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TRATADO DE DIREITO PRIVADO

TOMO LIII

TITULO LIII

OBRIGAÇÕES ORIUNDAS DE ATOS ILÍCITOS ABSOLUTOS,DE ATOS-FATOS ILÍCITOS E DE


FATOS ILÍCITOS ABSOLUTOS “STRICTO SENSU”

CAPÍTULO 1

CONCEITO DE NATUREZA DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELO FATO ILÍCITO “LATO


SENSU”

§5.498.Responsabilidade por fatos ilícitos absolutos. 1. Conceito de responsabilidade extranegocial. 2. Relações


de responsabilidade e tentativas de adaptação social. 3. Personalidade e responsabilidade. 4 Direito romano. 5.
Diferenças de classe.6.Imputação e imputabilidade. 7 Responsabilidade delitual e capacidade. 8. Direito penal e
direito civil. 9. Autodefesa, legítima defesa e estado de necessidade. 14. Estado de necessidade
§5.499.Deveres “erga omnes”. 1. Distinções necessárias. 2.Doutrinas quanto aos fatos ilícitos. 3. Suporte fáctico
da ilicitude absoluta
§ 5.500.Abuso do direito. 1. Regras jurídicas a respeito. 2. Direito romano. 3. Doutrina muçulmana. 4. Direito
peninsular e lusa-brasileiro. 5. Discussões doutrinárias. 6. Direito brasileiro
§ 5.501.Considerações preliminares sôbre responsabilidade extranegocial. 1. Conceito. 2. Precisões. 3. Ilicitude
absoluta e ilicitude relativa. 4. Omissão. 5. Responsabilidade das pessoas jurídicas. 6. Responsabilidade pelo
dano sem ilicitude~ do ato. 7. Responsabilidade por exercício de atividade perigosa. 5. Dano causado por alguma
coisa em custódia ..
§ 5.502.Atos ilícitos e delitos. 1. Conceito de delito. 2. Conceito. de delito em direito penal. 3. Métodos e técnicas
próprios.4.Conceito privatístico de delito ou ato ilícito. 5. Ato ilícito absoluto e ato ilícito relativo por atos de
crime. 6 Enriquecimento injustificado. 7. Pretensão à restituição .8.Responsabilidade pelos atos de outrem. 9. Lei
e infrações com efeitos de responsabilidade. 10. Diligência e acidentes

CAPÍTULO II

DEVER DE REPARAÇÃO E DANOS REPARÁVEIS

§ 5.303. Dever de reparação. 1. Fontes do dever de reparar dano.2.Incapacidade e dever de reparação. 3.


Responsabilidade transubjetiva. 4. Atos ilícitos e danos causados por outrem. 5.Dano a terceiro. 6. Danos
causados por terceiros. 7. “Exceptio doli” e fato ilícito. 8. Cláusulas pré-exonerativas e restringentes da
responsabilidade extranegocial
5.504. Responsabilidade por culpa “ia eligendo”, por culpa “in vigilando” e semelhantes. 1. Pluralidade de
responsáveis. 2. Culpa do apontado como responsável. 3. Espécies de culpa em casos de atos de outrem. 4.
Menores e responsáveis. 5.Tutelados e curatelados, responsabilidade dos tutôres e curadores. 6. Atos de
empregados, serviçais e prepostos. 7.Responsabilidade de hoteleiros, elberguistas e outros hospedeiros. 8.
Participação em produto de crime. 9. Direito regressivo, pretensão e ações regressivas
§ 5.505.Problemas de responsabilidade por atos ilícitos. 1. Absolutamente incapazes e responsabilidade. 2.
Responsabilidade transubjetíva. 3. Ônus da prova. 4. Seguros
§ 5.506.Incidência do direito penal e do direito privado. 1. Distinções que se apresentam. 2. Julgamento criminal
e coisa julgada. 3. Pressupostos da coisa julgada material. 4. Responsabilidade objetiva e risco profissional

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§ 5.507.Bem danificado e pessoa danificada. 1. Atingimento do bem ou da pessoa. 2. Alienação de propriedade e
de posse. 3.Danos à posse. 4. Danos a edifícios. 5. Ato culposo de comistão, confusão ou adjunção. 6. Alojamento
e danificação. 7. Interesse negativo
§ 5.508.Dano e dever de indenizar. 1. Dever de indenizar. 2. Dever de evitar perigos. 3. Responsabilidade pelos
danos.4.Danos e infração de princípios morais. 5. Concorrência de pretensões
§ 5.509. Dano moral. 1. Distinções essenciais. 2. Direito alemão. 3.Direito anglo-saxão. 4. Direito austríaco. 5.
Direito suíço. 6.Direito brasileiro. 7. Indenização
§ 5~510. Direitos e ofensas com ilicitude absoluta. 1. Direitos de personalidade, direitos de família e direitos
pessoais. 2. Saúde e integridade física e psíquica. 3. Direito à honra. 4. Liberdade de indústria e de comércio. 5.
Ofensa ao crédito e outras ofensas. 6. Direito de propriedade e responsabilidade oriunda de ofensa com ilicitude
absoluta. 7. Acidentes do trabalho. 8. Princípio de primazia da reparação em natura. 9. Dano, tempo e lugar. 10.
Interesse próprio e interesse alheio. 11. Interesse de afeição
§ 5.511.Momento em que se avalia o dano. 1. Pedido de indenização e prestação do quanto indenizatório. 2.
Interesses. 262

CAPÍTULO III

ESPÉCIES DE DANOS TRATADOS COMO TEMAS EXEMPLIFICATIVOS

§ 5.512.Imputabilidade e não-imputabilidade. 1. Incapazes e perturbados momentaneamente da psique. 2.


Diferenças de níveis patrimoniais. 3. Problemas de técnica legislativa. 4. Solução e ônus da prova
§ 5.513.Procura e gestão de negócios alheios. 1. Procura e indenização. 2. Gestão de negócios alheios e danos
§ 5.514.Atos jurídicos constritivos. 1. Medidas constritivas cautelares. 2. Penhora lesiva e indenização
§ 5.515.Indenização no caso de homicídio e de lesões corporais (físicas e psíquicas). 1. Princípio geral e
exceções. 2.Regras jurídicas especiais. 3. Pressupostos. 4. Lesões corporais e psíquicas. 5. Alimentos

CAPÍTULO IV

DUELO, LUTAS A DOIS E DANOS

§ 5.516.Duelo e outras lutas a dois. 1. Dados históricos. 2. Conceito de luta a dois e de duelo. 3. Consentimento e
luta a dois. 4. Atos lesivos e fatos lesivos. 5. Legítima defesa e estado de necessidade. 6. Indenização e danos
resultantes de duelo. 7. Titularidede de pretensão à indenização...
§ 5.517.Testemunha, juiz e terceiros. 1. Testemunhas e juizes de luta. 2. Terceiro e luta a dois

CAPÍTULO V

ANIMAIS ERESPONSABILIDADE PELOS DANOS CAUSADOS POR ÊLES

§ 5.518.Danos causados por animais. 1. Solução legislativa em geral, regra jurídica e solução diferenciante. 2.
Dados históricos. 3. Fundamento da responsabilidade pelo fato do animal. 4. Solução unitária do direito
brasileiro. 5. Permissões, licenças e proibições . 6. Culpa do condutor e danos atribuidos a animais
§ 5.519.Danos e causadores de danos. 1. Bem ou pessoa lesada. 2.Espécies de dano. 3. Causador do dano. 4.
Pluralidade de animais. 5. Animais doentes. 6. Animal o lesante, animal o lesado. 7. Danos de ambos ou todos os
animais. 8. Legítima defesa contra animais. 9. Estado de necessidade.10.Fôrça maior e caso fortuito. 11.
Imprudência do ofendido. 12. Provas a favor do demandado. 13. Culpa do lesado. 14. Elemento de parte do lesado
§ 5.520.Demandas de indenização. 1. Legitimação ativa. 2. Pressupostos da causalidade. 3. Defesa do
demandado. 5. Cláusulas exonerativas da responsabilidade. 6. Provas que têm de ser feitas

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CAPÍTULO VI

COISAS INANIMADAS E RESPONSABILIDADE PELOS DANOS CAUSADOS

§ 5.521.Danos causados pelo lançamento ou queda de coisas. 1. Direito anterior. 2. Texto do Código Civil, art.
1.529. 3. Edicto do Pretor e “actio de deiectis vel effusis”. 4. Legitimação passia. 5. Caso fortuito e fôrça maior. 6.
Ação regressiva. 7. Pluralidade de causas para responsabilidade extracontratual. 8. Coisas inanimadas não
referidas especialmente.9.Requisitos para a ação de indenização pelo dano causado. 10.Danos causados por
aeronaves
§ 5.522.Danos causados por edifícios e outras construções. 1. Edifícios e outras construções. 2. Direito brasileiro
e direito comparado. 3. Danos e reparação dos danos. 4. Pessoa responsável. 5. Legitimação ativa

CAPITULO VII

RESPONSABILIDADE EXTRANEGOCIAL POR DANOS CAUSADOS POR PROFISSIONAIS

§ 5.528.Medicina e ilicitude absoluta. 1. Precisões. 2. Vontade presumida do lesado. 3. Responsabilidade dos


médicos e cirurgiões. 4. Prepostos de farmacêuticos e droguístas
§ 5.524.Responsabilidade dos advogados. 1. Danos causados por advogados. 2. Deveres dos advogados. 3.
Empregados,inclusive advogados-ajudantes
§ 5.525.Profissionais de es portes. 1. Esportes e profissionalidade.2. Legislação. 8. Indenizações

CAPITULO VIII

RESPONSABILIDADE DO ESTADO E DOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS

§ 5.526.Estado e responsabilidade pela ilicitude absoluta. 1. Principio de isonomia. 2. Atos dos funcionários
públicos e outros servidores. 3. Depósitos judiciais e responsabilidade do Estado. 4. Registo e denegação
§ 5.527.Responsabilidade dos juizes. 1. Preliminares. 2. Responsabilidade extranegocial. 3. Responsabilidade do
Estado 4.Suscitamento

Título LVI

OBRIGAÇÕES ORIUNDAS DE ATOS ILÍCITOS ABSOLUTOS, DE ATOS-FATOS ILÍCITOS E DE FATOS


ILÍCITOS ABSOLUTOS “STRICTO SENSU”

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CAPÍTULO 1

CONCEITO E NATUREZA DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELO FATO ILÍCITO “LATO SENSU”

§ 5.498. Responsabilidade por fatos ilícitos absolutos

1.CONCEITO DE RESPONSABILIDADE EXTRANEGOCIAL.

O fato de se ter tratado de responsabilidade negocial, especialmente da responsabilidade contratual, antes de se


cogitar da ilicitude absoluta e da responsabilidade que dela decorre, justifica a expressão “responsabilidade
extranegocial”.
Cumpre, porém, que acentuemos o conceito de responsabilidade. A expressão “responsabilidade” é suscetível de
várias acepções. Uma de]as, peculiar aos adeptos da doutrina do livre arbítrio, repugna à ciência. Outra, mais
restrita, refere-se à distinção, aliás bem vaga e imprecisa, entre psicologia normal e patológica; é o critério dos
psiquiatras e da antropologia criminal. Outra, finalmente, existe, que é rigorosa-mente sociológica, e constitui o
objeto das nossas cogitações. As espécies sociais de responsabilidade não se confundem. com os fatos e limites
que interessam à psicologia normal e patológica, ou à antropologia criminal. A responsabilidade resulta de fatos
sociais, de relações da vida, porque também ela é fato social, sujeito a tentativas de caracterização e de exame em
estado bruto, ou purificado de elementos que o obscureçam. Quando se pune o assassino ou o ladrão, ou a opinião
pública se exalta contra o desencaminhador de mulheres, ou a família afasta do seu seio o membro que a
desonrou, tais julgamentos de responsabilidade são reflexos individuais, psicológicos, de fato exterior, social,
objetivo, que é a relação de responsabilidade.

Eis as questões que a respeito logo se nos apresentam:


.~São ou não são observáveis tais relações e tais julgamentos? ~ Podemos, ou não, descrevê-los, compará-los,
seguir-lhes as transformações, conhecer-lhes as permanência8 e uniformidades, e dêles induzir regras?
Não cabe a negativa, porque são êles fatos sociais, e não há fatos sociais indescritíveis , pôsto que os haja, como
certos ratos de outras ciências, que se têm como mais exatas, dificilmente descritíveis .
Mas em Direito, como em Sociologia, muito ainda existe de mitológico, que é preciso extirpar-se. Eliminados os
critérios teológicos e evidentemente metafísicos, que consideravam a ordem social como obra de Deus, da Reta
Razão, da Natureza, etc., persistiram resquícios de entidades e, ainda nos espíritos mais livres de tais vícios de
pensamento, são encontráveis sinais inconfundíveis. Em vez de terem por deito interno o julgamento de
responsabilidade, que seria explicado como manifestação psicológica da relação social, objetiva, de
responsabilidade, entendem que tais julgamentos, por serem jurídicos ou morais, não significam,
especulativamente, fatos; traduzem o sentimento que têm do que é justo, moral ou juridicamente obrigatório, os
que os pronunciam, mas acrescentam (e aqui discordamos) que, conseqUentemente, êl‟es se referem,
explicitamente ou não, a regras (e. g. PAUL ELTZBACIIER, Úber Reoktsbegriffe, 26-27; PAuL
FATJCONNET, La RésponsaUZíté, 2-5).
Ora tal conc1us~o é forçada, resulta necessariamente das premissas. Os fatos sociais são relações, e são as
relações o que os julgamentos traduzem. A extração das regras é processo posterior, porque, no próprio direito
costumeiro, os fatos precedem à regra juridica, que eles descrevem. Imaginar regras prévias, a que se reportem os
julgamentos e pelas quais se modelem as relações, denuncia sobrevivência de teologismo ou de metafísica da
concepção do direito: em vez de nos contentarmos com as relações, queremos sêres, ainda abstratos (regras), de
que dimanem os fatos. Quando o monismo exclui ou pretende excluir o pluralismo, começa a atuar corno
elemento intelectual puro, deformador da realidade. Se assim pensássemos, teríamos de procurar tais regras, e
cairíamos ou no apriorismo ou no estrito empirismo, porque ou elas não seriam perceptíveis e proporíamos
soluções que disputariam a verdade, ou estariam reveladas nos princípios, adágios e mais cristalizações verbais
ou escritas dos costumes, e a elas teríamos como dados espontâneos e indiscutíveis. Poderia, às vêzes, ser útil tal
proceder; porém não seria científico. fl outra a missão do cientista do direito: observar, e estudar as relações de
responsabilidade e delas induzir as regras. Aos que afirmarem a preexistência dessas, a que, explicitamente ou

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não, deviam referir-se os julgamentos, podemos responder:
os fatos da Mecânica Celeste, da Física, da Química, da Biologia, não se referem a nenhuma lei; as leis são obra
do espírito humano, que as induz dos fatos, e, por isso mesmo, provisórias e retificáveis. A diferença entre as leis
científicas e as regras jurídicas, quando induzidas, ou formuladas, quando, realmente, leis, está na maior extensão
daquelas. As leis biológicas abrangem todos os fatos da vida, as leis da química vão mais longe, porque dizem
respeito aos movimentos atômicos; as da física, da cinemática, da geometria eucleudiana ou dos sólidos, da
geometria de n ou de urna dimensão, e da aritmologia, dilatam-se ainda mais. Porém das leis biológicas pode-se
partir, não para as leis mais vastas, e sim para as menos extensas: e teremos, sucessivamente, as leis da
coexistência social (comuns a sociedades animais e humanas), das sociedades humanas, das sociedades. , e as
regras jurídicas, que constituem proposições menos gerais que as outras. Apenas ainda se confundem com ordens
despôticas e princípios não científicos , que estão, para as regras de direito, como as concepções
casuístico-metafísicas do mundo e da origem do homem para as modestas induções da ciência contemporânea .
Se encontramos certo número de relações sociais ou julgamentos (dados psíquicos, indiretos), podemos tirar
dêles a regra, que está para êles na mesma relação que as leis da biologia para os fatos que ela estuda. A
possibilidade de nossa intervenção eficaz apenas resulta, se queremos corrigir defeitos ou precipitar processos, da
possibilidade de conhecermos leis mais gerais, que possam afastar a aplicação tia regra jurídica imediatamente
apresentada pelos fatos. A vida só se nos dá em acontecimentos, como nos permite o caráter finito da experiência,
e não em generalidades e abstrações; os princípios jurídicos são simples expressões dos fatos da vida (Huco
SINZHEIMER, Die saziologische Methode in der Privatrechtswissenschaft, 5 s.) se falham em tal função,
constituem erros biológicos, produzidos pela ignorância humana, ou pelo despotismo dos formuladores das
regras jurídicas.

2.RELAÇõES DE RESPONSABILIDADE E TENTATIVAS DE ADAPTAÇÀO SOCIAL. O conceito de


responsabilidade é aspecto da realidade social, representação psicológica das instituições, mas somente como
elemento de estudo é que devemos apanhar, descrever e classificar os conceitos: a relação social oferece mais
acentuada feição objetiva, menor variação, pois os julgamentos são aplicações de caráter particular, como
aspectos individuais e subjetivos.
A análise das relações de responsabilidade leva-nos, sem voltas e sem complicações metafísicas, objetivamente
(digamos assim), ao conceito de personalidade. As regras jurídicas são abstratas: para que se apliquem, são de
mister os suportes fácticos, que se compõem de fatos concretos; mas todas as relações, ainda que exteriores, são
relações entre termos: não se concebe a sanção penal, sem o indivíduo a que se imponha, nem a indenização, sem
o ser que deva indenizar, nem a recompensa, sem aquêle que deva receber o benefício ou prêmio. Trata-se,
sociologicamente , de simples ponto de aplicação , pôsto que, individualmente, seja isso o que mais interessa ao
indivíduo punido, indenizado ou recompensado.
Sem qualquer laivo de censura e apenas com o intuito descritivo, o que biológica, psicológica e etnologicamente
podemos dizer é que a personificação é um dos expedientes do espírito humano em todas as idades. Atribuir nome
a abstração, a conjunto, a uniformidade, constitui o primeiro passo para personificá-la. Certamente há
personificações que correspondem a unidades funcionais e a realidades, como a do homem, mas outras existem
que têm como conteúdo meras criações ou entidades abstratas. Às vêzes, são vagas e dilatáveis, invadem o
conhecimento e enchem toda a concepção do como o antropomorfismo. Nas moedas antigas, podem ser
estudados interessantes casos genéticos rio personificações, até que se tornem nítidas e precisas.

A vendeita aplicava-se aos animais e às coisas, e disso temos exemplos nos Rukis das cercanias de Chittagong (E.
WESTERMARCK, Th,e Origin and Development of the Moral Ideas, 251 s. e 260), nos Antimerina de
Madagáscar (ABINAL ET LA VAISSIÊRE, Vingt ans à Madagascar, 238-240) e em certos australianos (JAMES
DAwSON, Áustratian Aborigines, 53), o que constitui expressivo material etnográfico. Mas não só a etnografia
como também a história no-lo mostram: e. g., no Zendavesta, no direito grego, no direito romano e no germânico,
sob a feição da pena ou da noxalidade, que também se nos depara nas leis de Gortina. Há quem interprete a
Sachhaftung, responsabilidade das coisas, como fase posterior à da imputação direta ao proprietário (H.
BRUNNER, Deutscho Rechtsgeschichte, 556 s.), porém seria pretensão demasiada querermos, com os dados que
se têm, se não falhos, incompletos, o entendimento de elemento psicológico como seria a responsabilidade direta
pelos malefícios involuntários (Ungef‟llhrwerke). Noutros povos, o que vemos, freqUentemente, é a
responsabilização das coisas, das plantas, dos animais, fato que a psicologia individual nos aponta na criança. No
Êxodo, XXII, 28-32, e no Levítico, XX, 15-16, temos exemplos de penas contra homens e animais. Em Atenas,

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julgavam-se, em tribunal, animais e objetos homicidas, com indícios rituais arcaicos, e tal instituição, a que se
referem DEMÓSTENES e ARISTÓTELES, veio até o fim da independência. Em Tacos, no século IV, em ação
intentada pelo filho da vitima, esmagada pela estátua do Atleta Teagenes, foi essa condenada e lançada ao mar.
Todavia, se procurarmos elementos subjetivos, perturbaremos a apreciação objetiva de tais fatos, e é digna de
menção a justificativa que de tais sanções daria a época clássica dos Gregos, racionalista, como era. A indução
que se nos impõe é ao mesmo tempo mais modesta e mais significativa: o homem tentou a princípio de adaptação
(pela responsabilidade) entre êle e os animais, os vegetais e as coisas inanimadas. É isso o que, sob o aspecto
biológico, vemos na morte do tigre homicida ou de outro animal, pelos Kukis de Chittagong. Pense-se na
solenidade com que os Antimerina concitavam os caimões à entrega do culpado de morte; nas cenas de
julgamento e execução, seguidas de pranto e entêrro do executado; no célebre
trecho das Leia de Platão (IX, 873D, 8‟74A). Pense-se na lei atribuida a Numa, contra o homem e o boi, que, no
trabalho, excediam os limites dos campos (SExnjs POMPEITJS FESTUS, verbo Termino: “Termino sacra
faciebant, quod in eius tutela fines agrorum esse putabant. Denique Numa Pompilius statuit eum, qui terminum
exarasset, et ipsum et boves sacros esse”). Pense-se na Europa medieval (RÀRL VON AMuA, Thierstrafen und
Thierprocesse, Miii eilungen des Instituis fiir õsterreichiscke Geschichísforscaung 550 e seg.) e no catolicismo
dos séculos posteriores, com as maldições e excomunhões em Portugal, na Espanha, na França (até o século XV),
no Canadá, no Brasil (entre outros, o caso do convento de Santo Antônio, em São Luís do Maranhão) e no Peru.
Certamente, o caráter da sanção não é sempre o mesmo. Variam as penas e os processos. Mas o que objetivamente
de tudo isso nos fica é a tentativa de submeter os animais e as coisas ao expediente adaptativo, que fôra profícuo
no homem e falhou nos demais sêres. E era explicável que se ensaiassem tais responsabilização porque a
educação dos animais domésticos ou domesticados é dado prático que não poderia ser sem sugestões para o
homem: com os nossos gritos e pancadas, o cão elimina, aos poucos, uma porção de atos que não nos agradam.
Os estados da mentalidade dos povos haviam de dar côres diferentes aos fatos e de algum modo reagir (J.
MAKAREWIÇZ, Einfithrung iii. die Pkilosojpkie des Strafrechts 859), mas isso apenas nos mostra que devemos
estudá-los como elementos acidentais, psíquicos, e fatôres de reação.
As execuções em retratos ou imagens é caso mais complexo, porém não escapa à proposição geral que
formulamos. Excluído o que é interpretação dos atos, ficam os que nos revelam a tentativa do processo da
adaptação, ou a correção de defeitos, o que importa no mesmo.
Em Atenas, associa-se a instituição ao ritual arcaico da festa Bouphonia ou Dipoleia; e, tanto entre os Atenienses
quanto em Tasos, o caráter de direito penal é preponderante. Na Roma pré-histérica sobreleva o de rito expiatório:
e. g., ao sacrilégio de ultrapassar os limites dos campos corresponde a consecratio contra os homens e os bois: ei
ipsum ei boves sacros esse.

Ainda assim, entre os Hebreus, Gregos e Romanos, pode-se dizer que a responsabilidade é mista, religioso-penal.
A diferenciação vai caracterizar-se na Europa cristã, pôsto que coexistam as duas espécies de sanções: uma,
aplicada pela sociedade civil; outra, pela Igreja. No processo laico, o proprietário do animal é o réu, mas o ato
examinado é o do animal que cometeu o malefício; há, por vêzes, o abandono noxal, a execução capital,
mutilações simétricas ao delito (principio de talião ). A idéia de simples medidas de polícia é posterior:
surgiu quando se começou a verificar a ineficácia de tais atos que denunciam a tentativa a que nos referimos.
Ainda na segunda metade do século XVIII, eram punidos, à guisa do que se determinava no Êxodo e no Levítico,
os animais com os quais homem ou mulher praticou o crime de bestalidade (Constitutio Theresiana de 1769). A
justificativa de ser preciso apagar os vestígios do ato hediondo constitui mera explicação para o momento
histórico, independente da permanência objetiva da vendetia. (KÀX.L VON AMniA fêz a seguinte distribuição
geográfico-cronológica dos processos penais contra animais: França, século XIII; Sardenha, fim do século XIV;
Flandres, século XV; Países-Baixos, Alemanha, Itália, Suécia, segunda metade do século XVI; Inglaterra, século
XVIII.)
Os processos religiosos (católicos) não foram diferentes e concerniam a espécies, e a animais individualmente
considerados (ratos, toupeiras, insetos, lagartas, vermes, serpentes, caracóis e sapos). A justificação livrar os
lugares da ação danosa de tais animais com o caráter preventivo, que distinguiu tais práticas da Igreja católica,
marca certa variação, mas, em todos os casos, a tentativa de submissão dos animais e das coisas ao processo
adaptativo já empregado entre os homens (responsabilidade). Os anátemas católicos continuaram a canseoratio
dos Romanos, a penalidade do tribunal do Pritaneu, as sanções religioso-penais dos Hebreus e outras práticas. A
maldição e a excomunhão apareceram mais ou menos no comêço do século XIII; porém os processos datam do
século XV, vão até o século XVIII, e ainda no seguinte se encontram reminiscências da instituição. Do século

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XIII á primeira metade do século XV, ALEXANDRE DE HÂLES, TOMÁS DE A quino e outros
pensam que a maldição não podia recair em animais, criaturas privadas de razão; daí até o meado do seguinte, a
doutrina afirmativa teve defensores, entre os quais FELIX IIEMMERLI, economista suíço, e CHASSENEUS,
jurisconsulto francês. Predominou aquela opinião, pôsto que, no século XV1I, ainda se discutisse em França.
Os ensaios e tentativas d‟e utilizar o processo de adaptação , que se contém na responsabilidade, ou, mais
largamente nas sanções, não se estenderam somente para fora do mundo das relações entre homens. Avançaram
também no sentido de se subordinarem os grupos a tais expedientes adaptativos, ou foram além do indivíduo
responsável, sem que entre o paciente e êle houvesse necessariamente laços sociais, como na hipótese da vedetta
exercida contra o primeiro que aparecesse. Não foram improfícuos todos êsses ensaios. De fato, o mais
comprovado experimentalmente foi o da responsabilidade individual direta, porém não seria verdade dizermos
que bastaria êle, nem podemos negar o valor prático de outros. Ninguém poderá reputar frustrâneo e ineficaz o
ensaio de adaptação pela responsabilidade coletiva, segundo o parentesco e com êle variável nos diversos povos,
ajustamento que não é sem interesse entre a extensão real da família, ou grupo, e a sua responsabilidade.
No meio de todas as medidas de sanção coletiva, muitas devem ter havido completamente errôneas; mais ainda
entre as que o parecem ter sido, algumas serviram à ordem social e outras são ainda conservadas, como se dá no
direito chinês, no anamita, no japonês e no coreano. No direito clássico romano, teve-se a consecratio bo-norum
(Tu. MOMMSEN, Rõmisckes Strafrecht, 592-902, 1005 e 1011), a inelegibilidade da posterioridade dos
proscritos, sob Sila, e, na época cristã, a lex Quis quis (L. 5, C., ad legem Adiam maiestatis, 9, 8; Codex Theod.,
IX, 14, 13), de Arcádio (ano 937). Os anglo-saxões, com a regra de que o filho de outra seguia a condição do pai,
tiveram a responsabilidade coletiva. Nos pós-glosadores e nas Siete Partidas permanece a lição romana. A Igreja
católica também possuía penas espirituais e temporais aplicáveis à coletivida. de. As medidas da Inquisição, a
aplicação da lex Quis quis aos eréticos, segundo a decisão de Frederico II, e a penalidade da traição, no direito
inglês, são exemplos frisantes.

a. PERSONALIDADE E RESPONSABILIDADE. A personalidade surge como representação do sujeito. Sem


conceito do eu, o homem é apenas individuo. Com êle e por êle será personalidade (BERNHARD RAwITZ,
Urgesch.ichte, Geschichte und Politilc, 50). Mas a personalidade não é menos dependente das relações sociais em
que é termo o indivíduo.
No direito, o que é responsável, isto é, mais amplamente, o que é suscetível de sanção, muito já possui do que é
necessário para ser tido como pessoa.
A personalidade é algo de visto dentro da floresta, para usar a imagem mais concreta; fora, tudo é relação,
objetivo. Quando se define o sujeito de direito, tem-se de pensar na pesquisa do principiuni individuationis. É o
subjetivismo, que segura a candeia para se ver o dado. Se o homem se acostuma à análise das relações, ao
objetivismo, pode corrigir o seu êrro e ver no que vê o que os olhos mostram e o que êle explica. E a ciência.
Devemos insistir no assunto. Para todos, há sêres a que se chama flôres e, quando se diz “flor”, não tem outro
conteúdo a palavra que o daquela concha mais ou menos exôticamente dividida em pétalas. É o conceito prático,
“o que vejo”. Mas, se se recorre ao que se sabe, para o que nos aproxima da realidade do mundo, dá-se à
expressão conteúdo que é mais objetivo do que o imediato, e por êle se explicam as coisas. A flor começa de ser,
para nós, simples órgão reprodutivo dos vegetais.
O direito não é conteúdo de regras, mas vida; não é entidade metafísica, mas evolutiva e vital. Assim como a
própria ciência natural ou matemática não pode ser tida como representação, ou, sequer, cópia da realidade, e sim
por vida e construção, também o jurídico deixou de ser considerado como dado lógico e racional, ou como
resultado da imposição de ditames. Houve confusão no crer objetivo o que era subjetivo no processo da
objetivação, ou somente subjetivo o que constituía o dado, nem por isso menos objetivo, da investigação dos fatos
jurídicos. Ora, se é verdade que inter homines se realiza o direito e as várias situações são corolários da
personalidade e suas manifestações, de modo a ser o direito tudo íntimo, não o é menos que há elemento social,
exterior e intê2rior ao mesmo tempo, que supera o indivíduo, objetiva os efeitos da atuação e limita o sujeito. Não
é, pois, cindível a fenomenologia subjetivo-objetiva da realidade social.
A noção de relação dá-nos o processo de investigação subjetiva; são próprias do subjetivismo e do voluntarismo
as noções laterais, que somente consideram os pólos das relações, as suas extremidades, o sujeito ativo e o sujeito
lias-avo. Daí as distinções escolásticas entre direitos e obrigações, como se o ias et obligatio sunt correlata não
traduzisse o que concretamente se passa no mundo aos fatos característicos da vida jurídica. (Em boa
terminologia, correlatos são os direitos e as dívidas. Correlata da obrigação é a pretensão. Aliás, a actio romana é
pretensão, e não ação, no sentido de hoje.)

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Os direitos são apenas os próprios deveres do lado ativo (LEO VON PETBAZYCKI, Die Motive des Ishnjelns
und das Wesen der Moral und des Rechia, 36), tanto quanto a linha ab é a mesma linha ba e a minha caneta é a
mesma, quer a ponha diante dos olhos com a pena voltada para mim, quer a dirija para fora. Na realidade, no dado
físico, que é a relação, “direito e dever” não se distinguem senão pelo eventual valor de fixação no espaço; em
nós, no dado psíquico, direito é poder, appetitus, e o dever, o pau. Quer dizer: ali, há o attribuere; aqui, o imperare.
Assim, a diferença entre direito e a dívida é somente de sentido: aquêle, positiva; negativo, êsse. Na chamada
geometria sôbre uma reta, se imaginamos segmento ab na linha xx (eixo orientado), o número precedido do sinal
mais (+) ou menos () medirá a extensão de ab conforme o móvel marcha de « para b ou de b para a. Denomina-se
origem do segmento o ponto que o inicia e extremidade o em que acaba. Mas ab e ba têm o mesmo valor absoluto
e sinais contrários; portanto, ali + lia = O. Não param aí as possibilidades de tradução matemática dos fenômenos
jurídicos, na hipótese de se acharem separados dois elementos da propriedade gôzo e disposição, como por vêzes
se dá, não se deforma o fato, não se perturba com fôrça nova o equilíbrio social, porque em três pontos do eixo
orientado a, li, e e, no qual ali exprime o gôzo e be a disposição, a relação é simétrica quanto aos três pontos e,
pois, ali + be + ca = O (relação de Charles).
Quando fazemos o que não temos o direito de fazer, certo é que cometemos ato lesivo, pois que diminuímos,
contra a vontade de alguém, o ativo dos seus direitos, ou lhe elevamos o passivo das obrigações, o que é
genéricamenlte o mesmo> Porém danos há que são irressarcíveis , ou porque nêles se contém o regular exercício
do direito de outrem (expressão do Código Civil brasileiro), ou por serem de ordem que deva ficar fora do mundo
jurídico, que há de sempre ser o “minimo” ético, a que se referiu GEORG JELLINEK “das ethische Mmimum”.
Bastam ao nosso propósito de agora, e até que volvamos, mais de espaço, ao assunto, dois expressivos exemplos:
o pôr trave, quando a isso se tem direito, ins tigni immittendi (L. 1, § 1, D., de tigno juneto, 47, 3; Código Civil,
art. 695) o ganhar no jôgo e gastar o que foi ganho, e depois perder e não pagar o que perdeu (Código Civil, art.
1.477).
~. Como, então, caracterizar-se a responsabilidade? Como se há de fundamentar, filosôficamente, o direito de
reparação?
É aqui que intervém o apriorismo e encontra campo propício para se exercitar. Cientificamente, cumpria
perguntar-se, como se explica a reparação? Mas isso não bastaria ao apetite abstrativo dos que querem prescindir
das realidades para somente cogitarem de princípios.
Há princípios jurídicos vagos e mutáveis; com êles não poder! amos construir nenhuma ciência: correspondem a
épocas ; são fatores sociais que os inspiram; e são outras circunstâncias que vêm apagá-los ou invertê-los. O da
liberdade, que preside, na frase de ROBERT ADAM POLLAK (Uber Rechtsprinzipien, Archiv filr Rechts- 13,
110), como Zeus, no Olimpo de tais preceitos vagos e fugidios permite que as aplicações sejam as mais
discordantes e sirvam a benefícios e a desproveitos, a bens e a males. indistintamente.

RuuoLr VON JEEBINO falou de três instintos fundamentais do direito: autonomia, igualdade e “fôrça e
liberdade”. Antes, II. AURENS, referia o de comunidade (Gemeinschaft) e o de personalidade individual, JOSEF
KORLER preferiu coletivismo e individualismo. RUDOLF vON JHERINO e ALEarn Bozii aludiram,
respectivamente, ao da inviolabilidade dos direitos justamente adquiridos (UnvertetzlÃchkeit der
wohlerworbenen Rechte) e o da continuidade (Stetigkeitspriuzip). Há muitos outros e fôra escusado enumerá-los.
Não é em tal sentido que empregamos a expressão “princípios científicos”. Os que aí foram apontados são
produtos de investigações intelectualistas, escolástica, e não científicas. Podemos continuar a denominá-los
“princípios jurídicos”, nome com que surgiram porem, não se compreenderia que lhes ajustássemos o adjetivo
“científicos”.
Um dos princípios mais referidos é o principio da equivalência, que provê ao equilíbrio (Prinzip der Entgeltung).
A êle referiram-se, principalmente, E. VON JHERINC (Getst des rdmischen Rechts, 1, 127), FRITZ
BEROLZHEIMER (System der Rechts- unci Wirtschaftsphilosophie, III, 103 s.) e outros.
Serviço e remuneração, dano e prestação do equivalente, crime e pena são elementos assaz conhecidos e que, por
isso mesmo, nos dispensam de longas considerações sôbre o princípio da equivalência. O segundo dos citados
escritores houve por bem explicá-lo como aplicação da lei de causalidade à vida jurídica e econômica: não há
efeito sem causa; e das causas vêm os efeitos. Essa ligação desatende a conceito mais científico, que é o de
função. Às vêzes, tem-se como causa o que não é.
A proibição de ofender, neminem laedere, é um dos princípios fundamentais da ordem social. Mas é princípio
formal, pressupõe a determinação concreta do que é “meu” e do que é “teu”, de modo que pode um ato ser
ofensivo num tempo ou lugar, e não no ser noutro tempo ou lugar. O que se induz da observação dos fatos é que

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em todas as sociedades o que se tem por ofensa não deve ficar sem satisfação, sem ressarcimento. Em vez do
absolutismo, tão propicio aos processos racionalistas de estudo do direito, temos de assentar, mais uma vez, a
relatividade social e jurídica. O neminein laedere um dêstes princípios que sintetizam a realidade formal do
direito; como ao jus suum cuique tribuere e aos outros, falta-lhe o conteúdo positivo. Em todo o caso, êles o
pressupõe e em qualquer estágio da vida social serão inteligíveis, pôsto que, como as fórmulas algébricas, só nos
dêem o que pusemos dentro dêles. Se nada pusermos, nada teremos, porque as abstrações servem a tudo.
Em latim, contrahere, contractus, não supõe vontade, mas relação, ligação, vínculo, ainda que se trate de
obrigação ex re, ex facto. Contrahere delictum, contrahere crimen, são dizeres do Digesto. Ex male contractu,
lê-se em texto de Trifonino, que THEOPOR MOMM5EN entendeu emendar para ex male facto. Em Cícero estão
as expressões: ex male contractis rebus, suis contractis (por sua causa).
Assim, pois, res contracta e res mala contracta, negotium contractum e crimen contractum não constituem
conceitos sem sentido preciso; nem se há de desprezar a lição filológica e técnica que encerram.
Não contradiz a observação que aí fica a divisão do direito em repressivo e restitutivo, a que se poderia
acrescentar o cooperativo. Observadas nas manifestações extremas as regras jurídicas, publicação da lei
(imposição abstrata e geral) a aplicação compulsória aos casos (imposição concreta e particular), diferenciam-se
segundo o efeito violento, que as caracteriza: umas consistem na diminuição patrimonial ou pessoal (direito
repressivo) ; e outras ordenam a reposição das coisas no estado em que se achavam ou reputados por justos
(direito restitutivo). No direito primitivo preponderam aquelas; nos povos da antigúidade, há a obsessão do
castigo. Na lei das XII Tábuas diminui tal caráter; separam-se, ganham corpo e autonomia as sanções restitutivas:
são espécie jurídica distinta, possuem órgãos especiais e diferentes processos. Acima dêles começa a
desenvolver-se o direito cooperativo (doméstico e contratual). Mas ainda é evidente a persistência da norma
repressiva: dos 115 fragmentos, que se juntaram, de varia fonte, dos quais alguns não classificados, somente 66
podem ser atribuidos ao direito repressivo, a despeito de lhes favorecer a índole dos escritos em que se colheram
os passos enumerados.

No direito civil, como no direito penal, a causação é momento o necessário do suporte fáctico das regras jurídicas
sobre o ilícito. Nas primeiras épocas humanas, há a vingança, o revide; depois, a prisão e o apoderamento do
autor do delito pela manus iniectio. A noxa é posterior. Atende a diferentes interesses; a taxatividade resultava do
vínculo que criava entre os lesados e os lesantes, sem se chegar ao conceito de indenização. Nunca se apagaram
no velho direito os traços das composições voluntárias, que as composições legais mal encobriam. Da vingança
passou-se ao acôrdo para se renunciar ao direito de vingança. No Código Hamurabi, se alguém quebra membro de
outro homem, tem de sofrer que se lhe quebre o seu; pelo ferimento na cabeça, paga-se mina de prata; mas se o
boi enfurecido investe, na carreira, contra alguém e o mata, não há reclamação.
Ora, a vingança, em si, não compunha equilíbrio. Daí a crítica de AULO-GÉLIO, em Noctes Atticae, XX, 1,
escritas no século II: Se fere um membro e não há acôrdo si membrum supsit, ni cum co pacit, talio est há talião
. Sem que se revele a atividade da vingança, ~como se pode dar execução justa à lei de tailão? Se o que foi ferido
no membro quer usar de represália, inquiro: ,como se pode equilibrar ofensa e pena? Aí, a primeira dificuldade é
inafastável. ~,E como, se o atentado foi imprudentemente feito? Porque, afinal, golpe fortuito e golpe
premeditado não caem na mesma similitude taliônica. t Como, para se executar a pena de talião, e se vingar de ato
imprudente reproduzir o mesmo ato sem a imprudência? Se o ofensor procedeu voluntariamente , como se há de
ter pêso e medida para se saber se a ferida foi mais larga, ou mais funda? Se excede, e do ato de talião resulta
outro, ao ridículo junta-se a atrocidade.
À medida que os círculos sociais se consolidam (tribos, nações de tribos, cidades, Estados), as composições
voluntárias são substituidas pelas composições legais, O interesse do ofendido passa a ser menos relevante que o
da coletividade. A princípio, há a fixação tarifária (z para cada delito), no que se revela o critério empírico,
instintivo, da atuação da regra jurídica. O ofendido tem de contentar-se com a tarifa e o ofensor tem de pagar o
que se preestabeleceu genéricamente.
Na Lex Salica, na lei dos Francos ripuários, no sistema romano dos delitos privados, acentuava-se a fixação
tarifária. Na lei das XII Tábuas, para o furtutn manifestunt é voluntária a composição; para o furtusn nec
inanifestum, legal. Quando as civilizações puderem mais livremente versar o assunto, há consciência na função
legislativa e surge a face dos delitos públicos e das indenizações do prejuízo causado.
Ao lado da imiuria e do furtum, a lei das XII Tábuas punia outros delitos, não suscetíveis de se considerarem
injúrias, nem furtos. A Lex Aquilia, a que outras leis antecederam (L. 1, pr., D., ad legem Aquiliam, 9, 2).
Supõe-se do ano 286 antes de Cristo.

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Na responsabilidade negocial, há, antes dela, a divida do culpado ou responsável. Na culpa extranegocial, não há,
antes dela, qualquer relação jurídica entre o lesado e o lesante (ou dela se abstrai).

4.DIREITO ROMANO. Desde as XII Tábuas (VIII, 120), pelo menos, que se regulou o furto e as suas
conseqüências . Distinguia-se, quase só processualmente, o furto manifesto, o furto em flagrante, furturs
manifestum, e furtunt nec manif estum, o que coincide com o direito germânico (II. I3RUNNEII, Deutsche
Rech,tsgeschichte, fi, 2Y ed. 626). O roubo à noite, ou se o ladrão operava com armas, visto por alguém, a morte
dêle podia ser imediata. Dava-se o mesmo no direito germânico.
No direito romano, o furtum compreendia o que hoje chamamos furto e a apropriação indébita, inclusive a
apropriação indébita do uso (furtum usus) e a destruição de documentos de créditos. Alguns textos fazem
pensar-se em que nos tempos antigos se podia falar de furto de imóvel, mas isso foi pôsto de lado (GAIO, L. 38,
D., de usurpatianibws cl usucapionibus, 41, 3, onde se diz “abolita est enim quorumdam veterum sententia
existimantium etiam fundi locive furtum fieri”). Isso era, também, a substração da coisa empenhada e até mesmo
das pessoas livres (GAIO, Inst., III, 199 s.).
Os danos (damnum injuria daí um) podiam ser, por exemplo, por incêndio de casas ou plantações, ou devastação.
A lez Áquiliae de damno uniformizou o tratamento. Quase trezentos anos antes de Cristo. Assim dizemos porque
a opinião de TEOFILO, na paráfrase às Institutas, 4, 3, 15, não convence. Para êle, o ano seria 286 antes de Cristo.
O direito pretório e a jurisprudência introduziam o principio da culpa-pressuposto (damnum culpa datum). Não se
exigiu o dom malus. A fortuídade pré-excluia a responsabilidade. Quanto às causas mediatas e aos danos
provenientes de omissão foi-se mais longe do que a lex Aquiliae de dainno. Outrossim, a diminuição ou
atingimento material, bastava, pôsto que não se pudesse cogitar de adio furti. A jurisprudência lançou o princípio
do “id, quod interest”, de modo que qualquer dificultação de lucros era dano (GAIO, Institutiones, III, 212;
IJLPIANO, L. 21, § 2, D., ad legem Aquiliam, 9, 2).
A iniuria, o dano causado à pessoa, foi regulada nas XII Tábuas, como os danos aos bens. Além dos atentados à
integridade corporal, cogitavam da bruxaria, do recitar de fórmulas malignas, do inala carmina incantare, e da
difamação em público (occentare). Não se pode dizer que dois delitos fôssem idênticos, como dano moral (sem
razão, F. BECKMANN, Zauberei und Rechi in Roms Friikzeit, 27 s.).
A mutilação, membrum ruptum, dava ensejo a pena de tailão , como no direito mosaico, desde que não houvesse
arranjo, pactum, entre ofensor e ofendido.
Tudo isso tinha de ser superado, mesmo porque a desvalorização da moeda tornara obsoleto o que se estabelecera
nas XII Tábuas. Intervém a influência grega (II. E. HITZIG, Iniuria, Beitrag zur Geschichte der injuria im
griechischen und rómischen Recht, 60 s.). No Edicto urbano (cf. L. 15, §2, D., de iniuriis ei famosis libeilis, 47,
10), há a ação por atentado aos bons costumes.
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A ofensa à boa fama da mulher honesta ou de donzela compreendia o próprio cortejar inadequado e o fato de
segui-la sem discrição.
Palavras e atos infamatórios eram delitos (L. 15, § 25, D., de iniurjis ei famosis libeilis, 47, 10).
Atentados ao corpo eram atos ilícitos.
O ofendido tinha a adio iniuriarum aestimatoria. A condenação era infamante e os julgamentos faziam-se, com as
regras de eqUidade, sem se exceder o que fôra pedido.
O critério casuístico dos atos ilícitos é o mais primitivo. Depois, teve-se o suporte fáctico de grande generalidade.
No direito romano, dos delitos de direito civil e dos tipos delitivos do direito honorário irradiavam-se aciones
poenales, e na ação de ressarcimentos. O direito pretório deu ensejo a alguns delitos, com o dolus e o metus e a
alicnatio in fraudem creditorum (E. LEvy, Privatrechi und Schadenersatz um klassisehen rõmischen Redil, 14 s. e
17 s.).
5. DIFERENÇAS DE CLASSE. Longe vai o tempo em que se refletiam nas indenizações, no direito à reparação
do dano, as diferenças de classe. Com o desenvolvimento das instituições municipais, começou, desde o século
XII, em Portugal, a emancipação do homem de trabalho. Verdade é que, com o direito municipal, coexistiram
iniquidades. Em Santarém, não era obrigado a reparação ~o amo que maltratava o criado ou dependente
(mancebo ou homem), se o não tolhia de algum membro (Costumes de Santarérrfl. Nos Concelhos de CimaCoa,
o amo que feria o criado, aportelado, não pagava por isto calúnia; mas quem feria criado alheio, mancipum ou
apccniguado (hominem de suo pane), na presença de senhor ferido, pagava calúnia dobrada, metade para o
conselho e metade para o senhor. Quem matava aportelado de outrem, ou violava a mulher ou filha dêle, pagava
ao amo a metade da calúnia. (Calunia era a multa pecuniária, imposta aos colonos, pelos delitos cometidos no

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lugar em que habitasse, se não ge conhecia o delinquente.)
Há evolução intrínseca do direito. Algo que hoje reputamos por bom e estável, tempo virá que o tenha por
imprestável e iníquo. Por onde se tira que pouco vale, por si só, o juízo humano, nas contingências das realizações
sociais, quando não o segura e encaminha o método científico, tão generoso em nos abrir horizontes e em revelar
a possibilidade de outros, que os resultados dos seus cometimentos de hoje não alcançam, nem prevêem. A
relatividade das coisas humanas e das instituições sociais é a mais evidenciada e fecunda das lições da história das
sociedades; é ainda, porém, a idéia em que menos crêem os nossos contemporâneos: julgam-se ao topo de um
castelo e dêle contemplam, como os mais felizes, as gerações que os antecederam. ~ a ilusão produzida pelo
presente; mas dia virá em que consideraremos injustas regras jurídicas de hoje e escrever-se-ão entre iniqUidades,
como agora o fazemos quanto aos costumes de Santarém e de Cima-Coa, muitos artigos dos melhores códigos.

6. IMPUTAÇÃO E IMPUTABILIDADE. A linguagem técnica precisou de termo que designe a aptidão para o
papel de pa ciente da pena ou da sanção restitutiva, mas eventualmente. De certo, juridicamente se trata de caso
particular de capacidade. No francês não há denominação técnica e precisa; têm-na, porém, o alemão, no
expressivo Zurechnungsfãhigkeit.
A palavra imputabilidade é adequada, mesmo se não pudéssemos dizer, como em textos italianos, que alguém é
imputável; no francês, a noção de imputabilidade só se refere ao ato. No dicionário de ANTôNIO DE MORAIS E
SILVA lê-se o seguinte:
“Imputabilidude, s. f.. O ser imputável; a imputabilidade das culpas”. “Imputado, part. pass. de imputar”.
“Imputador, s. m. O que imputa”. “Imputar, v. aí. Declarar alguma ação pertencente a alguém, e feita por êle: v.g.,
imputam-lhe a morte dêste homem. ~ Atribuir: v.~., “imputam-lhe a culpa dêste desastre”. “Imputável, adj. Que
se pode imputar, dar em culpa: v..q., “faLia imputável ao teu desleixo, ou negligência”. Aí, o ato é que é
imputável e não o homem.
No dicionário de F. 3. CAmAS AULETE, insere-se a palavra imputabilidade com a seguinte explicação: “s. 1.,
qualidade do que é imputável: A imputabilidade do fato”. E adiante:
“Imputável, ad]., que se pode imputar; que pode ser taxado de culpa: Falta, êrro imputável”. Mas, sob a expressão
que não vinha em MORAIS, imputação, escreve: “s. f., ação e efeito de imputar. // Inculpação com fundamento
ou sem êle. /1 Fig. Responsabilidade pessoal; consciência do alcance que possa ter aquilo que se diz ou se
pratica.: ~ um energúmeno sem imputação. // (Jur.) Ato pelo qual se declara que alguém, sendo autor ou causador
moral de uma ação ordenada ou proibida, deve responder pelos bons ou maus efeitos dela. Dedução que se deve
fazer na importância de um crédito, quando o credor desfrutou os bens do devedor ou arrecadou qualquer quantia
pertencente ao mesmo devedor. (Teol.) Aplicação dos merecimentos de Jesus Cristo por intenção dos fiéis. O
próprio delito ou culpa imputada”. A despeito da copiosidade de significados, não podemos descobrir a acepção
que dão à palavra os escritores italianos. Não há dúvida que entre imputa çÉzo responsabilidade pessoal e
imputabilidade responsabi1ida-~e eventual pouca distância existe; mas existe, e F. J. CALDÂS AULETE não a
quis excluir.
No dicionário de CÂNDIDO DE FIouFsrnEno conserva-se u sentido ordinário e consigna-se mais o substantivo
imputa. tirado de FILINTO ELÍSIO.
Temos, hoje, de admitir que a imputação e a imputabilidade se refiram ao ato (o crime tal é imputável a E, a culpa
é imputada a E) ou à pessoa a que o ato é atribuido e o pode ser (de tal culpa é imputável E, não há imputabilidade
dos loucos por tais atos).
7. RESPONSABILIDADE DELITUAL E CAPACIDADE. No sistema do Código Civil há incapacidade
absoluta (art. 5) e incapacidade relativa (art. 6): daquela surgem atos nulos (artigo 145, 1); dessa, atos anuláveis
(art. 147, 1). Os que são absolutamente incapazes devem ser representados, os relativamente incapazes hão de ser
assistidos (art. 84), isto é, figuram nos atos conjuntamente com os pais, tutôres ou curadores. Já. têm, então,
faculdade de resolver em assuntos seus: sem a sua assinatura ou presença, falta o agente, porque o tutor ou
curador assiste ao incapaz, não o representa (art. „7, 384, V, 426, 1, e 459). Aos absolutamente incapazes
nenhuma intervenção se permite (arts. 7, 884, V, 426, 1, e 459). Os silvícolas são considerados relativamente
incapazes (art. 6, parágrafo único). A incapacidade do art. 5 é absoluta (corresponde à Handlungsunfàkigkeií da
teoria do direito comum alemão). Assim, se o menor, que pratica o ato ilícito, não completou dezesseis anos,
responsável é o pai, ou quem tenha o menor em sua companhia; se tem dezesseis anos, ou mais, a
responsabilidade do pai é solidaria com a sua (art. 1.512, 1). Os loucos, no direito brasileiro, são absolutamente
irresponsáveis, e, salvo limitação judicial (art. 451), também os surdos-mudos que não podem exprimir-se.
Praticamente , são êles iguais aos loucos. As pessoas mencionadas no art. 6 são relativamente incapazes e a

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expressão técnica do Código corresponde ao beschrdnkter GescMftsunfãhiger do direito comum alemão. O art.
451 permite supor-se que eventualmente podem ser relativamente incapazes os surdos-mudos. Não existem no
Código Civil regras jurídicas que correspondam aos §§ 827-
-829 do Código Civil alemão (Deliktsfdhigkeit), onde, por exemplo, o menor só é irresponsável pelo ato ilícito
antes dos sete anos; depois, tratar-se-á de questão de fato, como a respeito dos surdos-mudos. A interpretação
corrente (e. g., CLOvIs BEvALQUIA , nota ao art. 1.521), postulando, incondicional-mente, a não
responsabilidade dos menores de dezesseis anos, faz a lei contrária à realidade da vida, à psicologia dos homens
nas imediações dos doze aos dezesseis anos. Um código que permite o suplemento de idade aos dezoito, não é
coerente em considerar incapazes de delitos civil quem tem de quatorze a dezesseis anos. A melhor solução seria
a construção científica livre.
No art. 156, reconhece-se a Deliktsfãhigkeit dos maiores de dezesseis é a única regra sôbre o assunto da
responsabilidade por ato ilícito. Seria útil preencher-se a lacuna da lei com outra regra jurídica, que
correspondesse, por exemplo, ao Código Civil alemão, § 828, 1a alínea. No sistema do Código Civil brasileiro,
ainda que absolutamente incapaz o menor (handlungsunfãhig, deliktsunfâhig), se do ato lhe resultou proveito,
pode o prejudicado reaver, pela ação fundada no enriquecimento indevido, o que sofreu em danos. Mas isso não
basta para os casos de menor que não tinha discernimento, sem haver in rem verso e, se não tem pai que responda,
como acontece no caso de menor rico e pai pobre.
São irresponsáveis pelo dano: a> Os menores de dezesseis anos. É o que resulta do art. 59 do Código Civil, mas
-devemos, na prática, evitar o abuso de se considerar punível, criminalmente, o menor de dezesseis e maior de
quatorze anos, e reputá-los irresponsável civilmente. 6) Os loucos, e) Surdos--mudos, salvo provando-se que
obraram com discernimento.
d) Os que causem o dano quando privados de discernimento ou em estado mental que pré-exclua o livre exercício
da vontade (cp. Código Civil alemão, § 827, 1a parte), salvo se estava embriagado ou perturbado por outros
meios, por culpa sua (cp. Código Civil alemão, § 827, 2a parte). Estão incluídos os coactos.
Quando se promulgou o Código Civil, estava em vigor

Código Penal de 1890; daí as considerações que em 1927 fizemos e aqui reproduzimos.
No sistema do Código Penal de 1890, art. 27, não se tinham como criminosos: a) os menores de nove anos
completos (não-imputabilidade absoluta) ; 6) os maiores de nove e os menores de quatorze, que obrassem sem
discernimento; e) os que, por imbecilidade nativa, ou enfraquecimento senil, fôss.em absolutamente incapazes de
imputação; d) os que se achassem “em estado de completa privação de sentidos e de inteligência no ato de
cometer o crime”; e) os que fôssem impelidos a cometer o crime por violência física irresistível, ou ameaças
acompanhadas de perigo atual; 1) os que cometessem crime casualmente, no exercício ou prática de qualquer ato
lícito “com a tenção ordinária” (entenda-as: atenção ordinária) ; g) os surdos-mudos de nascimento, que não
tivessem recebido educação, nem instrução, salvo provando-se que obraram com disernimento.
Surgiam dificuldades decorrentes da falta de regra jurídica de direito civil que correspondesse ao § 828 do Código
Civil alemão (não imputabilidade dos menores de sete anos) ou ao Código Penal de 1890, art. 27, § 1.0 (nove
anos).
Antes do Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890, ficavam sujeitos à reparação os bens dos menores de quatorze
anos, dos loucos de todo o gênero, dos coactos por fôrça ou mêdo irresistível e dos autores de fato criminoso por
mero acaso, posto que não pudessem ser punidos (Código Criminal do Império, art. 11). Passaram a vigorar os
princípios gerais do direito civil e tinha-se como tal o da exigência, em quaisquer casos, da imputabilidade.
Passaram todos, portanto, a ser irresponsáveis (FRANCISCO DE PAULA LACERUA DE ALMEIDA.

CARLOS PERDIGAO, M. 1. CARVALHO DE MENDONCA e EDUARDO ESPINOLA).


No projeto primitivo do Código Civil, art. 169, equiparava-se o menor (sem distinção de idade) ao maior, para os
efeitos das obrigações resultantes dos atos ilícitos. Depois se acrescentou: menor entre quatorze e vinte e um
anos; mais tarde, entre dezesseis e vinte e um anos (Código Civil, artigo 156). Ficaram irresponsáveis se
interpretamos pelos métodos clássicos, submetendo4nos ao êrro do legislador os menores de dezesseis anos.
Sôbre os loucos nada se disse. Sôbre os surdos-mudos, também nada. Foram dois os caminhos: 1) recorrer-se ao
critério da lei penal; a) não-imputabilidade absoluta até nove anos; 6) não-imputabilidade relativa <isto é, se
obrou, ou se deixou de obrar, sem discernimento), quanto aos maiores de nove anos e menores de dezesseis (a lei

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penal falou de quatorze anos; 2) recorre-se aos princípios gerais do direito civil.
Com a aparição do Código Penal de 1940, art. 22, foi dito:
“É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao
tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se
de acôrdo com êsse entendimento”. Acrescenta o parágrafo único: “A pena pode ser reduzida de um a dois terços,
se o agente em virtude de perturbação da saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado
não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou de
determinar-se de acôrdo com êsse entendimento”. Supõe -se que não haja a supressão (ou a inexistência) da
capacidade plena; isto é, que, no momento do ato, o agente esteja perturbado, sem se poder considerar incapaz. Se
tal ocorre, a lei dá ensejo à diminuição da responsabilidade , ou, melhor, à atenuação da pena.
No art. 28, o Código Penal estatui: “Os menores de dezoito anos são penalmente irresponsáveis, ficando sujeitos
às normas estabelecidas na legislação especial”. No Código de Menores (Decreto n. 17.948-A, de 12 de outubro
de 1927), artigo 168. estatui-se: “O menor de 14 a 18 anos, indigitado como tendo cometido crime ou
contravenção, será processado e julgado segundo as normas seguintes”. No art. 169: “Em caso de crime, a
autoridade policial competente, dentro do prazo máximo de 15 dias, procederá às diligências de investigação e
inquirição de testemunhas, que reduzirá a autos e remeterá ao juiz de menores, com o auto de exame de corpo de
delito, certidão do Registo Civil de Nascimento do menor, individual dactiloscópica, fôlha de antecedentes,
boletim a que se referem os arts. 416 e 417 do Código de Processo Penal, quaisquer documentos que se
relacionem com a infração penal e mais esclarecimentos necessários”. Acrescenta-se no § 1.0.: “Se não fôr
possível obter a certidão de Registo Civil de Nascimento do menor, será êste submetido a exame médico de
idade”. No § 2.0: “Lavrado o auto de flagrante pela autoridade competente, esta remeterá o menor sem demora ao
juiz de menores, e prosseguirá no inquérito”. E no § 8.0: “Embora não tenha havido prisão em flagrante, a
autoridade policial apresentará o menor ao juiz, na mesma ocasião em que lhe remeter os autos, para o que fará
apreensão dêle”. Finalmente, no § 49:
“Nenhum menor de 18 anos, prêso por qualquer motivo ou apreendido, poderá ser recolhido a prisão comum; a
autoridade policial o recolherá a lugar apropriado, separado dos presos que tenham mais de 18 anos de idade, e o
remeterá sem demora ao juiz de menores, solicitando a êste o seu comparecimento às diligências, quando sua
presença fôr necessária”. Diz-se que os menores de dezoito anos são plenamente irresponsáveis, mas
submetem-se a processo especial os que têm entre quatorze anos e dezoito anos. Os problemas aproximam--se
daqueles que surgiam ao tempo em que entrava em vigor o Código Penal de 1890.
Diz o Código Penal, art. 24: “Não excluem a responsabilidade penal: 1, a emoção ou a paixão; II, a embriaguez,
voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos”. No § 1.0: “É isento de pena o agente que,
por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou fôrça maior, era ao tempo da ação ou da omissão,
inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com êsse
entendimento”. E no § 2.0: “A pena pode ser reduzida de um a dois terços . se o agente, por embriaguez
proveniente de caso fortuito ou fôrça maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de
entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acôrdo com êsse entendimento”.
Diante da divergência entre a lei penal e a lei civil, tem-se admito: ou a) a adaptação do direito privado ao direito
penal, de jeito que, a despeito do texto de direito privado, se admita a indenizabilidade; ou b) a invocação dos
princípios gerais de direito; ou c) o direito, a pretensão e a ação de indenização se hg margem econômica
razoável.
Se a), ficam estabelecidos o direito, a pretensão e a ação contra os menores entre quatorze e dezesseis anos, a
despeito de o ad. 156 do Código Civil somente estabelecer a responsabilidade extranegocial dos que têm
dezesseis anos ou mais.
Quanto a b), convém que examinemos o problema tal como se apresentou a legisladores de alguns Estados. No
artigo 49 da Lei de Introdução (Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942), como no art. 79 da revogada
Introdução ao Código Civil, alude-se a “princípios gerais de direito”.
No Código Civil austríaco, § 7, falou-se de princípios do direito natural. A expressão princípios gerais do direita
vem-nos do Código Albertino, art. 15: “itimanendo nondimento ii caso dubbioso, dovrà decidersi secondo i
principi generali di diritto, avuto riguardo a tutte le circostanze del caso”. ~ Que princípios gerais do direito eram
êsses? Não eram, nem, hoje, devem ser, os do direito romano. O direito romano é invocável, às vêzes, por seu
valor intrínseco, e não por si, por seu valor extrínseco ~ Seriam os do direito natural? ~ Seriam os da escola
histórica? ~ Seriam os do direito italiano, quanto à Itália, ou os do direito brasileiro, quanto ao Brasil? Pela época,
não seriam os da historische Rechtsschule, pois chegava ao auge a especulação do direito natural, o

.~> a]
individualismo racionalístico. Nem os de determinado sistema. Pelos trabalhos preparatórios, sabe-se que se
desejou aludir ao direito natural. Prevaleceu a fórmula “princípios gerais do direito”, como poderia ter
prevalecido qualquer das outras que se propuseram: “princípios da razão‟~, “princípios da equidade”, “princípios
da eqUidade natural”, “princípios da razão natural”. Sem dúvida, portanto, a expressão nos veio do racionalismo
jurídico, da “era jusnaturalística” Mas o conteúdo do direito natural, a que se alude, varia, necessariamente, com
as circunstâncias sociais
(gnosiológicas, morais, econômicas, políticas, religiosas, científicas). Hoje, a revelação a priori ou
religioso-intuitiva daqueles princípios de direito natural não poderia satisfazer o espírito humano. Como
alcançá-los? Por meio de abstração, a fim de se colherem regras jurídicas mais compreensivas? ~Por meio de
generalização crescente? Era o que se fazia. Há princípio de ordem: primeiro se recorre à analogia; depois, a tais
princípios. A analogia vai do particular ao particular. (is princípios gerais do direito são generalizações, resíduos
das profundas intuições do direito. O menor de dezesseis anos, perante êles, responde pelo dano? Sim, porque o
causou. Mas (adiante-se) é o próprio Código Civil que deixa perceber que não responde. Á solução é de buscar-se
diretamente às relações da vida, às lições da ciência. Se, porém, queremos raciocinar com a mentalidade do
“século XVIII-XIX” do Código Civil brasileiro, temos de dizer: Se a analogia legis não basta, recorramos à
analogia inris. Então, não seria para se desprezar o direito penal, que, no assunto, é explícito. Experimentemos as
soluções: princípios gerais do direito, analogia juris.
A) Como principio geral do direito poder-se-ia apresentar o seguinte: quem teve inteligência suficiente para
perceber ou prover o dano é responsável. Seria a solução francesa e suiça. O art. 5 do Código Civil ficaria só
referente à capacidade para os atos lícitos. O menor de dezesseis anos seria absolutamente incapaz para aquêles,
mas, para os atos ilícitos, a verificação seria in concreto, isto é, se houve, ou não, inteligência suficiente. O Projeto
primitivo (art. 169) incluía como responsáveis todos os menores. Depois, falou a lei em menores entre dezesseis e
vinte e um anos. Como entendia Clóvís BEvifÁQUA a situação dos menores até dezesseis anos? Disse êle: “O
Projeto primitivo equiparara o menor ao maior em relação às obrigações resultantes dos atos ilícitos (art. 169). O
atual desviou-se dos bons princípios tradicionais do nosso direito e no art. 169 referiu-se exclusivamente aos
púberes”. Portanto, o que o autor do Projeto queria era que não se cogitasse de culpa e fôsse responsável a própria
criança: só interessava o nexo causal. Mas incluiram a noção de culpa e a irresponsabilidade do menor de
dezesseis anos. Assim, para o autor do Projeto, o Código Civil adotaria a incapacidade delitual do menor de
dezesseis anos.

Podemos aceitar tal interpretação? É a mais próxima da letra da lei. Mas, se é certo que temos de aceitar a
responsabilidade dos maiores de dezesseis anos> que a lei equiparou, expressa-mente, aos maiores, não devemos,
no silêncio da lei, ater-nos à interpretação meramente fundada no argumento a contrario sensu: irresponsabilidade
absoluta dos menores de dezesseis anos e irreparabilidade do dano.
No Código Civil alemão, § 828, adota-se a não-imputabilidade absoluta antes do sétimo aniversário, e a possível
prova do discernimento (imputabilidade) desde os sete anos completos aos dezoito não feitos. No Código Civil
suíço, os arts. 16 e 19, 8 alínea, não estabelecem idade fixa: fala-se, indistintamente, em capazes de
discernimento (urteil4óhig). ~ ao juiz que toca decidir se a pessoa ainda está ou não na infância
(A.Ecara, Einleitung, Kontrnentar zum Sckweizerischen Zivilgesetzbueh, 1, 49). Falta o degrau quantitativo.
Muitos comentadores se conformam com isso. Outros, não: procuram-no aqui e ali (na idade, por exemplo, em
que a criança deve entrar na escola, seis anos). Mas há o art. 54 da Lei de 1911. Examinemos os dois sistemas. O
primeiro do Código Civil alemão fixa em sete anos o comêço da responsabilidade quando provado o
discernimento. Qualquer que tenha sido a falta de discernimento, permite ao juiz a equidosa fixação do quanto a
indenização (§ 829). O segundo sistema o do Código Civil suíço estabelece o arbítrio do juiz, que passa a
examinar, subjetivamente, os casos, com o auxílio da perícia psicológica, ou psiquiátrica, se o entender, segundo
as regras cantonais. Se a eqUidade o exige, pode o juiz condenar pessoa incapaz de discernimento à reparação
total ou parcial do dano que ela causou. Essa regra, flácida e salutar, já se achava no Código de Zurique, no
austríaco e no prussiano. Justificou-o, por exemplo, o Message de 1879: “11 peut se présenter des cas dans
lesquels on ne pourrait pas, sans froisser au plus haut degré le sentiment naturel du droit et de l‟équité, liberer une
personne irresponsable de toute réparation d‟un dommage, causé par elIe. Que l‟on suppose, par exemple, q‟un
aliéné, un malade dans un accês de fiêvre, ou un enfant ai mis le feu à une maison, tué un animal ou blessé
griêvemente cuelqu‟un, et qu‟ils soient dans une belle position de fortune, tandis que
ia personne lésée est pauvre ou n‟a pas cherché à se defendre par pitié pour l‟agresseur”. Fortes ataques cercaram
tal solução, por ferir, dizia-se, os “princípios”. Os defensores argiliam:

.~> a]
princípios contra a vida, irrealidade escolástica contra a realidade; “justiça legal contra a justiça prática, de todos
os dias; mentalidade apriorística, que não sabe se desemaranhar dos fios dos raciocínios, com que teceu o seu
casulo de regras jurídicas abstratas; já é tempo de nos livrarmos de tais empecílios.
RARL HEINSHEIMER (Die Haftung Unzurechnungsfãhiger nach § 829 des BGB., Archiv fur die civilistische
Praxis, 95, 284-255), examinou o § 829, do Código Civil alemão, que corresponde ao art. 54 da Lei suíça e se
bem que alguns juristas considerassem o § 829 carta branca de poderosa importância na mão do juiz, e aquêle
reconhecesse o largo espaço deixado à justiça procurou mostrar o que persistiu, no § 829, da noção de culpa. A
ação do § 829 não é ação de dano, Schadenersatzanspruch,, de espécie comum, mas de ação de eqUidade
(Rilliglceitsanspruch>. Exige o fato do dano, a causalidade, que se requere para os casos comuns; apenas opera, a
despeito da não imputabilidade do agente ou omissor. É inegável que a falta do § 829 do Código Civil alemão, ou
do artigo 54 da lei suiça, deixa o direito brasileiro em condição inferior. Se a denúncia e a jurisprudência
assentarem que a regra do art. 5 do Código Civil incide, em absoluto, quanto à capacidade delitual, teremos o
absurdo, a jaça da lei.
No Código Civil francês, art. 1.810, diz-se, no tocante ao menor: “11 n‟est point restituable contre les obligations
resultant de son délit ou quasi-délit”. A jurisprudência tem admitido a responsabilidade se o menor conhecia as
conseqiiências materiais do ato, inclusive crianças de nove anos (Tribunal de Paz de Gournay-en-Bray, 14 de
fevereiro de 1902). Às vêzes, declara responsáveis menores, considerados, em juízo penal (Código Penal francês,
art. 66), como tendo procedido sem discernimento (Orléans, 18 de maio de 1909). Distingue-se, então, o
não-discernimento (direito penal) e a inteligência suficiente (direito civil). No direito francês, o louco ~
irresponsável pelos atos ilícitos (delitos e quase-delitos). A jurisprudência francesa e a doutrina são acordes, se
bem que o não fossem a princípio (antes do Código Civil e ainda com o velho MERLIN). A alienação deve
existir no momento do ato (C. DEMOLOMBE, L. LAitOMELÊEtE, AuBRY e RAU, BÃumty
-LACANTINERIE e BÂLtDE). Há responsabilidade se o ato foi cometido em momentos lúcidos (lucida
intervaila), ainda que de antes provenha a interdição. Mas são responsáveis os perturbados. Os monomanos,
também, salvo se procederem sob a ação da monomania. A embriaguez pode ser causa de irresponsabilidade,
quando não tenha havido culpa inicial, e. g., se foi embriagado por outrem, contra a sua vontade. Mas presume-se
responsável. Cp. A. SOULmAT (TraiU Général de Ia Responsabilitá, 1, 404).
O Código Civil alemão, § 827, a Lei suíça, art. 57, o Código Civil japonês, art. 713, e o antigo Código Civil
sérvio, artigo 807, contêm regra jurídica especial sôbre embriaguez (cp. austríaco, § 1.807). A Nov. III, art. 158,
alterou o § 1.308 do Código Civil austríaco, para fixar em quatorze anos a responsabilidade delitual dos menores
(cp. §248). Quanto a impúberes, loucos, imbecis, se causam dano a alguém, que, por qualquer falta, deu ensejo a
isso, não pode êsse pretender reparação. Há, pois, agora, como antes, a reparabilidade nos outros casos.
No direito brasileiro temos de resolver que a embriaguez pode causar irresponsabilidade; mas presume-se a
responsabilidade, porque só excepcionalmente aparecem ébrios que se tenham embriagado contra a vontade. O
ônus da prova não fica ao autor da ação de indenização, mas ao réu. A regra jurídica do § 827 do Código Civil
alemão, a do art. 57 da lei suíça, a do art. 713 do Código Civil japonês, a do art. 807, do sérvio, e a da
jurisprudência francesa, também constituem princípio geral do direito, para os efeitos de interpretação da lei
brasileira.
No direito brasileiro, nada temos de indagar quanto aos intervalos lúcidos dos loucos ou doentes do espírito.
Pode dar-se que a pessoa cometa, coagida, o ato ilícito, Contra aquêle, quis alteriws impulsu damnum ctederit,
não era aplicável a responsabilidade Aquiliana. É o que evidenciam os textos romanos: na L. 7, § 8, e na L. 52, §
2, D., ad legem Aquiliam, 9, 2, diz-se: Se alguém, induzido por outrem, causa dano, escreve Próculo que esta ação
(a da lei Aquilia) não cabe contra o que induziu o outro, porque não foi êle que matou, nem contra o que foi levado
a praticar o ato, eum qwi impulsus est, porque não causou dÃíÃnnum iniuria, isto é, não produziu o mal pelo
haver querido. Dois plaustros, puxados por duas mulas, passavam na colina do Capitólio. Os condutores do
primeiro suspendiam a parte anterior do veículo, para que mais fàcilmente o puxassem as mulas. Nesse comenos
principiou de recuar o plaustro, de modo que, retirando-se os condutores que se achavam entre os dois plaustros,
o segundo, batido pelo primeiro, rodou para trás, e esmagou um escravo (et puerum cujusdam obtriverat). O dono
do escravo indagou contra quem devia intentar a ação. Eu respondi (o fragmento é de ALFENO) que dependia
das circunstâncias: se os condutores que sustentavam o plaustro superior se retiraram por sua vontade, e, assim,
não tendo as mulas retido o veículo, retrocederam, não cabe ação contra o dono das mulas (cum domino mularam
nuilam esse actiane‟m), mas é possível propor a ação da lei Aquilia contra os homens que sustentavam o plaustro,
pois que é causar dano soltar uma coisa que se retinha, para que (ou de modo que) fira a outrem (ut id ali-quem
feriret), como causaria dano quem aperreasse um asno e não o retivesse, e igualmente se soltasse flecha ou

.~> a]
qualquer outra coisa que tivesse nas mãos. Mas, se as mulas é que estão em causa, porque, temendo serem
esmagados, os condutores deixaram o plaustro, não contra os homens, mas contra o dono das mulas é que cabe a
ação. Se não estão em causa os homens, nem as mulas, mas não tendo essas podido reter o plaustro, ou se,
esforçando-se por puxá-lo, caíram, de modo que recuasse o veículo e não pudessem sustê-lo os homens, nem
contra o dono das mulas, nem contra os homens seria admissível a ação. O que há de certo é que de qualquer
maneira pela qual se examinem as circunstâncias contra o dono das mulas do plaustro posterior, não; porque não
espontâneamente mas pela percussão, é que retrocederam.
~No caso de comando, de origem da autoridade? No direito romano, a obediência tudo escusava; quem obedecia
estava absolvido (L. 157, O., de diversis regulis iuris antiqui. 50, 17: “Ad ea, quae non habent atrocitatem
facinoris, vel sce leris, ignoscitu~ servis, si vel dominis vel his qui vice dominorum sunt obtemperavínt” Assim,
desde que o fato de que se trata não pertence ao número daqueles que se reputam atrozes, deve-se absolver o
culpado, se, escravo, tutelado ou curatelado e quem quer que tenha de obedecer a outrem, procedeu por ordem.
Era princípio assaz geral, que não deve ter, no ambiente de novas relações morais e econômicas do mundo
contemporâneo, nem pode ter maia a larga aplicação que lograva no mundo romano. Muito mais aceitável é o
enunciado, mais restrito, da L. 37, O., ad legem Aquiliam, 9, 2, onde se diz que, se um homem livre causa dano a
outrem, por ordem de terceiro, é contra o terceiro que cabe a ação, se tinha direito de ordenar, si modo ins
imperandi habuit; se não tinha, é contra o que cometeu que se há de mover a ação. Tratou do assunto E‟.
LAURENT (Principes de JJroit Civil français, 20, 475), que começou por se referir à jurisprudência belga e à
francesa que assentavam a inimputabilidade nos casos de ato praticado por ordem da.<autorídade Se se julga que
é de mister a obediência à ordem, não se pode cogitar, diz êle, de reclamação de perdas e danos ao que a executou,
pois não havia vontade livre da sua parte e, sem liberdade, não há imputabilidade. Restaria saber-se se a
autoridade responde pelas conseqüências da ordem que deu; porém não é aqui o lugar para o discutirmos A outra
questão, relativa à apreciação da legalidade da ordem por parte do funcionário público, deixou-a de lado o jurista
belga, Por ser, para êle, tese de direito público. No caso do mandato, pareceu-lhe que a questão somente pode ser
levantada, seriamente quanto aos quase-delitos; e não há dúvida. O mandatário responde sempre pelo que dos
seus atos se produza capaz de juntar elementos de culpa extracontratual; mesmo na hipótese do quase-delito,
porque houve, pelo menos, imprudência em executar instruções que constituem quase-delitos~
Quanto ao caso dos funcionários públicos, é assaz interessante e de valor prático o problema, e não devemos
tratá-lo em termos gerais e apressados. Não é preciso esclarecer-se o serviço que pode prestar á interpretação
científica a análise das relações de comando, ordem e instrução, nos ramos de govêrno e de hierarquia. ~ de
importância para os funcionários públicos saberem que, quando recebessem ordens manifesta-mente ilegais na
substância, ou provenientes de autoridade não legítima, têm que as refutar no segundo caso, ou recorrer a
autoridade superior, demitir-se, no primeiro.

