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EDUCAÇÃO, FILOSOFIA DO
DIREITO E OS DIREITOS DA
PERSONALIDADE
IDDM
EDITORA 1
O Mestrado em Ciências Jurídicas e o Curso de Direito da Unicesumar promovem o III Con-
gresso Internacional de Direitos da Personalidade e IV Congresso de Novos Direitos e Direitos
da Personalidade, sob o tema "Direitos da Personalidade de Minorias e de Grupos Vulnerá-
veis".
IDDM
EDITORA
PRIMEIRA
EDIÇÃO
MARINGÁ – PR
2017
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
IDDM
EDITORA
Rua Joubert de Carvalho, 623 – Sala 804
CEP 87013-200 – Maringá – PR
Copright 2017 by IDDM Editora Educacional Ltda.
CONSELHO EDITORIAL
Prof. Dr. Alessandro Severino Valler Zenni, Professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5969499799398310
Prof. Dr. Alexandre Kehrig Veronese Aguiar, Professor Faculdade de Direito da Universidade de Brasília
(UnB).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2645812441653704
Prof. Dr. Fabrício Veiga Costa, Professor da Pós-Graduação Stricto Sensu em Proteção em Direitos Funda-
mentais da Universidade de Itaúna.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7152642230889744
Prof. Dr. José Francisco Dias, Professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus Toledo.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9950007997056231
Profª Drª Sônia Mari Shima Barroco, Professora da Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0910185283511592
Neste sentido, importante dizer que o evento contou com o protagonismo de professores e
profissionais, do Brasil e do exterior, que proferiram palestras relacionadas à temática dos Direitos
da Personalidade, associada aos Novos Direitos, Minorias e Grupos Vulneráveis. Ademais, merece
especial alusão a presença do público, formado por mais de mil e quinhentas pessoas que presti-
giaram todas as atividades promovidas no decorrer dos dias de sua realização.
Em relação ao livro que ora se apresenta, transcendental subscrever que a atualidade dos
Direitos da Personalidade e dos Novos Direitos está a exigir reflexões que dimensionem, de um
lado, o papel do Estado, do Direito e da própria sociedade, e de outro, os mecanismos de defesa e
garantia jurídica e extrajurídica, as políticas públicas e as ferramentas que estão disponíveis à sua
concreção.
Por isto, capital enaltecer que, as páginas que seguem, oferecem o mais moderno e aguçado
pensamento científico sobre o tema, pois tanto acirram o debate acadêmico sobre pontos contro-
vertidos, como elucidam dúvidas, e provocam indagações que determinam a necessária continui-
dade da discussão jurídica sobre questões ainda carentes de consolidação pelo Direito pátrio.
É deste modo que, na qualidade de Coordenadores do evento, cumpre-nos dizer que este
livro não pode, sob qualquer hipótese, permanecer adormecido nas prateleiras de uma biblioteca.
Tanto o seu conteúdo, como o trabalho científico que deu guarida à produção literária que se colo-
ca à disposição do leitor, conclamam que o mesmo circule pelo universo acadêmico, seja utilizado
como ferramenta de consulta, e adotado como referência obrigatória nas pesquisas implementadas
pela influência, ou inspiração, dos assuntos retratados nesta obra.
1 Grupo de Trabalho.
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Finalmente, estendemos um efusivo e afetuoso agradecimento para todos os que colabora-
ram para o sucesso do III Congresso Internacional de Direitos de Personalidade, e do IV Congresso
de Novos Direitos e Direitos da Personalidade. Aos Organizadores da obra, subscrevemos a grati-
dão pela diligência, tanto na Coordenação do GT, como no adensamento dos artigos. Aos autores
de cada um dos capítulos, assinamos um portentoso parabéns pelo brilho de sua pesquisa, e pela
plenitude de seu manuscrito.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
A pesquisa irá investigar um dos problemas fundamentais da ciência jurídica contemporânea
que é a busca pela eficiência do controle social. Partindo do referencial da arqueologia das estrutu-
ras jurisdicionais de Michel Foucault e a leitura feita por Giorgio Agamben.
Em um primeiro momento, este estudo examinará o conceito de forma jurídica nos moldes
foucaultianos, analisando como a teoria da soberania utiliza-se desta forma para legitimar a utiliza-
ção do poder-violência disciplinar. Após, pretende-se analisar a noção de bando e sua relação com
a teoria da soberania e a captura dos sujeitos de direito, a fim de demonstrar a real finalidade da
forma jurídica, qual seja, a de produzir um corpo social dócil e útil a fim de garantir o status quo de
dominação do Estado sobre seus súditos sujeitando-os à forma jurídica por meio de uma captura
de exclusão-includente.
A partir do conceito de sujeito de direito é possível analisar a relação entre o jurídico e o po-
lítico e entre a forma mercantil e a forma jurídica, verificando a condição humana de sujeição para
com o Estado e a possibilidade de suspensão dos direitos e retirada da persona a partir das novas
formas de exceção decorrentes do espectro do campo de concentração. Sendo assim, verifica-se
que as práticas autoritárias realizadas nos campos de concentração não foram extintas ou aboli-
das, apenas ganharam uma nova roupagem e uma nova máscara devido ao fundamento de legiti-
mação do dispositivo de captura do indivíduo.
1 Professor no curso de Direito da Faculdade Cidade Verde (FCV) em Maringá-PR. Mestre em Teoria do Direito e
do Estado pelo UNIVEM – Marília/SP. Possui especialização em Filosofia Política e Jurídica pela Universidade Estadual
de Londrina – UEL/PR. Integrante do grupo de pesquisa Bioética e Direitos Humanos, vinculado ao CNPq – UNIVEM
liderado pelo prof. Dr. Oswaldo Giacoia Junior. Líder do Grupo de Estudos Schmittianos (FCV/RIES - linha de pesquisa:
Carl Schmitt como teórico da Constituição: a guarda da Constituição e o debate com Kelsen), vinculado a Rede Inter-
nacional de Estudos Schmittianos. Membro da Rede Internacional de Estudos Schmittianos – RIES. Co-líder do Grupo
de Estudos Direito & Literatura (FCV).
2 Graduando em Direito pelo Centro Universitário Eurípides de Marília – UNIVEM/Marília-SP. Bolsista PIBIC/CNPq,
sob orientação do Prof. Dr. Nelson Finotti Silva. Integrante e monitor do grupo de pesquisa Constitucionalização do
Direito Processual (CODIP), vinculado ao CNPq-UNIVEM, liderado pelos professores Doutores Nelson Finotti Silva e
Luiz Henrique Franzé. Integrante do grupo de pesquisa Bioética e Direitos Humanos, vinculado ao CNPq – UNIVEM
10 liderado pelo prof. Dr. Oswaldo Giacoia Junior. Contato: e-mail: giovanemoraesporto@hotmail.com
Busca-se demonstrar que independente do discurso racional – do argumento da ciências hu-
manas –, utilizado para legitimar o Direito a consequência será sempre a mesma, a de que se es-
tará legitimando as relações de dominações sobre os sujeitos de direitos, seja em uma monarquia
absolutista ou em uma democracia liberal.
No mais, esta pesquisa não tem a pretensão de esgotar o tema, mas apenas de trazer infor-
mações que instiguem o debate, notadamente, sobre a legitimação da forma jurídica e suas conse-
quências, a fim de diagnosticar a funcionamento deste instituto social que é o Direito. A metodologia
utilizada será de caráter dedutivo utilizando a pesquisa bibliográfica como fonte de observação
teórica, principalmente as obras dos referenciais teóricos do presente texto – Michel Foucault e
Giorgio Agamben.
No conceito de forma jurídica há três elementos essenciais: Relação de dominação; prática ju-
rídica e; ciências humanas. A relação de dominação pode ser configurada como uma relação entre
autoridade e sujeito, onde o sujeito tem o dever de obediência e a autoridade o poder de impor uma
vontade, uma conduta a ser realizada pelo sujeito sem a presença do querer ou do consentimento.
A prática jurídica será sempre heteronomia3, pois um julgador impõe uma vontade às partes, deter-
mina como as partes devem agir, o que configura a violência-poder (“Gewalt”4). O jurista deve então
3 A Heteronomia é um termo formuladado por Immanuel Kant, para contrapor à concepção de autonomia. “Quando
ajo com heteronomia, ajo de acordo com determinações exteriores” (SANDEL, 2011, p. 141). Uma conduta heterônoma
nunca será livre, a imposição de conduta feita pela forma jurídica é um imposição, um poder, uma violência exercida
sobre o sujeito. “Quer meu desejo seja biologicamente determinado, quer seja socialmente condicionado, ele não é
verdadeiramente livre. Para agir livremente, de acordo com Kant, deve-se agir com autonomia. E agir com autonomia é
agir de acordo com a lei que imponho a mim mesmo – e não de acordo com os ditames da natureza ou das convenções
sociais”. (SANDEL, 2011, p. 141). Portanto, não há como o indivíduo ser livre se sujeito à forma jurídica, pois ele terá
que se conduzir conforme o estabelecido, o imposto, seja por meio da legislação ou pela decisão judicial, legitimado a
forma jurídica está legitimando a heteronomia, consequentemente, retirando a liberdade do indivíduo. A liberdade social
só será possível fora da forma jurídica, pois o homem poderá impor a si mesmo a forma de conduta.
4 Nas notas da tradutora Celeste H. M. Ribeiro de Souza, na obra Crítica da Vioência Crítica do Poder o conceito
da ambiguidade entre a violência e o poder utilizados por Walter Benjamin são justificados: “Optei por esta tradução do
original “Zur Kritik der Gewalt”, uma vez que todo o ensaio é construído sobre a ambigüidade da palavra Gewalt, que
pode significar ao mesmo tempo “violência” e “poder”. A intenção de Benjamim é mostrar a origem do direito (e do poder
judiciário) a partir do espírito da violência. Portanto, a semântica de Gewalt, neste texto, oscila constantemente entre
esses dois pólos; tive que optar, caso por caso, se “violência” ou “poder” era a tradução mais adequada, colocando um 11
legitimar sua decisão utilizando-se de um discurso racional, que apenas mascara o mecanismo de
poder disciplinar utilizado pela noção jurídica de soberania.
A forma jurídica é um instrumento do Estado para controlar o corpo social, podendo-se com-
preendê-la em Foucault (2002; 2010) como a efígie das práticas sociais. O Estado utiliza-se da no-
ção jurídica de soberania para impor seus comandos e atribuir o dever de obediência aos súditos,
para que seus interesses sejam satisfeitos. A teoria da soberania utiliza-se do poder disciplinar,
previsto na forma jurídica com o fim de exercer a dominação sobre os súditos. Nas palavras de
Foucault (1999, p. 32):
E, com dominação, não quero dizer o fato maciço de “uma” dominação global de um
sobre os outros, ou de um grupo sobre o outro, mas as múltiplas formas de domi-
nação que podem se exercer no interior da sociedade: não, portanto, o rei em sua
posição central, mas os súditos em suas relações recíprocas; não a soberania em
seu edifício único, mas as múltiplas sujeições que ocorrem e funcionam no interior
do corpo social.
A longa transcrição se justifica na medida em que podemos observar que o objeto da presente
investigação, a forma jurídica (Direito), torna-se uma das possíveis manifestações e dispositivos
do poder para a captura da vida humana. Para Foucault, a partir da aurora do biopoder e da bio-
política, há uma modificação da ideia do antigo poder soberano sobre vida e morte no sentido de
que “o velho direito de causar a morte ou deixar viver foi substituído por um poder de causar a vida
ou devolver à morte” (FOUCAULT, 1977, p. 130). Aqui a expressão dispositivo carrega o sentido
usualmente dado por Foucault e designa as estruturas do conhecimento e os vários mecanismos
institucionais, físicos e administrativos, que propiciam e mantém o exercício de poder dentro do
corpo social.
A dominação social não é exercida apenas pela soberania centralizada ou personalizada verti-
calmente, mas, sim, existe em todas as relações sociais, há, portanto, uma rede de poderes que se
exercem nessas relações. Sendo assim, não apenas a dominação exercida pelo Estado por meio
da forma jurídica deve ser combatida, mas, também, toda relação de poder nas menores camadas
do corpo social. A noção jurídica de soberania constitui uma ideologia, uma criação do pensamento
jurídico-político, uma vez que por meio desta encontra-se o elemento organizador do ordenamen-
to. A noção jurídica de soberania criada pelo direito é que o legitima a exercer seus ditames sobre
a sociedade. Desse modo, a teoria da soberania se apropria de mecanismos disciplinares para
controlar os indivíduos e formar um corpo social dócil e útil. Portanto, o indivíduo é um produto do
poder, os mecanismos de poder disciplinar, este que transita pelos indivíduos, moldam, fabricam,
adestram o indivíduo, com o escopo de fazer com que se conduzem de acordo com o prescrito.
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As ciências humanas possuem uma função primordial para os mecanismos de poder discipli-
nar, pois elas vão determinar e regulamentar como um indivíduo deve agir, a sua “normalidade” é
uma construção desses saberes. O poder não pode ser exercido sem um saber, sem uma produção
ideológica, já que será com base nestas que o poder irá se basear a fim de exercer uma relação de
dominação e de sujeição. Para Foucault (1999, p. 40):
em vez de orientar a pesquisa sobre o poder para o âmbito do edifício jurídico da
soberania, para o âmbito dos aparelhos de Estado, para o âmbito das ideologias que
o acompanham, creio que se deve orientar a análise do poder para o âmbito da do-
minação (e não da soberania), para o âmbito dos operadores materiais, para o âm-
bito das formas de sujeição, para o âmbito das conexões e utilizações dos sistemas
locais dessa sujeição e para o âmbito, enfim, dos dispositivos de saber.
Conforme destaca Foucault, a pesquisa sobre o poder não precisa se pautar apenas no con-
ceito de soberania, mas, também, na análise dos mecanismos de dominação, pois a soberania
se apropria desses mecanismos para fazer valer seus interesses. Dessa maneira, em um estudo
acerca do poder, devem ser analisados os dispositivos de saber e as técnicas e táticas de domina-
ção, uma vez que estes agem sobre toda a sociedade, moldando cada indivíduo de forma singular,
formando, desta forma, uma sociedade disciplinar.
O poder é exercido por um direito da soberania com base nos mecanismos de disciplina. O
direito mascara as relações de dominação, por isso sempre se buscou a legitimação do direito,
para se apropriar dos mecanismos de disciplina e controlar os indivíduos de acordo com seus in-
teresses. O discurso – a produção do saber –, da disciplina não deriva exclusivamente da teoria
da soberania, do discurso jurídico, mas, podem construir um discurso próprio na qual a noção de
soberania apenas se apropria desta verdade construída por este discurso como forma de autorizar,
justificar o exercício de sua dominação.
Portanto, o poder disciplinar não deriva apenas da soberania, mas sim dos saberes produzi-
dos pelas ciências humanas, que estabelecem o “normal” e técnicas de controle sobre a “anorma-
lidade”, a fim de garantir que todos estejam dentro da “normalidade” imposta por uma relaçao de
poder-saber proveniente das ciências humanas. A soberania utiliza-se do saber produzido pelas
ciências humanas para, por meio do direito, produzirem o indivíduo, produzirem um corpo útil e
dócil, sendo este, portanto, o telos da forma jurídica.
A sociedade normalizadora é um produto das ciências humanas e o indivíduo é uma obra desta
sociedade, ficando evidente a violência exercida sobre o corpo do indivíduo para que haja de acordo
com o determinado pelo saber construído pelas ciências humanas. O Estado possui o controle sobre
os indivíduos, tem como interesse o aprimoramento das capacidades, a potencialização da força de
trabalho, a alienação política. A utilização destes corpos com objetivos políticos e econômicos.
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Nesse sentido, a concepção de sujeito de direito é um meio para o Estado atingir seus fins,
para isto o Estado precisa construir um sujeito dócil politicamente para que não se rebele, não se
revolte, não resista ao poder, aceite a regulamentação, a vigilância, o treinamento, a utilização e a
punição. O Estado moderno não tem como objetivo expulsar o indivíduo, impedir suas atividades,
pelo contrário, precisa deste indivíduo para a concretização de objetivos econômicos. Dessa forma,
dado a reconfiguração dos interesses estatais é possível a Foucault repensar o modo de atuação
da soberania quando esta se refere à vida, uma vez que o poder soberano não deve mais estar
preocupado em “fazer morrer e deixar viver”, mas sim em “fazer viver e deixar morrer”. Fazer o in-
díviduo viver para que seja um instrumento para os interesses econômicos do Estado.
O poder é exercido sobre a vida, mas agora em outra perspectiva, não mais a de “fazer mor-
rer”, mas o da utilização dessa vida, o controle minucioso sobre a vida, a sujeição dos corpos aos
interesses do Estado, a fim de produzir um corpo para a força de trabalho, que possa ser utilizado,
transformado e aperfeiçoado. O corpo é identificado por Foucault como o alvo do poder e há uma
forte atenção do poder soberano no que se refere aos corpos, pois “corpo que se manipula, se mo-
dela, se treina, que obedece, responde, se torna hábil ou cujas forças se multiplicam” (FOUCAULT,
1997, p. 125).
Os métodos disciplinares têm origem nas instituições de sequestro, que pretendiam controlar
e fabricar um indivíduo de acordo com seus interesses. A disciplina visa “poder a cada instante vi-
giar o comportamento de cada um, apreciá-lo, sancioná-lo, medir as qualidades ou os méritos. Pro-
cedimento, portanto, para conhecer, dominar e utilizar. A disciplina organiza um espaço analítico”
(FOUCAULT, 1997, p. 131). O indivíduo é objeto de análise, de estudo, matéria prima para a disci-
plina. As ciências humanas estabelecem como este indivíduo deve agir e o Estado utiliza do poder
disciplinar para obriga-lôs a agirem de determinada maneira. Conforme Foucault (1997, p. 151):
O sonho de uma sociedade perfeita é facilmente atribuído pelos historiadores aos
filósofos e juristas do século XVIII; mas há também um sonho militar da sociedade;
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sua referência fundamental era não ao estado de natureza, mas às engrenagens
cuidadosamente subordinadas de uma máquina, não ao contrato primitivo, mas às
coerções permanentes, não aos direitos fundamentais, mas aos treinamentos indefi-
nidamente progressivos, não à vontade geral mas à docilidade automática.
O sonho mencionado por Foucault parece apontar para a imagem de uma organização socie-
tária disciplinada, adestrada, obediente, controlável, em que os indivíduos se tornem engrenagens
subordinadas de uma máquina, aspiração que é compartilhada pelos técnicos da disciplina, pelos
detentores do poder que utilizam das disciplinas para concretizar esta ambição de perfectibilida-
de social. Ao que nos parece, a literatura do século XX já havia nos alertado para tal perspectiva,
como, por exemplo, nas obras seminais de Yevgeny Zamyatin Nós (1926), Admirável Mundo Novo
(1932) de Adouls Huxley e 1984 (1949) de George Orwell e, além disso, de Der Prozess (1925) de
Franz Kafka.
