e do sentido das
responsabilidades individuais; nas sociedades modernas, o aluno necessita ser
capaz de adaptar-se às mudanças, continuando a aprender ao longo da vida. O
trabalho e o diálogo com o professor ajudam a desenvolver o senso crítico do
aluno. E, a condição para que tudo isto ocorra é a existência de um vínculo
significativo entre ambos. Ou, na linguagem de Rubem Alves, é necessário um
vínculo amoroso.
E, como realizar isto se o professor tem medo do seu aluno, cria estratégias
para que ele desista, ou constrói uma profecia do fracasso cujas
conseqüências irão se desdobrar ao longo de sua vida?
***
Eric Hobsbawm, historiador inglês, em sua obra A Era dos Extremos - O breve
século XX, afirma, referindo–se ao século XXI, “não temos o mapa do futuro”.
Este século enfrenta o seu maior desafio: o da reconstrução das comunidades
humanas. Há muitos sinais de intolerância... A solidariedade (com o outro
próximo e o outro anônimo) e o novo espírito comunitário (para além das
fronteiras geográficas) podem se constituir em princípios organizadores de
vida, como alternativa ao risco de dissociação dos vínculos sociais. Nesta
perspectiva, as agências primárias de socialização como a família e a escola
são convocadas a reassumir o seu papel na formação das novas e futuras
gerações. E, “... a escola, independentemente de seu estatuto específico –
privado, cooperativo ou governamental –, é tipicamente uma esfera de ação
pública como ambiente e lócus de socialização... Em sociedades cada vez
mais complexas e multiculturais, a emergência da escola como esfera pública
acentua sua relevância insubstituível na promoção da coesão social, da
mobilidade humana e da aprendizagem da vida em comunidade”. (Relatório da
UNESCO, p. 222-223).
Notas
2 - As escolas que atendem grupos e setores sociais que não vivem a condição
da pobreza, da fome assinalam a presença das drogas e da violência na
escola, no Brasil e em muitos lugares do mundo.
3 - A reprodução de trechos do relatório O olhar da escola sobre o adolescente
em conflito com a lei, do Instituto Fonte, estará discriminada no corpo do texto
com letras em itálico.
Referências Bibliográficas
HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos - O breve século XX. São Paulo: Cia
das Letras, 1995.