8.DIREITO PENAL E DIREITO CIvIL. Há fatos que são, no direito penal, delitos, sem o serem no direito civil.
Exemplo: tentativa de assassínio, que constitui crime, mas a que falta o elemento dano para compor a figura do
delito civil. Em geral, as contravenções de polícia. A lei civil, a que incumbe restaurar, individualmente (segundo
o sistema de direito até agora adotado em linhas gerais, que é o do individualismo jurídico), situações jurídicas é,
pois, reparar danos, somente se preocupa com os danos que se realizaram, com o que efetivamente sucedeu. Não
assim o direito penal, a que interessa o próprio dano possível, pois à sua missão social deve caber a vigilância da
ordem social. De modo que a polícia exerce função mais aproximada do socialismo jurídico, e só a recomenda
mal o quanto despótico, que é inerente, não a ela, em si, mas à organização política autoritário-militar.
Há delitos civis que o direito penal não pune: se é fato lesivo e ilícito, sem constar, como crime, do Código Penal
e das leis penais. Mas parece-nos isso imperfeição de tais leis; se o ato é lesivo deve ser punido, a evolução
consiste em acabar-se com tais discordâncias e estender-se o campo de aplicação da plenitude jurídica, ainda sob
a forma defeituosa e precária da repressão criminal.
Na maioria dos casos, há concordância entre as legislações civil e penal: delitos criminais são delitos civis, como,
por exemplo, os homicídios, as injúrias, o incêndio voluntário.
A distinção entre delito (civil) e crime devia ser apenas nas conseqüências , nas medidas; e não na extensão do
interesse social.
O delito civil pode importar, não indenização, mas outra sanção; de forma que não há perfeita coincidência entre
o conceito de delito civil e o de prestação de perdas e danos, entre o delito civil e o Título VII do Livro III da Parte
Especial do Código Civil brasileiro, que trata das obrigações por atos ilícitos. A ingratidão do donatário é delito
civil (Código Civil, art. 1.181), e não se pedem perdas e danos; a sanção é diferente: revoga-se a doação. O fato

.~> a]
que se interpretou como sinal de ingratidão pode provocar a ação para reparar danos, mas nada tem que ver com a
ação fundada no art. 1.181. Assim, não há alternatividade. Pode-se dizer que do fato nasce aquela e da ingratidão,
expressa pelo fato, nasce a ação para revogar a doação. De modo que, sendo delito civil a ingratidão do donatário,
a pena civil é a revogação da doação, e não a indenização. Outro exemplo (e há muitos no Código Civil) é a
sonegação de bens da herança: o herdeiro que sonega bens da herança, não os descrevendo no inventário, quando
estejam em seu poder, ou, com ciência sua, no de outrem, ou o que os omitir na colação, a que os deva levar, ou o
que deixar de restitui-los, perderá o direito, que sôbre êtes lhe cabia (art. 1.780). Além da pena que se comina no
art. 1.780, se o sonegador foi o próprio inventariante, remove-se, em se provando a sonegação, ou negando êle a
existência de bens, quando indicados (art. 1.781).
Em qualquer dos três casos, a lei civil pode ser aplicada como regra jurídica sôbre dano se o ato em si o permite.
j Pode constituir delito ou quase delito ou reunir o duplo caráter de culpa contratual o inadimplemento do
contrato? É questão que ainda apaixona os espíritos. Praticamente , é de importância, por quanto há a diferença da
prescrição, dos juros e da admissibilidade de certas provas. Quanto ao duplo caráter delitual-contratual, basta que
o inadimplemento constitua, por si só, crime, quer de ação pública, quer privada. j Que deve então fazer a pessoa
lesada? Examinadas as circunstâncias, escolhe-se uma das ações e assim electa una via nou datur recursus ad
alteram, quer se obtenha, quer não se obtenha o ressarcimento, salvo se a sentença reserva o direito de passar a
outro expediente, o que se pode dar expressa ou tàcitamente. No direito brasileiro, é possível a duplicidade: crime
e culpa contratual; e quanto à indenização, é ela independente da sanção criminal. É possível, ainda, as duas
culpas civis a contratual e a Aquiliana e então, se o suporte fáctico é um só, escolhida uma das vias, não mais se
pode recorrer à outra, porque seria bis in idem.
Isso não se dá quando o crime só se caracterize com a prévia ação civil.
A possibilidade do duplo caráter está no L. 5, § 8, D.r commodati vel contra, 18, 6: “Quin immo et qui alias re
com modata utitur, non solum commodati, verum furti quoque tenetur, ut lulianus libro undecimo digestorum
scripsit. Denique. ait, si tibi codicem commodavero et in eo chirographum debitorem tuum cavere feceris egoque
hoc interlevero, si quidem ad hoc tibi commodavero, ut caveretur tibi in eo, teneri me tibi contrario iudicio: si
minus, neque me certiorasti ibi chirographum esse scriptum: etiam teneris mihi, inquit, commodati, imino, ait,
etiam furti, quoniam aliter re commodata usus es, quemadmodum qui equo, inquit, vel vestimento aliter quam
commodatum est utitur, furti tenetur”. Tirando em vernáculo, no que mais nos interessa: o que emprega a coisa
emprestada de modo diferente daquele que se convencionou, fica sujeito, não só à ação do commodato, mas ainda
à ação penal de furto, como escreve Juliano no livro undécimo do Digesto. O mesmo jurisconsulto figura: eu vos
emprestei um registo ou códice no qual escreveu promessa quirografária o vosso devedor, por sugestão e manda
de vossa parte. Se, ao me ser reentregue o registo, apago a promessa, ficarei obrigado perante vós pela ação
contrária do commodato, se vos emprestei o códice com o intuito de vo-lo permitir; mas, se não o emprestei com
tal intuito, terei contra vós a ação do comodato pelo uso extraordinário, discrepante, de que sois responsável.
Juliano sustentava que cabe a ação penal de furto. O mesmo devemos dizer quando se trata de cavalo ou roupa
emprestada, se se não obedece ao que foi convencionado.
Desde que se veja, nas condenações à reparação pelo deu lito, meios de adaptar, fâcilmente se compreende a
razão da interdição dos loucos e deficientes mentais. A noção de responsabilidade serve de coordenador entre os
homens, processo de solução biológica, tão natural como outros que no mundo animal se encontram e até entre
homens. Puro expediente criado pela coexistência de sêres pensantes pela sociedade, deixa de existir onde não há,
entre homens, a elaboração de processos atinentes a remover obstáculos à adaptação social:
indígenas-antropófago5 não poderiam nunca comer indivíduos da mesma tribo sem a “motivação juridica”, que é
o corolário da responsabilidade, O interditado não tem mais em função normal o aparelho para o qual criou a
natureza humana a noção de responsabilidade. Essa somente existe, porque é preciso disciplinar a atividade física
e psíquica; se não houvesse o aparelho de espírito humano, no que êle tem acima dos outros animais, não seriam
necessários outros processos de adaptação social, senão os vigentes entre os demais sêres; não haveria a noção de
responsabilidade, nem, pois, interditados (anormais civis), nem irresponsáveis (anormais do direito repressivo).
Na ciência, não há, portanto, nenhum lugar para a questão do livre arbítrio: nem a côr das flôres, nem a medida
regular dos ângulos do cristal, nem o vôo dos pássaros, nem o instinto de nidificação precisam de explicativa
lógica. Tão-pouco, a responsabilidade: é determinada a mínima vontade do homem, mas a noção de
responsabilidade é necessária à adaptação do homem à vida social, e tão imprescindível à vida comum como os
órgãos humanos se fizeram necessários às funções que lhes cabem. Se algum dia se deparar à vida social outro
processo mais eficaz, por-se-á de lado o antigo, e será possível a adaptação do homem à sociedade, à coexistência,
sem a noção de responsabilidade: outra ilusão pode ser o nôvo processo, ou fundar-se em verdade colhida na

.~> a]
ciência das organizações humanas. Hoje, não há muita diferença entre a faca do homem que sacrifica o boi, o
porco ou o carneiro, para viver, e a pena do magistrado que decreta a prisão do criminoso ou a reparação de danos.
Entre os dois atos, há a mesmidade de fim, a adaptação à vida animal. Êsse, à vida social. Ali, necessidade
biológica; aqui, sociológica.
Diante do exposto, fica sem sentido a incompatibilidade entre determinismo e punição ou retribuição. Não é
preciso percorrer-se a história a fim de se esclarecer o modo pelo qual se desenvolveram os institutos. Com alguns
dados, ainda esparsos, de épocas diferentes, vê-se o que há de transitório e digamos o termo de atual na
responsabilidade individual. Pretendeu ADOLF MERREr, (Recht und Macht, Hinterlassene Fragmente und
gesammelte Abhandlungen, II, 400-
-425) que é inerente ao direito certo elemento da autoridade, de modo que os próprios direitos não prescindem da
defesa própria (Selbsthilfe) que faça prevalecer o direito. No direito primitivo, a posse independia do modo por
que se adquiria.
Mais tarde, veio a prova jurídica ou de razão (Beweisverfahren), que substituiu a prova da fôrça (Machtprobe) e
se fêz perante autoridade, que assim exerce função julgadora e moral. Revela-se a conveniência da harmonização
dos interesses humanos, mas por serem múltiplos e discordantes teve o direito de apresentar o caráter de acôrdo.
Em todo o caso, assistimos, na evolução social, à crescente diminuição do elemento despótico, daquele
fator-autoridade, que ADo~~ MERREL reputou inerente. As regras jurídicas que se realizam nos atos,
impõem-se por si, ou, melhor, incidem, toda imposição é despotismo, violência; e não podemos dizer, sem
ridículo antropomorfismo, que a lei de gravitação impele os planêtas. Nas outras regras, as que se elaboram
subconsciente ou conscientemente, o que é realmente lei, e não abuso ou pressão autoritária, passa a ser
inconsciente ou subconsciente, e o que antes constituía imposição se torna ato espontâneo. No direito que regula,
hoje, a responsabilidade civil, devemos ter sempre diante dos olhos o princípio da progressiva eliminação do
quantum despótico, que foi formulado em 1922.
Em matéria de obrigações por atos ilicitos, desde os primórdios da humanidade, resume-se todo o direito em
prescrever-se o equilíbrio econômico-jurídico com os sós recursos e expedientes da reparação entre indivíduos.
Quem dana, paga. De modo que o Estado, em vez de intervir e assegurar a estabilidade e a ordem, a cuja garantia
se destina, apenas assume a postura de espectador e entrega a solução a um dos seus órgãos comuns: a Justiça.
Tudo anuncia, porém, o aumento das visíveis brechas que no velho sistema se abriam; e dia virá em que, para
viver, terá o Estado de carregar com todas as responsabilidades decorrentes dos desvios e crimes individuais. É
um dêsses dilemas de que se pontilha o percurso da sua evolução histórica.
As circunstâncias em que ocorreu o dano têm grande significação para a responsabilidade. Um dos elementos é o
da falta da vítima, por ato positivo ou negativo, O estar em lugar perigoso não pré-exclui a responsabilidade de
outrem pelo dano sofrido, porque a falta da vitima por estar em lugar perigoso há de consistir em expor-se ela,
conscientemente ou imprudentemente, ao dano (cf. GEORGES RIPF.RT, De l‟Exercice du Droit de propriété
dans ses rapports aveo les propriétés voisines, 335).
9. AUTODEFESA, LEGÍTIMA DEFESA E ESTADO DE NECESSIDADE. A propósito de atos ilicitos,
atos-fatos ilícitos e fatos stricto sensu ilícitos, surgem os princípios gerais sôbre autodefesa, que é a manutenção
do estado atual contra ataque, quer se trate a) de legítima defesa, quer b) de defesa contra perigo, quer o) de
evitamento de perigo mediante o elemento causal do bem alheio. As espécies b) e o) são o estado de necessidade,
em que há colisão de interesses legítimos.
O que se defende, em qualquer espécie de autodefesa, é a integridade da pessoa, do corpo e da mente, ou a
integridade matrimonial. Todos os direitos de personalidade são protegidos pelo princípio da autodefesa, bem
como todos os direitos patrimoniais (cf. ALEXANDRE LOFFLER, Unrecht und Notwehr, Zeitschrift f‟iir die
gesamte Strafrechtswissen.schaft, Zx, 57; HERMANN GROS5MANN, Das Prinzip der Selbstverteidigung, 17
s.).
Para que haja direito de autodefesa, é preciso que exista o perigo, ou que se haja iniciado o dano, e o que se tem
seja contra direito (ilícito). Se o boi ou o cavalo é de alguém qu~ tenha direito de pastagem, o dono ou possuidor
das terra~i não pode expulsar ou ferir o animal (ARTUR WOLFFSOHN, Nott wehr, Notstand und Nothiilfe, 37).
Todavia, é possível que implícita ou explicitamente se haja exigido não se tratar de animal bravio, feroz ou
perigoso. O bem que vai causar o dano pode pertencer a pessoa jurídica e não importa quem o pôs em situação de
ser perigoso, inclusive em caso d‟e gestão de negócios alheios ou de ser o risco proveniente de luta a dois entre
terceiros (GEmia Mt}LLER, Das Recht der Notwehr, 27 e 14).
O ataque pode ser por ato positivo ou negativo, ou provir de bem vivo, ou não, inclusive de irradiações ou de
umidade (cf. Orro v. ALBERTI, Das Notwehrrecht, 146).

.~> a]
No direito estrangeiro, vemos a legitima defesa no Código Civil português, ad. 2.367: “Aquêle que fôr agredido
por outro com violências, que possam lesar os seus direitos primitivos, ou esbulhá-lo do gôzo de seus direitos
adquiridos, ou perturbá-lo por qualquer forma nesse gôzo, é autorizado a repelir a fôrça com a fôrça, contanto que
não ultrapasse os limites da justa defesa”. Depois, no Código Civil alemão, ~ 227: “A ação imposta pela legítima
defesa (Notwehr) não é contra direito. Legítima defesa é a que se faz mister para afastar de si ou de outrem
presente agressão ilegal”.
A Lei suíça de 1911, ad. 52, alínea 1, disse: “Quem em legitima defesa (in berechtigter Notwehr) afasta
agressão, não fica obrigado a reparar o dano, que cause ao agressor ou aos bens dêle”. A lei de 1888 não
mencionava o que hoje se lê na e 8~a alíneas: o caso de necessidade, fora da legítima defesa; o uso autorizado da
fôrça. Autorizava-se a represália à agressão por outra pessoa (Notwehr), porém não havia texto para o uso da
fôrça. A lei de 1911 encheu as lacunas; pôs o direito suíço no mesmo grau técnico que o Código Civil alemão . O
Código Civil brasileiro falou da legítima defesa (artigo 160, 1) e em caso de necessidade (art. 160, II). Não
contém regra jurídica que trate de uso autorizado da fôrça, Selbsthilf e. Eis os novos textos da lei suíça: art. 52, 2~a
alínea:
“Quem causa dano a bens alheios para afastar de si ou de outrem dano iminente ou perigo, tem de repará-lo
conforme arbítrio do juiz”; art. 52, g~a alínea: “Quem procura proteger-se por si mesmo, com o fim de segurar
direito reconhecido, não é obrigado a reparar, se, devido às circunstâncias, não podia ser obtida em tempo próprio
(rechtzeitig) a proteção da autoridade, e somente pela ação própria podia ser impedida a frustração do seu direito
ou essencial dificultamento do seu exercício”. A tradução exata permite apanhar o pensamento da lei suíça.
A terminologia alemã é extraordinàriamente precisa e elegante. Not‟wehr (Código Civil alemão, § 227) é a defesa
necessária ou legitima defesa, sem que, com êsse adjetivo legitima, se circunscreva o conteúdo da palavra à
defesa de si mesmo.
Assim, Notwehr compreende a defesa de si mesmo e a defesa de outrem. Pode, pois, ser contra aquêle a quem se
dirigia a agressão, e. g., se A, empurrado violentamente, fere quem ia ser lançado fora do comboio em disparada.
No caso de defesa necessária putativa (Puta.tivnotwehr), isto é, interpretação errônea da existência do dano
iminente, tem-se de apurar se o êrro provém de negligência, ou de imprudência, ou se, na espécie, tudo
corroborava a seriedade da ofensa iminente, ou do risco já em mira (E. RIEZLER, J. von Staudingers Kommentar
zum Buirgerlichen Gesetzbuch,, 1, 759, 5). Se não houve, sequer, negligência, nem imprudência (precipitapão),
falta a culpa e, pois, o elemento para a aplicação do art. 159.
Notst and (§ 228) é a situação de necessidade, em que alguém, para evitar dano a si ou a outrem, causa danos em
alguma coisa. Não há a defesa necessária competição entre dois sujeitos de que se trata no § 227. Selbsthilf e (§§
229--281) é espécie de justiça pelas próprias mãos. ~ a expressão geral, de que temos, no art. 502 do Código Civil
brasileiro, exemplo particular: o desforço próprio, em matéria de posse. Diz o art. 502: “O possuIdor turbado, ou
esbulhado, poderá manter-se, ou restituir-se por sua própria fôrça, contanto que o faça logo”. E no parágrafo
único: “Os atos de defesa, ou de esfôrço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituIção da
posse”. Nada importa a responsabilidade, ou irresponsabilidade, da pessoa que agride. Pode ser pessoa
irresponsável; não perde, por isso, o caráter de em legítima defesa o ato que alguém em defesa própria ou de
outrem tenha de praticar. O que é relevante é a necessariedade do ato. Sôbre a extensão dos conceitos de legitima
defesa e estado de necessidade, Notwehr e Notstand, o que se pode dizer é que em sentido estrito ou largo pode
um abranger o outro e a abrangência depende daquela elasticidade, vulgar nos livros de doutrina. O mais
acertado, porém, é considerar-se a legítima defesa simples caso (II. TITZE, fie Notstandsrechte im deutschen
Bilrgelichen Gesetzbuche und ihre geschichtliche Entwicklung, 16) do estado de necessidade (P. MORIÂrm, Du
Délit rtécessaire a de tttat de nécessité, 87 e 89; WESSELY, fie Befugnisse des Notstands und der Notweh,r, 4),
no qual existe a particularidade da represália que se impõe, da defesa efetivamente necessária: não se comparam
danos, reage-se.
O Código Civil trata-os separadamente (ad. 160, 1 e II). Mas é impossível deixar-se de apontar proposições
comuns aos estados de necessidade e às legítimas defesas, ou que pertencem àquelas, em sentido largo. Os atos
praticados em situação de necessidade (Notstandshandlungen) compreendem os de legítima defesa
(Notwehrhandlungen) e os em estado de necessidade, considerados, aqui, em sentido estrito, que é o do Código
Civil, art. 160, II. Ésses são os que evitam perigo que não procede imediatamente de um homem, seja êle um
irresponsável, nem de coisas ou animais, movidos, preparados ou diretamente açulados por ele. O conceito
torna-se preciso, mas as dificuldades não são poucas, porquanto existem estados de necessidade agressivos.
Exemplo: se me defendo de um cão caso, aliás, que se enquadra no art. 160, 1, por não ser, rigorosamente,
legítima defesa. Pode haver ato de defesa no estado de necessidade, e não se tratar da legítima defesa do art. 160,

.~> a]
1. Exemplo de estado de necessidade agressivo temos no ataque ao cão (que não ofendeu> somente por êle ter
sido mordido por outro hidrófobo.
Essa tem de ser a interpretação da lei brasileira, para que escape à pecha de absurda. No caso de legítima defesa>
não há ilicitude de atos; porquanto: excluída a ilicitude, não há, de regra, reparação. ~ Quando é possível
reclamá-la? Se o que se defende danificou a coisa de terceiro para defender.
-se, há alguém com culpa: o ofensor. A ação deve ser contra o culpado. ~A lei deu-a contra o causador sem culpa,
assegurar -lhe, porém, a ação regressiva contra aquêle? Seria um volteio escusado, que enfearia a lei e turvaria os
princípios jurídicos.
A legítima defesa é o primeiro caso do Código Civil, art. 160, 1. Deve dar-se à expressão legítima defesa a mais
ampla compreensão: desde as ocorrências contra a pessoa ou bens, inclusive, como assenta a jurisprudência
francesa, e os ataques pela imprensa, se bem que em certas espécies mais se deva cogitar da chamada
“compensação de danos”. A legítima defesa somente serve de escusa, de elemento dirimente ou exclusivo da
reparação, somente pré-exclui a responsabilidade pelo dano, quando seja razoável, isto é, não haja excesso. Se
houve excesso, há sempre reparação (FRIEDRIÇH OETKER, tYber Notwehr und Notstand nach den §§ 227,
228, 904 des Búrgerlichen Gesetzbuches, 7).
No direito do período clássico, é indiscutível a existência do direito de legítima defesa. Isenção do direito penal
ou direito autônomo de defesa? Sustentou aquêle caráter, de que só lentamente evolve, A. PERNICE (La beo, ~
2Y ed., 73 s.), mas teve, diante de si, BRUNNENMEISTER (Das Tàtungsverbrecheu im altrõmischen Recht,
143) e ANDREAS vON TUHR (Der Notstand im Civilrecht, 44 s.). “Qui cum aliter tueri se non possent”, está em
PAULO, “dammi culpam dederint, innoxii sunt: vim enim vi defendere omnes leges omniaque iura permittunt”
(L. 45, § 4, D., ad legem Aquitliam, 9, 2). Na L. 52, § 1, trata-se de caso de excesso. No direito imperial, a L. 8, O.,
ad legem Corneliam de sicariis, 9, 16, não deixa dúvida:
“Si... latrocinantem peremisti, dubium non est eum qui in.ferendae caedis voluntate praecesserat, iure caesum
videri”. No entanto, também aí A. GEYER (fie Lehre von der Notweh,r, 57) somente quis ver a isenção do direito
penal.
No direito clássico, A. PERNICE distinguia os danos às coisas móveis e os danos às coisas imóveis, quanto à
dejecção e à simples turbação. No último caso, cabiam o interdictum uti possidetis, o quod vi aut clam, a operis
novi nuntiatio. Em se tratando de dejecção, mais se haveria de cogitar da compensação de culpa do que do estado
de necessidade (L. 5, O., ad legem luliam de vi publica seu privata, 9, 12) : “si forte quis vel ex possidentis parte
vel eius qui possessionem temerare temptaverit, interemptus sit, in eum supplicium exerceri, qui vim facere
temptavit et alterutri parti causam malorum praebuit”.
Omoderamen inculpatae tutelae, que se tem na L. 1, O., unde vi, 8, 4, passou a ser o termo técnico para a legítima
defesa. Lá está: “Recte possidenti ad defendendam possessionem, quam sine vitio tenebat, inculpatae tutelse
moderatione ilitam vim propulsare licet”. Tiraram alguns autôres que dêsse lacere, como do jure caesum teneri da
L. 8, C., ad legem Corneliam de sicariis, 9, 16, provém a segurança de não haver responsabilidade criminal nem a
civil para o ato de legítima defesa (e. g., CHE. FRIED. VON GLÚCK, Ausfiihrlich,e Erb‟iuterunq der Pandekten,
X, 825).
O estado de necessidade supõe exercício de direito, por necessidade além dos limites. A legítima defesa, a
antijuridicidade subjetiva do exercício, aí coberta pelo direito (cp., e. g., A. GEYER, fie Lehre von der Not-weh,r,
25 s.; K. JAMKA, Der strafrechtliclze Notstand, 33 s.; pela antijuridicidade objetiva, M. v. BURI, Notstand und
Notwehr, Gerichtssaal, 30, 471; II.TOBLER, Die Gunzgebiet zwischen Notstand und Notwehr, 60; O.
MÂTTHIEU, lii welcken Fallen und iv. welcker Weise ist die Not civilrechtlich von Redeutung, 27).
10.EsTûo DE NECESSIDADE. Também aqui temos o afastamento da ilicitude, determinado no art. 160, II.
Para que se apliquem os arts. 1.519 e 1.520, é preciso que a causa não seja a própria coisa. Não se justifica que o
dono da coisa acione o que interveio; devia acionar o culpado. No caso de necessidade (art. 160, II), pode ser
culpado o que salva; entendamos: pode dar-se que o perigo advenha de ato da própria pessoa que, depois,
intervém para evitar o dano maior. Ai, sim, compreenderíamos a aplicação do art. 1.519 (e não da ação
regressiva), como resulta, expressamente, do final do § 228, in fine, do Código Civil alemão.
~ Como se há de explicar o reconhecimento do estado de necessidade? Alguns o dizem fora do direito, jurídico,
nem acorde, nem contrário ao direito; outros, não imputável aos atos durante êle praticados; outros justificam os
atos então executados, com a comparação de valôres dos bens sacrificados, que, no caso do naufrágio, teria de
admitir graduação entre vidas; outros recorrem à gestão de negócios; outros, mais precisos, à teoria objetiva. i,
Que é, enfim, que se tira a tais atos para que não haja indenização? A própria culpa, dizem alguns, e só poderia
caber à ação de in rem verso. Nada, dizem outros; no conflito de direitos, dá-se apenas a responsabilidade. Essa

.~> a]
teoria serviria aos arts. 1.519 e 1.520 do Código Civil brasileiro, mas teria de chocar-se com o art. 160.
II.Alguns procuram a culpa de outrem: a da vítima ou de a de terceiro. Só em tais casos não há responsabilidade
(e. g., E. SERMET, L‟Êtat de nécessité en matiêre criminelle, 243). Alguns recorreram à noção da desapropriação
por utilidade, aqui privada, como há a pública, porém tal opinião é insustentável.
Na França, não há lei para o caso de necessidade; no ato de necessidade há. preferência por um direito, que se
supóe ser o de maior valor. Mas o lesado tem direito a perdas e da-nos por ter sido vítima de verdadeira
desapropriação por utilidade privada.

O caso de necessidade é diferentemente regrado no Código Civil alemão e no direito suíço. No direito alemão, se
o dano não é desproporcional em relação ao perigo, não há ato ilícito (§ 228). Salvo, está claro, se o lesado foi o
causador do perigo.
No direito suíço, o estado de necessidade não apaga a Dicitude, apenas atenua a responsabilidade (art. 52, alínea
2Y) O juiz tem o arbítrio de fixar, eqúidosamente, a reparação . Não há, como se daria com a legitima defesa, a
exoneração total. ~ assaz importante a diferença. O direito brasileiro segue o Código Civil alemão; mas, em vez
de cogitar do salvador que, antes, fôra culpado, isto é, do que intervém para afastar o perigo por êle mesmo criado
(Código Civil alemão, § 228, in fine), trata, no art. 1.519, da indenização devida ao dono da coisa, se não foi
culpado do perigo. Se o perigo ocorre por culpa de terceiro, o autor do dano fica com a ação regressiva, para haver
a importância que haja ressarcido ao dono da coisa. Portanto, o que se fêz no art. 160, II (onde se diz que não
constitui ato ilícito a intervenção em caso de necessidade) é desfeito, em parte, nos arts. 1.519 e 1.520, onde se dá
ação contra o mesmo indivíduo a quem aproveitaria o art. 160, II. No direito alemão, há o § 904, mas, aí, dá-se
ação ao proprietário da coisa, quando danificada, para evitar perigo iminente contra terceiro, ou usada (o que não
se prevê no art. 160, II, da lei brasileira, e, pois, se justifica na lei alemã, que pôs a regra jurídica do § 904 no
direito das coisas) ; salvo: no caso de legítima defesa; no caso de não haver culpa do favorecido, nem de quem
interveio para evitar o dano. Quer dizer: no caso de ser a própria coisa a causa do perigo.
Para que, pela interpretação, se esclareça a lei civil, temos de dar-lhe o entendimento científico: 1) A contradição
da lei estaria em que: só se abre, no art. 1.519, uma exceção há a reparabilidade aliás objetiva, porque, como se
viu, foi excluída no art. 160, II, a culpa, a ilicitude; a exceção consiste em ser culpado do prejuízo o dono da coisa.
~Se a própria coisa é a causa do dano, e. g., caiu, explodiu, partiu-se? Se há culpa de outrem, como admitir-se a
ação contra o que interveio e contra o culpado a regressiva? No art. 160, II, exclui-se a ilicítude do ato praticado
em estado de necessidade. Não se alude à maior valia do bem salvo, nem ao sacrifício da coisa própria; só se fala
na coisa alheia. 2) Desfaz-se a contradição se dizemos: a) que o art. 1.519 não vincula à reparação o necessitado,
se a causa do estado de necessidade foi a própria coisa sacrificada, ou outra coisa pertencente ao danificado
(confusão da vítima com o beneficiário) ; b) que, havendo culpado do estado de necessidade, não pode ser
aplicado o princípio excepcional da responsabilidade objetiva (art. 1.519) ; c) que o art. 1.520, na espécie b),
permite a ação contra o autor do dano, e a êsse, contra o culpado, a ação regressiva, mas se há de entender que,
uma vez proposta, pode o réu chamar o culpado à responsabilidade; d) que o art. 1.519 não se pode invocar
quando se haja consumado e dano para salvar o próprio dono da coisa (confusão entre vítima e beneficiário).
Se fizermos a análise das relações, veremos que, nos casos de necessidade, o direito encontra situações
brutalmente surgidas das circunstâncias e, diante dessa determinação física, dos direitos têm de escrever a
resultante, como ocorreria com duas fôrças. Daí a preferência, imposta ao necessitado como fôrça.
O estado de necessidade pré-exclui a contrariedade a direito. O que se passa e lesa não cria a responsabilidade
(Tomo II, §§ 182 e 186, 187, 219, 1, 235, 6).
A responsabilidade somente se cria onde haja culpa ou do próprio necessitado, antes de surgir o estado de
necessidade, obra sua, ou culpa de outrem porque, se não há culpa do necessitado, nem do beneficiado, a ação
tem de ser ação de iv. rem verso contra o beneficiado. O Código Civil português, arts. 2.396 e 2.397, pondo-se no
ponto de vista do benefício, foi mais lógico. Se se beneficia toda uma cidade, a responasbilidade, segundo o
direito português, é de todos os habitantes, solução. acertada, diferente da que deu a Côrte de Bruxelas, em 7 de
julho de 1882, pois que apenas afastou a responsabilidade, e da opinião de alguns juristas que confundem o
interesse público e o patrimônio da entidade estatal.
A regressividade, e não a natureza direta da ação, quando haja terceiro culpado, constítuNria defeito da lei
brasileira.

Desde que haja interesse da coletividade, o particular não deve opor-se a tais medidas que se praticam, como as de
higiene (Supremo Tribunal Federal, 12 de janeiro de 1921) em nome de interesses gerais. A entidade estatal, essa,

.~> a]
pois que, com ou sem razão, danificou a propriedade alheia, d‟ave indenizar o prejuízo causado.

§ 5.499. Deveres “erga omnes”

1.DISTINÇÕES NECESSARIAS. Na indenizações que não resultam de infrações de dever de atividade ou ae


omissão. Então, quando se fala de dever de indenizar já se considera irradiado o efeito do ato, positivo ou
negativo, que pode nao ter sido ilícito. São os casos dos arts. 1.519 e 1.520 do Código Civil, em que se prevê que
a remoção de perigo iminente, com deterioração ou destruição de bem alheio (art. 160, II), faça responsável quem
o removeu e, regressivamente, terceiro, culpado do que se deu. Aqui, somente havemos de cogitar da
indenizabilidade pelo fato ilícito.
Ignorantia juris alie gari non pote.st, qwia nunquam praesumitur, neque ezeusa.t. Repetiram-no AGOSTINHO
BARBOSA, MANUEL ALVARES PÊGAS e outros juristas portuguêses, abrindo exceção para menores e
rústicos, o que hoje seria sem base. Seja como fôr, a regra jurídica inserta no Repertório (11, II) passou ao Código
Civil, art. 59 da revogada Introdução (“Ninguém se escusa, alegando ignorar a lei; nem com o silêncio, a
obscuridade ou a indecisão dêle se exime o juiz a sentenciar ou despachar”) e ao art. gO do Decreto-lei n. 4.857
(Lei de Introdução, de 4 de setembro de 1942: “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a
conhece”).
O Juris ignorantia non excusat apareceu na doutrina e na legislação portuguêsa e na brasileira, com invocação da
L. 9, pr., O., de juris et facti ignorantia, 22, 6: “Regula est iuris quidem ignorantiaifl cuique nocere, facti vero
ignorantiatn non nocet”. A opinião de LÂPIXO (L. 9, ~ 3) que entendia ser de perdoar-se o êrro de direito, se
intrincada a questão e não se pudesse consultar jurisconsulto, não foi recebida; e as exceções antiquadas <G.
HUFELÀND, tiber do. eigentitmi. <Jeist des rômischen flechts, 1, 231 s.) quanto a soldados, rústicos e mulheres
mal passaram de argumentos doutrinários.

Quanto aos que se excluiram do alcance da regra jurídica, ALvARO VALASCO (De cisiírnuin, 11, 334), pôs
claro que as mulheres não se achavam em tal enumeração, salvo lei especial (também, BENTO PEREIRA,
PromptikCtflulfl luridicum, 166), e JORGE DE CÁBEDO (DecisioflÚS, 1, d. 184, n. 3) incluira os que com têda
a diligência, que tivessem tido, não poderiam conhecer a lei. O direito de hoje afasta a exceção.

2.DOUTRINAS QUANTO AOS FATOS ILÍCITOS. No tocante às doutrinas gerais dos delitos no sentido de
fatos feitos, compreendidos, portanto, atos ilícitos, atos-fatos ilícitos e fatos ilícitos há três princípios o principio
da contrariedade a direito, o principio da culpa, o princípio do nexo causa. Uma vez que o fato ocorre e atinge a
esfera jurídica de outrem, o princípio da contrariedade a direito satisfaz-Se com a antijuridicidade, para que
nasçam o dever e a obrigação de indenizar. Ainda assim, convém frisar-Se que nem sempre se vê a regra jurídica
transgredida, salvo quando se entende que o fato ilícito por exemplo, o acidente de automóvel, ou de trem é,
sempre, infração de regra jurídica implícita (zr de regra jurídica que atribui a alguém o dever de pré-excluir os
riscos).
Quando se fala em dano se pensa em pessoa, ou animal, ou mesmo coisa que se lesou, e alude-se a objeto. Mas, aí,
objeto não é o que se põe defronte do sujeito. Sujeito é quem responde e sujeito é quem teve atingido o seu bem
patrimonial, ou o seu corpo ou honra. A expressão “objeto” é apenas referente ao elemento do suporte fáctico em
que o dano ocorreu (eL L. OPPENHEIMER, Die Objekte des Verbrechens, 64 e 81). Ora, o corpo humano e a
honra só ficam de frente, em oposição, ob, diante da própria pessoa, se se tem o Eu como livre do corpo e da
própria honra, o que mostra o longo caminho de abstração que foi percorrido para se ter o próprio corpo como
bem e a própria honra como bem, ou para se disfarçar o que se passou como interesse, ou como valor. O dano
pode ser a coletividade, a povo, a criança (cf. A. MERKEII, vergeltungsidee und Zweckgedanke im Strafrecht. 10
s.), ou a mulher.
A escola histórica apagou as distinções que a escola do direito natural tentava estabelecer entre as regras jurídicas
(cf. F. HARMS, Regri!, Forrnen nnd Grundiegunti der Reohtspkilosophie, 3). Tomou-se o caminho de pesquisa
do conteúdo das regras jurídicas, ou da sua procedência, da construção lógica dos institutos (B. W. LEIST, Die
realen Grundktgen und die Stoffe des Rechts, 166). O que pode ser ofendido pelo ato ilícito, ou pelo ato-fato
ilícito, ou pelo fato ilícito, depende, em grande parte, da civilização e da cultura (cf. LuDwIa HÍYLSMANN, Der
Gegenstand des Reohtssohutzes, 70).
Há diferença entre a antijuridicidade como elemento do suporte táctico, em direito penal, e como elemento de
antijuridicidade que se exige para suporte fáctico, em direito privado. No direito penal, a violação da lei é que

.~> a]
contém os elementos do suporte fáctico, de modo que ela, em si, não o é (sêbre isso, E. ZITELMANN>
Ausschluss der Widerrechtlichkeit, Archiv .fúr die civilistísefle Prawís, 99, 12 s.; FERNAND SIMON, fie
Schadensersatzansprúclze bei Kàrperverletzung und Tõtung im Zweikarnpf, 16 s.).
A culpa consiste na ligação , no nexo causal, psicofísico, entre o fato externo, contrário a direito, ou não, e o
sujeito. Supõe-se, corno essencial, a voluntas, o ter-se querido, ou o ter-se procedido sem o cuidado necessário,
para que o fato não se desse. A contrariedade a direito, o ir contra o conteúdo da regra jurídica, não é elemento da
culpa. É ele-. mento da ilicitude do ato: contrariedade a direito mais culpa igual a ilícito. Tal o suporte táctico. As
tentativas para se assentar que ilícito é igual a contrariedade a direito mais culpa tomam o caminho da presunção
da culpa para se explicarem aquêles textos em que o legislador prescindiu da prova da culpa; mas, aí, no suporte
fáctico não está sempre, perceptível, a culpa, estão os fatos lesivos e a indicação de alguém, que se achava em
relação com os fatos: a presunção passou-se na mente do legislador, portanto na feitura da lei, que a traz, como
presunção legal. No suporte fáctico, está algo que compõe a figura da culpa. Os juristas que tentaram a dicotomia
responsabilidade pela culpa e responsabilidade sem culpa, ou responsabilidade subjetiva e responsabilidade
objetiva, admitem que se responsabilize alguém que está, de modo nenhum, em nexo psicofísico com o fato
contrário a direito. Com isso, abstraem, arbitrAriamente, daquele algo, que é necessário exista para que a regra
jurídica incida: por conseguinte, cortam elemento do suporte Láctico da norma, a fim de poderem sustentar a
teoria. Não se pode dizer que a responsabilidade dos empregadores, ou a dos donos de indústrias perigosas, seja
derivada de suporte láctico, entre cujos elementos não há nexo causal com o responsável: o nexo psicofísico não
precisa ser entre o ato e o responsável, pode ser entre ato ou atos anteriores do responsável e o fato lesivo; noutros
termos, o responsável pode estar em relação com o fato lesivo, como causador mediato. Não se deve ter a emprêsa
como a causa objetiva, por sua estrutura complexa, dessubjetivada, como aprouve a W. SJÕGREN (Zur Lehre
von den Formen des Unrechts und deil Tatbestanden der Schadenstiftung, Jherings Jahrbicher, 85, 408-410) ;
porque antes dela, há a vontade do que a constituiu e a faz atuar. Em verdade, há causa mediata do ato ilícito
quando resulta de ato de outrem ou de fato ilícito quando provém, imediatamente, de animais ou de coisas. A
imediatidade do ato culposo é que faz a chamada responsabilidade subjetiva; a mediatidade é que permite
pensar-se, sem razão em responsabilidade objetiva. Porque a responsabilidade objetiva, sem essa explicação, que
a nega, seria monstruosa, fora da linha histórica do pensamento jurídico. A própria fórmula “onde está o interesse,
está e perigo~~, ou “procedem a próprio risco”, n~e faz mais do que pôr o “interesse” no suporte fáctico, sem
atender a que, na regra jurídica, se êsse elemento como suficiente para a presunção. A afirmação disso, que pode
ser sem grande alcance para a aplicação da regra jurídica, pode ser de enorme importância se se examina, de lege
ferenda, a regra jurídica, ou quando se cogita da apreciação da constitucionalidade do seu conteúdo.
Procurou-se explicar a chamada responsabilidade sem culpa pela representação principalmente na Itália (G. E‟.
CHIRONI, La Colpa nd diritto civite odierno, 2a ed., 17, 871 e 887; M. RTCcÂ-BÂRBERTS, La Responsabilitá.
senza oolpa, 54 S.; FRANCESCO CÂRNELUTTT, Teorixt generale dei Diritto, 825 s.); porém é absurdo
pensar-se em representação do empregado pelo empregador, do filho pelo pai, ou da emprêsa pelo dono dela.
Mais ainda, em fiança do preponente pela culpa do preposto, contratualização desabusada do ilícito absoluto. Não
se pode dizer que os legisladores não tenham admitido a responsabilidade pelo fato; mas à civilização, a que
correspondem os sistemas jurídicos que estudamos, repugna que se dispense existir qualquer nexo psicofísico,
ainda mediata a culpa. Onde se diz que não no há, ou há vontade anterior, em gênero> ou em categoria (cf. FRITZ
SCHREIEIL, Schuld und Unrecht, 1, 76); ou nada há, nem se presume de algo, e então a regra jurídica se choca
com o sistema em que o legislador a inseriu. Ésse choque teria de ser sofrido pelos responsabilizados se todas as
regras jurídicas fôssem da mesma resistência; ocorre que, onde há apreciação da constitucionalidade das leis,
regras jurídicas há que preponderam e pode ser decretada a nulidade da regra jurídica contrária a direito
constitucional. O legislador tem de formular a regra jurídica de modo que não elimine, no suporte fáctico, o
elemento necessário e suficiente àpresunção da culpa. Não se pode dizer que o eliminou quando responsabilizou
as companhias de estradas de ferro ou de navegação aérea pelos danos oriundos de fagulhas das locomotivas, ou
pela queda de aviSes; mas tê-lo-ia eliminado se responsabilizasse a companhia de estradas de ferro e de outros
transportes pelo dano causado pela bomba posta nas linhas ou no aeroporto por alguém estranho ao serviço.
A culpa pode ser in abstracto ou in concreto. O titular do pátrio poder responde, no direito brasileiro, como
qualquer homem normal. O cônjuge, que não é usufrutuário, nem administrador dos bens de outro, responde in
concreto, como depositário (cf. Tomo II, § 178, 3). Uma vez que se leva em consideração a individualidade
daquele de que partiu a infração , a culpa é in concreto. Responde-se conforme se sói praticar o ato, positivo ou
negativo (diligentia quam in suis rebus adbibere solet). Cf. J. BARoN (Diligentia exactissima, diligentissimus
paterfamilias oder die Haftun,g fzir Custodia, Archiv flir die civilistisclie Praccis, 52, 4495; J. CHIt. HÂSSE, Vis

.~> a]
Culpa des rõrniscken Reehts, 216, 351, 408 s., e 413; KURT V. MUTZENEECHER, Beitrilge zur Lehre von der
culpa in conereto, 18, 61 s.).
A regra é que a culpa se aprecia in abstracto, isto é, sem se atender ao estado psicológico do agente. A culpa in
concreto é exceção. Exemplos: a legalização da assinatura nos papéis de expediente, com data atrasada, ou
antecipada, caso em que, sem outros elementos, a verificação tem de ser indulgente; em relação aos pais, cujos
meios de existência não permitem os devidos cuidados quantos aos filhos. Mas o amador, em vez de profissional,
o aprendiz, em vez do mestre, são responsáveis como êsses, e a jurisprudência que desce a apreciação in concreto
se arrisca a sutilezas em nada recomendáveis.
Ao contrário do que ocorre nos negócios jurídicos, especialmente nos contratos, a vítima não teve em conta o
ofensor, nem se há de investigar o motivo para o ato ofensivo. Daí não se precisar dizer que à abstratividade se
chegou para se evitarem dificuldades, às vêzes insuperáveis, da verificação em concreto (e. g., H.
FROMAGEOT, De Ia Faute comme source de la Resposabilité en tIroU privé, 39). Uma das mais relevantes
exceções ao princípio da responsabilidade iii abstracto está no ser irresponsável quem não podia impedir o dano.
Alguns autores afastam o adágio iii. lego Aquilia et lovissima culpa venit, porque se o agente atendeu ao uso so
excepcionalmente comete ato ilícito. Outros defendem o adágio por entenderem que pouco importa como se
operou a lesão: o que se quer, o que se tem por fim, é a reparação dos direitos lesados.
Sabemos que subjetivamente, e não só objetivamente, o dano é relativo (HANS ALBRECHT FISCUER, Der
Schaden nach. cem BGR. f‟iir das Deutsche Reich, 14; JOSEF MAUCZKA, Der Rechtsgrund des
Sch,adensersatzes, ausserhalb bestehender Schuídverhãltnisse, 28, 30). Também o é no caso de diligêneia:
quando se diz que há d‟e ser a diligência média (termo bem vago), têm-se em mira os casos ordinários, em que as
circunstâncias não exigem do agente outros cuidados. O motorista do caminhão deve ser mais prudente que o
cocheiro do carro. A culpa in abstrato seria impossível, práticamente. Quem já viu o homem médio? Quem
conhece o “bom pai de família”? zQue tem a diligência do “bom pai de familia” com a do motorista, êsse mesmo
motorista em que se encarna, no dizer do conde de KEYSERLING, a nova era: homem primitivo adubado pela
técnica, criador de um estado de alma social, que faz, numa parte do mundo, a extrema direita e, noutra, a extrema
esquerda?

Designam a ~mesma coisa a simples expressão diligentia e as demais: exacta diligentia, exactissima diligontia,
omnis diligentia; e bem assim, contrariamente : culpa, levis culpa, tevissima culpa omnis culpa.
Para a distinção há de haver o conhecimento dos costumes do povo, do caráter da população e das relações
particulares; teia, como se avalia, assaz densa, em que facilmente se enredaria o pesquisador, e abismo, em que se
empregaria a própria ciência de hoje. Seria preciso aquela escala barométrica da culpa, a que se referiu LUDWIG
ARNDTS (Lehrbuch der Pandekten, § 86, 121).
Não há defender-se o conceito da culpa lovissima, a culpa que existiria mesmo se observada a diligência de
homem normal (J. CHR. HÂSSE, Die culpa dos rõmischen Rochts, 1 s.). Certo é que, muitas vêzes, e
acertadamente, a despeito da diligência, é obrigado alguém por fato ilegal; mas então não é na negligência, na
culpa, que se funda a responsabilidade.
O professor de ginástica, ou de qualquer movimento físico, pode ser responsável pelo dano, O que se exige é que
tenha havido culpa e causação (cf. RICHAR.D WEYL, liMe Haftung fúr tlnfãlle bei Leibesúbungen, Zeitschrift
filr Turnem und ~Tugendspiol, X, 2 s.).
Quem tem a propriedade do bem e não tem a posse própria pode causar danos à posse alheia, como o possuidor
próprio os pode causar à propriedade. Terceiro, que tenha posse imprópria, pode ser responsável por danos à
propriedade ou àposse, ou a ambas, e o proprietário ou o possuidor próprio é responsável pelos danos que causa à
posse imprópria. Tem-se de classificar a responsabilidade, porque, se há contrato entre o responsável pelo dano e
quem o sofra, pode ela ser contratual, inclusive em se tratando de frutos (cf. WILEELM Nuss, Die rechtlichen
BeMehungen zwischon. den beteiligten Personen, wenn aul einem vom Niessbrauchor verpachteten
Grundstitclce Friichte auf dom Haimo teUs beschãdigt, teUs entwendet <worden. sind, 20 s., 40 s.).
As coletas que se fazem sem existir sociedade que delas se encarregue, juridicamente, ou instituição, que as possa
fazer, dão ensejo a que se tenha de proteger o público que para elas concorreu ou os beneficiários que se
apontaram para a aplicação do que se apurou. Há, ainda, o problema das prestações de contas. Falta, no direito
brasileiro, regra jurídica escrita como a do § 1.914 do Código Civil alemão, em que se fala de designação de
curador, se vierem a faltar aquelas pessoas indicadas para que captassem os recursos e os apli cassem. Aliás do
iure condondo a melhor solução seria o dever de registo de remessa das contas a algum juiz,. pois que é
passageira a finalidade, e temos de admiti-la, praeter legom (Tomo IX, * 1.041, 1). A ação de prestação de contas,

.~> a]
por parte de qualquer contribuinte ou pessoa beneficiável, é inafastável. A coleta pode ser com elemento seletivo
(e. g., entre pessoas do nível a ou dos níveis a e b; entre médicos ou professôres, ou entre pessoas que freqUentam
determinada igreja), ou sem qualquer seleção (invitações ou ofertas ao público; (cf. KRÚCXMANN,
Kommissionen, Romitees, Ausschússe, Archiv flir Rilrgoriiches Rechi, VIII, 72).
As emissões ou empreendimentos de coletas, mesmo como emprêsas, não são de hoje, nem do século passado
(Hrr~MANN ISAY, Zur Lehre von den Sammelgeschãften, Jherings .Tahrbilcher, 36, 409; JTJLIUS
KLEEMANN, fie Pflegschaft fui‟ em Sammelvormõgen, 10 s.; sem razão, GEoRG BAUM, Das schwebende und
das widorrufliche Eigentum, 28).
Sôbre as coletas e os problemas em geral, Tomos 1, § 103, 2 e 8; IX, § 1041, 1.
O ter ocorrido dano é elemento necessário para qualquer indenização, mas de jeito nenhum se pode considerar
elemento suficiente. Daí ter-se de repelir a teoria subjetiva, que foi sustentada por FRANZ RENSING (Pio
Widerrech,tlichkeit ais Scha-. den,sersatzGrund nach sckwoizorischom Obligationonrochi und dom Entivurf o
duos RGR., 1 s.>. Nem é necessário ter havido infração de direito objetivo (teoria objetiva), porque direitos
subjetivos, que emanam de regras jurídicas, nem sempre têm a proteção de regras jurídicas explícitas. O
demandante tem o ônus da prova de ilicitude, o que não se compreenderia se bastasse ao suporte fáctico o fato de
haver dano. A violação do dever contratual, ou negocial em geral, só é ilícito absoluto. Mas é ilícito o ato do
terceiro que impede E de pagar a O. O locatário pode cometer ato ilícito absoluto em bem de que tem contrato de
locação. Quem boicota comete ato ilícito absoluto; quem difama para vencer na concorrência, comete ato ilicito
absoluto. Quem calunia para que B não case com A, comete ato ilícito absoluto, mesmo se a intenção não foi a de
impedir o casamento. Quem, sem permissão do serviço de tráfego, dirige carro (=não tem carteira), responde pelo
dano a que deu causa, porque é para a proteção do público que se exigem os exames e a expedição do documento.
Os direitos de personalidade, uma vez que haja dano
econômico ou moral são protegidos. O convidado para festa, em que se exige veste especial, ou adequada ao fim
do convite, se comparece contra o que se esperava e isso dá ensejo a danos, por êles responde. O funcionário
público, que faz o contribuinte pagar mais do que devia pagar, e a culpa é sua, responde pelos danos. Quem pede
a decretação de abertura da falência de outrem e não havia razão para isso, responde pelos danos. Pôsto que qui
jure suo utitur neminon laectit, o que causa danos de má fé, por êles responde. Daí o principio de responsabilidade
pelo abuso do direito.
Pode ocorrer que o ato ofensivo não seja ilícito absoluto, como se o funcionário público, no exercício dos podêres
que lhe atribui a lei e dentro dos limites da sua competência, causa danos a alguém (e. g., ao dono do bem
desapropriado, ou prende como em flagrante quem, depois, se vem a saber que apenas se defendia), O pai ou a
mãe ou o tutor ou o curador que prende num quarto o filho, tutelado ou curatelado, ou lhe dá alguma pancada,
pode não cometer ato ilícito absoluto. Por outro lado, quem exerce direito de propriedade ou de posse pode
cometer ato ilícito e responde pelo dano causado, se abusou do seu direito.
Em princípio, o consentimento do lesado ao ato pré-exclui a ilicitude. A manifestação unilateral ou plurilateral,
ou bilateral pode tornar lícito o ato que, sem ela, seria ilícito. Idem, se se trata de ratificação, ou de retificação.
Vejamos as teorias sôbre o fundamento da responsabilidade.
Sem culpa, dizia-se, nenhuma reparação. Está em R. VON JHERING (Das Schuldmomcnt im ràntischen
Privatrech, 50:
“Ohne Schuld kein Schadensersatz”). Contra o dogma levantou-se E. LONINO (Vi0 Haftung des Staats aws
rechtgwiv,riyen Handiungeu seiner Beamten, 9, 54, 109 e 88-89), em 1879. Depois, G. A. PFAFF (Gutachten
jiber die boantra>gte Revisiou, 8, 9 e 11), nos seus pareceres sôbre textos do Código Civil austríaco (1880).
Certa originalidade apresentaram VIciOa MAnJA (Das Recht des ScMdenersatzes vom Standpunkt der National
Ôkono‟rn,ie 1 s.), e EMIL STEINBÂOH (fie Grundsiitze dos heutigeu Rechts ii boi‟ deu Ersatz vou
Vermtige‟nschaeden, 19 a.). Após êles, JOSEPH UNGER publicou primeiro nos .Jherings Jahrbijcher (30,
363-421) ; depois, em separado, o estudo Handeln auf cigene Gefahr, onde para certos casos de danos sustentou o
princípio: “eigenes Interesse, cigene Cofahr”. Atendia, assim, não só à culpa, mas também à situacão econômica
dos interessados.
Na história do assunto, não podem ser esquecidos W. SjôGREN (Zur Uehre von d‟en Formen des Unrechts und
Thatbestiinden der Schadenstiftung, Jherings Jahrbiieher, 35, 343-
-430), R. MERXEL (fie Koltision rechtm~1.ssiqcy !Ntú»essert und die Schadensersa.tzpflicht boi
rechtnziissigen Handiungeu, 10), ErncH JUNO (Delikt und Schadenszui‟echnung, 1 s.), e MAX RÚMELIN (Pie
Unindo &r Schadonszurechnung uM die SIeilung dos BUR. zui‟ objektivon Schadense‟rsatzpflicht, 71). Então já
se tratava de construção da responsabilidade sem culpa.

.~> a]
O primeiro distinguiu a causa efliciens e a causa finalis nos casos de responsabilidade. Há ações que têm em si
fim objetivo, distinto do fim subjetivo. Tal a emprêsa industrial. Numa e noutra causalidade (eficiente e final) há
momento sintomático, que decide da responsabilidade. A doutrina de R. MERKEL não passou de variante da
teoria de JOSEPE UNGER.
Para VICTOR MATAJA, se o dano provém do acaso, nada se tem a fazer: i‟es perit domino. Mas, por vêzes, não
está o proprietário em situação de precaver-se, e. g., se está alugada a coisa. Pense-se no art. 1.208 do Código
Civil.
RAYM‟OND SALEILLES (Les Accidents da travail ot la Responsabilité civile, 52 e 105) via no Código Civil
francês, artigo 1.382 (“Tout fait quelconque de l‟homme, qui cause àautrui un dommage, oblige celui par la faute
duquel il est arrivé à le reparer”) e no art. 1.383 (“Chacun est responsable du dommage qu‟i] a causé non
seulement par son fait, mais encore par sa négligence ou pour soil imprudence”) o principio de que “obrigar à
reparação o fato do homem constitutivo do dano”. Onde há a relação de causalidade, há o dever de reparar, a
responsabilidade. Seria, pois, insuficiente, sem efeitos, a prova da ausência de culpa subjetiva. O art. 1.383 do
Código Civil francês corresponde, segundo êle, ao fato negativo. A indagação subjetiva de nada importa. Mas,
baseada em POTHIER, continuava a dominar a teoria francesa; e o próprio RAYMOND SALEILLES recorreu,
depois, à idéia de responsabilidade pela criação de riscos anormais.
Também excluiam o elemento subjetivo LÉoN MICILEL (Responsabilité civile das patrons envei‟s les ouvriers,
605-607), que admitia a irresponsabilidade se há culpa da vítima, e M. TEISSEmE (Essai d‟une Tlzéorie genérale
sui‟ te Fondemont de la Respansabilité, 156 s.), que via nos danos enconti‟o de atividades, pelo qual deve
responder quem preparou o encontro, que é solução menos injusta; mas 1W. TEISSERIE apenas mascarava a
teoria clássica.
P.MARTEAU (La Notion de Causalité dans la Responsabilité civile, 154-159), pretendia que à teoria da
responsabilidade objetiva se faça a limitação concernente à consideração da pessoa. É alguma coisa como a culpa,
que intervém, não para ser condenada, porém como idéia de elemento subjetivo limitante.
E.PORCHEROT (De tAbus de di‟oit, 136) conservou a idéia de culpa quando se exercem direitos indefinidos: a
liberdade, por exemplo. Quanto aos definidos, não. Para ser responsável basta ter ultrapassado os limites do seu
direito. É interessante ver-se que a teoria do abuso do direito procurou deslocar as velhas teorias gerais e explicar,
só por si, a responsabilidade civil.
Na confiança funda EMMANUEL LÉvY (Responsabilité et Contrat, Révue critique, 1899, 361-383) a sua teoria
de responsabilidade. É preciso que o lesado conte com o seu direito ou com a situação de segurança, que o ato
lesivo veio, insôlitamente, destruir. L. DUGUTT (Les Ti‟ansformations du Droit privé depuis te Code Napoléon,
139), E. TRIANDAFIL (L‟idée do Paute et l‟Idée do Risque comnte fondement de la responsabilité, 183-198), e
E. BETrREMIEUX (Essai historique a critique aui‟ te Fondoment de la Responsabilité civile en droit français,
105 s.) reputaram insuficiente a doutrina da culpa.. Todos os três estavam de olhos fixos nos acidentes de
trabalho. Ubi emolumentuin, 114 anus. Todos reflexos tardos de dou--trinas alemãs do século passado.
Certamente, a teoria da responsabilidade tem de variar. Muda, às vêzes, com o conteúdo do próprio conceito de
dano. Com as necessidade gnosiológicas, econômicas e políticas da. sociedade. A teoria teria de ser a do
momento histórico, porque, explicada a noção de responsabilidade, a teoria não seria matéria de ciência, mas sim
de técnica econômica política e jurídica.
Assim, nos nossos dias, já assistimos a mudanças radicais em matéria de responsabilidade. Individualismo:
princípio de independência dos indivíduos, atomismo social; se A procede com prudência, não é responsável.
Autonomia da vontade + culpa extracontratual teorias clássicas da responsabilidade civil. Transição: intervenção
da máquina; grande número de acidentes, calamidades nas classes operárias, movimentos de revolta de classe;
insuficiência do Estado para amparar os menores, as viúvas e os velhos. Maior atenção às vítimas.
ConseqUências-ensaios: mutualismo, responsabilidade por acidentes (interpretação semiclássica:
responsabilidade pela causa finatis, adágios como Eigenes Interesse, eigene Co falir, e Ubi emolumentum, ibi
ônus ; interpretação nova: responsabilidade objetiva, responsabilidade sem culpa). Solução científica:
responsabilidade social e individualização pelo dano.
O individualismo jurídico, para que, no campo das idéias, seja admissível, tem de justificar-se com o ideal da
realização pluralística, individual, da justiça: o dano sofrido por A deve ser ressarcido a A e, porque foi B que o
praticou, a E cabe ressarci-lo, se pode. Grifamos as duas últimas palavras> pelo fato de constituírem, por si sós, a
crítica ao falso ideal, que o atomismo político pretende, fundado em egoísmo, levar a cabo. O indivíduo recebe o
quanto da satisfação, se E pode pagá-la, isto é se tem haveres (quer dizer: se fôr rico ou> pelo menos, abastado).
Mas A precisa poder (isto é, ter dinheiro, independência) para eficazmente pleitear o que lhe é devido.

.~> a]
O que, até certo ponto, afasta os graves inconvenientes de tal sistema irracional de organização jurídica, é a ação
da polícia preventiva, das sanções penais e dos costumes. Restaurar a ordem justa, o que era, tal o fim das regras
jurídicas do Código Civil, arts. 1.518; mas o ressarcimento, a policia e as sanções não conseguem manter o que é
e restaurar o que deixou de ser. Muitos casos concretos ficam escapos a tais expedientes adaptativos.
3.SUPORTE FÁCTIGO DA ILICITUDE ABSOLUTA. A derrelicção, como a denúncia, é negócio jurídico (não
a apropriação, a tomada de posse, como queria M. WLASSACK, Das Rechtsgeschãft und das Verhãltnis der
Willens zur Erklârung nach dem deutschen BGB.. Allgemeino õsterreich,ische Gerichtszeitung, 53, 72; cf. Tomo
II, § 159, in fino). A vontade do resultado é assaz importante para o negócio jurídico, dá o critério para o conceito
e a classificação (WILHELM FICCE, Der Begriff der Unwirksamkeit im SOB., 16; EL SPECKA,
Rechishandlung (im Gegensatz zu Rechtsgeschãft) nach. gomoinem Recht uM BOR., 33 s.). Mas a vontade está,
também, em atos jurídicos stricto sensu, em atos-fatos jurídicos, e em atos ilícitos e atos-
-fatos ilícitos. A ilicitude, todavia, pode derivar de fato “stricto sensu” ou de ato involuntário a que a lei atribui
irradiação de responsabilidade.
O suporte fáctico do ato ilícito absoluto, do ato-fato ilícito absoluto, ou do fato stricto sensu ilícito absoluto, é
composto de tudo que a regra jurídica sôbre indenização exige para que se considere como ilícito absoluto o ato,
o ato-fato ou o fato stricto sensu. O delito, que dá ensejo à reparação do dano, é delito, mesmo se a sua eficácia se
diminui, ou fica encoberta pela exceção de prescrição. Daí não ser correto dizer-se que o suporte fáctico há de
conter todos os pressupostos para a eficácia (sem razão, MAx Lunwrn MULLER, Zur Lebre vou der Bedentung
dos Kausalzusammenhanges im Straf- ind Schadensersatzrecht, 5). O que se passa no direito penal (cf., por
exemplo, ERNST HELINO, fie Lelire vom Ver~brechen, 145 s.) é típico, e não se pode considerar, sempre,
ilícito absoluto para o direito privado, pôsto que haja coincidências em grande número de casos. Mas o suporte
fâctico é o que mais importa, e não a eficácia, a despeito de se olhar mais a pena do que o crime, mais o quanto
indenizatório do que a fonte da dívida por fato ilícito absoluto.
Outro ponto que se deve frisar é o de não ser essencial
mesmo em direito penal, onde é quod plerumtjue fit o valor individual da determinação volitiva, como queria
GusTAV RADERUCII (Der Handlungsbegriff in seiner Bedoutung fiir das Strafrechtssqstem, 17). O que mais
importa é a causação, a que alguém está ligado (ou causa), para que o direito prevaleça, a função e a dignidade da
ordem jurídica. A causação pode existir sem que exista no sistema jurídica, como se A vai com uma faca para ferir
B e C, que vem passando, a toma e diz que A esbofeteie B, e A faz graves lesões em B (não há responsabilidade de
C, cf. LUDwIG TRÁGER, Dor Kausalbogrif 1 im Straf- uná Zivilrecht, 57; W. voN BRÚNNECE, Die
herrsch,ende Kau.saiitãtstheorie und ihro ,Stellung zum Reichsstra.fgesetzbuch, 17). Não houve relação
concausal: no exemplo, o fato de retirar a faca não é concausa do delito de A (sôbre a concausalidade, cf. MAx
ERNST MAYER, fie Kausalzwsarítmenhang zwisch,en Handlung und Erfolg im Strafrecht, 14 s.). A lei pode
fazer responsável aquêle mesmo que não pode contecer a causa, como se ignorava que o seu cavalo se enfurecia
com as experiências nucleares que o seu vizinho fazia (cf. XV. HEIN, Die Vorleitung zum Vetragsbruch. nach,
búrgerlichem Recht, 53 s.). O fim do ato pode ser tão social que se pré-retire ilicitude ao ato, que seria ato ilícito
absoluto (A. MírnexA, fio Formen der Strafschuld uM ihre gesetzliche Regelung, 153), como o fim protectivo
pode ser tal que se dispense o elemento da culpa.
No tocante a instigadores e cúmplices, a causação também há de existir, em princípio, com os elementos
distintivos da autoria. Mas a responsabilidade sem culpa, ou com presunção de culpa, por parte de quem tem o
edifício, a construção ou o animal, pode existir ao lado da responsabilidade com culpa dos incitadores e dos
cúmplices. Tanto mais quanto a ratio legis pode partir de distinção entre intenção e negligência, ou mesmo entre
negligência conhecida pelo próprio agente e negligência que êle desconhece (cp. A. LÓFFLER, Die
Schuldformen dos Strafrechts iii veruteiche d4istorigchor und dogmatiacher Darstellung, 6 5.); A. MIRICKA,
Die Formou der Strafsckuu und ihre pos etzliche Regeiung, 105 a).
Questão assaz interessante é a de se saber se podem concorrer na mesma espécie a culpa contratual e a
extracontratual. Praticamente a hipótese interessa à prescrição e à prova. Não se há de negar a possibilidade do
concurso das duas responsabilidades ex contractu e ex detido, quando o inadimplemento de contrato também
constitui crime, quer de ação publica, quer de ação privada, de modo que a parte pode intentar a ação do contrato
ou a do delito. Então, electa una via, non datur recursus ad alteram, quer obtenha, quer não o ressarcimento, salvo
se na sentença se reservam os direitos de promover noutro juízo, ou se o mau êxito foi de origem exclusívamente
processual.
Se o fato culposo não constituí crime, é somente contratual a culpa. Se não constitui inadimplemento contratual,
pôsto que cometida a falta na ocasião do contrato, é só Aquiliana a culpa. Exemplos de dupla culpa: a) incêndio

.~> a]
propositadamente ateado pelo inquilino, b) abuso de fôlha de papel assinada, e) fraude do vendedor, d) lesões no
operário ou locador de serviços. Em todos êsses casos há o damnum injuria datum, mas também a ação ex
contraem. Convém notar-se que a real-lição não fica dependente de alternativa; o que dela depende é o
ressarcimento, que há de ser por uma das vias: ex contraciu, ou ex delicto; e nunca por ambas. Bona fides non
patitur, ut bis idem exigatur.
Mas o fato de haver proposto qualquer ação, quando dupla a culpa, e ter sido ressarcido o dano ao lesado, não
obsta á ação penal, que deva promover o Ministério Público (L. 48, § 1, D., de diversis regulis juris antiqui, 50,
17; L. 34, §§ 1 e 2, D., do obligationibus et actionibus 44, 7; L. 38, § 1, L. 43 e 47, pr. O., pro socio, 17, 2; L. 17,
pr., O. de dolo maio, 4, 8; L. 1, § 10, e L. 4, O., do lãs, quj effuderinm, vel deio~.corine, 9, 8).
Pode o juiz achar que não existem os elementos da culpa contratual, e os haja da culpa ex detido, e ineficaz foi a
eleição; é a própria justiça que nega o concurso e sem o concurso, não poderia haver alternativa, nem opção. Nos
contratos ferroviários é difícil distinguir-se da culpa extracontratual a culpa contratual no caso de perigos e danos
durante .as viagens.
É sempre civil a ação de ressarcimento do dano? Não pode ser comercial? A afirmativa tem conseqUências
práticas de grande interesse, como a prescrição. Ao versar a questão, escrevera Groaaxo Gionor (Teoria deite
Obbligazioni, V, 230):
„Quando de elementos de natureza comercial se constitui o fato ilícito, toma caráter comercial a culpa; mas parece
que tal transformação não se pode dar, sem ser por efeito de alguma cláusula contratual. Então é mais acertado
dizer-se que não se deve falar de delito ou quase delito, mas de culpa contratual”. Não há pretensão comercial a
ressarcimento de danos. A ação é sempre civil, salvo se há, na espécie, publicização.

§ 5.500. Abuso do direito

1. REGRAS JURÍDICAS A RESPEITO. Quanto ao abuso do direito, o que primeiro se impõe é compararem-se
os três códigos : o Código Civil alemão, § 226: “O exercício de um direito é inadmissível, se só tem por fim
causar dano a outrem”;
o Código Civil suíço, art. 2, 2a alínea: “O manifesto abuso do direito não encontra proteção jurídica”; o Código
Civil brasileiro, art. 160: “Não constituem atos ilícitos: 1. Os atos praticados no exercício regular de um direito
reconhecido”.
No direito alemão, o fim lesivo; no suíço, o caráter de manifesto abuso do direito. Ali, tira-se a admissibilidade;
aqui, a proteção jurídica. Prevalece a máxima qui suo iure utitur, nentine laedit. O que se exclui é o amparo pela
justiça (A. REICHEL, Einleitung, Kommontar zum Schweizerischen Zivilgesetzbueh,, 1, 11). Contra o exercício
de direito sem boa fé, há a exceção do dolo‟ e a de abuso do direito (MAX GMÚR, Kirttoitung, Kommentar zum
Schweizerischen Zivilgesetzbuch, 1, 55). No direito alemão, o que importa é o fim. Não se entra na indagação
psicológica de ser o único fim o de lesar, pois as circunstâncias podem apontá-lo como tal. Mas não basta que seja
o principal (G. PLANCK, Kommentar zum Bitrgoriiehen Gesetzbuch, ~, 4~ ed., 563; outra opinião, E.
HÓLDER, Konvmontar zum All.qemeinen TeU des SOB., 457; F. ENDEMANN,
Lekrbuch. des Buirgeriichen Redds, 1, 422, 10; B. MATTHTASS. Lehrbuch des Buirgorlichen Rodfts, 1, 158). O
dano a que se refere o § 226 não é só material; também se compreende como inadmissível o uso do direito que
ofenda a interesses imateriais (E. GOLDMANN u. L. LILIENTRAL, Das Bhirgerliche Geseizbuck, 1, 276; MAx
HACHENBURG, Das 8GB., Vortràge, 71: CARI.. CROME, System des deutschen búrgerlioken Rechts, 1, 530;
E. HÓLDER, Komrneníar zum Aligemeineu TeU des 8GB., 458).
No direito brasileiro, diz o Código Civil, art. 160, 1, que não constituem atos ilícitos os praticados em legitima
defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido”. Preferiu-se a forma negativa: em vez de se dizer que o
abuso dv direito não é admissível (Código Civil alemão, § 226), ou que deixa de ser protegido pela justiça o
exercício abusivo (Código Civil suíço, art. 2, 2~a alínea), pré-excluemse dos atos ilícitos os atos que constituem
exercício regular. O irregular é, pois, ilícito. Desde logo observe-se que a expressão “direito reconhecido” não foi
feliz, porque, se há reconhecimento, há alguém que reconheça, e não se há de interpretar que êsse alguém seja o
próprio titular, ou o público, nem, tão-pouco, que o terceiro ameaçado de exercício irregular do direito tenha de
reconhecer. Reconhecer é manifestar conhecimento. O exercício há de ser regular; o direito, êsse, há de existir. Só
isso é que se há de exigir. O próprio lesante pode ignorar que o direito não existe; exercendo-o e lesando a
alguém, tem de indenizar. O lesado, que acreditava existir o direito, diante, por exemplo, de alegações e dados,
talvez falsos ou não-invocáveis, que lhe apresentou o pretenso titular, ou alguém por êle, tem ação pela
indenização dos danos sofridos.

.~> a]
Repugna à consciência moderna a ilimitabilidade no exercício do direito; não nos servem mais as fórmulas
absolutas do direito romano. Ao neminem iaedit qui suo iure utitur consagrou a jurisprudência européia
limitações importantes, que chegaram ao conceito final do abuso do direito. Já a doutrina alemã, firmada em
precisa concepção germânica, declarava que todos os direitos implicavam deveres e continham, pois, algo de
indilatável; donde o limite moral inerente a todos (OTro VON GIERRE, Der Entwurf cines 8GB. und das
Deutsche Recta, 183; Deutsches Privatrechi, 1, 319-320). Talvez tivesse razão quem apontou tal teoria como
exemplo de reação das idéias sociais e econômicas sôbre o direito, de modo que tende a tornar-se dever o direito
subjetivo (Z. M. PERIT5CH, Die gegenxvã.rtige Richtung der privatrechtlichen Studien in Frankreich und
Deutschland, Bliitter flir vergíeichende Retidawissonsohaft und Volkswirtsckaft, II, 376 s.), o que confirmaria
idéias de AUGUSTO CoMm; mas, precisamente, o que se deu foi a evolução dos processos individualistas de
justiça, criando-se a solução que se devia dar nos casos de colisão de interesses, assegurados, cada um de per si,
pelo direito.
Cientificamente, todas as relações jurídicas são, especificamente, relações de adaptação. Não podiam, pois, ser
absolutamente rígidas. Como concebemos o mundo qual conjunto de átomos, que se condicionam, temos de
considerar o mundo jurídico como conjunto de relações jurídicas, de direitos. A coincidência da imagem é
fecunda, porque em todo átomo há o elemento negativo e o positivo. Se são relações de adaptação as relações de
direito, se, entre si, todas se tocam, ou podem tocar-se, não seria concebível que, sendo relações adaptativas, não
se conciliassem. Não quer isso dizer, como pareceu a RAYMOND SALEILLES (De la Personaiité juridique,
542), que o abuso do direito constitua o corretivo indispensável do direito subjetivo. Não se trata de corretivo aos
direitos subjetivos, mas de situação de existência dêles. O individualismo, querendo engendrar a ilimitação dos
direitos subjetivos, a existência dêles como autônomos e sós, criou o que não entrava nos seus planos: a
relatividade de todos êsses direitos, concebidos pelo atomismo social, que está na doutrina individualista.
Do absolutismo, não como reação, pois a reação seria a negação do direito subjetivo, porém como conseqUência,
surgiu a doutrina do abuso do direito. Tal doutrina não deriva de reações ao individualismo; é efeito do regime
indiviualista. Se todos têm, de per si, direitos, se o espaço A pode ser preenchido pelo exercício de mais de um
direito, é de mister que se regule essa possibilidade de relações entre direitos. A doutrina do abuso cio direito
constitui, portanto, a teoria (individualista) das relações entre direitos individuais. ~Socializa-se, com isso, o
direito? Não; conhece-se melhor o aparelho individualista e procura-se prover a casos que, inicialmente, antes do
individualismo, não se manifestavam tão importantes. O que, então, cumpre fazer-se, é regularem-se as relações
recém-conhecidas, isto é, essas relações entre direitos. Como regulá-las? Os críticos divergiram. Pode-se resolver
a parte subjectiva.
Pergunta..~: ~ O abuso do direito, sem fim 1h-cito ou sem fim de prejudicar, pode ser tido como sempre
admissível? Responde-se: ou a) “Sim, porque só a intencionalidade maliciosa o infirma”; ou b) “Não, porque,
ainda sem a malícia, se fôr manifesto o abuso do direito, não pode ser protegido pelo direito”, ou e), entre outras
soluções possíveis, “A atribuição de um direito leva consigo a condicionalidade:
nao ofender o direito dos outros” (a parte objecti). O que é certo é que o direito só tem significação pelo contacto
com outro; como a superfície depende da outra que a limita. Qual o melhor critério? O critério a. parte subjecti
veria no fim, na vontade, na intenção nocente, o que constitui e denuncia o abuso do direito. Ésse não é, nem o
critério da lei suíça, nem o da brasileira. Aquela optou pela objetividade manifesta; essa, pela irregularidad 0
mesma do exercício. São ambas partidárias de soluções objetivas. A alemã preferiu referir-se à intencionalidade e
à ofensa aos bons costumes.

