TABACARIA
2014-03-10
Com o advento da Primeira República (1889-1930), inaugura-se no Brasil um
período marcado por profundas transformações na produção da atividade
intelectual. A profissionalização dos escritores, a crescente institucionalização
da literatura à imprensa jornalística, os novos padrões estéticos da vida
artística/cultural brasileira à francesa, bem como os rumos de uma jovem
república ligada às antigas formas de poder oligárquicas, denunciam a
antinomia de um projeto pré-modernista.
— Vamos dormir, que é tarde. Rumina bem o que te disse, meu filho.
Guardadas as proporções, a conversa desta noite vale o Príncipe de
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na França influenciariam nossos poetas que optariam, cada vez mais para o
Realismo- em especial o Parnasianismo (que será muito presente até a
Semana de Arte Moderna, de 1922 e do advento de grupos intelectuais
denominados modernistas). É neste itinerário impreciso e instável, que se
forma o que chamamos hoje de Belle Époque brasileira, clara alusão a
semântica e aos valores da escola francesa, que vigorará juntamente ao
início e fim da República Velha. Salienta-se, como a crítica literária do Galês
Raymond Williams, na obra O campo e a cidade: na história e na literatura
figura-se como exemplo homólogo à nossa vida literária nacional, ou seja,
uma antinomia entre o rural e a vida urbana, a divisão do trabalho social
fortemente tradicionalista e as contradições de uma pretensa civilização
marginal nutrida por valores importados. A moderna tradição brasileira que
entrava em compasso.
O nome provém do escritor francês do século XIX, Anatole France, que serviu
de grande referência aos intelectuais brasileiros da República Velha. Em
suma, a principal característica dos Anatolianos era a poligrafia e a imposição
aos ajustes de gêneros importados da imprensa francesa. Esta demanda
provinha de jornais e revistas sob o controle dos dirigentes e mandatários
políticos das antigas oligarquias, assumindo sobretudo, a crônica como
gênero dominante. Uma parcela considerável de escritores do período
aceitavam os postulados afim de garantir salários, estabilidade profissional na
carreira de escritor ou cargos burocráticos. Uma das análises pioneiras deste
grupo intelectual foi realizada pelo sociólogo brasileiro, Sergio Miceli, no título
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Para que essas trajetórias fossem recontadas a rigor, Miceli utilizou biografias
e memórias dos letrados desta fase, onde o mercado editorial brasileiro não
estava amplamente estabelecido. Entre os escritores analisados, o sociólogo
elenca um grupo de autores como Manoel Bandeira, Lima Barreto e
Humberto de Campos, e os nomeia como Anatolianos. Parcela representativa
destes literários era proveniente de setores empobrecidos da antiga
oligarquia. A literatura era uma das poucas opções que estes autores
encontravam como forma de aproximação das elites dirigentes, e assim evitar
o rebaixamento social. Além de resgatar as trajetórias e origens sociais dos
Anatolianos, Sergio Miceli expõe as fragilidades que estes letrados
enfrentavam, em especial, a dependência política.
Outro ponto inovador de Poder, Sexo e Letras na República Velha era o meio
explicado pelo sociólogo para que esses parentes pobres da oligarquia
pudessem mobilizar seu capital social, e assim se aproximarem dos setores
dirigentes. Esse contato acontecia, por exemplo, através trabalhos femininos
(como costuras e rendas) que permitiam aproximação de familiares
pertencentes aos setores privilegiados dentro da Primeira República,
principalmente a política. Com a expansão de novos postos culturais ligadas
às condições consolidadas pelas oligarquias, a literatura (socialmente definida
como uma carreira feminina em oposição às masculinas como política ou
militar) representava naquele momento para os parentes desprivilegiados a
única forma de reconversão social (uma forma de não rebaixamento desses
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escritores, uma vez que a maioria não podia seguir carreiras masculinas
como as militares ou políticas, devido ao agravamento de problemas de
ordem da saúde, dilapidação do patrimônio ou a morte do paterna).
Com um público leitor que não ultrapassava a faixa de 500 mil, concentrados,
sobretudo nas capitais paulistas e fluminenses, a alta taxa de analfabetismo
nacional e a incipiência de um mercado consumidor de livros, forçou boa
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“Dou a este volume o nome que parece caber-lhe- Juízos Ephemeros: prosa
ligeira e gárrula jornadeando ao acaso, conceitos em trânsito, ideais de livre
curso, vozes que se perdem, cantando, no diapasão do vozeiro geral […] São
páginas menos escritas do que salpicadas, em borrifo, a cada movimento da
vida, a cada impressão do mundo, na órbita dos meus sentidos e na ordem
de minhas cogitações”.
“Não há, na minha vida, ambição maior que a de escrever obras que se
tornem úteis aos homens de hoje, e fiquem na memória dos homens da
amanhã. Como poderei eu, porém, fabricar um móvel majestoso e sólido, se
na minha existência de carpinteiro das letras eu tenho de pôr a venda, cada
manhã, no mercado, a tábua que aplainei à noite? Como poderei eu escrever
um romance forte, um trabalho de meditação ou observação, se tenho de
vender, a retalho, as ideais miúdas que me vem, se não há compradores na
praça para as outras de maior parte? Que alimentação pode alimentar ainda,
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“No Rio de Janeiro é raro o homem de Letras que não é jornalista Em 1895,
o renomado poeta e jornalista Olavo Bilac faz uma importante declaração
acerca da literatura na Belle Époque brasileira, que traduz a trajetória social
dos seus contemporâneos das letras, sobretudo aos Anatolianos, que “no Rio
de Janeiro é raro o homem de letras que não é jornalista; isso se explica pelo
fato de ser a literatura de jornal muito mais rendosa do que a literatura de
livros”. Ao elucidar a história social, de um pequeno grupo de literários, do
período da Belle Époque, podemos atinar as condições de formação do
campo literário brasileiro. Suas produções artísticas; bem como as
declarações acerca de suas atividades profissionais traz à tona a dimensão
de suas contribuições, desilusões e mágoas do ofício das letras.
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