Portanto, o indivíduo é um produto do conhecimento que fazem sobre ele, invenção da vigi-
lância, da sanção e do exame, ou seja, uma obra das técnicas disciplinares que são utilizadas pelo
Estado, por meio da forma jurídica, com o objetivo de controlar os indivíduos e concretizar seus
interesses, o que não deixa de ter relação com o conceito de soberania e seu modus operandi.
Agamben, para justificar sua hipótese e crítica à concepção jurídico-política da formação esta-
tal por meio do contrato social, que prevalece no pensamento político-jurídico, lança mão do termo
bando, recolhido do antigo direito germânico, a fim de demonstrar a reconfiguração da ideia de so-
berania, para elaborar seu conceito de bando soberano, bem como para justificar seu entendimento
da existência do paradoxo da soberania, e sua relação com a exceção por meio da forma jurídica.
Nas palavras de Agamben (2007a, p. 36):
Chamemos bando (do antigo termo germânico que designa tanto a exclusão da co-
munidade quanto o comando e a insígnia do soberano) a esta potência (no senti-
do próprio de dýnamis aristotélica, que é sempre também dýnamis mè energeîn,
potência de não passar ao ato) da lei manter-se na própria privação, de aplicar-se
desaplicando-se. A relação de exceção é uma relação de bando. Aquele que foi ba-
nido não é, na verdade, simplesmente posto fora da lei e indiferente a esta, mas é
abandonado por ela, ou seja, exposto e colocado em risco no limiar em que vida e
direito, externo e interno, se confundem. Dele não é literalmente possível dizer que
esteja fora ou dentro do ordenamento (por isto, em sua origem, in bando, a bandono
significam em italiano tanto “a mercê de” quanto “a seu talante, livremente”, como na
expressão correre a bandono, e bandito quer dizer tanto “excluído, posto de lado”
quanto aberto a todos, livre, como em mensa bandita e a redina bandita). É nesse
sentido que o paradoxo da soberania pode assumir a forma “não existe um fora da
lei”. A relação originária da lei com a vida não é a aplicação, mas o Abandono. A po-
tência insuperável do nómos, a sua originária “força de lei”, é que ele mantém a vida
em seu bando abandonando-a.
Para se colocar no cenário de reflexões acerca da barbárie ocorrida no século passado [sécu-
lo XX], Agamben irá pensar a exceção como limiar da relação entre direito (forma jurídica) e vida,
podendo observar a manifestação de uma inclusão excludente, que se caracteriza pela captura
da vida pelo dispositivo forma jurídica com a inclusão de direitos e um determinado ordenamento
jurídico; e uma exclusão includente com a retirada dos chamados direitos fundamentais daquelas
vidas e indivíduos que foram atingidos pela decisão soberana. De acordo com tal perspectiva, é
preciso refletir acerca de tais acontecimentos e, para melhor compreendê-los, o filósofo italiano irá
desenvolver o conceito de vida nua, que ele entende presente já nas reflexões de Walter Benjamin6.
A partir de tal perspectiva, Agamben irá contestar a soberania da lei presente na ideia de Estado
de Direito e, a fim de demonstrar a relação entre forma jurídica e vida, valer-se-á, novamente, de
uma interessante figura extraída da antiguidade germânica e escandinava que é representada pelo
Wargus, Vargr, ou lobo, homem-lobo ou lobisomem (AGAMBEN, 2007a, p. 111).
Agamben toma como referência os estudos de Jhering para diagnosticar a relação entre vida
e forma jurídica na figura do Wargus (o homem lobo) com a do Friedlos, “o sem paz” do antigo di-
reito germânico (AGAMBEN, 2007a, p.111). Note-se o que diz o texto de Agamben (2007a, p. 111)
O antigo direito germânico fundava-se sobre o conceito de paz (Fried) e sobre a cor-
respondente exclusão da comunidade do malfeitor, que tornava-se por isto friedlos,
sem paz, e, como tal, podia ser morto por qualquer um sem que se considerasse
homicídio [...]. Fontes germânicas e anglo-saxônicas sublinham esta condição limite
do bandido definindo-o como homem-lobo (wargus, werwolf, lat. Garulphus, donde o
francês loup garou, lobisomem).
Também, é interessante notar a leitura realizada por Agamben da figura hibrida do Bisclavret,
presente em “um dos mais belos lais de Maria de França” (AGAMBEN, 2007a, p. 114), a fim de
explicar que a figura do homem-lobo ou do lobisomem, pode ser compreendida como “limiar de
passagem entre natureza e política, mundo ferino e mundo humano, e, simultaneamente sua íntima
ligação com o soberano” (AGAMBEN, 2007a, p. 114). O limiar de passagem nesse ponto parece
indicar uma possível imagem de sua concepção da exceção enquanto uma relação de exclusão-in-
6 No original de Zur Kritik der Gewalt, a passagem é construída como das blosse Leben. A interpretação de Agam-
ben como nuda vita sofre algumas objeções, conforme Ernani Chaves, em comentário ao texto de Benjamin (2011,
p.151) “O adjetivo bloss significa ‘mero’, ‘simples’, ‘sem nenhum suplemento’. Há uma nuance entre nackt, que designa
a nudez de uma criança que sai do corpo de sua mãe, e bloss, que designa o ‘nu’ no sentido de ‘despido’, em posição
a ‘coberto’ com roupa ou roupagem [...]. Nesse contexto, é discutível a aproximação instigante, mas talvez apressada,
que Giorgio Agamben estabelece entre este ensaio de Benjamin e o conceito de ‘vida nua’, base da biopolítica contem-
18 porânea [...]”.
cludente, uma crítica a forma jurídica que apresenta uma característica ambivalente, e que se põe
em relação com a vida e com a política.
O duplo da violência soberana, da leitura que Agamben faz de Hobbes, é a possibilidade dos
súditos de resistir à violência contra sua pessoa, ou o dever de resistirem e lutar pela conservação
de sua própria vida (AGAMBEN, 2007a, p. 113), o que demonstra o acerto da hipótese de que a
violência existente na zona de indistinção se mantém, mesmo que de forma subterrânea, no Estado
de Direito. Ainda nesse ponto, se torna possível verificar outra das preocupações de Agamben, a
saber: a inclusão da vida no centro do cenário da política e dentro da esfera de atuação do poder
estatal, que, pensado a partir do conceito de bando, autoriza uma verificação de que há possibilida-
de de exposição e abandono da vida humana à perspectiva de ação violenta e do poder soberano,
inclusive, fazendo ressurgir, mesmo que com outras características, o homem lobo do homem, o
lobisomem, “que habita estavelmente na cidade” (AGAMBEN, 2007a, p. 113).
Ao debruçar-se sobre o conceito de bando apresentado por Agamben, Oswaldo Giacoia Ju-
nior (2008, p. 38) argumenta que:
O significado da palavra remete a bandido, mas também a banido – excluído – do
mesmo que, em alemão, os termos Bande e Bann designam tanto a expulsão da co-
munidade quanto a insígnia de governo do soberano. Tal como se encontra explicita-
mente mencionado na obra de Rudolph Von Jhering, O Espírito do direito romano, o
termo Bann guarda relação com a sacratio romana arcaica, designando o fora da lei,
proscrito e banido da proteção do ordenamento primitivo, que, enquanto tal, poder
ser morto independentemente de um juízo e fora do direito.
A figura do banido era, na Antiguidade germânica, o Friedlos, o “sem paz”, teria seu
fundamento na paz (Fried) assegurada na comunidade, da qual a proscrição o ex-
cluía. Tratava-se, pois, de um caso de exclusão includente, ao qual o ordenamento
jurídico se aplica integralmente, por meio de sua própria suspensão – a instituição
do bando mantém o proscrito capturado fora do ordenamento, na medida em que
a aplicação (incidência) da decisão soberana consiste precisamente na exclusão e
suspensão da lei e da paz, fazendo coincidir, num mesmo ato, suspensão (exclusão)
e aplicação (inclusão). A mesma paradoxia se encontra presente no termo Auss-
chliessung (afastamento, exclusão, inclusão), formado a partir de aus (ex) e schlies-
sen (fechar, trancar, encerrar) e Ausnehmen-Ausnahme (ex-capere).
Como no início da presente investigação tratamos da imagem do poder soberano e das disci-
plinas em Foucault, parece conveniente retomarmos, mesmo que de forma muito sumária, as tintas
foucaultianas a respeito do biopoder, contudo, sem nenhuma pretensão de esgotamento de tal temá-
tica7. Conforme já mencionado, a concepção de biopoder e seu conceito relacionado de biopolítica
é a tentativa de Foucault de questionar o conceito de poder e sua forma jurídica predominantes no
pensamento político da tradição. A estratégia de investigação é interessante, pois permite a Foucault
observar como o poder e suas estruturas de manifestação podem se relacionar com a vida (biopolíti-
ca), inclusive controlando-a por meio dos dispositivos disciplinares, conforme mencionamos no item
anterior. A formulação de tal concepção se encontra no último capítulo de História da sexualidade
I – vontade de saber, onde Foucault destaca (de saída) que “por muito tempo, um dos privilégios
característicos do poder soberano fora o direito de vida e morte” (FOUCAULT, 1977, p. 127).
7 A análise de alguns textos de Foucault se coloca aqui em alguma medida como um excurso, a fim de verificar
como Agamben recepciona o pensamento do filósofo francês. Não há espaço para uma distinção pormenorizada das
fases do pensamento foucaultiano, mesmo que se considere a caracterização admitida com certo consenso de uma
primeira fase conhecida como arqueologia, vinculada as obras da década de 1960, em que as preocupações estão
ligadas a questão dos saberes; doravante, uma segunda fase conhecida como período da genealogia, em que Foucault
se dedica a temática dos mecanismos de poder e desenvolve suas análises na década de 1970 e, por fim, um terceiro
momento de reflexão em que o filósofo francês se debruça sobre as questões que envolvem a constituição do sujeito
20 ético.
Ao analisar a questão do poder e sua relação com a vida exercida por meio da soberania, a
estratégia e preocupação central de Foucault não são, como mencionado, de observar as formas
regulamentares e ditas legítimas do poder, mas, sim, a forma de ação do poder soberano por meio
de mecanismos específicos, com a investigação direcionada para as extremidades do poder, for-
mas e instituições mais regionais e capilares, inclusive, para além das regras do direito, que podem
ser compreendidas como um dispositivo de captura da vida e inscrição desta última nos cálculos de
poder da soberania estatal (FONSECA, 2000, p. 131).
Parece-nos que a inversão da dinâmica do direito potencial sobre a morte inerente ao poder
soberano, é modificada pela alteração da estrutura social e econômica com o reconhecimento do
valor social dos sujeitos, súditos e, agora, cidadãos; desta feita, a “velha potência de morte em
que se simbolizava o poder soberano é agora, cuidadosamente, recoberta pela administração dos
corpos e pela gestão calculista da vida” (FOUCAULT, 1977, p. 131). Além disso, nas palavras do
pensador francês:
A teoria da soberania é, se vocês quiserem, o que permite fundamentar o poder ab-
soluto no dispêndio absoluto do poder, e não calcular o poder como o mínimo de dis-
pêndio e o máximo de eficácia. Esse novo tipo de poder, que já não é, pois, de modo
algum transcritivel nos termos de soberania, é, acho eu, uma das grandes invenções
da sociedade burguesa. Ele foi um dos instrumentos fundamentais da implantação
do capitalismo industrial e do tipo de sociedade que lhe é correlativo (FOUCAULT.
2010, p. 32).
Nesse momento não só com Foucault, mas também em Agamben, conforme indica Oswaldo
Giacoia Junior, parece possível verificar a presença de um diálogo com certa perspectiva do pen-
samento marxista, evidenciado, principalmente, pela presença de Benjamin nas meditações do
filosofo italiano. Para pensar essa relação poder soberano, forma jurídica e vida em seus desdo-
bramentos históricos, Agamben entende que a história da política ocidental pode ser compreendida
nos cruzamentos e oposições de dois paradigmas, quais sejam: o econômico e o político (AGAM-
BEN, 2005, p.9). Para refletir sobre a forma jurídica da política moderna, a sociedade pode ser pen-
sada como uma sociedade de produtores de mercadorias, dessa forma, leva-se em consideração
a realidade do sistema econômico capitalista em “cujas relações sociais no processo de produção
assumem uma forma coisificada dos produtos do trabalho; estes por sua vez, aparecem, uns em
21
relação aos outros, como na figura genérica do valor de troca” (GIACOIA JUNIOR, 2013, p. 28).
Logo, a partir da ideia de que o Estado de Direito e a forma jurídica da política estão conec-
tados com os interesses privados burgueses, empenhos estes que, na medida em que a classe
burguesa inicia sua participação na política de forma, inclusive, segundo Arendt, imperialista, se
tornam “públicos” no sentido de generalizáveis, passando a ser possível, identificar na relação en-
tre os sujeitos no mercado, a manifestação do vínculo entre poder e vida, mascarando o elemento
da violência, por meio da relação jurídica exposta na forma da legalidade e da manifestação livre
(autônoma) da vontade por meio da ideia de contrato, o que não deixa de configurar uma sujeição
a uma relação de poder, por exemplo, do empregado que é explorado pelo proprietário dos meios
de produção, bem como portar a imaginável ação violenta em decorrência do descumprimento de
um pacto contratual (NAVES, 2005, p. 24).
O indivíduo, a pessoa, o súdito que passa a ser sujeito de direitos é aquele capaz de realizar,
de participar da dinâmica das relações mercantis, inclusive com a disposição de suas próprias for-
22
ças em forma de mercadoria; portanto, “o sujeito de direito é o proprietário da mercadoria, sobretu-
do das mercadorias dinheiro e força de trabalho” (GIACOIA JUNIOR, 2013, p. 29).
Do mesmo modo, a forma jurídica da política centrada na ideia de contrato parece estar em
íntima conexão com a esfera de atuação do poder estatal e econômico e, dessa maneira, a forma
direito “é o duplo social da forma mercantil” (GIACOIA JUNIOR, 2013, p. 29), o que parece não au-
torizar a possibilidade de existência de um sistema de direitos legitimado pela ausência de elemen-
tos de violência, ou força, quando da passagem desta última à esfera de uso e monopólio estatal,
no momento de sua formação.
Levando em consideração essa perspectiva, é possível verificar como Agamben irá retomar
Foucault para pensar o caráter dual e ambivalente da forma jurídica, consequentemente, o médium
do direito, e como a vida humana é capturada e inscrita nos cálculos e estratégias de poder, inclu-
sive estatal; por conseguinte, como a vida é abandonada e passa a ser a aposta em jogo na esfera
da política. Para tanto, Agamben irá compreender o direito como um dispositivo que opera a relação
entre poder (soberano) e vida, na medida em que a forma jurídica se apresenta como o médium das
relações sociais ou, se preferirmos, das relações entre mundo da vida e esfera sistêmica. Agamben
amplia o conceito foucaultiano e compreende por dispositivo qualquer coisa que possa capturar,
orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões
e os discursos dos seres viventes. No entender de Agamben (2009, p. 38), “o termo dispositivo
nomeia aquilo em que por meio do qual se realiza uma pura atividade de governo sem nenhum
fundamento no ser. Por isso os dispositivos devem sempre implicar um processo de subjetivação,
isto é, devem produzir o seu sujeito”.
Não obstante, passa agora a ser importante o conceito de nuda vita que é trabalhado por
Agamben e que irá se relacionar com o poder por meio do dispositivo da forma jurídica. Para for-
mular seu conceito de nuda vita, o filósofo italiano partirá da distinção já existente na filosofia grega
clássica, em especial de Aristóteles, uma vez que a palavra vida não detinha um único significado
para os gregos (AGAMBEN, 2007a, p. 9). Conforme Agamben, os dois termos que se ligam à pala-
vra vida são zoé, cuja significação aponta para uma simples forma de vida, ao viver comum, à vida
natural de todos os seres viventes e, bíos, que exprimia a vida qualificada, a “forma ou maneira de
viver própria de um indivíduo ou de um grupo” (AGAMBEN, 2007a, p. 9).
Para Agamben (2007a, p. 10), “a simples vida natural é, porém, excluída, no mundo clássico,
da polis propriamente dita e resta firmemente confinada, como mera vida reprodutiva, ao âmbito do
ôikos]”. Por conseguinte, a partir da obra de Aristóteles, Agamben (2007a, p. 10) afirma que:
23
É verdade que um celebérrimo trecho da mesma obra define o homem como poli-
tikòn zôon [...], político não é um atributo do vivente como tal, mas é uma diferença
específica que determina o gênero zôon (logo depois, de resto, a política humana é
distinguida daquela de outros viventes porque fundada, através de um suplemento
de politização ligado à linguagem, sobre uma comunidade de bem e de mal, de justo
e de injusto, e não simplesmente de prazeroso e doloroso).
Seguindo, ao que parece, o método de Foucault, que também analisou esta questão e diferen-
ça de caracterização do conceito de vida na Grécia para pensar o poder e a política como biopoder
e biopolítica, Agamben pretende agora compreender não só como o sujeito de direito representa
esta relação entre o poder e a vida, mas, também, como, digamos, a racionalidade estratégica
instrumentaliza a vida humana, colocando-a no centro da esfera de atuação do poder político e da
engrenagem de funcionamento do poder econômico (capital), bem como demonstrar como a vida
humana pode se tornar a representante e portadora da insígnia da soberania, “do nexo entre violên-
cia e direito, aquele que é também portador do bando soberano, o que levará ao conceito de vida
nua” (NASCIMENTO, 2012, p. 157). Para tanto, Agamben irá se valer de uma definição de Festo -
procurador romano da província da Judéia no século I -, como ideia diretriz de sua análise, a saber:
Homo sacro, portanto, aquele que o povo julgou por um delito; e não é lícito sacrifi-
cá-lo, mas quem o mata não será condenado por homicídio; na verdade, na primeira
lei tribunícia se adverte que “se alguém matar aquele que por plebiscito é sacro, não
será considerado homicida”. Disso advém que um homem malvado ou impuro costu-
ma ser chamado sacro (AGAMBEN, 2007a, p. 79. Tradução p. 196).
Note-se a conexão com a figura do wargus e do friedlos, ambos portadores da marca da sobe-
rania pelo abandono e, ao mesmo tempo, captura exercida pela forma jurídica, ainda que manifes-
tada na figura da punição ao delito, oportunidade em que se aplica o dístico da relação de exceção,
por conseguinte, a exclusão inclusiva; significa dizer que a eles o ordenamento jurídico aplica-se
desaplicando-se. De tal modo, pode-se dizer que “o homo sacer era um estigmatizado errante para
fora do direito” (NASCIMENTO, 2012, p. 158).