2. DIREITO ROMANO. Diz-se na L. 1, § 12, D., de aqua et aquae pluvute arcendae, 39, 3 (Ui~i.u~o): “Denique
Marceilus scribit cum eo, qui in suo fodiens vicini fontem avertit, nihil posse agi, nec de dolo actionem: et sane
non debet habere, si non animo vicino nocendi, sed suum agrum meliorem faciendi id fecit”. O proprietário pode
abrir sulcos no seu prédio, prejudicando as fontes do vizinho, mas, se o faz para melhorar o seu e nao com o ânimo
de prejudicar o outro. Era, como se vê, o princípio do absolutismo jurídico, com a exceção restrita ao dano
intencional. (Sôbre a L. 1, § 12, há velha opinião acolhente, que se assentava em doutrina e antiga jurisprudência
francesa, cf. C. DEMOLOMBE, Cours de Code Napoléon, 11, 82, aliás contra; E. PORCHEROT, De tAbus du
droit, 215; Louís JoSSERAND, De tAbus des droits, 44.)
Lê-se na L. 2, § 9 (PAULO) : “Idem Labeo ait, si vicinus flumeu torrentem averterit, ne aqua ad eum perveniat, et
hoc modo sit effectum, ut vicino noceatur, agi cum eo aquae pluviae arcendae non posse: aquam enim arcere hoc
esse curare, ne influat. quae sententia verior est, si modo non hoc animo fecit, ut tibi noecat, sed ne sUfi noceat”.
Também nesse caso, havendo inundação, se as obras do proprietário do prédio invadido ofenderem ao do vizinho,

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6 não terá êsse a ação aquae pluviae arcendae; salvo se feitas, não para impedir danos ao seu prédio, e
6 sim para lesar o outro. Pura concepção intencionalista do abuso do direito.
Também a lide temerária constituía, às vêzes, abuso de direito.
A regra jurídica é que o exercício do direito não cria responsabilidade, mesmo se prejudica ou se causa danos;
nem se pune: “Nuílus videtur dolo facere qui iure suo utitur. Qui jure suo utitur neminem laedit”. “Nemo damnum
facit, nisi qui id fecit, quod facere ius non habet” (L. 151, D., de diversis regulis iuris antiqui, 50, 17). “Non
videtur vim facere, qui jure suo utitur et ordinaria actione experitur” (L. 155, § 1). “Nihil dolo creditor facit, qui
suum recipit” (L. 129, pr.). Na L. 26, D., de d,amno injecto a de suggrundis et projectionibus, 39, 2, lê-se:
“Proculus ait, cum quis iure quid in suo faceret, quamvis promisisset damni infecti vicino, non tamen eum teneri
ca stipulatione: veluti si juxta moa aedifica habeas aedificia eaque iure tuo altius tolías, aut si vicino tuo agro
cuniculo vel fossa aquam meam avoces: quamvis enim et hic aquam mihi abducas et illic luminibus officias,
tamen ex ea stipulatione actionem mihi non competere, scilicet quia non debeat videri is damnum facere, qui eo
veluti lucro, quo adhuc utebatur, prohibetur, multumque interesse, utrum damnum quis faciat, an lucro, quod
adhuc faciebat, uti prohibeatur. mihi videtur vera esse Proculi sententia.”
Disse PRÔGULO que, se alguém faz algo no que é seu, mesmo se prometeu a respeito de dano que ameaçava,
não está vinculado a estipulação. Por exemplo, se junto dos novos edifícios tiveres edifícios e os elevasses mais
altos em uso do teu direito ou se levasses a campo vizinho tua água, que é minha (aquam meam), com um conduto
subterrâneo ou por um canal. Porque, a despeito de nesse caso me tirares água, e no outro prejudiques as minhas
luzes, não me compete ação pela estiuulaçio. Não deve parecer que sofre dano aquêle a quem se impede lucro que
até agora desfrutava, e há muita dieferença

entre quem sofre dano e aquêle a quem se veda colher o lucro que até então colida. ULPIANO reputava certa a
opinião de PRÓCULO.
Os titulares do direito gozavam, pois, de regra geral de imunidade. Era a fase que chamaremos do individualismo
teórico, antes de se exercitar completamente, antes de havermos olhado e visto as suas lutas íntimas, as suas
colisões resolvidas de interesses, as suas contradições e choques entre direitos. Só depois e por isso mesmo que se
praticou o individualismo feroz, foi que o legislador no sentido geral de criador de soluções jurídicas teve de
ressalvar certas situações e iniciar, casuística e, mais tarde, aprioristicamente, a teoria do abuso do direito. Na sua
primeira fase, tinha de ser subjetivista. O direito romano vedava que se exercesse o direito só para prejudicar a
terceiro. Repugnava-lhe tal exclusividade nocente do exercício. Às vêzes como se deu no caso do fumo impôs
reparações. Era a pura casuística. Com QUINTUS Mucius SOAEVOLA, introduziram-se as noções de uso
normal e de uso anormal. ULPIANO e JAVOLENO parecem precursores de certas doutrinas. Mas o direito
romano não tinha doutrina geral senão a do absolutismo jurídico; as exceçoes não cabiam em princípio
consistente.

3. DOUTRINA MUÇULMANA. Na doutrina muçulmana pergunta-se: se o vizinho, sem ter feito abertura nos
muros, eleva de tal modo a construção que me priva do sol, que antes entrava em minha casa, e da brisa, que me
refrescava a habitação, queres tu que tenha eu o direito de impedir a construção, pois que me priva de tais
vantagens? “Não”, responde IBN AL QASEM (Ei moda ouanah, 719-806); cf. MAHMOUD FATHY (La
Doctrine de I‟Abw9 des droite, 197), “por essas razões não é possível a proibição. Mas impedir-se-á se quer abrir
buracos que lhe permitam ver o que se passa em minha casa. fl isso o que se lhe interdiz, e então se pode dizer:
Feche-as !“.

4. DIREITO PENINSULAR E LUSO-BRASILEIRO. No direito das Partidas há limitações e regras jurídicas


implícitas: a da propriedade, diz-se, por exemplo, que é “sefiorio de la cosa, y seflorio es poder que orne ha en su
cosa de facer della o em elIa lo qui quisiere, segun Dios e segun fuero” (Partida 3a, TiL 38, ley 13). “Dios”, ai, é
a moral, a eqúidade. Mas prevalecia a velha regra; tanto assim que lhe encontramos, debaixo da epígrafe “Como
non faze injuria a otro quien usa de su derecho”, a declaração (Tit. 34, ley 14, Partida L~)
“E aun dixeron los Sabios: que non faze tuerto a otro, quien usa de su derecho”. Cf. J. CALVO SOTELO (La
Doctrina dei Abuso dei Derecho, 51).
5. Discussões DOUTRINÁRIAS . Para a maioria dos homens, os direitos aparecem como o que êles podem
fazer, cobrar, exigir. Têm das situações jurídicas em que se acham, ou em que se acha alguém, impressão de
projeções do eu. O mundo é organizado de tal forma que êsses direitos, bilhões de direitos numa só cidade a

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propriedade dos prédios, dos móveis, das jóias, as notas promissórias, as ações, o ordenado, a entrada dos teatros
e cinemas se lançam, se cruzam, sem que nunca se choquem, ou se firam. Dificilmente se compreende que haja
embaraços ao exercício dêles, entre si. Por que haviam de não coexistir, confortavelmente , sem se tocarem, o
meu direito de autor e o direito dos outros às suas casas, ao seu quintal, à eletricidade que os serve? Por aí se chega
à concepção absolutista, atômica, dos direitos subjetivos. Nenhum depende do outro; nem ofende o outro.
Movem-se, convivem, sem nunca se encontrarem. Ainda dos direitos dos condôminos, dos compossuídores, dos
sócios, tem-se idéia pluralística, que não chega a ser, molecular. Linhas. Não mais do que linhas. E sem que uma
atravesse a outra, ou a corte. O egoísmo humano encontra em tal noção da vida jurídica a imagem que mais lhe
agrada. O indivíduo como que se libera nesse infinito de órbitas, de trajetórias coerentes e inflexíveis. Assim seria
o mundo jurídico. Aqui e ali, uma ou outra limita çdo dos direitos, mas feita pela lei. Os juristas logo a inserem
nas definições, nos efeitos, nas modalidades. E os direitos como que se retraem, para que se não tenha a impressão
da restrição, do corte.
Mas o mundo jurídico não é assim. Nunca foi. Os direitos topam uns nos outros. Cruzam-se. Molestam-se. Têm
crises de lutas e de hostilidades. Exercendo o meu direito, posso lesar a outro, ainda se não saio do meu direito,
isto é, da linha imaginária que é o meu direito. A regra *Nento injuria faeit qui jure suo utitur traduziu bem o que
pensam os que vêem nos direitos um absoluto.
Há limites aos direito3 e há abusos sem traspassar limites. Não se confundam limitação aos direitos e reação ao
abuso do Direíto. Quando o legislador percebe que o contôrno de um direito é demasiado, ou que a força, ou
intensidade, com que se exerce, é nociva, ou perigosa a extensão em que se lança, concebe as regras que o
limitem, que lhe ponham menos avançados os marcos, que lhe tirem um pouco da violência ou do espaço que
conquista. Não era sem certa razão que os juristas passavam a incorporar ao conceito, diga-se assim, a própria
restrição. Se faço vir mais para trás a cêrca do meu quintal, ou construo muro aquém do que havia, o meu quintal
é o que fica entre os outros lados e a nova cêrca, ou o nôvo muro. Mas, em verdade, a concepção absolutista
tomava a atitude corretiva a fim de continuar com a mesma visão dos direitos: sêres que vivem por si, sem peias,
dentro dos seus próprios limites. A limitação deformou o conceito primitivo. O historiador do direito vê bem o
que se passa: a contração morfológica, a plasticidade, o forçar-se a relação jurídica a esgueiramentos sinuosos.
Não se trata de conformações, mas de deformações .
O mundo dos interêsees é mais largo que o mundo dos direitos e deveres, O direito apenas cobre parte ínfima da
vida. O resto ou pertence à liberdade, ou cai sob o dominio compressivo do arbitrário governamental. A
civilização cresce fazendo maior o número de interesses protegidos sem opressão, deixando livres a ação e o
pensamento humano e submetendo a princípios a própria discrição administrativa, pela adoção de pautas, planos
e responsabilizações Muitas vêzes o exercício do direito de uma pessoa toca o direito ou o exercício do direito de
outra. Conhecem-se casos em que, convergindo na mesma pessoa dois direitos em sentido contrário, se dá a
confusão; Ou, se a contrariedade é inábil para produzi-la, ocorre a inutilidade do exercício (pedir A a falência da
companhia em que tem grande número de ações).
O estudo do abuso do direito é a pesquisa dos encontros, dos ferimentos, que os direitos se fazem. Se pudessem
ser exercidos sem outros limites que os da lei escrita, com iii diferença, se não desprêzo, da missão social das
relações jurídicas, os absolutistas teriam razão. Mas, a despeito da intransigência dêles, fruto da crença a que se
aludiu, a vida sempre obrigou a que os direitos se adaptassem entre si. no~ plano do exercício. Conceptualmente,
os seus limites, os seus contornos, são os que a lei dá, como quem põe objetos na mesma maleta, ou no mesmo
saco. Na realidade, quer dizer quando se lançam na vida, quando se exercitam técnica de coexistir, têm de
conformar-se uns com os outros.
Quem quer que examine a evolução do direito romano, vê que essa se descreve no sentido de quebrar-se o
absoluto dos direitos . Alguns anotam o caminho que vem do direito estrito à eqúidade . Outros poderiam apontar
certo Lencor à polícia dos direitos. Sociologicamente , o que se passa é o reconhecimento dos fatos da vida pelo
jurista, depois pelo próprio legislador. GAIO não inovava; observava, discernia, quando proclamou: “Male enirn
nostro iure uti non debernus”. Não devemos mal-usar do nosso direito. Mal-usar. Note-se o que há de qualitativo,
d‟e ético, nesse “male”. Por aí chegou o o jurista à justificação de se interditarem os pródigos e à proibição do
maltrato dos escravos. Não havendo teoria geral, regra escrita sôbre o abuso do direito, conquista recente, o
entrechoque deu ensejo a que outras regras se dilatassem e outros direitos surgissem. Direito e moral andam
parelhas. CELSO define aquêle em termos dessa: “lus est ars boni et aequi”; e PAULO explica que “Non omne
quod licet honestum est”. Frases significativas.
Quando se alastra o intelectualismo frio da escolástica, o absolutismo dos direitos reponta. A Idade Média crê nos
direitos que se estendem, como espadas, e em superposições que os levam a paralelismos de vitrais. Quase se

.~> a]
chega a esquecer qualquer brocardo que lembre o “Summum ius summa iniuria . Mas a Renascença vem. Falha
num país, vence noutro. De qualquer modo, as rigidezas se arrebentam, cedem. Ora mais, ora menos. No século
XVI, diz Gu~ COQUILLE: “Donc, nos coutumes sont notre vrai droit civil; et sur ceiles faut raisonner et
interpréter ex bona et aequo, ainsi que faisaient les jurisconsuítes romains sur les bis et édits: et faut dire quod
fit ars bani et aequi, et non pas une officine de subtilité et rigueur...” Uma oficina de sutileza e de rigor... No
século 1 XVII, BASNAGE, no prefácio do Traité des Hypothêques: „X.. ii y a quelquefois de l‟inj ustice à vouloir
être trop j uste, summuin jus suinina injuria. Sous prétexte de s‟attacher à l‟esprit de la lol dans toute sa rigneur,
l‟on s‟eloigne aisément de l‟équité qui est naturellement contraire à cette justice infléxíble qul .ne pardonfle
rien...” No s&ulo XVIII, em Portugal, o Aviso de 19 de junho de 1759 e o Alvará de 25 de junho de 1760, § 20,
diziam que a eqúidade é sempre do “ânimo” e “intenção” do Soberano.
Com as codificações, nôvo regresso aos direitos resistentes. As codificações ossificam, dão rigeza oficial e
arquitetônica às leis. O primeiro pendor dos comentadores é para a exegese literal, ou a distribuição das regras em
proposições coerentes, lógicas, que nunca se podem atacar entre si, nem, sequer, premir. Compreende-se que,
após elas, tenha havido pouca margem para se cogitar do abuso do direito. Cresce de ponto o que dissemos quanto
às codificações do século XIX, frutos imediatos ou retardados da época revolucionária, ou do seu individualismo
pontiagudo. A renovação jurídica que se operava, no terreno político, precisava de noção absolutista dos direitos
subjetivos para se erguer contra o absolutismo do antigo regime.
Quando, no comêço do presente século, MARCEL PLANIOL,L.BABDE, A. ESMEIM e outros se põem em
atitude hostil à teoria do abuso do direito, ainda representam a mentalidade que presidiu à leitura do Code
Napoleón. Os inimigos da teoria do abuso do direito são os que vêem nas leis regras abstratas, duas <Dura lez sed
tez), cargas de fôrça atributivas & situações jurídicas subjetivas absolutas (*Nenninem laedit qu~ suo jure utitur),
isto 4, os que buscam o fundamento para regular o bom e o mau social, não nos fatos e resultados, mas nas
intenções, nas culpas.
Os que apoiam a teoria derivam de outras correntes: a) dos que discernem nas leis a “iniciativa” de regrar, por
parte do legislador, e o que se lhes junta com a realidade da vida, com as outras leis, com os outros fatos; 70 a dos
que sabeni ser os direitos subjetivos linhas que avançam, porém não podem cortar, esmaecer, as outras linhas
(relatividade das situações jurídicas, dos direitos) ; e) a dos que pedem e esperam das leis servir à vida, guiar os
fatos, em vez de encaixá-los, de violentá-los, de destruí-los. Logicismo, individualismo, subjetivismo;
investigação científica, critério social, objetivismo.
Em França, nos primeiros anos do século, o conceito de abuso do direito suscitou fina controvérsia. De um lado,
RAYMOND SALEILLES, J. CHARMONT, L. JOsSERÃND. Do outro, MARCEL PLANIOL, L. BARDE, A.
ESMEIN. Investiam êsses contra a novidade, que punha em risco a ordem e a paz jurídicas (2). Falavam de dentro
da tapeçaria dogmática dos direitos a linhas certas, se não paralelas, livres de todo embate. Não viam quanto era
velha a pretendida inovação, nem viam a função social, adaptativa, conciliante e de justiça viva, que a teoria
carreava às relações entre os homens. Aquêles tateavam, mas na boa pista, para colhêr, fixar, o fundamento da
proibição dos exercícios abusivos. Raramente se pode observar, em só cinquenta anos, a evolução do
pensamento, na reconstrução de um instituto. Desce-se aos alicerces. Sonda-se por todos os lados e escaninhos.
No fundo, era a pesquisa do adjetivo exato, que se havia de juntar à palavra exercício
Um dêles era excelente, como qualificação provisória: abusivo. Tudo estava em se saber o que se entenderia por
êle, qual o seu conteúdo preciso. Quando se perguntava: “~ Qual o abuso do direito que se não permite?”, em
verdade se inquiria da significação de abuso. Todo o material que se juntou, toda a discussão que se promoveu,
todas as acomodações que se tentaram, não tiveram outro fito que o de se definir o “abuso”, que o de se achar o
sinônimo mais preciso de “abusivo”, mais explícito do que êle.
A expressão “abuso de direito” é incorreta. Existe “estado de fato” e “estado de direito”; porém não “abuso de
fato” ou “abuso de direito”. Abusa-se de algum direito, do direito que se tem. O Código de Processo Civil fala de
“abuso de direito”, expressão que aparece em certos juristas desatentos à terminologia científica e indiferentes à
sua exatidão. “Abuso do direito” é que é. Recebemo-las dos livros franceses, em que se usa “abus du droit”.
Assim, o livro de E. PORCHEROT, De 1‟Ábus diz droit, 1901. O artigo de 3. CHARMONT, publicado em 1902
na Révue trimestrielie de Droit civil, intitulava-se “L‟Abus du droit”. RAYMOND SALEILLES, no tiude de .sur
la Th.éOrie pénérale des Obligations, cuja 2a edição saiu em 1901, empregou “abus de droit” (pág. 370, nota 1),
mas sem seguidores. L. JOSSERAND deu ao seu livro, aparecido em 1902, o titulo de De tAbus des droits. L.
CAMPION teve o mesmo procedimento com o seu La 2‟kéorie de tAbus des droits. CÊzAJi-BEu e MORIN, nos
Anuales de l‟Université d‟Ais, 1906, escreveram artigo sobre “La faute, le risque et l‟abus du droit”. Em teses, R.
BuTTIN fala de L‟Usage abusif du droil, 1904; L. SALAN5ON, De l‟Abus da droit, 1903; L. REYNAUD,

.~> a]
L‟Abus da droit, 1904; Cortoí, La Th,éorie de tAbus da dro ii, 1910; C. DOBROVICI, De tAbus de droit, 1909;
A. BARDESGO, L‟Abus da droit, 1913;
2. ROUSSEL, L‟Abus da droit, 1914.
Na Itália e em Espanha, igualmente (e. g., G. Nom SÀitDEONA, L‟Abnso dei derecho, 1907; TEDEsÇRI,
L‟Abuso dei diritio, 1912; Josfl CALvo SOTELO, La Doetrina dei Abuso dei derecho, 1917; JosÉ F. L.
CASTIGLIONE, El Abuso dei derecho, 1921). Artigo em francês, publicado na revista Zeitschritt fúr
sehweizerisches Redil, em 1905, por ALFRED MARTIN, mostra que cedo se falou de L‟Abus da droit et l‟acte
ilticite.
Há também, ao longo do tempo, a linha de evolução do conceito. O abuso do direito, para os juristas romanos,
dependia da “malícia”. Pelo menos essa era a regra. Depois, supunha o ato contrário à função mesma do direito
exercido, bastando a intenção ou a consciência do desvio. Mais tarde, esvaziado de todo elemento psicológico, o
conceito fêz-se mais ligado à vida social que à projeção mesma dos direitos: é suficiente que o exercício do direito
se desvie. Por outro lado, de princípio que apanhava alguns direitos, e não todos, passou a certa generalidade que
o tornou teoria, no sentido exato. Já então pôde entrar nos Códigos; e entrou. O abuso do direito de que se fala no
Código de Processo Civil é o abuso do direito público (subjetivo) de demandar, o abuso da “ação” (e da exceção),
o abuso do remédio jurídico processual ou de atos processuais. O art. 8.0 do Código de Processo Civil aplica-se ao
autor, ao reconvinte, ao embargante terceiro, ao interveniente e ao que usou do direito de embargar, ou de apelar,
ou de agravar, sem ter sido autor ou réu na ação. A todos aquêles que pediram ao Estado a prestação jurisdicional
ou, usando de direito processual, a perturbaram; e. g., o simples assistente.
Oabuso do direito, ou da pretensão, ou da ação, ou da exceção de direito material, é outro conceito. Não é êsse o
abuso do direito a que se refere o Código de Processo Civil, art. 3.0, parágrafo único. Dêle tratou o Código Civil,
art. 160, ~, 2~a parte (cf. Tomos II, §~ 185 e 190, 2; IV, § 462, 2, e 459, 2, 7; VI, § 658; VII, § 748, 7; XI, § 1.168,
4; Xli, § 1.617;.XVII, § 2.095, 3).
A hostilidade à noção do abuso do direito chegou, no Brasil, a revelações interessantes. Assim, a ga Câmara Cível
da Côrte de Apelação do Distrito Federal (21 de novembro de 1930, R. F., 51, 275) não hesitou em considerá-lo
“incompreensível reunião de palavras antagônicas”. Influência perniciosa de MARCEL PLANIOL, ainda depois
do Código Civil, art. 160, 1, conforme se vê do acórdão da mesma Câmara, a 9 de abril do mesmo ano (A. 1., 28,
33: „¾.. uso abusivo do direito que com todo critério PLANIOL classifica uma logomaquia, pois cusn; usa de seu
direito pratica um ato lícito”, “se comete um abuso, age sem direito, e pratica assim um ato ilícito”).

6.DIREITO BRASILEIRO. No direito brasileiro adotou-se fórmula que, a despeito de ser um tanto misteriosa,
na aparência, sem que, na essência, o seja, é a que mais corresponde aos hodiernos reclamos do sentimento e da
mentalidade liberal e democrática, em sua vigente conciliação com o capital.
Para justificar o que dizemos, não temos meios melhores do que reproduzir o trecho de J. CHARMoNT (Le Droit
e l‟EspKt démoeratique, 172) que se segue e merece lido com toda a atenção: “11 est vrai qu‟on peut sans
connaitre la loi avoir le sentiment du Droit; mais ce sentiment est en réalité beaucoup moins commun qu‟on no le
croit. Bien des gens irteFigerts, dévoués, généreux, charitables, en son tout à fait dépourvus. Par example, ils ne
pourront pas tolérer un acto blâmable ou dangereux sous prétexte que celui qui l‟a fait a simplement usé de son
droit. C‟est pis encore si 1‟exercice de c~ droit las atteint dans leur intérêt. A mon sens, c‟est là le véritable
criterium. De même que le libéral est avant tout celui qui est soucieux de la liberté des autres, de même,
c.elui-là a le sentiment du droit qui reconnait le bien fondé d‟une prétention adverse, sait avouer qu‟une personne
peut avoir raison à son préjudice”. Ora é justamente o que se estatui na lei brasileira: a) o reconhecimento da
possibilidade de prejuízo, mas havendo razão de quem o causa; 6) a ressarcibilidade do dano quando, ainda no
exercício do direito, não devesse causá-lo o titular (exercício irregular).
O exercício do direito não é só a efetivação do direito em relação a outros; é também toda efetiva realização do
conteúdo do direito (tatsàchliche Verwirklichung des Rechtsinhalts.) A efetivação pode ser judicial ou
extrajudicial, indiferentemente. Pode exercer direito o que veda ato de outrem. Assim, na Apelação Cível n.
2.400, decidiu o Supremo Tribunal Federal, a 25 de abril de 1925: “Não podia, nem devia a ré consentir na
pretendida passagem de nível, já por ser perigosa a passagem dos trens, já porque o autor não cumpriu como
legalmente lhe exigiu a ré, o dispositivo do art. 13 do Decreto n. 1.930, de 26 de abril de 1857, que dispõe o
seguinte: “As vias públicas que se abrem depois da concessão de uma estrada de ferro, poderão atravessá-la
superior ou inferiormente, ou, quando fór absolutamente dispensável, ao nível, contanto que não lhe imponham o
ônus das obras necessárias, nem qualquer outra pessoa. Os cruzamentos ao nível não se poderão estabelecer sem
o consentimento expresso da administração da estrada de ferro, de cujas decisões haverá o recurso do artigo 6.0”.

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Assim, pois, embora tivesse o autor provado a posse jurídica no local da lide, não teria provado turbação alguma
por parte da ré, que está procedendo de acôrdo com o direito que lhe confere êsse artigo 18. Ora, qui jure suo
utitur neminem laedit: ergoque non turbat”.
A eficácia do direito quer no tocante às pretensões quer no tocante às ações e exceções, quer no que concerne ao
exercício fáctico (e. g., colheita de frutos) é o que importa. Daí ter-se falado de “efetiva realização do conteúdo”
(“conteúdo” está, aí, em vez de eficácia). A irradiação dos direitos não se limita às pretensões, ações e exceções;
há efeitos que enchem o exercício fáctico (sem razão, RUDOLF BLÍIMNER, fie Lehre von bàswilligen
Reehtsinissbrauch. [Chikane] nach. gemeinern. Recht und nach dem Reeht des BGR., 158 s.).
t lícito todo exercício regular do direito. ~ irregular o que ofende interesses, quer se trate de interesses materiais,
quer de interesses imateriais. Demos exemplo, tirado da jurisprudência. Nos térmos do Decreto n. 2.475, de 18 de
março de 1897, art. 73, d), disse-se que compete à Câmara Sindical dos Corretores: “Autorizar, proibir e
suspender a negociação e a cotação de qualquer valor, com exceção dos títulos da divida pública federal, estadual
e municipal, e dos estrangeiros, que só serão admitidos à cotação por ato do Ministro da Fazenda”. No uso dessa
atribuição podia a Câmara Sindical exigir de tOdas as sociedades emissoras de títulos negociáveis na BOlsa os
esclarecimentos e documentos, que reputar precisos para a inclusão de tais valOres no boletim de cotações”.
Nisso não há limitação, nem lhes fizera a Lei n. 354, de 16 de dezembro de 1895 (Aviso do Ministério da Fazenda
de 5 de março de 1898). Ora, no art. 89 do Decreto n. 2.475, fui disposto que a Câmara Sindical responde
civilmente pelos prejuízos resultantes da admissão à cotação de títulos, debêntures, irregularmente emitidos, ou
se não foi realizado o capital exigido nas leis, para que as suas ações sejam negociáveis. Se a Câmara nega,
fundada em razões de direito, não é responsável pelos danos (Supremo Tribunal Federal, 14 de dezembro de
1918).
(A expressão “abuso do direito” compreende qualquer exercício irregular, inclusive por ato negativo. Dai ter-se
de afastar a expressão “uso abusivo do direito”, que seria demasiado restrita, não só porque fôsse logomáquica,
como disse JosÉ F. li CÁSnOLIONE, El Abuso dei derecho, 18, mas porque onde há abuso não há direito, O uso
não é compreensivo de todos os exercícios do direito e a expressão “abuso” foi empregada em sentido mais vasto
do que o de uso. O direito não cessa onde o abuso começa: o que dá ensejo à reparação é a existência do dano, O
dono do terreno, por onde os vizinhos passam, pode cercá-lo, ou proibir, em aviso pintado em árvore ou placa,
que a passagem continue. Se por êle anda alguém, sem causar dano, invadiu-o; não cometeu ato ilícito absoluto
que dê ensejo a indenização. Se o proprietário do terreno pôs garrafas quebradas para que ninguém entrasse, sem
ter proibido a travessia que era costumeira, abusou do seu direito, mas o direito não cessou: apenas o dono se
ÚXpú3 1 pretensão do ofendido a que lhe preste a reparação do dano~ corporal, se ferido foi. Mais admissível o
que escreveu JUAN. JOSÉ AMÉZAGA, Culpa Aquiliana, 28, pois não há repressão . do abuso do direito, em
tese; há regra jurídica sôbre ressarcimento de danos. Quem passa pelo terreno aberto do vizinho abusa do direito,
porém não comete ato ilícito absoluto. A lei pode proibir tal travessia; bem assim, o dono e o possuidor. Se não há
proibição da passagem e o vizinho joga o fósforo e queima as árvores ou plantações, aí sim há ato ilícito, dar e
reparação.)

§ 5.501. Considerações preliminares sObre responsabilidade extranegocial

1. CoNCEITOo. A responsabilidade civil, de que aqui se há de tratar, não é a de alguma infração de dever que
resulte de negócio jurídico, mesmo se a cláusula negocial consiste em regra jurídica dispositiva ou interpretativa.
Seria, porém, fora do rigor científico que só se considerasse tal responsabilidade como ligada à prática de “ato
ilícito”. Há atos ilícitos stricto seneu, há atos-fatos ilícitos e há fatos ilícitos stricto sensu. Daí a necessidade de
afastarmos a express5o demasiadamente restritiva: “obrigações por atos ilícitos”.
O direito das obrigações tem de considerar os fatos ilícitos absolutos, como a ofensa ao corpo humano, aos
animais pertencentes a outrem e aos bens inanimados, e os fatos ilícitos relativos, como a infração da cláusula
contratual.
Nos fatos ilícitos, quer absolutos quer relativos, estão os atos ilícitos, como os atos-fatos ilícitos e os fatos ilícitos
strwto sensu. E há responsabilidade sem ilicitude do ato.
Na legislação comparada, podemos notar três grupos de. legislações que tratam dos atos ilícitos. O grupo latino
por ser o de quase todos os países neolatinos e ao qual se ligam a Holanda (arts. 1.401 e 1.402) e a Áustria.
Chamaríamos a tal grupo sistema franco-austríaco e seríamos justos. O grupo inglês ou sistema anglo-saxônico
compreende a tradicional doutrina do direito inglês. O grupo alemão-suíço. Apriorismo, no primeiro; empirismo,
no segundo; mais acentuada tendência para ver o geral sem perder os fatos, no terceiro. É bem o espírito dos três

.~> a]
povos.
O Código Civil francês alude à culpa faute. A idéia de responsabilidade pelo risco proveio dos intérpretes e da
jurisprudência. Algumas vêzes aparece nas leis, quando há algum contrato entre os interessados (Lei de 2 de
agOsto de 1885, que modificou os arts. 262 e 263 do Código de Comércio francês; Lei de 9 de abril de 1898,
sôbre acidentes do trabalho), ou, até, quando não há (Lei de 29 de dezembro de 1892, sôbre prejuízo causado
pelas operações necessárias ao estudo dos projetos de trabalhos públicos; art. 446 da Instrução criminal,
modificado a 8 de junho de 1895, sôbre indenização pelo Estado, no caso de êrro judiciário). A legislação da
responsabilidade sem culpa evidencia-se fraca, de modo que, na própria vida, o sistema da França continua o
mesmo.
O Código Civil austríaco, § 1.295, parece-se com o Código Civil francês. Procedeu-se à revisão para se falar no
abuso do direito. O dano pode resultar seja de ato positivo ou negativo da parte de outrem, seja de acidente. A
lesão pode ser voluntária ou involuntária. É involuntária quando o dano deriva de ignorância, desatenção ou
descuido. Nos dois casos há culpa (§§ 1.293 e 1.294). Responde-se pela culpa levis; não pela falta de diligência
excepcional. O estado de necessidade não exclui, em geral, a responsabilidade. Mas a revisão estatuiu que o juiz
deve atender às circunstâncias, ao patrimônio dos interessados (§ 1.306). No nôvo § 1.307 introduziu-se a
responsabilidade do que se põe em desordem mental ou em estado de necessidade; e fala-se da obrigação de
reparar ao terceiro, que, por culpa sua, causou ao ofensor êsse estado.
O Código Civil português fêz alguma coisa por si. E o art. 2.368 sobreleva a todos os que regra semelhante
contêm, pela finura: “Cabe àqueles, que presenciaram tais agressões, auxiliar o agredido, não excedendo os
limites da justa defesa dêste, e se, não correndo risco, deixarem de obstar ao malefício, serão subsidiàriamente
responsáveis por perdas e danos”. JosÉ DIAS FERREIRA (Código Civil português anotado, V, 112),
comentando-o, explicou: “A redação do artigo do Código Penal deixava entrever que a obrigação de auxiliar o
agredido só cabia a quem podia e devia ao mesmo tempo impedir o dano, parecendo assim que só obrigava os
funcionários públicos, a. quem a lei comete funções de polícia, O Código; porém, comete essa obrigação a todos
os que presenciaram as agressões”.
No Código Civil espanhol, a teoria da culpa é evidente.
No direito inglês, a expressão tort designa, hoje, fatos. que autorizam a ação de indenização. Mas não há teoria
inteiriça; há casos, há delitos civis esparsos. Se é tido por ilícito o prejuízo, cabe a reparação. A riqueza do direito
inglês ainda. consiste na sua casuistica. Por êsse caminho, chega-se à responsabilidade do que sugere a alguém a
violação de um contrato, do que seduz uma mulher casada, ou não casada, se prestava serviços a alguém, ou aos
pais, O que guarda um. animal responde, como veremos (§ 5.517), pelo prejuízo que êsse causa.
No direito alemão, além da culpa, fala-se em contrário ao direito (widerrechtlicn) Também em dano ao corpo, à
vida, à saúde, à liberdade, à propriedade e a qualquer direito. Menos a priori, menos generalizante, que o francês.
São os direitos que pertencem ao individuo pelo direito privado aquêles de que cogita o Código Civil alemão, §
828; mas evitou-se o princípio jurídico abstrato. Trata-se de interesse próprio ou de terceiros. Escapam à
enunciação, que é limitativa, a ofensa à honra e aos sentimentos religiosos, mas há alguns artigos especiais
(Código Civil alemão, §§ 824, 825, 828, 23 alínea, e 826).
No direito suíço, cogita-se também, do dano por ato ilícito e do que se causa a outrem por fatos contrários aos
costumes (art. 41). A culpa dependente, segundo II. OSER (Komqnen tar zum Sekweizerischen Zivilgesetzbuck
V, 179 e 175), da prevísao deve apreciar-se in abstracto. O julgamento penal não obriga o juiz do cível no que
respeita à culpa. Nem quanto àcapacidade de discernimento. No art. 41, alínea 2.~, dispôs-se:
“Também é obrigado à reparação o que causa dano a outrem por fatos contrários aos bons costumes”. Em relação
ao § 826 do Código Civil alemão, ambos alargam a noção de ato ilícito.
O princípio da causa ou da responsabilidade pelo simples fato (Veranlu.ssungsprinzip) contrasta com o princípio
da culpa (Verschuldensprínzip) O princípio da liberdade pessoal cria obstáculos à teoria do risco. Desde muito
que se esgrimem as armas da atividade industrial livre, da liberdade do indivíduo, contra o surto das
responsabilizações fundadas em qualquer culpa ou fato. Se tivéssemos de admitir como absolutas tais abstrações,
não ficaria lugar para a ação do indivíduo. Segundo o princípio da liberdade pessoal, quem, pelo fato do
desenvolvimento normal da própria personalidade, causa dano a outrem, não fica por isso adstrito a fazer
desaparecer o mal causado. ~ o pensamento que domina as codificações. Onde a vida se intensifica e a luta diária
se acentua e a interação cresce, também os choques se produzem mais frequentemente. Já não é mais possível
admitir-se o princípio abstrato, frio, da causa: quem fêz o mal, que pague. Certamente, tal deve ser a conclusão
lógica, a realização prática, coerente com o individualismo jurídico, mas a vida, que o desmente nas aplicações
gerais, mais ainda o destrói nos casos especiais. A responsabilidade por toda culpa emperraria os gonzos da

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existência social, que não se concilia com isso. Assim, principalmente nas codificações, não tem prevalecido o
princípio da responsabilização pelo simples fato; mas o da culpa. Compreende-se que muito se afaste a questão da
responsabilidade pelo dano sem culpa. Em certos códigos expressamente se diz que pelos atos sem culpa
ninguém responde; outros, que não se obrigam crianças e loucos; e ainda outros, que pela culpa alheia ninguém
fica responsável. No Disoours introdutório ao capítulo francês referente ao dano lê-se o seguinte: “Le dommage,
pourqu‟il soit sujet à réparation, doit être l‟effet d‟une imprudence de la part de quelqu‟un: s‟il ne peut être
attribué à cette cause, il n‟est plus que l‟ouvrage du sort dont chacun doit supporter les chances; mais, s‟il y a eu
faute ou imprudence, quelque légêre que soit leur influence sur le dommage commis, il en est dú réparation”.
Assente o critério geral, são as leis especiais que o vêm ferir, como instrumentos de renovação e de vida real, por
isso mesmo que resultam, quase sempre, da reação de certos interesses, que os princípios abstratos desamparam
ou ofendem. Aparecem a responsabilidade das estradas de ferro, a dos automóveis, a das fábricas e das
instalações de eletricidade e outras, que têm por fito corrigir no contacto com a vida o tecido de abstrações, que
se contém nos códigos, obra em muitos pontos, de racionalismo intemperante. Cronolôgicamente, devemos
referir, primeiro, o direito das estradas de ferro. É àPrússia que se deve o “ato genial”, como JUSTUS WILHELM
HEDEMANN (Die Fortschrttte des Ziviirech.ts im XIX. Jahrhun dert, 1, 88) considerou a famosa Lei prussiana
de 3 de novembro de 1888, sôbre emprêsas de estradas de ferro. Estatuiu o § 25: “A sociedade é obrigada à
reparação de todo dano que se dê no trajeto pela estrada às próprias pessoas conduzidas, a bens ou também a
outras pessoas e às suas coisas, e sómente pode livrar-se da responsabilidade pela prova de que houve o dano ou
pela própria culpa do ofendido ou por acidente exterior inafastável. Pela natureza de risco da própria emprêsa,
não pode ser considerado tal acidente liberatório da reparação do dano”. Os outros Estados alemães seguiram a
trilha da Prússia e, mais tarde (7 de junho de 1871), todo o antigo Império logrou a unidade de legislação. Depois,
teve a Suíça a sua lei (Lei suíça de 1 de junho de 1S75), que foi revista em 28 de março de 1905, com a
particularidade da agravação da responsabilidade quanto ao dano moral, nos casos de desleixo grosseiro do dolo
(cf. R.. HUGUENIN, 1/ou der zivilrechtiiche Haftung, 110 s.). Na França, não se cogitou de legislar sôbre tais
danos causados pelas estradas de ferro. À jurisprudência deve-se o ter aberto o caminho, às vêzes de modo assaz
interessante, como aquêle em que, no direito administrativo, se admitiu a idéia de responsabilidade fora de
qualquer culpa, em se tratando de trabalhos públicos, e. g., o incêndio ao longo das vias férreas, devido às
locomotivas (Bordéus, 21 de junho de 1859; Tolosa, 6 de maio de 1902).
A culpa in concreto, ou diligentia quam suis, nada tem, em geral, com os fatos ilícitos absolutos. É excepcional,
mesmo nos negócios jurídicos, tal como ocorre com o depósito <Código Civil, art. 1.266). Sôbre a
responsabilidade pela culpa in concreto noutros sistemas jurídicos, e. g., no alemão (W. VON HÁGEN, Die
sogenvante Culpa in concreto naeh. biirgerlichem fiesetzbuch, 19-37, 88 s.), veja-se a critica feita nos Tomos II, §
178, 2, 8, com exceção para os atos de representação legal (atos ilícitos relativos), e XLVI, § 5.038, 4 (quanto a
hotéis).
Ao aparecimento de novos danos, causados por circunstâncias ou inventos novos, deve corresponder nova regra j
uridica. É êsse um dos pontos em que mais se afirma a vantagem do mesmo método para o legislador, para o
intérprete e para o aplicador do direito: se aquêle ainda não formulou as regras que devem ser obedecidas,
formula-as o intérprete, ou o juiz, pela pesquisa das relações sociais, das quais objetivamente há de tirar a norma
ou as normas que as devera reger. Pouco importa quem vem antes o legislador, o intérprete ou o juiz; o que é
preciso é que o direito não deixe sem provimento os fatos da vida, e chegue a tal desígnio, não pelo dogma da
plenitude lógica do direito, pela elasticidade das abstrações e a dilatação indefinida, que o apriorismo e o
dedutivismo conseguem, mas pela subordinação dos fatos, que devem ser o material do cientista do direito, como
de todos os cientistas. A navegação a vapor, a eletricidade, o automóvel, a aeronave, são exemplos de novos
inventos, a que corresponderam novos danos possíveis e pois novas regras. Se o legislador as formula sem o
conhecimento do assunto, e não atende às necessidades da ordem jurídica, o que o intérprete ou o juiz deve fazer
é ver, por sua própria conta, os fatos e resolver segundo a lição que recebe das realidades, porque o método
objetivo, científico, se impõe igualmente ao legislador, ao intérprete e ao juiz. As leis sôbre tais prejuízos podem
ser mais ou menos gerais, mais ou menos especializadas. A Suiça, por exemplo, edictou lei especial sôbre
eletricidade (Lei de 24 de junho de 1902; cf. L. SCHNELLER, Das Veranlassungaprinzip im schweizerischen
Zivilrecht, 112 5.; A. SCHLECHT, Reeltt der ElelctriziUit, 162 s.). Por vêzes surgem nos regulamentos postais
regras jurídicas concernentes a indenizações dos danos. A Áustria, já na Lei de 11 de junho de 1879, § 85, cogitou
da responsabilidade da administração militar pelo próprio aquartelamento.

2.PRECIsÕES. Os atos ilícitos, de que aqui tratamos, são os atos ilícitos absolutos, e não os atos ilícitos relativos,

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cuja ilicitude concerne à vinculação negocial, que se infringiu. O assunto já foi objeto de exposição na Parte
Geral. Tornos 1, § 63; II, §§ 166, 2; 170. Sôbre fatos ilícitos, XXII. § 2.718; XXVI, § 3.104, 1.
As duas regras jurídicas básicas estão ro ad. 159 e zio art. 1.518 do Código Civil. Diz o art. 159: “Aquêle que, por
ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado
a reparar o dano. A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código
(artigos 1.518 a 1.532 e 1.537 a 1.553)”. E o art. 1.518: “Os bens do responsável pela ofensa ou violação do
direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado, e, se tiver mais de uru autor a ofensa, todos
responderão solidariamente pela reparação”. Ainda o parágrafo único: “São solidàriamente responsáveis com os
autores os cúmplices e as pessoas designa-. das no art. 1.521”.
Os textos não têm a necessária precisão, porque o artigo 159 reduziu a responsabilidade à de quem pratica ato, ou
omite ato que havia de praticar: só abrangeria os atos ilícitos positivos e os negativos. O art. 1.518 deixa margem
a interpretação menos restringente, porém não seria bastante à exposição científica.
Quando a lei é protectiva, tem-se de entender que as pessoas foram avisadas, pelo texto legal, do perigo de
infringi-la e, pois, de ter de prestar a indenização. Se a regra jurídica estabelece responsabilidade por culpa, ou
objetiva, ou transubjetiva, depende do seu conteúdo. A lei protectiva nem sempre cria direitos para as pessoas
protegidas, ou cujos bens se protegem. Em consequência, não se há de exigir que haja direito ferido (cf. MÃX
RÚMaIN, Pie Verwendung der Causalbegriffe in Straf- und Civilrecht, Arehiv fitr tifo civilistisehe PraxiÉ, 90,
326; MAX LUTHARDT, Die Grundlagen der Ilaftpflickt aus §
823 11GB., 47); nem cabe alegar-se que não se conhecia a regra jurídica (ERNST BELING, Erltiuterung dos §
823, Abs. 2, 11GB, 56 s.).
A infração da lei nem sempre dá ensejo à indenização dos danos, se não houve culpa. Para que a reparação se haja
de dar sem ter havido agente culpável, é preciso que se tire do texto legal. Nem basta que se trate de crime, porque
há crimes que não supõem culpa, pôsto que seja raro. Por outro lado, não há a correspondência entre a
responsabilidade civil e a penal, que muito ocorria no direito romano (cf. GEORGE DETMOLD, Der Begriff des
Schutzgesetzes im § 823 des BGB., Fostgabo der Gõttinger Juriston-Fakultãt fur E. REGELSEERGER, 521;
FRIEDLjICE WÍYNDISCH, Dio Sch,utzgosotzbostintmungin § 823 Abs. 2 RUE., 17 s.).
Quanto ao conteúdo, o que mais ocorre é que a lei pratectiva é lei penal (HERMANN Voss, Der
Sefladensersaizansprueh aus § 823 Abs. 2, BGB., 14), ou regra jurídica penal, que haja de ser respeitada como
Zez (o. g., regras jurídicas de tráfego). O conteúdo pode ser de defesa da honra. de modo que haja reparação do
dano moral (KARL LINCKELMANN, fie Schadensorsatzpflicht aus unerlaubten Handlungon nack dem 11GB.,
18), mesmo se não há sanção penal. Pode dar-se que o lesado haja, em defesa própria, infringido outra lei
protectiva. Não há solução a priori, porque existem graus entre leis protectivas; mas o que mais acontece é
poder-se dizer que regem os princípios da legítima defesa, ou, se os danos foram plus, que o lesado causou, êle é
que tem de suportá-los (cp. ERNsT FEDfli, Verantwortlichkoit fiir fremdos Versekulden naeh, dom 11GB., 2 s.>.
Entre os atos lesivos não devemos omitir o prazer quase. mórbido, ou, não raro, mórbido, de fazer o mal, a
Schaden.freude, que consiste no gôsto de lesar, de prejudicar, de destruir. As crianças apresentam-no em época
que de si só denuncia a primitividade de tais sentimentos hostis. É dolo, por bem dizer-se espontâneo, mas dolo.
Não queiramos entrar em indagações psíquicas, que nos empregaria no mais complicado subjetivismo, que é o
que resulta das verificações, mais ou menos vagas, mais ou menos aventurosas, dos propósitos e das intenções do
agente.
Certamente, o dolo há de dar ensejo, sempre, ao dever de ressarcimento; mas, no que toca aos atos ilícitos
absolutos, não se deve entrar em distinções. Culpa osi omne factum mi consultum, quo nocetur alil injuria, todo
fato de ação, ou de omissão, em que não se exige o propósito de lesar. (M. P.-A.-F. MALAPERT, De la Prostatiou
dos Pautes, 34 s.).
O direito tem de procurar a culpa; hoje não precisa de escalas para que se profira a condenação ao ressarcimento.
É possível que do ato lesivo derivem benefícios ao lesado., de modo que, se por certo lado lhe causa dano, por
outro lhe é favorável. A respeito de atos ilícitos, ou injustos, que, em vez de lesarem, favorecem, existe a decisão
do Supremo Tribunal Federal, a 13 de dezembro de 1916, cuja doutrina é insustentável: segundo tal julgado, não
tem ação para se decretar invalidade de ato administrativo quem, em vez de lesado pelo ato, por êle foi favorecido
com vantagens superiores às permitidas em lei.

Ora, seria confundirem-se casos Ostintíssimos : a ilegalidade do ato, que continua ilegal, a despeito de quaisquer
consequências de ordem pecuniária, e não só o interesse material autoriza a ir-se a juízo; e o aumento, ou não, dos
vencimentos, honorários, ou o que quer que seja. Quanto ao que nos interessa, que é a ação de indenização, ou o

.~> a]
ato não causa dano, e então lhe falta o requisito objetivo para a obrigação por ato ilícito; ou dêle resultam danos e
vantagens que se compensam, ou que se não compensam: no segundo caso (incompensabilidade dos danos com
os prejuízos), claro é que há a ação para se haver o que efetivamente se perdeu, ou se deixou de ganhar; no
primeiro, só no caso de tácito, ou de expresso aproveitamento da situação (a 1 + 1 = a), pode-se negar ao lesa do
favorecido a ação de indenização, cuja sentença deve condenar a prestação dos danos e a restituição dos
benefícios, ou, quando o indicarem as circunstâncias, o excesso.
Caso assaz delicado e sutil (digamos assim) de injúria, temos na crítica literária, científica ou qualquer outra,
quando em termos ultrajantes, ofensivos do elemento moral que há em toda a consideração de que podem gozar
os homens, quer sejam sábios, literatos ou artistas. Certamente, não constitui difamação a severidade dos
censores, a rigorosa exigência, o requinte de análise; isso pode ocorrer, sem se infamar, sem se ultrajar, sem se
denegrir. Pode alguém criticar a um sábio de modo que lhe negue o valor das próprias experiências e vamos além
as próprias experiências, e não incorrerá em crime ou delito civil de injúria. Pode não chegar a tão graves
afirmações que destruiriam a fama do investigador (em sendo verdadeiro o que se diz), mas incorrer naquele
crime e naquele delito civil pelo desabrido da linguagem, pela rispidez aviltando do vocabulário, pela
perversidade injustificável dos ditos e das frases. Se A escreve que B é plagiário, não lhe imputou determinado
crime, e não se trata, em rigor, de calúnia; mas injuriou-o. No direito penal, a distinção muito interessa pela
possibilidade da execptio veritatis, no primeiro caso, e não no segundo. No direito civil, dá-se o mesmo, porque
coincidem o delito civil de calúnia e o delito criminal.
Temos de atender aos seguintes conceitos: A) Noção de ato ilícito: a) ação ou b) omissão voluntária;
compreendendo:negligência, imprudência, dolo. B) Limites do ato ilícito:
a) legítima defesa; b) deterioração ou destruição da coisa alheia, a fim de remover perigo iminente (Código Civil,
artigos 160, II, 1.519 e 1.520), uma vez que o ato se torne necessário (a lei diz: absolutamente necessário), não
excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo. C) probrabilidade do dano (arts. 159 e 1.518).
Não se identifiquem o delito (ato ilícito) e a reparabilidade dado. Pode haver delito, ou melhor, ato ilícito, sem
dano, e pois sem que se possa reclamar a reparação. Então, a ilicitude só permite a legítima defesa, as ações de
manutenção de posse, os preceitos cominatórios, o hábeas-córpus e outros remédios preventivos dos danos à
pessoa ou ao patrimônio.
No ato gerador de responsabilidade extranegocial, de regra se vêem os seguintes elementos: a) ato ou omissito
(ato positivo ou negativo; 14 aio imputável ao réu, salvo em casos excepcionais de reparação sem imputabilidade;
e) ato o anoso por perda, ou privação de ganho; á) ato ilícito sane droit, sem direito, dizia a lei suíça de 1888;
praticado d‟uno numero ilicite, widerrech,tlick, de maneira ilícita, diz a lei de hoje intencionalmente, ou por
negligência, ou por imprudência.
Assim, o simples cometimento de dano patrimonial em bem de outrem não torna, de regra, responsável pelo dano
a pessoa que o causou; pois é preciso existir determinado -fundamento pessoal da parte do autor, que justifique o
ressarcimento.
Na Divina Comedia, DANTE, cuja concepção de direito foi assaz aristotélica, considerou a justiça uma das onze
virtudes morais, “la quale ordina noi ad amare e operare diritiura in tute cose”, como dizia no Convívio (IV, 17),
retitude ou regra que tira o oblíquo de toda parte, “iustitia in se et in propria natura considerata est quaedam
rectitudo sive regula obliquu‟nhinc inde abiciens” (Do Monarchia, 1, 13). Por isso, no céu de <Túpiter, diz-lhe
Beatriz (Par., XVIII, 5).

Muta pensier, pensa ch‟io sono Presso a Colui ch‟ogni torto dis grava.
No Inferno, diz o poeta que foi a justiça que presidiu à criação dêle (II, 2):

Fecemi la divina Potestate


La Summa Sapienza e l‟primo Amore.

Tudo se prende a nostra taipa (Inf., VII, 21). Portanto, não há mal em si: o poeta segue a TOMÁS DE AQUINO:
“Deus est auctor mali quod est poena, non autem mali quod est culpa” (Szimma Thool., Quaestio 49, art. 11). O
mal que causo para punir não é mal; mal é o que pratico com culpa.
Quem transmite a outrem, mesmo por negligência, ou imprudência, alguma moléstia ou doença, é responsável
por ato ilícito, ainda que o ofendido seja ascendente, cônjuge ou descendente, ou concubina, ou companheiro.
Dá-se o mesmo se deixa que se propague doença ou praga a floresta, plantação ou animal (cf. Código Penal, arta.
259 e 260).

.~> a]
3.ILIOITIJDE ABSOLUTA E ILICITUDE RELATIVA. Os atos ilícitos, os atos-fatos ilícitos e os fatos stristo
sensu ilícitos, de que se irradia responsabilidade extranegocial, podem, ao mesmo tempo, ser infração negocial,
de modo que o suporte fáctico da responsabilidade extranegocial e o da responsabilidade negocial coincidem. O
depositário, por exemplo, pode responder por violação do contrato de depósito e por ilicitudo extracontratual. A
lesão corporal de quem tomou em locação o cavalo pode ser imputável ao locador, como contraente, e ao mesmo
tempo ao locador, pelo delito que cometeu, excitando, de propósito, o animal, para que o locatário caísse. Na L.
34, § 1, D., de obligationibus et actionibus, 44, „7, está dito: “Si IS, cri vem ccmmodavero, cam subripuerit,
tenebitur quidem et commodati actione et condiotione, sed altera actio alteram peremit aut inso iure aut per
exceptionem, quod est tutius”. 1‟. na L. 34, § 2: “. .. si tibi commodavero vestimenta et tu ta rureris: utraeque,
enim actiones rei persecutionem continent”. Há conto tréncia de ações, como há das pretensoes satisfeita uma das
dívidas, a outra se extingue até a quantidade concorrente (cf. RUDOLF SCI{MIDT, Die Gesetzoskonknrrenz im
búrgerliúhen Recht, 180 s.). Não há afastamento da incidência das regras jurídicas sôbre ilicitude relativa pelas
regras jurídicas sôbre ilicitude absoluta, nem vice-versa. Salvo se há regra jurídica especial, que altere o conteúdo
de uma, cada regra jurídica tem o seu. A teoria da concorréncia do rrreten~sões é que prevalece. O‟ que se pode
dar é que a vinculação negocial acentue o delito, como que a colori-lo.
Os arts. 1.521 e 1.523 do Código Civil não são invocáveis a propósito da responsabilidade perante os empregados
ou outros auxiliares, porque tal responsabilidade dos empregadores ou pessoas auxiliadas é negocial: é como
devedores que êles respondem. Todavia, pode haver responsabilidade pelo ato ilícito absoluto se a relação
jurídica negocial não está em causa
De ordinário, os leigos pensam que da violação das obrigações dos devedores não se irradiam deveres de
indenizar por atos ilícitos absolutos. Noutros termos: a infração de dever, o inadimplemento ou o adimplemento
ruim de dívida ou de obrigação não geraria dever de reparação por ilicitude absoluta. Ora, nem todos os atos
ilícitos do depositário, ou do locatário, ou do médico são atos ilícitos relativos (cf. 1% VON LISZT, fie
Doliktsobligattonon im System dos DOR., 10 s.). Na dúvida, só há a infração do dever negocial (cf. E. PRYM,
Pie Konlcurrenz dos Ánspruchs aus dom Vertrago mit dem Anepruche aus unerla,ubter Handlung, 46) ; mas nada
impede que haja os dois atos ilícitos, o relativo e o absoluto, e até mesmo a responsabilidade delitual pelo ato-fato
ilícito ou pelo fato str-icto sensu ilícito (cp. r. VON LISZT, fie Doliktsobligationen, 10 e 275 5.; HANS
WALDMULLET, Verletzung ron Schuidnerpflicht ind unerlaubte Handtung, 4 s.). Sôbre as teorias e a solução
científica, Tomo TI. §§ 169-171.
O delito pode existir mesmo nos casos de delegação de dívida. No negócio jurídico bilateral de confirmação de
crédito (contrato de crédito confirmado ou de confirmação de crédito), o devedor vincula alguém (delega a
alguém) a dívida, que tem, com outrem. Assim, .A deve a C e faz B assumir a sua dívida, de modo que A e B
passam a dever a C a meshíne inde abiciens” (De Monarchia, 1, 18>. Por isso, no céu de Júpiter, diz-lhe Beatriz
(Par., XVIII, 5).

Muta pensier, pensa ch‟io sono Presso a Colui ch‟ogni torto di,s grava.

No Inferno, diz o poeta que foi a justiça que presidiu àcriação dêle (II, 2):

Fecemi la divina Potestate


La Summa Sapienza e l‟primo Amore.

Tudo se prende a nostra colpa (Inf., VII, 21). Portanto, não há mal em si: o poeta segue a TOMÁS DE AQUINO:
“Deus est auctor mali quod est poena, non autem mali quod est culpa” (Summa TIwoL, Quaestio 49, art. 11). O
mal que causo para punir não é mal; mal é o que pratico com culpa.
Quem transmite a outrem, mesmo por negligência, ou imprudência, alguma moléstia ou doença, é responsável
por ato ilícito, ainda que o ofendido seja ascendente, cônjuge ou descendente, ou concubina, ou companheiro.
Dá-se o mesmo se deixa que se propague doença ou praga a floresta, plantação ou animal (cf. Código Penal, arta.
259 e 260).

8.ILICITUDE ABSOLUTA E ILICITUDE RELATIVA. Os atos ilícitos, os atos-fatos ilícitos e os fatos strieto
sensu ilícitos, de que se irradia responsabilidade extranegocial, podem, ao mesmo tempo, ser infração negocial,
de modo que o suporte fúctico da responsabilidade extranegocial e o da responsabilidade negocial coincidem, O

.~> a]
depositário, por exemplo, pode responder por violação do contrato de depósito e por ilicitude extracontratual. A
lesão corporal de quem tomou em locação o cavalo pode ser imputável ao locador, como contraente, e ao mesmo
tempo ao locador, pelo delito que cometeu, excitando, de propósito, o animal, para que o locatário caísse. Na L.
84, § 1, D., de obligationibus et actionibus, 44, 7, está dito: “Si 13, Clii rern ccmmodavero, cam subripuerit,
tenebitur quidem et coramodati actione et condictione, sed altera actio alteram peremit aut ipso jure aut per
exceptionem, quod est tutius”. 12 na L. 84, § 2: “. . . si tibi comrnodavero vestimenta et tu a n‟feris: utraeque,
enim actiones rei persecutionem con
tinert”. lIA concorrência de ações, como há das pretensões satisfeita uma das dívidas, a outra se extingue até a
quantidade concorrente (cf. RUDOLF SCHMIDT, Die Gesetzeskonkurrenz im. bi&gertichen Recht, 180 s.). Não
há afastamento da incidência das regras jurídicas sôbre ilicitude relativa pelas regras jurídicas sôbre ilicitude
absoluta, nem vice-versa. Salvo se há regra jurídica especial, que altere o conteúdo de uma, cada regra jurídica
tem o seu. A teoria da concorrência de pretensões é que prevalece. O que se pode dar é que a vinculação negocial
acentue o delito, como que a colori-lo.
Os arts. 1.521 e 1.523 do Código Civil não são invocáveis a propósito da responsabilidade perante os empregados
ou outros auxiliares, porque tal responsabilidade dos empregadores ou pessoas auxiliadas é negocial: é como
devedores que êles respondem. Todavia, pode haver responsabilidade pelo ato ilícito absoluto se a relação
jurídica negocial não está em causa.
De ordinário, os leigos pensam que da violação das obrigações dos devedores não se irradiam deveres de
indenizar por atos ilícitos absolutos. Noutros térmos: a infração de dever, o inadimplemento ou o adimplemento
ruim de dívida ou de obrigação não geraria dever de reparação por ilicitude absoluta. Ora, nem todos os atos
ilícitos do depositário, ou do locatário, ou do médico são atos ilícitos relativos (cf. ?. VON LISzT, fie
Detiktsobligationen im System des EGB., 10 sj. Na dúvida, só há a infração do dever negocial (cf. E. PRYM, Die
Konkurrenz des Anspruchs aus dem Vertrage ntit dem Ánspruche aus unerlaubter Handlung, 46) ; mas nada
impede que haja os dois atos ilícitos, o relativo e o absoluto, e até mesmo a responsabilidade delitual pelo ato-fato
ilícito ou pelo fato siricto sensu ilícito (cp. r. VON LíszT, fie DeliktsobUgationen, 10 e 275 s.; HANS
WALDMULLET, Verletzung vofl Sckuldnerpflicht ind unerlaubte Handlunq, 4 s.). Sôbre as teorias e a solução
científica, Tomo II, §§ 169-171.
O delito pode existir mesmo nos casos de delegação de dívida. No negócio jurídico bilateral de confirmação de
crédito (contrato de crédito confirmado ou de confirmação de crédito), o devedor vincula alguém (delega a
alguém) a dívida, que tem, com outrem. Assim, A deve a C e faz E assumir a sua divida, de modo que A e E
passam a dever a O a mesma soma. Para isso, A há de ter cobertura junto a B. A E ficam os podêres e o dever para
pagar a C o que A deve; e C está legitimado a receber.
Do negócio jurídico bilateral, que se conclui entre o devedor, A, a C, e, por exemplo, o banco, E, irradia-se o
dever de E, quanto a prestar o que A deve. Há com a titularidade e eficácia novativa, de modo que A deixasse de
ser devedor e E se substituísse a A.
Se E pratica delito, uma vez que não houve substituição de A, A responde.
A legitima defesa pré-exclui a ilicitude dos atos jurídicos e dela já tratamos nos Tornos II, §§ 182, 183 e 186; XII,
§ 1.408; XVIII, ~§ 2.246, 3; 2.199, 3; e XXII, § 2.787, 1;além do que foi exposto, a respeito da posse, no Tomo X,
§§ 1.069, 1, 5; XI, §§ 1.109, 1; 1.110, 2; 1.114, 1; 1.121-1.125.
A legítima defesa, como direito, está em todos os povos primitivos. Não só a pessoa precisa de defender-se contra
violência e usurpações; pois os próprios direitos têm de ser defendidos (cf. TE. MOMMSEN, RÕmisches
Strafreeht, 653; 5. SCHMITT, Die Selbsthitfe im rõmischen Privatrecht, 15 s.; C. LEVITA, Das Reoht der
Notwehr, 48; A. GEYER, Dte Lekre von der Notweh,r, 100 s.). Um dos pressupostos é a verossimilhança da
ofensa ou perigo (W. v. ROHLAND, Die Gefahr im Strafréoht, 2a ed., 1 s.). A ofensa ao terceiro ou a direitos do
terceiro não deixa de ser ilícita se o terceiro é estranho ao que se passou entre o ofensor e quem exerceu a legítima
de fesa (cf. II. TOBLER, Die Grénzgebieie zwisclien Notstand und Notwehr, 155; JOSEF MÚNz, Die
Vo‟rawssetzungen unil Wirkungen der Notwehr, des Notstandes und der Nothilfe im 13GB. und ihre
Untersefliede, 27 s.).
Quem se diz com procura, ou com mandato, ou com poderes de presentação, sem ter havido outorga, nem
ratificação, sem que o terceiro conheça a falta e sem ter havido promessa de ratificação , responde ao terceiro
pelos danos, pois o seu ato foi ato ilícito absoluto. Pense-se na actio doU, na adio leglis Aquiliae e na própria
acHo furti (cf. FR. HEITIJMANN. Die Steltvertretuna in Rechtsqe.schííften, 148; VTKTOR S¶IIIMPF, Die
rechtliche Redeutuna des von eznem unbevoltmdchtigtefl Steltvcrtreter abgeschlossenen Vertrags, 81-91).
A decretação da nulidade do contrato, como a da anulação por dolo ou coação, pode basear-se em ato, ato-fato ou

.~> a]
fato stricto sensu, que seja ilícito; de jeito que a desconstituição do negócio jurídico deixa com as suas
conseqUências a licitude e a responsabilidade. Também a retirada da oferta, mesmo se cabia, pode ser ilícito
absoluto (J. E. WOLF, Die Perfection der Schuidvertrdge, 68 sj. Se, por exemplo, o oferente retirou a oferta, para
que houvesse o dano, dolo houve, e a responsabilidade extranegocial ocorre.
Quem deu ensejo à conc1usão de negócio jurídico nulo, ou anulado, ou rescindido, responde pelo interesse
negativo. Nos casos de rivalidade, há ato lesivo, que não se pode reputar de inadimplemento de contrato, ou outro
negócio jurídico, e a indenização é devida (cp. ANDREAS FRITSCH, Das negative Vertragsinter esse, 83 s.). O
locatário de bem móvel que êle pôs no edifício em que provoca incêndio responde pela não-restituição do bem
móvel e pelos danos, inclusive destruição do bem móvel.
Quando se fala de inadimplemente e de ressarcimento de danos há substituiçào da prestação e prestação dos
interesses. Há ilicitude relativa, pois que se ofende a esfera juridica (lo credor: não se exige a prestação, mas
espécie de respeito ao negócio jurídico (cf. HANS HAPEL, Was versteht das 8GB. unter “Schadensersatz wegen
Niehterfúllun g”, 50; contra, IVILHELM Kjscn, Der Schadensersatz wegen Nichterfiiilluflg bei gegenseitigen
Vertrãgen, Jherings .JalzrbiichAr, 44, 81 s. e 98).
A responsabilidade ex recepto é negocial, pôsto que possa haver, contra quem recebeu os bens (armadores,
emprêsas de naves, hoteleiros), ação penal e até mesmo de indenização por fato ilícito absoluto, ato-fato ilícito
absoluto ou ato ilícito absoluto, como se o hoteleiro pôs fogo na fábrica, que era perto do hotel, e o hotel foi
atingido ou atingidas as bagagens do hóspede. Pode haver a ação do hóspede contra o hospedeiro, como tal, e a
ação ex delicto (cf. RICHARD HÀBLELt, fie Haftpflicht ex recepto nach Kóniglich Sdclvsisohem und
Reiehsrecht, 88 e 45 s.). Dá-se o mesmo a respeito dos transportes.
4. Ornssão . ~ Quando a omissão constitui culpa?
Não há, fora das relações jurídicas negociais, a obrigação de evitar o dano a outros; o que há é a de não lesar. Se
A deixa de ir hoje ao escritório e por isso B não pôde receber o dinheiro que tinha em mãos de A, para pagar a C,
A não é responsável pelos danos, se A não sabia que era hoje o pagamento, nem o fêz para lesar, nem lhe afirmou
que estaria, hoje, no escritório.
A simples omissão danosa não produz a obrigação de reparar. Só a produz se há seguimento de atos que, uma vez
praticados, não permitem que dêles alguém a líbito se desinteresse, sem que dêsse inoportuno desinteresse resulte
prejuízo de outrem.
Se há obrigação de fazer ou de dar obrigação de caráter social puro, ou jurídico, mas fora das relações jurídicas
negociais, porque, então, seria negocial a culpa a omissão constitui ato ilícito (TI. FRoMAGEoT, De la. Faute
comrne source de la Respon.sabilité en droit privó, 81). Portanto, a obrigação pode: a) constar de texto legal, ou
por meio de um dos processos clássicos de revelação do direito (analogia, por exemplo); b) ser induzida de fatos
da vida (método científico de revelação de direito).
De qualquer modo, há violação de regra jurídica, legal, classicamente revelada, ou cientificamente colhida na
vida. Também isso se dá quanto ao ato lesivo de caráter positivo. De modo que há razão em afirmar-se ser sem
grande interesse a distinção dos atos ilícitos em ações e omissões.
Se há lei penal que ordene o ato, ~ a omissão, por si só, basta para a responsabilidade civil?
Há duas opiniões: a) A dos que negam tal necessariedade privatística do ato, quando a lei penal puna a omissão.
Assim, o capitão que não salva embarcação em perigo comete crime, porém a responsabilidade penal não
engendra a civil.
b) A dos que consideram bastante o conceito penal para que a responsabilidade civil se estabeleça: se há dever
perante o público (direito penal), há, lôgicamente, perante cada um. Êsse “cada um” é justamente o beneficiário
do dever. Mas terceira opinião, c), mais científica, é a que apresentamos em 1927:
a omissão, por si só, não engendra culpa; engendra, se há circunstâncias que obriguem o ato. Trata-se de
circunstâncias materiais e jurídicas. Desde que o ato seja dever legal ou regulamentar, a omissão cria a presunção
de culpa extranegocial, de ato ilícito absoluto: só se escusa o presumido culpado se prova legitima defesa, estado
de necessidade, ou, o que, na espécie, é assaz importante, a inutilidade extremamente provável dos seus esforços.
A responsabilidade penal e a civil não coincidem, não são paralelas, não constituem duas linhas verticais que
avancem com a mesma altura. A responsabilidade penal apenas estabelece degrau de presunção, o que o ofensor,
por ato positivo ou negativo, tem de demolir para se livrar da obrigação de ressarcir. Por isso mesmo, o próprio
capitão que procura salvar fica responsável se não usou as medidas especiais mais aconselhadas. Ora, se isso se dá
no caso de intervenção insuficiente, mais forte razão nos de não-intervenção Se o que procura, inàbilmente ,
salvar, é responsável, a fortiori o que cruza os braços.
Não há culpa em não se segurarem bens (Tribunal de Lion, 29 de junho de 1909) ; salvo se em qualquer negócio

.~> a]
jurídico foi estatuído isso, porque então: a) há a culpa contratual perante o que estipulou; b) a extracontratual,
porque o fato de não haver seguro, quando era obrigado, induz culpa, falta de exação, ou e) se a lei fêz obrigatório
o seguro. Também não há culpa quando se declara à noiva que, em verdade, é filho adulterino o noivo.
O fato de não usar, ou de usar tardiamente de um direito, não constitui culpa. Mas há fáceis exemplos de
exceções: se A tem direito a metade dos peixes de uma pescaria, e não os leva, deixando os vizinhos prejudicados
pelo apodrecimento, podem êsses pedir que se lhes ressarçam os danos causados; a companhia. de estradas de
ferro que não arranca as árvores marginais, a cujo cortamento tinha direito, se a locomotiva dá ensejo a incêndio
que se estende à plantação de outros proprietários, responde pelos danos; se 13 não cobra hoje o que lhe devia O
pagar, não fica responsável pelo dano que sofra o devedor, porque os efeitos da mora são, aí, relativos a matéria
negocial, mas é possível que circunstâncias extraordinárias criem figura da culpa Aquiliana. Exemplo: se escrevo
dizendo que desejo, no dia do vencimento, os sacos de milho bichado, e no dia não os vou buscar. Respondo pela
mora creditoris e pelo dano a terceiros, que tenham milho bom no mesmo arma~zém. Onde há culpa há
responsabilidade.

A deixa de ir hoje ao escritório e por isso B não pôde receber o dinheiro que tinha em mãos de A, para pagar a C,
A não é responsável pelos danos, se A não sabia que era hoje o pagamento, nem o fêz para lesar, nem lhe afirmou
que estaria, hoje, no escritório.
A simples omissão danosa não produz a obrigação de reparar. Só a produz se há seguimento de atos que, uma vez
praticados, não permitem que dêles alguém a líbito se desinteresse, sem que dêsse inoportuno desinteresse resulte
prejuízo de outrem.
Se há obrigação de fazer ou de dar obrigação de caráter social puro, ou jurídico, mas fora das relações jurídicas
negociais, porque, então, seria negocial a culpa a omissão constitui ato ilícito (TI. EROMAGEOT, De la. Paute
comme sourco de la Responsabilité eu droit privá, 81). Portanto, a obrigação pode: a) constar de texto legal, ou
por meio de um dos processos clássicos de revelação do direito (analogia, por exemplo) ; b) ser induzida de fatos
da vida (método científico de revelação de direito).
De qualquer modo, há violação de regra jurídica, legal, clàssicamente revelada, ou cientificamente colhida na
vida. Também isso se dá quanto ao ato lesivo de caráter positivo. De modo que há razão em afirmar-se ser sem
grande interesse a distinção dos atos ilícitos em ações e omissões.
Se há lei penal que ordene o ato, j, a omissão, por si só, basta para a responsabilidade civil?
Há duas opiniões: a) A dos que negam tal necessariedade privatística do ato, quando a lei penal puna a omissão.
Assim, o capitão que não salva embarcação em perigo comete crime, porém a responsabilidade penal não
engendra a civil.
b) A dos que consideram bastante o conceito penal para que a responsabilidade civil se estabeleça: se há dever
perante o público (direito penal), há, lôgicamente, perante cada um. Êsse “cada um” é justamente o beneficiário
do dever. Mas terceira opinião, o), mais científica, é a que apresentamos em 1927:
a omissão, por si só, não engendra culpa; engendra, se há circunstâncias que obriguem o ato. Trata-se de
circunstâncias materiais e jurídicas. Desde que o ato seja dever legal ou regulamentar, a omissão cria a presunção
de culpa extranegocial, de ato ilícito absoluto: só se escusa o presumido culpado se prova legitima defesa, estado
de necessidade, ou, o que, na espécie, é assaz importante, a inutilidade extremamente provável d~os seus
esforços. A responsabilidade penal e a civil não coincidem, não são paralelas, não constituem duas linhas
verticais que avancem com a mesma altura. A responsabilidade penal apenas estabelece degrau de presunção, o
que o ofensor, por ato positivo ou negativo, tem de demolir para se livrar da obrigação de ressarcir. Por isso
mesmo, o próprio capitão que procura salvar fica responsável se não usou as medidas especiais mais
aconselhadas. Ora, se isso se dá no caso de intervenção insuficiente, mais forte razão nos de náo-intervenção~ Se
o que procura, inàbilmente, salvar, é responsável, a fortiori o que cruza os braços.
Não há culpa em não se segurarem bens (Tribunal de Lion, 29 de junho de 1909) ; salvo se em qualquer negócio
jurídico foi estatuído isso, porque então: a) há a culpa contratual perante o que estipulou; b) a extracontratual,
porque o fato de não haver seguro, quando era obrigado, induz culpa, falta de exação, ou e) se a lei fêz obrigatório
o seguro. Também não há culpa quando se declara à noiva que, em verdade, é filho adulterino o noivo.
O fato de não usar, ou de usar tardiamente de um direito, não constitui culpa. Mas há fáceis exemplos de
exceções: se A tem direito a metade dos peixes de uma pescaria, e não os leva, deixando os vizinhos prejudicados

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pelo apodrecimento, podem êsses pedir que se lhes ressarçam os danos causados; a companhia de estradas de
ferro que não arranca as árvores marginais, a cujo cortamento tinha direito, se a locomotiva dá ensejo a incêndio
que se estende à plantação de outros proprie tários, responde pelos danos; se E não cobra hoje o que lhe devia O
pagar, não fica responsável pelo dano que sofra o devedor, porque os efeitos da mora são, aí, relativos a matéria
negocial, mas é possível que circunstâncias extraordinárias criem figura da culpa Aquiliana. Exemplo: se escrevo
dizendo que desejo, no dia do vencimento, os sacos de milho bichado, e no dia não os vou buscar. Respondo pela
mora ereditoris e pelo dano a terceiros, que tenham milho bom no mesmo armazém. Onde há culpa há
responsabilidade.
Às vêzes a violação de um contrato se considera crime; em tais casos, quase sempre há delito civil e infração
negocial: ao lesado a escolha da ação.
A obrigação de indenizar, dissemos, pode resultar de omissão . Lia exemplo assaz importante: o do indivíduo que
encontra criança exposta, e não avisa a autoridade competente. Não é preciso reproduzirem-se aqui todas as
excelentes regras dos velhos códigos penais dos cantões suíços; mas alguns merecem citação: o de Neuenburg, de
1856, art. 177: “Celui qui, trou. vant un enfant exposé, n‟en prévient pas l‟autorité, et ne lul procure pas, autant
que possible, l‟assistance nécessaire, est puni par une amende de 20 à 50 francs, ou par un emprisonuement de
quatre à quinze jours”; depois, o de Turgóvia (Strafgesetzbiich fiir Thurgau, 1868, § 84) ; em 1870, o Código
Policial de Obwalden, §§ 136 e 137; em 1793, o Código Penal, art. 286. Cp. a Lei prussiana de Minas, § 205, a Lei
austríaca de Minas, § 190; e a Ordenação de Frederico II (Co‟nsti tutiones Siculae, 1, 29)
A pretensão à eliminação de perturbações, à omissão, dá ensejo a indenização; e discute-se se basea a infração
dita “objetiva”, isto é, sem dolo, nem negligência. Se há culpa, no caso, não surge o problema, porque os
princípios gerais incidem. Se não há, tem-se de pensar em dever de pré-eliminar, ou de eliminar, para que o ato
negativo, objetivo, seja injusto. Não se pode pensar em presunção da intenção. Se há dever, há direito e pretensão,
mesmo a medida cautelar e o preceito cominatório. Não se precisa recorrer à equiparação OU identificação de tal
direito e de tal pretensão aos direitos de senhorio, pôsto que qualquer ofensa a direito real seja ato ilícito absoluto.
Os deveres de omissão são deveres de pré-eliminar, de eliminar ou de omitir o ato lesivo que pode atingir a todos:
os atos são objetivamente antijuridicos. A doutrina acirrou-se em discussão, porque surge o problema de se saber
quem é o titular do direito subjetivo que ao dever corresponde: ~. o público, o Estado, ou quem seja lesado? Se
esperamos que se dê o dano para se dizer quem é o titular do direito subjetivo, de certo modo olvidamos que se
aludiu a direito anterior à lesão. O direito à omissão é direito erga omites, se concerne, e. g., à personalidade e aos
direitos reais. Se foi criado o perigo,passageiro ou duradouro, tem responsabilidade quem o criou, ou quem não o
afasta, se está em pessoa, coisa, inclusive animal, ou num direito a que esteja ligado.

5.RESPONSARILIDMIE DAS PESSOAS JURÍDICAS. Quanto à questão da responsabilidade das pessoas


jurídicas pelos delitos dos seus órgãos e representantes, muito se discutiu (e. g.~ negativamente: E. C. vON
SAvIGNY, Systern eles heutigeu Rómischen Rechis, II, § 94, 310; G. F. PUCHTA, Pandekten, 9a ed., 76;
LunwiG ARNDTS, tehrbuch der Pandekten, 93; com restrições, B. WINDSCHEID, Lehrbuch deis
Pandelctenrechts, ~, 3Y cd., 144, e g~a ed., 279 5.; afirmativamente, C. E. F. SINTENIS, Das praktische gerneine
Civilrecht, 1, 122 s.; A. F. BERNER, fie Lehre von der Theitnahrne am Verbrechen, 175 s.). Mas, se é o órgão
que pratica o ato ilícito, têm de responder: é a própria pessoa jurídica que o pratica, conforme acentuou o direito
comum, inclusive quanto a pessoas jurídicas estatais: “Ministri quippe sunt tantum vice principum veluti imago et
umbra” (DAvID MÉvIO). Cf. HEINRICH WAENTIG (ti ber die ffaftung filr fremde unerlaubte Ha‟ndlungen, 4
s.). Os atos dos órgãos são atos da pessoa jurídica. Atos de empregados, de representantes, não são atos dela (cf.
WALTER PIPER, Verursachung und Versehulden ais &rundlagen der Sehadenshaftung nach dem BGB., 54 s.).
A responsabilidade extranegocial das pessoas jurídicas foi negada com base no direito romano, salvo se houve
locupletamento (L. 15, § 1, 13., de dolo maio, 4, 3,; L. 4, 13., de vi et de vi armata, 43, 16). Diferente, pela
responsabilidade, o direito germânico (OTTo vON GIERKE, Das dcutsche Genossenschaftsrecht, II, 622, 793 e
817 s.). Os pós-glosadores sustentaram a capacidade delitual da universitas (e. g., OLDRADo e BÁRTOLO DE
SAXOFERRATO). Cf. GOTTFRIED KaÚGER (fie Ilaftung dc” juristisefleu Personeu, 9, 11 e 13 s.).
O direito comum assentou a responsabilidade delitual das pessoas jurídicas.
Onde há personalidade há responsabilidade. Os princípios sôbre fatos ilícitos e dever de indenizar, quer se trate de
responsabilidade por culpa presumida ou não, quer de responsabilidade subjetiva ou transubjetiva, quer por fato
ilícito absoluto stricto sensu, são invocáveis a respeito das pessoas físicas e das pessoas jurídicas, indistintamente.

6.RESPONSABILIDADE PELO DANO SEM ILICITUDE DO ATO. A responsabilidade extranegocíal em caso

.~> a]
de legitima defesa, se alguém em defesa de outrem danificou o bem (Código Civil, arts. 160, 1, e 1.520, parágrafo
único), não é responsabilidade extranegocial por ato ilícito. A licitude existiu, a respeito do dano: só se
estabeleceu antijuridicidade; houve dano, e a lei estatui que seja indenizado. Assim, nem todas as indenizações
em virtude de responsabilidade extranegocial são oriundas de atos ilícitos. Há sanção legal, que tem como ratio
legis cobrir-se o que se perdeu, a despeito de a própria lei ter permitido. Permissão excepcional; responsabilidade
que tem outro fundamento que o da reparação dos danos por ato ilícitos. Assim, só está em causa o quantum
respondeatur; não o an respondeatur.
A responsabilidade civil pelo dano causado em estado de necessidade (Código Civil, arts. 159 e 1.519) é derivada
de ato lícito, e não de ato ilícito. O dono do bem atingido tem ação contra o agente, e êsse, regressivamente, contra
o terceiro quê~ tenha tido culpa (art. 1.520). Há a licitude do ato, a despeito de se ter de indenizar. Cf. GIovÂNNI
PALADINI (Fattori deila Responsabilitá civile e pende, 103).
O estado de necessidade pré-exclui a ilicitude, não a responsabilidade. O agente tem de indenizar, porque se fala,
no ad. 160, II, do Código Civil, de não ser ato ilícito a deterioração, ou destruição, da coisa alheia, a fim de se
remover perigo iminente (“quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário”, art. 160, parágrafo
único), e, no art. 1.520, de ser indenizável o dano, com a ação regressiva, se houve culpa de terceiro.

7.RESPONSABILIDADE POR EXERCÍCIO DE ATIVIDADE PERIGOSA. No Código Civil não há regra


jurídica escrita sôbre responsabilidade pelo exercício da atividade perigosa. Com a evolução técnica de hoje,
cogitou-se, por exemplo, da.s emprêsas de transportes. De jure condendo, j,é de mister que se insira nas leis regra
jurídica geral sôbre os danos causados pelo exercício de atividade perigosa? O primeiro argumento
contrário à necessidade de regra jurídica geral está em que, se a profissão exercida é provàvelmente perigosa, a
causação do dano logo estabelece a presunção hominis. A solução legislativa, ou será a da responsabilidade
objetiva portanto, radical ou a da transformação da presunção hominis em presunção iuris tant um.
No sistema jurídico que acolhe a responsabilidade pela presunção inris tantum, como se passa no Código Civil
italiano, art. 2.050, abstrai-se dos casos raros em que, a despeito da periculosidade da profissão exercida, a
causação não compõe a presunção hontinis.
De qualquer modo, alegado e provado que o dano resultou da atividade perigosa, a culpa do exercente está
presumida. Ao demandado apresentar a prova de que não teve culpa, pois tomara todas as providências e medidas
para que o dano não se desse.

8.DANO CAUSADO POR ALGUMA COISA EM CUSTODIA. Falta no Código Civil regra jurídica sôbre dano
causado por alguma coisa que alguém tem em custódia, ou leva consigo. Quem causa o dano responde pela
indenização: o ato ilícito absoluto foi seu, ou foi seu o ato-fato ilícito. Mas há culpa em casos que não são de atos
ou atos-fatos do responsável. O ad. 1.518 do Código Civil não falou de “atos ilícitos”. O art. 159 fala de ação, ou
omissão. Mas a culpa pode ser por ter consigo coisa perigosa, como pode ser por exercer profissão perigosa. Ora,
se a coisa causou o dano e alguém a tinha em custódia, guarda ou em transporte (B apanhou a caixa, em que havia
uma bomba e a pôs na calçada), o dano proveio da coisa mais a falta de diligência, de atenção, ou de cuidado, do
responsável. Não poderia alegar o caso fortuito, porque não há fortu~dade no que é perigo previsto. O que é
preciso que se frise é que o homem não é só responsável por atos seus, ou atos-fatos seus, também o é pela coisa,
animada ou inanimada, que pode produzir dano, e êle não afastou a possibilidade. O ato negativo, a omissão, é
causa do dano, porque, se êles não tivessem ocorrido, dano não teria havido.
Se a coisa só é perigosa quando usada pelo demandado, tem-se de alegar e provar o ato positivo. Se ela é perigosa
por si mesma, a prova da culpa do demandado é mais fácil, porque houve a omissão.

§ 5502. Atos ilícitos e delitos

1. CONCEITo DE DELITO. À palavra “delito” correspondem diferentes conceitos: a) o conceito de espécie de


ato, em direito civil ou penal, que é o de ato contrário a direito, de modo absoluto, no que se diferencia do ato
contrário a direito, por infração de dever perante alguém (infração de ver ou obrigação de origem negocial, ou
irradiado de ato jurídico stricto sensu, ou ato-fato jurídico, ou simples fato jurídico) ; b) o conceito abstrato da
figura jurídica, com que trabalha o sistema jurídico (figura delítiva), quando precisa descrever o suporte fáctico
das regras de direito penal ou civil conceito a que corresponde cada ato de delito a), quando a regra de direito
penal ou civil incide; c) o conceito psicológico e jurídico, que é o de ato revelador de algo da personalidade de
quem o pratica; d) o conceito sociológico, que é o de fato que se tem, em determinado círculo social, como

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reprovado pelo sistema jurídico.
A expressão “direito de outrem” (verbis “violar direito, ou causar prejuízo a outrem”, no art. 159 do Código Civil;
“em sonstiges Recht elues Anderes”, no § 823 do Código Civil alemão) mereceu estudo especial de R.
SCHULZ-SCHÀFFER (Das sub jektive Recht im Gebiete der unerlaubten Handtung, 1, 109 s. e 106). Veio à
balha o conceito de direito subjetivo e depois a análise do assunto, com mais acentuado objetivismo, pôsto que
nem tudo que devia e era de esperar empregasse no trato da matéria. A ordem jurídica protege os interesses dos
membros da comunid4de, enquanto entre si se harmonizam e coexistem; isto é, protege-os enquanto são dignos
de proteção e necessitados dela. Tais noções de dignidade do amparo e da necessidade dêle (Schutzwúrdigkeit,
Schutzbedúrfigkeit) não deixam de ser fecundas, porque, embora sintéticas, são resultados de observação das
relações jurídicas. Dá-se a distribuição dos interesses pelo valor imperativo, Imperativpotenz, conceito que
entendeu formular.
No conceito de atos ilícitos, devemos precisar a independência da obrigação que dêles resulta. Certo seria
defini-los pelo seu efeito, porque a obrigação por atos ilícitos é efeito de tais atos; mas nao é sem interesse
aproveitar-se O assunto para se esclarecer noção assaz movediça e insegura, como éa de que tratamos. O conceito
de ilicitude ou de atos ilicitos é mais vasto do que na acepção, restrita e técnica, do direito civil e, particularmente,
do direito das obrigações. O que o tutor executa sem dever e sem poder executar é ilícito; e ilícito é todo exercício
não legal de qualquer ação, de qualquer movimento. Não é essa a acepção que agora nos interessa. Pode o
mandatário deixar de executar, corno devia, o mandato, ou excedê-lo; não raro, os curadores se afastam do
caminho que lhes traça a lei; e o enfiteuta foge a certas obrigações. Em todos êsses casos, as conseqüências do
direito violado não se produzem fora da relação preexistente: ou nasceram junto a ela, ou a ela aderem. Dá-se isso,
quer se trate de relação jurídica de obrigação, quer de relação jurídica real, quer de direito de família ou de
sucessão. Então, diremos que se trata de conseqúências anexas ao direito, e não é isso o que significa a expressão
atos ilícitos. Aqui, supomos a independência da obrigação resultante do ato. É preciso, para ser ato ilícito (no
restrito sentido), que produza obrigação independente, isto é, invada a esfera dos direitos que de modo geral
competem a alguém. O ato ilícito estabelece, de si só e originàriarmente, o vinculo de obrigação. Quer dizer:
excluem-se da matéria tudo quanto não produza aquela obrigação independente, oriunda de invasão da esfera
jurídica de outrem. Assim, o conceito de ato ilícito não pode ser equiparado ao de violação de direito (sentido
geral), de que nascem tOdas as ações e exceções; não pode ser assimilado ao de certas perdas de direitos,
impostas como conseqüências de se haver infringido a lei, nem, tão-pouco, com as penas em geral; não poderia
confundir-se com o de modificacão ou extinção de relações jurídicas obrigacionais já existentes. Nos dois últimos
casos, não se vai a juízo pedir a indenização com fundamento no Código Civil, arts. 1.518-1.558; mas, e
simplesmente: a) haver a indenização por perdas e danos resultantes da inexecução ou da irregular execução de
contrato (Código Civil, arts. 1.056 a 1.064) b) pedir o cumprimento estipulada por alguma infração contratual ou
negocia! unilateral (artigos 916 a 92‟?) ; e) requerer que se apliquem certas penas, que a lei estabelece. Exemplos
da espécie e) : no art. 1.530, onde se diz que o credor, que demanda o devedor antes de vencida a dívida, fora dos
casos em que a lei o permita, fica obrigado a esperar o tempo que faltar para o vencimento, a descontar os juros
correspondentes, embora estipulados, e a pagar as custas em dôbro; no art. 1.531, que fala da obrigação do que
demanda por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas, ou pede mais do que é
devido; nos arts. 1.780 a 1.784, que tratam dos sonegados. A semelhança entre o que se dá nos arts. 1.530 e 1.531,
bem como nos artigos 1.780 a 1.784, e o que denominamos, restritamente, obrigações por atos ilícitos, está em
que, ainda que independente, a relação jurídica criada pelo ato, naqueles casos, não resulta do próprio dano, nem
a êle se limita, mas da regra jurídica que estabeleceu a responsabilidade pelo ato ilícito.
Assim, se já existe relação jurídica entre o lesado e o autor do dano, ou se aquêle pede o que a lei, para o caso,
fixa, como pena não se regem pelo Código Civil, arts. 159 e 160, 1.518-1.553, as violações de direito.
A distinção é de valor técnico, limitado ao conceito correspondente a certa causa especial das obrigações. No
conjunto da ciência e devido à plenitude com que a lei põe diante de cada indivíduo a expressão organizadora do
movimento social, a toda obrigação corresponde a inexecução ou infração de preexistente obrigação. Apenas, no
caso dos atos ilícitos, não somente dêles resulta obrigação independente <independência que, na ordem geral, é
suscetível de graus, e relativa, como tudo no mundo), como também tal obrigação surge de invasão da esfera
jurídica de outrem.
Aqui convém que afastemos qualquer dúvida a respeito de relação jurídica preexistente e fato ilícito absoluto. A
cada momento fala-se de ato ilícito absoluto, ou de ato-fato ilícito absoluto, ou de fato ilícito absoluto em suma,
de responsabilidade extranegocial e de responsabilidade negocial, frisando-se que essa supóe relação jurídica
preexistente, e aquela, não, Os arte. 1.580 e 1.581 do Código Civil aludem a quem demanda por divida ainda não

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vencida e a quem demanda por dívida já paga. Numa e na outra espécie supõe-se que
o demandante se diga credor e possa cobrar a dívida. Mas a regra jurídica do art. 1.530, com a do art. 1.531, de
modo nenhum se prende a qualquer eficácia da relação jurídica que existe, ou que existiu. Exista, ou não exista a
dívida, o que é tido como ilícito é a cobrança, e não a infração de qualquer dever oriundo da relação jurídica que
acaso exista.
Das relações jurídicas existentes, negociais, irradiam-se direitos, mas êsses direitos, quando violados, se são
pessoais, dão ensejo à responsabilidade negocial (e então é razoável que se fale de relação jurídica preexistente,
porque é a ela que se fere). Muito diferente é a violação de direitos que nada têm com a pessoa ofensora.
~ Quando é violado o direito? Todo direito, uma vez violado, ,permite a ação de reparação? A questão é delicada.
Demolir a construção constitui dano ao próprio possuidor de má fé se o autor do atentado à propriedade não é um
dos autorizados, por lei, àquele ato: e. g., se não tem melhor posse. É dano matar animais alheios, porém, se o que
os mata quis razoavelmente (a tanto se reduz o absolutamente necessário do art. 160, parágrafo único) evitar que
os referidos animais ofendam a pessoas que êles persigam, nenhuma reparação cabe.
Aí está a doutrina legal dos limites subjetivos e objetivos dos direitos: a) legítima defesa, b) exercício regular de
direito; e) necessidade.
Os coniderações subjetivas), tornam ilícito, ou não, o ato humano de intervir na esfera jurídica de outrem. Por
quê? Porque um direito não existe absolutamente, mas relativamente. Os próprios direitos erga omnes são
relativos. Nenhum é mais firme, mais pleno, que o domínio, mas contra o proprietário pode ser exercida a ação do
possuidor de boa fé, ou, até, de má fé (Código Civil, art. 550 e 517). U&~ direito não tem a mesma face para
todos; depende dos outros direitos e, pois, dos titulares de direito. Depende, ainda, de circunstancias puramente
extrapessoais.
O homem tira do ambiente, do mundo exterior, aquilo de que precisa para a sua subsistência e para o seu
bem-estar. Tudo de que necessita para subsistir e para viver bem é interesse humano, no sentido do art. 76 do
Código Civil. Quem priva a A de ir ao templo fere-lhe um interesse de ordem religiosa, sim mas interesse,
porque entra na classe dos atos ou fatos que dão o bem-estar.
Interesse é o valor que possui uma coisa ou uma relação (RtJDOLF VON JHERING, Der Resítzwilie, 26; FRITZ
BERoLz1-IEIMER, Rechtsphilosophisehe Studíen, 101). O intrigado, se prova a intriga e o dano que disso
adveio, tem direito a ação.
Nem o Código Civil brasileiro, nem outros códigos civis identificam direitos subjetivos e interesses juridicamente
protegidos. O que exerce a ação, no caso do art. 76, pode não ter direito subjetivo. Por isso mesmo, o art. 159 fala
em “violar direito”, “ou causar prejuízo a outrem”. Pode não haver, de frente, violação de direito; ferir-se um
interesse. Não há preexistência de relação jurídica independente. Basta o dano, porque dêle é que a relação
jurídica se irradia. Se houve culpa, o dano ainda que não resulte de ferimento direto de direitos subjetivos há de
ser ressarcido. A linguagem dos arts. 159 e 76 é coerente.
O dano é relativo. Depende de circunstâncias objetivas e subjetivas. O dano que se causa ao microbiologista,
quebrando-se-lhe o microscópio, não é o mesmo que se causaria ao sertanejo, ou trabalhador do campo, que, sem
o usar praticamente , tivesse um microscópio entre os objetos da sua casa (JOSEF MAIJCZKÂ, Der Reehtsgrund
dér Sehadcnsersatzes ausserhalb besteflender Schuldverhdltnisse, 28; também II. DEGENKOLB, Der
spezifische Inhalt des Schadensersatzes, Archir /1k civiÃlistische Prayis, 72, 57). Mas não é dano ressarcivel o
que se causa a res nuilius.
O dano pode ser variação, alteração, modificação, ou destruição mecânica ou química; mas seria êrro afirmar-se
que toda alteração física ou química cause dano. ~ preciso que seja, realmente, danosa; e mais ainda: que o seja
para alguém.
Não se pode publicar artigo, em que se diga ser adúltera alguma senhora. Seria punido quem o fizesse. Mas, se
alguém tem de advogar a ação de desquite proposta pelo marido, pode articular o adultério, e prová-lo. Não se
pode atribuir filho ilegítimo a alguém, mas pode-se propor a ação de reconheci-
mento. Do mesmo modo, durante a campanha para uma eleição, pode-se publicar que um dos candidatus já estêve
prêso. O funcionário público solicitado por superi ores para dar informações sôbre antigo empregado, se as dá
desfavoráveis em sigilo, ainda que não as possa provar, não fica por isso responsável: serve, ou presume-se que
sirva, a interesses acima dos interesses privados. Mas a agência que as presta mentirosas, ou levianas, e com isso
causa danoso não se exime da obrigação de reparar, ainda que declare serem confidenciais tais indicações.
São exemplos de responsabilidade extranegocial:
a) Representar, em romance ou peça de teatro, com todos os seus caracteres, a alguma pessoa, principalmente se
lhe imputa o romancista ou o escritor teatral atos ridículos, desonestos ou infames. Mas o romancista ou

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dramaturgo pode inspirar-se na vida real, desde que não esboce conjunto de qualidades de que surja,
reconhecível, alguma pessoa. Ainda que se trate de fatos notórios, ou públicos. No conjunto, que as compõe,
podem ser copiadas as vidas públicas das pessoas. E impossível postular-se a ilicitude de um retrato que, no meio
dos fatos narrados pelo historiador, pelo romancista, ou descritos pela tela cinematográfica, dá a imagem
psicológica do homem público, desde que lhe não impute atos puniveis (calúnias), nem o injurie.
Ninguém pode, sem incorrer em responsabilidade pelo dano, publicar as moléstias de que outrem sofreu e se
curou, quer seja com intuito de reclame, quer de informação científica. O cientista, o médico, deve obter
permissão para declarar o nome, ou pôr apenas os dados que descrevam, sem se reconhecer, a pessoa curada.
Aliás, é assim que procedem todos. Nas fotografias, inutilizam-se as partes principalmente o rosto que poderiam
permitir o reconhecimento.
b)Publicar advertência ao empregado ou ao funcionário público, quando tenha de ser observada. A divulgação em
círculo maior do que o devido constitui ato ilícito. Outrossim, fazer menção, ou estatística dos erros, cometidos
por alguém como empregado, ou como funcionário público, e fixá-la em paredes. Certo, a crítica, em artigo
literário, seria permitida;mas há diferença entre publicar, como opinião, e voltar a reproduzir, por exemplo,
semanalmente, o mesmo escrito.
e)A publicação das dívidas passivas de uma casa. Constitui ato ilícito; salvo: em se tratando de jornal, geralmente
aceito, em que se anunciam, regularmente, as dívidas de todas as casas, ou de determinado ramo ou círculo; se fôr
em lista regular de comerciantes que não pagaram títulos protestados.
2.CONCEITO DE DELITO EM DIREITO PENAL. Teve enormes vantagens e desvantagens o fato de se ter
submetido a investigações, não raro exageradas e absorventes, o delito e o delinquente. Vinha-se de longo período
em que se havia deixado de ver e de investigar o delinquente (a) e o fato social do delito (b). O jurista teve de
assistir à crítica mais profunda e, por vêzes, mais extremada dos seus conceitos, das suas fórmulas e dos seus
métodos. A certo momento, sentiu-se mesmo que se concentrava em (a) e em (b), ou somente em (a), ou só-mente
em (b), toda a atenção; e apressou-se o aproveitamento daquelas investigações para se volver, tempestivamente, à
técnica jurídica que era especifica. A (a) ligou-se o memorável e bulhento movimento científico e literário que
veio da antropologia criminal da CESARE LOMBROSo à psicologia criminal, à psiquiatria criminal, à biologia
criminal e à psicobiologia criminal, propensa a exame global, integral, do delinquente. Em (b) estava a sociologia
criminal de ENRICO FERRI que mais se preocupou com as causas sociais do delito. Convergiu-se, com (a) e (b),
para o estudo, superados os dois movimentos, dos fatôres do fato punível: físicos, biológicos, psíquicos, sociais
(ambientes, econômicos, religiosos, morais, políticos, jurídicos, de deslocação ou de calamidades). Tudo isso há
de interessar ao jurista como elementos informativos da técnica legislativa de direito penal e de técnica da
execução da pena ou de técnica de tratamento, ainda quando o direito penal pré-exclui, in casu, a incidência da
regra jurídica penal. A Criminologia, para o jurista, é o conjunto dêsses conhecimentos, que não são os
conhecimentos jurídicos prôpriamente ditos. Tanto mais quanto o conceito sociológico do delito pode ser mais
largo, ou menos largo, ou não coincidir, em seus limites, com o conceito jurídico, ainda na mesma sociedade
observada. Há anti-social, para o sociólogo, que o legislador não incluiu
nas leis penais, e há delitos que ao sociólogo repugnaria considerar delito. Para o sociólogo, que conhece as leis
sociológicas e sabe o que, no sentido da evolução social, se vai destruindo, o delito de professar outra religião que
a do Estado muito lhe serve para mostrar, em certas sociedades, que o elemento religioso mantém poder político
assaz forte para impedir que se passe ao princípio da liberdade religiosa. Por outro lado, pode êle ver, antes do
jurista, que certas regras jurídicas já são letra morta: o jurista é mais lento em proclamar que já está obsoleto o
texto.
O ato pode ser criminoso e incorrer em pena quem o pratique sem que daí resulte dever de indenizar (falta ao
suporte fáctico o elemento do dano) e o de restituir aquilo com que se aproveitou (não houve enriquecimento
injustificado). O dever de indenizar, como o de prestar por enriquecimento inostificado, pode não ser criminoso;
ser, por exemplo, apenas contra os bons costumes. Quem ofende a esfera jurídica de outrem, mesmo se as leis
penais não o prevêem, tem de reparar o dano. Não é preciso, sequer, que tenha havido infração dos bons
costumes. Pode haver a contrariedade a direito sem haver crime, nem enriquecimento injustificado, nem
atingimento dos bons costumes.
A oposição entre juristas, de um lado, e (a) e (lfl, do outro, levou a reafirmar-se em teoria geral do direito e em
teoria geral do direito penal, ou em gnosiologia jurídica, que as regras jurídicas são imperativos (lógicos) e, pois,
trazem dentro de si julgamento de valor. Aos capítulos de ciência, que estudam causas e efeitos (muitas vêzes,
tomando como causas efeitos), foram reservados os julgamentos do fato. Com isso, cavar-se-ia abismo entre
juristas, de um lado, e (a) e (b), de outro, isto é, entre o direito e a criminologia. Cometer-se-ia, porém, êrro maior,

.~> a]
o de se eliminar a ponte entre êles, a técnica legislativa de direito penal, de que se serve, na dimensão política, o
legislador; ao mesmo tempo que se confundiriam o político e o jurídico, pois a regra, antes de se fazer juridica,
pertence ao campo do “dever ser”, deixando de ser tal, exatamente quando já se está na dimensão jurídica.
3.MÉTODOS E TCNICAS PRÓPRIOS. A cada um dos conceitos correspondem métodos e técnicas próprios. O
psiquiatra, o psicanalista e o biopsicologista têm os seus, a despeito de ser o mesmo conceito de delito o dos três.
Têm os seus os sociólogos, conforme são mais próximos da física, da biologia ou da psicologia. Têm os seus
valôres os juristas, conforme a dose da ciência que há nêles e o grau da mentalidade científica a que
correspondem; e. g., investigadores do que foi ditado por Deus ou pelo legislador, da vontade ou do espírito da lei,
em vez do que é, no estado atual da ciência jurídica, o conteúdo das regras jurídicas formuladas. (Sôbre a
animismo que persiste em se falar de “espírito do legislador‟ ou de “vontade do legislador”, “espírito da lei” ou
“vontade da lei”, o nosso estudo de 1922, Subjektivismus und Voluntarismus im Recht, Arch,iv fflr Rechts- unil
Wirtschaftsphiiosophie, Tomo XVI, ERNST ZITELMANN Festschrift, 522-545).
O direito penal diz quais os atos contrários a direito, a que correspondem sanções penais. A tautologia ressalta;
porém, com ela, presta-se o serviço de apontar como errôneas as definições que dão o direito penal como ramo do
direito que faz corresponder a atos proibitivos as sanções. Há sanções civis, de direito administrativo e, até, de
direito constitucional e das gentes, que não são penais. A nulidade e a anulabilidade são sanções; a ineficácia pode
ser sanção; a caducidade, também. Não há direito penal sem pena, em sentido estrito. Porém a luta contra o crime
é em maior extensão que aquela que assenta na pena: há luta contra o crime, na dimensão jurídica, sem ser
mediante a pena; e há luta contra o crime, sem ser na dimensão jurídica: há luta política, luta religiosa, luta ética,
luta econômica, até luta estética, que de nenhum modo se vale da pena, nem, sequer, de meios jurídicos. O delito
passa a ser objeto da pesquisa, de combate e de tratamento, para além do que se leva em conta quando se redigem
leis penais. ~ visto, então, de todas as dimensões sociais, no terreno teórico e no terreno prático, inclusive da
dimensão jurídica, especialmente do direito penal. Tal investigação e tal planejamento de luta, ainda quando
totais, de modo nenhum excluem ou absorvem o direito penal: primeiro, porque a dimensão jurídica é
ineliminável porque, na própria dimensão jurídica, o direito penal é ramo específico. Ganha o penalista em saber
o máximo possível sôbre o delito, mas os antropologistas, os psicólogos, os sociólogos e os missionários e
moralistas não o podem deslocar da sua posição excepcional, na técnica contra o delito. Uns tratam com a
realidade, para colhêr os dados científicos; o jornalista serve à vida, pala aproveitamento normatizante do saber
de cada momento. Se êsse aproveitamento foi o máximo que podia ser, dado o momento histórico social do povo,
ou se avançou de mais, ou se foi deficiente, é outra questão: por ai é que se hão de julgar a ciência e a técnica
legislativa de que lançaram mão os formuladores das regras jurídicas.
A técnica legislativa, que precede à feitura ou à corrigenda das leis penais, assenta: a) em estudo do sistema
jurídico vigente, especialmente penal (dogmatica), razão por que se sói consolidar e se recomenda consolidar-se o
direito penal antes de qualquer nova codificação; b) em guosiotogia jurídica, especialmente penal, para que se
saiba o que é que se conhece e como se conhece a distinção entre atos. de delinqUência e atos não-delitivos; c) em
crítica das deficiências, exageros e erros das leis penais, de que saem considerações de jure condendo; d) em
estudos dos conceitos.

4.CONCEITO PRIVATÍSTICO DE DELITO OU ATO ILÍCITO. O emprego da expressão “delito”, em sentido


privatístico, ou “delito civil”, é insuficiente para se cogitar de ato ilícito a fortiori, de fato ilícito strioto .sensu, ou
de ato-fato ilícito porque há indenização sem ser por detituosidade.
Se nos atemos ao passado, a pena convencional é pena, e não indenização; é simples variante da pena publicística
(W. SJÓGREN, Úber die rõ‟nvische Conventionaiatrafe und die Strafklausein der frãnkischen Urkunden, 11;
PAUL DEUS, Die Vertragsstrafe nach dem RGB., 6). O art. 927 do Código Civil atende à penalidade, e não à
indenização; mas o art. 924 atenua o principio (cp. Código Civil alemão, § 343, e Código Civil brasileiro, art.
924). O ato ilícito, aí, é por infração negocial.

5.ATO ILÍCITO ABSOLUTO E ATO ILÍCITO RELATIVO POR ATOS DE CRIME. A responsabilidade de
quem é figurante de negócio jurídico, pelos atos dos seus prepostos ou incumbidos de auxiliar adimplemento,
rege-se pelo princípio de que quem escolhe responde pela pessoa que escolheu (Tomo XXII, 12.721, 11, 12). Não
importa se há representação, preposição ou simples auxílio. Se se trata de órgão , o ato é do próprio devedor, ou
do credor, que tem custódia do bem devido e ainda não prestado. Não se trata de terceiro. Isso não quer dizer que
essas pessoas não possam ser responsáveis por ato ilícito absoluto. Se o falso procurador, no momento da
conclusão do negócio jurídico, era auxiliar do representado, responde a pessoa que, com isso, lhe deu tal ensejo,

.~> a]
embora sem culpa, se o outro figurante estava de boa fé. Idem, se há excesso de poder, que o outro figurante
ignorava. Para qualquer responsabilidade do devedor empregador é preciso que êle haja pôsto o empregado em
função e que êsse pratique, ou pareça, dentro da função do emprêgo, que pratica os atos do devedor empregador
(cf. EMIL MATEIS, Reste/a nack gemeinem Recht bei der Werkverdingung ejue Icontraktliche Haftplicht d‟es
Werkrneister fUi- das Versehulden seiner Gehilfen?, 1 s.; ALFRED WERTEEIMER, fie Haftung d‟es
Sch,uldnerg fUi- seine Cehittfen nach dem Rechte des EGE., 28).
A infração do contrato, por parte de A, pode dar causa à indenização dos danos contratuais ao outro figurante, e à
indenização dos danos, por ato ilícito absoluto, a C (cf. WILHELM KOPPEL, Das Interesse eines Dritten beim
Sekadensersatz ana Tertràgen, 45 s.), como o ato ilícito absoluto de C pode dar ensejo a que A tenha de prestar a
B o que recebeu de C.

6.ENRIQUECIMENTO INJIJSTIFICADO. Enquanto o direito à indenização do dano supõe o dano, com a


respectiva responsabilidade, que, ordinariamente , porém não em todos os casos, é fundada na culpa, o direito à
prestação do que a alguém injustamente enriqueceu resulta de princípio, cuja naturalidade os legisladores
romanos sublinhavam: Natura aequum est nem&tem cum alterius detrimento fieri locupletiorem (L 14, O.. de
condictione indebiti, 12, 6; L. 206, O., de diversi,s regulis mi-is antiqui, 50, 17). Cumpre, porém, observar-se que
o enriquecimento injustificado, resultante do acaso, não dava, no direito clássico, ensejo à condictio, e que a
condictio ex tege e a condictio generalis foram bizantinas. Aliás, a jurisprudência clássica quase se restringia aos
casos, sem classificações doutrinais (indebitum solutum, que não compreendia os casos de dividas atingidas por
exceção perpétua, e não exigia a prova, como faz hoje o Código Civil, art. 965, com fonte em texto atribuido a
PAULO, L. 25, pr., D., de probationibus et praesumptio‟nibus 2~ 3 mas em verdade bizantino; datio ob rem, em
que “res” era o fim, de que exsurgiu, na época pós-clássica, a condictio ob causam datorunt; condictio ob tapem
causam). Falou-se em princípio geral de equidade, que seria à base das condictiones (PAUL FRÉDÉRIC
GrnARD, Manuel élémentaire de Droit romnain, ga ed., 653). Há, aí, a falta de referência à primitiva
indenização do dano pelo ato ilícito, que seria de posterior inserção nas condictiones (dai-e ob turpem causam,
condictio ex causa furtiva). Seja como fôr, a justificação pela equidade e pelo direito natural é provàvelmente de
inspiração na ética de Nicomaco e no estoicismo (ULRICE v. LÍIBTOw, Beitrãge zur Lehre vou der Condictio
itach râmiseflem nnd çpeltendem Reckt, 22 s., 81 s.; cf.
H.COING, Zum Einfluss der Philosophie dos Aristoteles auf die Entwicklung des rõmischen Recbts, Zeitschrift
der Savigny-S‟tiftung fui- Reehtsgeschiehte, 69, 40 5.; II. NíEDERLANDER, Pie Rercicherungshaftu‟ng im
klassischen rãmisch,en Recht, 105, 112). No comêço, a casuistica judiciária mostrou que faltava generalidade,
mais ainda teoria (cf.A.ERxLEBEN, fie condictiones sine causa, 1, 4 s., e prefácio, V; PFERSOBE, Pie
Rereich,erungsklagen, 3 s. e 52 s.). Cumpre, ainda, atender-se à extensão que tem hoje a pretensão por
enriquecimento injustificado, que pode abranger locupletamento com posse alheia, ou qualquer direito com que
outrem se possa locupletar (HERMANN WITTE, fie Rereicherungslclagen des gemeinen Rechts, 41). Não se
precisa aludir ao direito de posse, ou a qualquer espécie de direito, e fêz bem o legislador alemão quando retirou
do Projeto de Código Civil a referência (cf. ERICE JUNO, fie Rereicherungsanspriiche und der Mangel des
“rechtlichen Grundes”, 44; RIcHARD PLESSEN. Pie Grundlagen der m.odernen condictio, 16 s.).
O enriquecimento injustificado não se dá somente pelo pagamento indevido. O conteúdo do art. 964 do Código
Civil apanha qualquer locupletamento sem causa, o que se pôs em relêvo no Código Civil alemão, § 812, alínea
1a (com a imediata exposição doutrinária, e. g., A. HARTMANN, DerBereicherungsanspruch des BGB., Are
14v fUi- BUrgerliches Recht, 21, 231 5.; e a anterior, e. g., em PIcKERT, Reiti-Étge zur Lekre vou der condictio
indebiti -nach rõmischem und prenssisclzem Recht, 7).
Para o direito de hoje, não tem importância a discussão sôbre se a condictio foi figura processualística (e. g., R.
VON MAYR, fie condictio des rõmischen Privatrechts, 17 s.), ou não (e. g., J. vON
ROSCHENBAHR-LYSKOWSKI, fie condictio ais Rereicherungsklage im klassisehen rômischen Rech,t, 54).
Para o direito brasileiro e a concepção do enriquecimento injustificado, Tomo XXVI, §~ 3.132-3.149.

„7. PRETENSÀO À RESTITUIÇÃO. A pretensão à restituição supõe que não se trata de pretensão à prestação.
PAULO, na L. 38, ~ 4, D., de usuris et fructibus et causis et omnibus accessionibus et mora, 22, 1, frisa a plena
significação de “restituas”, quando se revoga. “Restitui-se”, em ação real, como a úndicatio, ou em ação real,
como se houve mandato, ou gestão de negócio alheio, ou delito, ou condietia sine causa (repetitio), ou acUo
i-edhibitoria, ou depósito, comodato, ou penhor (PAUL OERTMANN, tiber die fiducia, 184; MAX IAcomi,

.~> a]
ritische Untersuchungeu, 13). Assim, a palavra “restitutio” não se liga somente a deveres de origem negocial.
O que se tem como resultante de ato-fato ilícito, ou de ato ilícito stricto sensu, ou de fato ilícito stricto sensu, e se
há de entregar porque é de outrem, é bem que se restitui.

8.RESPONSABILIDADE PELOS ATOS DE OUTREM. Quem deve e se faz presentar ou representar assume a
responsabilidade pelos atos do presentante ou representante, como se o encarregado de pagar entrega cheque
falso ou falsificado. O art. 1.521, III, do Código Civil é invocável. Além da responsabilidade de origem
contratual, o devedor tem a responsabilidade pelo fato ilícito (e não só pelo ato ilícito). No direito alemão, a
respeito do devedor, foi inserta regra jurídica especial, que é a do Código Civil alemão, § 278, onde se explicita
responder o devedor por culpa do presentante ou do representante ou dos auxiliares. Mas, com a inserção,
suscita-se o problema da distinção entre a) o dever de adimplir diligentemente e b) o de responder pela reparação
dos danos causados pelo terceiro, que foi incumbido de prestar. Em verdade, há outra distinção: entre a
responsabilidade de quem incumbe terceiro de prestar, como se fôsse o devedor que prestasse, que é a espécie a),
e e) a de quem presta, com ato seu, e encarrega a outrem de entregar (e. g., pagar em dinheiro). O devedor
responde se deu incumbência; não, se foi o terceiro que por êle quis prestar.
A interpretação que se dá ao art. 1.523 do Código Civil não pode ser estendida às espécies a), b) e e) ; porque a
prestação se prende à responsabilidade negocial, que seria a espécie d). Se o auxiliar rouba ou furta ou quebra
algum bem do escritório do credor, ou se o fere, a responsabilidade é regida pelo art. 1.523, porque se restringe ao
art. 1.521, III.
Nas espécies a), b) e o), não se precisa alegar culpa in eligendo (sem razão: 5. CER. fiASSE, Pie Culpa des
rtmisehefl .I?echts, 408 s.; 13. WINDSCHEID, Lehrbuch des PandektenreChtS, ~ 9a ed., 746 s.), nem cabe
dizer-se que só há a responsabilidade em caso de locatio concluctio operis. Deve-se, fora de dúvida, a L.
ENNECCERUS, em 1884, a precisão do assunto, porque o devedor há de ter diligência em prestar (Juristentu4
vim 1881#, II, 95-116).
Quando se diz que, fora das relações jurídicas negociais, não se pode pensar em responsabilidade de quem
emprega, sem ter culpa, isso não importa frisar-se que é de mister, para a negociabilidade das relações, que já se
tenha concluído negocio jurídico. A responsabilidade pelo ilicito já é negocial antes de se concluir o negócio
jurídico. O hoteleiro é responsável pelos danos causados às malas do futuro hospede, mesmo se, ao chegar ao
escritório ou balcão, ou portaria, o hoteleiro verifica que não tem apartamento que sirva ao freguês. Dá-se o
mesmo se já foi paga a conta, entregues as chaves e o dano é causado pelo empregado do hotel, ou pelo automóvel
do hotel.
Quem incumbe outrem de atos, positivos ou negativos, somente não responde se teve todo o cuidado na escolha
do incumbido, na aquisição ou destinação dos utensílios ou maquinarias, e na direção da atividade, ou se, ainda
que êsse cuidado tivesse tido, o dano ocorreria. O problema do ônus da prova exsurge, uma vez que se não estatui,
em geral, como faz o direito francês, a responsabilidade, mesmo sem culpa do incumbente (Código Civil francês,
art. 1.384, alínea 3; Tomo III, § 352, 2), nas espécies do art. 1.523 do Código Civil. A melhor solução é, de jure
condendo, a de se atribuir ao incumbente o ônus da prova de não ter tido qualquer culpa; & tal foi a que se pôs no
Código Civil alemão, § 831, com inversão do ônus da prova (o apontado como responsável é que tem de alegar e
provar a não-existência de culpa, tal como. ocorre no direito suíço, art. 55). Mantém-se a atitude do direito
comum (há de haver culpa, razão para se ter de responder, cf. STOBBE, Handbuch dies deutsehen Privatrechts
II, 254 e 888; WILHELM PFEIPFER, Pie ausserk.ontq-aktlicae Ilaftung fúr Handtungen dritier Persouen nack §
831 und 832 8GB., 9 s.; cf. FRANZ ANRALT, Die awsservertrugíicn~ Haftpflicht des Geschàftsherren und des
Aufsichtspflicntgen fUr Handlungen dritter Personen, lOs.). Sôbre o assunto, Tomos 1, §§ 91,3; 98, 2,6; 99,4; II,
§§ 156,7; 178 e 197,1; III, § 852,2, sôbreo pro.biema do presunção; IX, § 1003, 4; XV, § 1.731, 1; XXVIII, §
8.346, 1; XXXVII, § 4.153, 2; XLV, § 4.865, 3; XLVI, §4.972, 2; XLVIII, § 5.145, 2; XLIX, §§ 5.168, 6; 5.185,
3.
Se se permite a prova de não ter havido culpa, dita prima de exculioação (ExkulpationsbeMreis cf. A. E. II.
NÓLDERE, Die ausserkontraktíiche flaftung fOr fremdes Verschulden nach den §§ 831, 832 BGB., Gruchots
Reitrãge, 41, 772; LASS und MAJER, faftpflichtrecht und ~ gebung, 23 ed., 60), houve, na lei, presunção de
culpa.
A responsabilidade extranegocial, que é a que resulta das regras jurídicas do Código Civil, art. 1.521, e de
semelhantes a elas, de medo nenhum é exceção à regra jurídica da responsabilidade do devedor pelos atos de que
incumbiu alguém para satisfazer a sua dívida. A responsabilidade pelos fatos ilícitos absolutos (= estranhos a
relações jurídicas negociais) nada tem com a de quem prometeu, ou teria de prestar (cf.F.VON LISZT, Pie

.~> a]
Deliktsobugatíone,i im Sustem des 8GB., 104 s.; RARL PHILIPP, 8GB: Pie Stellung des § 278 zu dem § 831, 45;
ALFRED WERTIIEIMER Die Haftu:ng des Sclzuldners flir geme Gehiilfen, 15; BRUNO BLAU,
Verantwortucnkeít fUr frem Jes Versehuíden nack dem 8GB., 38).
111
O que pratica o ato em virtude de disposição legal, ou de ordem de autoridade legítima, não é responsável pelo
dano. A razão é simples: não se ferem direitos; e se algum fôr lesado, o meio hábil está nas leis processuais : os
recursos, os embargos de terceiro senhor e possuidor, ou de terceiro credor hipotecário, o hábeas- corpus , os
preceitos cominatórios, etc.
O subalterno não pode ser punido no cumprimento de ordens legais formalmente legais; menos ainda, o que
procede por ordem legal da autoridade competente.
Se alguém pratica o ato por ser obrigado, incorre na obrigação o que ordenou, conforme os princípios que regem
a espécie. Só é obrigado quem está vinculado.

9.LEI E INFRAÇÕES COM EFEITOS DE RESPONSABILIDADE.


Se alguma lei veda atos, positivos ou negativos, de modo que se repute infringida a lei, mesmo se não houve
culpa, o dano que a infração sem culpa causou dá direito a indenização; salvo se há outra regra jurídica quanto à
reparação por ilicitude (cf. HERMANN VOss, Per Schadensersatzanspruch. auc § 823 Mm. 2 des 8GB., 27 s.).
Vedar atos, positivos ou negativos, não é dizer que o ato ilícito absoluto cause a responsabilidade sem ter havido
culpa. Para que a pretensão à reparação nasça, sem ser culpado o ofensor, é preciso que haja presunção de culpa,
salvo regra jurídica especial.
Dos dados objetivos consideradas como tais as diferentes regras legais, que atestam a convicção do legislador e
mostram o sentimento geral e o costume (material, de que deve o juiz e, mais amplamente, o intérprete tirar as
regras jurídicas, ainda que pela pesquisa sociológica interior à lei, intra legem, como queria GÉZA I<íss
(Soziologische Rechtsanwendung im rómischen Recht, Archiv flir BUrgertiches Retckt, 38, 221 s.) extraiu
JOSEF KOHLER (Em Fali der Menschenhilfe im Privatrecht, 36, 3) o princípio, que ora traduzimos, é de
inestimável aplicação no direito privado e no direito público:
há o dever de velar pelas pessoas feridas, que se encontram, e de lhes prestar os socorros imediatos. Naturalmente,
não se estendem aos casos de morte tais deveres. Se procurarmos princípio mais geral, temos: quem encontra
pessoa que precisa de auxílio, ou socorro, ou ajuda, e o prestá-los não exige sacrifício grave ou perigo da parte de
quem está presente, deve envidar todos os esforços para acudir ao necessitado, ferido, ou em risco. Assim, A pode
ser responsável pelo dano sofrido por B, que perto ou longe dêle passa, se A sabe que adiante há perigo, pode
avisá-lo, e não o avisa; pela prestação do Co-digo Civil brasileiro, art. 1.538, se não ampara a criança exposta, ou
que foi, no caminho, pisada pelo animal que corria. É indiferente que seja positivo ou negativo o fato do delito ou
do quase-delito; porquanto qui non facit quod facere debet, videtur facere adversus ea, quia nou facit (L. 121, D.,
de diversi.s regulis juris antiqui, 50, 17).
Se alguma lei estabelece que a prestação, devida em virtude de relação jurídica negocial, há de obedecer a
exigência especial (pondo-se, aqui, de lado o problema de haver, ou não, infração do princípio constitucional que
veda a retroeficácia), tem-se de verificar se houve inserção de cláusula, ou de pressuposição, ou de regra jurídica
cogente.
Se a regra jurídica atende a possíveis mudanças de circunstâncias, surge o problema da cláusula, ou
pressuposição, ou imperatividade da mudança.
O direito comum tinha como implícita a cláusula rebus sie stantibws. Entenda-se: supunha-se existir a regra
jurídica. Tudo se passava como se houvesse enunciado que dissesse:
tem-se por inserta no negócio jurídico a cláusula rebus sie stantibws. Houve a reação contra isso, para se evitar a
inseguridade que daí surgia. Não porque se quisesse afastar qualquer resolução ou resilição por impossibilidade
superveniente, mas para que mudanças desfavoráveis não fôssem causa de graves danos a quem se tivesse por
favorecido.
Repelir-se a teoria do direito comum não significa afastar-se qualquer manifestação implícita, tácita, ou mesmo
pelo silêncio, que dê efeito resolutivo, ou resilitivo, ou reajustativo; melhor: que dêem efeito de fazer nascer
pretensão à resolução, ou à resilição, ou ao reajustamento ou revisão, a algum dos figurantes do negócio jurídico.
A correção monetária, como toda revalorização, que não dependa de cláusula contratual, é em virtude de
pressuposição rebus sie stantibus, e não de cláusula rebus sie staritibus. A cada momento ouve-se e lê-se sôbre
incidência de lei, que estabelece a pressuposição rebus sie stantibus, como se de “cláusula” se tratasse. O êrro é
grave e tem levado a confusões lamentáveis. A pressuposição pode ser contratual, ou legal; a cláusula, não. A

.~> a]
doutrina da cláusula levou à da pressuposição (cf. L.. PFAFF, Die Klausel: Rebus sie stantibus in der Doktrin und
der õsterreichischen Gesetzgebung, Festschrift fúr JOSEPE UNGER, 296; O. FRLTZE, Clausula rabus sic
stantibus, Arehiv filr Biirgerliches Recht, 17, 20 s~ MAx MATTÍlIAS, Rechtswirkung der clausula rebus sic
siantibus und der Voraussdzung sic stantibus, 17 s.) ; mas aí está apenas ligação histórica. Se em qualquer
negócio jurídico, em princípio, pode ser inserta a cláusula rebu.s sie stantibus, isso de modo nenhum justifica que
se tenha como cláusula a exigência ex lege de qualquer mudança da espécie, qualidade, quantidade da prestação,
ou do modo de prestar, ou do tempo.
Sôbre o assunto, Tomos III, §§ 261 e 329; XII, § 1.346; XXV, §§ 3.059, 3.060; 3.067; 3.068, 3; 3.072; 8.076.

10.DRIGÊNCIA E ACIDENTES. Os acidentes são, na maioria dos casos, resultados de distrações, o que na
terminologia alemã se denomina, expressivamente, Zerstreutheit, falta de ajustamento da consciência às
circunstâncias em que nos achamos. No direito, é assaz importante, porque a distração pode ser da própria vítima,
ou de outrem, e então se confundem o problema jurídico e o problema psicológico, com toda a sua desafiadora
obscuridade. Ao estudo da responsabilidade estão ligados os mais graves assuntos de psicologia do inconsciente e
do subconsciente, tanto quanto dos fenômenos de consciência. Conhecem todos o jôgo de “philopoena”, no qual
não pode o jogador resistir à tendência subconsciente de responder sim ou nao as questões que se lhe apresentam,
ou, mais caracterizado, o “eu também” do folclore infantil. É a discordância entre a percepção subconsciente e a
ação subconsciente: aquela, mais demorada; essa, acelerada pela predisposição natural à repetição motora. O tipo
mais simples de resposta motriz subconsciente é, para os psicólogos, a que consiste em praticar ação mais ou
menos oportuna ma1s ou menos habitual, sem que se produza nenhuma impressão na consciência. Levanta-se A
para fechar à chave a porta, e verifica que já a havia fechado. Em dia de calor, no escritório.
O empregado do banco quer tirar o casaco, e vê que antes o tinha tirado. O frade esmoler da igreja passa, mais de
uma vez, com o prato, ou a sacola de oferendas e esmolas, com a consternação dos presentes. O empregado da
estrada de ferro muda a posição da agulha sem perceber que antes já o executara, e assim causa o desastre. O
primeiro ato foi praticado distraidamente; dai a dúvida ou a falsa convicção de não o haver praticado.
Às vêzes, a atividade inconsciente, em vez de desservir, serve ao indivíduo. Dois exemplos: um já vulgarizado
por JOSEPH JAsTROW e outro dos nossos cadernos de observações psicológicas de 1927. Poderíamos lembrar
outros, vulgares, como o dos pacote de papéis um dos quais se quer lançar no fôgo e outro não; na ocasião,
distraidamente, A atira as enamas o que queria guardar e vice-versa, mas há o repentino reconhecimento
subconsciente de que trocou os papéis no momento crítico para o gesto. Os dois, que vamos dar, bastam à
explicação. Uma senhora seguia pelo corredor do hotel a caminho do elevador, a pensar noutras coisas; de
repente, acreditou ver diante de si um homem que não conhecia. Parou, então percebeu que a porta do elevador
estava aberta e que, se não parasse, teria caído de grande altura. No caso dos papéis, o reconhecimento
subconsciente avisa com reação real, que impede o ato; no último, não: a impressão subsconsciente provoca a
alucinação e dela parece utilizar-se. Em outubro de 1920, ao passar pela Rua „7 de Setembro e pela Rua
Uruguaiana, quase fui apanhado por um caminhão, que fêz a curva, sem que eu percebesse o seu sinal; livrei-me
com um salto; e, após, não sabia se fOra Ônibus , automóvel pequeno, ou caminhão. Não há dúvida que
subconscientemente o vi, pois dei o salto, realmente ágil, tão estranho à minha consciência, que no momento me
pareceu o salto, e não o terror do caminhão, a causa de se me acelerar a pulsação. Tudo isso evidencia que n
verificação da culpa é dificílima exploração em regiões obscuras e, por maiores que sejam os esforços e a exação
das testemunhas, dos peritos e dos juizes, desgraçadamente falível.
Nos acidentes de automóvel ou carros, por vêzes têm de ser consideradas as medidas de livre trânsito. A respeito,
o que mais se impõe é atender-se a que, se o culpado estava contra as determinações da autoridade pública, grande
elemento já se há de culpa; se, pelo contrário, obedecia a elas, é então que só a culpa pode patentear-se por si
mesma.
Ainda assim, cumpre atender-se à existência excepcional de livre trânsito, de que gozam alguns veículos, como os
de assistência pública. A respeito escrevíamos em 1927 (Das Obrigações por atos ilícitos, 1, 125) “Por exemplo,
no Distrito Federal, as ambulâncias da Assistência Municipal, quando em serviço de salvação pública, têm o
direito de livre trânsito, isto é, segundo o Decreto n. 1.189, de 8 de junho de 1908, art. 12, deu-se-lhes a
preferência no tocante aos demais veículos, que devem imediatamente parar (§ 1.0). Porém não quer isso dizer
que fiquem escapos aos princípios comuns, normais, de prudência, sem os quais não se poderiam evitar os
atropelos de transeuntes. Salvar a um não justifica poder matar outro, ou mais de um. Com o intuito de ganhar
alguns segundos, não pode o motorista tentar temeridades. Um caso de tal índole julgou a 12- Câmara Cível da
Côrte de Apelação do Distrito Federal, a 15 de maio de 1919: dirigia-se o veículo em rápida marcha e ao penetrar

.~> a]
na rua Euddock Lobo, procedente da rua Machado Coelho, seguiu pelo lado mais próximo da calçada, junto à
linha do bonde, que estava parado, em vez de tomar a parte mais larga; do ato imprudente resultou ser apanhado
pela ambulância o transeunte, exatamente na ocasião em que da calçada se encaminhava para alcançar o bonde,
onde já se achava uma sua filha: dano, culpa, e, conseqUentemente, indenização.
No direito alemão, explicitamente, a obrigação de reparar o dano também incumbe a quem viola lei que tem por
fim a proteção de outra pessoa (Código Civil alemão, § 828, 2a alínea). Os demais casos da 22- alínea
compreendem-se, a nosso ver, na 12-: o dever geral de diligência basta para fundamentar as ações; não é preciso,
para o conceito de ilicitude, recorrer-se, mais ou menos artificialmente, a regulamento.s sanitários, ou de polícia
(OTTo BÂHR, Gegenentwurf zu dem Entwurf cines RC7R., 166; G. DETMOLD, Der Regrift des
Schutzgesetzes, 332). PAUL OERTMANN dizia que a alínea 22-era apenas complemento, extensão da primeira.
Também ERICH JUNO (Erõrterungen zum EGE., Jherings Jahrbikher, 69, 128), desde
que ao conceito de lei de proteção (Schwtzgesetz) se desse o largo entendimento que lhe dá a opinião dominante.
O que se protege, o que se ampara, é todo interesse juridicamente protegido; tOda situação que se ampara é tOda
situação a que se reconhece a inviolabilidade, o não dever ser modificada senão por movimento do próprio fato
jurídico.
Não quer isso dizer que as regas do direito penal, policial, sanitário, ou alfandegário, não sirvam para apreciação
dos casos. Pelo contrário, são elementos de grande eficácia, porque surgem sempre que se inicia o exame das
relações (o que a lei ou regulamento da saúde pública ou da polícia, das aduanas ou dos automóveis, não pode é
servir de base suficiente à ação dc ressarcimento, que é civil, e no direito civil encontra tudo que lhe compõe o
suporte fâctico) ; na determinação da ilicitude entram e devem entrar, como entram os elementos morais e de
costume.
No direito alemão, há o § 826 do Código Civil que obriga a reparar o dano quem, de maneira contrária aos bons
costumes, o causou a outrem (Cf. FRANZ F. BEm, Die Feststoliungswirkung dez Zivilurtejis, 269 s. e 280). Aí
cabe a aplicação sociológica intra legem, a que se referiu GÉZÂ I(íss (Soziologische Rechtsanwendung im
rõmischen Recht, Archiv fibr Riigerliches Reclit, 38, 221 s.). Usos, costumes do povo e concepções são material
bruto, com que o juiz trabalha e com o qual revela as regras jurídicas, a que se cinge, de modo que tais elementos
constituem o conteúdo mediato da lei.
A imprudência, que, nos casos de profissão técnica, pode aparecer, cria situação irretorquível de culpa (e. g., o
motorista que dá, durante a noite, grande velocidade ao seu carro; o ciclista, o cocheiro, o automobilista, que
avançou, velozmente, nas curvas). A regra técnica cria situa cões de que a análise das relações induz regras
jurídicas. Podemos dizer que as profissões geram a cada momento, com as invenções, os enunciados de cautela
profissional, de penem executória, de previdência, elementos das regras jurídicas latentes: quando se tem de
verificar a culpa, tais florações espontâneas da vida e da evolução industrial aparecem como subsolo do direito.
a autoridade administrativa as inclui nos regulamentos, dá-lhes mais um grau de juridicidade, porém elas já têm
algo de jurídico, antes mesmo de serem incluídas nos regulamentos e nos cartazes.
Assim, sempre que se tem de apurar a culpa do profissional, profissionais devem ser ouvidos. Só e. atenta
consideração das normas técnicas, que devem por êles ser cumpridas, pode, na maioria dos casos, apanhar as
circunstâncias, em tOda a sua delicada significação.
A previsão não há de ser somente a do que mais acontece, e sim a do que pode suceder. O fização , a chuva
torrencial dos trópicos, a inundação de certos iíos não são menos naturais que aquelas outras reações de todos os
dias. Não é normal,. nem previsível, o rechaço da bala de chumbo durante a caça (COrte de Paris, 24 de novembro
de 1896), tanto mais quanto o caçador, qae aceita a ida à caça, sabe que se expõe, a cada momento, a certos riscos.
Entre as Leis físicas que permitem a previsão hão de ser incluídas as de ordem fisiológica, como a de contrair
moléstias. O homem que contamina, nas relações sexuais, a uma mulher, ou vice-versa, é responsável pelo dano.
Outrossim, o pai da crianÇa doente que a confia à criada, sem que essa soubesse do risco que corria.
O espanto do animal, durante uma viagem, corrida ou passeio de carro, se disso resultam prejuízos a outrem,
obriga quem dirige ou o dono a ressarcimento do dano. Devia prever tais acidentes.
O critério para verificação da conduta dos indivíduos e assaz abstrato, pois que é o do homem normal. S o que
dizem os textos romanos. Lê-se na L. 31, O., ad legem Aqui/Iam, 9, 2: “. . . culpam autem esse, qucd cum a
diligente provideri poterit, nou esset provisumA culpa está em não se prever o une homem preveria ou sOmente
se atentar
quando já impossível evitar-se o dano. Na L. 13, § 1, O., de pQgn‟ratioia actione rei contra, 13, 7: “Venit autem in
hac ac tione et dolus et culta, ut in commodato: venit et custodia: vis maior ron venit”. E na L. 14: “Ea igitur, quae
diligens pater famílias in suis rebus praestare solet, a creditore exiguntur”. Em vulcar: “Conseofientemente é

.~> a]
exigido do credor o cuidado, rIe cm suas coisas sói o bom pai de família”. L. 12, O., de periculo c[ comrnodo rei
venditae, 18, 6: “. . . si venditor eam diligeatiam adhibuissent in insula custodienda, quam debent homines frugi
et diligentes praestare, si quid accidisset, nihiL ad eum pertinebit”.
O homem normal seria o bom pai de familia. Mas a velha expressão diz bem pouco. O uso comum, a boa
diligência, diriam mais. Primeiro, porque é o uso e não a mentalidade do pai de família (conceito assaz vago) que
realmente decide da culpa. Não é uso deixar-se à porta da casa objeto de luxo. Nem remeter-se dinheiro em carta
fechada sem nenhuma declaração. O uso varia. O patrão de hoje não pode tratar os operários como os tratava nos
séculos passados. Além de variar com o tempo, o uso varia com as profissões, as classes, os povos.
O ato é ilícito, ou por seu efeito imediato, de que é exemplo a tomada da posse da coisa de outrem, ou por efeitos
lesivos de que culpado seja o agente. Por culpa não sOmente se tem a violação em que houve consciência da
ilegalidade (doUw), nem só se houve a falta da diligência, que fOra mister e com que se evitariam os efeitos
(negligentia). Lê-se em decisão do Supremo Tribunal Federal, a 5 de agOsto de 1925 (ementa) “Aquêle que
procede com cuidado e atenção, que o homem regularmente atento costuma dispensar aos seus negócios, não
pode ser acusado de haver agido com culpa ou negligência”. No texto: “A idéia de fraude, por parte dos réus, está
excluída, pois não foi sequer alegada. Culpa, ou negligência, que também obriga à reparação do dano (art. 159 do
Código Civil), não houve igualmente, porque os réus não deixaram de empregar o cuidado, a atenção, que o
homem regularmente atento costuma ter em seus negócios. Êles receberam uma procuração em forma, e agiram.
Culpa ou imprevidência teria havido por parte da União que pagou os juros de anos atrasados, sem exigir certidão
de vida do nossuidor das apólices. Contra os réus apenas poderia ser aduzido e foi o argumento de que ê!es se
prontificaram a restituir a importância recebida, O argumento é de ordem simplesmente moral”.
11.OFENSOR CÔNJUGE DO OFENDIDO. Quanto ao adultério, tem-se de admitir a ação de indenização contra
o cônjuge adúltero e seu cúmplice (com razão, HENRI LALOU, La Responsabilité civile, 367; R. SAvATIER,
Traité de lei. Respon.sabiIité civile en d%roit français, 1, 13; JosÉ DE AGUIAR DIAS, Da Respmzsabiiidade
civii, J~, 4Y ed., 444). O dano pode ser patrimonial, e não-patrimonial, com repercussão não-patrimonial ou
simples materialidade.
Aliás, o matrimônio não afasta responsabilidade pelo ato ilícito absoluto ordinário (Código Civil, arts. 159 e
1.518) como pelos atos ilícitos que a lei especializou, como no art. 1.519, 1.521-1.523, 1.537-1.540 (homicídio,
ferimento, ou outra lesão), 1.541 (usurpação, ou esbulho), 1.545 e 1.546 (dano causado pelo cônjuge médico, ou
cirurgião, ou farmacêutico, ou parteiro, ou dentista), 1.547 (injúria ou calúnia), e 1.550 (ofensa à liberdade
pessoal).
A transmissão de moléstia, por negligência, ou imprudência, ou má intenção (cp. P. WATRIN, La Rançon> de la
débucite, 92), é ato ilícito. Cf. Código Penal, arts. 130 e 131.
Além das espécies acima referidas, o cônjuge responde pelos danos que resultarem de fatos ilícitos absolutos ou
de atos-fatos ilícitos. Se a casa vizinha é do marido de A (ou da mulher de B) e dela, devido a ruína, ou defeito de
construção, cai parte do telhado, destruindo ou causando danos à casa de A (ou de E), há a responsabilidade
extranegocial, conforme o Código Civil, art. 1.528.

CAPITULO II

DEVER DE REPARAÇÃO E DANOS REPARÁVEIS

§ 5.503. Dever de reparação

1.FONTES DO DEVER DE REPARAR DANO. A reparação


do dano, sem se incluir a reparação pelo dano oriundo de ato ilícito relativo (= infração dc deveres ou de
obrigações nascidas de negócio jurídico), pode ser por haver contra medade a direito, ou sem haver contrariedade
a direito. Se há contrariedade a direito, há ilicitude, ai absoluta; se não há contrariedade a direito, não há ilicitude,
e então a reparação se funda em que a esfera jurídica de alguém foi invadida oem que o ato invadente se considere
contrário a direito. A ciência e a técnica jurídicas conhecem espécies em que se pré-exclui a contrariedade a
direito (atos praticados em legítima defesa, ou em estado de necessidade). Conhecem, também, atos-fatos,
contrários a direito, em que há o dever de reparação, sem se apurar a capacidade delitual do agente. Assim, na
fatos ilícitos stricto sensu, se alguém responde pelo fato (e. g., pelo caso fortuito, ou pela periculosidade da
indústria) há ato-fato ilícito, quando houve o ato, conta o fato contrário a direito (e. g., condenação reis nocivo da

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propriedade) ; há ato ilícito, se o agente há de reparar pelo que fêz, ou outrem há de responder, que teria de bem
escolher e vigiar e não escolheu bem ou não vigiou.
O dano pode originar-se de fato do homem, do animal ou da coisa. Pensava-se sempre em culpa, mas os acidentes
e outras causas de dano provocaram ferinas aos códigos, inclusive o Código Civil francês (cf. G. MoRTN. La
Révalte des Faits centre lo Cade, is.). Um dos pontos principais estava na distinção: fatos do homem, fatos de
bens animados, fatos de bens inanimados (cf. MAX VITRY, La Détermination da faít de l‟homme, de Paninwl,
de Ia chose, 37 s.). Se o fato é do homem, o lesado, em princípio, tem o Ônus da prova. Se o fato é do animal, o
expediente legislativo da presunção de culpa passa à frente. Animal e coisa inanimada podem ser apenas
instrumentos na mão do homem.
A responsabilidade por fato (natural, ou do animal, ou da planta) pode ser objetiva, ou transubjetiva. Diz-se
objetiva quando nenhuma válvula se deixa à prova contrária da causação ou da culpa. Transubjetiva, quando não
se repara se não há ligação ao sujeito, pOsto que não provenha de ato dêle, diretamente, o dano. O que responde
pelo dano, que o vaso, caído da sua janela, causou, não lançou o vaso; pondo-o lá, a sua conduta permitiu que a
queda se desse: não causou a queda (cf. Código Civil, art. 1.529). Se A não demoliu o prédio que era para ser
demolido, e a ruína, o desabamento do teto, ou da parede, causou dano, A responde, pela contrariedade
transubjetiva a direito (art. 1.528). Dá-se o mesmo se o animal morde o passante, ou o vizinho, ou o visitante (art.
1.527), e o dono fracassa na prova de qualquer dos incisos do art. 1.527. A responsabilidade por ato de outrem
(art. 1.521, 1-1V), qualquer que seja a regulamentação do Ônus da prova, é responsabilidade pela contrariedade
transubjetiva a direito. TOdas as espécies acima referidas são inconfundíveis com o dever de reparar ato ilícito
relativo, isto é, ato que somente pode ser praticado por determinada pessoa (e. g., o locador ou o locatário, o
vendedor ou o comprador).
Em 1927, no livro Das Obrigações por atos ilícitos (1, 224 s.), escrevemos: “No direito brasileiro afastou-se a
questão dos intervalos lúcidos, que seriam causadores de dúvidas terríveis e conseqUências perigosas. De certo,
de jure condendo, não se compreende que o demente rico não pague a indenização. Alguns sistemas jurídicos
fazem responsável o curador. É a solução de inre condito; e não é a melhor. Não é perfeita a outra, que obrigaria
o doente a ressarcir o dano. De jure condendo, e tanto quanto podemos pensar, pressupondo a permanência
protetora do Estado, é a êsse que devia caber toda a responsabilidade, desde que, tendo o encargo, por seus
funcionários,
de dar curadores, não o fêz em tempo oportuno. Porém, ao juiz na aplicação do direito atual é dado examinar a
culpa do Estado e sempre que encontre elementos que a perfaçam deve responsabilizá-lo pelo ocorrido. Em favor
do curatelado e do tutelado provê texto expresso, que responsabiliza
subsidiàriamente o juiz (Código Civil, art. 420), quando o menor ou curatelado (art. 453) sofre prejuízos em
razão da insolvência do tutor ou curador, de lhe não ter exigido a garantia legal, ou de o não haver removido, tanto
que se tornou suspeito, e direta e pessoalmente (art. 421) quando não tiver nomeado tutor, ou curador, ou quando
a nomeação do tutor ou do curador não houver sido oportuna. Nada mais razoável do que obrigar-se o Estado
quando se trate de terceiros e se verifique que, se os funcionários houvessem procedido como diz a lei, não ficaria
sem ressarcimento a vítima do dano. Aliás, no caso do louco, por exemplo, pode ser responsabilizada a pessoa
que o tenha em casa, ainda que não seja curador. Bom seria, em todo o caso, adotar-se a solução 2lema-suíça, e
deixar-se ao juiz certo arbítrio”.
O ressarcimento prende-se à origem do homem, como reação ao mal, ao que fere ou ofende (cf. G. VENEZIAN,
Danno e risarcimento fuori dei contratti, Opere giuridiche, 1, Ss.). O que se prestava para ressarcir podia ser em
outra espécie de bem, mas a condenação nem sempre ressarcia, porque predominava o “dente por dente”.
Seja qual fOr o dano, mesmo o dano moral, o seu valor é fixável em dinheiro. As ofensas à personalidade têm de
ser medidas pecunariàmente, por mais estranho que seja ao patrimônio o direito forjado («1. ALnEDO MINOZzI.
Siudia sul danno nou patrimoniale, 32), o que sempre sustentamos. Com o dano -e a composição do suporte
láctico da regra jurídica
sObre responsabilidade, que incide na espécie e no caso, nasce o direito à indenização, direito de crédito. Tal
direito, de ordinário, é transmissível, renunciável e dispensável. Mesmo se o fato ilícito absoluto atingiu a pessoa,
física ou psicamente, o direito, que resulta, é direito patrimonial. Por outro lado, a ação é prescritivel.
Quando as legislações falam a) de culpa, como elemento necessário do fato ilícito absoluto, cogitam de regra
jurídica

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sôbre o que mais acontece. Logo após têm elas b) de disciplinar as espécies em que faz presumida a culpa, o que

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não é afasta-la, mas apenas atender a circunstancías que sugeriram dar-se ao responsável o ônus da prova de que
nau houve culpa. Aí nau param, porque redigem o) regras jurídicas em que se estabelece a presunção e se
apontam as únicas provas que são admissíveis. Se tão forte é a probabilidade da culpa que seria desaconselhável,
de jure condendo, dar-se margem á prova de não ter havido culpa, d) já se deixou de considerar a culpa como
pressuposto necessário.
A propósito de á) a técnica doutrinária e a técnica legislativa lançaram proposições ou regras jurídicas que se
baseiam na chamada presunção legal absoluta, expediente que põe no plano do direito promulgado o que poderia
ter sido convicção do legislador. Há presunção hominis e presunção íurzs tantum (cf. Tomos 1, § 18, 3; III, § 352,
1, 2; 347, 2). Quando já se está no piano do direito feito, de jure condito, já não se pode falar de presunção luris et
de jure. Seria volver-se ao plano da dimensão política.
A responsabilidade pela culpa é a regra; as outras espécies são exceções, sendo que a responsabilidade com a
culpa presumida como que se senta nos dois terrenos. No fundo, os fatos lesivos culposos produzem
responsabilidade; alguns fatos lesivos, não culposos, também a produzem.
O dano ressarcível consiste nas perdas sofridas, uni emergens, e no ganho que não se teve ou não se vai ter, 1w. de
mister que uns e outros derivem do que ocorreu, como fato ilícito absoluto, ou como fato que, a despeito de não
ser ilícito, dá. ensejo à responsabilidade pelos danos.
2. INCAPACIDÂDE E DEVER DE REPARAÇÃO. Os fatos jurídicos stricto sensu (lícitos ou ilícitos) e os atos
fatos jurídicos (lícitos ou ilícitos) podem ser causados ou praticados por absolutamente incapazes. Não assim, os
atos jurídicos (ou sejam atos jurídicos strieto sensu, ou negócios jurídicos). Donde resulta que o menor de
dezesseis anos e as outras pessoas absolutamente incapazes respondem pelo dano causado, se há alguma das
espécies do Código Civil, arts. 1.528 e 1.529. Quem, por dolo, culpa, ou negligência, deixa que edifício ou
construção cause danos, responde segundo o art. 159. O artigo 1.528 diz: “u dono do edifício ou construção
responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fôsse
manifesta”. Se não houvesse, ai, pelo menos, presunção, elidível, de culpa, o art. 1.528 seria inútil. A discussão
somente pode ser em tôrno da elidibilidade, ou não , da presunção. No Código Civil alemão, §§ 836-838,
pré-exclui-se a ilicitude se foram tomadas as cautelas exigidas, segundo os usos, para se evitar o perigo (§ 836,
1.~ alínea, lis tine) ; portanto, aí, não há dever de reparação. Tal regra de ré-exclusão foi interpretada como
havendo nos §§ 836-538 a presunção elidível de culpa (contra, OTTO voN GERXE, Dentsches Privatrecht, 1H,
957) ; mas o teor do art. 1.528 do Código Civil brasileiro não se presta à analogia perfeita com o direito alemão:
tem-se de alegar e de provar que o réu , ou construção, que o dano resultado na por falta de reparos (ou
demolição), que a necessidade da reparos (ou de demolição) era manifesta. Nenhuma alusão a culpa, nem a ato do
dono do edifício ou construção. como elemento de omissão (conduta), que se presume culposa, Porque o reparo
(ou a demolição) era de exigir-se iii abstraeM. Responsabilidade transubjetiva, pelo fato. Provando -se que não
era manifesta a necessidade, não se elide a presunção de culpa: dá-se prova contrária a alegação de um dos
pressupostos objetivos. Idem, provando-se que não houve o dano, ou que o fato ocorreria ainda que o edifício não
precisasse de reparos (ou de demolição). A necessidade de demolição pode ser parcial, ou total. Qualquer
elemento subjetivo é estranho ao art. 1.528: o proprietário, que ignora o estado do imóvel, ou que deu ordem para
os reparos (ou demolição), ou contratou os reparos (ou demolição), responde. Responsabilidade transubjetiva,
pelo fato.