Ao articular tal figura do direito romano, Agamben consegue pensar qualquer forma de or-
denamento jurídico, colocando em questão a ideia de sacralidade, que ganhou muita força após
as atrocidades cometidas no século XX, em especial no pós 1945, e em decorrência dos direitos
fundamentais, pois aquela concepção (vida digna ou dignidade humana) se mostra como o primeiro
desses direitos e, ainda, o filósofo italiano demonstra a forma de atuação do biopoder e da biopolí-
tica moderna, na medida em que, é possível não só imaginar, mas, sim, verificar as mais variadas
formas de retiradas de direitos, a partir de uma decisão soberana (política), com a consequente
exposição da vida nua à morte, por se tratar o homo sacer de uma vida matável e insacrificável, não
cometendo homicídio aquele que o violenta.
24
Agamben (2007a, p. 134) destaca que:
Aquela vida nua natural que, no antigo regime, era politicamente indiferente e per-
tencia, como fruto da criação, a Deus, e no mundo clássico era (ao menos em apa-
rência) claramente distinta como zoé da vida política (bíos), entra agora em primeiro
plano na estrutura do Estado e torna-se aliás o fundamento terreno de sua legitimi-
dade e da sua soberania.
Ao se compreender o direito e o Estado como dispositivos de captura da vida natural por meio,
inclusive, das relações econômicas de produção, que se apresentam como relações jurídicas e,
assim, produzem o sujeito de direito, é possível verificar que este último, na realidade, vincula-se
aos cálculos estratégicos do poder soberano, até mesmo com a exposição de sua vida à morte,
com a retirada ou o não reconhecimento de direitos no estado de exceção, dada regulamentação
jurídica da ação política por parte do Estado, e é, nesse momento, que se identifica o abandono da
vida sacra ou vida nua, tratando-se esta relação, para Agamben, do elemento ou relação política
originária (AGAMBEN, 2007a, p. 96).
Essa crítica radical da modernidade política, que opera por um retorno reflexivo às
origens míticas do direito, transforma em alvo privilegiado de seus ataques a hipóte-
se da origem contratual da sociedade e do Estado – como se sabe um dos ícones da
moderna racionalidade política – denunciando a operação ideológica de ‘racionaliza-
ção’ que consiste em descrever a gênese do espaço político a partir do ‘mitologema’
do contrato, por encobrimento de sua dimensão religioso-sacrificial.
Destarte, o pensamento de Agamben, no que diz respeito à forma jurídica da política faz
emergir (ou põe à luz) a relação entre soberania, violência e forma direito que atuam sobre a vida
nua, por meio da relação de exceção ou do Estado de exceção. Nessa perspectiva, o filósofo ita-
liano nos auxilia a compreender a passagem dos Estados Democráticos de Direito para as formas
estatais totalitárias e sua maneira biopolítica de funcionamento com o surgimento do paradigma
do campo de concentração e, ainda, a exceção como forma de governo paradigmática, o que será
objeto de análise a seguir.
Analisando, ainda, o modelo nazista, Agamben afirma que, quando estes últimos chegaram
ao poder em 1933 “emanaram o Verordnung zum schutz von volk und Staat, que suspendia, por
tempo indeterminado, os artigos da constituição” (AGAMBEN, 2007a, p. 175), que se referiam aos
direitos fundamentais, o que caracteriza o regime nacional-socialista como um estado de exceção
que durou doze anos. Logo, apesar de os nazistas manterem em seu governo a prática política
governamental existente na Alemanha em momentos anteriores, um elemento novo foi inserido no
estado de exceção nazi que é o seu caráter permanente; desta feita, “o estado de exceção cessa,
assim, de ser referido a uma situação provisória de perigo factício e tende a confundir-se com a
26 8 As traduções são livres e feitas pelos autores, salvo indicação em contrário.
própria norma” (AGAMBEN, 2007a, p. 175).
A respeito da relação entre estado de exceção e campo, Agamben (2007a, p. 175) afirma que:
Este nexo constitutivo entre estado de exceção e campo de concentração dificilmen-
te poderia ser superestimado, em uma correta compreensão da natureza do cam-
po. A “proteção” da liberdade que esta em questão na schutzhaft é, ironicamente,
proteção contra a suspensão da lei que caracteriza a emergência. A novidade é que,
agora, este instituto é desligado do estado de exceção no qual se baseava e deixado
em vigor na situação normal. O campo é o espaço que se abre quando o estado de
exceção começa a tornar-se a regra.
Agamben chama a atenção para a necessidade de uma avaliação acerca da estrutura para-
doxal do campo enquanto imagem real do espaço de exceção, pois “ele é um pedaço de território
que é colocado fora do ordenamento jurídico normal, mas não é por causa disso, simplesmente um
espaço externo” (AGAMBEN, 2007a, p. 177). No campo, destaca Agamben (2007a, p. 177) que:
Aquilo que nele é excluído é, segundo o significado etimológico do termo exceção,
capturado fora, incluído através da sua própria exclusão. Mas aquilo que, deste
modo, é antes de tudo capturado no ordenamento é o próprio estado de exceção. Na
medida em que o estado de exceção é, de fato, “desejado”, ele inaugura um novo
paradigma jurídico-político, no qual a norma torna-se indiscernível da exceção. O
campo é, digamos, a estrutura em que o estado de exceção, em cuja possível deci-
são se baseia o poder soberano, é realizado normalmente.
Na estrutura do campo há uma indistinção entre a questão de fato e a questão jurídica, signi-
fica dizer que no campo ocorre uma indistinção entre o jurídico e o político. Assim, “o campo é um
híbrido de direito e de fato, no qual os dois termos tornam-se indiscerníveis” (AGAMBEN, 2007a,
p. 177). Retomando o pensamento de Hannah Arendt, Agamben passa a destacar que, a partir da
caracterização do campo como o lugar de indistinção entre o político e o jurídico, torna-se possível
visualizar, no contexto do campo, a atuação do princípio totalitário de que “tudo é possível” (AGAM-
BEN, 2007a, p. 177).
É conhecida a leitura feita por Agamben da literatura de testemunho, em especial dos textos
de Primo Levi. Dessa maneira, uma aproximação dos relatos de Levi pode nos fornecer alguns
elementos para uma boa compreensão da vida nos campos e da constituição da condição inuma-
na, nos moldes da caracterização feita por Agamben, bem como conectando o tema das disciplinas
em Foucault apresentados na primeira parte desse trabalho. Em seu conhecido livro É isto um
homem?, Primo Levi, ao relatar a chegada em Auschwitz, faz um destaque no mínimo curioso, a
saber: “viu-se uma grande porta, encimada por umas palavras fortemente iluminadas (a lembrança
destas palavras ainda me assalta nos sonhos): ARBEIT MACHT FREI, o trabalho liberta” (LEVI,
2013, p.21).
27
É interessante notar que Levi dará testemunho da destruição da condição humana via as
disciplinas estabelecidas no campo, um local em que vigora o princípio totalitário de que “tudo é
possível” e, ao mesmo tempo, “neste lugar tudo é proibido, não por razões obscuras, mas porque o
campo foi criado para tal. Se quisermos viver nele, temos de perceber rapidamente e bem” (LEVI,
2013, p. 28). Conforme Levi (2013, p. 33) os prisioneiros dos campos de concentração têm que ra-
pidamente se familiarizar com o emaranhado de regulamentos bastante complicados, sendo muitas
as proibições.
Além disso, Levi destaca a importância dos sapatos para a vida no campo, uma vez que para
os prisioneiros (Häftlinge) o caminho para a morte poderia começar por eles, haja vista que “reve-
laram-se, para a maioria de nós, verdadeiros instrumentos de tortura, que após poucas horas de
marcha provocavam chagas dolorosas que fatalmente infectavam” (LEVI, 2013, p. 33-34). Por fim,
Primo Levi destaca os trabalhos realizados como um emaranhado de tabus, leis e problemas, cuja
exposição transforma a condição biológica e espiritual dos prisioneiros e, mesmo que não exista
um espelho em todo o campo, o aspecto dos Häftlinge é conhecido na medida em que a sombra
de um homem está diante de si, ou seja, “estamos transformados nos fantasmas que entrevimos
ontem à noite” (LEVI, 2013, p. 25).
Conforme o testemunho de Primo Levi, não há palavras em qualquer idioma que possam
significar ou exprimir a ofensa perpetrada nos campos de concentração. Nesse sentido:
Então, pela primeira vez nos apercebemos de que a nossa língua carece de palavras
para exprimir esta ofensa, a destruição de um homem. Num ápice, com uma intuição
quase profética, a realidade revelou-se-nos: chegamos ao fundo. Mais para baixo
do que isto, não se pode ir: não há nem se pode imaginar condição humana mais
miserável. Já nada nos pertence: tiram-nos a roupa, os sapatos, até os cabelos; se
falarmos, não nos escutarão e, se escutassem, não nos perceberiam. Tirar-nos-ão
também o nome: se quisermos conservá-lo, teremos de encontrar dentro de nós a
força para o fazer, fazer com que, por trás do nome, algo de nós, de nós tal como
éramos, ainda sobreviva (LEVI, 2013, p. 25-26).
Destarte, o campo tem uma lógica de operação e um objetivo, trata-se de uma violência or-
ganizada que atinge os corpos e as subjetividades humanas com propósito de tornar o sujeito de
direitos que ingressa pela porta um nada, significa dizer, “ao retirar-lhes suas próprias almas em
vida, tenta nadificá-las” (BUENO, 2013, p. 480).
O que parece importante a Agamben, conforme já mencionado, é não imaginar que os cam-
pos de concentração ficaram no passado. O campo pode aparecer de inúmeras maneiras e passa
ele próprio a produzir os corpos biopolíticos como vida nua. Para Agamben toda vez que nos depa-
rarmos com uma estrutura em que político e jurídico, vida nua e norma, se indeterminem, estamos
diante de um campo e, por consequência, há a materialização de um estado de exceção. Com isso,
Agamben ilustra seu argumento ao se referir ao estádio de Bari “onde a policia italiana aglomerou
provisoriamente os imigrantes clandestinos albaneses”, bem como as “zones d’attente nos aero-
portos internacionais franceses, nas quais são retidos os estrangeiros que pedem o estatuto de
refugiados” (AGAMBEN, 2007, p. 181).
Para Agamben o campo possui uma estrutura não só jurídico-política, como, também, espec-
tral, dessa maneira, um lugar aparentemente anódino como um hotel pode ser reconhecido como
um campo e um espaço de exceção em que a vida foi abandonada pela forma jurídica (suspensão/
exclusão) e se encontra exposta ao poder soberano e a violência. O exemplo citado por Agamben
(2013) é o do Hotel Arcades em Roissy, espaço aparentemente inofensivo que circunscreve um
lócus no qual o ordenamento jurídico está de fato suspenso, lugar no qual deixa de existir a figura
do sujeito de direitos e seus reconhecidos direitos fundamentais (inclusive os de personalidade) e
do cidadão e passa a preponderar a imagem do potencial terrorista, ou em termos schmittianos,
da potência do reconhecimento do hostes. Assim, essa prática política impacta, para Agamben,
o conceito de cidadania, que no mundo grego antigo era compreendido como a oposição entre o
privado e o público, em especial no que diz respeito à vida qualificada pela participação política, ou
seja, as esferas do οίκος (da casa como sede da vida natural) e da Пολις (como lugar do político),
“a cidadania moderna parece evoluir numa zona de indiferenciação entre o público e o privado, ou,
para tomar emprestadas as palavras de Thomas Hobbes, entre o corpo físico e o corpo político”
(AGAMBEN, 2014, p. 3).
Por fim, o que parece fundamental é atentarmos para a provocação de Agamben a respeito da
necessidade de refletirmos acerca da estrutura jurídico-política do campo, dado a possibilidade desse
último de se deslocar espectralmente, assumindo novas formas que materializam um espaço no qual
o ordenamento normal está suspenso. Assim, há possibilidade da retirada da persona do sujeito de
direitos e, desse modo, ocorre o aparecimento e exposição da vida nua - capturada (inclusão) pelos
dispositivos da forma jurídica e da exceção -, à violência e, até mesmo, à morte; com isso, a vida nua
encontra-se em uma zona de indistinção entre o jurídico e o político, entre a lei e a vida, bem no âm-
bito de atuação de uma soberania que se exerce sobre os corpos e pretende o controle total da vida.
29
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A legitimação da forma jurídica no Estado Democrático de Direito se dá por meio da raciona-
lidade que constrói um saber impondo um conhecimento a ser seguido. Esta racionalidade apenas
mascara a dominação. Independente da legitimação a forma jurídica se apresenta como heterono-
mia, uma imposição, portanto, coercitiva, de uma vontade ditada pelo poder.
As ciências humanas produzem a verdade, esta não está no mundo da natureza, ela não
possui uma origem, não é regida pelo princípio da causalidade, mas, pelo contrário, a verdade está
no mundo dos homens, é uma invenção, e regida pelo princípio da imputação. Esta imputação
é imposta por uma violência, por meio de discursos estratégicos em uma relação poder-saber. A
transformação do indivíduo em sujeito de direito atribui a ele o dever de obediência para se enqua-
drar na normalidade criada pelas ciências humanas e agir conforme as prescrições normativas, há
uma relação de sujeição – por isso “sujeito” de direito – entre o indivíduo e o Estado, que utiliza-se
das técnicas disciplinares para vigiar, sancionar, examinar e controlar os súditos.
A racionalidade pode, a priori, parecer benéfica à sociedade por caracterizar uma explicação e
por fazer o indivíduo ter algo como verdade. Porém, ao partimos das reflexões de Foucault torna-se
possível verificar que esta verdade é imposta por meio de uma violência mítica, e tem for finalidade
que a sociedade seja um corpo social dócil e aja de acordo com os interesses do soberano e do
mercado, ou seja, que também seja útil.
Além disso, quando nos aproximamos das reflexões de Giorgio Agamben, há possibilidade de
abordagem crítica do mitologema do contrato social, uma vez que ao interpretarmos o pacto político
originário por meio do artifício do contrato e não como exceptio ou bann, constitui-se o impedimento
de uma política que pode ser pensada com distância e emancipada da relação com o poder estatal,
significa dizer a partir do conceito de soberania jurídico-política da tradição.
Por fim, conforme mencionado a teoria proposta por Agamben se mostra como um fecundo
referencial teórico para se pensar as catástrofes biopolíticas do século XX e sua relação com o Es-
tado de Direito. Dessa maneira, longe de se apresentar como uma concepção niilista ou uma crítica
apenas sombria acerca da filosofia jurídico-política, o pensamento de Agamben pretende lançar luz
a elementos biopolíticos que são a todo o momento obscurecidos pela forma jurídica do Estado de
Direito, apresentando-se como um pensamento radical que pretende descortinar novos horizontes
teóricos para se pensar a relação entre vida humana e poder político mediada pela forma direito, e
para uma melhor compreensão do fenômeno totalitário dos campos de concentração em que o im-
possível foi pensado e tentado a partir do princípio de que tudo é possível, ou seja, um pensamento
que busca entendimento acerca da experiência de destruição do homem pelo próprio homem e
como, ainda hoje, tais eventos podem se apresentar devido ao caráter espectral da estrutura dos
campos, que podem vir a se tornar o paradigma de governo em tempos de biopoder.
30
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ABSTRACT: The main purpose of this work is to develop a reflection on the category subject of law and its relation to the
sphere of power and sovereignty. The theoretical support consists and works of Michel Foucault and Giorgio Agamben
and, from a hermeneutical method, the primary literature texts were analyzed and henceforth works other interlocutors,
and other authors who have dedicated themselves to the problem in question.
33
CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CONCEITO JUSFILOSOFICO
DE PESSOA EM DIOGO COSTA GONÇALVES
RESUMO: Os conceitos Pessoa e Personalidade, tais quais como nós os compreendemos, jurídica e filosoficamente,
neste início de Século XXI são, em verdade, frutos de uma longa construção histórica. Desde o início da história do
pensamento humano, com os filósofos gregos, perpassando pela Idade Medieval, que introduziu ao conceito de pessoa
os fundamentos da metafísica, chegamos à Idade Contemporânea, agora, com os juristas, por sua vez, refletindo a
pessoa enquanto sujeito a ser protegido e a ser preservado. Deus é retirado da ordem natural e, o Homem passa
a compreender-se como o centro do mundo, encerrando-se em si mesmo. Como um ser moral, social, sujeito de
direitos e obrigações, o Homem passa, principalmente, a identificar-se com o outro, como um “outro eu”. Singularidade,
Individualidade, Particularidade, Subjetividade, entre outros conceitos, formam uma nova ordem axiológica de
tratamento dispensado por um ser humano ao outro, por possuir este, algo que lhe é inerente, único e próprio, sua
dignidade de pessoa humana. Ontologicamente, todos são iguais. O Estado, então, invocou para si a Tutela da vida
e dos direitos dos seus cidadãos, com a finalidade de preservar e ordenar a convivência entre estes. E, para tanto,
fez valer-se da Força Normativa de sua Constituição, criou leis, institutos e instituições para exercer, inclusive, se
necessário, o seu ius puniendi, no ideal de promover a Justiça - agora ao acesso de todos. Neste labor contribuíram
os legisladores, os juristas e os doutrinadores, promovendo uma sadia reflexão quanto aos Direitos da Personalidade
e os Direitos Fundamentais.
INTRODUÇÃO
A flexão do raciocínio, no presente artigo científico, se dá sobre o pensamento do ilustre
jurista português Diogo Costa Gonçalves9. A obra do autor Pessoa e Direitos da Personalidade:
fundamentação ontológica da tutela, sobre a qual perquirimos e refletimos, traduz em suas linhas
a humilde intenção do autor de tratar à lume do artigo 70.º do Código Civil Português10, a conside-
ração doutrinária estabelecida pelo Direito Português acerca dos Direitos da Personalidade e sua
aplicação no direito material.
Eis que surge como problemática inicial, o seguinte questionamento: o que é ser pessoa para
o Direito? E, em outro sentido: o que o Direito diz ser pessoa? O artigo 70.º do Código Civil Portu-
guês, segundo o autor, “revela-se uma verdadeira porta aberta por onde toda a densidade ôntica da
pessoa humana irrompe pelo sistema e pela realidade normativa [...]”11. Este dispositivo normativo
é o sentido e o fundamento da sua pesquisa, através da qual buscou resposta àquelas perguntas.