3.RESPONSABILIDADE TRANSUBJETIVA. Diz o Código Civil, art. 1.529: “O‟ que habitar uma casa, ou
parte dela, responde pelo dano proveniente das coisas, que dela caírem, ou forem lançadas em lugar indevido”.
Há possibilidade, no art. 1.529, para o fato ilícito, com responsabilidade transubjetiva (verbis “que dela caírem”)
e para o ato-fato ilícito (verbis “forem lançadas em lugar indevido”), com responsabilidade transubjetiva. Não se
exige capacidade delitual do dono ou habitante da casa, ou parte dela. Se a casa é habitada pelo menor,
dificilmente só é por êle. Há de haver quem dêle tome conta, e com êle resida. Tal pessoa é que é responsável, nas
espécies do Código Civil, art. 1.529.
Diz-se no Código Civil, art. 1.527: “O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por êste causado, se não
provar: 1. Que o guardava e vigiava com o cuidado preciso. II. Que o animal foi provocado por outro. III. Que
houve imprudência do ofendido. IV. Que o fato resultou de caso fortuito ou fôrça maior”. O ato do animal é
simples fato; de modo que o dever de reparar provém da entrada de tal fato, como ilícito, no mundo jurídico. Não
se exclui o princípio da culpa, tanto que se admite a prova contrária à presunção de culpa. Para o dever de reparar
não se exige capacidade delitual do dono, ou detentor do animal (PAUL OERTMANN, Das Recht der
Schuldverlzitltnisse, 3a4a ed., 1104 s., e a opinião vencedora; sem razão, F. voN LISZT, fie Deliktsobligationen,

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107, e F. ENDEMANN, Lehrbuch des Bitrgerlicken Rechts, J, 8Y-93 ed., 1273, nota 9). O que produz o dever de
ressarcir é o fato ilícito stricto sensu: o ato do animal, que é fato. A responsabilidade é transubjetiva, porque se
presume a culpa do dono, ou do detentor, só se permitindo ao acusado que prove um dos pressupostos
pré-excludentes do art. 1.527, 2a parte.
Se o animal é do menor absolutamente incapaz, há a responsabilidade conforme a regra jurídica do art. 1.527 do
Código Civil, mas tem êle a ação regressiva contra o tutor ou curador, e não é de afastar-se a ação subsidiária
contra o juiz, se o caso se enquadra no art. 420.
No Código Penal, o art. 23 estatui: “Os menores de dezoito anos são penalmente irresponsáveis ficando sujeitos
às normas estabelecidas na legislação especial”. Vale dizer-se:
o Código Penal só incide quanto a atos, positivos ou negativos, de quem já completou dezoito anos. Assim,
submetido ao Código de Menores, o menor é internado “em seção especial de escola de reforma”, conforme a Lei
de Introdução ao Código Penal, art. 7O (Decreto-lei n. 3.914, de 9 de dezembro de 1941). O Código de Menores
(Decreto-lei n. 17.943-A, de 12 de outubro de 1927), art. 69, admite o processo do maior de quatorze anos e
menor de dezoito; porém não permitiu, com o art. 74, a interpretação de que sejam civilmente responsáveis: seria
de propor-se, apenas contra o maior de dezesseis anos e menor de vinte e um, a ação do art. 1.524. A capacidade
delitual não é pressuposto necessário para a responsabilidade segundo o art. 1.527, ou 1.528, ou 1.529. O‟ suporte
fáctico que entrou no mundo jurídico não foi ato humano: ou foi fato do animal ou da coisa, ou foi ato de alguém
(lançamento de coisas, art. 1.529, 2? parte), que só se pode tratar como fato (ato-fato jurídico, se as lançou
homem; fato jurídico stricta sensu, se as lançou animal ou máquina).
4.ATOS ILÍCITOS E DANOS CAUSADOS POR OUTREM. No suporte fáctico dos fatos ilícitos de que trata o
Código Civil, art. 1.521, 1-1V, há, sempre, ato humano: ou ato de menores ou curatelados (arts. 1.521, 1 e II), ou
ato de pessoa entregue, “legalmente”, à vigilância de outrem (Decreto 17.943-A, de 12 de outubro de 1927, arts.
68, § 49, e 74), ou ato de empregado, serviçal ou preposto, “no exercício do trabalho que lhes competir, ou por
ocasião dêle” (artigo 1.521, III), ou de hóspedes, de moradores, ou de educandos (art. 1.521, IV).
A responsabilidade dos agentes, de que fala o Código Civil, art. 1.521, 1-1V, existe, por si, com fundamento no
artigo 159; é a responsabilidade subjetiva: agente lesou, agente deve a reparação. A responsabilidade dos que o
art. 1.521, 1-1V, tem por devedores de indenização é transubjetiva: não há apurar-se se o menor sujeito a pátrio
poder, tutela, ou curatela, ou entregue, “legalmente”, a guarda de outrem, ou se o empregado, serviçal, ou
preposto, ou se o hóspede, morador, ou educando, é delitualmente capaz ou não. A relação jurídica é entre o
titular do direito e da pretensão à reparação e o que se aponta como culpado de não escolher, de não vigiar, ou de
instruir e munir suficientemente. Trata-se de responsabilidade por culpa própria, se bem que de outrem o ato
responsabilidade transubjetiva, que se distingue das de que se cogita nos arts. 1.527-1.529, em que, no suporte
fâctico, em vez do elemento fato (do animal ou da coisa), ou do elemento ato que se há de tratar como fato, está
ato humano. ~ indiferente que êsse ato humano entre, ou não, no mundo jurídico, como ato ilícito. Bastaria isso
para se ver quanto a responsabilidade do art. 1.521, 1-1V, independe da responsabilidade do art. 159.

5. DANO Á TERCEIRO. Em todos os casos de responsabilidade por culpa de outrem, o dano há de ser a terceiro.
Portanto, não há invocabilidade da regra jurídica sôbre dever de reparar se o dano foi à própria pessoa culpada, ou
a quem poderia ser responsabilizado. O dano à pessoa que pratica o ato, positivo ou negativo, pode ser por culpa
de quem tem o dever de vigilância; mas aí os princípios jurídicos são diferentes (e. g., o tutor ou o próprio titular
do pátrio poder ou o curador pode ter de indenizar o dano que sofreu o incapaz, por falta de cuidado do tutor, pai
ou curador).

6.DANOS CAUSADOS POR TERCEIROS. De regra, os terceiros não são adstritos ao respeito dos contratos.
Nada têm, outrossim, com as convenções entre os devedores e alguns dos credores, desde qme não sejam para os
prejudicar. Mas há exceções ; exemplos: a) os casos do Código Civil, art. 1.235; b) o de quem retira de outra casa
o empregado que sabia contratado por outrem por tempo determinado; o) se o terceiro impede, por fraude, a
execução de um mandato; á) se concorre para que outrem simule falência ou insolvência; e) se compra, a preços
anormais, aos devedores, e com isso causa dano aos credoras do perdedor; f) se colabora na simulação de cases
de fôrça maior. O ônus da prova compete ao contraente, ato ilícito do terceiro.
A regra é que os terceiros respondem extracontratual-mente se impedem a execução de algum contrato. O dever
dos terceiros é o de permitir, deixar ou facultar que os contraentes adimplam as suas obrigações. Se por atos ou
omissões voluntárias e. g., impedir a passagem do material de construção, que um dos contraentes se obriga a
fornecer, ou colaborar com o obrigado na simulação da impossibilidade de execução ( desabamento de uma parte,

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soltura de águas represadas) o terceiro não deixar que se executem as prestações. responde pelos danos.
Outro caso de responsabilidade é a do terceiro que lesa direitos pessoais resultantes de contratos com
proprietários: o terceiro que impede por dolo, negligência ou imprudência, por ações ou omissões o exercício do
direito de locação; o que não deixa que o comodatário se utilize da coisa infungivel, que alguém lhe emprestou; o
que dificulta a impressão da obra, cuja edição o autor contratou com alguém; o que impede ao parceiro cultivador,
ou criador, o aproveitamento do prédio rústico.
Ainda que se não trate de contrato, a gestão de negócios cria certa situação de fato, regulada pelo direito. Assim,
o que, sem autorização do interessado, intervém na gestão de negócio alheio, tem de dirigi-lo segundo o interesse
e a vontade presumível do dorninus negotii. Por isso mesmo, fica responsável a êsse e às pessoas com quem trate.
O terceiro, se lesa as coisas geridas, responde pelos danos: a) ao proprietário, porque o ato ou omissão,
negligência ou imprudência do terceiro, precipuamente o atinge; b) ao gestor de negócios, como representante
sem mandato do proprietário, e diretamente, em tudo que possa importar, perante o proprietário, em
responsabilidade (Código Civil, arts. 1.331-1.345).
A delicadeza das questões relativas ao ato ou omissão nocente do terceiro ao exercício de direitos pessoais
conferidos ao lesado, por outrem, está na verificação dos casos em que a ação ou omissão do terceiro provém de
outro direito, que diminua, cerceie ou se conflite com o direito que se quer exercer. As vêzes, há casos de exerci
cio irregular de um direito reconhecido (Código Civil, art. 160, 1), ou de abuso do direito; outras, de
cumplicidade, ad instar do que se dá em direito penal (L. HUGUENEY, Responsabilité civile des Tiers com plice
de la violation d‟une obligation contractuelie, 141 s.) ; outras,de concurso de credores; outras, de situações legais,
que serão perfeitamente antedíveis, ou não, segundo se fracasse, ou não, na prova da fraude.
O homem pode fazer tudo que quer, exceto o que se não conforme com as situações jurídicas criadas pelas leis e
pelos regulamentos, ou pela moral, o que já entra noutra dimensão. A esfera de ação depende, portanto, das
circunstâncias jurídicas que o cercam. Circunstâncias jurídicas, ou circunstâncias materiais, de que aquelas
possam nascer. Tais como a legítima defesa, a necessidade, que é como a defesa contra o ato que vai lesar não só
ao defensor, mas ao terceiro.
Por onde se vê que no sistema quase inextricável do direito, se é certo que o terceiro tem tantas obrigações
extranegociais, também êle será favorecido pela lei no caso de ocorrer perigo iminente. O art. 160, ii, é como o
reverso da medalha do ato ilícito cometido por terceiro: nesse lugar do Código Civil, pré-exclui-se a obrigação de
reparar a deterioração ou destruição da coisa alheia, a fim de remover perigo iminente, que poderá ser contra o
terceiro, ou contra o patrimônio de terceiro.

7.“ExcEPTIO DOLI” E FATO ILÍCITO. Se bem que a extensão da exceptio dou generalis não seja, hoje, a da
exceptio dou generalis segundo o direito romano, há tal exceção (cf. OTTO WENDT, Lhe exceptio doli generalis
im heutigert Recht, 18 s.; KURT DRONXE, Lhe exceptio doli generalis, 118).
Problema que se há de resolver afirmativamente é o da exceção de dolo, se alguém, por violência ou dolo, ou por
êrro do outro figurante, obteve crédito, mas já prescreveu a ação de anulação.
Sôbre a exceptio doli, II, § 246, 6; III, § 262, 2; IV, §§327,8; 360,1; 457,4; VI, §§ 628, 1; 638; 718,8.
A pretensão derivada de fato ilícito pode ser exercida por via de exceção, mesmo se permitida a ação por fato
ilícito.
Se há invalidade parcial de negócio jurídico, e há parte válida, por ser separável (Código Civil, art. 153, 1.a parte),
há a réplica de dolo (replicatio dou, se, por exemplo, quem exige o pagamento descontara o título cambiário, que
se prendia à parte inválida.
Se alguma hipoteca ou penhor foi constituído em conseqüência de estar o proprietário vinculado a prestar a
garantia, por ter de pagar toda a dívida ou parte dela, e o credor renuncia ao direito real de garantia, ou consente
no cancelamento, está liberado o devedor. Discute-se se contra o credor, que cobra a dívida, há a exceção de dolo
(cf. KONRAD SOI-INEIDELI, Treu und Glauben im Recht der Schuldverhdltnisse im .BGR., 45-87;
RICI-IARD WEYL, System der Verschuldensbegriffe in BGR., 465; SCHUMACHER, Lhe Exceptio doli
generalis nach. BCB., 18). Ou o proprietário do bem gravado era devedor principal, ou não no era: se era, opõe-se
objeção, e não exceção; se não no era e se houve dolo do credor, há exceção (cp. WALTRER GEORO
KRUHÕFFER, Lhe exceptio doli generalis im Recht der Schuldverhdltnisse, 31 s. e 86).

8.CLÁUSULAS FRÉ-EXONERATIVAS E RESTRINGENTES DA RESPoNSABILIDADE


EXTRANEGOCIAL. Tem de ser versada a questão de poder, ou não, o obrigado, prêviamente, por ato de
vontade declaração unilateral, ou bilateral, ou plurilateral exonerar-se da responsabilidade por fato ilícito

.~> a]
absoluto. Prêviamente, dissemos; porque posteriormente, após o dano, qualquer limitação ou supressão pode ser
obtida segundo os princípios gerais de direito. Em certos casos, as leis, de interesse público, interdizem tais
exonerações; e sirvam de exemplo as leis sôbre acidentes de trabalho (Lei n. 3.724, de 15 de janeiro de 1919, art.
26>, sôbre pensões de empregados de estradas de ferro, ou canais, que devem ser interpretadas como
implicitamente vedativas de vinculações exonerativas em cláusulas ou pactos; a forti,ori, de exonerações por
declaração unilateral de vontade. No direito inglês, o transportador ordinário, não submetido ao Raiiway and
Canal Tra fie Ad, pode limitar a própria responsabilidade, uma vez que não imponha restrições excessivas e
desarrazoadas, inclusive quanto à culpa do pessoal. Interpreta-se tal restrição contra o transportador e só exonera
se expressa e clara. O Carriera Ad, em 1830, limitou a responsabilidade quando se tratasse de ouro, prata, ou
outros valôres; só os felortions aets tornavam responsável o transportador vulgar. Mas, no que respeita aos
transportes por estrada de ferro, ou em canal, o Raiiway and Canal Trafie Act de 1854 admitiu a exoneração por
negligência ou culpa, desde que escrito e assinado pelos interessados o contrato e reputadas justas, peia corte, que
as apreciasse, as clausulas insertas. Por meio de publicações, que chegue ao conhecimento dos expedidores,
quanto ao transporte por mar. Reputam-se desarrazoadas as cláusulas de exoneração quanto ao estado dos
veículos, insuficiência, outras falhas e dos agentes. Os armadores inserem a negligente clause: mas o klerchant
Skipping Ã4út de 1894 não permitiu cláusula exonerativa quanto a navegabilidade do navio. Permitiu-se a
exoneração pelas faltas dos prepostos e a cláusula de exoneração ii?. navigation 0v in the mana gement of the
vessel, abrangendo todas as faltas náuticas. Quanto aos seguros só se exclui a responsabilidade em caso de dolo.
O segurador responde ainda quando haja negligência do segurado. Lê-se no art. 55 do Maritime Insurance Act de
1906 que o segurador não responde pelas perdas atribuíveis à falta voluntária do segurado. Nos seguros de vida, a
cláusula concernente ao suicídio foi tida como de ordem pública.
No direito francês, o Código de Comércio, art. 103, última alínea, redigida em 17 de março de 1905, dispôs
(responsabilidade do voiturier) : “Toute clause contraire inserée dans toute lettre de voiture, tarif ou piêce
quelconque est nuíle”. Cf. Código Civil francês, arts. 851-853 e art. 1.780, alínea 5~a, modificada a 27 de
dezembro de 1890, que proibe a renúncia àação de indenização pela rutura do contrato de trabalho, bem como a
Lei de Acidentes do Trabalho, de 9 de abril de 1898, art. 80. As convensões exonerativas da responsabilidade pela
falta de outrem são menos antipáticas; as que tendem a excluir a própria culpa não gozam de simpatia. Porque
aquelas repousam em presunção, e podem não corresponder à verdade; e essas, não. Outras razões para a
distinção: o dever de vigilância tem violações ordinâriamente por culpa leve; ao passo que a culpa própria
acontece, ordinàriamente, ou por dolo ou por negligência grave.
São convenções lícitas de não-responsabilidade: a) aquela pela qual o hoteleiro declara não responder pelas
bagagens do viajante que não tomou certas precauções; b) aquela pela qual o depositário avisa não ser
responsável pelas mercadorias que lhe cheguem sem determinados requisitos de “embalagem”
(há responsabilidade se o dano não proveio disso, ou do que se frisa em a) ; e) aquela pela qual o transportador,
verificando defeito da. coisa ou do envoltório, só transporta com a declaração expressa. São todas reservas licitas.
Na Bélgica, excluem-se do seguro o dolo e a culpa grave (Lei de 1.0 de junho de 1874, art. 16: “Aucune perte ou
dommage causé par le fait ou par la faute grave de l‟assuré n‟est àla charge de l‟assureur; celui-ci peut même
retenir ou réclamer la prime s‟il a dejà commencé à courir les risques”. Quanto ao seguro marítimo (art. 182)
“Toutes pertes et dommages provenant de son fait (de l‟assuré) ne sont point à la charge de l‟assureur”. Os danos
causados pelo fato ou falta dos proprietários afretadores e carregadores não incumbem aos seguradores (art. 188).
Quanto aos seguros de incêndio (art. 88)
“Les risques d‟incendie comprenent tous les dommages survenus aux objets assurés par suite d‟incendie, sans un
fait ou une faute grave imputable à l‟assuré personnellement”. Não há textos sôbre as cláusulas de
irresponsabilidade.

§ 5.504. Responsabilidade por culpa “in eligendo”, por culpa “in vigilando” e semelhantes

1.PLURALIDADE DE RESPONSÁVEIS. a) O dano pode ser ausado por uma só pessoa ou duas ou mais
pessoas (pluralidade de devedores da reparação, pela relação de causalidade entre os seus atos, positivos ou
negativos, e o dano). b) Pode ser causado por pessoa, que tenha, ou não, capacidade para atos ilícitos absolutos, e
haver o dever de outrem quanto à eparação, porque o causador foi empregado, preposto ou pôsto em serviço por
êsse terceiro, devido a culpa em escolher (inclusive não-despedir) e em vigiar. Os pressupostos são a) o dano, b)
a relação de emprêgo, preposição, ou serviço, e c) a culpa na escolha ou na vigilância, ou outra semelhante. O
legislador tem diante de si três soluções técnicas: ou presume a culpa, provados o dano e a relação; ou não

.~> a]
presume a culpa, e cabe ao autor o ônus da prova, sem se excluirem, é claro, presunções hominis; ou elimina
qualquer possibilidade de prova de não-culpa. O direito comum dava o ônus da prova ao lesado, inclusive quanto
ao nexo causal entre a culpa do réu e o dano. O Código Civil alemão, § 831, alínea 1?, deu o ônu 5 de prova
negativa ao empregador, preponente, amo, ou patrão (comitente); quer dizer: tratou no mesmo pé de igualdade as
espécies dos incisos 1-111. O Código Civil brasileiro, no art. 1.521, 1-111, não adotou (com o Decreto n.
17.943-A, de 12 de outubro de 1927, arts. 68, * 4O, e 74) solução diferente para os incisos 1 (pais) e II (tutôres,
curadores, pessoa legalmente encarregada de menor) e para o inciso III. Os que são apontados como devedores de
reparação, no art. 1.521, III, têm o ônus da prova da não-culpa; os que os apontaram têm de dar a prova de que
havia o vinculo contratual entre o agente e o responsável e o dano derivasse de ato previsto no artigo 1.521, III.
A causa do delito é a causa, que em dado momento teve como resultado o dano; e não a causa in abstracto, isto é,
o que poderia determinar o dano, em quaisquer outras circunstâncias (cf. ANmN HESS, tYber
Kausalzwsammenhang und unkôrperliche Denksubstrate, 11-18). Às vêzes, os que participam da causação
apenas deixam apontável o fato de inserção e não a espécie de elemento da causa, com que concorreu; mas o que
importa é que haja a relação de causa e efeito, objetivamente, e se saiba quem subjetivamente concausou o dano
(cf., e. g., HANS TUZINA, Die civilrechtliche Haftung mehrer DeUnquenten nack dent SUB., „70 s.).
O dever de vigilância de determinadas pessoas (menores, curatelados, pessoas que necessitam de assistência,
devido ao estado físico ou psíquico> supõe que não tenha havido adimplemento do dever: a insuficiência do
cuidado causou o dano, ou não o evitou, ou não o evitou em sua extensão. A indenização é a quem sofreu o dano,
à pessoa sob vigilância ou a terceiro. Há algo de semelhante à responsabilidade de quem a assumiu mediante
contrato.
Se à pessoa sob cuidado é imputável o delito (e. g., se é maior de dezesseis e menor de vinte e um anos, Código
Civil, art. 156, e os curatelados relativamente incapazes), há duas responsabilidades.
O art. 1.521, 1 e II, do Código Civil, não fala do padrasto nem da madrasta: só se refere aos pais e aos tutôres e
curadores. A transmissão do pátrio poder ao outro cônjuge, se falta quem o tinha, é ipso iure; mas a
responsabilidade conforme o art. 1.521, 1, independe da titularidade do pátrio poder. A mãe que não tem pátrio
poder e exerce a guarda do filho (o que ocorre, por exemplo, nas espécies dos arts. 881, 825-329 do Código Civil)
responde conforme o art. 1.521, 1. Se a mãe tem o pátrio poder e a guarda, e vive em companhia, maritalmente, de
alguém, o demandante tem o ônus de alegar e provar que tal convivência ocorre e houve culpa do companheiro.
Se a mãe que casou com outrem tem a guarda, o padrasto tem o mesmo dever de vigilância, atendendo-se a que a
culpa in. vigilaizdo se aprecia conforme a idade, aptidões, qualidades e grau de desenvolvimento do menor. A
mulher casada que tem a guarda fáctica dos filhos e filhas do marido é responsável, mas o ônus de alegar e provar
a culpa toca ao demandante. Aliter, se a guarda é legal.

2.CULPA do APONTADO COMO RESPONSÁVEL. A culpa do comitente, empregador, preponente, ou


locatário de serviços, se não deu aos empregados, prepostos, ou locadores de serviços os instrumentos, utensílios,
ferramentas, maquinaria, ou ingredientes necessários, pode ser a do Código Civil, art. 159, se o dano ocorreria
provavelmente , quem quer que fôsse, no lugar do empregado, preposto, ou serviçal; pode ser em pluralidade de
culpas (culpa do comitente e culpa do autor do dano) ; ou, ainda, só na escolha, na falta de vigilância, ou de
organização dos serviços, ou no fornecimento dos meios para o trabalho. Na última espécie, o ato causador foi do
empregado, preposto, ou serviçal a culpa do empregador, preponente, ou amo, é apenas a respeito da relação
causal entre escolha do agente, ou do lugar, ou dos meios, com que havia de trabalhar o agente, e o aumento de
probabilidades do ato do empregado, preposto, ou serviçal. Por exemplo: A emprega B para demolir, a dinamite,
pedra que há no seu terreno, porém E não sabe dosar a dinamite para certa previsão dos resultados, e A não se
preocupou com isso; E usa carga demasiada, a ponto de fragmentos irem alcançar a casa do vizinho. A está na
situação do art. 1.521, III, e a prova de que A não inquiriu das habilitações de E bastaria para assentar a culpa in
eligendo. A emprêsa A põe nos seus serviços de caminhões motorista B, que já fôra condenado por ter jogado
num jardim de residência o caminhão que dirigia: A responde
pelo ato de B, bastando a prova de que B já havia praticado atos perigosos para a segurança do público. A culpa in
digendo é evidente, se A admitiu no seu serviço motorista sem carteira. Se o dano se haveria produzido, se o
comitente tivesse sido exato na escolha e nas cautelas, o Código Civil, artigo 1.521, III, não incide, O comitente
que deu instruções balhas, ou se esqueceu de dar instruções, ou as deu tardas ou obscuras, pode responder
segundo o art. 159, ou segundo o artigo 1.521, III.
Houve grandes divergências na interpretação dos artigos 1.521, 1.522 e 1.523 do Código Civil. Prevaleceu a que
demos em 1927. Assim, desaparece a dificuldade que advinha. do art. 1.521, 1, conter “e‟ em vez de “ou”, e

.~> a]
afastou-se qualquer exigência da prova da culpa por parte das pessoas apontadas, no art. 1.521, 1-1V, como
responsáveis.
3.ESPÉCIES DE CULPA EM CASOS DE ATOS DE OUTREM.

O dever de reparar o dano, por ato ilícito absoluto, funda-se, de ordinário, na culpa. Para se admitir que o ato de
uma pessoa acarrete dever de outra, é preciso (a) que a pessoa, a quem se atribui o dever de reparar, tenha culpa
em escolher ou em vigiar, ou em policiar (no sentido mais largo), ou outra semelhante, ou (li) que as
circunstâncias, em que alguém exerce os seus atos de profissão, ou indústria, sejam tais que a atividade mesma
aumente os riscos das outras pessoas e se possa substituir o fundamento na culpa por outro (responsabilidade dita
“objetiva”>. Quando alguém tem o dever de reparar, por ação de outrem, mas culpa sua, diz-se transubjetiva a
responsabilidade, como é subjetiva, se a culpa é sua e seu o ato, e objetiva, se não há culpa, ou não é pressuposto
a sua culpa.
(a)A técnica legislativa da responsabilidade transubjetiva, diante das espécies em que o dano é causado pela ação
de outrem, ou a) exige a prova da ação de outrem e a prova da culpa de quem tem o dever de reparar, ou b) exige
a prova da ação de outrem e presume a culpa de quem tem o dever de reparar. A presunção pode admitir, ou não,
prova em contrário, porém a exclusão da prova em contrário transforma a presunção em ficção, que é o
cxnediente técnico em que se dão à situação conseqUências inelimináveis.
(b)No art. 1.521, diz o Código Civil: “São também responsáveis pela repartição civil: 1. Os pais, pelos filhos
menores que estiverem sob seu poder e em sua companhia. II. O tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que
se acharem nas mesmas condições. III. O patrão, amo ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos,
no exercício do trabalho que lhes competir, ou por ocasião dêle (art. 1.522).
IV.Os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos, onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins
de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educando. V. Os que gratuitamente houverem participado nos
produtos do crime, até à concorrente quantia”. No art. 1.522: “A responsabilidade estabelecida no artigo
antecedente, n. III, abrange as pessoas jurídicas, que exercerem exploração industrial”. No artigo 1.523:
“Excetuadas as do art. 1.521, n. V, só serão responsáveis as pessoas enumeradas nesse e no art. 1.522,
provando-se que elas concorreram para o dano por culpa, ou negligência de sua parte”. Mais, no art. 1.524: “O
que ressarcir o dano causado por outrem, se êste não fôr descendente seu, pode reaver, daquele por quem pagou,
o que houver pago”. O art. 1.523, segundo a interpretação que déramos em 1927, alude à ação de outrem,
presumindo-se culpa, exceto na espécie do art. 1.521, V. O Decreto n. 17.943-A, de 12 de outubro de 1927
(Código de Menores), art. 74, frisou a presunção de culpa para as espécies dos incisos 1 e II, mantendo o ônus da
prova da falta de culpa in elegendo ou irt vigilando ao demandado nas espécies III e IV.
O filha que no momento do ato ilícito não tinha aptidão para apreciar o ato que praticava não é, em princípio;
responsável, salvo se tal estado proveio da sua culpa. t o caso do bêbedo. Se quebrou os jarrões do salão em que
se achava, por ter bebido demais, responsável 4. Afaste-se, portanto, que o que tomou entorpecente seja
irresponsável. Quem foi pôsto por outrem em estado de inaptidão, ou por acidente, responsável não é.
4.MENORES E RESPONSÁVEIS. Quanto ao inciso 1, hoje há de ser lido: “Os pais, pelos filhos menores que
estiverem sob seu pátrio poder ou em sua companhia, não provando que não houve de sua parte culpa ou
negligência”. O ônus da prova do fato negativo incumbe a quem se aponta como devedor da reparação: não no é,
se consegue elidir a presunção juris tantum. Deve-se ler o art. 1.521, 1, como relativo ao titular do pátrio poder e
ao genitor, que tenha o menor em sua companhia, porque no art. 68, § 4~O, e no art. 74 do Decreto número
17.943-A, de 12 de outubro de 1927 (Código de Menores), estatui-se: “São responsáveis pela reparação civil do
dano causado pelo menor os pais ou a pessoa a quem incumba legalmente a sua vigilância, salvo se provarem que
n~o houve da sua parte culpa ou negligência” (Código Civil, arts. 1.521 e 1.528). Tal regra jurídica se inseriu no
sistema jurídico brasileiro e necessariamente o esclareceu no tocante àquelas pessoas, como o avô, outro parente,
ou estranho, inclusive preceptor, que, tendo legalmente a vigilância, todavia não é titular do pátrio poder. No
presente momento do direito civil brasileiro, temos, portanto, as regras jurídicas seguintes, formuladas como se
uma só fôsse: “Suo também responsáveis pela reparação civil: 1. O pai ou mãe, titular do pátrio poder, ou o
genitor, que tem em sua companhia o filho, por lei (inclusive decisão judicial, que é aplieaç5o de lei)”.
O residir junto, o coabitar, dá ao pai ou à mãe a possibilidade de vigilância, de jeito que não se exige que haja o
pátrio poder, O tutelado, ou curatelado, que reside com a mãe , ou com o pai, tem de ser vigiado pelo tutor e pelo
genitor. Não se pode dizer que, em todos os casos, a culpa de quem tem o filho em sua companha a afaste
considerar-se presumidamente culpado o tutor, ou curador, pois que podem coexistir as duas culpas in vigilando.
Dá-se o mesmo se o menor que está sob pátrio poder reside com o genitor que n~o é o titular. Se passamos ao ad.

.~> a]
1.521, IV, duas eu mais culpas in vigilando podem aparecer, presuntivamente; e. g., há o pai titular do pátrio
poder, a mãe que permanece no hotel e o hoteleiro; o menor, tutelado, ou curatelado, mora com a mie, e estuda na
escola. Se o pai, mãe, tutor ou curador, devia ter consigo o incapaz e o internou sem ser necessária a inclinação ,
ou o internou defíciemente, há a responsabilidade.
Se o responsável dá mau exemplo de comportamento, ou de amizades, dificilmente pode provar que nAo é
culpado do fato negativo, isto é, do ato impediente.
A pessoa presumidamente responsável tem ou provar que dá a devida educação (cf. ALBERTO TRABUOCHI,
Suila Prova Jiberatoria deila presunzione di colpa esimente dela responsabiiità indiretta dei genitore,
Giurisprudenza Italiana, 1953, 1, 1, 283 s., sôbre o julgado da Cassação a 5 de agôsto de 1952), ou tratamento
exigido.
Na apreciação da prova que dá o titular do pátrio poder, ou o pai ou mãe que tem em sua companhia o filho, ou o
tutor ou o curador, tem o‟ juiz de levar em consideração a profissão ou ocupação, a situação econômica e, entre
outras circunstâncias , as de tempo e lugar.
A prova que o titular do pátrio poder, ou pai ou mãe que tem consigo o filho, o tutor ou o curador, há de dar, para
que não seja condenado à indenização, é a de que teve todo cuidado necessário a evitar o dano. Prova de não ter
havido a causa mediata ou indireta. Se êle o prova, fica incólume a presunção juris tantunt, a presunção do fato
próprio culposo, porque o responsável tinha dever de vigilância e a lei pôs à frente a culpa in, vigilando, com os
fundamentos que se assentaram nos sistemas jurídicos.
Resta saber-se se o art. 1.521, 1 e II, do Código Civil é taxativo, de modo que, em situações semelhantes, não se
possa invocar a presunção iuris tantum. A resposta é afirmativa, pois, no art. 1.521, 1, são o pai e a mãe, que é
titular do pátrio poder, ou que o não é e tem em sua companhia o filho. Quanto aos tutôres ou curadores, há a
incidência do art. 1.521, II, porém a mulher do tutor ou do curador, se o tutor ou o curador, que reside fora, lhe
entrega o tutelado ou o curatelado, somente é responsável se o demandante prova a culpa. Aí, não há presunção
juris tantum de culpa. O que pode ocorrer é que se componha presunção hominis de culpa in vigilando, o que já
estava bem afirmado em OTORGIO GTORGT (Teoria de lia Obbligazioni, V, 73 ai., 436 s.) e em O. IR
CHrnONI (La Colpa ne* diritta civile odierno, II, 179 s. s 187).
A, responsabilidade pode ser de ambos os pais, se na companhia de ambos está o menor; pode ser de um só. Se de
ambos, é solidária a obrigação (Oto WÂRNEYER, Kommenlar, 1, 1882). Se o genitor satisfaz a dívida e o menor
estava „em colégio, ou outro estabelecimento com dever de vigiar, há ação regressiva do genitor, mas fundada no
ad. 1.521, IV, talvez combinado com o art. 1.521, III.
A só proibição do ato, positivo ou negativo, não é vigiar. Não é pressuposto da responsabilidade segundo o art.
1.521, 1, qualquer culpa do menor; pode ser absolutamente incapaz:
a culpa e a responsabilidade são próprias do genitor. Há de ser dano a terceiro; não ao próprio menor. O dano ao
menor é regido pelo art. 159, ou pelo contrato; então, tem de ser provada a culpa (PAU!, OERTMANN, Das
Reeht der Schuldverkiiltnisse, 4a ed., 1099). Quanto aos danos ao menor causados por terceiro, no colégio, é de
invocar-se o contrato. Sem que se afaste a possibilidade de fato ilícito absoluto.
A reparação pelos atos dos que devem ser vigiados, quando a relação não resulte de incidência de lei, ou aplicação
judicial de lei, cai sob o ad. 1.521, IV; a reparação, quando o dever de vigilância resulte de lei, ou de aplicação
judicial de lei, sob o art. 1.521, 1 e II, e o Decreto n. 17.948-A, de 1Z de outubro de 1927, arts. 68, § 4~O, e 70.
Não é só o pai, que, sendo titular do pátrio poder, tem de vigiar o menor, é também o pai, que não é titular do
pátrio poder, mas tem em sua companhia o filho, a mãe, que sendo titular do pátrio poder, tem de vigiá-lo, ainda
que não esteja em sua companhia e, pois, nos limites do exercício do pátrio poder, e a mie, que não tem o pátrio
poder, mas tem consigo o filho. Não se responde se, no tocante ao ato, ou à causaçao do ato, nada podia o pai, ou
a mãe. Por exemplo, se o filho, que estava em companhia da mãe, ainda que em dias de férias, fere a alguém, com
arma, proibida ou não , a mãe não responde, se prova que a educação do filho ficou ao pai e êsse dela descura sem
que a mãe possa intervir. Então, deve a reparação o pai. Se é a mãe, que, vindo o filho à casa, lhe permite más
companhias ou uso de bebidas, ela, e não~ o pai, que o ignora, é que responde. A causação não precisa ser de
conduta do genitor ao ato do filho; basta que seja de conduta a conduta: o filho tem tal conduta porque o genitor a
tem, ou deixa que o filho a tenha, ou ]ha dá, ou não a impede como devera.
O genitor somente escapa à incidência do art. 1.521. combinado com o Decreto ii. 17.943-A, se prova que não
houve da sua parte culpa ou negligência isto é, que cumpriria, com suficiente atei~ção, o seu dever de vigilância.
n respeito do art. 156 do Código Civil, decidiu a 5a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 21
de maio de 1957 (D. da 1. de 25 de setembro de 1958) “A regra ao art. 156 não afasta a solidariedade dos pais
pelos atos danosos os filhos, comprovada a culpa ou negligência da sua parte. No caso dêstes autos, há decisão

.~> a]
condenatória do Juizo de Menores, o que nos termos do art. 1.525 do Código Civil torna certa a obrigação de
reparar o dano. Daí a sem-razão com que o réu pleiteia reabrir, nesta instância, campo à prova ilidente da decisão
condenatária. E menos ainda no entender que a condenação no Juízo de Menores não se reveste de fôrça bastante
para obrigar a reparação civil. O próprio Código de Menores e as alterações que lhe trouxe u Decreto-lei n. 6.026,
de 1948, desautorizam tal versão, consignando o art. „74, de forma expressa, o princípio da responsabilidade in
casu dos pais, nos termos em que a prescrevem os arts. 1.521 e 1.523 do Código Civil”.
A responsabilidade pelos atos de pessoas submetidas a pátrio poder, tutela ou curatela, ou a guarda dominical,
começou limitada ao pai ou ao dono. A reação vingativa era contra o agente, e responsável era quem se negava a
entregá-lo ao ofendido (noxae deditio). A responsabilidade do agente era, ao tempo das XII Tábuas, independente
de ter o pai ou dono conhecido a infração (CELSO, na L. 2, ~ 1, 1)., de ,toxalibus actianibus, 9, 4). Nos ínicios da
República foi que r~e cogitou da culpa dos responsáveis, com a possibilidade de eximir-se com a entrega do
ofensor. (Diferente, quanto ao dano causado por animal.)
No art. 1.521, 1, do Código Civil, fala-se de pais que tenham em seu poder e em sua companhia os filhos.
Repete-se a referência no tocante a tutôres e curadores. Poder, aí, é mais do que pátrio poder, porque o tem o tutor
ou o curador, O pai, ou mãe , que não tem o pátrio poder, tem consigo o filho (“em sua companhia”), responde
conforme o principio. Se o tutelado é incapaz, ou se tornou incapaz durante a tutela, o tutor que ainda não se
tornou curador tem, em continuação, o dever de vigilância, O padrasto, se o enteado está em companhia, da mãe,
~e, pois, dêle, ou a madrasta, se em sua companhia está o enteado, é responsável. A doutrina estabeleceu isso,
acertadamente.
O Supremo Tribunal Federal, a 7 de janeiro de 1954 (li. da J. de 26 de outubro de 1959), assentou o que
sustentávamos, e o voto do relator foi explícito: “PONTES DE MIRANDA analisou verticalmente os citados
dispositivos, concluindo não constituir o art. 1.521 exceção ao princípio da culpa nem suscitar caso de
responsabilidade por culpa alheia, O que éle faz é estabelecer, em favor do lesado, a presunção de que foram
culpadas as pessoas que êle enumera nos incisos 1 a IV. Significa pois, e apenas, inversão do ônus da prova. A
objeção de que o art. 1.528 exige essa prova, que deve ser dada por quem afirma a responsabilidade pretendida,
levaria a admitir antinomia, ao parecer, indespontável. Entretanto, como observa PONTES DE MIRANDA, se o
artigo 1.521 criou presunção vencível de culpa, e se a presunção o é meio de prova (ad. 136, n. o que se pode
concluir é que, dada a situação figurada naquele artigo, a prova exigida no art. 1.528 já está satisfeita. Na lição do
jurista citado, a contradição entre os arts. 1.521 e 1.528 não existe, na real verdade. Ela se limitaria ao ônus da
prova, por isso que os atos do art. 1.521 não induzem responsabilidade pela culpa, mas pela ação de outrem. Não
contam exceção princípio da culpa e nem suscitam responsabilidade por culpa alheia. Trata-se de culpa própria,
mas presumida”.
Já antes a Câmara Cível da Côrte de Apelação de Minas Gerais, a 14 de abril de 1987, baseou-se no que
escrevemos em 1.927, com explícitas referências (Das Obrigações por atos ilícitos 1, 277 sj. Portanto, contra a
interpretação de CLã VIS BEliVAGUA e a de outros juristas. Um dos trechos do acórdão:
“Para Pontes de MIRANDA, limita-se ao Ônus da prova o conflito entre os arts. 1.521 e 1.523, por isso que os
atos do artigo 1.521 não induzem responsabilidade pela culpa; mas pela ação de outrem. Não contêm exceção aos
princípios da culpa, nem criam responsabilidade pela culpa alheia. Trata-se de culpa própria mas presumida.
Larga e exaustívamente se refere o douto jurista pátrio ao problema, dando-lhe solução contrária à pleiteada pela
recorrida..

No sentido do que dissemos, o Supremo Tribunal Federal, a 23 de agôsto de 1944 (A. J., 743, 312), a 22 de
outubro de 1948 (1?. dos 7‟., 183, 934), a 22 de maio de 1953 (A. J., 114, 425), a 18 de junho de 1955 (A. 1, 116,
407), a 2a Turma, a 11 de novembro de 1952 (108, 207), a 19 de outubro de 1954 (114, 484) e a 4 de setembro de
1958 (113, 567: “Se exigida fôsse da parte do autor, em hipóteses semelhantes, a prova da culpa do preponente,
ficaria sem sentido a regra contida no art. 1.521 do mesmo diploma legal. ~ o que bem salienta PONTES DE
MIRANDA, em seus comentários ao Código Civil, Manual, 16, 3a parte, 420. Não há presunção legal sem regra
de direito que a formule. E o art. 1.523 parece que a exclui. Mas, então, ,para salvarem a aparente viciosa
significação do artigo 1.528, sacrificariam o art. 1.521, que é fundamental? Ou êsse art. 1.521 significa presunção
de culpa, ou n~o significa coisa nenhuma, porque os pais, tutores, curadores, amos, patr5es, comitentes,
hoteleiros, hospedeiros, educadores não estariam sujeitos a nenhuma regra especial, responderiam como todo o
mundo”), a 1.a Turma, a 30 de abril de 1953 (A. J., 109, 65), a 1.a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul, a 27 de dezembro de 1955 (1?. J., 23, 187>, o Tribunal de Justiça do Ceará, a 14 de setembro de
1953 (3‟. e 19., 12, 184), a ga Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 2 de outubro de 1951

.~> a]
(A. J., 108, 272), a
Turma do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, a 26 de março de 1951 (1?. do T. de J. do E. S., VI, 419:
“Acrescenta o mencionado autor (J. M. DE CARVALHO SANTOS) que a boa interpretação está com PONTES
DE MIRANDA. Para êsse, a culpa do patrão deve presumir-se, “desde que as circunstâncias não afastem a
presunção. “O lesado escreveu também PONTES DE MIRANDA “tem de provar que o encarregado da
execução do trabalho causou dano, quando o executava, e mais: o laço de vigilância; porém o réu pode provar
que o dano se daria se houvesse procedido com todo o cuidado e vigilância, ou que procedesse com toda a
diligência. No caso sub judice, os réus não provaram que o dano teria ocorrido ainda que da parte de seu motorista
tivesse havido perícia, prudência, diligência, atenção ordinária e respeito às normas do trânsito. Diz mais
PONTES DE MIRANDA: “A culpa do responsável” (no caso em exame, o patrão) “consiste em não haver
exercido, como devera, o dever de vigiar, de fiscalizar (culpa in vigilando), ou de não haver retirado do serviço ou
de haver aceito quem não podia exercer, com tOda a correção, o encargo (culpa in eligendo) “, a 5 de março de
1950 (VI, 411), a 2,a Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a 16 de junho de 1941, a 9 de fevereiro
de 1942 e a 8 de outubro de 1949 (R. E., 88, 61, 92, 131, 156, 189), a 2a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Paraná, a 13 de outubro de 1955 (Paraná J., 63, 429), a Câmara Cível, a 9 de outubro de 1954 (61, 882), a 28 de
maio de 1955 (62, 575), a 1a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 18 de outubro de 1954, o 2.0
Grupo de Câmaras Civis, a 24 de junho de 1954, o 3O Grupo, a 5 de fevereiro de 1954 (sem razão, a 10 de
dezembro de 1953), a 4.~ Câmara Civil, a 18 de abril de 1950, a 25 de março de 1954, a 6.8 Câmara Civil, a 26 de
outubro de 1951, a 22 de fevereiro de 1952, a 58 Câmara Civil, a 1.0 de junho de 1951, a Câmara Civil, a 18 de
março de 1949 (EL dos T., 179, 701:
O entendimento de autoridades do porte de PONTES DE MiRANDA, JOSÉ ANTONIO NOGUEIRA,
OROZIMBO NONATO, COSTA MANSO, SABOTA LIMA, CARVALHO SANTOS, GABRIEL DE
REZENDE e outros”), e a ga Câmara Civil, a 16 de setembro de 1948 (177, 228) ; também assim, as Câmaras
Civis Reunidas do Tribunal de Alçada de São Paulo, a 24 de março de 1954, a 2.8 Câmara do Tribunal de Alçada
de São Paulo, a 81 de janeiro, a 21 de maio, a 3 de setembro de 1952 (E. dos T., 206, 487), a 14 de outubro de
1953, a 1.8 Câmara, a 2 de fevereiro (E. dos 7‟., 212, 507) e a 13 de outubro de 1953; e a 2.8 Câmara Cível do.
Tribunal de Justiça de Sergipe, a 11 de maio de 1950 (1. de 1950, 108).
Sem razão: Câmaras Conjuntas Civis do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 1.~ de junho de 1949 (E. dos IX, 181
, 403) e a 19 de novembro de 1951 (E. dos T., 196, 349), a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 6
de outubro de 1953 (E. dos 7‟., 218, 281), a 13 e a 18 de agOsto de 1958, e a 1a Câmara Civil, a 22 de junho de
1948 (176, 224), em tom impróprio de acórdão.
O filho maior, a quem o pai confia a direção do automóvel, ou caminhão, é preposto do pai (13 Câmara Civil do
Tribunal de Alçada de São Paulo, a 26 de maio de 1953; 2.8 Câmara Civil, a 17 de novembro de 1953 (E. dos 7‟.,
222, 416).
O empregador ou o preponente pode não ser o proprietário do carro ou do automóvel e sim quem dêle se utiliza e
encarrega terceiro de guiá-lo (33 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 25 de outubro de 1951 (E. dos
7‟., 197, 162).

5.TUTELADOS E CURATELABOS, RESPONSABILIDADE DOS TUTORES E CURADORES. Quanto ao


inciso II, há de ser lido, hoje, como se nêle estivesse escrito: “O tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que
se acharem nas mesmas condições, não provando que não houve de sua parte culpa ou negligência; bem assim
quem, sem ser pai, mãe, tutor, ou curador, tem em sua companhia, legalmente, o menor”. O diretor do sanatório
ou pensionato responde segundo o artigo 1.521, IV, e o art. 1.523; o tutor ou curador, segundo o artigo 1.521, II,
e os arts. 68, § 4?, e 74 do Decreto n. 17.943-A, de 12 de outubro de 1927. Tanto aqui, como a respeito dos pais,
não é preciso a culpa do agente: o ato pode ser do absolutamente incapaz. O art. 1.521, II, e o art. 1.521, 1, como
os arts. 68, § 4?, e 74 do Decreto n. 17.943-A, de 12 de outubro de 1927, só se referem a danos a terceiros. Se a
pessoa necessitada de vigilância sofre algum dano devido a falta de diligência (negligência), ou culpa mais forte,
do que tem o dever de vigiar, em sua pessoa, ou em sua propriedade, a responsabilidade é segundo o art. 159,
portanto sem inversão do Ônus da prova.
No direito brasileiro, é essencial a diferença entre dever de vigilância de origem negociei e dever de vigilância de
origem legal (Decreto n. 17.943-A, de 12 de outubro de 1927, arts. 68, § 4», e 74, verbis “pessoa a quem incumba
legalmente a sua vigilância”). Entende-se por incumbir legalmente a vigilância a alguém pertencer-lhe o dever de
vigilância em virtude de regra jurídica bastante em si mesma, como os artigos 379-383, 893 e 384, 1 e II (pátrio
poder), ou de regra jurídica que tenha de ser aplicada pelo juiz, ou a cuja incidência se haja de seguir ato estatal

.~> a]
(arts. 406-445; arts. 446-461). Se o juiz ordena a internação do menor em colégio, nu asilo, ou outro
estabelecimento, ainda que gratuito (aliter, art. 1.521, IV), tornou-se o colégio, asilo, ou estabelecimento
legalmente incumbido.
O tutor, o curador ou a pessoa legalmente incumbida de vigiar somente se forra à incidência do ad. 1.521, II,
combinado com o Decreto n. 17.943-A, se prova que não houve da sua parte culpa ou negligência isto é, que
cumprira, com suficiente atenção, em todo o tempo, o seu dever de vigilância.

6.ATos DE EMPREGADOS, SERVIÇAIS E PREPOSTOS. Quanto ao inciso III, compete a quem se diz com
pretensão à reparação provar o laço de emprêgo, preposição, ou serviço, exista ou não salário (e. g., o ter o dono
do veículo passado a direção ao amigo, tratar-se de servidor da posse, ou de mandatário, cf. nosso Das Obrigações
por Atos ilícitos, 1, 371). O art. 1.528 não excetuou da regra de ter-se de afirmar e provar a culpa ou negligência
a espécie relativa ao patrão, amo ou comitente; de jeito que, no sistema do direito civil brasileiro, não se adotou o
dever de reparar sem culpa (responsabilidade dita objetiva), nem se exigiu a afirmação da causalidade entre o
dano e a conduta do empregado, preposto, ou comitente (responsabilidade subjetiva) : a responsabilidade é
transubjetiva repara-se, pela culpa in eligendo, ou in vigilando, ou outra semelhante, o dano que outrem causou;
culpa de outrem e sua, ação de outrem. Assim, se a emprêsa admitiu no seu serviço motorista que já havia sido
condenado por atropelamento, ou desastre, ou crime de certa gravidade, que o apontasse como mal-recomendado
ao serviço, é culpada in digerido, razão por que foi certo, in casu, o voto vencido do desembargador MÁRIO
GTJIMARXES, no acórdão da 8.8 Câmara Civil da COrte de Apelação de São Paulo, a 24 de abril de 1936 (1?.
E., 67, 518). Das provas do dano e dos antecedentes do empregado, preposto, ou serviçal, pode resultar a prova da
culpa que se faz mister na espécie do ad. 1.521, III, ex argumento ao ad. 1.528. Não se exige que o ato seja do
patrão, amo, ou comitente; porque, se o fOsse, bastaria o art. 159: exige-se a prova da culpa in eligendo ou in
vigilando, ou outra culpa semelhante, pois que a ação foi de outrem. No acórdão da COrte de Apelação de São
Paulo, a 25 de maio de 1987 (R. dos‟ T., 110, 658), condenou-se o empresário, porque um dos atOres, entrando,
imprudentemente, em automóvel, que êle guiava, em cena, causou danos a outro e condenou-se bem, pela culpa
in vigilando do empresário (aliás, havia aí acidente no trabalho). Outrossim, se o patrão admite a superlotação dos
veículos (COrte de Apelação de São Paulo, 7 de maio de 1937, 1?. dos 7‟., 108, 698). Há culpa in eligendo se só
se admitiu o mau empregado por pedido, ou por sentimento de caridade, ou por afeição, ou se não se tomaram
pro-. vidências quanto à apuração da culpa ou punição do empregado. Não despedir, quando é o caso, é incorrer
em culpa de escolha, ex nuno, se já se não incorreu nela, ex tune.
Foi no art. 1.384, alínea 5 do Código Civil francês que se pôs a regra: “La responsabilité ci-dessus a lieu, à moins
que les pêre et mêre, instituteurs et artisans, ne prouvent qu‟ils n‟ont pu empêcher le fait qui donne lieu à cette
responsabilité”. Presunção de culpa, elidível segundo essa regra jurídica. BERTR.AND DE GREUILLE, em
relatório ao Tribunato, perguntava se não teriam os amos e comitentes de se lamentar de ter dado a sua confiança
a homens maus, desajeitados ou imprudentes (“à se reprocher d‟avoir donné leur confiance à des hommes
méchants, maladroits ou imprudents”). Pensava na culpa in etigendo e, por certo, na culpa in inspiciendo. Em
1867, RImOLE VON JHERING (Das Schuldmoment, 50) podia proclamar, como se houvesse peneirado todas as
espécies de deveres de indenização: sem culpa, nenhuma reparação do dano (Ohne Schuld, kein Schadenersatz).
Levantou-se contra êsse dogma, que se alastrava, E. LONINO (Die Haftung d.es Staats aw~ rech.tswidrigen
Handiungeri seiner Reamten, 9 e 54, 88-89). Por ocasião da revisão do Código Civil austríaco, já L.PFAEF
(Gutachten zur Lehre vom Schadensersatze und Genugtuung nach õsterreichiscken Recht, 8, 9 e 11) cogitara,
abertamente, de responsabilidade sem culpa, objetiva (disse). Posteriormente, EMIL STEINBACH (fie
Grunds&tze des heutigen, Rechts ilber devi Ersatz volt Vermõgensschdden, 19 s. e 86 s.), VICTOR MATAJA
(Das Recht des Schadenersatzes, 57 s.) e JOSEPH UNGER (Han.deln au>‟ eigene Gefahr, 1 s., e Handeln au?
frernde Gefahr, 1 s., em 1891 e 1894) ; na Alemanha, R. MERKEL (fie Kollision rechtmãssiger Interessen und
die Sehadensersatzvflicht bei rechtindssigen Flandlun.qen, 1 s., em 1895), com o “princípio do interesse ativo”,
MAX

RÚMELIN (Dte Griinde der Schadenszurech.nung uná die Steitung des BGB. zur objektive
Schadensersatzpfticht, 1 s.), em 1896, com o “princípio da responsabilidade pelo perigo
na França, RAYMOND SALEILLES (Siude d‟une Théor-ie pénérale de l‟Obligation, 376) e M. TEIssEIRE
(Essai d‟une Théorie générale sur le Fondeinent de lii Responsabilité, 156 s.), para quem o que preparou o

.~> a]
encontro de atividade há de ressarcir. Os demais juristas exerceram papel secundário. Em muitos dêles, dá-se a
insólita confusão entre responsabilidade por acidentes no trabalho e responsabilidade a terceiro por ato do
empregado (e. g., L. DUGUIT, Les Trans! ormations pénérales du Droit privé depuis le Cod>e Napoléon, 139; E.
TRIANDAFIL, L‟Idée de Faute et l‟Idée de Risque comme foudement de la respon.sabilité, 188-198; P.
BETTREMIEUX, Essai historique et critique sur le Fortdement de la Responsabilitá cívile en droit français, 105
s.).
Pode-se responder sem culpa, porém não se o caso foi fortuito, porque responder pelo ato de outrem é responder
mesmo sem culpa própria. Quem não responde se houve caso fortuito, pois que aí houve risco, não responde pelo
risco. Tal responsabilidade, se fôsse qualificada como pelo risco, seria parcial, o que de certo modo deturpa o
conceito.
A responsabilidade da emprêsa ou do empregador é pela culpa presumida (cf. FLOUR, Les Rapports de
co-ntmettant àpré posé dans l‟article 1.384 du Code Civil, 82 s.; Ii. et L. MAZEAuD e TUNC, Traité théorique et
pratique de la Respon~. sabilité civile délicúxilie et contra etuelte, f, 5.~ ed., 990 s.). O risco pode resultar da
exploração perigosa, sem ligação a alguém (e. g., defeito da máquina), o que nada tem com o art. 1.521, III, do
Código Civil. É muito difícil provar a emprêsa que a exploração ou outro acidente foi sem qualquer culpa sua ou
dos empregados.
O trabalho retribuído conforme o resultado e o trabalho retribuido por tempo tem o mesmo tratamento, para se
invocar a responsabilidade do empregador, porque o que importa é haver, ou não, a situação de dependência. Se o
trabalho ésubordinado, nenhuma dúvida pode surgir, e não se trata de empreitada, mas sim de locação de obra
sensu stricto (cf. GIORGIo GIORGI, Teoria degli Obbligazioni, ~, 7.~ ed., 518;
TENdO BRASIELLO> 1 Limiti deita Responsabilitá per dauni, 117; HENRI LALOU, La Responsabilité civile,
623; R. ROBlÊRE, La Responsabilité civile, 106 s.).
A história do ad. 1.523 permitiu que o interpretassem como regra jurídica que dá ao lesado o Ônus da prova. Até
o parecer da comissão do Senado, dizia-se que “não serão responsáveis as pessoas enumeradas” nos arts. 1.522 e
1.521, “provando que empregaram, por si, ou seus representantes, tOda a diligência e precaução necessárias para
evitar o dano” (Parecer, art. 1.525). Foi a emenda do Senado, em 1913, que o alterou.
Várias soluções têm sido propostas: umas, que sacrificam todo o art. 1.521; outras que desfazem todo o art. 1.523.
Ora, se, de um lado, o Ônus da prova cabe ao lesado (art. 1.528), também é certo que o art. 1.521 cria presunção
de culpa. Se as circunstâncias excluem a presunção, cabe ao lesante provar. Com isso não se há de querer
consertar o errado, nem consertar o que assaz afeia o texto legal; é boa regra de interpretação a que salva o sistema
de um código. O lesado tem de provar que a pessoa encarregada da execução do trabalho causau dano quando o
executava; mais: há de provar o laço da vigilância. O demandado pode provar que o dano se daria se houvesse
procedido com todo o cuidado e vigilância, ou que procedeu com tOda a diligência. Perguntou-se: tentão, a que se
reduz o art. 1.528? A simples explicação de que o art. 1.521 não constitui exceção ao princípio da culpa
(Verschuldungsprin zip), nem a regra jurídica importa princípio de causa (Verursachungsprinzip): dá
responsabilidade pela própria culpa, e não só pela de outrem. A culpa do responsável consiste em não haver
exercido, como devera, o dever de vigiar, de fiscalizar (culpa ivi vigilando), ou de não haver retirado do seu
serviço ou de haver aceito em seu pessoal quem não podia exercer, com tOda a correção, o encargo (culpa iii
ehgendo). Por vêzes, a presunção de culpa se impõe, o que, na prática, tornaria sem grande alcance a fixação do
Ônus da prova. Exemplo: o motorneiro que cometeu o ato ilícito quando bêbedo. Está na essência dos fatos a
presunção da culpa da emprêsa. Não se há de impor ao lesado o Ônus de provar que o motorneiro bebia: a) porque
o beber é mais ato de série de atos do que fato esporádico ; b) porque, ainda que o motorneiro só naquele dia
houvesse bebido, cabe às emprêsas fiscalizar os seus serviços. £ mais natural que os outros empregados do
mesmo carro tenham obrigação de participar à emprêsa a falta do motorneiro do que a lei impor aos transeuntes
ou passageiros o dever de verificar se estão bêbedos os motorneiros. É a culpa in re ipsa. Imaginemos o caso do
pai que sai e fecha os filhos em casa, sem guarda. A culpa é in re ipsa. Provar a ausência não o isentaria da
responsabilidade. Falamos da ausência, porque ainda nos códigos em que não há a contradição do texto brasileiro,
dificilmente se solvem as questões. Leia-se, por exemplo, o que está em G. P. CHnioNí (La Colpa nel diritto
civíle odierno, ~f, 2P ed., 600). Nas causas em que se invoca o art. 1.521 do Código Civil, o que mais sucede é a
luta de provas: não há um só e presto combate; há escaramuças seguidas. O Ônus da prova que faria A falar antes
deixa de ter capital importância porque B terá de voltar à luta, pois que A o ataca. Mas a presunção de haver
diligência dos responsáveis, nos casos do art. 1.521, ofenderia os princípios gerais do direito, a que o art. 7 da
Introdução mandava recorrer e está hoje no art. 49 da Lei de Introdução. Ora, nos casos do art. 1.521, são relações
jurídicas anteriores que determinam a obrigação de vigilância, de bem escolher. É disso que nasce a presunção, é

.~> a]
dos fatos da vida que ela se induz. O art. 1.523 exclui a possibilidade de se interpretar que há, aí, responsabilidade
objetiva, a presunção absoluta e irrefragável . Também seria escusado: a responsabilidade do art. 1.521 funda-se
na culpa do próprio responsável, e não na de outrem; não há, no art. 1.521, “responsabilidade sem culpa”, há,
como quer o art. 1.523, responsabilidade por culpa, ou in vigilaudo, ou in eligendo. No direito brasileiro, há, pois,
a possibilidade da prova liberatória. Não podemos, portanto, a propósito do art. 1.521, III, invocar a opinião dos
comentadores franceses e italianos. Não se aplica ao nosso direito; seria absurda a citação dêles. A interpretação
estreita, contraditória com a evolução do direito civil, nos poria em situação semelhante à da Áustria, em 1811, ou
da Suíça, em 1888. A interpretação científica permite-nos entrar na estrada que tomaram o Código Civil espanhol,
o Código de Processo Civil ale
mão e a Lei suíça de 1911. Mas teria sido absurdo transplantarmos a doutrina francesa do risco, que estaria em
contradição com o sistema do Código Civil e constituIria ato de demasiada reação, incompatível com o art. 1.528.
A interpretação que demos, em 1927, atenuou as conseqúências de interpretação rigorosa, antiquada, mas contra
a qual não se justificaria a adoção de doutrina extremamente oposta. Não poderíamos excluir a prova liberatória:
o que se podia discutir é se o artigo 1.523 exige a prova ou demonstração de certo nexo causal, presumida a culpa;
ou se têm de ser provados aquêle nexo e essa culpa. A prova da culpa está na lei, pelo menos, nos seus termos.
Mas: a) choca-se com o direito contemporâneo; b) contradiz o estatuído para as estradas de ferro; c) contra-diz o
próprio art. 1.521.
Quando os juizes procuram das circunstâncias tirar a prova da culpa in eligendo, ou quando recorrem a presunção
facti, é evidente que o intuito dêles é o de se evitar o choque com o art. 1.523. Porém, no caso das emprêsas de
transporte, com caráter de serviço ao público, o Supremo Tribunal Federal e a Côrte de Apelação do Distrito
Federal, aquêle mais do que essa, procuraram abordoar-se à Lei n. 2.681, para que a presunção de culpa se
estabeleça. Há certa tortuosidade nisso, pois que se força a interpretação do ato como culpa contratual, porém, na
ordinariedade dos casos, a doutrina é valentemente exposta. Mas perguntávamos, em 1927 por que não se
enfrenta a questão prévia da contradição existente entre os arts. 1.521, 1.522 e 1.523? Noutros termos: ~entre o
sistema do Código Civil e o texto à última hora introduzido? A COrte de Apelação que, no comêço, tinha por
impresumível a culpa nos acidentes de bondes, regidos, dizia, pelo art. 1.528 do Código Civil, contra cuja
interpretação vulgar não se insurgia, adotou a posição do Supremo Tribunal Federal.
No direito brasileiro, a situação é bem essa. Se a interpretação velha, bolorenta, insistisse em dar o ônus da prova
de culpa ao lesado (art. 1.521), ficaria, ainda assim, muito diminuído o campo de incidência do art. 1.521,
sobretudo do art. 1.522. Por que há a Lei n. 2.681, de 7 de dezembro de 1912. Está em vigor essa lei? Sim, a
despeito do que queriam RODRIGO OTÁVIO e, depois, L. DE MORAES LEME (Da Responsabilidade civil
fora do contrato, 66, 87). Trata-se de lei que rege tOdas as relações de transporte por via férrea. Tal opinião, que
sustentamos contra os dois juristas, prevaleceu, e ninguém pôs mais em dúvida a vigência da Lei n. 2.681, depois
de 1916.
A presunção nos casos do art. 1.521 nasceu de observação do quod plerumque fit, dos fatos. A lei apenas tornou
legal presunção cuja ordinariedade lhe pareceu evidente. Se, agora, a lei brasileira parece desconhecê-lo, é que a
lei brasileira propôs o não-justo, o êrro. A atitude do intérprete deve ser a de olhar para as realidades. Desprezar o
êrro, pela verdade, é a única atitude louvável. Interpretar diferentemente
o Código Civil é pôr o direito brasileiro fora de seu tempo. Os nossos dias permitem discutir-se se há de ser
presumida a responsabilidade, ou, em vez disso, responsabilidcde objetiva, em se tratando de casos do art. 1.521.
Mas a alternativa responsabilidade presumida ou responsabilidade só se fôr provada a culpa (o que tornaria
desnecessário qualquer dos artigos 1.521-1.528) é dilema que já não se põe defronte de legisladores e de
intérpretes.
No tocante aos empregados, serviçais e prepostos, o que precipuamente importa é que o dano tenha sido causado
quando a pessoa se achava no exercício do trabalho. Se o dano foi fora da incumbência, quanto ao lugar e ao
tempo, não há responsabilidade. Cumpre, porém, notar-se que o ato não precisa estar incluído nos que o
incumbente havia de prever, porque o que mais interessa é o contacto com terceiro, como incumbido.
Diante do art. 1.528 do Código Civil, de péssima redação, temos de considerar que há a admissão de prova em
contrário, da presunção juris tantum, porque não se pede pensar em responsabilidade absoluta. Se o fundamento
está no provérbio cuins commoda ejus incommoda, ou se em ser direta a responsabilidade (e. g., GTOVANNT
PALÂDINI, Faltori deila Responsabilità civile e pende, SOs.), ou apenas a lei pôs a presunção iuris tantum, sem
se poder fixar a ratio legis, é sem grande relevância. De qualquer modo, se o incumbente nenhum proveito tiraria,
ou poderia tirar, no momento (por exemplo, o empregado estava no dia de saída e não trabalhava, ou se
era copeiro e tirou tempo para ir comprar vestes que queria comprar ou tinha de comprar), não há a

.~> a]
responsabilidade. Cessante ratione tegis, cessat et ipsa tez.
Quanto à relação jurídica de incumbência , há dois pressupostos essenciais: a escolha e a dependência . Escolhe
quem nomeia, ou contrata, ou quem se insere em negócio jurídico de que resultou a escolha (= fêz sua a escolha
por outrem).
Pergunta-se: 2.exime-se da responsabilidade o incumbente se prova que escolheu bem? Não; porque o ato ilícito
prova que não houve perfeição, de jeito que não se há de considerar fundamento a culpa in> elegendo, salvo se se
entende que a culpa está no ato mesmo de incumbir, razão por que, se foi outrem, sem podêres outorgados, que
incumbiu, o art. 1.521, III, não incide. O dono é culpado, porque escolheu, e não só porque escolheu mal. A culpa
do incumbido determina a responsabilidade sem culpa do incumbente, porque foi êle que escolheu (ou acolheu) o
incumbido.
A culpa, nos casos de vigilância e de escolha, pode ser qualquer. ~ Em que consiste a diligência se não em vigiar,
a fim de que os menores, os loucos, ou os tutelados não causem danos aos demais? Nesse sentido é que se há de
apreciar a diligência. Nos casos de culpa in eligendo, basta que não tenha examinado os antecedentes e as
qualidades da pessoa aceita no serviço. Por exemplo: o míope, nos trabalhos de desvios de trens; o surdo, como
sinaleiro; o que bebe, como motorneiro ou maquinista. O que o autor da ação ou o lesado tem de provar, nos casos
do art. 1.521, 1 e II, é a obrigação de vigilância e que entre a pessoa responsável e o fato ilícito existiu situação de
fato que tornou possível a vigilância devida. Podemos entender que o art. 1.528 se refere a êsse segundo
elemento.
TOda interpretação dos arts. 1.521 e 1.528 corno regras de dever de reparação sem culpa, dita responsabilidade
objetiva, é estranha ao sistema jurídico brasileiro. Frisamo-lo em 1927 e a jurisprudência por vêzes (e. g., Câmara
Cível da COrte de Apelação de Minas Gerais, 14 de abril de 1987) tem invocado os fundamentos que demos para
repelir a chamada presunção absoluta ou a responsabilidade objetiva. Ainda de jure condendo porque, se a vida
criou riscos maiores para os que podem sofrer danos, também maiores criou para quem os tem de reparar: a
imprudência dos motoristas e a dos transeuntes, se não se equivalem, aproximam-se. A civilização aumentou
alguns riscos, ao mesmo tempo que diminuiu ou extinguiu outros. Isso não quer dizer que não haja nenhum
problema de reparação que se não possa resolver pela responsabilidade sem culpa. As estradas de ferro
apresentaram um dêles, e a legislação prussiana, para tempo em que só se cogitava de regular início de nova
indústria (158 quilômetros de estrada), estabeleceu que a emprêsa de estrada de ferro responderia, com
fundamento na periculosidade da emprêsa (gefãhrliche Natur der Ijnternehmung), salvo prova da culpa da vítima
ou caso fortuito. Em 1871, a Alemanha tinha a sua lei sobre responsabilidade das estradas de ferro. Já a Áustria (5
de março de 1869) tinha a sua; e a Suiça (12 de julho de 1875, lei revista em 28 de março de 1905) seguiu-as. No
Brasil, a Lei n. 2.681, de 7 de setembro de 1912, nos arts. 1-16, deu as regras jurídicas concernentes ao transporte
de mercadorias, portanto sObre responsabilidade contratual (ilícito relativo). Nos arts. 17-28, tratou dos
desastres, em senso largo, dizendo, no art. 17, 23 e 83 alíneas, que “a culpa será sempre presumida, só se
admitindo em contrário alguma das seguintes provas: 1?, caso fortuito ou fOrça maior; 22, culpa do viajante, não
concorrendo culpa da estrada”. Há, portanto, responsabilidade transubjetiva, responsabilidade por atos de outrem,
atos-fatos e fatos, se não é possível uma das provas do art. 17, 2? e 8? alíneas. Nos arts. 24 e 25, cogitou-se do
atraso dos trens, suspensão ou interrupção do tráfego, ou de algum trem, com a responsabilidade da estrada
(ilícito relativo!), salvo se houve fôrça maior. Finalmente, o art. 26, 1a alínea, estabeleceu a responsabilidade
pelos danos às propriedades marginais, salvo se o proprietário incorreu em alguma das espécies do art. 26, 2?
alínea (ilícito absoluto). Tratando-
-se de ilícito absoluto, não há, portanto, responsabilidade dita objetiva, ainda a propósito de estradas de ferro.
A jurisprudência, a respeito dos arts. 1.521, III, e 1.528. não se fixou, como teria sido de esperar, em todo o país.
Ora se pende para a afirmação de presunção legal absoluta de culpa, que não está na lei, ora se desprezam
elementos que
bastariam a mostrar a culpa in eligendo, ou a culpa in inspidetido, ora se misturam opiniões doutrinárias de outros
sistemas jurídicos. O que se poderia discutir seria apenas se o art. 1.528 estabelece a presunção legal relativa de
culpa, ou se não a estabelece. De presunção legal absoluta não há cogitar-se. a) Por outro lado, a culpa, que se tem
de presumir, se presunção legal há, é a culpa in digendo <e. g., A tomou a seu serviço pessoa que para êle não era
recomendável, ou por defeito físico, como falta de boa visão, ou psíquico, ou de origem fisiológica, inclusive
nervosa, ou por precedentes criminais ou infracionais), ou iti inspiciendo, ou iti vigilando, ou culpa por falta de
materiais adequados ou eficientes. A culpa que se tem de presumir é na relação do patrão, amo, ou comitente, com
o empregado, serviçal, cu preposto, e não do patrão, amo, ou comitente, com o ato ilícito. b) Se não se tem de
presumir, isto é, se o sistema jurídico brasileiro não acolheu a solução da inversão do ônus da prova, então o que

.~> a]
se tem de provar é o ato ilícito do empregado, serviçal, ou preposto, e a culpa in eligendo, ou in inspiciendo, ou in
vigilando do patrão, amo, ou comitente: não se tem de provar relação entre o ato e o patrão, amo ou comitente.
Quer na solução ít), quer na solução b), não há responsabilidade sem culpa: certo, trata-se de responsabilidade
pelo ato de outrem, mas a responsabilidade pelo ato de outrem não implica que se não houvesse adotado
presunção de culpa, ou que se não haja de afirmar a culpa in eligendo et inspiciendo (velha conclusão errada de C.
SAINCTELETTE, De la Responsabilité eI de la. Garantie, 124 s.). A “exigência da ordem social” é que
fundamenta a responsabilidade pelo ato de outrem, com ou sem presunção; só se atribuir a fOrça de tal exigência
para a responsabilidade sem culpa, presumida ou não, é demasia. Não se trata de obligatio ex lege; para o dever de
reparação, o que se estabelece, propter utilitatem publicam, é, exatamente, a ligação à escolha, à inspecção, à
vigilância, ao ministrar os materiais necessários, no caminho que o direito romano abriu, que foi o da ligação à
escolha, à inspeção, à vigilância. O acontecimento nOvo, no século XIX, foi a inversão do Ônus da prova. Já na L.
5, § 6, D., de obligationibus eI actionibus, 44, 7, GAIO dava o fundamento da responsabilidade pelo ato de outrem
o capitão do navio, ou o hoteleiro, o estalajadeiro (exercitor navis, aut cauponae, aut stabuli) tem-se como
responsável (teneri videtur), quase por delito (quasi ex maleficio), pelo dano, ou pelo furto, que se deu no navio,
no hotel, ou na pousada, se é que não há delito algum próprio, mas de alguém daqueles com cujo serviço explora
a nave, o hotel, ou a pousada; porque, não se achando estabelecida, por contrato, contra êle tal ação, e sendo de
cedo modo réu de culpa (culpae reus), porque utiliza serviços de homens maus (quod opera malorum hominum
uteretur) se tem como responsável, igualmente (ideo) quase por delito”. O “aliquatenus culpae reus est, quod
opera malorum hominum uteretur, ideo quasi ex malefício teneri videtur” mostra que o fundamento era a culpa do
comandante do navio, do hoteleiro, ou do aíbergueiro (cf. § 8, 1., de obligationibus quae quase ex delicIo
nascuntur, 4, 5). Na L. 7, § 4, D., nautae caupones síabularji ut recepta restituani, 4, 9, ULPIANO, depois de ter
dito (pr.) que não sem razão responde o capitão pelo fato dos seus marinheiros, pois que os emprega a seu risco
(cum ipse eos suo periculo adhibuerit), explicitou que o capitão responde em seu próprio nome, por os ter
escolhido: deveria investigar quais são sua fidelidade e probidade (explorare eum oportet, cuius fidei, cuius
innocentiae sint). Na L. única, § 5, D., furti adversus nautas caupones síabularios, 47, 5, há o mesmo pressuposto
da culpa iti eligendo eI inspiciendo (c.f. A. PERNICE, Mareus Anti.stirs Labeo, II, 248, nota 32).
Se há responsabilidade pelo ato de terceiro, há solidariedade, porém não entre as duas pessoas, porque o
encarregado tem de prestar o que o responsável prestou. A culpa do eml)regado é elemento necessário para que
responsável êle seja (F. vON LISZT, Die Deliktsobli.qationen im System des BGB., 102; E. BRÚCKNER, Die
privatrechítiche Hafíung fiir das rechtswidriae Verhalten Ánderer, 28).
A regra jurídica sObre a responsabilidade, em caso de ser encarregado de prestação terceira pessoa, nada tem com
a regra jurídica que se refere à responsabilidade dos empregados pelos atos ilícitos. Nem é lex specialis, quanto a
essa (e. g., BiurNo BLAU, Verantwortlichlceit flir fremdes Ver. schulden nack dem BGB., 89; ARTHUR
NuSSBAUM, Hafíung fitr Hiilfspersonen nach. § 278 BGB. im Ver gleich mil dem gemeineu und Landrechí, 72
s.; KURT PRIEWE, Die Haftung ties Schuldners fiir seine Gehilfen, 92) ; nem essa quanto àquela (sem razão,
BRUNO BLAU, 89; ARTHUR NUSSBAUM, 72 5.; e KURT PRIEwE, 92; com razão, HANS WOLFP, Die
Haftung flir drilte Personen nach dem BGB., insbesondere die §§ 278 und 831 uM ihr Verhãltnis zu einander, 58
s.). Se os dois suportes tácticos se compõem, o lesado tem escolha da ação, pois uma não pré-exclui a outra (E.
DERNBURG, Das liuirgerliche Redil, 1, 1, 138; ERNST FEDER, Verantwortlichkeit fil‟.tremdes Versefluldeu
nach denv BGB., 89 s.; KARL PHILIPP, BGB.: Die SteUun.q des § 278 zu dem § 831, 47; PAuL OERT.MANN,
Kommentar zum Búrgerlicheti Gesetzbu eh, 2,a ed.. 939; HANS WOLFF, Die Haftung fiM- drilte Persúnen nach
denL SUB., 60).
A responsabilidade pelo ilícito absoluto, quer com base no art. 1.521, quer na Lei n. 2.681, de 7 de dezembro de
1912 (estradas de ferro), é inconfundível com a responsabilidade por acidentes no trabalho. O acidente no
trabalho supóe a relação entre o empregador e o empregado lesado. Não se trata, pois, de ilícito absoluto; mas de
ilícito relativo: o acidente ocorrido a quem visita a fábrica, ou passou pela fábrica, ou se aproximou de alguma das
suas dependências, não é acidente no trabalho. O fundamento para a lex specialis é a necessidade de proteção
contra os riscos da industrialização por máquina, ou, pelo menos, da intensificação da produção, ou, ainda, contra
os riscos próprios da atividade específica do trabalhador. Aqui, sim, teria cabimento o Bigenes Interesse, ei-gene
Gefahr de Josrrur UNCER. Começou-se com a proclamação, nos livros de doutrina jurídica, de economia e de
sociologia, da “injustiça” das regras de direito comum para a responsabilidade civil nos processos de acidentes no
trabalho. O tratalhador não podia obter reparação se não provasse a culpa do patrão. Prova difícil; às vêzes,
devido à complexidade da indústria contemporânea, impossível de fazer-se. A vítima sofria o incômodo oriundo
da emprêsa. Tornara-se, também ela, peça de máquina, que se gasta, ou se quebra. O Ubi emolumentum ibi ônus

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não tinha qualquer ensejo. O surto legislativo começou na Alemanha e na Áustria. A idéia de risco profissional
surgiu na França; e o projeto de FÉLIx FAURE, em 1882, apoiou-se nêle. Só o fim do século XIX viu, na França
(1898), o nOvo rumo legislativo, com os aplausos de RAYMOND SAIJEILLES e L. JOssmiANn, que de comêço
eram simpáticos à inovação. FÉLIx FAULiE dizia que a noção de “risco profissional” havia existido sempre, o
que parecia identificá-lo com o fundamento romano, e não com o Ubi etnolum,entum ibis ônus, ou o Rigenes
Interesse, eigene Gefahr. Mas outros viam no princípio criação da maquinaria industrial contemporânea. Verdade
é que a própria lei francesa não podia ser invocada para uma ou outra solução. Antes da lei, RÁYMOND
SALEILLES (Les Accidenís du travail eI la Respo‟nsabilité civile, 6 e 12) procurou revelar o princípio do risco
profissional, como “la rançon du machinisme et de l‟industrie moderne”, “la part inévitable d‟inconnu qu‟il faut
subir lorsqu‟on se livre à ces. terribles engrenages devant lesquels l‟initiative de l‟ouvrier disparait presque”. Mas
êle mesmo soltava a noção de perigo:
“Lã oú s‟exerce une activité personnelle qui entre eu contact avec les autres, qul les emploie à son service, et les
engrêne dans sa sphêre d‟action, cette activité s‟est, par le fait même, approprié toutes les conséquences de son
iniciative, tous les risques qul peuvent en découler pour ceux qui la servent, ou auxquels elIe touche, et qui se
trouvent exposés aux contre coups que‟elle produit dans le monde des faits extérieurs”. Então, não se trata de
risco profissional, mas de risco criado (pela utilização das coisas), o que L. JossEn.AND (De la Res ponsabilité du
fail des choses inanimées, 105 s.) tentou levar as últimas conseqUências: “Ce ne sont pas seulement les choses
industríelles qui engagent, par les dommages qu‟elles occasionnent, la responsabilité du patron; ce sont les choses
quelcon ques qui engagent, par le préjudice qu‟elles causent, la responsabilité de celui qui s‟en sert”, donde, para
êle, a necessidade de se substituir ã noção de risco profissional a de risco criado. Verdade é que o próprio L.
JOSSERAND reconhecia que, se a vítima houvesse tido culpa, a responsabilidade não surgiria. Depois disso, J.
CABOUAT (TraiU des Accidenís du Travail, 1, n. 113) recorreu à noção de solidariedade dos riscos entre
pessoas interessadas em obra comum: a responsabilidade não seria individual, mas indivisa e comum; nos
encargos gerais
da produção, entraria o de reparar o acidente no trabalho. Tal concepção mais alemã-austríaca do que francesa
pode corresponder a sistema jurídico em que se tenha a participação dos empregados nos lucros e na direção.
Pensou-se em que a irresponsabilidade pelos acidentes no trabalho causaria enriquecimento sem causa por parte
dos empregadores; mas, se se adotam a noção de responsabilidade pela despesa de produção e a participação nos
lucros, o argumento desaparece, Aliás, se não há lei que dê o dever de reparação, tcoma apoiar-se o jurista em
enriquecimento sem causa, se o lucro, aí, é legal?
Diante da legislação de acidentes do trabalho (Decreto lei n. 7.036, de 10 de novembro de 1944, arts. 1.o~7.o), a
responsabilidade é individual (dos empregadores), pOsto que, em obediência ao art. 157, IV, da Constituição de
1946, se haja de edictar a lei sObre participação dos empregados nos lucros, porque a lei sôbre participação nos
lucros não torna indivisa, juridicamente, a gestão, nem comuns os lucros e perdas: apenas estabeleceria a
pretensão ao quanto participável. Tal pretensão não é real; é preciso que se dêem a distribuição e a destinação
efetiva das quotas para que o direito seja real. A própria jurisprudência francesa, que não pôde satisfazer-se com
o article de Paris que era a noção de risco profissional, nem endossou a do risco criado, nem, tão-pouco, a da
solidariedade dos riscos, enveredou pela noção de risco de autoridade: “L‟ouvrier ou l‟employé est au lieu et au
tempa. du travail en tout lieu et en tout temps oú il est sous Fautorité et la direction du chef d‟entreprise” (Civ., 20
de abril de 1902, D., 1902, 1, 273), ou onde quer que êle se ache “sous la subordination” do chefe da emprêsa. Ou
tal noção pretendia publicizar a relação, o que havemos de repelir, e não nos parece que seja o caso; ou abria
atalho para se volver à noção da culpa in inspiciendo. A noção de risco profissional e a de risco criado foram
postas de lado. A COrte de Cassação (Câmaras ReUnidas, 8 de janeiro de 1908, D., 1908, 1, 85) acabou por
acentuar o ilícito relativo, a ligação do dever de reparação ao contrato de trabalho, o que, verdade seja dita, mais
se coaduna com a responsabilidade em profissões ordinàriamente sem perigo de máquina, ou de coisa, e em
profissão que não trata com coisas (e. g., acidente no trabalho pelo caixeiro viajante). O risco de autoridade seria
apenas a edição século XX da culpa in inspiciendo, tal como ocorre com os pais, tutOres, curador‟es e pessoas
legalmente encarregadas da vigilância de outras pessoas (art. 1.521). Seja como fôr, é evidente que a noção de
risco profissional e a de risco criado foram passageiras, expedientes de que lançaram mão juristas atordoados e,
por isso, prontos à adesão fácil à legislação nova. Só a noção de risco de escolha e direção é que pode explicar
que a culpa da vítima (fora o dolo, Decreto-lei n. 7.036, de 10 de novembro de 1944, art. 7, a) não pré-exclua o
estar o empregado a serviço de interesse pessoal do patrão, como empregado da empresa . Demais, a noção de
risco profissional e a de risco criado ergueriam a responsabilidade por acidente no trabalho à semelhança do
ilícito absoluto, ao mesmo tempo que exagerariam o elemento de periculosidade da indústria que serviria a outros

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suportes fácticos. A responsabilidade pela escolha e pela direção, essa sim, é a que satisfaz as exigências da
sistemática do direito, no tocante aos acidentes no trabalho.
7.RESPONSABILIDADE DE HOTELEIROS, ALBERGUISTAS E OUTROS HOSPEDEIROS. Quanto ao
Código Civil, art. 1.521, IV, o texto não sofreu alteração: “Os donos dos hotéis, hospedarias, casas ou
estabelecimentos, onde se albergue, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos”.
Continuou, pois, a presunção iuris tantum da culpa ou negligência, salvo se a casa ou estabelecimento foi
legalmente incumbido de alojar a pessoa. Assim, se o menor foi pOsto no colégio pelo pai, ou pela mãe, ou tutor,
responde o pai, ou mãe, ou tutor, segundo o art. 1.521, 1 ou II, e o dono do colégio segundo o art. 1.521, IV. Se o
menor foi pOsto no colégio em virtude de decisão judicial, designando o juiz o colégio (o que supõe aplicação do
art. 894 do Código Civil), a responsabilidade do dono do colégio é segundo o art. 68, § 49 e o ad. 74 do Decreto n.
17.943-A, de 12 de outubro de 1927 (Código de Menores), verbis “pessoa a quem incumba legalmente a sua
vigilância”. A responsabilidade dos colégios é durante todo o tempo em que o menor se acha nêle, inclusive
recreios (Oro WARNEYER, Komm.entar, 1, 1882) e excursões.
O contrato pode estabelecer a responsabilidade por infração do dever de vigilância, mas é outra questão. O que
seria devedor da reparação, se não houvesse contratado, continua de ser devedor; e apenas tem contra o contraente
a ação para haver o quanto da indenização. Haja, ou não haja contrato, o que tem o dever de vigilância responde
segundo os arts. 1.521, IV, e 1.523; o que contratou com qualquer das pessoas mencionadas no art. 1.521, IV,
sendo incluido no artigo 1.521, 1 ou II, responde, mas tem a ação ex contractu contra as pessoas incluídas no art.
1.521, IV. Se o que respondeu como pessoa incluída no art. 1.521, 1 ou II, ou nos arts. 68, § 49, e 74 do Decreto n.
17.943-A, de 12 de outubro de 1927, havia confiado, sem cláusula contratual de responsabilidade, a pessoa
mencionada no art. 1.521, IV, que havia de vigiar, tem a ação regressiva contra essa pessoa mencionada no ad.
1.521, IV, provando a culpa de tal pessoa segundo o art. 1.523.
Se a causa do dano provém de terceiro, e não de pessoa a que se refere o art. 1.521, 1-1V, não há a presunção de
culpa que no art. 1.521, 1-1V, se estabeleceu (2.~ Turma do Supremo Tribunal Federal, 14 de dezembro de 1948,
R. dos 2‟., 189, 1024; 2? Grupo de Câmaras Civis Reúnidas do Tribunal de Justiça de São Paulo, 12 de abril de
1951).

8. PARTICIPAÇÃO EM PRODUTO DE CRIME. Quanto ao Código Civil, art. 1.521, V, os que gratuitamente
receberam algo do produto do crime, à semelhança do que se passa com a espécie do princípio do art. 968,
parágrafo único, ver bis “por título gratuito”, ainda que de boa fé, respondem pela quantia concorrente. Não há, aí,
presunção de culpa; „trata-se”, dizíamos em 1927, “de caso especial de in vem versio”. e argúiamos: “Era preciso
exprimi-lo? Pode um sistema jurídico deixar de ter a ação de in rent verso? Não; e a cominação do art. 1.521, V,
em nada autoriza a crer-se que tal ação dependa de texto legal. Só tem o efeito de lembrar um dos casos; e nada
mais” (nosso Das Obrigações por atos ilícitos, 1, 380; cp. J. DE AGUIAR DIAs, Da Responsabilidade Civil, 11,
157).

9.DIREITO. REGRESSIVO E AÇÕES REGRESSIvAS. Estatui o art. 1.524: “O que ressarcir o dano causado
por outrem, se êste não fOr descendente seu, pode reaver, daquele por quem pagou, o que houver pago”.
Os maiores de dezesseis anos são capazes delitualmente (art. 156). Admitido isso, tcomo resolver a questão do
direito regressivo? No sistema do Código Civil, ainda que absolutamente incapaz o menor, se do ato lhe resultou
proveito, pode o responsabilizado reaver, pela ação fundada no enriquecimento injustificado, até o quanto da
inserção no patrimônio do incapaz, o que prestou. Por analogia, poder-se-ia admitir o direito regressivo. Se não
houve proveito? A solução mais razoável está no art. 54 do Código suíço das Obrigações, referente à ação direta;
não se refere à regressiva. No Código Civil alemão, § 828, há a não-imputabilidade absoluta antes do sétimo
aniversário, e a possível prova do discernimento <imputabilidade) desde os sete anos completos aos dezoito não
feitos. No Código Civil suíço, os arts. 16 e 19, S.~ alínea, não estabelecem idade fixa: fala-se, indistintamente, de
capazes de discernimento. ~ ao juiz que cabe decidir se a pessoa ainda está, ou não, na infância (A. ECCER,
Einleitung, Kommentar zum Schweizerischen Zivilgesetzbuch, 1, 49). Falta o degrau quantitativo. Muitos
comentadores se conformam com isso. Outros, não: procuram-no aqui e ali (na idade, por exemplo, em que a
criança deve entrar na escola: seis anos). Mas há o art. 54 do Código suíço das Obrigações. O Código Civil
alemão fixou em sete anos o começo da responsabilidade quando provado o discernimento. Mas, qualquer que
tenha sido a falta de discernimento, permite ao juiz a equidosa fixação do quanto da indenização (§ 829). O
segundo sistema o do Código Civil suíço deixa a solução ao arbítrio do juiz, que passa a examinar,
subjetivamente, os casos, com o auxílio da perícia psicoloção , ou psiquiátrica, se o entender, segundo as regras

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cantonais. Se a eqUidade o exige, pode o juiz condenar uma pessoa incapaz de discernimento à reparação total ou
parcial do dano que ela causou. Essa regra jurídica, eminentemente salutar, já se achava no Código Civil de
Zurique, no Código Civil austríaco e no prussiano. Ao art. 54 corresponde o § 829 do Código Civil alemão carta
branca, de poderosa importância, nas mãos do juiz, na frase de Ecx. Mas o que é certo é que tal ação não é
Sckadenersatzan,spruck mas Biiigkeits~ anspruch (ação de eqUidade), e poderia ser estendida, de jurecondendo,
aos responsáveis pela culpa de outrem para reaver o que pagassem. A lei não o fêz (cp. C. CHR. BUILCKARDT,
Die Revlsion des Schweizerischen Obligationenrechts in Hin.sicht auf das Schaden,ersatzrecht, 76). No Brasil,
falta-nos urna ou outra regra jurídica. ,Que havemos de decidir, com os princípios comuns? Admitir a ação
regressiva contra o maior de quatorze anos e menor de dezesseis? Para sermos coerentes, só o poderíamos admitir
entre os quatorze e os dezesseis, pois seria injusto não dar ao tutor, ou ao curador, a ação regressiva. g.Que
poderia justificar pagar alguém Por pessoa de quatorze anos a reparação do dano, sem que pudesse reaver? ~,Por
que não intervir em tais julgamentos um pouco de eqUidade? Argumentamos com o direito do Código Civil após
as leis de menores.
Está claro que não há ação regressiva se o menor causou o dano por ordem do tutor, curador, ou conitente (cf.
Esbôço de TEIXEIRA DE FREITAS, art. 3.670). É a lição do Código Civil chileno, ad. 2.325: “. . . si e] que
perpetró ei dafio lo hizo sin órden de la persona a quíen debia obediencia”. Aqui tem o juiz de examinar as
circunstâncias e a eqUidade ganha bons foros porque pode suceder que toda a culpa do menor seja, causalmente,
do tutor, ou que êsse seja o verdadeiro responsável. Damos exemplo: a) no caso de o tutor ter sido o remoto
introdutor do menor em casas de jOgo, ou apresentado a mas companhias; 6) ter havido culpa grave do tutor e
leve do menor, O que dizemos do tutor aplica-se, mutatis mutandis,. aos outros responsáveis.
No direito francês, não há a regra geral do art. 1.524 do Código. Civil brasileiro. Algumas leis reconhecem o
chamado “recurso” (e. g., Lei de 28 de setembro de 1791, Título II, arti-.. go 8; Lei de 15 de abril de 1829, art. 74).
Mas dai não se tira que só se dê em casos excepcionais. A regra existe, sem a lei geral, e com o caráter geral. Não
se exerce contra o irresponsável. Assim, L. LAROMEXÊRE, O. BÂUDRY-LACANTINER~ e L. BARDE, C.
BEUDANT, A. SOURDAT, RENÉ DEMOGUE (cf. 1‟. MONDET, Le Recours des personfles responsables du
fail d‟autrwi, 57; A. DEMARNE, De ia Resport.sabiiité des cornmettants, 205>. Discute-se se existe entre o
civilmente responsável e o autor alguma presunção. Noutros termos: ainda que haja duas faltas, dias culpas, to
regresso é para o todo? L. LAEOMRIÉRE e outros têm o autor como obrigado principal, e admitem a própria
indenização suplementar. Outros autores querem que se paiitiibe entre o autor e o civilmente responsável, mas
confessam as dificuldades <e. g., RENÉ DEMoGUE). O que justamente se deve decidir é que não cabe a ação
regressiva: a) no caso de ordens do civiluiente responsável, executadas pelo autor do dano sem culpa igual; b) no
caso de ser a culpa do responsável a verdadeira causa. O que não deixa dúvida é a natural intervenção do arbítrio
equidoso do juiz, e por vêzes as circunstântil, criam situações delicadas.

. Mas cumpre advertir-se que o autor do dano pode ter defesa em relação a um dos que responderam, e não contra
outro. Inversamente, um dos responsáveis solidários pode ter ação contra um dos autores do dano, e não contra
outro. As culpas podem concorrer.
Lê-se no Código Civil espanhol, art. 1.904: “El que paga el dafio causado por sus dependientes, puede repetir de
éstos lo que hubiese satisfecho”. Já era, no fundo, o que queria o Projeto de 1851. No Código Civil argentino, art.
1.123, diz-se:
“El que paga el daflo causado por sus dependientes y domesticos, puede repetir lo que hubiese pagado, del
dependiente édomestico que lo causó por su culpa ó negligencia”. No Código Civil chileno, art. 2.225: “Las
personas obligadas a la reparacion de los dafios causados por las que de elías dependen, tendrán derecho para ser
indemnizadas sObre los bienes de éstas, silos hubiere, i si eI que perpetró ei dafio lo hizo sin órden de la persona
a quien debia obediencia, i era capaz de delito o cuasidelito, segun ei art. 2.819”. Isto é: maior de sete anos e são
de espírito; se menor de dezesseis, quando o juiz tenha reputado com discernimento. Também o Código Civil
uruguaio, art. 1.826, recebeu a regra espanhola.
No Brasil, escava no esboço de TEIXEIRA , artigo 8.670: “Os responsáveis enumerados no art. 3. não ficam
isentos da responsabilidade, ainda mesmo provam que lhes era impossível impedir o dano. Terão, porem, direito
contra os autores do dano pela indenização que pouvereni pago, se êstes o causaram sem ordem sua, e forem
susceptive4s de imputação.
As questões estão levantadas: (a) ~ Há o direito regressivo contra os menores de dezesseis anos? (b) &Há contra
os loucos e surdos-mudos a que se refere o art. 5,07 No Chile, não. No sistema do Esbôço, também não. No direito
argentino, a questão ficou para a doutrina. Tal a situação, no Brasil. Se bem que o direito regressivo não se

.~> a]
estenda aos ascendentes, a questão da imputabilidade ou capacidade delitual conserva tOda a sua delicadeza e
gravidade. Porque os tutores o têm. Os curadores, também. Os empregadores, pelos empregados menores.
A ação a ser exercida com fundamento no art. 1.524 do Código Civil tem de ser instruída com a prova do
pagamento em virtude de sentença de condenação passada em julgado. Nada obsta a que se peça a citação do
autor do dano appel cri garcintie do direito francês mas o que é certo é que êsse expediente que obviaria a certas
particularidades do Código Civil (art. 1.520 e parágrafo, por exemplo) não existia, explícito, nas leis brasileiras.
Hoje, temos de invocar o art. 88 do Código de Processo Civil. No direito francês, tal recours en garantie escapa à
regras da competência rat,ione boi, não àcompetência rationcie persanae ou matericie. Mas ainda: a pessoa
civilmente responsável pode intervir no processo contra a vítima para firmar a sua não-culpabilidade e, se
fracassar, assegurar-se a regressividade. Inversamente, o autor pode intervir no processo contra o civilmente
responsável.
A figura do civilmente responsável é a do co-autor, cúmplice presumido, e por isso responde solidàriamente.
Causa ocasional do ato ilícito, nos casos ordinários do art. 1.521: só excepcionalmente apresenta outro feitio
técnico. Devemos tratar autor e civilmente responsável como coobrigados. Não se excetuou o princípio da culpa:
continua êle a reger a espécie e a situação doa dois é a mesma quanto à obrigação, se bem que a obrigação violada
seja qualitativamente diferente: fazer; não fazer; eleger, vigiar, fiscalizar, prover.
No Código Civil, art. 1.524, há originalidade: excetua da responsabilidade os filhos e demais descendentes. É
rasgo de concepção jurídica efetiva. Justa? Escreveu o autor do Projeto primitivo: “O direito regressivo, de quem
teve de ressarcir o dano causado por outrem, é de justiça manifesta, é uma conseqúência natural da
responsabilidade indireta. Mas, se o autor do dano fôr descendente de quem teve de o ressarcir, não haverá
regresso, declara o art. 1.524. É uma particularidade do nosso Código, que se justifica, perfeitamente, por
considerações de ordem moral, e pela organização econômica da família. Na verdade, nenhuma das pessoas que
têm de ressarcir o dano causado por dutra se acha na situação especial de aproximação afetiva, de dever de
vigilância, de solidariedade moral, e, até certo ponto, econômica, do ascendente para com o descendente. São
razões essas mais que suficientes para dar apoio sólido à exceção restritiva do Código Civil brasileiro”. Para
vermos até que ponto pode ser injusta a exceção, imaginemos alguns casos: a) filho de quinze anos ou neto, rico,
tutelado da mesma idade: dano ressarcido pelo pai ou avô pobre; pré-afastada a ação regressiva; lO fortuna
paterna absorvida pela indenização paga; impossibilidade da ação regressiva.
O Código Civil, art. 1.793, declara: “Não virão também à colação os gastos ordinários do ascendente com o
descendente, enquanto menor, na sua e élucação , estudos, sustento, vestuário, tratamento de enfermidades,
enxoval e despesas de casamento e livramento em processo crime, de que tenha sido absolvido”. ~ Têm de ir à
colação a indenização ex delicto e as demais despesas relativas a isso? A lei brasileira nada diz. ~O art. 1.524
supõe que se aplique o art. 1.793 aos pagamentos feitos pelo pai? No art. 1.793 não se excluem da colação as
despesas em processo crime quando não tenha sido absolvido o filho. Assim, se não se houvesse determinado no
art. 1.524 que aos ascendentes não assiste o direito regressivo, a questão não existiria: estariam resolvidas as
dificuldades pelo uso do direito regressivo, transferido aos herdeiros, É a inovação brasileira de caráter afetivo
moral que cria o problema. Quanto aos menores de quatorze, seria admissível a colação do que o pai ou avô
pagou. A culpa in eligendo e a in vigilanda são o principal, em tais casos. Igualmente, quanto aos loucos e aos
surdos-mudos absolutamente incapazes. Entre os de dezesseis e vinte e um anos, há responsabilidade do próprio
menor, equiparado ao maior. Portanto é indiscutível a colação. Entre dezesseis e quatorze, não há isenção da
responsabilidade criminal; e haveria, absurdamente, da civil, se interpretássemos à feição clássica o Código Civil.
A ação regressiva supõe que a pessoa que pagou a indenização não tenha tido culpa, mesmo in eligendo ou in
vigilando.

§ 5.505. Problemas de responsabilidade por atos ilícitos

1.ABSOLUTAMENTE INCAPAZES E RESPONSABILIDADE. Às vêzes, apresentam-se casos em que a


incapacidade para responder por atos ilícitos cria situaç6es chocantes; e. g., o louco de muitos haveres quebra a
vitrina do droguista pobre, ou o menor, absolutamente incapaz, rico, fere a alguém, que não tem recursos para o
tratamento e o sustento, seu e da família, nos dias ou meses em que não trabalha. O direito romano não atendeu ao
problema; ao direito prussiano deve-se o primeiro passo. De comêço, a técnica legislativa mal conhecia aquilo
mesmo que criava, exceto quanto ao principio inspirador. A reparação ter-se-ia de fundar em razões de eqúidade.
Não tem o sistema jurídico brasileiro regra jurídica correspondente ao § 829 do Código Civil alemão e ao art. 54
do Código suíço das Obrigações, segundo os quais pode ter de reparar o absolutamente incapaz. Seria ação de

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reparação sem culpa, ação de equidade, responsabilidade pelo ato-fato ilícito. O direito francês admitiu, através
da jurisprudência. casos de reparação pelo menor. O princípio da equidade concreta (Prinzip der konkreten
Billigkeit), devido, talvez, a V. TEVENAR (F. G. SIEWERT, Materialien zw‟ wissenschaftiieken Erkidrung der
neuesten preussischen L.andesgesetze, 1, 34), apareceu no Allgemeines Landrecht prussiano (1, 6, §§ 41-44) e
repercutiu nos Códigos Civis dos cantões suíços (e. g., Zurique, § 1.835), nos Códigos suíços das Obrigações
(1881, artigo 58; 1911, art. 54), no alemão (§ 829) e no soviético (artigo
406). Cedo se percebeu que o suporte fáctico de tal fato jurídico, gerador do dever de reparar, a despeito da
incapacidade delitual, não podia ser o ato ilícito absoluto: tinha de ser suporte fáctico, em que não tivessem de
entrar a culpa e a imputabilidade do agente. Segundo nota dos redatores do Projeto prussiano publicado (II, 1,
Titulo 3, §§ 32-34), o ato seria tratado como simples acidente, fundando-se na eqúidade natural o dever de
indenização. No Anteprojeto austríaco (III, § 456) e no Projeto de MARTINI, pensou-se em ligação (ou
parecença) com o ato em legítima defesa. Vê-se bem que se procurava o lugar dêsse fato jurídico na classificação
dos fatos jurídicos e hoje podemos dizer que se trata de ato-fato juridico ilicito. Certamente, o legislador não tem
arbítrio em estabelecer, a seu talante, tais indenizações, porque seria invadir a esfera jurídica das pessoas, sem
razão suficiente para isso. Não pode a lei fazer sem meios de vida o louco, que causou o dano, pois os parentes e
o Estado hão dever de os proteger e vigiar. Se o sistema jurídico não tem, aí, princípio de eqUidade concreta,
compreende-se; se tem regra jurídica de reparação pelo absolutamente incapaz, tal regra jurídica precisa de ter
fundamento naquele princípio. O Código suíço das Obrigações, art. 54, estabelece que, “se a eqUidade o exige,
pode o juiz condenar pessoa incapaz de discernimento à reparação total ou parcial do dano que ela causa” „cf.
Message de 1879: “II peut se présenter des cas dans lesquels on ne pourrait, sans froisser au plus haut degré le
sentiment naturel du droit et de l‟équité, libérer une personne irresponsable de toute réparation d‟un dommage
causé par elIe. Que l‟on suppose, par exemple, qu‟un aliéné, un malade dans un accês de fiêvre, ou un enfant ait
mis le feu à une maison, tué un animal ou blessé griêvement quelqu‟un, et qu‟ils soient dans une belle position de
fortune, tandis que la personne lésée est pauvre, ou n‟a pas cherché à se défendre par pitié pour l‟agresseur”).
Muito se discutiu, depois, se o princípio nôvo excetuava o da culpa, ou se era concessão ao da causa. Não há
dúvida que se atende à causa; mas os dois princípios, o da culpa e o da causa., exigem a capacidade delitual, o que
torna heterotópica a discussão: tem-se de discutir se é concessão ao principio da causa, que é relativo a
atos ilícitos, ou se é principio que se formula noutra classe de fatos jurídicos, a dos atos-fatos ilícitos. E a resposta
há de ser afirmativa do segundo enunciado. De jure condendo, seria acertado firmar-se o princípio, mas sem se
dar carta branca ao juiz, como fazem o Código suíço das Obrigações e o Código Civil alemão. Não há pensar-se
em semelhança com o ato em legitima defesa: a contrariedade a direito é pré-excluída, na legítima defesa e no
estado de necessidade, ao passo que não no é na espécie do Código suíço das Obrigações, art. 59, e do Código
Civil alemão, § 829. Tão-pouco, é de admitir-se que ainda exista em tais regras jurídicas, como pareceu a KARL
HEINSHEIMER (Die Haftung Unzurechnungsfilhiger nach § 829 des Bflrgerlichen Gesetzbuchs, Archiv 11W
die civilistieche Praxis, 95, 234 s.), resquícios do princípio da culpa.
Oproblema da responsabilidade extranegocial do doente mental foi pôsto no direito romano, a propósito da ação
da lei Aquilia. PÊGASo entendia que não respondia: não estando em seu juízo, Lque culpa havia nêle? Não há
ação contra êle, como não há, frisava-se, contra o quadrúpede, que causou o dano, ou contra a telha que caiu (L. 5,
§ 2, D., ad legem Aqui-liam, 9, 2). ULPIANO confirmou-o; e na L. 3, § 1, D., de iniuri is, 47, 10, explicitou-o, a
respeito da iniuria, como o fêz, expressivamente, POMPÚNIO, na L. 61, D., de administratione et periculo
tutorum a curatorum qui et famosis libeltia, gesserint vel non et de agentibus vel conveniendis uno vel piuribu,s,
26, 7. Cf. L. 13, § 1, D., de of ficio prassidis, 1, 18; L. 14 e L. 9, § 2, D., de lege Pompeja de parricid lis, 48,
9. Quanto à responsabilidade daqueles que têm a guarda, como os titulares do pátrio poder e os curadores, além
dos textos da XII Tábuas, L. 7, pr., e L. 6, D., curatoribus 1w-rioso et aliis extra minores dandis, 27, 10, L. 13, § 1,
e L. 14, D., de officio pra-esidia, 1, 18; cf. KARL ESMARCH (Ilõmische Recktsgesehich,te, 3.” ed., 61).
Algumas regras jurídicas tratavam dos intervalos lúcidos, lucidum intervailum, da intermissio e indutia (e. g., L.
6, D., de curatoribus furioso 4 aliis extra minores dandis, 27, 10, e L. 6, § 1, C., de curatore furiosi vel prodigi, 5,
70).

No direito germânico, a concepção da responsabilidade extracontratual pelos danos foi diametralmente oposta à
romana. Abstraia-se do elemento subjetivo; só importava o elemento objetivo: houve o dano, tem de ser
ressarcido. Tenha havido culpa, ou não tenha havido. Quem danificou tem de reparar o dano. Wer Sofladeu tut,

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musa Sefladeu beaseru. Cf.W. E. WILDA (Das Strafrecht der Germaneu, 552) e OTTO SToBBEH. O.
LEHMÂNN (Ilandbuch. des deutacheu Privatredita, ~ 3.‟~ cd., 508). A discriminação quanto à idade (doze anos)
foi posterior (Lex Salica, Título 28, § 6), quanto ao fre dum; Lex Frisionum, Título 3, § 70).
A responsabilidade do curador do louco era subsidiária, se houve culpa (cf. O. HAMMER, Die Lehre tom
Schadenersatz nach dem Sachacuspiegel und deu verwandten Rechtsqueflen, 97; sem razão, os que invertiam).
Com a introdução do direito romano, os juristas frisaram a diferença das concepções. Por exemplo, Auo. DE
LEYSER (Meditationes ad Pandectas, sp. 532, §§ 1-3) “lus Germanicum priscum furiosos delinquentes a poena
liberat, sed damnum datum restituere iubet; ius Romanum furiosos ab utroque liberat”.
Na doutrina do direito natural tentou-se restaurar o princípio germânico (e. g., CHRISTIANUS THoMAsIUS:
“Hodierna vero actio, larva legis Aquiliae ei detracta, talis amplius nou sit, igitur et illud necessario sequitur,
quod actio hodierna dari debeat adoersus furiosos”) ; J. G. HEINEccnis: “Nec dulium, actionem hodiernam de
damno dato etiam adversus furiosus et infantes dari, eatenus est damnum ab iis datum ex ecrum bonis
resarciatur”).
No direito territorial prussiano, a responsabilidade dos incapazes passou a ser subsidiária: se os bens dos pais,
tutôres ou curadores não bastavam para o ressarcimento (cf. GUSTAV ALEx. l3rELrrz, Praktischer Kommentar
zuni. alígem. Landrechte fur die preussiacheu Staat eu, 1, 248; ERNST FERDINAND KLETN, System des
preussiecheu Civilrechts, 1, 188 s.; .1. W.J.BORNEMANN, Systema.tische Darstellung des Preussischen
Civilrechts, 1, 88, e II, 172).
Tudo isso mostra que há problema de doutrina e de técnica legislativa, que foi tratado com demasiado apêgo a um
011 outro. No direito francês, por exemplo.
A.SOURDAT (1‟raité général de la Responsabiflté ou de 1/acUou eu dommages interêta eu dehors des contrata,
1, 9 s.> reputava caso fortuito o ato do louco e repelia que se fizesse recair sôbre o seu patrimônio o dano (idem,
A. DULiÂNTON, Coura de Droit français suivant le Code Civil, VII, 504, e outros). Reagiu M. TEISSEIRE
(Essai d‟une Théorie générale sur te Fondenvent de la Responsabitité, 319 s.). ,Que importa à vítima perguntava
êle que tenha sido lesada por um louco ou por algum homem com juízo? E dava, claramente, a sua opinião: “II
faudrait donc peut-être détruire ce dernier vestige du point de vue individualiste et admettre la responsabilité du
fou et de l‟enfant. On peut déjà relever des traces de cette audacieuse conception. Le fou est souvent livré à
Iuimême. Sa folie même peut le pousser à des actes dangereux. Et sa personnalité n‟est-elle pas três accentuée
même que beaucoup de personnalités raisonnables ?“ Depois de muitas considerações: “L‟individu ne serait plus
atteint parce qu‟il a une volonté, mais parce qu‟il a un patrimoine, parce qu‟il représente et symbolise ce
patrimoine”. Muitos seguiram o mesmo caminho (e. q., MARCEL PLÂNIOL, E. HERMANcE, E. PERREÂU,
II. PASCÂUD).
No Código Civil austríaco, § 1.307 (Novela III, art. 157), diz-se que, se alguém se pôs, por sua culpa, em estado
de não se poder conter, ou se pôs em estado de perigo, o dano que causa é imputável à sua culpa. A regra incide
quanto ao terceiro que isso provocou. No § 1.308 (Novela III, art. 158), acrescenta-se que, se alienados, imbecis,
ou crianças de menos de sete anos causam dano a alguém, que, qualquer que seja a culpa, lhe deu ensejo, não pode
êsse exigir ressarcimento. No §1.309, estatui-se, fora daí, quanto à responsabilidade dos que tem o dever de
vigilância. O § 1.310, êsse, fere o assunto, na esteira do direito territorial prussiano (cf. JOSEF MAUCZKA, Der
Rechtsgrund des Schadenersatz ausserhalb bestehender Schuldverhã.ltnisse, 320 s.) : “Se a vítima não pode, de
qualquer maneira, receber a indenização, deve o juiz, decidir se cabe indenização total, ou só parcial e eqUidosa,
se culpa não cabe, no caso determinado, a quem causou o dano, mesmo se não tem habitualmente o uso da razão,
ou se a vítima não renomeia à defesa para poupar o autor do dano, ou, finalmente,tomar em conta & fortuna do
autor do dano e a da vítima (endlich mit Rúcksicht auf des Vernióben des Beschãdigers und des Beschãdigten).
Foi evidente a influência nos Cantões suíços (Código Civil de Berna, 1824, regra 971; de Lucerna, 1931-1939, §§
724- 726; de Soiothurn, 1841, 1847, §§ 1.371 e 1.372; e de Argau, 1847, 1856, § 807). No Código de Direito
privado do Cantão de Zurique, 1853, 1856, ~§ 1.835, 1.872 e 1.873, há a indenização conforme o arbítrio do juiz.
No Código federal suíço das Obrigações, art. 54 (antigo art. 58), pôs-se a regra jurídica de poder o juiz, se a
eqúidade lho exige, condenar pessoa, mesmo se incapaz de discernimento, à reparação total ou parcial do dano
que ela causou. As criticas ao texto suíço, antes da promulgação do Código federal das Obrigações e depois,
foram vivas, como contrário aos princípios; mas os defensores foram muitos.
Admitido que possa o juiz, após apreciar as circunstâncias e a diferença entre os patrimônios, inclusive a falta de
responsável pela vigilância do ofensor ou a insuficiência dos meios econômicos, condenar o incapaz ao
ressarcimento, surge o problema da ratio legis. A teoria da culpa seria incabível. Ter-se-ia de recorrer à ficção
(teoria da ficção, lançada por HEINROTH. Cf. ADoLPH DIETER WEBER (ttber Iujurien uud Schmãhsckriften,

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ga ed., 66, nota).
Diferente a teoria de KARL HEINSHEIMER (tiber die Haftung Unzurechnungsfãhiger nach des EGE., § 829,
Archiv filr die civilistisehe Pra xis, 95, 234 s.), que tem a responsabilidade por eqflidade como firmada nos
elementos objetivo e subjetivo do suporte fáctico delitual, abstraindo-se da integridade mental do agente. O que
importa é que tenha havido o dano e o ser humano o haja causado. Aos mesmos resultados chegou Ltmwro
TaXant. Aproximadamente, antes, GUSTÂV RÚMELIN (Culpahaftung und Kausalhaftung, Archiv fier die
civilistisch,e Praxis, 88, 285 s.), e FRÂNZ EERNHÓFT (Das EGE. aIs Grundlages des ktinftig‟en Rechts,
Reitrâge zur Áusle.qung dea BGB., 1, 8). Contra, 3. CnR. SCHWARTZ (Das Rulligkeitsnrteil des §
829 RUa., 14).
A teoria da causalidade pura seria suficiente se a regra jurídica não fôsse de arbítrio judicial. A teoria do risco,
também; e estar-se-ia a pôr no mesmo plano a responsabilidade pelo ato do animal e pelo do homem (cf. A. E. J.
THIBAUT, Vers‟uche ilber ejuzeine Teile der Theorie des rõmischen Redita, II, 186).
A teoria da reparticão objetiva dos danos permitiria expiicação ua responsabilidade da pessoa com dever de
vigilância e da responsabilidade do louco, com a atenção à política dos necessitados (cf. ANToN MENCER, Das
biergerliche Recht und bcsitztosén Volicsklassen, 192).
Frise-se que a regra jurídica especial afasta a indenizacão que teria o lesado contra o agente sem discernimento,
em caso de se equiparar o seu ato a ato em estado de necessidade. Aliás, contra o doente mental há a pré-exclusão
da delituosidade por legitima defesa ou em estado de necessidade (Código Civil, arts. 160, 1 e II, 1.519 e 1.520).
Cp. EBLER RITTER Faz. ALOYS v. ZEILLER (Das natiiríiche Privatrecht, 186).
A regra jurídica especial tem a vantagem de concorrer para que diminua o número de atentados por parte de
anormais, pois o cuidado e a vigilância por êles há de aumentar (cf. EDIIAED GEISER, Úber
ausserlcontraktliche Haftung Geisteskranlcer, 82).
Se a regra jurídica alude a ser maior a fortuna do ofensor do que a do ofendido, levanta-se a questão de haver, ou
não, ação de indenização em caso de igualdade. Três respostas:
a) negativa (M. vON STUBENRAUCH, Komrnentar zunt aligemeinen õsterreiehisehen Bhirgerlichen
Gesetzbueh, III, 527 s.)
b) afirmativa, quanto à metade do valor dos danos (ErLER RITTER Faz. ALoys v. ZEILLER, Kornmeutar iiber
das allgemeine bitrgerlíúlte Gesetzbuch, III, 734 s.) ; e) “maior” e “igual” têm o mesmo trato, salvo se se deixaria
sem meios o lesante.
A responsabilidade é subsidiária. Se não há responsável pela vigilância, cabe a ação. Se há, mas os seus meios são
in suficientes, responde o autor do dano.
Se o lesado foi o doente mental e o autor do dano alega que obrou em legítima defesa, tem de ser examinado o
caso, porque o autor do dano pode não ser responsável.
Se a lesão foi oriunda de causação dos dois, tem-se de verificar a medida dos danos.
~Qual a solução no direito brasileiro?

Devemos ter precisão na redação da regra jurídica que havemos de considerar inserta no sistema jurídico
brasileiro. Primeiramente, repitamos que se trata de ato-fato ilícito. Qualquer que seja a idade ou o estado mental
se o ato proveio do incapaz, tem-se de considerar existente o direito à reparação se se compõe o suporte fáctico da
regra jurídica não escrita. Tal regra jurídica pode ser expressa nos seguintes termos: Se o ato do incapaz não deu
ensejo à responsabilidade de outrem, como o pai, a mãe, o tutor, o curador, ou a emprêsa de hospital ou hospício,
ou se tal responsável não tem meios para pagar a indenização, e o incapaz que a tivesse de prestar não ficaria sem
meios para viver no mesmo nível do lesado antes do dano, é legitimado passivo na ação de ressarcimento pelo
ato-fato ilícito.

2. RESPONSABILIDADE TRANSUBJETIVA No sistema do direito civil brasileiro, a responsabilidade pelo


ato, positivo ou negativo, de outrem, é transubjetiva. Não adotamos a responsabilidade dita objetiva. Nem a
respeito do art. 1.521, incisos 1 e II, do Código Civil, nem a respeito do inciso V, nem a respeito dos incisos III e
IV: aqui, tem-se de supor a culpa na escolha, ou na vigilância, ou outra culpa semelhante; acolá, presume-se a
culpa in vigilando (1 e II); ali, apenas se explicita a ação do lesado (V). Os arts. 1.521, 1-1V, e 1.523, nenhuma
exceção trazem ao princípio da responsabilidade pelo ato, positivo ou negativo, de outrem, fundado na culpa.
Apenas se regula a prova. Ora a prova incumbe ao autor, ora ao réu.
As dificuldades mais resultam de não se atender a que ha suportes fácticos diferentes nos inciso5 1, II, III e IV do
art. 1.521 do Código Civil, e a que as objeções do demandado é que podem afastar ou não a presunção juris

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tantum da responsabilidade Nas espécies do inciso 1, o demandante tem de alegar a paternidade ou a maternidade
e ou a companhia, bem como a menoridade do lesante. Nas espécies do inciso li, dá-se o mesmo quanto à
investidura da tutela ou da curatela, como de ser menor ou curatelado o agente. Nas espécies do inciso 1H, o que
importa é a relação jurídica entre o empregador (senso largo) e o empregado (senso largo) e o exercido do
trabalho. Nas espécies do inciso IV, a relação jurídica já irradiada ou por irradiar-se (e. g., freguês ou cliente que
ainda está a satisfazer as exigências da portaria) passa à frente, mas há os elementos fácticos da entrada da pessoa
e das bagagens ou outros bens.
A responsabilidade do art. 1.521, 1-1V, é própria, por culpa própria, e não por culpa alheia; por isso mesmo, o pai,
a mãe, o tutor, o curador, a pessoa que tem a guarda do menor absolutamente incapaz, ou o curador da pessoa
absolutamente incapaz responde. O ônus da prova é que se não regula igualmente para todas as espécies; os
incisos 1 e II foram tratados um tanto diferentemente dos incisos 1H e IV. O que a técnica legislativa procurou
estabelecer foi a diferença da atribuição do anus probandi, nas espécies do art. 1.521, 1-1V.

3.ÔNUS DA PROVA. Nenhum texto posterior resolveu a questão doutrinária de ser a alusão do art. 1.523 aos
outros incisos inoperante, ou não, para se entender invertido ~ ônus da prova.
Quanto aos arts. 1.524 e 1.525, 1a parte, nenhuma presunção legal contêm êles. Quanto ao art. 1.525, 2a parte,
os arts. 63-67 do Código de Processo Penal vieram alterar o sistema do Código Civil. Dizia o art. 1.525, 23 parte:
“não se poderá, porém, questionar mais sôbre a existência do fato, ou quem seja o seu autor, quando estas
questões se acharem decididas no crime”. No Código Penal, art. 74, 1, disse-se que são efeitos da (sentença de)
condenação “tornar certa a obrigação de indenizar o dano resultante do crime”. Depois, o Código de Processo
Penal foi mais longe. Distinguiremos os dois sistemas.

4.SEGUROs. Nenhuma quantia ou pensão recebida em virtude de seguro afasta a indenização por fato ilícito
absoluto (no sentido da jurisprudência dc Supremo Tribunal Federal, a 43 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de
São Paulo, a 20 de março de 1952, 1?. dos T., 200, 380).
Se quem pode vir a ser responsável pelo dano sofrido por outrem, em virtude do art. 1.521, 1-1V, conclui contrato
de seguro, com isso não se livra da responsabilidade, salvo se há lex specialis.

§ 5.506. Incidência do direito penal e do direito privado, no tocante a responsabilidade negocial e extranegocial

1.DISTINÇÕES QUE SE APRESENTAM. Em princípio, para a técnica legislativa, as duas responsabilidades, a


delitual e a contratual, são distintas. ~ó o Código Civil português e o Código suiço das Obrigações pretenderam a
unificação. Mas, em geral, as legislações recentes procuram evitar as discrepâncias . Diz o Código Civil
português, art. 2.393: “A responsabilidade, proveniente da não execução dos contratos, regular-se-á pelas
disposições dos arts. 702 e seguintes; a responsabilidade, que derivar de quaisquer outras obrigações, reger-se-á
pelos mesmos princípios em tudo aquilo a que êstes forem aplicáveis”.
No direito inglês, se é a mesma a extensão em caso de tort e em caso de breach of oontract, é inegável a distinção.
O ônus da prova cabe, nos torta, ao credor, salvo se há presunção de negligência; nos contra eta, ao devedor, a
quem incumbe provar que não houve culpa na inexecução. A regra juridica actio yer8oflaZu racritur «um
persona domina o direito dos torta. Não se aplica, como princípio, aos contratos. Nos torta, as perdas e danos são
exemplary. O rompimento do contrato de esponsais excepcionalmente recebe a aplicação da regra actio
personalis moritur cum persona e da indenização dos exemplar~ damages. Pode haver, no mesmo ato, brcach of
cnntraet e tort; cabe ao lesado a escolha da ação (E. JENES, A Digest of English Civil Law, II, 336). O que
constituIria injury, ainda se não houvesse contrato, é tort. Pode o ato suscitar a ação ex contraetu contra uma
pessoa e ex delioto contra outra. O cúmplice da violação de um contrato pode ter de responder pelo tort, e pela
infração contratual o contraente (Luvalyse versus Gye, 1953). Na inexecução de um contrato, pode acontecer que
terceiro goze de ação ex delicto contra o contraente.
No direito austríaco, o Código Civil (1811) estatui que há o dever de reparar o dano causado por culpa, quer
provenha da relação de um contrato (dever fundado em convenção), quer não se reporte a violação de contrato (§
1.295). O que pretende ter sido impedido, sem culpa sua, de executar obrigação resultante da lei ou do contrato,
deve prová-lo

(§ 1.298). Mas o § 1.296, que se refere aos delitos, estatui que se presume, na dúvida, ter sido sem culpa o dano

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ocorrido. Têm-se de provar o fato e a culpa, ao contrário do que ocorre com a execução das obrigações contratuais
(§ 1.298).
No direito espanhol, há o art. 1.092 que diz: “Las obligaciones civiles que nazcan de los delitos ó faltas se regirán
por laz disposiciones del Código penal”. E o art. 1.093: “Las que
~wriven de actos á omissiones en que intervenga culpa érú-jigencia no penadas por la ley, quedarán sometidas à
las çi!snosiciones del cap. II deI titulo XVI de este libro”. Adiante, no art. 1.214: “Incumbe la prueba de las
obligaciones aí que reclama su cumplimiente, y la de su extinción aí que la opone”.
No direito alemão, a seção 1 do Livro II do Código Civil alemão, §§ 241-304, compreende o “conteúdo das
relações obrigacionais” (Inhalt der Schuldverhãltnisse). Só após vem a seção TI relativa a “relações de obrigações
que se originam do contrato” (Schuldverhãltnisse aus Vertrãgen). De modo que aquela seção é geral, e essa, não;
aquela atinge os atos ilícitos, essa se limita aos contratos. Algumas exceções (§§ 847, 843-845 e 912, alínea 2.~)
constituem limitações à generalidade da seção 1. Quanto aos prepostos, há duas regras jurídicas: a) Quanto à
responsabilidade contratual, o § 278, 1a parte, estatui que o devedor responde pelas faltas dos representantes
legais e das pessoas de que se serve para a execução da prestação, na mesma medida em que responderia pela
própria falta. O § 278 não se aplica aos casos de culpa in contrahendo, nem de culpa delictual. Daí a colocação
dêle sob o titulo I/erpfliehtung zur Leistung (dever de prestar). O §120 é une se aplica às inexatas transmissões de
declarações de vontade. Não há possibilidade de prova liberatória. b) Quanto a responsabilidade delitual, o § 831
permite a prova liberatória de ter havido todo o cuidado exigido pelas relações de uso, ou de haver acontecido o
dano, ainda que todo o cuidado tivesse havido.
Diz o § 831: “O que pre põe outra pessoa para a execução de um trabalho (Verrichtung), é obrigado à reparação
do dano que estoutro cause, ilegalmente (widerrechtlích), a terceiro, nesta execução. Não cabe a obrigação de
indenizar se o dominus negotii (Cescbiiftsherr), na escolha da pessoa preposta, e, quando deva fornecer aparelhos
ou instrumentos ou dirigir a execução, tenha tido, no fornecer ou dirigir, todo o cuidado exigido pelo uso, ou se o
dano também ocorreria no caso de aplicação dêsse cuidado”. O § 831 não constitui exceção ao princípio do § 278.
E apenas regra para os casos em que o § 278 não caiba. Se a relação violada é a contratual, ou não, deve ser
decidido pelas circunstàncias do caso.
No direito suíço, o art. 99, alínea g~a, do Código suíço das Obrigações, diz que as regras relativas à
responsabilidade por atos ilícitos por analogia se aplicam aos efeitos da culpa contratual. Fala-se de “Mass der
Haftung”, isto é a fixação do dano e de determinação da indenidade. Há os arts. 42-44 sôbre extensão dos danos;
e outros, como os arts. 97, 45-47 (quando a contrato de transporte) e o art. 49. Seria errado aplicar-se o art. 50,
pois, havendo muitos devedores e não execução por parte de todos, a responsabilidade dêles (individual ou
solidária) é pelos termos e pela natureza da convenção que se rege.
No direito brasileiro do Império, a reparação dos danos em caso de ilicitude absoluta foi regulada pelo Código
Criminal, arts. 21-32, sob o titulo de “satisfação”, a despeito de se tratar de direito civil. Não obstante a absurda
colocação, houve defensores (e. g., JosÉ DA SILVA COSTA, Estudo teórico e prático sôbre a Satisfação do
dano, 2Y ed., 12 s.).
Algumas diferenças, que se apontam para a responsabilidado contratual e a delítual, são falsas. a) A culpa é a
mesma, para a infração contratual e para a delitual. O adágico in lego Aquilia et levissima culpa venit não
significa que deva ser mais grave a culpa contratual. A própria culpa in concreto só aparece em certos contratos, e.
g., arts. 774 (credor pignoraticio), 1.192, II (locatário), 1.267 (depositário), 1.284-1.285 (hospedeiro,
estalajadeiro), 1.386 (gestor de negócios), 1.251 (comodatário), 1.300 (mandatário). Não é critério geral dos
contratos. b) Ambas podem resultar de atos e de omissões. Obrigações de fazer, de dar; obrigações de não fazer,
de não dar. Atos ilícitos positivos, atos ilícitos negativos. c) Quanto às cláusulas exoneratívas, se há distinções
entre as responsabilidades delituais e as contratuais, também as há entre aquelas,
como espécies, e entre essas. Portanto, algumas vêzes, o critério distintivo falharia.
Apontam-se como diferenças, no direito positivo: a) quanto ao fôro: para a responsabilidade delitual, seria o do
delito ou o do domicílio do réu, à escolha; para a contratual, a do domicílio do réu ou o previsto no contrato (.~,
mas será isso verdadeira diferença?) ; b) quanto à mora: “Nas obrigações provenientes de delito”, diz o Código
Civil, art. 962, “considera-se o devedor em mora desde que o perpetrou”; por isso mesmo é de importância
verificar-se se houve culpa contratual ou culpa extracontratual. Diz o Código Civil, art. 1.064: “Ainda que se não
alegue prejuízo, é obrigado o devedor aos juros de mora, que se contarão assim às dívidas em dinheiro, como às
prestações de outra natureza, desde que lhes esteja fixado o valor pecuniário por sentença judicial, arbitramento,
ou acôrdo entre as partes”. E no art. 1.536, § 2i‟: “Contam-se os juros de mora, nas obrigações ilíquidas, desde a
citação inicial”. No art. 962: “Nas obrigações provenientes de delito, considera-se o devedor em mora desde que

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o perpetrou”. No caso de obrigações ex delicto que, na terminologia do Código Civil, compreende toda
responsabilidade por fatos ilícitos contam-se os juros desde a perpetração, quer se trate de ato positivo, quer de
ato negativo. Resta saber-se se a responsabilidade civil fora dos atos ilícitos como, por exemplo, no caso de
necessidade (Código Civil, art. 1.520 e 1.519), se rege pelo art. 962, ou pelo art. 1.064. Não se trata de delito;
portanto, há lacuna da lei. Mas o fundamento do art. 962 é o de correrem por conta do devedor os riscos da coisa
devida. A questão torna-se delicada. No EsbOço, art. 1.073, dizia TEIXEIRA DE FREITAS: “Se a obrigação fôr
de indenizar dano causado por delitos, ou ofensas, ficará o devedor constituído em mora desde o dia do delito, ou
ofensa”. Procurou conciliar o direito civil com o criminal, pois o Código Criminal então vigente, no art. 26,
estatuia que se contassem os juros desde o momento do crime. No Projeto primitivo, art. 1.103, só se falou em
delito. ~ E as ofensas sem delituosidade, sem ilicitude? Viu-as e a elas proveu o Esbóço; parece que não as
enxergou projeto, nem o Código Civil. Quid inris? ~Há mora ex ré nos danos causados pela pessoa a que a lei não
imputa ato ilícito?

mora do art.7 962 concerne ao delito, ou a todos os danos causados? A lei não diz; porém havemos de assentar
que, não havendo culpa, do ato se contem os interesses . Contra o culpado, não podem deixar de correr os juros,
segundo o art. 962. Se a obrigação é mais contratual que extracontratual, a linha divisória dificilmente se vê e há
muito de opinativo nas apreciações: não incide o art. 962. Se há possibilidade de escolha das ações, a que diz
respeito à infração do contrato e a nascente do delito, dá-se a contagem segundo a ação proposta. c) Quanto ao
ánus da prova: cabe ao devedor, se houve inexecução; ao credor em conseqUência do delito, se invoca os danos.
Mas provar a inexecução é fazer a metade da prova da culpa. Demais, se a obrigação é negativa, o ônus cabe ao
devedor, numa e noutra. Na positiva, ao credor. De modo que, numa e noutra responsabilidade, o ôllus cabe ao
autor.
Na França, menciona-se como verdadeiro elemento de distinção a inaplicabilidade do art. 1.150 do Código Civil
francês aos delitos.
O art. 1.150 do Código Civil francês é aquêle em que se diz que o devedor só se vincula (n‟est tenu que) pelos
danos e interesses que provieram ou que possam provir, salvo se o inadimplemento resulta do dolo.
Dano é qualquer lesão ou dano à pessoa ou a algum bem ou interesse. Pode ser ao credor e dar ensejo à
responsabilidade negocial, ou à responsabilidade pelo ato ilícito absoluto, ou ato-fato ilícito absoluto ou fato
ilícito stricto sensu absoluto. Se ocorre essa, não há relevância a distinção entre lesão à relação jurídica negocial e
a lesão ao direito ou interesse, porque pode essa ser ao direito, à pretensão ou à ação do credor, sem se tratar de
violação da relação jurídica preexistente, O que não se pode reger pelo direito concernente aos atos ilícitos
absolutos é a ofensa à relação jurídica negocial. As próprias regras jurídicas sôbre capacidade do agente são
diferentes. Em princípio, porque é o que mais acontece, a lesão atinge a relação jurídica que há entre o agente e o
lesado, razão por que a ação de indenização por ato ilícito absoluto é improponível. Isso não afasta que não se
trate de lesão à relação jurídica entre os interessados ou que haja tal lesão simulttaneo ou ao lado de ofensa que
componha o suporte láctico do ato ilícito absoluto, ou do ato-lato ilícito absoluto ou do fato ilícito stricto sensa
absoluto. Não importa se a relação jurídica preexistente é privatística ou publicística, ou se não é prôptiamente
negocial, como se resultou ex lege.
Havia a opinião que de modo nenhum via responsabilidade extranegocial nascida de atingimento de direitos de
origem negocial (e. g., KARL LINCKELMANN, Die Schadenersatzpfuicht aus unerlaubten flandtung, 20 5.; E.
ECK, Vorírtige ilber das Reckt des 13GB., 1, 601; ERICH JUNO, Delikt und Schadensverursach,ung, 25).
Repeliu-se tal atitude, na doutrina dominante (e. g., F. voN LISZT, Die Deliktsobligationen, 12 e 18; II.
DERNBURG, Dais Biirgerliche Recht, II, 1878; GUSTÂv MULLER und GEORO MEIXEL, Das Ehirgerliche
Recht, 2~a ed., 659; com fundamentação completa, Oro CHRISTIAN FISCHER, Die Verletzung des
Glãubigersrechts ais unerlaubte Handlung, 96-103).
Se o direito já nasceu, sem a lesão ser a pretensão, ou ação ou exceção, que dêle haja de nascer, ou se já nasceu a
pretensão, sem dela ter de nascer ação, ou exceção, sem que ao crédito possa haver efeito dependente da sua
vontade, houve integração definitiva no patrimônio. Ato positivo, ou negativo, do devedor qu o ofenda, ou ofenda
a pessoa do credor, é ato ilícito absoluto.
Muitos entendiam que falar-se de ação para reparação de danos causados por ato ilícito absoluto se há relação
jurídica entre o lesante e o lesado é contradição. Ora, se o transportador, o motorista do táxi, por exemplo, furta a
carteira do passageiro, a ofensa extranegocial é evidente. O ato intendonal da vítima, para obter a prestação do
seguro, é ilícito absoluto, e não de violação contratual (cf. O. DUPONT, De la Responsabilité en. matiêre
d‟accidents d‟automobile, 82).

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A pessoa que se diz procurador com podêres para a conclusão de negócio jurídico e não os tem, se não se
vinculou, nem o dono do negócio se vinculou, responde pelo ato ilícito al)soluto. É sem relevância, hoje, no
tocante a actio institoria, a discussão a propósito da solução romana (cf. O. MANDRY, Das gemeine
Futmilienrecht, II, 600 s.; contra, ELSÂSSER, tlber die institorisefle Klage, 17 s.; cf. SIEGMUNI)
SCHIOSSMANN, Das Kontrahieren mit oflener Voihnackt, 217 s.).

A venda do bem de outrem é contrato de compra-e-venda, mas a negociabilidade não afasta, perante o terceiro,
dono do bem, a ilícitude absoluta do ato. Há ato ilícito absoluto, com o dever de reparação, além dos deveres
decorrentes da reivindicabilidade. A ofensa pode ser ao possuidor próprio, que não seja proprietário. Enquanto o
comprador de boa fé não adquire a propriedade, ou mesmo o de má fé, pela expiração do prazo para a
reivindicação (pois o comprador usucapiria), a venda do bem de outrem é ineficaz, e não nula, como se costuma
dizer noutros sistemas jurídicos. O vendedor vinculou-se perante o comprador, e seria absurdo que pudesse alegar
a nulidade por ter vendido o que não era seu (certo, E. ARNTZ, Cours de Droit Civil français, II, 402, que aliás
falava de nulidade relativa, termo impróprio; sem razão, DANIEL DE FOLLDVILLE, Essai sur la Vente de la
chose d‟aut rui, 89 s.).
Sôbre mandatário, comodatário, vendedor, credor com direito de penhor, locatário e gestor de negócios, cf. JoH.
CAsP. GEN5LER (Exercttationes juris civilis ad Doctrina de culpa, 11 s.).
O inadimplemento de obrigação, de origem negocial, pode dar ensejo à responsabilidade por ato ilícito absoluto,
como se A, que deve a 13, sabe que E conta com o dinheiro para pagar a C, que o ameaça de pedido de decretação
de abertura de falência, e somente por isso A, que ia solver a dívida, deixa de fazê-lo. Aí, o dolo foi estranho à
relação jurídica contratual e a indenização pode ser por ato ilícito absoluto, à parte das conseqUências da venda.
Aliter, se a obrigação é correal e só um dos devedores praticou o ato ilícito absoluto, porque cada obrigação é
separada, a despeito da causalidade (cf. CARL HoFFSÚMMER, Haftung eines Korrealschuldners fhir culpa und
mora des Anderen, 11 s.).
A quitação é ato jurídico síricto sensu (Tomos II, § 159, in fine; XXIV, §§ 2.889, 5; 2.909, 8; 2.913-2.921). Já
assim se haveria de entender no direito grego, pôsto que os juristas historiadores não se hajam preocupado com
classificá-la entre os fatos jurídicos (cp. L. MITTEIs, Reichsrecht und Voiksrecht, 468, 1; EUCÊNE
R~vILLoUD, Les Obligations en Droit égyptien campa ré aia antres Droits de Pan tiquité, 81 s.). Havia a im
pressão digital, como o protocolo do ato oral de quitação. Não se há de confundir com a apodia e o pactunt de non
pretendo.
Quem entrega quitação falsa, ou seja o devedor ou alguém por êle, comete ato ilícito absoluto. Só o devedor ou
quem o presente ou represente pode dar quitação: tem de assiná-la. Não há negócio jurídico. Há ação para que o
credor, que recebeu, a dê (cf. BRENNO FRESE, Zur Lehre von der Quittung, 281). A declaração de que a
quitação foi falsa mostra que o ato de afirmá-lo podia ser ilícito absoluto.
A alienação, com fraude, com prejuízo dos credores, em direito romano (Tomo IV, §§ 483, 488 e 490) e na
técnica legislativa posterior (§§ 484-487, 489, 490-504), dá ensejo a ações específicas. Fora delas, pode haver a
ação de indenização, porque não cabe (ou não mais cabe), ex kypothesi, a restitutio in integrum, nem a
revocatória, que correspondem ao interdictum fraudatorium, exercivel pelos credores, e a restitutio sómente pelo
curator bonorum, pôsto que, depois da alienação da massa, houvesse a actia rescissoria pelos credores. A acUo
Pauliana, que é do direito justinianeu, era proponível pelos credores e pelo curator bonorum (cf. J. J. EMIL
ZURcHER, Die Actio Pauliana, 6 s.).
Aqui temos de abstrair da invalidade do ato, ou ineficácia, porque só interessa a ilicitude absoluta. Não é preciso
que já esteja pedida a decretação da abertura do concurso. Basta que se haja dado garantia a crédito já existente,
de jeito a prejudicar alguém.
Sôbre a responsabilidade extranegocial do vendedor, ToIno XXXIX, § 4.886, 5.
Sôbre a responsabilidade das emprêsas de navegação, perante terceiros, Tomo XLVIII, § 5.146.
~Têm campos distintos as duas responsabilidades? Nos casos em que se fala da culpa iii concreto (Código Civil,
artigo 774, 1.192, II, 1.267, 1.284, 1.285, 1.386, 1.251 e 1.300),
~ pode ser invocada a responsabilidade fundada na culpa in abstracto? Não; seria tornar inútil o texto da lei. Seria
mais:
seria querer-se completar uma responsabilidade com a outra. Repugnaria à independência deixada aos figurantes.
O que se pretende é bem ou mal, pois não se fala de liEge fereurida atenuar a responsabilidade: os contratos
criariam inextrincáveis rêdes de interesses lesáveis. Mas, 2.se o ato é separado? A reparação de que cogita o art.
1.518 pode ser pedida. Se a infração contratual é delito penal, cabem duas ações: ao autor, escolher. No caso de

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inexecução por dolo, C. SAINCTELETTE (De ia Respon.sabilité et de la Garantie, 18 s.) afirmava a dualidade de
ação no caso de transporte.
O que não permanece em dúvida é a necessidade de proverem as legislações à unificação das duas
responsabilidades, a fim de se afastarem distinções escolásticas, sutilezas e incertezas indestrutíveis. O domínio
do optativo é sempre prejudicial e é o que resulta da técnica legislativa consagradora da dualidade. As
responsabilidades pelo fato de coisas e de animais, ou por atos de outrem, aplicam-se entre contraentes. O
contrato não as exclui, só por si; mas, dadas certas circunstâncias, é possível afastarem-se por alguma cláusula
expressa. Pode também ocorrer violação de contrato por uma das pessoas designadas no art. 1.521, 1-1V. Então,
só há violação contratual, e não responsabilidade delitual: a) Se o preposto ou filho ou hóspede, ou outra pessoa
que se insira naquela regra jurídica, apenas procede com má execução do contrato. Não se dá o mesmo quando o
contrato só deu ensejo ao ato; e. g., o preposto joga contra outrem objeto depositado, e quebra-o. Há ação do
depositante contra o preposto (Côrte do Banco do Rei de Montreal, 29 de dezembro de 1928). E há a ação contra
o comitente, fundada no Código Civil, art. 1.521, se no exercício do trabalho se deu o fato ou por ocast~o déie;
b) Se o ato só em execução do contrato poderia ser praticado. Nos casos de dualidade, ao autor cabe a escolha da
ação; não pode cumular as ações. Mas há circunstâncias que permitem, excepcionalmente, a cumulação; e. g.,
ação de nulidade contra o incapaz e ação de in rem verso, fundada no art. 157 do Código Civil: “Ninguém pode
reclamar o que, por uma obrigação anulada pagou a um incapaz, se não provar que reverteu em proveito dêle a
importância paga”; ações separáveis, porque o dano do contrato concerne a determinado prejuízo e o dano da
culpa extracontratual recai em tOda a esfera jurídica do lesado quando a dualidade deriva da pessoa do lesante e
nêle estão duas pessoas, por bem diber distintas. A responsabilidade pede ser contratual em relação a A e delitual
em relação a 13. Se na mesma pessoa estão ambas, claro é que se podem cumular as ações.
Pelo ferimento recebido por A em acidente de ônibus em
que viaja, é contratual a responsabilidade da emprêsa; mas é delitual a responsabilidade dela em relação aos
parentes lesados pela morte de A. Se um vizinho comete atos que excedem os inconvenientes ordinários da
vizinhança, o locatário pude acionar o vizinho e também o locador. Se terceiro se faz cúmplice da violação de um
contrato, delitual é a sua responsabilidade e contratual a do contraente (PIERRE HUGUENEY, Responsabilité du
tiers caiu plice de la vioíation d‟une obligation contraetuelle, 24 s.), mas a dêsse pode ser delitual e contratual,
segundo já dissemos. O sublocatário responde contratualmente pelo incêndio em relação ao locatário e êsse ao
proprietário; mas também o proprietário tem ação pela responsabilidade delitual contra aquêle. Diz o Código
Civil, art. 1.208:
“Responderá o locatário pelo incêndio do prédio, se não provar caso fortuito ou fôrça maior, vicio de construção
ou propagação de fôgo originado em outro prédio”. E no parágrafo único: “Se o prédio tiver mais de um inquilino,
todos responderão pelo incêndio, inclusive o locador, se nêle habitar, cada um em proporção da parte que ocupe,
exceto provando-se ter começado o incêndio na utilizada por um só morador, que será então o único
responsável”. No caso de incêndio na casa A, locada, que se transmite à casa B do mesmo proprietário locador, há
duas responsabilidades distintas: uma, contratual, fundada no art. 1.208 do Código Civil; outra, com base no
artigo 1.518 (responsabilidade delitual). O ônus da prova é diferente, segundo a lei.
Os herdeiros de um viajante, vítima de culpa do capitão do navio, ou dirigente de outro transporte, têm duas ações
à escolha: a) a ação contratual, herdada do defunto; b) a ação delitual, que lhes vem diretamente.

O direito tende a eliminar os resquícios de delito penal que há no conceito de delito civil (diminuição do quantum
despótico), tanto mais quanto vemos, a cada momento, leis que estabelecem a responsabilidade, com presunção
inris tantum, pelos riscos, ou a responsabilidade objetiva.

t possível, portanto, esperar-se que se apaguem as distinções entre a responsabilidade delitual e a


responsabilidade negocial, de modo que se crie, por sôbre elas, mais sólida-mente, outro sistema, unitário, de
reparação fundada na culpa ou em equilíbrio material de posições jurídicas. A dualidade perderia quase todo o
sentido atual. Mas, se isso pode ser esperado dos fatos, da evolução, não surgiu ainda nas construções unitárias
artificiais. Assim: a) dizer-se que, se impossível, por culpa do devedor, a execução de um contrato, se extingue a
dívida por falta de objeto (arg. do Código Civil francês, art. 1.802), e a obrigação que nasce é pioduzida pela lei e
obedece ao art. 1.382 (J. GLIANUMOULIN, Nature délictuelte de la Responsabilité pour violation des
obligations contractwcíles, 7), e b) invocar-se o art. 1.184 do Código Civil francês, que considera o contrato como
lei entre os figurantes e a lei como espécie de contrato, são tautologias e construções artificiais, que se têm de
repelir (cp. 41. AUrnN, Responsabilité délictuefle et Responsabilité contractuelle, 44).