Ao longo dos quatro capítulos da obra, metodicamente, o cientista do direito faz um resgate
histórico dos conceitos supracitados, para em seguida, por uma visão antropológica, discorrer sutil-
mente, sobre uma Filosofia do Ser. Assim, provido de bases sólidas, passa a tratar conceitualmen-
te, a pessoa e os seus direitos de personalidade, fundamentando a tutela da pessoa humana na
sua dignidade, expressão da sua dimensão ontológica.
Não replicaremos o pensamento do autor, mas partiremos deste, apresentando suas ideias e
trazendo vários elementos de outros autores que tratam de semelhante assunto. A riqueza do tema
é inexaurível e, portando, digna de ser refletida, criticada ou corroborada. Iremos nos contentar, por
hora, a tratarmos da pessoa natural. Assim, uma possível consideração referente à Pessoa Jurídica
nos ensejará outro momento.
11 GONÇALVES, Diogo Costa. Pessoa e Direitos de Personalidade: Fundamentação Ontológica da Tutela. Coim-
bra: Almedina, 2008, p. 14-15. 35
dade da obra artística, separar a pessoa real, da persona que ganharia vida com a representação
do artista.
A sociedade grega antiga considerava existirem cidadãos gregos livres e não cidadãos, os
escravos que eram considerados como coisa (res) e, também, os metecos, ou estrangeiros. Os
cidadãos eram dotados de cidadania, direitos; e estes deveriam ter participação ativa na polis, pois
esta era a condição para o seu reconhecimento como cidadão. A concepção grega de cidadão nada
tem a ver com igualdade entre os próprios cidadãos. Não se considerava, à época, uma realidade
ôntica. Assim, a servidão e a escravidão eram legitimadas pela força física e intelectual de uns so-
bre outros.
Com o desaparecimento da Polis grega, a Grécia deixa de ser um centro político, passando
a ser subjugada pelo poderio do Império Romano. Neste momento histórico, o conceito “Pessoa”
dá um salto axiológico, na compreensão de um povo, cuja formação antecede o auge do período
grego clássico, e que viria a se constituir no maior império que o mundo ocidental já conheceu, ou
seja, os romanos, dentro desta perspectiva nos ensina Vieira que:
Inicialmente, os romanos compreendiam que todos os homens eram pessoas. Po-
rém, pouco a pouco, tal ideia foi sofrendo modificações, passando-se a entender
que somente os indivíduos que preenchessem determinadas características, como,
por exemplo, a liberdade e a cidadania (status libertatis e status civitatis), eram pes-
soas12.
O uso da palavra persona, no Direito Romano, passou a significar a introdução deste indiví-
duo humano na sociedade romana – também esta sociedade, assim, como a grega, atribuía cará-
ter, meramente, político ao fato de alguém ser considerado cidadão, concedendo-lhe também, e de
forma mais marcante do que no mundo grego clássico, um status jurídico diferenciado, como por
exemplo, em qualquer parte do território romano, este só poderia ser julgado pelos romanos.
Aquele que, passando pelo ritual de reconhecimento e aceite pelo pater famílias, passava a
gozar o prestígio de ser cidadão romano, do Status Civilis. Prestígio este, garantidor de todos os
direitos e garantias à que a carga de sua condição trazia.
O vocábulo latino persona sofre sua definitiva e substancial transformação na teologia cristã,
aonde os chamados Padres da Igreja, apropriando-se da linguagem filosófica, revestem-no de sig-
nificado teológico, conforme corrobora Diogo Costa Gonçalves ao explicar que “[...] ao ser introdu-
zido na teologia cristã, o conceito persona alterou-se substancialmente, e do mero significado atrás
ilustrado para o pensamento antigo, pessoa passou a designar uma realidade substantiva, passou
a ser verdadeira categoria ontológica”13.
Esta noção começou a ser desenhada a partir de 325, no Concílio de Nicéia, para dar uma
resposta às afirmações do herege Ário, pois este afirmava que Jesus Cristo era uma criatura de
Deus Pai, ou seja, para Ário as pessoas da Santíssima Trindade não coexistiam. E este era, de fato,
um grande problema para a fé cristã, pois representava o desmoronamento de toda a sua dogmá-
tica. Todavia, não sendo Jesus Cristo o Filho de Deus, mas criatura sua, retiraria de Jesus a sua
gênese trinitária, lhe concedendo apenas uma condição humana, condição de sofrer como qual-
quer homem comum, pois para o cristianismo o sofrimento constitui-se, necessariamente, parte da
jornada do ser humano na sua existência na “Cidade dos Homens”, em direção à “Cidade Celestial
de Jerusalém”, para utiliza os ensinamentos de Agostinho de Hipona, quando nos apresenta a obra
A Cidade de Deus.
No dualismo filosófico natureza (physis) versus pessoa (hypostasis), aponta o autor, é que a
Igreja encontrou a resposta para a heresia ariana, mas, sobretudo, valendo-se da linguagem filosó-
fica, introduziu na História a contribuição fundamental para a transformação da concepção do ser
pessoa. A síntese dessa resposta consistia em afirmar que o Filho de Deus era uma Pessoa, assim
como o Pai e o Espirito Santo eram Pessoas (Hypostasis) da Santíssima Trindade, distintas entre
si, mas com uma única e mesma Natureza (Physis), a Divina, dentro desta perspectiva, Gonçalves
nos ensina que:
para a noção de natureza, reserva-se, assim, a universalidade ou essência da reali-
dade. Para a noção de pessoa, a realização própria, num sujeito determinado, dessa
natureza ou realidade universal. Pessoa torna-se, assim, a forma especial, ou parti-
cular de ser de uma determinada natureza. [...], o conceito de pessoa, ganha, agora,
um conteúdo ontológico, torna-se capaz de designar uma realidade ôntica [...]. Com
esta dimensão ôntica, as respostas aos problemas assinalados começaram a ali-
nhavar-se. O mistério da Santíssima Trindade era explicado afirmando que em Deus
existia uma única natureza [...], o problema cristológico, por sua vez, era resolvido
recorrendo à ideia de união hipostática: em Cristo existiam duas naturezas – a hu-
mana e a divina – em uma só pessoa15.
Desta forma, o cristianismo foi fundamentalmente, o pensamento responsável por uma antro-
pologia teológica que veio marcar todo o pensamento ocidental, definitivamente. Em suas bases,
encontramos a primeira elevação do termo pessoa, passando de uma categoria meramente mate-
rial a uma categoria metafísica, com a construção de argumentos aonde fé e razão não se opõe,
mas coexistem como instrumentos a serviço do resgate da compreensão da natureza humana.
Na interpretação cristã, o fato de o Filho de Deus ter assumido a condição humana elevou os
humanos a uma nova e singular condição, a condição de filhos de Deus. Portanto, por essa noção,
criou-se “a ideia de pessoa como subjetividade dotada de um valor intrínseco”16, por participação
na humanidade de Cristo, também, tornara-se, o homem, divino. Sendo assim, é necessário com-
preender que:
37
A aplicação da noção de pessoa ao Homem é também uma conquista cristã. Pela
primeira vez na história da antropologia, pessoa aparece como resposta e não como
termo interrogativo. [...], o Homem, na visão cristã do mundo, era o único ser querido
por Deus em si mesmo [...], o Homem é imagem de Deus porque é pessoa, como
Deus é pessoa. Por outras palavras, ser imagem de Deus é ser um ser pessoal [...],
no âmbito da antropologia teológica, significa afirmar que, de alguma maneira, se
encontra na finitude do ser Homem a realidade infinita do ‘Eu Sou’17.
A essa nova categoria em que o Homem é inserido, a Imago Dei, corrobora o pensamento
antropológico jurídico de Alain Supiot, para quem:
[...] Como ele, é um ser uno e indivisível; como ele, é um sujeito soberano, dotado da
potência do Verbo; como ele, enfim, é uma pessoa, um espírito encarnado. Mas, con-
cebido à imagem de Deus, o homem não é Deus. Sua dignidade particular procede
não de si mesmo, mas de seu Criador, e ele a partilha com todos os outros homens.
Daí a ambivalência desses três atributos da humanidade, que são a individualidade,
a subjetividade e a personalidade [...]18.
Na Idade Média, segundo Andréa Carla de Moraes Pereira Lago, o homem passou a ser con-
siderado:
[...] elemento primordial de toda a sociedade e devia ser visto em seus aspectos,
qualitativo e quantitativo. No aspecto qualitativo o homem era a um só tempo único,
incomparável a qualquer outro, e semelhante em essência, a todos os demais. No
aspecto quantitativo o homem era um ser indivisível e estável, de seu nascimento à
sua morte e sua personalidade jurídica individual se mostrava contínua e idêntica a
si mesma nascendo com o individuo permanecendo a mesma durante toda a exis-
tência deste19.
Na conclusão da autora supracitada, é “apenas com o advento da idade moderna que a no-
ção do gênero humano começou a se delinear de forma mais clara, posto que fosse marcada pelo
desaparecimento de Deus do palco institucional e pela percepção de um novo mundo baseado na
Com esta breve construção do conceito de Pessoa, passaremos em seguida, à sua aborda-
gem enquanto sujeito de relações jurídicas. À pessoa é atribuída uma Personalidade. O Estado,
nas suas três esferas de poder assume, definitivamente, a incumbência de normatizar as relações
jurídicas, tutelando no seu conjunto normativo, os seus direitos fundamentais e os de personalida-
de.
A maior expressão de uma tutela jurídica está fundada na Constituição de seu país, ou seja,
na Carta Magna que revela aos cidadãos e ao mundo de uma forma geral a identidade jurídica, so-
21 LAGO, Andréa Carla de Moraes Pereira. Direito Educacional: Prevenção da Violência e Solução de Conflitos pela
Mediação Escolar. Maringá: IDDM, 2013, p. 23
22 GONÇALVES, Diogo Costa. Pessoa e Direitos de Personalidade: Fundamentação Ontológica da Tutela. Coim-
bra: Almedina, 2008, p 29.
23 GONÇALVES, Ibidem, p. 23.
24 GONÇALVES, Ibidem, p. 64. 39
cial e política de seu povo. Também, aqui poderíamos asseverar que “a questão que se apresenta
diz respeito à força normativa da Constituição”25, não como algo que pertença somente ao mundo
jurídico, mas que necessariamente se apresenta como um elemento intrínseco e inevitável para a
vida numa sociedade democrática de direito.
Uma Constituição dogmática traz na sua gênese a composição de diversas ideologias conci-
liatórias, como a brasileira de 198826. No nosso entendimento, o fato de ser dogmática não torna
nenhuma Constituição desprovida de força normativa, pois sendo democrática, está pautada nas
conquistas e avanços sociais, diferentemente daquilo que ocorre com as constituições ideológicas.
A Constituição Federal de 1988, entre outros, elege no seu Art. 1º, III, - a dignidade da pes-
soa humana, como fundamento da República Federativa do Brasil, de tal sorte que é elevada ao
status quo de Constituição Humanista. Instituiu o Princípio da Igualdade não para, simplesmente,
“nivelar os cidadãos diante da norma legal posta, mas que a própria lei não pode ser editada em
desconformidade com a isonomia27, não no sentido de igualdade absoluta, mas sim na concepção
de igualdade relativa quanto a invocação de direitos materiais, ou seja, em uma democracia a lei
não é feita de forma casual para satisfazer a interesses de ordem pessoal, mas sim no sentido de
que a partir do momento em que a mesma entra em vigência, todos, independentemente de sua
condição social e histórica, se submetem aos seus ditames.
A pessoa humana, na Constituição Federal de 1988, foi eleita como o centro da tutela cons-
titucional, para o qual tendem todos os ramos do pátrio ordenamento jurídico. Apesar de pare-
cer simples tal compreensão, um caso bastante emblemático, o do Habeas Corpus nº 0002637-
70.2010.8.19.00028, obrigatoriamente foi enfrentado, pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro,
25 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris Editor, 1991, p. 11.
26 PUCCINELLI JÚNIOR, André. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 52.
27 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros,
2013, p. 09.
28 Habeas Corpus nº 0002637-70.2010.8.19.0000 TJ/RJ - Cuida a hipótese de habeas corpus impetrado por Heron
José Santana Gordilho, membro do Ministério Público do Estado da Bahia; pelo Instituto Abolicionista Animal – IAA,
associação civil de caráter científico-educacional, sem fins econômicos, e outros, sendo ao todo 29 (vinte e nove) os
impetrantes, dentre os quais professores e estudiosos de outros países e, no caso brasileiro, do eminente jurista e
professor da Universidade Federal de Minas Gerais, José Alfredo de Oliveira Baracho, em favor de JIMMY, integrante
da espécie chimpanzé (nome científico “pan troglodytes”), argumentando a impetração que o mesmo vem sofrendo
constrangimento ilegal, por ato da autoridade judicial apontada coatora que o manteve aprisionado na Fundação Jar-
dim Zoológico de Niterói – ZooNIT “numa jaula com área total de 61, 38 m² e altura de 4,0 metros no solário, e área
de confinamento de 2,80 metros de altura, privado, portanto, de seu direito à liberdade de locomoção e à vida digna”.
[...], o problema não está apenas em identificar a natureza dos animais na ordem jurídica, notadamente a brasileira,
ou seja, se são bens móveis, meras coisas, semoventes etc. A questão que se coloca é se um chimpanzé, especifi-
camente, pode ser considerado alguém para efeitos de ser utilizado o habeas corpus em seu favor quando sofrer ou
se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder,
nos exatos termos em que disposto na Constituição do Brasil (vide art. 5º, inciso LXVIII). Há que se considerar que a
Constituição do Brasil no seu TÍTULO I, referente aos Princípios Fundamentais, utiliza a expressão Habeas Corpus nº
0002637-70.2010.8.19.0000 16 “dignidade da pessoa humana” (art. 1º, III); e prevalência dos direitos humanos (art. 4º,
II); e, no TÍTULO II, pertinente aos Direitos e Garantias Fundamentais, em particular os direitos e deveres individuais
e coletivos, faz uso das seguintes expressões: brasileiros e estrangeiros (art. 5º caput); homens e mulheres (art. 5º,
I); ninguém (art. 5º, II); desumano (art. 5º, III); honra e imagem das pessoas (art. 5º, X); qualquer pessoa (art. 5º, XV);
pessoa do condenado (art. 5º XLV); apenado (art. 5º, XVLIII); presidiário (art. 5º, L); nenhum brasileiro (art. 5º, inciso
LI); civilmente identificado (art. 5º, LVIII); família do preso ou à pessoa por ele indicado (art. 5º, LXII); o preso (art. 5º,
LXIII) pessoa do impetrante (art. 5º, LXXII), qualquer cidadão (art. 5º, LXXIII); e condenado (art. 5º, LXXV). [...], portan-
to, considerando o histórico constitucional brasileiro, a primeira ideia e, pode-se afirmar, hermenêutica jurídica possível
de se fazer, é que à exceção do homem, na sua condição de humano, nenhum outro ser vivo pode ser beneficiado ou
40 sujeito do habeas corpus.
aonde, pelo Remédio Constitucional do art. 5º, LXVIII da CF, buscou-se a liberdade do macaco
Jimmy, da espécie chimpanzé. O Tribunal cumpriu o seu múnus e reafirmou os limites a serem de-
lineados, de tal sorte que uma elevação dos direitos dos animais, equiparando-os as pessoas, não
viesse, por sua decisão, causar confusão no ordenamento jurídico.
O Código Civil Brasileiro de 2002 consagrou o início da personalidade civil da pessoa huma-
na condicionando-o ao seu nascimento com vida, ressalvando a lei, ainda, os direitos do nascituro
desde a sua concepção. Pessoa pode ser entendida, nesta codificação, como sujeito de direitos
e deveres – ela é natural ou jurídica. A personalidade, compreendida lato sensu, é o arcabouço
constitutivo do ser pessoa, aquilo que caracteriza a pessoa, fazendo-a ser aquilo que é, sem o qual
deixaria de ser.
Interessa-nos, neste lapso, a pessoa natural, neste sentido, ressalta Beltrão que o atual Có-
digo Civil:
[...] define algumas das características dos direitos da personalidade quando destaca
o seu aspecto intransmissível e irrenunciável, como elementos resultantes da infun-
gibilidade própria da pessoa, que não permite que eles sejam adquiridos por outras
pessoas [...]. O caráter intransmissível dos direitos da personalidade determina que
eles não podem ser objeto de cessão e até mesmo de sucessão, por ser um direito
que expressa a personalidade da própria pessoa do seu titular e que impede a sua
aquisição por um terceiro por via da transmissão [...], são irrenunciáveis, pois a pes-
soa não pode abdicar de seus direitos da personalidade, mesmo que não os exercite
por longo tempo, uma vez que ele é inseparável da personalidade humana [...], o
seu exercício pode ser restringido em alguns casos sem que haja a perda do direito,
restabelecido a qualquer tempo32.
29 GONÇALVES, Diogo Costa. Pessoa e Direitos de Personalidade: Fundamentação Ontológica da Tutela. Coim-
bra: Almedina, 2008, p. 70.
30 Ibidem, p. 70-71 Nota: Segundo, o autor, “O Código de SEABRA insere-se no movimento da primeira codificação,
possibilitado pela segunda sistemática, e foi largamente influenciado pelo monumento mais relevante desta primeira
codificação – o Código de Napoleão”.
31 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da Personalidade: de acordo com o Novo Código Civil. São Paulo: Atlas, 2005.
p. 15.
32 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da Personalidade: de acordo com o Novo Código Civil. São Paulo: Atlas, 2005.
p. 27.
41
Numa tentativa de definição do conceito, e salvo melhor construção, diríamos que
Personalidade é o conjunto das qualidades e relações que determinam a pessoa em
si mesma e em função da participação na ordem do ser, de forma única e singular33.
O grande engodo e, o que há de mais imbricado na seara dos Direitos da Personalidade to-
cam à natureza jurídica destes direitos. E, este problema, indubitavelmente, merece um capítulo à
parte, pois são infinitas as correntes e as concepções jurídicas e doutrinárias que se propõe a este
embate, por exemplo, conforme nos ensina “Adriano de Cupis, em sua obra I diritto dela persona-
lità, é da opinião de que a inadmissibilidade da teoria ius in se ipsum34 é um defeito de construção
jurídica e não uma apriorística impossibilidade lógica [...],”35 uma vez que que uma pessoa tenham
direitos restringidos sobre o próprio corpo.
Apesar de o ordenamento jurídico brasileiro ser, essencialmente, positivado, com suas regras
e cláusulas pétreas, o legislador pátrio, o judiciário e os doutrinadores têm introduzido dispositivos
de outros ordenamentos jurídicos.