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2.JULGAMENTO CRIMINAL E COISA JULGADA. (a) Na esteira por que passou, depois, a Lei n. 261, de 8 de
dezembro de 1941 (art. 68, 23 parte: “Não se poderá, porém, questionar mais sôbre a existência do fato e sôbre
quem seja seu autor quando essas questões se acharem decididas no crime”),
o Código Civil (art. 1.525) obstava a que se rediscutisse no juízo cível o que se decidira, no juízo criminal, quanto
à existência do fato (res judicata in rem concepta), ou quanto a quem foi o autor (res indicata in personam
concepta). Existência, ou não-existência, entenda-se; autoria, ou não-autoria. Se o que se decidiu, a mais, foi
sôbre não haver crime, por faltar algum dos outros elementos subjetivos do suporte fáctico (e. g., só houve
negligência), pode, no juízo cível, ser redecidida a matéria, porque o suporte fáctico (fora a existência do fato e a
relação causal fáctica) contém elementos diferentes se se trata de ilícito civil ou de ilícito criminal. Todavia,
cumpre não se confundir com decisão sôbre pronúncia decisão de condenação, ou absolvição: a pronúncia, por
ser julgamento de cognição incompleta, não obsta à discussão e decisão no cível. Tão-pouco, a absolvição por
prescrição da ação penal: tratando-se de exceção, apenas se declara que, se pretensão há, está encoberta a sua
eficácia pela exceção de direito penal. Também não impede a rediscussão e decisão o ter-se decidido não ser
crime o ato de que se acusou a pessoa: pode não ser ilícito criminal e ser ilícito civil. A decisão criminal sôbre
legitima defesa, afirmando-a, versa sôbre inexistência do fato ilícito, sôbre não ser contrário a direito o ato, e a
decisão criminal influi no juízo cível, porque coincidem os conceitos do Código Civil, ad. 160, 1, ja parte, e do
Código Penal, arts. 19, II, e 21. Diga-se o mesmo quanto ao estado de necessidade (Código Civil, art. 160, II, e
Código Penal, arts. 19, 1, e 20).
Todavia, resta a reparação pelo ato não contrário a direito (arts. 1.519 e 1.520), a respeito da qual a decisão
criminal não pode influir. A sentença criminal de condenação influi totalmente no juízo civil. A de absolvição por
negação do fato, ou da relação causal entre o agente e o fato, também. Nenhuma decisão de cognição incompleta
(e. g., falta de prova) atua no cível. Se a sentença criminal estabelece que houve culpa do ofendido, a atuação no
juízo cível depende de haver coincidência entre a regra jurídica penal e a regra jurídica civil, na espécie, o que
não se pode afirmar, ou negar, a priori e o Código Civil não anuiu em que se admita o caso julgado sôbre simples
culpa.
Se o julgado cível não diverge do julgado criminal quanto à autoria, pode haver condenação por aquêle e
absolvição por êsse, ou vice-versa. O que não se pode é negar o fato que o juízo criminal deu por existente, ou o
ter sido o acusado o agente do crime (cf. 23 Turma do Supremo Tribunal Federal, 11 de maio de 1955, .4. 3., 76,
800). As dirimentes e justificativas são estranhas à existência e à autoria, mas há o artigo 65 do Código de
Processo renal: “Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de
necessidade, em legitima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular do direito”.
Trata-se de plus em relação ao ad. 1.525 do Código Civil (cf. 2a Turma do Supremo Tribunal Federal, 19 de
janeiro de 1948, A. 3., 68, 81, 24 de agôsto de 1950, D. da 3., 9 de julho de 1952, e 24 de outubro de 1953, A. 3..
112, 101; 13 Turma, 13 de janeiro de 1947, 1?. P., 111, 887 si.
Se o juízo criminal não decidiu quanto ao ato e a autoria, a decisão é sem repercussão no cível. Não basta o
despacho de arquivamento do processo, nem a impronúncia (23 Turma do Supremo Tribunal Federal, 12 de
novembro de 1943, A. 3., 69, 236: “A mesma impronúncia do acusado, segundo PONTES DE MIRANDA, não
produz o efeito do art. 1.52W‟; 33 Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 4 de dezembro de 1940,
e 28 de novembro de 1940, R. dos T., 139, 675: 4~a Câmara Civil, 13 de maio de 1942, 6 de agôsto de 1941, 139,
689).
A absolvição somente pode ter eficácia no cível se nega a existência do fato ou a autoria (23 Turma do Supremo
Tribunal Federal, 8 de setembro de 1942, 1?. E., 95, 68; 19 de janeiro de 1948, A. 3., 68, 31: “A absolvição influi
quando faz excluir a indicação ou pela prova em contrário, ou pela condenação de outrem, cf. PONTES DE
MIRANDA, Manual, XVI, 3a .~ Parte, n. 845”); 53 Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal,
15 de julho de 1941, E. F., 88, 148 s.; 4.~ Câmara Cível, 19 de abril de 1941, A. 3., 58, 225).
Se houve condenação criminal, houve os pressupostos da declaração da existência do ato ilícito e da autoria.
Portanto, há a res indicata para o cível: a dívida de indenização foi assente no julgado, como efeito da sentença,
pela declaratividade implícita (cf. 4.~ Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 14 de julho de 1942 e
4 de março de 1943, 1?. dos T., 139, 263 e 144, 625).
Se a absolvição não nega a autoria e apenas se reputa casual o ato ilícito, ou Por outra razão isento de culpa o
ofensor, não está afastada a responsabilidade civil (i.a Turma do Supremo Tribunal Federal, 29 de dezembro de
1941, E. E., 91, 405; Tribunal de Apelação de Alagoas, 15 de julho de 1941, 90, 198 s.: “No processo criminal,
por isso que se visa à aplicação da pena de prisão, exige-se prova mais rigorosa, cf. PONTES DE MIRANDA,
Manual do Código Civil, XVI, 8a Parte, 522”; 1.~ Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia, 18 de marco de

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1942 e 18 de junho de 1950, E. dos 7‟. da Bahia, 42, 86; 23 Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal, 20 de novembro de 1958; 53 Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 18 de janeiro de
1942, A. 3., 62, 223, e 15 de setembro de 1942, E. E., 93, 508; .23 Câmara Cível do Tribunal de Apelação de
Minas Gerais, 10 de fevereiro de 1941, E. dos 7‟., 87, 747; Câmaras Reúnidas do Tribunal de Justiça de
Pernambuco, 2 de dezembro de 1946, A. E., 20, 261; 23 Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul, 9 de novembro de 1943, E. E., 122, 206, 27 de setembro de 1949, 1., 31, 867 s., e 12 de janeiro de 1950,
E.E., 132, 199).
A absolvição do acusado, sem ter havido negação da existência do ato criminoso, ou da autoria, não tem eficácia
de res indicata para o juízo cível, nem estabelece presunção a respeito (sem razão, a 23 Câmara Cível do Tribunal
de Apelação do Rio Grande do Sul, a 21 de junho de 1944, E. E., 100, 525; as Câmaras Civis Reunidas do
Tribunal de Apelação de São Paulo, a 13 de agôsto de 1945, E. dos T., 159, 272). E. g., o incêndio nas matas de A
estava extinto, completamente, e não podia ter dado causa ao incêndio nas matas de B (l.~ Câmara Civil, 8 de
maio de 1944, 150, 661).
A. absolvição somente por falta de provas (=não há provas do crime, nem de não ter havido crime) não faz coisa
julgada para o cível (23 Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 6 de abril de 1943, E. dos T., 143,
696).
A absolvição por ter havido imprudência do ofendido, e não ato ilícito do ofensor, faz coisa julgada, se se nega a
existência do ato ilícito (cp. 33 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 20 de maio de 1954).
A absolvição por não terem os danos causados por animais resultado de culpa do possuidor ou tenedor dêles não
afasta a ação civil com fundamento no art. 1.527 do Código Civil, em conseqUência da diversidade de
pressupostos (cf. 6.~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 80 de novembro de 1951, E. dos T., 198,
266).
Quanto ao ato ilícito praticado em estado de necessidade, ou em legítima defesa, ou no exercício regular do
direito, a 13 Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro, a 21 de dezembro de 1942, A. 3., 65, 115),
acordou que a decisão da justiça criminal faz coisa julgada no cível.
No art. 65 do Código de Processo Penal atribuiu-se eficácia de coisa julgada material ao julgamento que absolve
por ter ocorrido estado de necessidade. Cumpre, porém, advertir-se que, com tal eficácia vinculante do juízo do
cível, não se pré-exclui a proponibilidade da ação de indenização baseada nos arts. 160, 1, 1.519 e 1.520 do
Código Civil, nem as ações petitórias e possessórias para a restituição do bem.
Não só. A absolvição por não ter havido furto não pré-exclui as ações de reivindicação, de restituição ou de posse.
A decisão criminal que julgou prescrita a ação penal não nega a existência do ato ilícito, nem a autoria (cf. 1~a
Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul 26 de agôsto de 1941, R. E., 88, 213, que, no
entanto, comete o êrro de não considerar mérito a prescrição, que é exceção de direito material).
A diferença da prova entre o juízo criminal e o juízo cível é sem relevância, porque aquêle exige mais, e êsse,
menos, e, se houve condenação no juízo criminal, a res indicata se impõe ao juízo cível (cp. Câmaras Civis
ReUnidas do Tribunal de Justiça de São Paulo, 6 de outubro de 1958).
As duas ações podem correr ao mesmo tempo ou uma após a propositura da outra (cf. 43 Câmara Cível do
Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 8 de agOsto de 1940, A. 3., 57, 37; 1.8 Câmara Cível do Tribunal de
Apelação do Rio Grande do Sul, 11 de janeiro de 1944, 1?. E., 98, 651).
8.PRESSUPOSTOS DA COISA JULGADA MATERIAL. O Código Civil, como a Lei de 3 de dezembro de
1841, art. 68, fizera bem em só formular a regra jurídica de atuação (preclusão imposta a outro processo, portanto
res indicata, no que foi julgado) para aquêles quatro enunciados existenciais:
existência do fato, não-existência do fato; existência da relação fáctica de causação, não-existência da relação
fáctica de causação. Porque, fora daí, tudo depende de coincidirem os conceitos do direito penal e os do direito
civil; e o Código Civil, art. 1.525, 13 parte, estabeleceu que “a responsabilidade civil é independente da criminal”.
Quanto ao art. 1.527 (dano causado por animal), a sentença criminal, que negue o fato, influi, bem assim a que o
afirme; não a que decida sôbre propriedade ou posse, nem sObre a prova da culpa. Quanto ao artigo 1.528, a
decisão sôbre o fato, negativa ou positiva, influi; não a que decida sObre propriedade, posse, detenção, ou culpa.
Quanto ao art. 1.529, a decisão sObre o fato de ter caldo a coisa, ou ter sido lançada, influi; não a sObre a
habitação por A, ou por B, quaestio juris, ou sObre ter sido alguém, que não o habitante, o autor do crime, porque
pode ter havido, ainda aí, infração do dever de vigilância, ou outro dever.
A superveniência do Código de Processo Penal, arts. 68-67,foi assaz exprobrada, mas sem razão. O prurido de
crítica tem impedido, de certo tempo para cá, a formação de juristas. A crítica é fácil, principalmente quando não
se aprofundou muito o estudo do direito. O art. 65 do Código de Processo Penal estatui: “Faz coisa julgada no

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cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legitima defesa ou no
exercício regular de direito”. Sob o Código Civil, não era assim. O Código de Processo Penal considerou que tudo
isso só se passa no mundo fáctico, e que as regras jurídicas do art. 160, 1 e II, são regras jurídicas pré-excludentes:
ato ilícito não houve, porque houve o fato, mas não entrou no mundo jurídico. O art. 65 do Código de Processo
Civil não exclui a reparação segundo os artigos 1.519 e 1.520, porque tal reparação não é ex delicto: é reparação
por ato não-contrário a direito. Mudou-se, portanto, o art. 1.525, 23 parte, quanto à Legítima defesa, ao estado de
necessidade e ao exercício regular de direito, porque se permitiu mais do que o enunciado existencial sObre fato
ou relação causal: permitiu-se o enunciado existencial mais o enunciado sObre a não-contrariedade a direito.
Nesses pontos é que se há de firmar a decisão no cível, porém de modo nenhum se pré-elimina a discussão sObre
a reparação segundo os arts. 1.519 e 1.520, que tem outro fundamento que a contrariedade a direito.
No art. 1.519 do Código Civil, o dono da coisa, cujo dano resultou de outrem tê-la destruído, ou deteriorado, para
remover perigo imitente, sem ter sido culpado do perigo, tem ação de ressarcimento contra quem causou o dano,
ou contra a pessoa a favor da qual se evitou o perigo. Tal indenização nada tem com ilicitude de ato: o sistema
jurídico acolhe o direito (diga-se mesmo o dever) de afastar o perigo. .~ Quid inris, se a deterioração ou destruição
foi para que o público não sofresse? Qualquer culpa que tenha tido o dono, ou possuidor, ow tenedor, pré-exclui a
ação que ele poderia ter. Se nenhuma culpa teve e a probabilidade do dano seria eliminável, e. g., por simples
aviso que lhe dessem, há a ação contra o agente, porque preferiu destruir ou deteriorar a avisar. Dá-se o mesmo se
podia ser evitado o dano sem ser com a ofensa à coisa.
No art. 1.520, parágrafo único, alude-se ao dano causado para a defesa de terceiro, ou própria, pois não se
justificaria que o dono ou possuidor ou tenedor do bem sofresse dano por alguém tê-lo usado para se defender, ou
defender outra pessoa.
No art. 63, o Código de Processo Penal estatui: “Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão
promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal e
seus herdeiros”. Os que não entenderam essa regra jurídica criticaram-na acerbamente, e sem razão. A regra
jurídica do art. 63 faz de pêso executivo processual civil (eficácia mediata) a sentença condenatória penal:
confere-se acho iudicati à sentença penal. A coisa julgada formal estabeleceu-se no juízo penal; a eficácia mediata
da sentença permite que se execute no juízo cível. A sentença criminal, por certidão, é o titulo executivo, a que se
refere o art. 63 do Código de Processo Penal, devendo constar que transitou em julgado. O art. 63 não impede que,
antes de proferida e trAnsita em julgado a sentença penal, ou se a sentença penal, sem excluir ressarcimento,
deixou de condenar em reparação, se proponha, no juízo cível, a ação de condenação: “Sem prejuízo do disposto
no artigo anterior”, diz o art. 64 do Código de Processo Penal, “a ação para ressarcimento do dano poderá ser
proposta no juízo cível, contra o autor do crime e, se fôr o caso, contra o responsável civil”. “Intentada a ação
penal, o juiz da ação civil poderá suspender o curso desta, até o julgamento definitivo daquela”, acrescenta o
parágrafo único. Essa regra é regra jurídica de processo civil inserta no Código de Processo Penal. O juiz pode;
não é obrigado a suspender: há arbítrio, pôsto que não seja arbítrio puro. Por outro lado, é preciso atender-se a
que, aí, não há exceção de litispendência entre o juiz do cível e o penal, ou vice-versa. A ação civil pode ser
intentada antes ou depois da ação penal, salvo se já há coisa julgada material sôbre o ponto da reparação. A
influência somente se dá com o trânsito em julgado; não há exceção de litispendência, nem eficácia de
pré-preclusão. Ainda na estrada dos mesmos princípios, o art. 66 explicita: “Não obstante a sentença absolutória
no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categôricamente, reconhecida a
inexistência material do fato”. “Categôricamente” está aí por decisivamente, isto é, quando a sentença penal nega
que o fato material se tenha dado (existido). Ainda o art. 67 põe em claros termos:
“Não impedirão igualmente a propositura da ação civil: 1, o despacho de arquivamento do inquérito ou das peças
de informação ; II, a decisão que julgar extinta a punibilidade; III, a sentença absolutória que decidiu que o fato
imputado não constitui crime”. Esses enunciados e os dos arts. 65 e 66 deixam incólume o art. 1.525 do Código
Civil, regra de direito civil, ao passo que são regras de direito processual civil as dos arts. 65-67 do Código de
Processo Penal (heterotopia). De jure condendo, ou a) se atribui só ao juízo criminal a competência para a ação de
indenização pelo delito; ou b) se separam a ação (criminal) de condenação e a actio Úudieati, cível (assim fôra o
direito brasileiro ao tempo do Código Criminal de 1830, art. 31: “A satisfação não terá lugar antes da condenação
do delinquente por sentença em juízo criminal, passada em julgado”) ; ou o) se reconhece a competência
cumulativa do cível, só, para a acho judicati (Código de Processo Penal, arts. 63-68) ; ou d) se exclui a
competência criminal para a condenação na indenização (e. g., Lei n. 261, de 3 de dezembro de 1841, art. 68, 13
parte, que disse: “A indenização em todos os casos será pedida por ação cível, ficando revogados o ad. 31 do
Código Criminal e o § 52 do artigo 269 do Código de Processo”), O Código Criminal de 1830, que seguira a

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solução b) de técnica legislativa, abria exceção para os casos de delinquente ausente, ou falecido (ação contra
herdeiros), e se o ofendido preferia a ação cível (artigo 82). Os civilistas, TEÍXEIRA DE FP.EITÂS inclusive,
festejaram a solução d). Não escondemos a nossa simpatia pela solução do Código de Processo Civil, combinado
com os arts. 63-68 do Código de Processo Penal, que é a solução c) (nossos Comentários ao Código de Processo
Civil, VI, 29-31; XIII, 23 ed., 33-35). Coincide com o que sustentamos em 1927.
O art. 1.521, III, não é exceção ao princípio da culpa, nem cria responsabilidade por culpa alheia. O fundamento
da regra jurídica é o de que o empregador entrega ao empregado o serviço, a função, que é do seu interesse, e ele
há de escolher, vigiar, superintender. Não se pode dizer que o ato do empregado seja elemento ínfimo, isolado,
sintomático, como o adjetiva W. SJOGREN (Zur Lehre voil den Formen des Unrechts und den Thatabestanden
der Schadenstiftung, Jherings Jahrbiicher, 35, 414 e 426); nem, com JosErH IJNGER (Handeln auf eigene
Gefahr, .Jherings Jahrbúcher, 30, 391 s.), que onde está o interesse há de estar também o perigo (Elgenes
Interesse, eigene Gefahr).
A sentença penal tem a eficácia executiva (civil) do artigo 63 do Código de Processo Penal: “Transitada em
julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do
dano, o ofendido. seu representante legal ou seus herdeiros”. Trata-se de efeito mediato (executivo civil) da
sentença penal efeito contra aquêle que foi condenado. A pessoa, que empregou o culpado, trate-se de patrão,
amo, ou comitente, não está incluída no efeito mediato (executivo civil), porque não no está na fôrça condenatória
da sentença penal. Para que o estivesse, seria preciso que contra ela também houvesse corrido o processo penal e
houvesse, contra ela, sentença condenatória penal. Não há pensar-se em que as pessoas mencionadas no art. 1.523
do Código Civil respondem por culpa de outrem: respondem, como sempre temos frisado, há mais de um quartel
de século por ato de outrem, mas culpa própria. A eficácia da sentença penal, inclusive a eficácia mediata
(executiva civil), é contra condenados; portanto, por se basear o direito penal em dolo ou culpa, contra culpados.
As presunções de culpa civis não se levam em conta no direito penal, quer material quer formal. De posse da
sentença penal, trAnsita em julgado, o ofendido, seu representante legal, ou seus herdeiros podem executá-la,
civilmente, contra o condenado. Não contra as pessoas mencionadas no art. 1.523 do Código Civil. Condenadas
também essas, sim. A sentença penal contém a preclusão de toda
a discussão a respeito de quem foi condenado; não, a respeito de outrem. Tem-se, contra as pessoas que
respondem por ato de outrem, de propor a ação civil de reparação do dano, onde se invocam as presunções legais
civis, se as há. Tal ação não é de propor-se se a pessoa, que responderia por ato de outrem, foi também acusada e
processada, tendo sido julgado que o delito do agente não foi, e. g., no serviço do patrão, amo ou comitente (ai, o
“ter sido fora”, é o mesmo que não ter existido o ato, cf. Código de Processo Penal, art. 66, in fine).
De jure condendo, a sugestão de se reformar o Código de Processo Penal para se permitir a intervenção do
empregador, em caráter de litisconsórcio passivo, é de afastar-se:
ou se acusa o patrão, amo, ou comitente, por ato, positivo ou negativo, dêle, que seja crime, e então o empregado
e êle podem ser condenados; ou não se acusa o patrão, amo, ou comitente, e só no cível se pode intentar a ação de
reparação, com fundamento no art. 1.521, III, que é a responsabilidade civil por ato de outrem.

4.RESPONSABILIDADE OBJETIvA E RISCO PROFISSIONAL. Os dois conceitos, “responsabilidade


objetiva” e “risco profissional”, que aparecem a cada momento em sentenças e leis, aludem à doutrina e à
jurisprudência já ultrapassadas, ainda na França, a propósito de acidentes no trabalho. Quando, no Brasil, se
procurou, através dos princípios do direito comum, assegurar aos trabalhadores, acidentados no trabalho, a
indenização, compreende-se que a jurisprudência reagisse (e. g., Supremo Tribunal Federal, 13 de dezembro de
1913; Côrte de Apelação do Distrito Federal, 10 de julho de 1908, R. de li., X, 153). Desde 1904, 1908 e 1915,
projetos surgiram, de inspiração francesa, e sem qualquer referência ao seguro obrigatório. O seguro seria
facultativo, para cobrir o empregador (1904); haveria Caixa de Previdência (1908). Exatamente contra essa
concepção de ilícito relativo, a Constituição de 1946 acentuou a obrigatoriedade do seguro. A lei numero 2.724,
de 15 de janeiro de 1919, seguida do Decreto n. 13.498, de 12 de março de 1919, não adotou o seguro obrigatório:
o Decreto n. 13.498, no art. 28, apenas disse ser “lícito ao patrão” segurar, individual ou coletivamente, os seus
empregadús. O dolo da vitima pré-excluia, como na lei vigente, a responsabilidade. Ora, se o dolo da vítima,
incluída a desobediência a ordens expressas do empregador (o que nem sempre é dolo), e a fôrça maior
pré-excluem, já se atenua a presunção de culpa: há algo, não de presunção legal mista, rias de negação de
elemento do suporte fáctico. Estenderem-se, porém, aos acidentes sofridos por terceiros as regras jurídicas de
responsabilidade pelos acidentes no trabalho, já é ir-se além do que estêve à base da concepção mesma das reis
sobre acidentes no trabalho.

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§ 5.5G?. Bem danificado ou pessoa danificada

1.ATINGIMENTO DO BEM 011 DA PESSOA. Não somente há a danificação material, há, também, o dano dito
moral. Por outro lado, o dano pode ser no corpo humano, ou à psique, e não à propriedade do bem corpóreo, ou à
posse do bem corpóreo, ou à propriedade, ou à posse, ou à titularidade pessoal do bem incorpóreo.
O fato pode ser fato ilícito absoluto sem causar dano. Entrou B na casa de A, sem permissão, mas nenhum
prejuízo patrimonial ou não-patrimonial resultou do seu ato imprudente. Pode haver dano sem ilicitude, quer
relativa, quer absoluta: para defender-se ou defender C contra B, A quebrou a vitrola de D. Já nesse caminho,
entre outros, G. P. CHIRONI (La Colpa nel dirilto civil odierno, ~, 2Y ed., ns. 23 e 24), FRANCESCO
ANTOLISEI, (L‟Offesa e ii Dauno nel reato, 49 s.), IRAYMOND SALEILLES (Étucle sur la Théorie générale
des Obliqations, 3.~ ed., 360 s.).
O dano é valor a menos, porque toda relação de valor é relação entre um homem e um bem (MÕLLER, Summen
und Einzelschaden, 10 s.).
O fato ilícito que, fora das relações jurídicas negociais, gera responsabilidade, tem de ser chamado fato ilícito
absoluto, porque o que se ofendeu foi objeto de direito absoluto (personalidade, corpo, vida, propriedade, posse),
sem que isso pré-exclua a responsabilidade pelo ato ilícito ao credor como titular de direito sem se levar em
consideração a ligação negocial. Todavia, a técnica legislativa teve de cogitar de responsabilidade extranegocial,
mesmo sem ter havido ilicitude ou ilegalidade, tal como se passa com o ato em caso de estado de necessidade ou
de legítima defesa (Código Civil, arts. 160, 1 e II, e 1.520 e parágrafo único).
Ointe‟rêsse que se considera violado pelo fato ilícito absoluto é interesse tutelado pelo direito. Não há relação
jurídica entre o ofensor ou responsável e o ofendido de que tenha de irradiar-se êsse direito; o que se exige é que
haja interesse que o sistema jurídico protege. Dai a velha expressão: “damnum injuria datum”, que supóe a
ilicitude do fato que o causa.
O sujeito ativo da relação jurídica de divida pelo fato ilícito absoluto portanto, trate-se de ato ilícito absoluto,
trate-se de ato-fato ilícito absoluto, trate-se de fato stricto sensu ilícito absoluto exerce direito, pretensão e ação.
O dano à pessoa pode ser permanente. O juiz, em tais casos, ou fixa a quantia necessária a que se indenize até que
morra o lesado, o que supõe exame e cálculo, ou estabelece prestação vitalícia, periodicamente feita. Observe-se
que o próprio dano emergente pode ter de ser ressarcido em função de tempo, como se o lesado tem de
submeter-se a cura periódica. O lucro cessante, êsse, também pode estar sujeito a prestação em períodos.
A renda atende melhor à duração do dano, mas há de o juiz cogitar da fonte da renda e das garantias. A
insolvibilidade do indenizador somente é afastável com medidas eficientes, inclusive no tocante à desvalorização
da moeda. Mesmo se foi prestado o total, e não a renda periódica, há todo o interesse na aplicação do capital, a fim
de que não fique sem reparação suficiente o lesado.
Falamos, acima, de fatos ilícitos, mas não é escusado, a cada momento próprio, frisarmos que há indenizabilidade
excepcionalmente, é certo que não resulta de ilicitude. Reparam-se danos que se causaram sem que os atos, de
que resultaram, sejam ilícitos.
O principio da proporcionalidade, em caso de legítima defesa ou de estado de necessidade, ou de dupla causa, tem
de ser atendido sempre que se possa determinar a causação . E. g., quem, para se defender do que lhe causaria z
danos, causa ao outro x + 7/ danos, que poderiam ser menores se o ato defensivo não fôsse tão imprudente (e. g.,
quem para se livrar de bofetada dispara o revólver). O juiz tem, aí, missão importante (cf. SIGISMUND V.
CZÀRNECKI, Das Prinzip der ProportianaNuit beim Notstande und bel der Notwehr, 14). É preciso que a
destruição ou deterioração tenha sido necessária e o dano, que se causou, não tenha sido excessivamente maior do
que o que resultaria do perigo. Quem vê avançarem cavalos por sua fazenda não pode tomar a carabina e matá-los
todos. Quem vedou a passagem pela ponte, por estar em consêrto, não pode atirar pedras no transeunte. Dá-se o
mesmo se o caso é de legítima defesa, porque os atos defensivos hão de ser necessários ao afastamento do ataque,
ou à sua cessação. Apenas, ali, mais se medem os danos previsíveis, ou prováveis; aqui, mais a relação entre os
atos (HERMANN GROSSMANN, Das Prin,zip der Selbstverteidigung, 44 s.; erradamente, sem distinguir, a
propósito dos §§ 228 e 904 do Código Civil alemão, H. TITZE, fie Notstandrecht, 105, nota 20; cp. Código Penal
norueguês de 22 de maio de 1902, que entendemos também concernente a danos à pessoa, contra NITSCHE, Der
strafrecktliche N.otstartd nach Grund un,d Ausdehnung mit Berlicksicldigung der modernen Entwurfe, 59 ). Não
se pode considerar permitido qualquer ato de legítima defesa (cp. OTTO v. ALBERTI, Das Notwehrreeht, 21 5.;
LEO AHSBAHS, Grundlinien des Notwehrrechta, 10; HÀBERLEIN, Exzess der Notwehr, 24 s.; HEINRICH
KRONER, Die Verletzung vom Rechtsgútern des Dritten bel der Notwekr, 10).

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O ato ilícito absoluto, o ato-fato ilícito absoluto e o fato ilícito absoluto stricto sensu podem gerar danos, mas ao
mesmo tempo dêles decorrerem benefícios, como êsses se podem transformar, mais tarde, em danos maiores (cf.
PAUL OERTMANN, Die Vorteilsausgleichung beim Sckadeiwersatzanspruch, 25 e 67 s.). Assim, não é só num
momento que se têm de apreciar os danos, porque há de haver previsão das conseqüências . Mesmo porque há
elementos nocivos e há elementos favoráveis que se têm de levar em conta. Não só se há de considerar o presente.
Tem-se de ver o futuro.
O que é atingível não são apenas direitos sôbre coisas. Quaisquer direitos e interesses tais, que, feridos, diminuam
o patrimônio em que se aglutinam. Se o fato ilícito absoluto,lato senso, destrói ou deteriora algo que é de alguém,
porém tal destruição ou deterioração de modo nenhum causou prejuízo (e. g., a pedra jogada rolou pela ribanceira
sem ofender qualquer planta, ou só ofendeu planta que ia ser ou devia ser cortada, porque não mais daria frutos),
não houve dano que se tenha de ressarcir (cf. 11. DEGENKOLB, Der epezifische Inhalt des Schadensersatzes,
Archiv fúr civiiistische Praxis, 76, 57). Além disso, o prejuízo tem de ser à pessoa ou ao seu patrimônio. Se o bem
não tinha qualquer valor para o dono, ou possuidor, e teria para outrem, que todavia não o compraria (se o
quisesse comprar o preço oferecido seria valor para o dono ou possuidor), não se pode cogitar de reparação. Se o
bem foi roubado, ou furtado, e ainda ninguém o usucapiu, a lesão é ressarcivel , porque o bem reivindicável, ou de
posse vindicável, ou restituível, continua valor patrimonial.
O valor do bem não é só o valor no comércio ou no tráfico. O que se há de verificar é se continua com o valor ou
se tem valor para a pessoa que dêle é dono ou possuidor.
Falamos de dono e de possuidor. Mas o lesado pode ser simples tenedor, se, por exemplo, o dano é ao seu
patrimônio, ou se tem êle de responder ao dono ou possuidor.
O cavalo de corrida ou pássaro é bem lesável , a despeito de muito custar a mantença daquele, ou dêsse. Se A
contratou com E a edição de livro, à custa de E ou de A, e E perdeu o único texto que A tinha, há dano avalizável
e na avaliação se hão de considerar os esforços de A para escrevê-lo de nôvo e o que, durante o tempo para
faz~-1o, A poderia ter recebido da percentagem convencionada com E, ou da vantagem, se a sua custa. O dono do
palácio, ou casa de alto nível (por exemplo, a que pode conter toda a biblioteca, ou a coleção de quadros), não é
legitimado a exigir indenização, somente conforme preço de venda: há plus, que atende às circunstâncias,
inclusive subjetivas (JOSEP KOHLER, Zwdlf Studien zum EGE.: 1. Das Obligationsinteresse, Archir flir
Rúrgerliches Rechts, 12, 2). O contrato com o professor de piano, ou de pintura, ou de idiomas. faz nascer para o
figurante (ainda se é para ensino a filhos) direito patrimonial (sem razão, PAUL LABAND, Zum 7weiten Buch
des Entwurfs eines EGE., Archir flir die dviiistisehe Praxis, 78, 178). A entrada gratuita, ou qualquer bem,

que não custou dinheiro, tem valor expresso ou pode ser avaliado. O gato ou cachorro, que ninguém compraria,
mas que o dono prefere aos de boa raça ou qualidade, é avaliável. O valor de uso entra em Consideração.
Segundo a teoria da diferença, verificam-se o valor do patrimônio e o do que se lhe retira, inclusive se cessam
lucros ou se aumentam as dívidas. Segundo a teoria da apreciação concreta, o que importa é a ofensa, em suas
conseqúências, no tocante ao lesado, mesmo porque há os danos morais (e. g., PAUL OERTMANN, fie
Vorteilsausgleichnng, 6 5.; H. WALSMANN, Coinpensatio lucri cum damno, 10 s.). A primeira teoria tem o
defeito de “economicizar” demasiado o conceito de interesse e desatende a regras jurídicas que estabeleceram a
indenização em dinheiro em casos em que o interesse econômico não é a base, como se dá com as ofensas à honra.
O dano, para ser reparado, tem de ser calculado como “prejuízo menos benefício”, razão por que está intrinseca
mente feita a compensatio tucri cum damno, sem que se possa posteriorizar a operação: o que é devido é x y, e
não x compensado com o crédito y. Frisamos isso, porque desaparecem as discordâncias entre a teoria da
diferença e a da apreciação concreta, e entre os que, em princípio, admitiam a compensa-tio lucri cum damno (e.
.q., PAul. OERTMANN, fie Vorteilsausgleichung, 228; FJRN.ST EICHHoFF, tiber die Compensatio lucri cum
damno, 129) e os que a negavam (TI. WALSMANN, Comnensatio Zucri mim damno, 37).
O dano começa com o fato ilícito absoluto, ou depois, ou com êle e depois. Pode consistir em eliminação de
direito ou interesse, como pode consistir em frustração de lucro (lucros cessante), ou em eliminação de direito ou
interesse e em frustração. Se a máquina, cujo valor é x, foi quebrada e o dono, que com ela exercia profissão, não
podia comprar outra, nem o responsável lhe pagou a divida indenizatéria imediatamente. so dano cessante tem-se
de somar o dano emergente, que consistiu no que o lesado deixou de ganhar na semana, ou no mês, ou no tempo
que vai até o dia em não o devedor paga a dívida.

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Não se tomam em consideração os lucros que resultariam de meras conjunturas, como o ter-se incendiado outra
fábrica, que era a única que competia com o lesado. Inclui-se o que êsse teria ganho, com a sua diligência, com a
aquisição do edifício, ou com o dinheiro, que o ofensor furtara, ou com o preço do bem que êsse quebrara (cf. Ri.
MOMMSEN, Zur Lekre vom Interesse, 147). Tem-se exigido a diligência comum, mas, com isso, se desatenderia
ao elemento subjetivo (a produção do lesado A pode ser menos valiosa do que a do lesado E). Se não há alegação
e prova da diligência excepcional, sim, tem de ser suposta a diligência comum, com o que, de certo modo, se
objetiva o critério.
Se a atividade do lesado dependeria da colaboração de terceiro, o dano pode consistir em lucro frustrado, que
resultou de fato ilícito que impossibilitou adimplemento de dever negocial por parte do terceiro. Por outro lado, o
dano ao edifício ou apartamento que impede ao locador a entrega do bem locado, com ressarcimento de dano
negocial ao locatário, compreende essa quantia.
As circunstâncias especiais concernentes à pessoa que sofreu o dano têm de ser examinadas, porque o critério
objetivo seria contraditório com a finalidade das regras jurídicas sôbre responsabilidade pelos danos.
2.ALIENAÇAO DE PROPRIEDADE E DE POSSE. A alienação pode ser de bem alheio (bem, em sentido
largo). É o que ocorre com o proprietário que aliena sem ter a posse, e diz que a tem, ou o possuidor, que aliena a
propriedade, que êle não tem. O terceiro não foi figura no negócio jurídico de alienação. Portanto, a infração, por
parte do alienante, não foi, de jeito nenhum, infração de dever negocial.
Quanto aos atos ilícitos absolutos contra a propriedade ou contra a posse, tem-se de distinguir o que é roubo ou
furto, inclusive furtum possessionis, perante o direito penal, e o nue se estabelece como direito e posse, no direito
privado. Daí a repercussão dêsse naquele (cf. Junus STEIN, fie EinwirIcunp des neuen bitrqerlichen Rechts auf
das Anwendun.qsgebiet des § 289 des Reichstrafçjesetzbuchs, 6 s., 67 s.).

O possuidor próprio, ainda que proprietário não seja, pode alienar o bem, e o que se há de entender é que alienou
os direitos que tinha, talvez sé o de posse. Alienando, explicitamente, só a posse própria, talvez aliene mais do que
disse, porque, se ignorava que era (ou já era) dono, transfere a posse própria, de que era titular, e a propriedade.
Surge a questão de se saber se, alienando o bem (expressão que vulgarmente se emprega no sentido de alienando
os direitos sobre o bem), tem de responder ao proprietário do bem pelo preço recebido. O possuidor próprio pode
não ser proprietário, como o proprietário pode não ser possuidor próprio, O possuidor próprio pode estar de má fé
como pode estar de boa fé. GUSTAV fluoo (Lehrbueh der Pandekten, § 194, nota 1, 148) e Cliii. Ri. VON
GLtYCK (Ausfithrliche Erlãuterung der Pandecten, VIII, 245 s.) negavam a ação do proprietário contra o
possuidor de boa fé. A opinião de J. CTJjÁCI43 ia além dos intérpretes que só admitiam a ação para ter o
4
‟pretium rei ex causa lucrativa”, pois dava a ação “etiamai causa non esset lucrativa” (Tractatus ad Africanum,
VIII ad legem ult. oh negot. gest,). HuGo D‟ONELO insistia em haver pressuposto da lucratividade para que
coubesse a ação. Surgia o problema do possuidor com tUnlo putativo (ex titulo putativo), de modo que se teria de
indagar das conseqúências da sei entia. de não ser proprietário, se putativo o titulo. Houve discussão em tôrno da
L. 23, D., de rebus creditis si certum petetur et de condictione, 12, 1, da L. 30, pr., D., de actionibus empti
vemdiU, 19, 1, e da L. 49, D., de negotiis gestis, 8, 5; e veio até os nossos dias (RUDOLE VON JHERING,
Abhandiungen aus dem rõmisehen Recht, 80 s.; LEoNALtD SACOU, Der Begriff der Ber.eicherung mit dem
Schaden eines Anderen und seiner Bedeutung auf den Gebieten des Eigenthums, der Vertrãge und der einseitigen
Rechtsgeschãfte, Jahrbúcher fúr die Dogmatile, IV, 159 s.; B. WIND.SCHEID, Zwei Frageu aus der Lehre vou
der Verpfiichtung wegen ungerechtfertigter Bereicherwng. 6, 9, 38; II. WITTE, fie Bereicherungsklag‟3fl des
gemeinefl Rechts, 14 e 19; W. FRANOXE, Commentcir ilber den Pandect emtitel de hereditatis petitione, 82;
OTTO KTSsLER, Haftet naeh gemeinem Recht der ehemaiige Resitser ciner fremden Sache, n‟cicher sie geqeu
Entgett veràussert hat, dem Eigenthihner
derselbeu auf Herausgabe des Kaufpreises?, 21 s., 35 s.; A. PERNICE, Labeo, 111,1, 202 s., 216; F.
PRINGSHELM, Eigentumsiibergang hei Kauf, Zeitsehrift der Savigny-Stiftung, 52, 142 s., 145 s.; CESARE
SANFILIPPO, Condictio indebiti, 1, 56 s.;
G.DONATUTI, Le “causae” delie “condictiones”, Stndi Parmenst, 1951, 131; J. P. DAWSON, Injust
Enrichment, 52 s.).
As soluções têm-se no Tomo XV, § 1.748.
Quem é possuidor e aliena o bem alheio, onerosamente, responde ao proprietário pela restituição do bem ou pela
prestação do preço da compra-e-venda; mas apenas até onde, no momento da exigência pelo proprietário, se
enriquecera o possuidor. Trata-se de enriquecimento injustificado (Tomo XV, § 1.755, 4; cf. KONRAn
HELLWIG, [Jber die Haftung des verdusserudeu gutgkiubigen Besitzers einer fremden Sache, 15 s.;

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EBERHARD SCHWARTz, Haftet der ehemalige Besitzer einer fremden Sache, welcher sie gegen Entgeit
verãussert ha.t, dera Ei.qenthhimer derseiben auf Heraus.qabe des Kaufspreises?. 19). Se a alienação não foi
onerosa, o possuidor alienante não se enriquece, porque nenhum elemento se adicionou ao seu patrimônio, mas
responde pela indenização, se não há meio de se restituir o bem alienado. Aí se mostra que houve ilicitude de ato,
pôsto que sem ter havido aumento do valor do patrimônio do possuidor.
(A propósito de enriquecimento injustificado, § 5.502, 6; e Tomo XXVI, §§ 3.137-3.149. Lamentável foi, no
século passado, que o Código Civil argentino e outros não houvessem seguido o caminho de TEIxEIRA DE
FREITAS, esboço, artigo 8.400. Àquele houve crítica sensata, mesmo na República Argentina, ao art. 907 do
Código Civil argentino; e. g., MARIA LUISA STÂBILI DE-Nuca, R‟nriquecimiento sim causa, 12 s., que aliás
nenhuma referência fêz ao Código Civil brasileiro, arts. 694-971.)
3.DANOS À POSSE. O possuidor de bem móvel, inclusive o possuidor do título ao portador, somente por ser
possuidor e não estar provado que furtou ou achou o bem, pode usar o bem, inclusive o titulo, ou, como possuidor
do título, apresentar-se para receber o que foi prometido no título, ou exercer direitos de acionista, em se tratando
de ações ao portador. A legitimação abrange mais casos que a titularidade do domínio e não se~ confunde, em sua
extensão, com o encargo, que é outorga de poder, nem, em seu conteúdo, com a representação, que supõe outorga
de poder para se obrar em nome do titular do direito. Há encargo sempre que se entrega o titulo ao portador a
alguém, sem &ar preciso que se transfira, ainda fiduciariamente , a propriedade.
O dano causado ao bem ou ao título ao portador ou ao titulo endossável, se o possuidor é possuidor próprio, tanto
pode ser dano ao patrimônio do titular do direito como ao do possuidor impróprio, se, quanto a êsse, há
diminuição dos seus direitos, ou causa de deveres de reparação, pelo dever de custódia que êle tinha.

4.DANOS A EDIFÍCIOS. Tratando-se de edifício, o dano pode ser ao dono do edifício, ou ao dono e ao
possuIdor, ou ao dono da pertença. Se o bem móvel se integrou na construção, mesmo sem unidade material, há,
necessariamente, dano ao dono e ao possuidor do edifício; mas isso não significa que o dano à pertença não possa
ser ao dono da pertença e ao do edifício.
O dono da boate, que é locatário, e não dono dos salões, recebeu-os com alguns quadros decorativos, que têm
lugar adequado nas paredes, e algumas de tais pertenças foram atingidas por pancadas que um dos fregueses
vibrou. Houve danos, como a inutilização de algum ou de alguns quadros e a quebra dos vidros. A~, o dano foi ao
dono dos salões e ao dono da boate. Se os quadros tinham sido vendidos a terceiro que se obrigou a só os exigir no
fim do contrato com a casa de diversões, três são as pessoas legitimadas à ação: o dono dos quadros, os dono do
edifício e o dono da boate.
Os edifícios têm partes integrantes imobiliárias e partes integrantes mobiliárias. Quem dá em locação o edifício
inclui o que, bem móvel, está integrado no edifício, por sua qualidade. Os próprios direitos que se ligam à
propriedade do prédio integram-se no edifício (e. g., aparelhos de ar condicionado, bombas de água, mesmo se
deslocadas, mas para colocação preparada, aparelhos contra incêndio; editer, peças de circo, toldos e barracas
para festas, cf. PAUL ALBRECHT, File rechtliohe. Rehandlung der Sachen des § 95 RGB., 11). Não há
princípio a priori: tem-se de examinar a espécie, atendendo-se à cultura da população, como ocorre com os
objetos pessoais ou comuns das cabinas de caça, ou dos barcos de pesca, ou de vestiários de clubes (cf. J. E.
KUNTZE, Die Kojengenossensehaft und das Gesohosseigenturn, 61). Pode bem ser que se haja apenas integrado
com a posse e advenha a usucapião (cf. MÂX SCHULTZ, fie Leltre vou den Bostandteilen, 24) até isso ocorrer há
as ações do dono e dos credores do dono.
Ocurso das águas pluviais não pode ser mudado, de modo que cause danos a algum vizinho, ou dono ou possuidor
do terreno próximo, ou mais no alto, ou mais embaixo. A adio aquae pluviae areendae não é limitada, hoje, à
proteção dos prédios rústicos, pôsto que seja o que mais acontece. Trata-se de agita pluvia, vei quae ptuvía ereseit.
O dano pode ser presente ou futuro (L. 1, § 1, D., de aqua et aquae phcviae aroendde, 39, 3; ci. GÕTTLIEB
RÀPPELI, Die aquae pluviae arcendae acUo, 11 s.).

5.ATO CULPOSO DE COMISTÀO, CONFIJSÂO OU ADJUNÇÃO.


O proprietário de materiais de construção, ou de peças de fábrica, de sementes irretiráveis e de árvores plantadas,
perde a propriedade, pois que a separação não é praticável sem deterioração. A lei trata do assunto a propósito da
confusão, da comistão e da adjunção, mas é inafastável, nas espécies em que há culpa (“má fé”, diz-se, por se
estar no campo do direito das coisas), a figura do ato ilícito, que dá causa à indenização, pois que se pré-exclui a
ação de propriedade e, nas espécies, a acão de separação (cf. R. v. JHERING, Das Schutdmornent im rõmischen
Frivatrechi, 12; e JOHANNES SCHU» MACKER, Ueber tignum und tignum iunctum, 45 s.).

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6.ALOJAMENTO E DANIFICAÇÃO. Já falamos da responsabilidade dos donos de hotéis, hospedarias, casas
ou estabelecimentos onde alguém se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes,
moradores e educandos (Código Civil, art. 1.521, IV). a. Tornos, II, § 117, 3; XLII, § 4.667, 2; XLVI, § 5.033, 8,
4. Quanto às bagagens e a furtos e roubos sem serem de objetos inclusos na bagagem, a propósito do ad. 1.284 e
parágrafo único e do arE 1.285, 1 e II, dissemos o suficiente (Tornos XXIII, § 2.794, 6, 13; XLII, §§ 4.663, 5;
4.667, 2; e XLVI, §§ 5.029, 2;
5.033, 3, 4; 5.084, 1; 5.035, 1; 5.037, 8).
No direito brasileiro, a responsabilidade dos hospedeiros, pelos danos, a bem dos hóspedes, foi posta nos arts.
1.284 e 1.285 do Código Civil, por estar composta a figura do depósito necessário, sem se ter de discutir se a
responsabilidade resulta quasi ex contractu, ou quasi ex delicto, ou ex contractu ou ex delicto (cf. A. C.
WOLTERS, tiber die actio de recepto iii Rezug aul die Gastwirthe ais Recipienteu, 2). Tínhamos de cogitar do
assunto por ocasião da exposição sôbre o contrato de depósito, pOsto que à lei se deva a necessariedade da
vinculação. Tão-pouco se há de exigir que tenha havido anúncio, ou promessa oral de cuidado, tal como se usava
nos transportes do Nilo (L. MITTEIs u U. WnxKEN, Grundziige und Chresto‟mathie der Papyrwskunde, 259 s.)
e nos textos romanos (L. 5, § 1, O., nautae caupones stabularii ut recepta restituant, 4, 9: “. .. salvum fori recipit. .
.“; cf. MAx RORCK, Die Haftung des Gastwirte fiir eingebrackte Sacken, 21 5.; FRIEDRICH MEYNS, Die
rccktlichc Grundiage der gememrecktliche Haftung ex recepto, 17 s.: OTTo HOYER, Die Ha.ftpflicht der
Gastwirthe, 1 s.).
7.INTERESSE NEGATIVO. Quem manifestou vontade, crendo alguém que validamente o fazia, é responsável
pelo interesse negativo, tenha havido, ou não, a culpa in contrait tudo. Os danos ressarcíveis são os danos que a
pessoa sofreu por ter confiado, e não aquêles que correspondem ao interesse o~:e teria tido se o ato fôsse válido.
A indenização também cabe se o negócio jurídico ou o ato jurídico não se concluiu, ou se houve falta de poder da
representação. Em caso de validade por impossibilidade da prestação, é invocável o princípio. Não se pode
reduzir a uma sé figura a causa da reparação do dano, se o interesse, de que se trata, é negativo. Às vêzes há o
delito, muitas vezes não há. Não há arbítrio do juiz na apreciação do interesse negativo e da sua correspondência
indenizatéria (cf. W. MARCUSEN, fie negative Vertragsinteresse im schweizerischen Obligationenrecht und im
deutschen Entwurf. 35; CASPAR MELLIGER, Culpa in contrahendo oder Sckadenserzatz bei nichtigen
Verti-dge, 173). A responsabilidade também pode existir por ineficácia do contrato (o?.
WEINBERG, Der Ersatz des negcitiven Interesses nach biirgerlicitem Recht, 88 s. e 52 s.; FItANZ BITTER, Zur
Leitre von Schadensersatz bei nich.tigen oder nicht vollendeten Vertrãgen, 2 sã. Há os que falam da
impraticabilidade da conceituação (cf. ANDREAS FRITSCH, Das negative Vertra.gsinteresse, 47) e temos de
repelir, por ser sôbre espécie e levar a confusão, a expressão “Vertragsinteresse” (e. g., LORENZ PETERSEN,
tiber deu Schadensersatz bel nichtigen Vertrtigen nach. dem gemeineu Recht and naeh dem DCII., 81). Quanto à
prescrição, se cm regra jurídica especial não se prevê o prazo de prescrição ou de preclusão, tem-se de atender ao
prazo que seria o do negócio jurídico se em questão estivesse o adimpiemento (cf. F. KLEINEmAM,
Unmogliúhkeit and Unvermôgen nach dem DOR., 42; CASPAR MELLIGER, Culpa in contrahendo oder
Schadensersatz bei nichitigen Vertrãge, 1‟70; LORENZ PETERSEN, Tiber deu Schadensersatz bei nichtigen
Vertrãgen, 64).

§ 5.508. Dano e dever de indenizar

1. DEVER DE INDENIZAR. Já falamos no dever de indenizar (Tomo XXII, §§ 2.717-2.730) e aqui apenas
havemos de cogitar de especialidades.
A teoria da responsabilidade pela reparação dos danos não se há de basear no propósito de sancionar, de punir, as
culpas, a despeito de se não atribuir direito à indenização por parte da vítima culpada (argumento repelível de L.
11w GUENEY, L‟Idée de peine privée, 154). O fundamento no direito contemporâneo está no princípio de que
o dano sofrido tem de ser reparado, se possível, e a técnica legislativa, partindo da causalidade, há de dizer qual o
critério, na espécie, para se apontar o responsável. A restitubilidade é que se tem por fito, afastado qualquer antigo
elemento de vingança.
É escusado procurar-se basear toda a responsabilidade por fatos ilícitos absolutos em causalidade (teoria da
responsabilidade pela causalidade), ou em culpa (teoria da responsabilidade pela culpa), mesmo quando se
adiciona àquela a exigência do interesse (caias commodrí eis et incomnioda), ou a do perigo. A técnica legislativa
resolveu, com atitudes inspiradas em exames a posteriori, os problemas que foram

.~> a]
surgindo. Ora se atende ao elemento volitivo de quem há de ser responsável, ora à sua conduta, ora à atividade
perigosa ou à dos seus dependentes, ora à situação mesma da coisa (cf. EMIL STEINBACH, fie Grundsdtze des
heutigen Recittes jiber deu Ersatz und Verrnõgenssckàden, 92), ora se invoca a eqUidade, ou a diferença de
patrimônio (richesse obtige) e a necessidade de se reparar o dano, que é relativamente maior do que seria para o
lesante (FEJTE, Ilaftung ohne Verseituldeu im kommenden Recht, 40 s. e 50 s.).
Nem o proveito, nem o contrôle, ou cuidado basta, de per si, para se explicar a inversão do ônus da culpa, nem, a
fortiori, a responsabilidade objetiva (cf. REINH. GEIGEL, Der .blaftpftichprozess, 296; Faruz MULLER,
Strasseuverkehrsrecht, 2Q~a ed., 209 e 213).
Se em luta de dois ou mais, terceiro é ferido, com um dos lutadores, responde aquêle que feriu o terceiro, mesmo
que tenha sido vítima. Se o terceiro foi atingido sem que se saiba quem causou o dano, todos os lutadores são
responsáveis. Éo que às vêzes ocorre em caso de abordagem, mas temos hoje de entender que não há
solidariedade (HENLu RIPERT, Les Conventions de Bruxelies sur Vabordage, l‟assistance et le sauvetage, 128
s.).
Sempre que, a respeito de certos efeitos, as regras jurídicas permitem que os atos humanos sejam, ou não,
segundo a vontade do autor dêles, produtivos dos efeitos, diz-se que se deixou campo reservado à vontade
individual (autonomia da vontade). Outras vêzes, os efeitos surgem sem que os quisesse o autor dos atos. Tais
atos, sem serem da classe daqueles, ainda são jurídicos, se os efeitos são efeitos ligados ao conceito de ilicitude.
Além dessas três classes, há, já fora do jurídico, o domínio indiferente, o campo dos atos humanos, voluntários ou
não, que são lícitos sem se fazerem atos jurídicos.
Além dêsses fatos, há espécie que merece atenção particular, que é a dos atos, que não são ilícitos, isto é, que o
sistema jurídico não tem como contrários a direitos, portanto coloridos de ilicitude, e no entanto dão ensejo a
direito à indenização, como ocorre com as reparações em caso de atos que foram praticados em estado de
necessidade, ou de defesa, própria ou de outrem.
Com a interpretação que demos ao art. 968 do Código Civil (Tomo XXVI, §§ 3.146, 4, e 3.148, 4), bá a ação de
enriquecimento injustificado contra o terceiro que adquiriu gratuitamente, ou de má fé; não a ação de ato ilícito
(cf. Tomo XXVI, § 3.145, 4; cp. RUDOLE VOLGER, ErWuteru‟ng des § 822 BOR., 14 5.; A. STIEVE, Der
Gegenstaná des Bereicherungsanspruchs nach dent BOR., 8 e 14). O ônus da prova eabe ao autor (E. HAAS, Pie
condictio indebiti naeh gemeinem Recht und SOB., 48 s.). Se a aquisição pelo terceiro não foi por negócio
jurídico, como roubo ou furto, não há pensar-se em enriquecimento injustificado, mas em ato ilícito absoluto (cf.
FRITZ BoitÉ, fie Voraussetzungen der condictio causa data causa non secuta des Gemeineu Rechts and
diejenigeu der ihr entsp‟rechenden I0age des Biirgerliehen Rechts, 50).
A ação de injúria, esthnatória, penetrou nos sistemas jurídicos, inclusive no alemão. A sua evolução, desde as XII
Tábuas, é uma das mais notáveis, a partir da lesão corporal (eS. RrcnÃim MASCIiXE, fie Fer.sõnlichkeitsrecht
des rórniecheu Injuriensystems, 4 s.), com a posterior injúria ideal (L. 15, § 1, O., de iniurlis et famosis libeilis,
47, 10; K. TIIIEL, miaria and Beleidigvnq, 101 s.), os dados conceptuais germânicos medievais (cf. ROEERT
MAINZER, fie àstimatorische Injurienklagc in ihrer gesohichtliche Entwiclcbtng, 28 s.), a escola de Bolonha (cf.
G. VON BELOW, fie Ursaehen der Rezeption des rõmischen. Rechts in feutschland, 1-38; ERNST BELING,
Retorsiou uni Kcnzpensation von Beleidigungeu and Ktirperver?etzungen, 1, 25; BoNwÂcIus DE VITALINIS,
Tractatus de maleficlis, 538 s.; ANGELTJS ARETINUS, De Male ficiis, 273; PETRUS DE BELLA PERTICA,
Quaestiones d Decisiones aureae, q. 214; HENRIQuE CARDEAL HOSTIENSE, Sumnia aurea, 895 84 KARL
BINDINO, fie Bitre and Verletzbarkeit, 5 s.).

2.DEVER DE EVITAR PERIGOS. Há dever de evitar perigos sempre que a falta de atividade para que a
danosidade se afaste seria transgressão de direito de outrem. O responsável deixa que o dano ocorra, pois, se
tivesse intervindo, o dano não existiria. A causa está naquilo que estabelece a periculosidade, mas não teria
havido o resultado maléfico se o que devia praticar o ato excludente do risco, ou omitir algum ato, para que o dano
não se desse, tivesse cumprido o seu dever. Não existe princípio geral sôbre dever de evitar perigos. Cumpre
mesmo frisar-se que o dever morai de evitar riscos é muito mais vasto do que o dever jurídico.
Quem cria ou mantém em tráfego, movimento, ou irradiação, ou escoamento, algo que seja fonte de perigos, tem
o dever de segurança do tráfego, ou o dever de evitar pancadas, golpes, contaminações, inundações. Quem sai,
com o carro, da garagem, ou quem entra com o carro, conta com a subida ou a descida normal, ou com a
estabilidade das vigas de ferro. Quem é vizinho do edifício, ou do apartamento, conta com o cuidado do outro, no
tocante à colocação de vidros, roupas, ou outros objetos, nas janelas, ou nas varandas, ou nos próprios
dependuradores de toalhas, ou ao que pode entupir calhas, ou provocar incêndios. O dono do armazém, ou do bar,

.~> a]
ou do restaurante, é responsável pelos danos a terceiros que resultem de tumultos, que êle e os seus empregados
não evitaram, ou provocaram. No que se refere aos que entram para serem servidos (= para serem clientes), a
responsabilidade é pela culpa in contratendo.
Entre a aspiração, de jure condendo, de atribuir-se dever de indenizar a quem quer que haja praticado o ato
danoso, ou o ato-fato juridico danoso, mesmo se não teve culpa, por ter havido previsão e prudência, e a aspiração
a que só se responda pelos danos oriundos de culpa, os sistemas jurídicos sustentaram o principio da culpa, em
vez do principio da causalidade, com exceções em espécies concretas.

3.RESPONSABILIDADE PELOS DANOS. O sistema jurídico traça as linhas de onde começa a


responsabilidade pelo dano. A imputabilidade, a atribuição do dever de prestar a indenização, nem sempre
coincide com a antijuridicidade, nem com algum “ato” que a lei repute ilícito. Às vêzes há regra jurídica que, para
proteger algum bem ou interesse de outrem, permite que se atinja a esfera jurídica de alguém, e estabelece, para
equilíbrio, que o favorecido pela lei excepcional indenize o dano causado. Trata-se, aí, de intromissão permitida.
Outras vêzes, há regra jurídica que não veda que se mantenha ou crie riscos para outrem, ou para outros, mas
cogita da reparação dos danos que provêm dêsses riscos. E o caso das estradas de ferro, dos automóveis, das
fábricas e das aeronaves. Tem-se, então, a dita responsabilidade pelo risco. Assim, a responsabilidade pelo ato
ilícito, com o elemento do ato positivo ou negativo, voluntário, no suporte fáctico, é uma das espécies, pôsto que
as leis costumem falar, em geral, de responsabilidade por atos ilícitos. Nem sempre há o ato, nem sempre há,
sequer, a ilicitude.
A responsabilidade pelo ato ilícito tem fundamento moral, porque se supõe , para a imputação, que o homem
tenha de agir como ser que tem de adaptar-se à vida social e há de concorrer para crescente adaptação.
Quando se fala de ato ilícito, pensa-se no ato humano controlável pela vontade do agente, de jeito que se lhe
impute a atividade e, pois, eficacialmente, a responsabilidade. Não se cogita apenas do que se quer: o ato ilícito
nem sempre foi ato querido. Se A passa pelo corredor e, sem querer, volta para verificar o número da loja e, com
o movimento do braço, derruba o jarrão ou a estátua que está exposta, A é responsabilizado, pôsto que não tivesse
querido fazê-lo, nem, sequer, sido possível bater com o braço. Por aí se colhe a possível objetividade da
imputação em caso de ato ilícito.
Tem-se de procurar saber quais são os elementos fundamentais, do suporte fáctico.
A ofensa pode ser à pessoa, à saúde, no mais largo sentido, à liberdade (aliás, às liberdades), à propriedade, ou a
outro direito de que outrem seja titular. Só se afasta o direito oriundo de negócio jurídico ou de ato jurídico stricto
sensu, porque outras são as regras jurídicas sôbre responsabilidade.
A regra jurídica do art. 1.518 do Código Civil é assaz geral, de modo que não surge o problema de iure condendo
que resulta do § 823 do Código Civil alemão.
Um dos pontos mais dignos de atenção é o da pluralidade de causas, ou mesmo de causadores, coligados ou
separados, com a contemporaneidade ou a sucessão. Se A pôs o fósforo aceso no quintal do vizinho e E, ao
descobrir o começo do incêndio, lançou latas de querosene, para que os danos crescessem, ou mesmo, com medo
do incêndio, correu e deixou que as latas caíssem, há duas ilicitudes danosas, sem que se possa falar de
co-responsáveis Se A e B cogitaram dos dois atos e os praticaram, os danos resultaram das concausas e há a
pluralidade com a solidariedade, porque o ato ilícito absoluto foi uno e a multiplicidade foi subjetiva. Não
importa quem atirou o fósforo ou quem jogou as latas.
O lesado pode exigir a indenização a qualquer dos responsáveis, pois que são solidários, no todo, ou em parte. A
prestação total por um libera a todos. A regra jurídica sôbre solidariedade apanha qualquer responsabilidade pelos
danos (e. g., por culpa ou pelo risco), bem como a responsabilidade do autor imediato e do que exerce vigilância,
a responsabilidade do possuidor próprio mediato, a do possuidor impróprio mediato e a do possuidor imediato.
Se há dados precisos sôbre a discriminação dos danos e das suas causas, subjetivamente determinadas, cada
pessoa só é responsável pelo dano que causou, ou pelo qual é, por lei, responsável.
Se há pluralidade de responsáveis, porém com diferenças quantitativas quanto ao que deviam e alguém pagou ou
alguns pagaram, quem pagou ou os que pagaram mais do que deviam, têm pretensão a que sejam reembolsados.

5. CONCORRÊNCIA DE PRETENSOES. Se a espécie do dano é por falta de diligência, mas entre o lesado e o
lesante havia relação jurídica que só o faria responsável por dolo ou culpa lata. (a chamada omissio diligentiae in
concreto”), discutiu-se se há a responsabilidade mesmo se por falta de diligência. Afirmativamente, e. g., F.
SaIÕMANN (Handbuch des Civilreehts, II, 208 s.), EGID VON LÓHR (Reitrdge zur Theorie der Culpa, 219 a.),
CER. FRIED. VON GLUCK (Ausfiihriiche Erídutenung der Pandecteu, X, 310) e E. WINDSCEEID (Lelabueh

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des Pandelctenrechts, ~ 9Y ed., 976). Contra, K. .An. VON VANOEROV (Lehrbuch. der Pand.ekten, III, § 681,
nota 3, 590); R. VON HoLZSCHURER, Theorie und Casuistik des gemeineu Civilrechts, III, § 326), A.
PERNICE (Zur Lehre von deu Sachbeschãdigungen nach. rômisckem Recht, 78 s.), Não se pode dizer que em
todos os casos o lesante só responda pelo inadimplemento ou pelo adimplemento ruim, ou outra causa de
responsabilidade negocial, porque se pode compor o suporte fáctico do delito; nem mesmo se há de dizer que a
pretensão de origem negocial pré-elimina, de regra, a pretensão extranegocial (cf. R. WRZESZINSKI, Die
Koncurrenz der Anspriiche nach gemeinem Recht und BGB., 41, que invoca a diferença de tratamento no direito
penal e no direito privado, que não pré-exclui múltipla infração). O que importa éque não haja os mesmos
elementos no suporte táctico da regra jurídica negocial, ou da cláusula, e da regra jurídica extranegocial. A
ilicitude absoluta há de ser fora do campo em que se atende à qualidade de devedor (cf. VALENTIN BECKER,
Wird der Anspruch. aus unerlaubter Handlung dadurch ausgeschlossen, dass zwischen dem Tãter und dent
Verletzten em besonderes Rechtsverhdltflis, irtsbesondere em Vertragsverhi~Lltnis, besteht?, 48 s.).
As medidas que se tomam dentro de colégios, conventos, internatos ou repartições públicas, que sejam
correspondentes ao nível social, tendentes à adequação social, não são atos ilícitos absolutos.
Se o aluno foi impedido de sair à hora marcada para todos os alunos, porque uma das sanções usuais, ditas
castigos escolares, consiste em redução da saida, por algum tempo, e com isso deixou êle de comparecer a
exibição de televisão, ou de outro trabalho, que lhe dá vantagens pecuniárias, o ato do professor ou do diretor não
foi ilícito. Isso não afasta que o aluno possa alegar e provar que o castigo não era usual, que professor ou diretor
sabia que a aplicação seja lesante e podia ser para o dia seguinte. Tem-se de verificar a legitimidade da pena
colegial, a oportunidade diante das circunstâncias que o professor ou diretor conhecia ou veio a conhecer. Dá-se o
mesmo com os conventos, internatos, emprêsas e repartições públicas. A exigência de plantão a quem tem de ser
operado, com dia certo, é ilícito. A ordem de viagem para quem tem de casar-se naquele dia, ou naquela semana,
e não consente em adiamento, é ilícita.
No que concerne ao conteúdo do art. 1.518, parágrafo único, do Código Civil, apresenta o direito brasileiro, desde
os primórdios, a mesma índole doutrinária.
Para determinada espécie proveu o Alvará de 22 de junho de 1668, § 6: “Havendo tido informação, de que a Casa
da Misericórdia tem perdido muitas, e importantes somas,pela dissimulação, ou conivência, com que alguns
Oficiais da Mesa permitiram tácita e expressamente, que os devedores consignantes percebessem os rendimentos
dos mesmos bens, que lhes tinham designado: Mando que os Oficiais da mesma Casa,. que não fizerem cobrar as
consignações acima ordenadas nos seus devidos tempos, depois que houverem sido metidos na posse delas por
efeito dos contratos de empréstimo na forma acima ordenada, fiquem responsáveis pelos seus próprio bens, todos
em geral, e cada um in sotidum, pelo que com negligência, ou conveniência deixarem de cobrar; cuja pena aliás
Mando que não tenha lugar, quando as faltas de cobrança procederem de outras diversas causas, que sejam
inculpáveis naqueles que administram bens alheios
No Alvará de 1668, claramente se trata de culpa extracontratual e se mostra o acatamento ao princípio da
solidariedade na reparação, quando existe duplicidade ou multiplicidade de autores do dano. A doutrina era a
romana, aplicável no direito português.
No Digesto, L. 11, § 2, ad legem Aquiliam, 9, 2, estatuía-se: “Sed si plures servum percusserint, utrum omnes
quasi occiderint teneantur, videamus. et si quidem apparet cuius ictu perierit, lhe quasi occiderint tenetur: quod si
non apparet, omnes quasi occiderit teneri Tulianus ait: et si cum uno agatur, ceteri non liberantur, nam ex lege
Aquilia quod alius praestitit, alium non relevat, cum sit poena”. Assim, se mais de uma pessoa feria o escravo,
devia inquirir-se: qual o golpe que causara a morte, e então seria responsável apenas a que o vibrou; e, no caso de
se não saber, ter-se-iam por autores a todas e não importaria exoneração das outras a condenação de qualquer
delas: aí o que se paga é pena, diz o texto, e a solução por um não libera aos outros.
Na mesma L. 11, § 4, mais peremptôriamente se diz: “Si plures trabem deiecerint et hominem oppresserint, aeque
veteribus placet omnes lege Aquila teneri”. Se muitos fizeram cair uma trave que esmagou um homem, todos são
igualmente sujeitos à lei Aquília.
No direito anterior, já TEIXEIRA DE PREITAS expusera como princípio: “Quando o crime fôr cometido por
mais de um delinquente, a satisfação será à custa de todos; ficando, porém,cada um dêles solidàriamente
obrigado”. E para esteio do que escrevera invocou o art. 27 do Código Criminal do Império. Explicitamente o
estatuíra o referido artigo de lei penal, incluindo, com outros de igual natureza, no Código Criminal do antigo
regime: “Quando o crime fôr cometido por mais de um delinquente, a satisfação será à custa de todos, ficando,
porém, cada um dêles solidàriamente obrigado, e para êsse fim se haverão por especialmente hipotecados os bens
dos delinqüentes desde o momento do crime

.~> a]
Na República, dizia o art. 69 do Código Penal: “A condenação do criminoso, logo que passe em julgado,
produzirá os seguintes efeitos: b) a obrigação de indenizar o dano; e) a obrigação de satisfazer as despesas
judiciais”. E o parágrafo único: “Está responsabilidade é solidária, havendo mais de um condenado pelo mesmo
crime”.
 No Código Penal da Armada, que o Decreto n. 613, de 29 de setembro de 1899, estendeu ao Exército, assentou
o artigo 61: “A obrigação de indenizar o dano é solidária, havendo mais de um condenado pelo mesmo crime”.
Nenhuma novidade, pois, trouxe-nos o art. 1.518, parágrafo único, do Código Civil: é o principio tradicional e
reiteradamente inserto no texto das nossas leis, que mais uma vez se formula.
Depois, está no Código Penal (1941), art. 25: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas
a êste cominadas”. No art. 26: “Não se comunicam as circunstâncias de e~iráter pessoal, salvo quando
elementares do crime
No art. 27: “O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são
puníveis se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado (artigo 76, parágrafo único) “.
Nas espécies de procura, mandato, ou outra outorga de podêres, há responsabilidade negocial por despesas e
danos, mesmo se a atividade é só por amizade (cf. HEINRICR ORTRAL, fie Schadenersatzpízichl deg
Auhtraggebers nach, dem 8GB., 17). Os danos podem dar ensejo à responsabilidade delitual, conforme os
princípios invocáveis in casu, quer por culpa, quer por presunção ivris tontura (e. g., Código Civil, artigo 1.527),
quer pelo risco (cp. Rnpp, Modernes Recht und Ver-

sckulden, 88; ~RUDoLF SCHMmT, Die Gesetzeskonkurrenz im búrgerlichen Recht, 180 5.; ADOLE LÚHL,
Griinde und Aden der Detiktshaftung nach. dem neuen BGB., 18 s.). Sôbre a concorrência das ações de
responsabilidade negocial e extranegocial, já a L. 34, §§ 1 e 2, D., de obligationibus et actioni,bus, 44, „7.
A responsabilidade extracontratual pode ser a respeito de correios e telégrafos, como se o empregado dos correios
põe explosivo na caixa de brinquedos que foi enviada como encomenda. De regra, a responsabilidade é negocial,
conforme os princípios, inclusive quanto à responsabilidade do Estado se o correio ou o telégrafo é serviço
estatal. (cf. CARL MELTZ, Die Beamtenhaftpflieht nach § 889 EGE., 14 s.; FELIx RríCHERT, Die
civilrechtliche Haftung der Post- und Tetegraphen-Beamt,en, 207 s.). As regras jurídicas do Código Civil
incidem, salvo lez specia lis (cf. M. ASCHENBORN, Das Gesetz liber Postwesen des Deutschen Reichs, 73).
Quem tinha de assinar a escritura no dia tal, e não foi assiná-la, ou quem fêz redigir-se o instrumento do negócio
jurídico em forma que é causa de nulidade, ou de ineficácia, para se furtar a adimplemento, comete ato ilícito.
Quem leva o outro figurante a não ir a cartório para a escritura, por afirmar, negligente ou dolosamente, que não
era preciso, é responsável (culpa in contrahendo). O responsável tem de indenizar pondo o outro figurante na
situação em que estaria se tal falta não tivesse acontecido.
No caso de pluralidade de obrigados solidários, o que pagou ou pagou mais do que o outro, ou do que os outros,
têm ação regressiva para haver o que prestou ou prestou mais do que teria de prestar, se todos houvessem
prestado.

~5.509. Dano não-patrimonial (dano moral)

1.DISTINÇÕES ESSENCIAIS. Os danos morais são inconfundíveis com os danos oriundos de atos imorais.
Aqui, há infração dos bons costumes, das regras de moral; ali, a esfera ética da pessoa é que é ofendida. Para que
a simples violação de princípios morais, que não são, também, princípios jurídicos, possa dar ensejo a
responsabilidade por ato ilícito
(positivo ou negativo), é preciso que haja culpa: supõe-se, portanto, que se quis o dano, mas basta o chamado
“dolus eventualis”, que é o saber-se que o ato, positivo ou negativo, pode ter como consequência o dano para
outrem. A relação causal não tem de ser entre o ato com a intenção do dano e o dano:
é elemento suficiente ter-se previsto, e nada se haver feito para se evitar o ato ou se evitarem as suas
consequências. O dano, êsse, pode ser patrimonial, ou não-patrimonial, inclusive moral.
O bem patrimonial é o bem que está inserto na riqueza patrimonial. A mão de A, como a de E, não está. Nem a
honra de C. As aflições e as dores físicas, também não. Nem a diminuição do prestígio ou da boa reputação.
O mesmo fato ilícito absoluto seja ato ilícito, seja ato-
-fato ilícito, seja fato ilícito stricto sensu pode determinar responsabilidade pelo dano não-patrimonial e pelo

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dano patrimonial. Se E cobra letra de câmbio ou nota promissória, que teria sido assinada por A, e não o foi, a
ação de A contra E pode ser para lhe serem ressarcidos os danos patrimoniais e os não-patrimoniais.
À diferença do que se passa no direito brasileiro, o Código Civil italiano, art. 2.059, estatui que „11 danno non
patrimoniale deve essere risarcito solo nei casi determinati daíla legge” (cp. Código Penal italiano, art. 185).
Hemos de afirmar a ressarcibilidade do dano não-patrimonial, a despeito de haver opiniões que reputam
repugnantes à razão, ou ao sentimento, ressarcir-se em dinheiro o que consistiu em dano à honra, ou à integridade
física. Nada obsta a que se transfira ao lesado, com algum dano não-patrimonial, a propriedade de bem
patrimonial, para que se cubra com utilidade econômica o que se lesou na dimensão moral (= não-
-patrimonial). Se se nega a estimabilidade patrimonial do dano não-patrimonial cai-se no absurdo da
não-indenizabilidade do dano não-patrimonial; portanto, deixar-se-ia irressarcível o que precisaria ser
indenizado. Mais contra a razão ou o sentimento seria ter-se como irressarcível o que tão fundo feriu o ser
humano, que há de considerar o interesse moral e intelectual acima do interesse econômico, porque se trata de ser
humano. A reparação pecuniária é um dos caminhos; se não se tomou êsse caminho, pré-elimina-se a tutela dos
interesses mais relevantes. Não só no campo do direito penal se há de reagir contra a ofensa à honra, à integridade
física e moral, à reputação e à tranqüilidade psíquica.
Sobre dano não patrimonial e dano moral, Tomo XXVI,§ 3.108.
O dano moral pode ter tido corno causa ato positivo ou negativo que não foi ato imoral.
A expressão “dano imaterial”, corno a expressão “dano não-patrimonial”, substitui a outra, que tanto se emprega,
“dano moral”.
Sôbre o dano moral, nem a lei, nem a jurisprudência nos bastam: aquela, obscura; variável, essa. Há opiniões,
ligadas, todas, a antigas correntes: a) irreparabilidade absoluta dos danos morais (e. g., F. VON SAVIGNY,
FRANCISCO DE PAULA LACERDA DE ALMEmA); b) reparabilidade se o dano mor~ teve conseqUências
danosas para o patrimônio (assim, nada se resolve: o dano patrimonial é que está em causa; é como se
disséssemos: admitimos o dano moral, quando fôr patrimonial!) e explicava DAILoZ, no Répertoire (Suppl.
verbo responsabititá, § 28) : “... o juiz deve verificar se, atingindo o autor da ação em suas legítimas afeições,
perturbando-lhe a existência ou o seu futuro, a falta (do réu) lhe causou apreciável dano em dinheiro; o dinheiro,
que não pode ser o preço da dor nos processos de homicídio, nem da honra, nos de calúnia deve corresponder a
prejuízo suscetível de avaliação em dinheiro, isto é, pecuniário, pois que pode ser o contra-choque da dor, como
da desonra”; c) reparabilidade somente quando o delito civil provenha de delito penal (e. g., AUBRY e RAU) ; d)
reparabilidade quando se trate de ofensa à honra, à reputação e à consideração pública, de diminuNção objetiva de
prestígio público, de estima geral (e. g., E. TRÉBUTIEN) ; e) reparabilidade quanto ao sofrimento, causado pelo
ataque à honra, à reputação, à estima (diminuIção subjetiva do prestigio público, da estima geral), diferente da
anterior, porque, aqui, o que se repara é o sofrimento, a dor sofrida pelo lesado; 1) reparabilidade plena do dano
moral (e. .q., C. DEMOLOMBE, L. LAROMBIÉRE, VIRGILE ROSSEL, 1W. A. COELHO DA ROCHA e 1W.
1. CARVALHO DE MENDONÇA). A sensibilidade humana, sociopsicológica, não sofre somente o luorum
cessans e o damnum emergens, em que prepondera o caráter material, mensurável e suscetível de avaliação mais
ou menos exata. No cômputo das suas substâncias positivas é dúplice a felicidade humana: bens materiais e bens
espirituais (tranqUilidade, honra, consideração social, renome). Daí o surgir do princípio da ressarcibilidade do
dano não patrimonial.
Não se pode dizer que o dano mural tenha existência meramente ilusória (e. g., ENRIco GIUSIANÁ, II Conoetto
di Dauno giuridico, 297). Assim, só se admitiria o dano patrimonial e o dano não-patrimonial, ainda se
inavaliável com exatidão, existe. A perturbação psíquica, sem repercussão no patrimônio (e. g., o lesado não
trabalhava e vivia das suas rendas, como continua a viver, sofreu dano moral) ; sem razão, ALPREIYO
MINOZZI (Studio sul Danno mm patrintoniale, 141 s.).
O dano patrimonial supõe, em primeira linha, a ofensa ao patrimônio, tal como era. A oportunidade para a venda
ou compra de uma casa, ou outro objeto, pode dar ensejo a dano patrimonial, porque a ocasião se inseriu no valor
(FR. LEONHARD, Aligemeines Schnidrecht, 200; ROBERT NEUNER, Interesse und Vermõgenschaden,
Archiv fiir die civilistisolte Praxis, 133, 277; contra, ASKENASY, tber den immateriellen Schaden nach dem
13GB., Gruchotg Reitráge, 70, 373 s.). Não é reouisito conceptual qúe o bem já esteja com o valor, nem que tenha
valor para outrem (e. g., o bilhete nominativo de teatro, que furtam no momento de se ter de entrar).

2.DIREITO ALEMÃO. Na Alemanha, mais do que nos outros povos, estêve em discussão a doutrina do dano
moral, do elemento não-patrimonial no direito. Para JosEF KOHLER (Z2uõtf Studien zum RGB., 1, 1-88) e
KONRAD HELLWIG (tiber die Grenzen der Vetragsmóglichkeit, Archiv fiJi- die civilisti~solte Prazis, 86,

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223-248), qualquer interesse, ainda não material, pode ser objeto de obrigação, quando os comícios e os costumes
do povo, de que se trata, permitam tais bens imateriais. O interesse econômico não é o único interesse; outros há,
e não são de somenos importância. O Código Civil alemão foi, para JosEr IÇOHLER, o caminho, o degrau, para
a futura evolução do ressarcimento do dano moral. As limitações de ordem subjetiva para RONRAD HELLWIG
(faculdade de brigar-se por danos morais) seriam objetivas para JOSEF RORLER: bens morais ressarcíveis, ou
não, segundo as idéia os hábitos de determinado povo. O § 241 do Código Civil alemão abstrai do interesse
patrimonial nas obrigações. RuDOLF VON JHERING, em 1878, a propósito de comitê internacional
alemão-suíço para questão relativa a estrada de ferro, coerente com as suas convicções fundamentais, considerava
os interesses como elementos da vida, variáveis no tempo e no espaço; todos êles podem ser objeto de contrato e,
com a. mesma razão, ainda que não apreciáveis em dinheiro, ressarciveis Na condenação pecuniária não há
somente a função de equivalência, mas, também, a de satisfazer. Pouco importa a imperfeição dos meios para
consegui-lo. B. WINDSCHEID (Lehrbuch. des Pandektenrech,ts, II, § 455, 980> queria que, no direito atual,
além do dano patrimonial, sejam ressarcidos os danos consistentes em dor sofrida. Apesar de decisão de
Wiesbaden contra a indenização da dor, por contravir a L. 7, D., de Fús, qui effuderint rei deiecerint, 9, 3, a
jurisprudência alemã assentou-o, com explicitude, antes e depois do Código Penal do Império. Ao
Schmerzen.sgeld, instituto de direito civil (ressarcimento do dano não patrimonial), corresponde, no direito
penal, a Busse. Já C. 5. SEITZ (Untersuchungen úber die h,eutige Schmerzensgeldklage, 45 s.) via no
Sckmerzensgeld a antiga pena privada e atribuiu a pecunia doloris, com o caráter de satisfactio devida ao dano, ao
desejo de se manter o velho instituto germânico. A ressarcibilidade resultaria da pena. C. O. VON WÀCHTER
(fie Russe bei Belei.digung und Kõrperverletzungen nach dem heutigen gemeinen Reckt, 17 e 71-74), refutou a
concepção de ser pena privada; considerou-o ressarcimento. Rebateu os argumentos dos que atacam a
equiparação de dor e dinheiro: não se lembram, diz êle, das indenizações no caso de rotura de esponsais ou do
pagamento da coroa de virgindade. Demais, o critério é a ofensa. e não a medida da culpa do ofensor. Prova isso
que não se trata de pena. Utilis acUo legis, a Sch,merzensgeidklage pertence ao direito reparatório (atos ilicitos)
não é, pois, utilis adio iniuriar‟um.
No Código Civil alemão, quis-se enunciar, não só o priucípio geral de ressarcimento (§ 823), como também a
determinação dos conceitos de atos ilícitos e de dano, mercê de indicações: vida, corpo, liberdade, propriedade e
todos os outros direitos da pessoa. No § 826 foi adotada a reparação, contra quem, contrariamente aos bons
costumes, com intenção, causa dano a outrem. No § 253, limita-se a reparabilidade do dano moral; “Quanto ao
dano, que não é dano patrimonial, indenidade em dinheiro somente pode ser devida nos casos determinados pela
lei”. Quais são esses casos? São os dos §§847 e 1.300. No § 343, encontra-se a reparação com o caráter específico
de pena contratual. Tem-se decidido que simples interesse de afeição (Affektionsinteresse) ou mera mania ou
capricho de amador (Liebhaberei) não é ressarcível; mas deixa de ser assim, se a afeição, ou fantasia, ou mania (e.
g., coleção de selos, moedas antigas) é geral a certo círculo de pessoas ou a muitas pessoas. Mas há opinião
discordante: H. DERNBURG (Das biti-gerliche Redil, ~ l.~ parte, 4.~ ed., 98), queria que, além do valor real, se
repare o dano ao interesse de afeição. Deu exemplo: o retrato de família. Os casos de dano moral, a que se refere
o Código Civil alemão, são os seguintes: a) § 847: lesão corporal; atentado à saúde; privação de liberdade, casos
em que, diz a lei, a pessoa lesada tem direito a razoável ou eqilidosa indenização em dinheiro pelos danos que não
são do patrimônio (o direito não é transmissível; não passa aos herdeiros, salvo se tiver sido reconhecido por
contrato ou tiver havido litispendência) ; b) § 1.800: se a noiva de bom proceder concede ao noivo a coabitação,
pode. no caso de rompimento dos esponsais por parte do noivo (§§ 1.298 e 1.299), pedir indenização, também
para o dano que não é patrimonial. Fala-se, como antes, § 847, em “billige Entschãdigung”, ressarcimento
razoável, equitativo. Resta o § 343. Mas êsse concerne a pena contratual, pôsto que se possa referir a qualquer
interesse legítimo do credor.