Aos poucos, o Estado está delegando à sociedade maior decisão aos cidadãos sobre suas
próprias vidas, como é o caso da admissão da união civil entre pessoas do mesmo sexo, ou a re-
cente revogação do inciso II, do art. 3º do Código Civil, pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015,
Lei de Inclusão da Pessoa com Deficiência, deixando o mesmo Estado, para as famílias das dessas
pessoas, todas as suas responsabilidades quanto aos seus atos na vida civil.
Como para o Direito, a fundamentação teológica não é invocada como forma de tutelar a pes-
soa humana nas suas formas mais frágeis, queremos, outrossim, salvaguardar a ideia de que há
33 GONÇALVES, Diogo Costa. Pessoa e Direitos de Personalidade: Fundamentação Ontológica da Tutela. Coim-
bra: Almedina, 2008, p. 68.
34 Do latim: “Direito sobre a própria vida”.
42 35 BELTRÃO, op. cit., p. 35.
uma sustância inerente ao ser humano que o torna diferente do restante das coisas existente, sua
racionalidade.
Gonçalves baseou-se nas categorias aristotélicas de “ato e potência”, para explicar o que ele
chama de uma radicalidade da unidade ontológica da pessoa, quando, usando tal expressão quer
considerar que:
[...], são categorias acto e potência enquanto elementos que nos ajudam a conhecer
mais profundamente a estrutura ontológica da pessoa. Entendemos por acto qual-
quer perfeição de um ente e por potência o que pode receber um acto o que pode
receber um acto, ou que, enfim, o recebeu já [...]. Três formulações dessa relação
nos interessam especialmente [...], em primeiro lugar afirma-se que a potência é
o ‘suposto’ no qual se recebe o acto [...], em segundo lugar o acto limitado pela
potência que o recebe [...], por fim, afirma-se ainda que a composição do ente em
acto e potência não destrói a sua unidade substancial. Com esta formulação quer-se
afirmar que acto e potência não são entes autónomos e determinados. Ambos os
princípio constituem o mesmo ente... não há uma dualidade de entes; há, outrossim,
o mesmo ente, em acto e potência36.
O autor, como fora apresentado acima, ressalta que a pessoa é única, pois “em acto e potên-
cia, a pessoa é sempre, em qualquer estado ou condição o mesmo e único ente”37. Não é apenas
um ente, complementaríamos, é um ser com capacidade de escolha, de decisão e não um mero
objeto, ou ainda, um animal adestrado.
Afirmamos que, indubitavelmente, a tutela está sedimentada no caráter intrínseco do ser hu-
mano, na sua consciência de ser livre, de dominação sobre os seres inferiores. Pois, tutelar signi-
fica preservar e promover a dignidade da pessoa. A condição humana, essa raça dotada de uma
faculdade cognoscível é a única que percebe a unicidade, a particularidade e a subjetividade de
cada indivíduo humano. Daí a necessidade da preservação dos direitos e garantias que a fazem
sobreviver enquanto espécie.
CONCLUSÃO
Depois de uma breve, mas, detida análise, lançando um olhar reflexivo sobre o lugar e o papel
que a pessoa tem ocupado na ordem de importância do pátrio ordenamento jurídico, concluímos
que há, ainda, todo um caminho a ser percorrido para chegarmos a tutelar a integridade física, psí-
quica, moral e social de cada ser humano.
43
so, que continua sofrendo desrespeitos morais e físicos pelos seus tutores, curadores e familiares;
ao casal homoafetivo, que tem sua liberdade de união apenas tolerada, por conta da discriminação
advinda de uma sociedade hipócrita. E, tantos quantos fossem, poderíamos enumerar os desres-
peitos sofridos por cada forma ser, pessoa humana, independentemente da existência ou não de
definições conceituais-jurídicas, que ficam apenas como discussões no campo abstrato.
Resta-nos a certeza de que, mesmo diante de toda a construção do conceito de pessoa, este
permanece à margem de um relativismo que insiste em retirar do ser humana a centralidade que
lhe é cabível e a dignidade que lhe é inerente, pois ele é um “ser humano” e não alguém que per-
tence a uma tipificação, a uma rotulação qualquer.
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44
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VIEIRA, Mônica Silveira. Eutanásia: humanizando a visão jurídica. Curitiba: Juruá, 2009.
45
DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO: DEVER DO
ESTADO E DA FAMÍLIA
RESUMO: A educação consiste em um direito assegurado constitucionalmente, de forma expressa, como direito
fundamental social e como direito público subjetivo. É possível, ainda, apontar a educação como direito da personalidade,
já que necessário ao pleno desenvolvimento da pessoa humana e para que seja assegurada a dignidade humana.
Trata-se, em verdade, de direito fundamental ao exercício de outros direitos, como, por exemplo, da cidadania e do
trabalho. É um direito de todos e um dever do Estado e da família, em colaboração com a sociedade. Como principal
instrumento para efetivação do direito, por parte do Estado, há as políticas públicas. Por sua vez, a família desempenha
papel fundamental na formação da personalidade do indivíduo, sendo preciso que tenha consciência de que a educação
também consciente em um dever a ela inerente. O objetivo do presente artigo é, portanto, a busca pelo estado da arte
sobre a temática acima delineada, sendo utilizada, para tanto, a metodologia de pesquisa bibliográfica, em especial a
qualitativa. Como resultados, é possível apontar a importância da educação, conforme já apontado, bem como, a sua
relevância para realização de outros direitos, devendo ser considerada um direito fundamental, inclusive como direito
da personalidade, elemento necessário à preservação da dignidade humana.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho possui como objetivo a busca pelo estado da arte a respeito do direito à
educação, traçando os seus contornos, a partir da previsão da Constituição Federal de 1988, me-
diante o método de pesquisa bibliográfica.
Mas não apenas isso. O direito à educação pode ser encarado como um direito inerente à pessoa
humana, ou seja, como elemento necessário à sua personalidade. Tal entendimento encontra respaldo
no artigo 205, da Constituição Federal, que aponta o direito à educação como instrumento necessário
ao pleno desenvolvimento da pessoa humana, e, portanto, elemento necessário à sua dignidade.
46
Assim, a educação, na atualidade, é considerada como direito fundamental, como elemento
necessário ao exercício de uma vida digna. Nesse sentido, inclusive, afirmam Zenni e Félix que: “a
vida imprescinde da educação para ser entendida como digna”38.
A previsão constitucional, ainda, aponta que a educação além de direito de todos, consiste em
um dever não apenas do Estado, mas também da família, devendo, igualmente, haver a colabora-
ção da sociedade.
Deve o Estado assegurar não apenas o direito à educação, mas que esse direito seja asse-
gurado com qualidade, impondo a participação na concretização de tal direito esforços por parte do
âmbito federal, estadual e municipal.
A fim de demonstrar a educação como direito fundamental (social, direito público subjetivo e
necessário à formação da personalidade humana) o presente artigo fora estruturado em três capí-
tulos basilares.
O primeiro versando sobre o direito à educação à luz da Constituição Federal de 1988; o se-
gundo, ressaltando o papel do Estado, com ênfase nas políticas e; por fim, o terceiro, apontando o
papel da família.
Trata-se, em verdade, de uma temática que precisa ser abordada pelos pesquisadores, vez
que se trata de um direito fundamental que precisa ser efetivado, a fim de tutelar a pessoa humana,
sendo este um dos motivos norteadores da presente obra.
Por fim, ainda como objetivos, reside a necessidade do aprofundamento da importância das
políticas públicas, pois é preciso que o direito à educação seja prestado com qualidade, assim
como, apontar o papel da família neste contexto, pois, tanto o Estado como a família são respon-
sáveis pela efetivação de tal direito.
38 ZENNI, Alessandro Severino Váller; FÉLIX, Diogo Valério. Educação para construção de dignidade: tarefa emi-
nente do direito. Revista Jurídica Cesumar – Mestrado, Maringá-PR, vol. 11, n. 1, p. 169-192, jan./jun. 2011. Dispo-
nível em: <http://periodicos.unicesumar.edu.br/index.php/revjuridica/article/view/1736>. Acesso em: 09 de agosto de
2016.
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1. O DIREITO À EDUCAÇÃO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDE-
RAL DE 1988
A educação, na atualidade, consiste em um direito assegurado constitucionalmente, havendo
sua inserção de forma expressa na Constituição Federal, em especial, no artigo 6º e nos artigos
205 a 214.
No artigo 6º da Carta Magna a educação fora apontada como direito social, ao lado de outros
direitos, como o direito à saúde, à alimentação e à moradia. Verifica-se, por conseguinte, que se
trata de direito social insculpido no artigo 6º, da Constituição Federal. Imperioso transcrever referi-
do diploma legal:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a mora-
dia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternida-
de e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Os direitos fundamentais decorrem de uma construção histórica, sendo que os direitos consi-
derados fundamentais variam de época para época e de lugar para lugar. Sobre a questão, assim
aponta Norberto Bobbio:
os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos,
ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de
novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de
uma vez e nem de uma vez por todas. (...) o que parece fundamental numa época
histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em
outras culturas.40
39 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 19 ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 806.
40 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, pp. 5-19. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
48 41 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 205.
No Brasil, marco histórico se consubstancia na Constituição Federal de 1988 que em seu
Título II insculpiu os direitos e garantias fundamentais, título este subdividido em cinco capítulos:
direitos individuais e coletivos, direitos sociais, nacionalidade, direitos políticos e partidos políticos.
Porém, é preciso esclarecer que, conforme afirma Gilmar Mendes, esta visão dos direitos
fundamentais em gerações aponta o caráter cumulativo dos direitos do tempo, ou seja, não se
mostra possível deixar de situar todos os direitos em um contexto de unidade e invisibilidade, pois
há interação entre os direitos43.
É nesse contexto em que o direito à educação fora insculpido, já que além de ser considerado
como direito fundamental social (segunda geração) pelo constituinte de 1988 (em seu artigo 6º)
também fora apontado, de forma expressa, como direito público subjetivo (primeira geração), em
seu artigo 208, §1º (“o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo”).
Ocorre que, o direito à educação pode, ainda, ser analisado como direito inerente à pessoa
humana, consistindo elemento necessário à formação de sua personalidade.
Conforme se observa da leitura de tais dispositivos, a educação fora apontada como necessá-
ria ao pleno desenvolvimento da pessoa, além de prepara-la para o exercício da cidadania e qualifi-
ca-la para o trabalho. Resta, assim, demonstrada a relevância do direito à educação na atualidade,
em especial, para a dignificação da pessoa humana.
45 DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos humanos e cidadania. São Paulo: Moderna, 1998.
46 ZENNI, Alessandro Severino Váller; FÉLIX, Diogo Valério. Educação para construção de dignidade: tarefa emi-
nente do direito. Revista Jurídica Cesumar – Mestrado, Maringá-PR, vol. 11, n. 1, p. 169-192, jan./jun. 2011. Dispo-
nível em: <http://periodicos.unicesumar.edu.br/index.php/revjuridica/article/view/1736>. Acesso em: 09 de agosto de
2016.
47 ZENNI, Alessandro Severino Váller; FÉLIX, Diogo Valério. Educação para construção de dignidade: tarefa emi-
nente do direito. Revista Jurídica Cesumar – Mestrado, Maringá-PR, vol. 11, n. 1, p. 169-192, jan./jun. 2011. Dispo-
nível em: <http://periodicos.unicesumar.edu.br/index.php/revjuridica/article/view/1736>. Acesso em: 09 de agosto de
50 2016.
A respeito da importância da dignidade, Ingo Wolfgang Sarlet salienta que:
A dignidade vem sendo considerada qualidade intrínseca e indissociável de todo e
qualquer ser humano e a destruição de um implicaria a destruição do outro, assim,
o respeito e a proteção da dignidade da pessoa constituem-se em meta permanente
da humanidade, do Estado e do Direito.48
A dignidade humana consiste, por isso, no elemento norteador de todo o ordenamento jurídico
pátrio, sendo que:
O princípio da dignidade da pessoa humana é da maior relevância para preservação
do Estado Democrático de Direito, e, portanto, deve ser protegido e amparado pelo
Poder Público, seja por meio de políticas prestacionais, seja pelo seu amplo reco-
nhecimento nas suas mais variadas facetas, permitindo, ainda, a sobrevivência e a
vida digna do ser humano.49
É a partir do princípio da dignidade da pessoa humana que decorre o imperativo de que sejam
protegidos os direitos fundamentais de todas as gerações50, sendo que, em não sendo reconheci-
dos “à pessoa humana os direitos fundamentais que lhe são inerentes, em verdade estar-se-á lhe
negando a própria dignidade”51.
Ainda em relação à importância do direito à educação, Fabiana Cássia Dupim Souza afirma
que:
Efetivamente, da forma como hoje garantido pela Constituição de 1988, o direito à
educação pode mesmo ser entendido como um dos instrumentos garantidores da
implementação do direito à vida, aqui considerada em sua plenitude: vida digna. É
um direito fundamental, e, como tal, absoluto e inarredável, devendo gozar de prefe-
rência quanto à destinação dos recursos a serem investidos pelo Estado. Dada a im-
portância do direito à educação, as afirmações feitas em torno dele na Constituição
não podem ser consideradas como de cunho meramente retórico. Devem elas ser
tratadas como normas de eficácia plena e aplicabilidade imediata, produzindo efeitos
jurídicos imediatos, sob pena de, entendendo-se em sentido contrário, esvaziar-lhes
48 SARLET, Ingo Wolfgang. Dimensões da dignidade. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 17.
49 OTERO, Cleber Sanfelici; HILLE, Marcelo Luiz. A dignidade da pessoa humana em face da escassez de recur-
sos do Estado. Revista Jurídica Cesumar – Mestrado, Maringá-PR, vol. 13, n. 2, p. 485-511, jul./dez. 2013. Dispo-
nível em: <http://periodicos.unicesumar.edu.br/index.php/revjuridica/article/view/3098>. Acesso em: 16 de agosto de
2016.
50 SOUZA, Fabiana Cássia Dupim. Educação e Dignidade: a Libertação como Direito, p. 237. In: ROCHA, Car-
mem Lúcia Antunes (coord.). O Direito à vida Digna. Belo Horizonte: Fórum, 2004.
51 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2001, p. 87.
52 GORCZEVSKI, Clovis; KONRAD, Letícia Regina. A educação e o Plano Nacional de Educação em Direitos Hu-
manos: efetivando os direitos fundamentais no Brasil. Revista do Direito UNISC, Santa Cruz do Sul-SC, n. 39, p. 18-42,
jan./jul. 2013. Disponível em: <https://online.unisc.br/seer/index.php/direito/article/view/3550/2699>. Acesso em: 16 de
agosto de 2016. 51
o sentido que o legislador pretendeu a elas conferir ao brindá-las com o status de
norma constitucional53.
Desta feita, é possível afirmar que a educação consiste em um direito fundamental, previsto
na Constituição Federal de 1988 de forma expressa como tal, devendo ser assegurado a todos.
Ainda como decorrência da previsão constitucional, é possível afirmar que a educação é fun-
damental para o desenvolvimento da pessoa e da sociedade54, sendo, ainda, aspecto necessário
para o exercício da cidadania e capacitação da pessoa para o trabalho.
Assim, uma vez que se trata de direito fundamental assegurado a todos, compete à análise
quanto aos responsáveis por assegurar que tal direito seja fornecido e exercido por todos, apontan-
do, nesse contexto, o papel do Estado e da família, objeto de estudo dos próximos tópicos.
O Estado, portanto, é um dos participes envolvido em tal contexto, a ele competindo assegu-
rar que o direito à educação seja a todos assegurado, sendo que, para tanto, o principal instrumen-
to consiste nas políticas públicas.
Isso porque,
As políticas públicas são o meio pelo qual se possibilita a verdadeira concretização
das normas constitucionais de maior relevância como os direitos fundamentais, em
especial, os de natureza social, a exemplo do direito à educação, cuja viabilidade é
elemento determinante para o exercício das liberdades individuais e da própria de-
mocracia, traduzindo-se na mais notável via de efetivação55.
As políticas públicas consistem, assim, no principal instrumento para que o Estado garanta o
exercício do direito à educação, porém, não basta apenas assegurar tal direito, mas assegurar que
haja a prestação com qualidade.
53 SOUZA, Fabiana Cássia Dupim. Educação e Dignidade: a Libertação como Direito, p. 236-237. In: ROCHA,
Carmem Lúcia Antunes (coord.). O Direito à vida Digna. Belo Horizonte: Fórum, 2004.
54 MOTTA, Ivan Dias da; KOEHLER, Rodrigo Oskar Leopoldino. A Constituição Federal de 1988 e o Direito à Edu-
cação. Revista Jurídica Cesumar – Mestrado, Maringá-PR, v. 12, n. 1, p. 49-74, jan/jun. 2012. Disponível em: <http://
periodicos.unicesumar.edu.br/index.php/revjuridica/article/view/2268/1641>. Acesso em 16 de agosto de 2016.
55 MOTTA, Ivan Dias da; RICHETTI, Tatiana. Da necessidade de efetivação do direito à educação por meio de
políticas públicas. XXII Encontro Nacional do CONPEDI. Anais eletrônicos do XXII Congresso Nacional do CONPE-
DI. Curitiba, 2013, p. 246-268. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=9aa70957fde5ac24>.
52 Acesso em: 16 de agosto de 2016.
dade, bem como zelar pelo respeito às leis do ensino, pela avaliação das instituições
e pelo desenvolvimento do nível de qualidade do ensino56.
Isso porque, como direito fundamental social, o direito à educação impõe ao Estado a realiza-
ção de ações positivas, ou seja, uma prestação por parte do Estado.
Também nesse cenário, fora implantado o Plano Nacional de Educação, a fim de nortear as
políticas públicas a serem desenvolvidas, assim como, nortear o âmbito privado. Isso porque,
O Plano Nacional de Educação (PNE) determina diretrizes, metas e estratégias para
a política educacional dos próximos dez anos. O primeiro grupo são metas estrutu-
rantes para a garantia do direito a educação básica com qualidade, e que assim pro-
movam a garantia do acesso, à universalização do ensino obrigatório, e à ampliação
das oportunidades educacionais. Um segundo grupo de metas diz respeito especi-
ficamente à redução das desigualdades e à valorização da diversidade, caminhos
imprescindíveis para a equidade. O terceiro bloco de metas trata da valorização dos
profissionais da educação, considerada estratégica para que as metas anteriores
sejam atingidas, e o quarto grupo de metas refere-se ao ensino superior58.
56 MOTTA, Elias de Oliveira. Direito educacional e educação no século XXI. Brasília: Unesco, 1997, p. 168.
57 Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua
oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; (Redação dada pela Emenda Constitucio-
nal nº 59, de 2009)
II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996)
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 53, de 2006)
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de
material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
58 Disponível em: <http://pne.mec.gov.br/>. Acesso em: 16 de agosto de 2016. 53
integradas dos poderes públicos para a concretização de tal objetivo.
Ainda de acordo com referido diploma constitucional, o Plano Nacional de Educação possui
como metas: a) a erradicação do analfabetismo; b) a universalização do atendimento escolar; c) a
melhoria da qualidade do ensino; d) a formação para o trabalho; e) promoção humanística, científi-
ca e tecnológica do País; f) estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educa-
ção como proporção do produto interno.
Por isso, diante de todo o exposto, é possível concluir que o Estado desempenha papel es-
sencial na efetivação do direito à educação, consistindo o principalmente instrumento para tanto
as políticas públicos, sendo que dever haver interação entre todos os âmbitos, seja âmbito federal,
estadual ou municipal.
3. O PAPEL DA FAMÍLIA
A educação consiste em um direito de todos, tratando-se de um direito fundamental que deve
ser assegurado pelo poder público, em especial por intermédio de políticas públicas a serem de-
senvolvidas tanto pelo âmbito federal quanto estadual e municipal.
Isso porque a Constituição Federal de 1988 apontou que se trata, igualmente, de um dever da
família, bem como, que deverá haver a participação da sociedade em tal intento.
Verifica-se, assim, que a família fora inserida em patamar de igualdade com o Estado na con-
cretização do direito à educação, ou seja, ambos são responsáveis pela efetivação da educação.
Além da previsão constitucional nesse sentido, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na-
cional (Lei n. 9.394/1996) também trás previsão semelhante, em seu artigo 2º:
Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberda-
de e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimen-
to do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para
o trabalho.
59 FREITAS, Pedro Ferreira de; MOTTA, Ivan Dias da. O direito à educação como direito da personalidade e míni-
mo existencial. Revista Jurídica do CESUCA, Cachoeirinha-RS, v.3, n. 6, dez/2015. Disponível em: <http://www.egov.
ufsc.br:8080/portal/conteudo/o-direito-%C3%A0-educa%C3%A7%C3%A3o-como-direito-da-personalidade-e-m%-
54 C3%ADnimo-existencial>. Acesso em: 09 de agosto de 2016.
Assim, é possível afirmar que a família também desempenha papel importante na efetivação
do direito à educação, já que não se trata apenas de imposição ao Estado.
Sobre a questão:
deve-se lembrar do não menos importante papel da família e da necessidade de
sua conscientização de seus deveres. Tornar o Estado o único responsável pela
educação é o mesmo que retornar aos primórdios, quando os filhos recém nascidos
eram entregues ao sacerdote que se responsabilizava com exclusividade pela sua
formação. (...) A família tem a parcela mais importante na educação, porque desde
a concepção a pessoa merece ser respeitada e considerada como parte integrante
do grupo familiar. O art. 19 do ECA dispõe que ‘toda criança ou adolescente tem di-
reito a ser criado e educado no seio da família’. Ora, a educação é a relação natural
entre pais e filhos, na qual se constroem a virtude, a sinceridade, a generosidade, a
obediência, etc.60
A educação, assim, deve ser preocupação não apenas do Estado, mas também da família
(lembrando, ainda, que, nos termos do dispositivo constitucional, deve haver colaboração da so-
ciedade), o que denota a importância de tal direito, não apenas para o desenvolvimento da pessoa
humana, mas também para possibilitar o exercício da cidadania e a qualificação da pessoa para o
trabalho (artigo 205, da Constituição Federal de 1988).
É preciso, pois, que a família tenha consciência de seu papel na formação da personalidade,
em especial, das crianças e dos adolescentes, abrangendo o educando. Trata-se de um papel
60 CORDEIRO, Sheila Collini da Cruz; BEZERRA, Márcia Fernandes; LANG, Raphael Lourenço. A educação
como direito social e dever do Estado. JICEX-Jornada de iniciação científica e extensão universitária do curso de
direito das faculdades integradas Santa Cruz de Curitiba-PR. Disponível em: <http://www.santacruz.br/ojs/index.php/
JICEX/article/viewFile/27/295>. Acesso em 16 de agosto de 2016.
61 LIMA, Luciana Ferreira. Educar para humanizar: o papel das famílias para a formação em direitos humanos.
Anais do XXIV Congresso Nacional do CONPEDI. Aracaju, 2015, p. 233-254. Disponível em: <http://www.conpedi.
org.br/publicacoes/c178h0tg/017e0bex/SlVYN1uO35pAt3IR.pdf>. Acesso em: 16 de agosto de 2016.
62 LIMA, Sandra Mara Maciel de; PIRES, Jorcy Erivelto. Crianças e adolescentes: a luta por reconhecimento en-
quanto cidadãos. Anais do XXIV ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI. Florianópolis, 2015, p. 100-120. Disponível
em: <http://www.conpedi.org.br/publicacoes/66fsl345/04430h54/8vB7XdmZhVG4rlfl.pdf>. Acesso em: 16 de agosto
de 2016. 55
fundamental a ser desempenhado pela família a fim de assegurar de forma plena o direito à
educação, tanto que fora insculpido na Carta Magna e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional.
CONCLUSÃO
O direito à educação representa um direito de fundamental importância na atualidade, seja
para possibilitar o pleno desenvolvimento da pessoa humana, seja para que esta possa exercer sua
cidadania e para qualifica-la para o trabalho. A educação, portanto, representa elemento necessário
para o exercício de outros direitos, bem como, para o desenvolvimento de uma vida digna.
A Constituição Federal aponta o direito à educação como direito fundamental social (artigo
5º) e como direito público subjetivo (artigo 208, §1º), por isso, resta demonstrada sua importância,
devendo, assim, as normas relativas terem eficácia imediata, por se tratar de direito fundamental,
direito inerente à pessoa humana.
A educação, assim, pode ser considerada como direito inerente à pessoa humana, como ele-
mento necessário para sua dignificação, já que representa fator essencial para o desenvolvimento
da personalidade humana, ao pleno desenvolvimento.
É possível, assim, apontar que o direito à educação relaciona-se à dignidade humana, já que
configura instrumento para dignificação do homem, já que por seu intermédio o homem adquire
uma mentalidade consciente.
Assim, nesse contexto, é preciso saber as partes envolvidas. Isso porque, se trata de direito
de todos, mas há outro polo a ser analisado: a quem compete tal dever. Segundo a Constituição
Federal, o direito à educação é dever do Estado e da família, devendo, ainda, haver a participação
da sociedade.
A família, por sua vez, também desempenha papel fundamental, sendo igualmente responsá-
vel por assegurar o direito à educação, sendo possível, ainda ressaltar que a família é essencial na
56
formação da personalidade do indivíduo.
Desta feita, é possível afirmar que o escopo do presente artigo fora alcançado, já que fora
demonstrado que o direito à educação consiste em um direito fundamental de suma importância,
devendo haver a união de esforços para sua concretização, em especial, mediante a atuação do
Estado e da família.
REFERÊNCIAS
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
CORDEIRO, Sheila Collini da Cruz; BEZERRA, Márcia Fernandes; LANG, Raphael Lourenço. A
educação como direito social e dever do Estado. JICEX-Jornada de iniciação científica e extensão
universitária do curso de direito das faculdades integradas Santa Cruz de Curitiba-PR. Disponí-
vel em: <http://www.santacruz.br/ojs/index.php/JICEX/article/viewFile/27/295>. Acesso em 16 de
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dade e mínimo existencial. Revista Jurídica do CESUCA, Cachoeirinha-RS, v.3, n. 6, dez/2015. Dis-
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article/view/1736>. Acesso em: 16 de agosto de 2016.
Resumo: O presente artigo tem como tema o conceito dos direitos da personalidade, tendo como seu
integrante maior, o conteúdo ético-filosófico. Para tanto, em um primeiro momento, abordou-se a concepção
clássica dessa gama de direitos, a qual apresenta uma noção mais conservadora sobre o tema. Num segundo
momento, apresentou-se uma estruturação conceitual dos direitos de personalidade sob uma roupagem
mais contemporânea, acrescendo-se a noção ético-filosófica na estrutura axiológica conceitual dos direitos
de personalidade. Por fim, analisou-se se essa apresentação contemporânea dos direitos de personalidade
vem sendo adotada pela sociedade hodierna, ante seu caráter predominantemente individualista e, em
sendo negativa a resposta, se isso levaria à falta de preocupação com a vida coletiva. A partir dos referidos
tópicos, constatou-se que apenas com a compreensão de que o agir desprovido de ética acaba por aniquilar
os próprios direitos de personalidade, far-se-á possível uma nova concepção de convívio social digno. A
pesquisa é bibliográfica e se utiliza do pensamento reflexivo no questionamento das práticas e dos conceitos
jurídicos, bem como da relação do Direito com a ética.
Palavras-chave: Direitos de personalidade. Ética. Sociedade Contemporânea.
INTRODUÇÃO
Um dos avanços do Estado Moderno, que vem sendo o modelo adotado desde meados do
Século XX pela grande maioria dos países ocidentais, foi a inclusão dos chamados direitos de
personalidade em seus ordenamentos jurídicos, justamente para garantir seu mais irrestrito adim-
plemento.
Nesse panorama, no qual se encaixa o Brasil, esses Direitos de Personalidade, embora dis-
tintos, passam, muitos deles, pela zona de coincidência, receber a denominação de Direitos Funda-
mentais63 ao serem insertos no corpo da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e,
63 Jorge Miranda, ao tratar dos Direitos fundamentais e direitos de personalidade, assim escreve, em tópico espe-
cífico, em sua obra: “[...] Não obstante largas zonas de coincidência, não são, contudo, assimiláveis direitos funda-
mentais e direitos de personalidade. Basta pensar nos direitos inseridos no texto constitucional que extravasam dali:
o direito de acesso aos tribunais (art. 20.°, n.° 1), o direito à cidadania (art. 26.°, n.° 1), as garantias da liberdade e da
segurança (arts. 28.° e segs.), a liberdade de imprensa (art. 38.°), o direito de antena (art. 40.°), os direitos políticos
(arts. 48.° e segs.), a grande maioria dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores (art. 53.° e segs.) e os
direitos económicos, sociais e culturais (arts. 58.° e segs.) ou os direitos fundamentais dos administrados (art. 268.°).
Mas, sobretudo, são distintos o sentido, a projecção, a perspectiva de uns e outros direitos. Os direitos fundamentais
pressupõem relações de poder, os direitos de personalidade relações de igualdade. Os direitos fundamentais têm uma
incidência publicística imediata, ainda quando ocorram efeitos nas relações entre os particulares (como prevê o art. 59
dessa forma, reger as relações entre o Estado e as pessoas, foram concebidos como aquele núcleo
primeiro de direitos ínsitos aos seres humanos, a partir dos quais todos os demais seriam deriva-
ção. Todavia, como se vem observado na prática, essa previsão legislativa está muito distante do
fim colimado, justamente pela não compreensão de que para se atingir tal desiderato, antes de tudo
faz-se necessária a correta compreensão do conteúdo dessa gama tão importante de direitos.
Em razão dessas constatações, é que o presente escrito tem como tema a conceituação dos
direitos da personalidade, tendo como seu integrante maior, o conteúdo ético-filosófico.
Para tanto, em um primeiro momento, abordou-se a concepção clássica dessa gama de di-
reitos, com a apresentação de algumas classificações usualmente adotadas, tudo isso a partir de
uma noção mais conservadora sobre o tema, desprovida, destarte, da noção de que a ética é o
integrante mais importante dos direitos de personalidade.
Num segundo momento, apresentou-se uma estruturação conceitual dos direitos de persona-
lidade sob uma roupagem mais contemporânea, acrescendo-se a noção ético-filosófica na estru-
tura axiológica conceitual dos alinhavados direitos, utilizando-se, para tanto, de estudos realizados
por autores portugueses, que vislumbraram a importância desse acréscimo axiológico.
Tentando adimplir a proposta de pesquisa sobre os direitos da personalidade, que para fins
meramente acadêmicos, nesse momento, podem ser tidos como espécie do gênero dignidade
18.°, n.° 1, a ser estudado a seu tempo); os direitos da personalidade uma incidência privatística, ainda quando sobre-
posta ou subposta à dos direitos fundamentais. Os direitos fundamentais pertencem ao domínio do Direito constitucio-
nal, os direitos de personalidade ao do Direito civil (1) (1) Com algum exagero, chegámos a escrever: os direitos fundamentais
são os direitos de personalidade no Direito público. Os direitos de personalidade os direitos fundamentais no Direito privado (Ciência
Política..., cit., II, pág. 213). [MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Tomo IV Direitos Fundamentais, 4. ed.,
60 revista e atualizada, Coimbra: Coimbra, 2008, p. 69]. Adiante voltar-se-á ao tema.
humana64, cabe destacar que o conteúdo conceitual desses direitos (numa visão mais clássica do
instituto), pode ser definido, notadamente pela necessidade de observância de sua aplicação como
direitos fundamentais do homem, como:
(...) sob a denominação de direitos da personalidade, compreendem-se os direitos persona-
líssimos e os direitos essenciais ao desenvolvimento da pessoa humana que a doutrina mo-
derna preconiza e disciplina no corpo do Código Civil como direitos absolutos, desprovidos,
porém, da faculdade de disposição. Destinam-se a resguardar a eminente dignidade da pes-
soa humana, preservando-a dos atentados que pode sofrer por parte dos outros indivíduos65.
Assim, para se trazer um dos pioneiros nessa tarefa de construção conceitual dos direitos de
personalidade, na mesma linha do acima exposto, pode-se aduzir que:
Todos os direitos, na medida em que destinados a dar conteúdo à personalidade, poderiam
chamar-se ´direitos da personalidade´. No entanto, na linguagem jurídica, esta designação
é reservada aos direitos subjetivos, cuja função, relativamente à personalidade, é essencial,
constituindo o minimum necessário e imprescindível ao seu conteúdo66.
Ainda, também dentro dessa visão mais conservadora, faz-se necessário discorrer, de forma
bastante simples, sobre a classificação dos direitos da personalidade, eis que tal enfoque auxiliará
na correta compreensão de como eventual invasão de sua esfera por outrem, pode ensejar a de-
vida reparação, por meio da adoção de medidas por seu titular, quer judiciais, quer extrajudiciais,
às quais, deve se assegurar o mais amplo e irrestrito acesso ao lesado, conforme também preco-
nizado por nossa Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 5º, incs. X e
XXXV, embora não seja esse o objetivo do presente estudo.
Em assim concebendo essa categoria de direitos, podemos afirmar que os direitos da perso-
nalidade podem ser divididos em três grupos, a saber:
No primeiro grupo situa-se o direito à vida e aos alimentos; o direito sobre o próprio
corpo vivo; direito sobre o próprio corpo morto; direito sobre o corpo alheio morto;
direito a partes separadas do corpo vivo e o direito a partes separadas do corpo mor-
to. No segundo, identifica o direito à liberdade de pensamento, os direitos pessoais
de autor cientifico, de autor artístico e de inventor. Por fim, no terceiro discrimina o
direito à liberdade civil, política e religiosa, o direito à honra, à honorificência, ao reca-
to, ao segredo pessoal, doméstico e profissional, à imagem e à identidade pessoal,
familiar e social68.
64 Não se desconhece que por muitas vezes a doutrina acaba por utilizar as expressões direitos da personalidade,
direitos humanos, direitos fundamentais e dignidade humana como sinônimos. Contudo, como se observará no
decorrer do presente estudo, especificamente quanto a diferenciação entre os direitos da personalidade e os direitos
fundamentais, tais concepções não foram utilizadas dessa forma, mas sim, com as devidas diferenças atinentes a
cada uma delas, também apontadas pela doutrina. Quanto às demais denominações, em que pesem poder haver
diferenciações etimológicas apontadas por alguns autores, para os fins aqui propostos, foram elas utilizadas como
sinônimas, vez que isso em nada influenciará no desenvolvimento do tema.
65 GOMES, Orlando apud CANTALI, Fernanda Borghetti. Direitos da personalidade: disponibilidade relativa, auto-
nomia privada e dignidade humana. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora: 2009, p.65.
66 CUPIS, Adriano de. Os direitos da personalidade. São Paulo: Quorum, 2008, p.23/24.
67 FRANÇA, Rubens Limongi apud GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e os direitos da per-
sonalidade. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 25.
68 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e os direitos de personalidade. Atlas: 2001, p. 26. 61
Pode-se assim afirmar que os direitos da personalidade também são divididos em direitos
físicos da personalidade, dizendo respeito à estrutura material do ser humano (integridade física,
órgãos, membros, dentre outros); direitos psíquicos da personalidade, que dizem respeito à ele-
mentos intrínsecos da pessoa, compreendendo sua liberdade, intimidade, sigilo, etc. e, por fim, os
direitos morais da personalidade, que são aqueles relacionados aos atributos valorativos da pessoa
dentro da sociedade da qual faz parte, podendo ser citados como exemplos sua identidade, honra
e manifestação do intelecto.
Por derradeiro, cabe destacar, nesse momento e sempre tendo em mente o foco adotado
presente item, quais são as características principais dos direitos da personalidade.
Segundo o escólio de Carlos Alberto Bittar, que adota uma concepção jusnaturalista sobre a
questão, pode-se afirmar que:
Daí, são, de início, direitos intransmissíveis e indispensáveis, restringindo-se à pes-
soa do titular e manifestando-se desde o nascimento (Código Civil de 2002, art. 2º).
Apenas para que não se perca a oportunidade, como observado dos conceitos retro descritos
sobre os direitos da personalidade, poder-se-ia conceber, de início, de forma não acertada, que as
expressões direitos da personalidade e direitos fundamentais, seriam tidas como sinônimas.
Tal percepção não é correta, eis que, basicamente, a pedra de toque a diferenciar ambas as
expressões, reside no seu campo de atuação mais específico, que, nos direitos fundamentais seria
o do direito constitucional, ao passo que os direitos da personalidade têm seu enfoque mais voltado
para o direito civil, privado, portanto.
Com efeito, adotando mais uma vez os ensinamentos de Jorge Miranda, pode-se asseverar
que:
Mas, sobretudo, são distintos o sentido, a projecção, a perspectiva de uns e outros
direitos. Os direitos fundamentais pressupõem relações de poder, os direitos de per-
sonalidade relações de igualdade. Os direitos fundamentais têm uma incidência pu-
blicística imediata, ainda quando ocorram efeitos nas relações entre os particulares
(como prevê o art. 18, n. 1, a ser estudado a seu tempo); os direitos de personalidade
uma incidência privatística, ainda quando sobreposta ou subposta à dos direitos fun-
damentais. Os direitos fundamentais pertencem ao domínio do Direito constitucional,
os direitos de personalidade ao do Direito civil70.
Essa diferença, embora não pareça importante, acaba por ganhar relevância ímpar, haja vis-
ta que, partindo-se da ideia de eventual desrespeito a um deles, quer direitos fundamentais, quer
direitos de personalidade, o sujeito passivo desse hipotético conflito seriam, respectivamente, o
Estado (nas suas mais variadas formas – União, Estados Membros, Municípios, etc.), ou então, o
particular (pessoas físicas ou jurídicas).
69 BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p.43.
62 70 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais, 3. ed., Coimbra, 2000, p. 62.
Também quanto a legislação em tese inobservada, a diferenciação acima apontada acarreta
diferenciações sistêmicas (embora na prática, em qualquer dos casos, ambas serão conjuntamente
utilizadas), eis que, no caso dos denominados direitos fundamentais, de plano, já se estariam fulmi-
nando dispositivos inserto em nossa Magna Lei, como, por exemplo, aqueles constantes no art. 1º,
inc. III, bem assim, art. 5º, incs. X, XXXV, etc., ao passo que quanto aos direitos de personalidade,
estar-se-iam inobservando dispositivos legais de cunho infraconstitucional, por exemplo, os arts. 11
a 21 do Código Civil brasileiro de 2002, além de outras legislações ordinárias.
Em que pese essa realidade ser bem aceita em nossos dias, tal premissa nem sempre foi
tão evidente. De fato, essa noção foi se sedimentando aos poucos na realidade jurídica nacional,
passando por caminhos penosos até sua atual posição.
Com efeito, pode-se asseverar que os direitos da personalidade sempre existiram, porém,
como dito, tiveram que percorrer tortuoso percurso para serem reconhecidos da forma como hoje
os concebemos, eis que, o homem, ou melhor, o ser humano, sempre se relacionou com seu seme-
lhante, fazendo surgir, destarte, uma cadeia de relacionamentos que terminaram por criar normas
que visassem assegurar tal convívio.
A maior parte desse complexo sistema sempre foi mais facilmente vislumbrado sob o ponto de
vista econômico, eis que essa era a maior preocupação do homem em suas relações, porém, essa
visão deixou de ser suficiente para que todos os aspectos do inter-relacionamento humano fossem
devidamente atendidos.
Por essa razão é que se passou a dar maior atenção a aspectos outros de nossa vida, que
não os de cunho exclusivamente econômicos, sendo essa nova perspectiva, justamente, algo mais
ligado ao íntimo, ao interior, ao psíquico do próprio ser humano, ao que, após debate sobre a cor-
respondente nomenclatura, deu-se o nome de direitos da personalidade.
O presente tópico, pelo seu foco, bem assim, pela falta de tempo suficiente para tanto, não
pretende adentrar na verdadeira batalha travada na doutrina sobre a categoria dos direitos da per-
sonalidade (se pertencentes aos chamados direitos positivos, como afirmam Savigny, Von Tuhur e
Enneccerus), ou se integrantes dos chamados direitos naturais, conforme preconiza a maior parte
da doutrina hodierna, dentre os quais se pode citar Carlos Alberto Bittar, por exemplo71.
71 Importante acrescentar, nesse momento, apenas para que não se deixe transparecer uma noção superficial sobre
o tema, o posicionamento hodiernamente adotado pela doutrina nacional, além do doutrinador citado, por exemplo,
pelo que, valendo-se dos ensinamentos de Elimar Szaniawski (SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua
tutela. 2. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 71/72), pode-se asseverar que: “O estudo da natureza dos
direitos de personalidade gerou polêmica. Duas controvérsias se estabeleceram na doutrina, consoante já menciona-
mos no Capítulo I. A primeira, repousa na indagação de serem os direitos de personalidade pertencentes à categoria
dos direitos subjetivos ou não. A segunda, se preocupa com as discussões sobre a natureza desses direitos propria-
mente ditos. Na atualidade, a oposição levantada por parte da doutrina do final do século XIX e do início do século XX, 63
Por tal motivo, parte-se diretamente para um conceito de direito da personalidade mais ado-
tado e aceito em nosso tempo, podendo-se afirmar, sempre se ressalvando e respeitando entendi-
mento diversos, que o conceito de personalidade, como já visto acima, é algo intimamente ligado
ao conceito de pessoa, pois, conforme ensina Caio Mario da Silva Pereira, seguindo as lições de
Clovis Bevilaqua, trata-se da aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações72.
Maria Helena Diniz, citando Goffredo Telles Jr., corrobora esse conceito de direito da perso-
nalidade, afirmando que:
A personalidade consiste no conjunto de caracteres próprios da pessoa. A persona-
lidade não é um direito, de modo que seria errôneo afirmar que o ser humano tem
direito à personalidade. A personalidade é que apoia os direitos e deveres que dela
irradiam, é objeto de direito, sendo o primeiro bem da pessoa, pertencendo-lhe como
primeira utilidade para que ela possa ser o que é, para sobreviver e se adaptar às
condições do ambiente em que se encontra, servindo de critério para aferir, adquirir
e ordenar outros bens74.
Vale a pena, aqui, uma vez mais, trazer à lume a lição de Adriano de Cupis, para quem a per-
sonalidade é comparada à ossatura, quando afirma que “[...] a personalidade seria uma ossatura
destinada a ser revestida de direitos, assim como os direitos seriam destinados a revestir a ossa-
tura [...]”75.
Justamente por incidirem sobre a personalidade em si, que é algo imaterial ou incorpóreo é
que tal espécie de direitos foi denominada pela doutrina como direitos da personalidade. Os direitos
da personalidade, segundo a já mencionada autora, são os direitos subjetivos da pessoa de defen-
der o que lhe é próprio, ou seja, a identidade, a liberdade, a sociabilidade, a reputação, a honra, a
autoria, dentre outras coisas76.
Como já asseverado alhures, essa categoria de direitos pode ser tida como espécie de direi-
tos essenciais da pessoa, sem os quais os demais direitos de nada serviriam, eis que o cerne da
existência do próprio direito, que é o homem, a pessoa, ficaria relegada a um segundo plano.
É bem verdade que essa concepção dos direitos da personalidade também não é a única
existente. Muito pelo contrário. Realmente, quando de sua concepção, houve grande dificuldade
em relação ao reconhecimento da existência de direitos de personalidade e sua qualidade de direitos subjetivos, se en-
contra superada, predominando a idéia da existência desta categoria jurídica, incluindo-a entre os direitos subjetivos”.
72 BEVILAQUA, Clovis apud PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. V. I. 2. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1991, p.153.
73 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela. 2. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005,
p.70.
74 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 1. Teoria geral do direito civil. 24. ed. São Paulo: Saraiva,
2007, p. 117 e 118.
75 CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade. Lisboa: Morais, 1961, p. 15.
64 76 Idem, p. 118.
da doutrina em conceber uma espécie de direito que tivesse por objeto o próprio homem, eis que,
segundo tal corrente doutrinária, o homem ou o ser humano, não poderia ser ao mesmo tempo,
sujeito e objeto do direito.
Adotando-se essa característica dos direitos da personalidade, como sendo uma espécie de
direitos essenciais da pessoa, posto que não podem ser destacados de seu titular, como bem as-
severa Fábio Ulhoa Coelho, pode-se dizer que:
Quer dizer, o direito de propriedade ou de crédito podem ser separados do sujeito,
uma vez que nem todas as pessoas são proprietárias ou credoras; mas os direitos
da personalidade não são destacáveis, já que todos os homens e mulheres sempre
os titularizam (...). Diz-se, então, que os direitos da personalidade são aqueles para
cujo exercício é suficiente a titularidade da personalidade, entendida em seu sentido
de aptidão para ter direitos e obrigações77.
Apenas para defender esse ponto de vista, reforça-se o que dissemos anteriormente, no sen-
tido de que nossa Lei Maior, em seu artigo 1º, inciso III, erigiu a dignidade da pessoa humana como
princípio fundamentador de nossa República, pelo que se denota, a toda evidência, a essencialida-
de dessa categoria de direitos.
Nesse sentido, tem-se que o principal aspecto a ser defendido na atualidade, dentro do objeti-
vo aqui almejado, seja a busca da pessoa, não como algo singular, mas sim, tendo como norte, sua
posição dentro do contesto social, inserido na cidade, dotado da chamada bíos e não apenas como
um ser menor, portador da mera zóe, como defendido pelos antigos filósofos gregos78.
Assim, na busca da noção do conceito de dignidade da pessoa humana numa acepção mais
condizente com nossos tempos, acaba-se por se observar que ela pode ser tida como a expressão
da pessoa que, isoladamente, não depende dos demais para atingir seus fins, contudo, parado-
xalmente, somente na comunhão com os demais seres humanos, consegue se realizar, conforme
muito bem sintetizado pelo autor lusitano Diogo Costa Gonçalves, que a sintetizou na expressão
latina distinctum subsistens respectivum79.
77 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. V. 1. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 182.
78 BITTAR, Eduardo Carlos Bianca; Guilherme Assis de Almeida. Curso de Filosofia do Direito. 9. ed. São Paulo:
Atlas, 2011. p. 126.
79 GONÇALVES, Diogo Costa. Pessoa e direitos de personalidade: fundamentação ontológica da tutela. Coimbra:
Almedina, 2008, p. 45.
65
Diante tal constatação, pode-se perceber que é de muita valia, através de uma análise antro-
pológica, observar a estrutura ontológica do homem, para que somente após tal feito, chegue-se,
destarte, ao conceito real de pessoa e de personalidade.
Vislumbra-se, ademais, que o conceito de pessoa é composto por três dimensões. A primeira
dimensão considera o homem em si e por si (nesse caso, o conceito de pessoa é determinado on-
tologicamente). A segunda considera o homem se relacionando com os outros seres que compõem
o universo (nesse caso, o conceito de pessoa é determinado pela abertura relacional). E, por fim,
a terceira estabelece o lugar que o homem ocupa no universo, o que ele almeja ser e alcançar por
meio de suas realizações (nesse caso, o homem é considerado potencial e ambientalmente)80.
Essas três dimensões podem ser resumidas na fórmula acima citada, qual seja, distinctum
subsistens respectivum, segundo a qual, para o alinhavado autor português: “o homem revela-se
como o único ser com fins próprios, que não depende por si dos restantes; mas ao mesmo tempo
um ser que só se realiza na comunhão com os outros”81.
Tal constatação faz com que se possa concluir que existe uma dupla dialética referente ao
conceito em estudo, qual seja, de que a pessoa é por si, mas só com os outros se realiza, bem as-
sim, de que essa mesma pessoa é idêntica e completa desde o início, mas seu sentido é consumar
a sua própria realização, evoluindo como pessoa.
Como será melhor explicado na sequência deste estudo, impende deixar registrado que a
noção de pessoa, bem assim, da própria personalidade, acaba por inserir em sua construção axio-
lógica um elemento ético-filosófico.
Com efeito, essa percepção é de extrema importância para o transcorrer do presente traba-
lho, bem assim, para responder às indagações que foram o mote de sua confecção, razão pela
qual, impende colacionar, mesmo que de forma simplista, os ensinamentos do autor Rabindranath
Valentino Aleixo Capelo de Souza, que, ao discorrer sobre a matéria, ponderou que:
Finalmente, salienta-se, numa perspectiva ético-filosófica, que o homem, embora
individualizado, não é um ser isolado mas em permanente relação com os outros
homens, com o mundo e consigo mesmo, assumindo aí especial relevo o mundo de
valores a que ele aderiu, a ponto de lhe estruturar, moldar e significantizar a pessoa-
lidade (Personalität)82.
Realmente, para o mencionado filósofo, uma das características ou um dos elementos mar-
cantes da personalidade humana, bem assim, marco que distingue o homem dos demais seres
80 Idem, p.10.
81 GONÇALVES, Diogo Costa. Pessoa e direitos de personalidade: fundamentação ontológica da tutela. Coimbra:
Almedina, 2008, p.10.
82 SOUZA, Rabindranath Valentino Aleixo Capelo de. O direito geral de personalidade. Almedina, Coimbra: 2011, p.
112.
66 83 Idem, p.143.
vivos, é a dignidade humana, contendo ela a capacidade valorativa ética, como algo ínsito a todo
e qualquer ser humano.
Ademais, o segundo elemento por ele utilizado para construir o conceito de personalidade
humana é a individualidade, segundo a qual todo homem é capaz de se exprimir, desenvolver e
educar, calcado em princípios e valores éticos84, considerando e tendo como referência o próprio
homem de forma isolada.
Por fim, complementando a conceituação acima mencionada, deve ser agregado, segundo
Hubmann, a noção de pessoalidade aos elementos retro descritos, no sentido de que apenas em si
considerado, o homem não atende ao fim de sua existência, pois apenas com a interação com os
demais membros da sociedade, interação essa da forma mais ética possível, é que se pode asse-
verar ser o homem detentor de direitos da personalidade85.
Nesse diapasão, como se observa, o referido doutrinador acaba por repisar a conceituação
temática trazida por seu compatriota Diogo Costa Gonçalves, conforme visto alhures, sendo ponto
de encontro em ambos os ensinamentos, a noção de inter-relacionamento que deve pautar a vida
do homem, como inserto numa sociedade da qual faz parte atuante.
Para melhor entender essas noções conceituais, impende transcrever as exatas palavras do
autor português retro citado, a saber:
Ajustando depois esta ideia ética da personalidade ao direito positivo, com base
na teoria de este constituir um mínimo ético (163), Hubmann sustenta que a ordem
jurídica, face v. g. ao art. 2º, n.º 1, GG, pode e deve tornar possível a realização da
tarefa ética da personalidade e proteger os seus valores realizados (164) e que, no
anverso, a natureza da personalidade ética prescreve ao direito positivo um certo nú-
mero de exigências básicas, que consubstanciam a ideia do valor da personalidade
enquanto bem jurídico86.
Diante tal constatação, impende deixar bastante clara a conceituação de pessoa, em contra-
posição ao conceito de personalidade, eis que aquela pode ser conceituada como: “aquele ente
que, em virtude da especial intensidade do seu acto de ser, autopossui a sua própria realidade
ontológica, em abertura relacional constitutiva e dimensão realizacional unitiva”87.
Aqui deve ser abordado, com mais profundidade, essa classificação apresentada pelo retro
citado autor lusitano, eis que, como se percebeu, apenas certa parcela, dentre as inúmeras possí-
veis, das realidades apresentadas pelo homem, pode ser inserida no conceito de personalidade e,
portanto, como direitos da personalidade.
Com efeito, segundo a classificação por ele apresentada, apenas por meio de um critério
prévio é que se pode afirmar se uma determinada realidade pode ou não integrar a personalidade
ôntica do ser humano, eis que plenamente relevante juridicamente, sendo este critério, justamente,
o critério ético.
Deve ser colacionada, por oportuna, a conceituação apresentada por Oliveira Ascensão, que,
ao se referir à personalidade, assevera que ela: “é uma realidade ética, substancial. Não se parte
de uma visão de personalidade melindrosa, quezilenta ou egoísta, mas de uma realização da per-
sonalidade que substancialmente é convívio e solidariedade”91.
Com tal conceituação fica mais evidente ainda, a noção de que o atuar dos integrantes de
uma sociedade qualquer, deve sempre ser pautado pela adoção de uma conduta ética, eis que
esse atuar reflete uma forma importante do convívio social, demandando, assim, a mais reta e dig-
88 GONÇALVES, Diogo Costa. Pessoa e direitos de personalidade: fundamentação ontológica da tutela. Coimbra:
Almedina, 2008, p. 68.
89 Idem, p. 87.
90 Idem, p. 87/88.
91 In “A Reserva da Intimidade e da Vida Privada”, Revista da Faculdade de Direito de Lisboa, Volume XLIII, nº. 1,
2002, p. 9-10. Apud GONÇALVES, Diogo Costa. Pessoa e direitos de personalidade: fundamentação ontológica da
68 tutela. Coimbra: Almedina, 2008, p. 87.
na atuação possível, para que a paz social volte a reinar.
É exatamente por essa razão que apenas atitudes desprovidas de sentimentos egoísticos,
voltadas para as noções aqui defendidas, podem e devem ser tuteladas pelo Estado, pois somente
tal espécie de realidade é que tem relevância jurídica e se consubstanciam em verdadeiros direitos
da personalidade, através da noção da dignidade humana, que, como também já aqui esposado, é
a base primeira de nossa República.
Valendo-se, uma vez mais dos estudos do autor Diogo Costa Gonçalves, para arrematar essa
concepção, pode-se concluir que:
Ao direito caberá verificar se cada elemento da personalidade, em concreto, está ou
não orientado à plena realização da pessoa, objectivada, como vimos na ordem do
ser. Se estiver, tal realidade terá relevância jurídica; caso contrário, não merecerá
tutela.
Assim, o mais relevante para a juridicidade da realidade pessoal, não é tanto a ma-
nifestação ôntica do indivíduo, quanto a dimensão valorativa ética dessa manifesta-
ção92.
Nesse momento cabe destacar que essa constatação de ausência quase que total de conteú-
do ético nas condutas humanas, acaba por esvaziar a própria noção da dignidade humana, vez que
seu fundamento reside, justamente, na ética dos direitos humanos, dos direitos da personalidade.
Como se observa de nossa atual sociedade pós-moderna, imediatista, consumista por ex-
celência, a questão ética ficou relegada a um patamar que não dignifica sua concepção histórica,
situação esta que, infelizmente, acabou por nos colocar numa degradante situação social.
Independentemente dessa constatação, é certo que a ética, agora tratada sob uma acepção
relacionada aos direitos humanos, deve ser tida como a base e fundamento da própria dignidade
humana e, por consequência, da criação de todo direito nacional e alienígena93.
Nesse diapasão, ou seja, de que a ausência de ética na atual conjuntura social acaba por ferir
os próprios direitos da personalidade e, via de consequência, a própria dignidade humana, são os
ensinamentos de Eduardo Bittar, em que pese acabar ele acreditando que esse viés está se modi-
ficando, senão veja-se:
Parece a personalidade recuperar o espaço perdido nos desvãos da erosão da ética
das últimas décadas do século XX, e do longo processo que deu origem ao niilismo,
ao tecnicismo, ao ceticismo e à relativização absoluta de todos os valores. Enfim,
em poucas palavras, parece a ideia de personalidade recuperar seu sentido pleno,
preenchendo o oco das experiências céticas e materialistas do tecnologismo do sé-
culo XX e invadindo as diversas linhas de pensamento ocupadas com os desvarios
da história contemporânea94.
Essa constatação do citado autor, no sentido de que a sociedade contemporânea está cami-
nhando, a passos lentos, é verdade, para um fim mais ético, talvez seja o reflexo de sua observação
92 GONÇALVES, Diogo Costa. Pessoa e direitos de personalidade: fundamentação ontológica da tutela. Coimbra:
Almedina, 2008, p. 88.
93 BITTAR, Eduardo C. B. Curso de ética jurídica: ética geral e profissional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 102.
94 Idem, p. 103. 69
quanto à mudança de paradigma ocorrido com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a
qual, sem a menor sombra de dúvidas, erigiu como meta primeira, a construção de uma sociedade
pautada em conceitos éticos, onde, assim, seria respeitada a dignidade humana.
Quanto a essa afirmação, acredita-se, não pairam quaisquer dúvidas, eis que, nitidamente,
nossa Carta Política, de fato, pautou-se em noções éticas em inúmeras passagens de seu texto,
notadamente em seu preâmbulo95, justamente para se alcançar a plenitude do convívio social pa-
cífico, harmonioso e solidário, conceitos estes de nítido conteúdo ético-moral, que devem, ou de-
veriam, pautar a atuação de todos os componentes do corpo social, com repercussões, portanto,
sobre toda a população nacional96.
Como dito acima, quanto a essa visão não restam dúvidas, porém, no tocante ao caminho
seguido por nossa sociedade, talvez a realidade não seja tão promissora quanto a esperada pelo
referido autor.
Muitos exemplos poderiam ser aqui citados para se chegar à triste conclusão de que os an-
seios principiológicos estampados em nossa Lei Maior não foram devidamente entendidos, ou me-
lhor, percebidos pela maior parcela de nossa população, conforme, aliás, diuturnamente divulgados
pela imprensa nacional.
Esse problema, ao que tudo indica e conforme já alinhavado anteriormente, acaba sendo
reflexo, justamente, do não atendimento a outros comandos constitucionais por parte de nossos
governantes, principalmente aquele inserto nos seus artigos 6º, 205 e 206, que garante a todos,
como direito social, uma educação de qualidade, condigna com a altíssima carga tributária instituí-
da por esse mesmo Estado.
O que se observa, destarte, em última ratio, é que para se falar em dignidade humana, em di-
reitos da personalidade, o indivíduo ou a pessoa deve agir dentro desse padrão ético sobre o qual,
ao menos textualmente, foi construída a sociedade brasileira, como consta expressamente do seu
corpo, pelo que, devem os integrantes de nossa sociedade se dignificar, para que, somente após
tal conscientização, possam pleitear direitos outros, eventualmente lesados.
A metáfora utilizada é referente à grande diferença existente entre os corpos sólidos e líqui-
dos, representando o atual estágio moderno de nossa sociedade, justamente essa segunda gama
conceitual, a qual, por ser liquefeita, não se prende ao espaço ocupado, mas sim, apenas ao tem-
po, amoldando-se a qualquer tipo de pressão que venha a sofrer, independentemente da intensi-
dade dessa força98.
Como dito, diante de tal constatação, cada vez mais em nossos dias, a sociedade se mostra
mais liquefeita, eis que ausentes os conceitos “sólidos” que até então permeavam nosso cotidiano,
notadamente o jurídico, onde o respeito às normas éticas vem sendo, paulatinamente, de forma
bastante fluída, ignorado, em nome dessa mesma modernidade.
Uma relação pode ser feita dentro dessa “fluidez” da sociedade hodierna, entre nossos go-
vernantes e os indivíduos por eles governados, eis que: “os poderes que liquefazem passaram do
‘sistema’ para a ‘sociedade’, da ‘política’ para as ‘políticas da vida’ – ou desceram do nível ‘macro’
para o nível ‘micro’ do convívio social”100.
Outra consequência que advém dessa constatação é que nossa sociedade é extremante in-
dividualista, como já dito acima, em comparação com outras épocas, não tão remotas assim, onde
se mostra bastante pertinente sua comparação com o “padrão do acampamento”, descrito por
Zygmunt Baumam.
Com efeito, conforme se pode extrair de seu trabalho, o “padrão do acampamento” pode ser
assim delineado:
(...) O lugar está aberto a quem quer que venha com seu trailer e dinheiro suficien-
te para o aluguel; os hóspedes vêm e vão; nenhum deles presta muita atenção a
como o lugar é gerido, desde que haja espaço suficiente para estacionar o trailer,
as tomadas elétricas e encanamentos estejam em ordem e os donos dos trailers
vizinhos não façam muito barulho e mantenham baixo o som de suas TVs portáteis
e aparelhos de som depois de escurecer. (...) O que os motoristas querem dos admi-
nistradores do lugar não é muito mais (mas tampouco menos) do que ser deixados à
vontade. (...) Ocasionalmente podem reivindicar melhores serviços (...) – mas nunca
lhes ocorreria questionar e negociar a filosofia administrativa do lugar, e muito menos
assumir a responsabilidade pelo gerenciamento do mesmo” 101.
Continuando, pode-se afirmar, como, aliás, já feito anteriormente aqui, que esse problema é
resultado dessa “fluidez” de nossa sociedade pós-moderna, consubstanciada na latente individuali-
dade que a caracteriza, conforme bem delineado por Norbert Elias, em sua obra “A sociedade dos
indivíduos”, cujo conceito veio romper os paradigmas esculpidos por Hobbes, Mill e Spencer102,
situação esta que, como dito, acaba por influenciar a atuação dos integrantes da nossa sociedade.
Tal forma de agir, evidentemente desprovida de preceitos éticos, tão comum em nossa so-
ciedade em geral, inclusive na seara jurídica, acaba por confirmar antiga frase do filósofo francês
Jean-Paul Sartre, segundo a qual: “não basta ter nascido burguês – é preciso viver a vida como
burguês”103.
Exemplo dessa forma de atuação egoística, na área jurídica como acima mencionado, é a
forma como se recorre de decisões judiciais apenas pelo direito de recorrer em si considerado,
mesmo tendo plena consciência a parte que assim age, de que a decisão vergastada está em plena
consonância com pacífico entendimento pretoriano, atitude esta, a toda evidência, que se mostra
sem qualquer conteúdo ético e, portanto, que fere a dignidade humana da parte adversa.
Agindo dessa maneira, os componentes da sociedade acabam, como dito, em primeiro lugar,
desrespeitando os direitos da personalidade dos seus demais integrantes e, em segundo lugar,
fazendo vista grossa ao comando constitucional inserto no art. 1º, inc. III da CRF/88.
Isso fica mais claro e evidente, quando se constata que a incorporação desses valores ao
nosso atual ordenamento jurídico, tido como pós-positivo104, aconteceu após o fim da segunda
grande guerra mundial, devido os horrores perpetrados pelos regimes totalitários nela envolvidos.
102 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p. 43.
103 Idem, p. 44.
104 Embora esse não seja o tema do presente estudo, cabe tecer uma breve explicação do motivo pelo qual se adota
a concepção de que se está num estágio pós-positivista do direito. Objetivando cumprir esse mister, calha trazer os en-
sinamentos do ministro do STF Luís Roberto Barroso, nos seguintes termos: “Na Europa, e particularmente na Alema-
nha, a reação contra o positivismo começou com a obra de Gustav Radbruch, Fünf Minuten Rechtsphilosophie (Cinco
Minutos de Filosofia do Direito) de 1945, que influenciou muito o delineamento da jurisprudência dos valores que, por
sua vez, gozou de bastante prestígio no período pós-Segunda Guerra. Na tradição anglo-americana, a obra A Theory
of Justice de John Rawls, publicada em 1971, tem sido considerada um marco no processo de aproximação de elemen-
tos da ética e da filosofia política com a Teoria do Direito. O ataque geral de Ronald Dworkin contra o positivismo por
meio do seu artigo ‘The model of rules’ (University of Chicago Law Review, n.35, p.14, 17) é outro poderoso exemplo
dessa tendência. Na América Latina, o livro Ética y derechos humanos, de Carlos Nino, publicado em 1984 (a versão
em inglês, intitulada The ethics and human rights, é de 1991), é igualmente representativo da cultura pós-positivista”.
In BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a construção de
um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Tradução Humberto Laport de Mello. 3. reimpr. Belo Horizonte:
72 Fórum, 2014, p. 19.
Com efeito, segundo as palavras de Luís Roberto Barroso:
A dignidade humana foi então importada para o discurso jurídico devido a dois fa-
tores principais. O primeiro deles foi a inclusão em diferentes tratados e documen-
tos internacionais, bem como em diversas constituições nacionais, de referências
textuais à dignidade humana. O segundo fator corresponde a um fenômeno mais
sutil, que se tornou mais visível com o passar do tempo: a ascensão de uma cultura
jurídica pós-positivista, que reaproximou o direito da moral e da filosofia política,
atenuando a separação radial imposta pelo positivismo pré-Segunda Guerra. Nessa
teoria jurídica renovada, na qual a interpretação das normas legais é fortemente in-
fluenciada por fatos sociais e valores éticos, a dignidade humana desempenha um
papel proeminente105.
Diante tal fato, fica fácil visualizar o motivo que levou os doutrinadores e legisladores contem-
porâneos a erigir a dignidade humana e os direitos da personalidade, calcados numa concepção
ética-moral, ao patamar máximo de nosso sistema jurídico, justamente para que atrocidades como
as vivenciadas pelos regimes nazistas, fascistas e comunistas dos períodos pré e pós-guerra mun-
dial não voltassem a assombrar a humanidade.
Tendo essa noção como norte a sempre nos guiar, fica difícil justificar atitudes axiologica-
mente desprovidas dessas concepções, quando, para sua atual consagração, incontáveis seres
humanos acabaram por perder seu bem mais precioso, pelo que, tal acontecimento não pode ser
tão facilmente desprezado pelos atuais integrantes do corpo social.
É bem verdade que parte da doutrina entende que os direitos da personalidade não podem
receber um conceito jurídico, resumidamente, sob três argumentos, quais sejam: o primeiro deles,
denominado de textualista, parte da premissa de que diversas constituições pelo mundo afora
(França e Estados Unidos, por exemplo), não trazem, expressamente em seu corpo, a conceitua-
ção, ou mesmo menção à dignidade humana; o segundo motivo, calca-se em objeções políticas
e filosóficas sobre essa utilização jurídica do termo e, por fim, o terceiro ponto, segundo o qual tal
conceito é muito vago para poder receber essa proteção jurídica106. Contudo, tal argumentação é
facilmente rechaçada pela noção, hoje predominante, de que não só pode, como deve a dignidade
humana receber a proteção jurídica mais robusta possível, justamente para que atrocidades como
a retro descritas não voltem a ocorrer.
Nos exatos termos do já citado autor Luís Roberto Barroso, impende deixar sedimentado que:
(...) Como disse Ronald Dworkin, ‘seria lamentável abandonar uma ideia relevante
ou mesmo um nome conhecido pelo risco de malversação’. Assim sendo, a dignida-
de humana, não menos do que inúmeros outros conceitos cruciais, precisa de boa
teoria, debate público, consenso sobreposto e juízes prudentes. O trabalho a ser fei-
to consiste em encontrar um conteúdo mínimo para a dignidade humana, que possa
garantir a sua utilização como um conceito significativo e consequente, compatível
com o livre arbítrio, com a democracia e com os valores seculares (laicos)107.
105 BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a construção
de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Tradução Humberto Laport de Mello. 3. reimpr. Belo Horizonte:
Fórum, 2014, p. 19.
106 Idem, p. 59/60.
107 BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a construção
de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Tradução Humberto Laport de Mello. 3. reimpr. Belo Horizonte:
Fórum, 2014, p. 60. 73
Não é por outro motivo que o atuar dignamente no convívio social, com uma visão coletiva e
não individualista, da maneira ética esperada e delineada pela própria Constituição da República,
como já visto, acaba por reafirmar essa noção de dignidade humana.
Moldando essa concepção à noção ético-filosófica aqui defendida, fica evidenciada uma dupla
acepção valorativa108 da dignidade humana, sendo a primeira dela de cunho interno, expressada no
valor intrínseco de cada indivíduo, bem assim, uma outra de expressão externa, a qual representa
direitos, aspirações e responsabilidade de seu detentor.109
Não é por outro motivo que o mencionado autor, ao discorrer sobre um dos elementos inte-
grantes do conceito de dignidade humana, por ele intitulado de valor comunitário110, assevera que:
“Os contornos da dignidade humana são moldados pelas relações do indivíduo com os outros,
assim como com o mundo ao seu redor”111.
Ora, como se pode observar, a pessoa, ao se relacionar com seu semelhante, conforme a no-
ção retirada do alinhavado autor, deve, antes de tudo, respeitar tanto a si mesma, como ao terceiro
com o qual encetará relações sociais, eis que, como visto, os valores interno e externo da dignidade
impõem tal conduta, pelo que, o mero agir individualista, egoístico, não pode ser mais tolerado.
Em que pese essa abordagem dos direitos da personalidade, que para fins meramente dou-
trinários, nesse momento, podem ser tidos como espécie do gênero dignidade humana112, cabe
destacar, por fim, o conteúdo conceitual dessa gama de direitos, partindo-se da abordagem até
aqui apresentada, o qual, pode ser definido, notadamente pela necessidade de observância de sua
aplicação em caso de desacordos morais, como:
(...) a dignidade humana foi aqui caracterizada como um valor fundamental que está
na origem dos direitos humanos, assim como um princípio jurídico que 1. Fornece
parte do significado nuclear dos direitos fundamentais e 2. Exerce a função de um
108 Novamente se valendo dos ensinamentos do ministro do STF Luís Roberto Barros, cabe tecer breves aponta-
mentos sobre a noção valorativa da dignidade humana, partindo de sua noção basilar, ou seja, da noção do valor em si
considerado, eis que o mencionado jurista aponta, categoricamente que: “Tendo suas raízes na ética, na filosofia moral,
a dignidade humana é, em primeiro lugar, um valor, um conceito vinculado à moralidade, ao bem, à conduta correta e
à vida boa”. Mais adiante, em nota de rodapé na mesma página, acrescenta que: “Um valor é um conceito axiológico.
Robert Alexy, citando von Wright, afirma que o conceito de razão prática é dividido em três grupos: axiológico, deon-
tológico e antropológico. Conceitos axiológicos são derivados da ideia de bem. Conceitos deontológicos baseiam-se
na ideia de dever, de exigência. E conceitos antropológicos estão associados ao interesse, vontade e necessidade.
Robert Alexy (A theory of constitucional rights. Trad. Julian Rivers, Oxford UniversityPress, 2004, p. 44-69). V. também
G. H. v. Wright (The logic of preference, 1963, p. 7). In BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no
direito constitucional contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Tradução
Humberto Laport de Mello. 3. reimpr. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 61.
109 Idem, p. 62.
110 Apenas para que se tenha uma sutil noção dessa construção doutrinária, cabe ressalvar que para o mencionado
autor: “para finalidades jurídicas, a dignidade humana pode ser dividida em três componentes: valor intrínseco, que se
refere ao status especial do ser humano no mundo; autonomia, que expressa o direito de cada pessoa, como um ser
moral e como um indivíduo livre e igual, tomar decisões e perseguir o seu próprio ideal de vida boa; e valor comunitário,
convencionalmente definido como a interferência social e estatal legítima na determinação dos limites da autonomia
pessoal”. (Idem, p. 112).
111 Idem, p. 87.
112 Não se desconhece que por muitas vezes a doutrina acaba por utilizar as expressões direitos da personalidade,
direitos humanos, direitos fundamentais e dignidade humana como sinônimos. Contudo, como se observará no
decorrer do presente estudo, especificamente quanto a diferenciação entre os direitos da personalidade e os direitos
fundamentais, tais concepções não foram utilizadas dessa forma, mas sim, com as devidas diferenças atinentes a
cada uma delas, também apontadas pela doutrina. Quanto às demais denominações, em que pesem podem haver
diferenciações etimológicas apontadas por alguns autores, para os fins aqui propostos, foram elas utilizadas como
74 sinônimas, vez que isso em nada influenciará no desenvolvimento do tema.
princípio interpretativo, particularmente na presença de lacunas, ambiguidades e co-
lisões entre os direitos – ou entre direitos e metas coletivas -, bem como no caso de
desacordos morais”113.
Diante do exposto, tem-se que o indivíduo, caso não se paute pelos valores acima colaciona-
dos, acaba por negar a existência de sua própria personalidade, eis que, como visto, a concepção
de valores ético-morais integra a noção de pessoa e da própria personalidade humana, sem as
quais, os próprios direitos da personalidade acabam por não mais existir.
Para arrematar, pode-se asseverar, sem medo de errar, que a ausência de conteúdo ético na
conduta humana, acaba por negar a existência dos próprios direitos da personalidade, eis que sua
noção, como a de dignidade humana, tem sua gênese naquele conceito, como dito anteriormente.
CONCLUSÃO
Tendo-se finalizado o presente estudo, pode-se concluir que:
Quanto ao primeiro tópico, entendeu-se que a inserção dos chamados direitos de personali-
dade no ordenamento jurídico da grande maioria dos países ocidentais, dentre eles o Brasil, foi de
grande importância para vida social, justamente pela sua importância, a ponto de serem considera-
dos a gêneses dos demais direitos existentes. Contudo, ante uma concepção que deixa de incluir
em seu conteúdo o aspecto ético, como principal norteador de relacionamento social, a implemen-
tação dessa gama importantíssima de direitos acaba por não ser implementada na prática social,
não alcançando, destarte, o corpo social o que dele se esperava.
Com relação ao segundo tópico aqui apresentado, observou-se que apenas com a compreen-
são de que o conceito de direito de personalidade deve conter em si mesmo, um conteúdo ético-fi-
losófico, é que se conseguirá extrair o máximo de sua relevância social.
O que se observou, destarte, é que para se falar em dignidade humana, em direitos da per-
sonalidade, o indivíduo ou a pessoa deve agir dentro desse padrão ético sobre o qual, ao menos
textualmente, foi construída a sociedade brasileira, como consta expressamente do seu corpo, pelo
que, devem os integrantes de nossa sociedade se dignificar, para que, somente após tal conscien-
tização, possam pleitear direitos outros, eventualmente lesados.
No tocante ao último tópico desta pesquisa, constatou-se que os problemas acima descritos,
originam-se do estado “líquido” apresentado pela sociedade hodierna, a qual, por ser extremamen-
te individualista, acaba por negar a própria concepção de serem seus integrantes, detentores de di-
reitos de personalidade, eis que agem apenas com fins egoísticos, desprovidos, portanto, daquele
sentimento maior de ser para o outro e não um fim em si mesmo.
113 BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a construção
de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Tradução Humberto Laport de Mello. 3. reimpr. Belo Horizonte:
Fórum, 2014, p. 111.
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Diante do exposto, pode-se concluir que o indivíduo, caso não se paute pelos valores acima
colacionados, acaba por negar a existência de sua própria personalidade, eis que, como visto, a
concepção de valores ético-morais integram a noção de pessoa e da própria personalidade huma-
na, sem as quais, os próprios direitos da personalidade acabam por não mais existir.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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