3. DIREITO ANGLO-SAXÃO. Na Inglaterra e nos Estados Unidos da América, chama-se escemplary dama ges
aos danos morais. Também o dinheiro pago, à semelhança do Schmerzensgeld alemão, se denomina
Smart-money. Os exemplary damages, vindictive, punitory dama ges que, na Escócia, receberam o nome de
solatium, surgiram do empirismo jurídico dos anglo-saxões, de caso em caso, segundo fixações do júri. Primeiro
foi costume; mais tarde, surgiu em lei. O júri acabou por ter regular faculdade de fixar as indenizações quando
irressarciveis, pela não-patrimonialidade, os danos sofridos. A primeira questão que fêz sentir-se a necessidade de
prover a tais casos foi o que narramos noutro livro (História e Prática do Habeas-Corpus, 1~a ed., 56-58; 4? ed.,
65-67) : o caso do redator do NorLh Brit ou. A doutrina inglêsa exprobrou-se a si mesma ser produto híbrido de
desafôgo, de indignação ética e de imposição de multa criminal; ser lôgicamente falsa, disseram alguns

.~> a]
doutrinadores; entregar ao arbítrio do juiz a solução; confundir jurisdição civil e penal. SEDGWICK, que lhe
reconheceu os defeitos melhor, as anomalias nem por isso deixou de encarecer-lhe a utilidade. Assim, o direito
inglês também se funda na intencionalidade do agente, O que não podia querer não comete dano exemplar. Basta
que seja doloroso, ou simplesmente ultrajante. A sensibilidade anglo- saxõnica condenou, por exemplo,
companhia de estradas de ferro a 4500 dólares, porque o condutor, maliciosamente, transportou o querelante a
400 jardas além da estação. Também se condenou o transeunte que, maliciosamente, fêz a alguém perder o trem.
A grave negligência autoriza o pedido de ressarcimento por dares exemplares. Em caso de contrato quando se
trate de promessa de matrimônio: indenização chamada de brolceu hcart, de coração partido.

4.DIREITO AUSTRÍACO. Na Áustria, o Código Civil, §§1.293 e 1.341, admite que se calculem, nos danos, as
dores sofridas, e o Tribunal de Viena mandou que se contassem os danos físicos e morais de abôrto provocado (17
de maio de 1888). Todo o dano à liberdade, à honra, ao crédito, ao corpo, é ressarcível: ofensa ao corpo (§ 1.325)
; às marcas de indústria e comércio (Markenschutzgesetz, § 27), segundo arbítrio judicial em que se atenda às
circunstâncias, até 10.000 coroas; ao direito de autor e de patentes (Uhr-Gesetz, § 57; Patentgesetz, § 108) ; no
caso de guerra, também segundo o arbítrio do juiz, atendendo-se às circunstâncias, dispunha a jurisprudência,
firmada no § 1 do Decreto imperial de 9 de junho ele 1915; se o autor do dano procedeu criminosamente, ou por
maldade, ou por prazer de prejudicar (Schadenfreude), ressarce,não só o dano material, porém, igualmente, o
valor estimativo (§§ 385 e 1.831). A Novela III, arts. 166 e 168, refusou a avaliação pecuniária do dano moral
puro e redigiu diferentemente os §§ 1.328 e 1.830.

a. DIREITO SUÍÇO. No direito suíço, tem-se o princípio de se deixar ao arbítrio do juiz a fixação e ultrapassa-se
o conceito alemão do Schmerzensgetd: não se satisfaz o dano resultante da dor física, repara-se o próprio dano
moral, com toda a sua extensão (Lei suíça de 1911, art. 47, lesões corporais ou morte; art. 49, ofensa a “interesses
pessoais”). Comparem-se as leis suíças de 1888 e de 1911: a) Bundesgesetz, 14 de junho de 1888, art. 54: “Em
caso de lesão pessoal, ou de morte, pode o juiz, tomando em conta as circunstâncias particulares, principalmente
se houver dolo ou culpa grave, atribuir reparação razoável à vítima ou aos membros da família, independente do
dano verificado”. E no art. 55: “Se alguém foi lesado por outros atos ilícitos, que causem grave dano à sua
situação pessoal, pode o juiz atribuir indenidade equitável, ainda mesmo que se não tivesse estabelecido nenhum
dano material”. b) Bundesgesetz, 30 de maio de 1911, art. 47:
“No caso de morte de homem ou ofensa corporal, pode o juiz apreciando as circunstâncias particulares deferir ao
lesado ou aos membros da família do morto uma quantia razoável (au gemessene) como reparação moral”. No art.
49, dizia-se: “O que fôr lesado em seus interesses pessoais (in seinen persõnlichen Verhãltnissen) tem ação, em
caso de culpa, para a reparação do dano, e, onde se justificar pela particularidade do prejuízo e da culpa, a ação
para prestação de uma quantia como reparação moral. O juiz pode substituir ou juntar a essa outra espécie de
reparação”.
A vítima do ato ilícito pode pedir a cessação da ofensa aos seus interesses pessoais, desde que seja iminente, ou
ainda dure no momento da propositura da ação. Não se trata, no art. 49, de penalidade, mas de recuperação, que se
faz em dinheiro, por serem vãos os esforços para que se prestasse de outro modo. A ação pode ser intentada por
pessoa jurídica:
também ela pode ser lesada em seus interesses pessoais (consideração pública, confiança, e até honra). Do mesmo
modo, pode cometer o dano a que se refere o art. 49 e ser responsabilizada. Não se questiona sôbre o caráter
delituoso, ou não, do ato; e a jurisprudência suíça tem decidido que as calúnias ao morto autorizam os herdeiros a
reclamar a reparação do dano moral, e dá-se o mesmo, quanto a fatos verdadeiros, se propagados para fins
derivados de rancor ou de maldade (Tribunal Federal suíço, 11 de setembro de 1908; 30 de setembro de 1910).
Aprecia-se a ofensa, não in abstracto, mas em relação à pessoa lesada. Dá-se ao juiz grande liberdade. Interesses
pessoais, ou relações pessoais, são os direitos subjetivos sôbre a própria pessoa, referentes às qualidades e
situações (e. g., integridade física e psíquica, liberdade, honra, nome, figura social). Exige-se gravidade da ofensa
e da culpa. Da ofensa; quer dizer: do objeto, inclusive, como tal, a honra. Para o Código Civil suíço, art. 28, só os
objetos de valor são protegidos, KARL SPEORER (Die Persônlichkeitsrechte mit besondei-e Beriicksichtigung
das Rechts der Ehre, 155). A intensidade da ofensa pode ser encarada nos meios, nos fins e nos resultados. No
Código das Obrigações, o art. 49 enche a lacuna de 1881 e dá expressamente aos tribunais a atribuição que êles,
no silêncio da lei, já, em parte, haviam tomado. Podem os juizes, se acharem conveniente, substituir por outra
espécie de reparação a soma em dinheiro, ou juntar aquela a essa, e. g., retratação, retificação, publicação do
julgamento. Pode ser entregue a soma a alguma fundação designada pelo autor da ação. Chamam a satisfação

.~> a]
Genugtuung, no ad. 49, ou Quasischmerzensgeld, em contraposição ao Schnterzensgetd, no art. 47. Ainda lhe dá
caráter penal, CHAUSSON (De l‟Obligation de réparer te dommage resultant des délita dano on eM l‟auteur
d‟aprês te Droit romain et dans te Droil fédéral dos Obligations, 2); fala de reparação de danos que não foram
determinados VIROmE Rossa, Manuel de Droit fédéral das Obligationes, 2a ed., 15) frisa haver Schmerzensgeld
no artigo 47, e Quasisohmerzensgeld, no art. 49, 117. OSER (Kommentar zum Schweizerischen Ziviígesetzbuch,
V, 201).

6. DIREITo BRASILEIRO. No Código Civil brasileiro, não se definiu o dano. O art. 159 diz “violar direito, ou
causar prejuízo a outrem”; lê-se no art. 1.518: “ofensa ou violação do direito de outrem”. Só no Título VIII,
Capitulo ii, é que trata da liquidação das obrigações resultantes de atos ilicitos, não apenas como liquidação: art.
1.537, sôbre homicídio art. 1.588, ferimento ou outra ofensa à saúde; art. 1.588, §§1.0 e 2.0, aleijamento ou
deformidade; art. 1.589, defeito com dano à profissão ou valor econômico do trabalho; art. 1.587, injúria ou
calúnia; art. 1.548, ofensa à honra da mulher; artigo 1.549, demais crimes de violência sexual ou ultraje ao pudor
(arbítrio do juiz); art. 1.550-1.552, ofensa à liberdade pessoal. “Nos casos não previstos neste capítulo”, diz
finalmente, o art. 1.558, “se fixará por arbitramento a indenização”.
No art. 76, estatui-se que o interesse moral autoriza a propor ou contestar ações. Trata-se de pretensão à tutela
jurídica.
Antes de apreciarmos a solução brasileira, vejamos quais as interpretações que lhe têm sido dadas. Primeiro, a do
autor do Projeto: “Se o interesse moral”, diz êle, sob o art. 76, “justifica a ação para defendê-lo, é claro que tal
interesse é indenizável, ainda que o bem moral se não exprima em dinheiro. É por uma necessidade dos nossos
meios humanos, sempre insuficientes, e, não raro, grosseiros, que o direito se vê forçado a aceitar que se
computem em dinheiro interesse de afeição e os outros interesses morais. Este artigo, portanto, solveu a
controvérsia existente na doutrina e que, mais de uma vez, repercutiu em nossos julgados”. Noutro lugar. “O dano
pode ser material ou moral. É material, quando causa diminuIção no patrimônio, ou ofende interêsse econômico.
É moral, quando se refere a bens de ordem puramente moral, como a honra, a liberdade, a profissão, o respeito aos
mortos. O Código Civil toma em consideração o dano moral, quando no art. 76 autoriza a ação fundada no
interesse moral, e quando destaca alguns casos de satisfação do dano por ofensa à honra (artigos 1.547 a 1.551),
sem exclusão de outros análogos, e muito menos daqueles em que o interesse econômico anda envolvido com o
moral” (CLóvís BEVALQUÂ, Código Civil comentado, 1, 886, e V, 28).
Vejamos a jurisprudência. A corrente patrimonialista dominava os tribunais; mais do que timidez: resistência. Por
outro lado, quem consegue a condenação criminal se dá por satisfeito; não recorre à justiça civil. Falta, em todos
os ramos do direito das obrigações, talvez devido à morosidade de velho aparelho processual, que se retoca, de
quando em quando, mas que se mantém o mesmo nas suas antiqualhas a educação da luta pela reparação dos
direitos violados, pela cobertura pecuniária dos danos.
Quanto aos julgados do Supremo Tribunal Federal, diz-se no acórdão de 21 de maio de 1924, Apel. n. 4.048
(ementa)
“A União é obrigada a indenizar o dano que, por infração dos dispositivos regulamentares, é causado pela Estrada
de Ferro Central do Brasil. Essa indenização deve fazer-se de acôrdo com os arts. 1.537 e seguintes, do Código
Civil, excluído o dano moral, ao qual se não referem ditos artigos, que só tratam dos casos de morte e ferimentos”.
Discordou o ministro HERMENEGILDO DE BARROS: “Condenada, pois, a ré, nos danos patrimoniais que
forem liquidados na execução, absolutamente da lei se não afastou a sentença apelada. Entretanto, o mesmo se
não poderá dizer quanto ao haver recusado indenizar os danos morais. A razão única para isso invocada foi não
serem suscetíveis de ressarcimento em dinheiro pelo nosso direito constituído e pela nossa jurisprudência,
anterior e posterior ao Código Civil. Ao invés, porém, do que atesta essa infundada afirmação, o direito, entre nós.
e no estrangeiro, se tem asseverado em sentido outro, inteiramente diverso. EDUARDO ESPÍNOLA, por
exemplo, não encontra razão moral. M. 1. CARVALHO DE MENDONÇA sempre estêve por êsse direito, bem
como por êle propugnou PEDRO LESSA, com a pertinácia e a veemência do seu temperamento combativo”.
Invocou MARCEL PLANIOL, F. LAURENT, A. SOURDAT, TH. Huc, VIRGILE ROSSEL e outros; e
concluiu: “. . . embora o dano moral seja um sentimento de pesar íntimo da pessoa ofendida, para o qual se não
encontra estimação perfeitamente adequada, não é isso razão para que se lhe recuse em absoluto uma
compensação qualquer. Essa será estabelecida, como e quando possível, por meio de uma soma, que não
importando uma exata reparação, todavia representará a única salvação cabível nos limites das fôrças humanas. O
dinheiro não os extinguirá de todo: não os atenuará mesmo por sua própria natureza; mas pelas vantagens que o
seu valor permutativo poderá proporcionar, compensando, indiretamente e parcialmente embora,

.~> a]
o suplício moral que os vitimados experimentam. O que não é possível é que o responsável por acidente daninho
aos direitos ou aos legítimos interesses de outrem possa subtrair-se às conseqüências do seu ato por não serem
direta e exatamente reparáveis. Seria recordar o devedor a que alude GIORGIO GEORaí, que por só dispor de
uma soma inferior ao seu débito, até dessa mesma se julgasse desobrigado por não poder com ela extinguir
integralmente a sua responsabilidade. Não, a recusa absoluta de qualquer ressarcimento seria, sem dúvida,
clamorosa injustiça, orçando não raro, no dizer de CONSOLO, pela desumanidade, se não pelos domínios das
coisas indecorosas. Mas, se no terreno puramente doutrinário, compreensível é ainda a divergência a respeito, no
legal já hoje ela entre nós é impossível. O Código Civil aí está, já a extinguiu, e de modo positivo em mais de um
trecho e justamente por haver assegurado a indenização. Basta ler-se o art. 76. “Para propor ou contestar vina
ação”, dispõe êle, “é necessário ter legítimo interesse econômico ou moral. O interesse moral só autoriza a ação
quando toque diretamente ao autor ou à sua família”. Nada mais claro. Aí está o interesse moral, como o
econômico, lado a lado um do outro, um tanto quanto o outro, com o mesmo vigor e a mesma legitimidade,
amplamente justificando um pleito judicial”. O art. 76 não é base da reparação.
Não compreendemos (escrevíamos nós, em 1927, no livro Das Obrigações por atos ilícitos, 1, 182 s.) como se
possa sustentar a absoluta irreparabilidade do dano moral. Nos próprios danos à propriedade, há elemento
imaterial, que se não confunde com o valor material do dano. ~Que mal-entendida justiça é essa que dá valor ao
dano imaterial ligado ao material e não dá ao dano imaterial sozinho ? Além disso, o mais vulgarizado
fundamento para se não conceder a reparação do dano imaterial é o de que não seria completo o ressarcimento.
Mas não é justo, como bem ponderava JOSFE RORLER, que nada se dê, somente por não se poder dar o exato.

7. INDENIZAÇÃO. Todas as pretensões por ilícito são pretensões a indenização. Ainda nos casos de direito à
retificação de notícia, ou de desmentido ao que se atribui ao agente, ou de publicação de resposta, ou de lesão
corporal, indeniza-se. Se o dano é patrimonial, fácil é estimar-se o quanto indenizatório. Se não é patrimonial, há
de haver a determinação do que se repute equivalente.
Os suportes fácticos dos delitos são conforme a figura de cada lesão (lesão de direitos e de pessoa, lesão ao
crédito, lesão à honra); e há a responsabilidade por algum risco, que a lei preveja, como é o caso dos dano 8
causados por animais ou por edifício, do armador e do dono de navio, do automóvel ou do avião.
A distinção entre delito e quase-delito já está superada, porque, em princípio, a responsabilidade pelo ato de
outrem ou do animal se baseia na culpa, ou na presunção de culpa, e a fortiori se queremos admitir os conceitos de
CONTARDO FERRINI (Obbligazioni, Eneiclopedia Giuridica Italiana, 12, 767), que se cingem ao dolo e à culpa
(cp. GIUSEPFE MELONI, La Colpa pende e la Colpa civile, 81 s.).
Se houve dano, a pessoa que o sofreu tem direito a que o agente o indenize, sem que se possa pretender que a
indenização seja arbitrária. Todas as despesas e custas que foram necessárias à obtenção da sentença têm de ser
reembolsadas e a condenação há de incluir o que se há de pagar aos advogados, médicos e consertadores.
A respeito do dano moral é escusado estarem juizes e advogados a trazer à balha argumentos e decisões anteriores
ao Código Civil. Se houve dano moral, avalia-se (sem razão, a 3~a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São
Paulo, a 20 de maio de 1931, 1?. das T., 78, 544; cp. Código Civil, art. 1.547, parágrafo único; certas, a 6.a
Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 3 de setembro de 1948, 177, 263; e a lA Câmara do Tribunal
de Apelação da Bahia, a 24 de outubro de 1944, 167, 335).
Há três correntes quanto à reparação do dano moral:
a) a dos que a admitem; b) a dos que a negam; e) a dos que entendem que só a lex specialis a pode estabelecer (e.
g., arts. 666, X, 667, § 1.0, 671 e 1.350, parágrafo único, relativos a direitos autorais; art. 1.588, §§ 1.0 e 2.0,
quanto a ferimentos com deformidades; art. 1.548, sôbre valor de afeição; artigo 1.547, parágrafo único, sôbre
injúria e calúnia; art. 1.548, sôbre atentado à honra da mulher; art. 1.549, sôbre crimes de violência e ultraje ao
pudor).
O dano moral mais largamente, o dano não-patrimonial pode ser causativo ou acausativa. Se o dano foi so moral,
porque a pessoa que o sofreu com êle não deixou de ganhar ou a pessoa só vivia de rendas, e não houve
diminuição da saúde, o dano foi aeavsatívo. Tem de ser avaliado em si mesmo e aí está a espécie de mais difícil
reparação. Porém, no direito brasileiro, não se pode considerar, por isso, irressarcível. Se o dano moral, e. g., a
injúria ou calúnia, deu ensejo a que sofresse enfarte a pessoa ofendida em sua honra, ou apenas a que faltasse a
algum tempo de serviço, ou tivesse de chamar médicos, o dano moral foi causativo. Há o valor indenizatório
quanto às despesas e à suspensão de ganhos e do próprio choque.

§ 5.510. Direitos e ofensas com ilicitude absoluta

.~> a]
1

1.DIREITOS DE PERSONALIDADE, DIREITOS DE FAMÍLIA E DIREITOS PESSOAIS. Os direitos de


personalidade têm proteção erga omnes.
A ilicitude absoluta pode ser por ofensa ao direito à integridade física ou psíquica, Tomo VII, §§ 727-734) ; à
liberdade (Tomo VII, §§ 735 e 754) ; à verdade („Pomos VII, § 736 e XVI, § 1.880, 11) ; à honra (Tomo VII, §
„737) ; à própria imagem <Tomo VII, § 788) ; à igualdade (Tomo VII, § 739) ; ao nome (Tomo VII, §§ 740-754),
inclusive quanto a pseudônimo (§§ 749 e 750) ; a velar a intimidade (Tomo VII, § 755), inclusive quanto à
correspondência fechada, ao segrêdo epistolar, memórias pessoais ou familiares; ao direito autoral de
personalidade (Tomo VII, § 756). Sôbre a diferença entre o direito autoral de personalidade e o direito
patrimonial do autor, Tomo VII, § 756, 11 e 12.
Os direitos que não são de senhorio, inclusive os de personalidade, precisam ser erga omnes, para que se possa
cogitar de ilicitude absoluta da ofensa. Fora dai, não se pode exigir de terceiro a prestação, nem se há de
considerar lesivo o ato de outrem. As intromissões danosas de terceiros no tocante ao objeto que o devedor tem
de prestar não ensejam responsabilidade pelo ilícito absoluto. Enquanto o dano é a bem que ainda é do devedor,
êsse é que tem pretensão à indenização, não o credor que está em relação jurídica negocial com o de-

vedor. Todavia, se o terceiro queima ou Por outro modo inutiliza o título ou documento do crédito, tem se de
distingue do titulo ele que se incorpora O crédito de modo Que a destrição do título extingue O crédito (ou apenas
permite que se exerça a pretensão a emissão de nova cúrtula) O título ou documento Pertença o terceiro pode Por
ato Positivo ou flegaíiv0 ou mesmo Por fato ilícito absoluto, lesar O credor, mas o dano é ã cártula ou à Pertença,
com atingimento da relação jurídica de crédito, como elemento patrimonial Os que trataram do assunto fizeram110
insuficietemente (e. g., Oto VON OmaícE Deutsches Privatreche lUX, 893; PAUL OERy~. MANN, Zur
Struktu,. der subjektiven Privatrechte Archív fur die etViliStisck Praxú, 153, 145; J~sEr ESSER LehrbuÚk des
SchuzdreÚhts 9). Se C põe o documento de crédito de A contra E fora do lugar em que têm de ser atendido8 no dia
os créditos contra E, que vai Pedir concordata Preventiva ou a decretação da abertura de falência ou outro
concurso de credores o ato de C é lesivo ao Patrimônio de A, mas o ato não foi contra o. crédito, e sim contra o
direito do credor sôbre o documento salvo se não se trata de documento Por se haver coisíficado crédito o A
coisifícação desloca para o plano dos direitos dominiaís a relação jurídica de crédito (Tornos XV, § 1.747, 1; ~ §
5
.28s í~ Comentários ao Código de Processo Civil, XV, 2.a ed., 98, 112).
Quanto aos direitos formativos gerais modificativos ou extintivos de relações jurídicas de crédito, o que se disse
sôbre os direitos de crédito a êles se estende.
Quanto aos direitos que atribuem POsse, a Posse exerci da é direito real, mesmo se imprópria Os sistemas
jurídicos Protegem o fáctico que é a Posse, e Protegem os direitos ã Posse e de Posse o direito a haver a Posse, em
virtude de relaçã0 jurídica flegocj5y ainda não é erga omnes; o direito de Posse, mesmo se imprópria essa Posse, ~
real.
Diz o Código Civil ad. 1.550: “A indenização Por ofensa à liberdade Pessoal consistirá no Pagamento das perdas
e danos que sobrevierem ao ofendid0 e no de Vina soma calculada nos termo5 do Parágrafo únic0 do ad. 1.547” E
o art. 1.551: „Consideram ofensivos da liberdade pessoal (art. 1.5501.O cárcere Privado ii A prisão Por queixa e
denúncia falsa e de má fé. III. A prisão ilegal (art. 1.552)”. E ainda o artigo 1.552: “No caso do artigo antecedente
n. III, só a autoridade, que ordenou a prisão, é obrigada a ressarcir o dano”. O art. 1.547, parágrafo único, a que se
refere o art. 1.550, estatui que, se o ofendido não puder provar prejuízo material, pagar-lhe-á o ofensor o dôbro da
multa no grau máximo da pena criminal respectiva.
O art. 1.550 regula a indenização e compreende-se que se pudesse incluir no Título VIII, sôbre liquidação das
obrigações. Dá-se o mesmo com o ad. 1.547, parágrafo único. Não, porém, quanto aos arts. 1.551 e 1.552 que
mencionam casos de ofensa à liberdade pessoal, assunto, portanto, referente ao conceito de ilicitude no tocante à
liberdade pessoal.
O direito brasileiro não tem a promessa de casamento, o noivado negócio jurídico. É de discutir-se, porém, se,
tendo A marcado a data do casamento e tendo E, noivo ou noiva, feito despesas e tomado resoluções que lhe
alteraram o ritmo da vida, pode E exigir indenização ( e. g., gastos com enxoval, ou viagem, compra de
apartamento), se a culpa foi de A. A responsabilidade de modo nenhum é negocial. Quanto à responsabillidade
contratual, o Código de Direito Canônico, cânon 1.017, § 3, responde afirmativamente. Temos de admitir, no
direito brasileiro, a responsabilidade extranegocial, com o ônus de alegar e provar a culpa àquele que se diz
lesado. Os esponsais são ato na dimensão ética; não entram no mundo jurídico:

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para o direito, permanecem no mundo fáctico. Mas podem dar ensejo a lesões, que se considerem atos ilícitos
absolutos, por serem provenientes de dolo, ou mesmo sé de culpa (fêz-se noivo para obter que a noiva lhe
vendesse a fazenda; fêz-se noiva para que o pai do noivo contratasse sociedade com o pai).
Desde que o noivado determinou despesas, ou mudança de profissão, ou suspensão de estudos, ou vendas para a
preparação de situações necessárias ou acordadas para o futuro, e o rompimento causa perdas ou danos, e há culpa
de um dos noivos, o direito à indenização exsurge. Dá-se o mesmo se o noivo ou a noiva omite informação de fato
que teria afastado o noivado, ou ao desfazimento, e há dano patrimonial ou moral.
Se há lei protectiva, estabelece-se a antijuridicidade de todos os atos que firam a proteção, ratio Te gis.
Entendem-se leis protectivas todas as regras jurídicas que proibam atos positivos ou negativos, dos quais podem
resultar danos a outrem. “Leis” está, aí, em sentido lato. Não só o interesse público justifica as regras jurídicas de
proteção. Pode estar em causa o interesse da administração, ou de alguma ou algumas emprêsas, se as
circunstâncias mostram que há de ser protegida contra atos ou omissões a atividade estatal, paraestatal ou
empresarial.
Às regras jurídicas penais sôbre injúria, calúnia, violação da correspondência, apropriação indébita, roubo e
furto, coação, chantagem, infração de sinais de viação urbana ou nas estradas, de transporte ou de horário,
corresponde conteúdo protectivo. Idem, quanto às regras jurídicas sôbre direitos de vizinhança, saúde pública ou
de tranqüilidade . Tem-
-se de determinar, pela finalidade da lei, quais as pessoas ou direitos protegidos, para se saber se o lesado está
incluído nas penas ou direitos protegidos; para que não se haja de exigir alegação ou prova da culpa.
Todavia, a lei protectiva nem sempre dispensa, explícita oa implicitamente, a existência de culpa. Pode ser que
ela se refira a dolo, ou culpa grave, casos em que se há de apresentar a relação entre a culpa e a infração, não entre
a culpa e o dano.
O interesse das gravações de sons, quaisquer que sejam as máquinas, excede o de simples fixação do que se
produziu em som. Todos os direitos de autor, inclusive o de personalidade, são relevantes (cf. OSEAR
WÀCHTER, Das Autorrecht naeh dem gerneinen. deutschen Recht, 6-19; Orro DAMBACR, Die Gesetzgebung
des Norddentschen Bundes betr. das Urheberrecht, 12; R. KLOSTERMANN, Das Urheberreckt, 18). A exibição
pública não torna direito do público nem a reprodução, nem a exploração (OSKAR WXCHTER, 831; M. 1-1.
SOHUSTER. Das Urkeberrech.t der Tonlcunst, 223 s.). A ação de indenizaçáo por ato ilícito absoluto é
proponível. Pode existir, porém, a ação derivada de negócio jurídico com o autor (cf. FRIEDRum DONLE, Der
Phanograph. und sem Stellung zum Rechte, 82 s.).
Oque se contém na exigência ou na faculdade de confessar, por parte das religiões, uma vez que não haja
violência, ou outros intuitos malévolos, não interessa ao Estado. O limite está na liberdade de pensamento e na
liberdade de ensino (cp. A. AGRíCOLA, Bekenntnisgebundenkeit und Lehrfreiheit unter dern Gesichtspunkt des
Rech,ts, 48 s.).
Pode haver outros danos, como o de violação do dever de segredo profissional, ou o de dever de segredo de
correspondência , ou dever perante o Estado, o público ou alguma pessoa.
As cláusulas exonerativas de modo nenhum se confundem com as cláusulas restritivas da extensão da obrigação,
(cf. E. BOUTAND, Les Clawses de non .responsabilité et de l‟assurance de la responsabilité des fautes, 208).
Pela validade, a prori, das cláusulas exonerativas, e. g., GEORGES RIPERT (La Rêgle morale dans les
obligations civiles, n. 182), que chegou ao extremo de dizer que a pessoa pode achar que há vantagem em que
alguém lhe dê golpe.
A propósito de danos à pessoa a cláusula exonerativa é nula. A mulher pode admitir o ato sexual, porém não pode
preeliminar a responsabilidade pela coação para o ato, como não vale a cláusula que permita ao jornal o insulto ou
a injúria.

2.SAÚDE E INTEGRIDADE FÍSICA E PSÍQUICA. A saúde compreende a integridade corporal e a integridade


psíquica (equilíbrio psíquico). Um susto pode causar danos, com a responsabilidade de quem praticou o ato,
positivo ou negativo, ou tem dever de responder, pela posse ou tença de construção, ou do animal.
Não se há de dizer, como faz, por exemplo, KÂRL LARENz {Lehrbuch rica Sckuídreehts, II, 835), que a
liberdade de decisão (Entschlussfreiheit) não possa ser ofendida. Quem informa erradamente ou quem ameaça no
tocante a algum ato, ou voto, pratica ato ilícito absoluto, que pode causar danos. As regras jurídicas especiais
(penais ou não), que protegem a liberdade de expressão ou de comércio, não afastam a responsabilidade ordinária
por ilícito absoluto.
Se algum ato é proibido por lei, há limitação ao exercício do direito de personalidade.

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Qualquer ofensa à saúde, ou à personalidade, por parte do Estado é causa de responsabilidade.

Quem empurra a pessoa que está na fila para tomar o avião, ou o trem, ou o ônibus, e, com a queda, o ofendido
não pode chegar a tempo para o que lhe daria lucros, responde pelos danos (cf. KARL LARENZ, Lehrbuch des
Schuldrechts, II, 837).
Pôsto que os direitos de personalidade sejam, em princípio, intransmissíveis e indispensáveis (cf. HEINRICH
HUBMANN, Das persõnliehkeitsrecht, 110 s.), há a permissão a alguém de dar o nome à obra como autor (Tomo
XVI, § 1.851, 6).

3.DIREITo Á HONRA. O direito à honra existe, e tem-se de repelir a opinião que vê, na responsabilidade por
ofensas à honra, somente o elemento de suporte fáctico de regra jurídica. O homem, com os direitos de
personalidade, tem a honra como algo de essencial à vida, tal como êle a entende: a ofensa à honra pode ferir, por
exemplo, o direito de liberdade e o direito de velar a própria intimidade; mas a honra é o entendimento da
dignidade humana, conforme o grupo social em que se vive, o sentimento de altura, dentro de cada um dos
homens. Cf. R. SCHULZ-SÇHAEFFER (Das sub jektive Recht im Gebiet der unerlaubteu Hctndlung, 161); F.
ARTEUa MÚLLEREISERT (Die Ehre im deutschen Privatrecht, 333); HEINRICE HUBMANN (Das
Persõnlichkeitsrecht, 225).
As ofensas à honra são, principalmente, ofensas à honra de mulher, sem diferença de idade, mas quase sempre a
jovens. Quem, através de ameaças, ou abuso de relação de dependência, ou de mistificações ou mentiras,
consegue coabitação, sem que haja casamento, é responsável por indenização de quaisquer danos, morais ou
patrimoniais. Abstrai-se da idade. O que importa é que tenha havido deslealdade no meio ou nos meios
empregados para pesar na vontade da mulher. Não há o pressuposto da intenção de causar danos. O que a mulher
perde em reputação, em boa fama, é avaliável, como o é o sofrimento psíquico, por que passou ou passa, ou
qualquer distúrbio de nervos ou mental. É o dinheiro de dor, Schmerzensgeld, pecunia doloris.
Pode a simples mentira causar danos e por êles responder o culpado (e. g., SCHUIJTZENSTEIN, Die Liige im
Recht, .furistiehe Wochenschrif 1, 49, 871 e 874). Não só: em épocas de desassossêgo público, pode ser pedido o
ressarcimento dos danos sofridos, ainda que, para isso, não haja lei especial (HERMANN RICETER,
Reichstumultschadengesetz, 1 s.).
Diz o art. 1.538 do Código Civil: “No caso de ferimento ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido
das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de lhe pagar a importância da
multa no grau médio da pena criminal correspondente.” E o § 1.0: “Esta soma será duplicada, se do ferimento
resultar aleijão ou deformidade”. Ainda o § 2.~: “Se o ofendido, aleijado ou deformado, fôr mulher solteira ou
viúva, ainda capaz de casar, a indenização consistirá em dotá-la, segundo as posses do ofensor, as circunstâncias
do ofendido e a gravidade do defeito”. É elemento inicial da indenização o que se gastou e se há de gastar com o
tratamento do ofendido e no quanto se hão de indenizar todas as despesas de transporte do demandante e de
pessoas que hajam de fazer-lhe companhia, em caso de hospitalização. Médicos, assistentes, remédios,
enfermeiras, objetos indispensáveis ao confôrto do doente, seja no hospital, seja em casa, têm de ser pagos, por
conta do ofensor. Também se há de indenizar qualquer lucro cessante, perspectivas de ganhos e aquisições, bem
como de não exercer a profissão que exercia e a que ia exercer, e aumento de despesas que resultasse da lesão (e.
g., cuidados permanentes, ou de tratamento periódico). O pagamento há de ser em dinheiro. Base para o cálculo é
o que o lesado percebia e o que deixou de perceber (ou deixou e deixa), o que teve de despender e o que tem de
despender. Tudo que êle, se não tivesse havido a lesão, perceberia, tem de ser computado. Qualquer enfermidade
positiva, que não restitou, no todo ou em parte, do dano, é sem relevância para a indenização. Cumpre, porém,
advertir-se que a lesão pode ter concorrido para que outra, posterior, fôsse mais grave, como se o que adveio não
teria advindo se a lesão anterior não tivesse ocorrido.
Os assuntos referidos prendem-se à liquidação da obrigação de indenizar, mas tivemos de miudear alguns, para
que se veja a relevância da ofensa à saúde, ou ao corpo.
A referência às multas foi infeliz, porque tabelou o inatabelável e as inflações tornam obsoletas as quantias
constantes da lei penal. A solução há de ser a de se recorrer à avaliação.

Por outro lado, os “lucros cessantes até o fim da convalescença” só podem ser atinentes aos casos em que a
convalescença coincide com a completa recuperação da saúde e da aptidão para produzir.

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4. LIBERDADE DE INDÚSTRIA E DE COMÉRCIO. Quanto ao problema da liberdade de instalação e
exercício de indústria ou de comércio, tem-se de atender, primeiramente, a que existem regras jurídicas
constitucionais limitativas, e podem ser a líbito das autoridades, ou não, as permissões. Na dúvida, não se têm
como a líbito das autoridades. Toda perturbação imediata é proibida, salvo se há justa causa, conforme texto
explícito sôbre a retirada da autorização ou concessão. Se há. infração do princípio de igualdade perante a lei
(princípio de isonomia), há ilicitude absoluta.
Nos dias de hoje, a intervenção na economia, sem observância da Constituição e da lei, que há de ser especial,
faz-se através de atos despóticos, quase sempre instruções e portarias, mas é difícil querer-se que haja ordem
jurídica, estabilidade e honestidade, nas ditaduras.

5.OFENSA AO CREDITO E OUTRAS OFENSAS. A ofensa ao crédito, como as expectativas de aquisição, ou


de ganho, ou a pressupostos para aumento de capital, ou de vencimentos, ou de aperfeiçoamento profissional, é
ato ilícito absoluto. Uma das causas mais freqúentes é a afirmação, ou a divulgação de fatos inverídicos, que
sejam causadores de danos. Basta que diminuam o nível de consideração pública, ou de aprêço em instituições, ou
em emprêsas, ou perante a clientela. Não é escusa a alegação de boa fé a respeito da verdade da afirmação, ou da
divulgação.
A ofensa ao crédito pode ser fora de qualquer referência à honra, ou à aptidão produtiva do ofendido. É o caso, por
exemplo, da notícia telegráfica, telefônica, ou pessoalmente transmitida, de que alguém vai pedir decretação de
abertura da falência, ou de outro concurso de credores, ou de concordata, ou que os produtos da fábrica estão
viciados por acidente de máquina. Não é preciso, no direito brasileiro, que o ofensor saiba que é falsa a
comunicação (isto é, que ela seja contra a sua convicção) : quem prevê ou tem de prever que o
aviso pode causar danos e o faz com culpa ou dolo eventual, é responsável, ainda que tenha a convicção de que
não é falsa a afirmação. Basta a negligência na admissão da verdade do que se divulga, pois devia conhecer a
falsidade, e calar-se, até que se conhecesse à risca o ocorrido. O ofensor tem o dever de conhecer a relação de
causalidade entre notícias e danos; não é obrigado a conhecer, em concreto, a provável causação.
A pessoa que afirma ou divulga a afirmação pode ter interesse justificado no afirmar ou no divulgar. Então,
sómente responde se conhecia a falsidade, ou tinha de conhecê-la. Aí, a afirmação ou a divulgação é meio
necessário para que a pessoa atinja finalidade juridicamente permitida (e. g., alegou a insolvibilidade da emprêsa,
porque o avisaram, na própria emprêsa, quanto à fuga do diretor).
Ao demandante de indenização incumbe o ônus de alegar e provar a inverdade da afirmação, feita ou divulgada, e
dos demais pressupostos para a responsabilidade.
Os atos de crítica social se não excedem às raias do razoável, quer dizer: se não importam negligência grave,
imprudência ou dolo escapam à categoria dos atos ilícitos. A crítica rigorosa de uma peça, sem a preocupação
direta de lesar, o conselho do sacerdote quanto à freqUência de determinada fita cinematográfica, ainda que essa
não constitua filtração dos regulamentos de cinematógrafo, a campanha de opinião contra certas obras, tudo isso
não poderia compor a figura jurídica do ato ilícito. Não caberia o pedido de reparação. Por exemplo: os bispos,
decidiu-se na França, podem aconselhar aos seus crentes que não leiam determinado jornal, revista ou livro.
Tais atos alimentam a luta da vida, luta lícita das profissões, dos credos, das convicções, das morais, das religiões,
das opiniões econômicas. A tenacidade, com que se apresentem, a pujança, com que se terçarem as armas, só
perdem o caráter de atos lícitos, atos de batalha fecunda das idéias, quando falsearem, deslealmente, os dados, ou
quando injustamente firam a reputação. Pode-se negar a etiologia de determinada moléstia e discordar do
bacteriologista, do patólogo, que a sustenta; mas seria ato ilícito dizer-se que se trata de um impostor: tudo que
não seja a negativa de fato ou de interpretação, tudo que, em vez de afirmar ou negar, injurie, deixa de ser dos
domínios da luta licita para tisnar-se de ilicitude. Se o sindicato dos pedreiros põe no index um dos empregados,
ou alguns dêles, não se pode considerar isso ato ilícito; mas há a possibilidade da ação de indenização, se o
empregador ou algum dêles alega e prova que um ou x sindicados, por inimizade pessoal, ou estelionato, ou
qualquer outra causa, falsearam atos que se atribuem, ou prestaram informações mentirosas e somente sôbre
essas, ou principalmente sôbre essas, se fundou a represália do sindicato. O próprio sindicato é o responsável se
há difamações, ou se o único intento foi lesar, sem nenhum motivo de interesse geral. Se o delegado de polícia
que recusa atestado de moralidade, ou o médico que critica determinado produto farmacêutico, ou o pai que
consegue do filho não se casar com a amante, ainda que já existam filhos, ou o empregador que dá informações de
boa fé mas desfavoráveis a antigo empregado, não procedeu com o intuito de lesar, sem os fundamentos
precípuos da missão que lhe compete, como funcionário, ou como profissional, ou como parente, ou como

.~> a]
ex-empregador, não cometeu ato ilicito, que permita a reclamação de perdas e danos.
Se alguém intervém, por carta, ou oralmente, sem lhe serem solicitadas informações, junto do pai da noiva ou do
noivo, de modo que se rompa a promessa de casamento, e não tem com a noiva ou com o noivo ligações de
parentesco, que justifiquem a intervenção, fica responsável pelo dano.
Mas, aí, a gravidade do fato e o interesse de amizade aos pais, ou a um dêles, ou ao noivo, ou à noiva, ou a algum
parente de qualquer dêles, pode justificar a comunicação. Casos há em que o fato grave é conhecido e apenas dêle
não tinha conhecimento o informado (e. g., o noivo fôra processado e condenado, há anos, por estupro, ou
defloramento, ou roubo, ou assassínio, ou a noiva fôra presa por fazer comércio de entorpecentes, ou dera queixa
por ter sido deflorada).
A crítica temerária dá causa à ação de perdas e danos se, tendo consequências danosas, não se firma em dados
sólidos, nem suscetíveis de ser tidos como bastantes. Todas as pessoas devem evitar que atos seus causem danos
a outrem.

A responsabilidade das pessoas, que têm de decidir, ou de praticar atos conforme o interésse geral, depende da
existência de doto ou de outra cansa que não seja aquela função social. Por que decidiu assim? Essa é a pergunta
principal; e leva-nos ao problema da causalidade no direito, em tôrno do qual se assoberbaram teorias.
Abrir subscrição pública, a que o beneficiário se opõe, impedir alguém de testar, coabitar com abuso de
autoridade, ou com as circunstâncias dos arts. 1.548 e 1.549 do Código Civil, desviar a clientela de um
comerciante por meios desonestos, mentirosos, ou desleais (concorrência desleal), tudo isso é ato ilícito.
Do que temos dito se conclui que a causa do ato a determinação jurídico-psicológica é de importância capital.
A causa do dano pode ser duvidosa. Tal causa pode, sem ser duvidosa, levar, na prática, a indagações
doutrinárias. Qual é a causa do dano? E. BIRXMEYER respondeu: a mais eficaz. IKARL BINDING: a causa
decisiva, tricante, a que corta o fio dos fatos, a que bate; L. VON BAR: a causa anormal, a irregular; JOSEF
EOHLER: a causa dominante, a imperativa; A. voN KRIES: a causa adequada.
A questão de se saber se entre o ato ilícito e o dano existe relação de causalidade é questão de fato, sem que seja
preciso provar-se a necessariedade dos efeitos. Não se pode exigir do autor a prova do fato negativo de que o dano
não se produziria sem o ato ilícito, ou que não poderia ser conseqüência de outras circunstâncias. É ao réu que
incumbe alegar e provar que a relação de causalidade foi afastada, destruída, por fatos concomitantes, que tiraram
ao ato qualquer caráter de danosidade.
Diante de qualquer dano, a pergunta é sempre esta: quem tem de suportar os danos, a vítima ou o autor? A
responsabilidade causal pura de regra não se admite: é preciso, ainda a menos pesada, e imputável ao autor do
dano. Às vêzes, a causa estava mais no lesado do que no autor do ato, que não podia prever.
Na apreciação da ilicitude do ato, apresenta-se o caso de haver o lesado consentido no dano. Se o ato é delito
penal, toilitur quaestio: é ilícito; dá-se a cumplicidade penal. Assinna França, a júrisprudência assenta que os
herdeiros do que morreu em duelo podem reclamar perdas e danos. Desde que o consentimento da vítima
penalmente não a desculpa, tem-se de admitir, a despeito dêle, a responsabilidade.
Também se há de reparar o dano se por imprudência de um dos caçadores foi ferido o companheiro de caça. Mas,
quando não se trate de delito ou contravenção penal, o consentimento produz, de regra, o efeito de tornar licito o
que, sem êle, seria ilícito. Quanto à questão da capacidade de quem, em tais casos, consente, há de ser apurada
segundo o direito penal, nos delitos, e segundo o direito civil, nos demais atos ilícitos absolutos.
A regra volenti nou fit injuria não implica a notificação do consentimento do autor. Seria falsa a regra selenti nou
fit injuria; mas a própria regra volenti non fit injuria sofre exceções larguíssimas. Conhecer não é, só por si,
consentir; também para consentir não é de mister ser notificado, nem expressar ao autor o consentimento.
~ Quando, pelos danos causados por algum ou alguns conselhos, responde a pessoa que os dá? De regra, não
responde perante terceiros lesados pela decisão. Mas é inegável que pode haver a responsabilidade: a) se o fim foi
aproveitar-se da luta provocada, pelo conselho, entre duas pessoas, e a culpa foi sua, e não do informado, ou não
só do informado (exemplo: B aconselha a A que compre certo rebanho, que o aconselhante sabia doente, com o
fim de contagiar os carneiros de C, vizinho de A, pois há dois danos: um a A, morte dos carneiros comprados ou
de alguns dêles; outro, a C, contágio da moléstia aos carneiros de O) ; b) quando a decisão só seria tomada se B
aconselhasse; e B aconselha em virtude de profissão, mas incorre em culpa.
Poderíamos imaginar outras espécies.
O dano pode resultar de situações aparentes, criadas por outrem: dar a alguém crédito aparente; apresentar
concubina como mulher legítima; endossar ou aceitar letras de câmbio de favor. Para que qualquer dêsses atos
seja de ilicitude absoluta é preciso que dêle haja decorrido dano a terceiro, porque quem dá crédito aparente

.~> a]
assume dívida, quem apresenta corno mulher casada quem não o é, pode estar em vida matrimonial normal e
acolhida pelo meio social, quem endossa letra de câmbio de favor vincula-se cambiàriamente, bem assim quem a
aceita.
Semelhantemente, o que usa de direito, sustentado em sentença em grau de apelação ou recurso e o Tribunal
Superior reforma a decisão. O direito, que se cria tal, era apenas um fato. As nulidades dão causa a muitas
responsabilidades dessa espécie.
Pode haver responsabilidade pelo dano se não houve consentimento para a intervenção técnica ou profissional.
Exemplo: o médico operou a criança sem que os pais consentissem, e sem ser caso de necessidade e urgência.
Disse-se que tal médico não pode cobrar honorários, pois não houve contrato. Ora se a operação era tecnicamente
recomendável, e a pessoa se achava em hospital, ou em lugar a que, para vê-la, tivesse acudido o médico, ou em
situação semelhante somente provada imprudência, negligência ou dolo, pode haver responsabilidade. Se dano
não houve, os serviços prestados têm de ser pagos.
O processo temerário pode dar causa à ação de indenização. O Código Civil cogitou nos arts. 1.520-1.532 de dois
casos e outros há. A lide temerária é, em geral, aquela em que não havia nenhum fundamento para a ação, de
modo que se desenhe, no autor, inconfundível, a figura da culpa, ou se foi usada ação indevida, que constitua
abuso do direito, e. g., prisão . em vêz de arresto.
Temos de atender, agora, ao elemento subjetivo da culpa. O dano que o causador não podia prever não o torna
responsável. O carteiro entrega a alguém uma carta, que contém determinado gás mortífero. Aberta, morre o
recebedor. Não é responsável o carteiro: não podia avisar do perigo; não sabia. Decidiu-se na França que a
testemunha que designa à justiça uma pessoa, pela grande semelhança com o culpado, não fica, por isso,
responsável.
É preciso que o autor do ato ou da omissão tivesse previsto o resultado. Onde há força maior, não há
responsabilidade. Se alguém alega que não podia saber qual o ato ou omissão ore evitaria o dano, cabe-lhe provar
a impossibilidade em que se achava. Provar ou demonstrar. A doutrina quer que se presuma que a pessoa podia
prever as consequências de seu ato ou omissão. Dir-se-á que é presumir-se a culpa. Não é bem isso. Há um ato ou
omissão de que se conhecem efeitos lesivos: o que se presume é que como sói acontecer nos casos ordinários tal
pessoa estava a par, pelo médio conhecimento das coisas, das conseqUências do seu ato ou da sua omissão. (Há
decisão das Câmaras ReUnidas da Côrte de Apelação do Distrito Federal, a 18 de outubro de 1921, em que
erradamente se traduziu o “faute” francês por fraude: “A indenização por prejuízos, perdas e danos resulta sempre
do ato ilícito, do dolo ou da fraude. . . “. Queria dizer culpa, “faute”. O mesmo está noutra decisão do Supremo
Tribunal Federal, 18 de janeiro de 1922, que o repete.) O que freqUentemente produz atos ilícitos, há de
reputar-se ato ilícito. O ônus da prova cria presunção de seguimento objetivo de fatos conhecidos. Cresce de
importância quando o ato é infração de leis ou de regulamentos (automóveis, ônibus, comboios). Nesses casos,
seria difícil a prova em contrário, e deve o juiz abster-se de indagações da previsão do agente: a “contra-mão”
proibe-se porque causa danos; a lei já o diz quando a proibe; portanto, seria absurdo que alguém quisesse provar
contra a presunção criada pela lei. A defesa teria de ser a de fórça „maior, a do estado de necessidade, a de
legítima defesa. Mas, então, estaríamos fora da questão.
As autorizações administrativas, as licenças, não obstam a que entre terceiros e os autorizados se criem situações
jurídicas. Assim, ainda que autorizada pela autoridade policial, a casa de tolerância pode ser demandada, em ação
de indenização, pelos vizinhos. Pode a companhia de estradas de ferro estar em rigorosa observância dos
regulamentos, mas isso n?~o impede que seja condenada por não oferecer a devida garantia aos passageiros. Se
isso vale para as autorizações, a fortiori quanto às concessões a título de experiência, ou de ensaio, ou. por outro
qualquer modo, provisórias.
Ofato de haver fiscalização, contrôle, ou aprovação do Estado não pode imunizar. O ato de direito administrativo
precata quanto às penas de direito administrativo; não, porém, quanto às penas e aç6es de direito civil comum. O
mais que se pode sustentar é que a autorização legislativa produz
presunção de não haver culpa; mas seria absurdo em todo o caso, no Brasil, como na França (onde há
jurisprudência>
espera-se que haja “presunção absoluta”. A administração verifica, com critério de direito administrativo, o que
se passa; o direito comum, que é o civil, não pode ser postergado: a aprovação administrativa pode não ser
adequada à realidade. Contra os que se apegam à opinião oposta bastaria advertir-
-se que, se o Estado, êle próprio, pode ser condenado pelo ato administrativo, através do Poder Judiciário, ou pela
própria aplicação de lei com que feriu direitos de outrem, ~ como havemos de sustentar que o direito privado, em
que se funda para pedir a decretação de invalidade de algum ato, ou, até, de uma lei, pudesse ter poder absoluto

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para relações entre terceiros? Não queiramos estabelecer para a gestão dos negócios públicos situações de fonte
criadora de ordem presumida de perfeições.
Quanto às fábricas, a Alemanha, em 1871, adotou a responsabilidade dos empregadores, porém com a
alegabilidade da diligentia in eligendo et inspiciendo, se os danos relativos a tal serviço resultaram da culpa dos
prepostos. Em 1884, apareceu o seguro obrigatório e geral por acidentes, e protegeram-se os operários vitimados,
através das caixas públicas. É, positivamente, nos dias que correm, o melhor sistema de reparação; porém não é,
quanto aos sistemas possiveis, o meIhor. Uma das grandes vantagens é a de assegurar a capacidade material do
pagamento do prejuízo, o que se não daria no sistema atomístico-individualista, em que a vítima não terá
esperança de qualquer reparação, desde que não possua bens ou meios de solução o autor do dano. A Áustria e a
Suíça imitaram a Alemanha. Depois, a solução de técnica legislativa espalhou-se pelo mundo.
Temos de considerar a indenização em caso de decreta ção de nulidade, ou de anulação, como extranegocial. O
negócio jurídico foi, não é mais. A culpa foi anterior ao negócio jurídico e anterior o ato lesivo. O fato de se falar
de culpa in contra flendo de modo nenhum há de ser entendido como alusão a culpa contratual. O ser extra tanto
pode ser ao lado como depois ou como antes. Nem seria admissível mie se assimilasse ou confundisse a
indenização em virtude do art. 158 do Código Civil com a indenização por inadimplemento de pré-contrato.
Se o caso era de nulidade, nenhum efeito se irradiou do negócio jurídico. Se de anulabilidade, com a anulação o
negócio jurídico é tido como se nunca tivesse existido (= nao foi). De jeito nenhum; a responsabilidade é
negocial.
A responsabilidade de quem deu causa à nulidade ou à anulação do contrato foi considerado por muitos juristas,
RUDOLF VON JHEItINO à frente, como respoitsabitidade negocial: a culpa seria in eontrahendo. Na França,
sustentou-o, largamente, RAYMOND SALEILLES (Êtude sur la Théorie Cénérale des l‟Obligattons, 8~a ed., 176
s.; cf. A. LEGROS, Essai d‟une Théorie générale de la Responsabihté eu cas de nullité du contrai, 118 s.). A
doutrina anterior reputava extranegocial a responsabilidade (11. POTHIER, AITBRY e RAU, RENÉ
DEMOC-UE, COLMET DE SANTERRE). Cf. RENÉ DEMOGUE <TraiU des Obligations eu général, 1, 101
s.), M. MEIGNIÉ (Responsabilité et Contrat, 180) e J. AUBIN (Responsabilité delictzeelle e Responsabilité
contractuelle, 129).
Cumpre distinguir-se da reparação por ato ilícito absoluto (conhecia-se a causa da nulidade, ou da anulação) a
reparação por enriquecimento injustificado (desconhecia-se a causa da nulidade ou da anulação). Aquela
responsabilidade épelo damnum entergens e pelo lucrum cessans.
Se o contrato ou negócio jurídico unilateral, nulo ou anulável foi cumprido, no todo ou em parte, discute-se se a
responsabilidade é negocia] ou extranegocial. Uma vez que o sistema jurídico nega eficácia ao negócio jurídico
nulo, seria absurdo que se atribuísse negociabilidade à responsabilidade. Éo caso dos que assinaram contratos
ilegais, como, por exempIo, o de noivado. Se o contrato ou negócio jurídico foi anulado, tudo se desfez, e
havemos de considerar a reparação como assunto de responsabilidade extranegocial. Examinemos o exemplo que
deu RENÉ DEMOGUE: ao contrato de locação foi decretada a nulidade ou a anulação por ser menor o locatário
e houve, no intervalo, incêndios. Existe a responsabilidade pelos danos (uso indevido e perdas oriundas do
incêndio), mas com invocação das regras jurídicas sôbre responsabilidade extranegocial (M. METCNIÉ,
Responsabilité et Cou
trat, 174; sem razão, A. Lraiios, Essai d‟une Théorie générale de la Responsabilité en cas de nullité du contrat,
163 e 166). Ao contrato foi decretada a nulidade ou a anulação, de modo que contrato não há, mas o ato ilícito
houve. O juiz tem de examinar a situação como se contrato nunca tivesse concluído e se há dever de reparação,
segundo os princípios.
Eis outro ponto digno de meditação: o contrato já está extinto (não houve invalidado e houve eficácia) ; um dos
contraentes, a despeito de ter entregue as chaves, penetra, com as chaves que tem, no edifício e causa danos; o
locatário da casa que tinha nome e o comércio, que explorava, usava-o para a clientela, muda-se para outra casa e
insere o nome. Todos êsses casos são da responsabilidade extranegocial.

6.DIREITo DE PROPRIEDADE E RESPONSABILIDADE ORIUNDA DE OFENSA COM ILICITUDE


ABSOLUTA. Quando se fala em violação da propriedade, há elipse, porque ofendido é o direito de propriedade,
a pretensão ou a ação, e não necessariamente ~ bem. A ofensa pode consistir em privação de algum direito,
pretensão ou ação que se prende ao direito de propriedade, como pode resultar de lesão à coisa, ou ao seu uso, ou
à sua fruição. A fumaça que invade o terreno ou o edifício, ou passa junto a êle, ao lado ou por cima, ofende o
direito de propriedade, porque atinge a usabilidade normal. Bem assim o ruído excessivo, ou o mau cheiro. A
entrada no terreno, ou no edifício, ou na piscina, ou no lago, que é parte integrante ou mesmo pertença do prédio,

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é ato ilícito, que causa danos, ou os pode causar. A posse do que é de outrem, ou a tença, fere o direito do
proprietário, ou do possuidor próprio. Se foi outorgada a outrem a posse imediata, a posse própria mediata pode
ser ofendida por terceiro, como pode ser ofendida aquela. Se não há fundamento para haver posse, a
antijuridicidade pode causar danos.
O objeto do direito de propriedade pode ser corpóreo ou incorpóreo. Tanto há danos ao direito de propriedade do
edifício, ou de terreno, ou de caixas ou livros, como ao direito de propriedade intelectual ou industrial. Em todos
êsses direitos, quer se trate de domínio quer de direitos reais limitados, quer de direitos reais de garantia, ou de
posse, os terceiros estão pré-excluídos.

Cumpre observar-se que, a respeito da propriedade, quer de bem corpóreo, quer de bem incorpóreo, são
protegidos contra danos que terceiros causem, ou pelos quais possam ser responsabilizados, os direitos
formativos geradores, modificativos e extintivos.
Se o usufrutuário ou o usuário exerce de tal maneira o seu direito real limitado a ponto de causar dano ao
proprietário (e. g., L. 1, § 3, D., usufructuarius quemadmodum caveat, 7, 9), há a ação de indenização.
Conforme o art. 1.541 do Código Civil, “havendo usurpação ou esbulho do alheio, a indenização consistirá em se
restituir a coisa, mais o valor das suas deteriorações, ou, faltando ela, em se embolsar o seu equivalente ao
prejudicado (art. 1.543) “. Trata-se de ação pelo ato ilícito absoluto, ação de restituição, que não é ação
possessória. Não importa se o bem é fungível, ou infungível, consumível ou inconsumível, inclusive se é
suscetível de posse, ou se o não é. A indenização pode ser perdida, em vez da restituição, ainda que não se prove
ou simplesmente se alegue que não pode ser restituida: o pedido ou é de restituir como estava, ou com as
reparações, se houve deterioração, ou de indenização. Pode bem ser que o ofensor restitua e tenha de indenizar o
que importou diminuição do valor, ainda que resultante de baixa do preço. Se houve aumento do preço, não há
qualquer prestação ao ofensor. O aumento do preço só tem relevância se, em vez de restituir, o ofensor tem de
indenizar.
Conforme o art. 1.542, “se a coisa estiver em poder de terceiro, êste é obrigado a entregá-la, correndo a
indenização pelos bens do delinqUente”. Tal restituição só se opera mediante a indenização. Por outro lado, pode
o terceiro ter adquirido a posse e a propriedade, de jeito que não mais se possa exigir a restituição conforme o art.
1.542.
Diz o Código Civil, art. 1.543: “Para se restituir o equivalente, quando não exista a própria coisa (art. 1.541),
estimar-se-á ela pelo seu preço ordinário e pelo de aferição, contanto que êste não se avantaje àquele”.
A reparação do velho pelo nôvo tem de ser para a substituicão
, mas, se a diferença de custo é desproporcional, a solução há de ser a da avaliação do dano, porque só interesse
especial encheria a grande diferença (cp. Farrz BAUR, Ruiwicklung und Reform des Schadensersatzrecht, 36 s.).
O que primeiro importa é a restauração do estado anterior, se a lesão foi a coisa (HoasT NEUMANN, Der
Zivilrechtsschaden, Jkerings Jahrbiicher, 86, 291 s.).
As penas pecuniárias, no antigo direito alemão, eram tão grandes que os ricos se empobreciam e os pobres não as
podiam pagar, razão por que se abtinham de delinqUência.

7. ACIDENTES DO TRABALHO. Os acidentes do trabalho tiveram legislação especial, que, de muito, de jure
condendo, se reclamava. Seria insuficiente a técnica legislativa que se fundasse na culpa dos empregadores, ou
dos outros empregados. Percebeu-se que não se podia deixar ao exame judicial a larga margem que as ações de
indenização comportam (já assim, em 1876, cf. G. ECER, Das Reiehs-tlaftpfliehtgesetz, páginas XIX s., a
propósito das fábricas; CONRAD SCHENK, Die Haftpflicht aus Fabrik-Betrieb, 12 s).
É a seguinte a evolução da legislação alemã de seguros de acidentes: 1884, emprêsas industriais; 1885,
exploração de intercâmbio; 1886, explorações de terras e florestas; 1887, construções e acidentes da gente do
mar. Veio a Lei alemã de 5 de julho de 1900 e, depois, a Ordenança de 19 de julho de 1911
(Reichsversicherungsordnung).
A Lei austríaca foi de 28 de dezembro de 1887. Seguiu--se-lhe a Lei de 20 de julho de 1894 e, mais tarde, quanto
aos motoristas, o § 11 da Lei de 9 de agôsto de 1908.
Na Suíça, já em 1874 a Constituição Federal permitia regular-se o trabalho nas fábricas (art. 34). Mais tarde, veio
a Lei federal de 5 de outubro de 1899, rejeitada pelo referendo de 20 de maio de 1900, e o projeto de Rundesrat de
10 de dezembro, que se transformou, após muitas alterações, na Lei federal de 18 de junho de 1911, ratificada
pelo referendo de 4 de fevereiro de 1912.
Na França, houve a Lei de 9 de abril de 1898, sôbre a responsabilidade nos casos de acidentes de que são vitimas

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os operários. Antes, prevalecia o princípio da culpa, com as modificações do Código Civil (PAUL HIJBER,
L‟Automobile devant la loi, 185). Depois houve a Lei de 24 de maio de 1899, a Lei de 22 de março de 1902, a Lei
de 31 de março de 1905, e a Lei de 15 de abril de 1906. Foi o seguro quase-obrigatório, diferente do seguro
obrigatório adotado pela Alemanha (Lei alemã de 6 de julho de 1884, emendada a 30 de junho de 1900), pela
Áustria (Lei de 28 de dezembro de 1887 e de 8 de fevereiro de 1909), pela Hungria (Lei de 6 de abril de 1887),
pela Bélgica (Lei de 24 de dezembro de 1908), pela Dinamarca (Lei de 7 de julho de 1898 e 27 de março de 1908),
pela Holanda (Lei de 2 de janeiro de 1901 e Lei de 13 de janeiro de 1908), pela Itália (Lei de 17 de março de 1898
e 29 de junho de 1903), pela Noruega (Lei de 23 de julho de 1894 e Lei de 30 de junho de 1909), pela Suécia (Lei
de 24 de abril de 1901) e pela Suíça (Lei de 13 de junho de 1911).
A lei inglêsa de 6 de agôsto de 1897 e a Lei inglêsa de 21 de dezembro de 1906, a Lei espanhola de 80 de janeiro
de1900, e a antiga Lei russa de 2 de junho de 1903 ficaram no principio do risco profissional.
O regime do seguro obrigatório foi inaugurado pela Alemanha em 1888; o seguro contra a doença, pela Lei de 31
de maio do mesmo ano, modificada pelas Leis de 10 de abril de 1892, 30 de junho de 1900 e 25 de maio de 1903.
No Brasil, a legislação sôbre acidentes do trabalho provém de 1919. A Lei n. 8.724, de 15 de janeiro de 1919, art.
1.0, considerou acidentes no trabalho, para os fins da lei:
a) o acidente que foi produzido por alguma causa súbita, violenta, externa e involuntária no exercício do trabalho,
determinando lesões corporais ou perturbações funcionais, que sejam a causa única da morte ou perda total, ou
parcial, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho; b) a moléstia contraída exclusivamente pelo
exercício do trabalho, quando êsse fôr de natureza a só por si causá-la, e desde que determine a morte do operário,
ou perda total, ou parcial, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho, Uma vez que o acidente
ocorreu “pelo fato do trabalho” ou “durante” o trabalho, vinculado fica o patrão (art. 2.0) a pagar indenização ao
operário ou à sua família, “excetuados apenas os casos de fôrça maior ou dolo da própria vitima ou de estranhos”.
No art. 26 diz-se que “é nula de pleno direito qualquer convenção contrária à presente lei, tendente a evitar a sua
aplicação ou alterar o modo de sua execução”.

8. PRINCIPIO DA PRIMAZIA DA REPARAÇÃO EM NATURA. Surge a questão da reparabilidade em


dinheiro sem que seja impossível a reparação em natura. O princípio da primazia da reparação natural estava no
Preussisúhes Alígemeines Landredil 1, 6, §§ 79, 80 e 81, mas a interpretação admitiu que se tratasse como
impossibilidade e desproporcionalidade do sacrifício do lesante. No direito brasileiro, não se deu a primariedade
à reparação em dinheiro (principio da primazia da repara ção pecuniária). O que se há de entender é que a regra
jurídica do art. 1.534 do Código Civil é princípio geral, a despeito das críticas ao princípio da primazia da
reparação em natural que fêz H. DEGENKOLB (Die spezifische Inhalt des Schadensersatzes, Arehiv fiir die
civilistische Praxis, 76, 1-88). Quanto às ofensas ao direito de propriedade e à posse, tem-se de atender a que há
ação de reparação na rei vindicatio. na vindicação de posse, como nas outras ações concernentes àposse, mas
perdem o caráter de direito das obrigações (E.
P. F. Du CHESNE, Der Schadenersatz bei Verletzung absoluter Rechte, Sdchs. Archiv, 12, 22). O dever de
reparar não parte da entrega de quantidade de dinheiro, que cubra os prejuízos. Tem-se de recriar estado de coisas
que no momento (já) não existe, mas, primáriamente, pela restituição, ou pela prestação em natura, que opere a
substituição do inexistente pelo que existe. Se foi quebrada a estátua de A que B esculpira, a reparação somente
pode ser com outra estátua de A, se E fizera duas iguais.
O princípio apanha os danos emergentes e os lucros cessantes. A satisfação há de ser completa, integral, se
possível; não basta, em princípio, a reparação econômica. O remendo da roupa é insuficiente, bem assim a cura do
ferimento, que deixou cicatriz, ou impede o uso da mão ou do dedo. De qualquer modo, a ratio leqis consiste em
se assegurar ao lesado a situação econômica e social (principalmente moral) que teria o lesado se o fato ilícito
absoluto não tivesse acontecido. Se a reparação natural é praticável, a ela é que se há de condenar o lesante.

Se, com a reparação em natura, não se obtém a volta a& estado econômico anterior, o legitimado ativo pode
escolher entre a reparação em natura mais o elemento pecuniário que complete a reparação, ou a reparação
somente pecuniária. Frise-se a combinação de pressupostos um, necessário, e outro, optativo para a reparação
em natura: possibilidade e suficiência. O segundo mostra que os dois critérios, o da reparação em natura e o da
reparação pecuniária, não são critérios incompatíveis.
Às vêzes o tempo exerce papel de relêvo. Se A encomenda a E a casaca para a festa do dia tal, dando x cruzeiros
adiantados, como pagamento parcial, e E não apronta a casaca, A pode cobrar a B o que lhe custou a mais a casaca
feita, que comprou na loja C, ou o que pagou por aluguer. Se quer ficar com a casaca, só tem de completar o

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pagamento, diminuídas as despesas (isto é, o custo a mais da casaca feita, ou o aluguer).
O princípio da primazia da reparação em natura não protege apenas o lesado. Se o objeto quebrado é
perfeitamente fungível como é o caso do vaso de cristal da fábrica tal, número tal o autor do dano pode entregar
outro, nôvo, da mesma qualidade e tamanho. Se há diferença, como se o vaso quebrado tinha assinatura, ou
iniciais, que os outros não têm, como é o caso do livro que A perde mas tinha anotações , ou dedicatória do pai de
A, ou de alguém de projeção social ou intelectual, há valor a mais, que tem de ser pago.
Se A tem carro de cavalo e entrega a B, construtor de carruagens, mediante retriruição, e roubam o carro que
estava na oficina de E, pode A exigir de B que obtenha outro carro, igual ao seu, ou que construa outro igual, e não
se satisfazer com reparação em dinheiro. O próprio direito romano tinha a L. 9, pr., D., locati conducti, 19, 2.
(ULr‟IANo), em que se fala da opinião de POMPÔNIO a propósito do locatário que perde a posse da casa
alugada, por ter havido reivindicação, sem se caracterizar má fé do locador, e êsse se prontifica a entregar outra
casa não menos cômoda. Pareceu-lhe mui justo, para absolvição do locador (“locator paratus sit aliam
habitationem non minus commodam praestare, alquissimum esse ait absolvi locatorem”). O “paratus sit” mostra
que havia facultas alternativa para o locador (cf. THEODOR GIMMERTHAL, Die Lehre vom Interesse, 48 s.),
sem que então se pudesse constringir o devedor à reparação em natura (1-1. DEGENKOLB, Der specifische
Inhalt des Schadensersatz, Archiv filr die civilistisehe Praxis, 76, 11). Se o objeto era velho, ou já usado, não é por
outro velho, ou já usado, que se há de substituir, salvo se a velhice ou o uso lhe aumentou o valor, o que raramente
se dá. Discute-se se, com a grande diferença de valor entre o velho ou usado e o nôvo, tem o lesante algum direito
a diferença. A afirmativa só se pode basear na eqUidade e foi isso o que sustentou PAUL OERTMANN (Die
Vorteilsausgleichung beim Schadensersatzanspruch, 237). Porém temos de advertir que somente a grande
diferença de valor justificaria essa prestação compensatória e que nem sempre o ser nôvo corresponde a mais
valioso. O responsável tem de reparar, de jeito que pode comprar outro, de igual uso, se mais lhe convém.
Se o que o responsável presta não atinge, em valor, o que teria de ser reparado, há a prestação em natura e o plus
pecuniário.
A reparação do dano ou é pela substituição do bem ou consêrto, ou pela indenização. Ali, repara-se em natura;
aqui, pela equivalência em dinheiro. Ali, refaz-se o estado antenor; aqui, ressarce-se. Ali, não há operação
aritmética; aqui, sim, porque falta à indenização a integridade reparativa. Se a reparação em natura é impossível,
ou difícil, só existe um caminho para se cobrir o que o fato ilícito absoluto descobriu: a reparação equivalencial,
ou por dinheiro. Algumas vêzes, as leis, diante da impossibilidade ou deficiência da reparação em natura, ou da
indenização pecuniária, dá soluções que lhes pareceram mais razoáveis e mais fáceis. São exemplos a prestação
de alimentos às pessoas a quem o falecido teria de dar, a “multa” ou “duplo da multa”, em caso de ferimento ou
outra ofensa ao corpo ou à psique, o “dote” à mulher agravada em sua honra.
No direito romano, o que vinha à frente era a reparação ~m dinheiro. Nos direitos germânicos, a reparação em
natura. Exemplo de cada momento era a fungibilidade dos animais mortos ou feridos. Dava-se o mesmo com os
frutos e as vinhas. Só se pensava em reparação em dinheiro se não era praticável a restituição em natura.
A reparação natural pode consistir em dinheiro. Pede A a E que leve a C, seu amigo ou seu filho, em Nova Torque
x dólares, pois E chegará no comêço do mês quando C precisa do dinheiro. E não procura C, nem lhe telefona
para que vá ao hotel, em que se acha, receber as cédulas. Com isso, fêz A, a quem C telegrafou, ter de enviar
outros z dólares, com perda de aplicação durante três meses, além de prejuízos para O. Há a ação de indenização,
diz-se; não, porque a ação, aí, é de reparação em natura. A reparação em natura também pode ser em dinheiro. A
prestação em cruzeiros é que, in casu, seria pecuniàriamente indenizatória.
A reparação em natura há de ser feita pelo lesado, ou por oferta dêle a algum técnico, ou profissional. Não pode o
lesante exigir que se lhe entregue o bem para que o consêrto se faça, ou mesmo para que se substitua o objeto
quebrado. O pagamento direto pelo demandado significa que a reparação foi em natura. Idem, se o lesado apenas
foi intermediário. O princípio apanha os danos patrimoniais e os não-patrimoniais.
Se o credor exige a quantia exata para a aquisição do objeto, que há de ser substituído, é quaestio facti a de se
saber se a reparação foi em natura, ou em pecúnia. Se A e E foram à loja e encontraram objeto igual ao objeto de
A, que E quebrara, e E deu a A o cheque da quantia exata, ou a quantia em cédulas, houve, a despeito da passagem
do cheque ou do dinheiro pela mão de A, reparação em natura. Quem comprou foi E, que, em caso de vícios
redibitórios, tem a ação de rescisão do contrato de compra-e-venda. Não importa se o recibo foi em nome de A ou
de E. Não se dá o mesmo se E entrega o dinheiro a A para que compre, porque, então, fica a líbito de A comprar
ou não comprar. Se compra e há vicios redibitórios, legitimado ativo 4‟ A.
Com a faculade alternativa, o credor pode exigir a) a possível reparação em natura, ou b) o quanto de valor. Se o
credor escolhe a), ou se escolhe b), não mais pode revogar a sua manifestação de vontade. Nada obsta a que, em

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vez de escolher, o credor deixe ao devedor, ou ao juiz, a determinação. A mora accipiendi do credor não tem o
efeito de fazer passar ao devedor a facultas alternativa, nem pode o devedor interpelar o credor para que faça a
escolha (TE. KIPP, em E. WINDSCI-IEID, Lehrbuck des Pandektenreckts, II, 31). Discute-se se o credor pode
fazer o pedido sem a eleição, para que> durante o processo, exerça a facultas alternativa, ou se tem de escolher ao
propor a ação. O que se há de entender é que somente tem de escolher se já se está na fase executiva (O.G.VON
WACHTER, Erôrterungen, III, 117), ou se manteve a. alternatividade, ou se o juiz tem de decidir quanto à
reparação em natura ou em dinheiro. Advirta-se que se está a supor a possibilidade da reparação em natura. Onde
a reparação é impossível, ou se tornou tal, a reparação há de ser pecuníária, e no que ela o é, se cabe, na espécie,
a reparação parcial em natura.
~ Quid inris se foi o próprio credor que tornou impossível a reparação em natura? Em verdade, escolheu.
Se o total dos benefícios, dos lucros, aritmeticamente supera o total dos danos, não houve dano que se haja de
reparar. Ou o valor do patrimônio permaneceu o mesmo, ou houve enriquecimento, sem que se possa pensar em
enriquecimento injustificado. O que o lesado ganhou é dêle; com êle fica. O que o sistema jurídico colima é que
não haja empobrecimento por ato, ato-fato ou fato de que outrem seja responsável, nem enriquecimento
injustificado. Há a compensatio lucri cum damrto, mas intrínseca; e não o instituto da compensação dos lucros
com os danos, a compensação do crédito com a divida. O que se passa é absolutamente estranho ao que se
disciplina no Código Civil, arts. 1.009-1.024. Os juristas não têm prestudo a devida atenção ao fato que é crucial
de não haver da parte do lesante, débito e crédito, isto é, não haver a e + b, e sim (ab). Êle deve a, ou (ab), que
pode ser quantia pequena, ou alta, ou mesmo zero. Há unidade, e não pluralidade, de modo que é dentro do crédito
pela reparabilidade que se dá a compensação, puramente matemática, e não jurídica, institucional.
Surge o problema de tal compensação intrínseca, inclusa, em casos de reparação em natura. Por exemplo: sofreu
A a deterioração de parte da casa pelo fato da queda da pedra, que veio da construção de E, mas A planejara abrir
o fôsso para ter água, que lhe faltava e o custo seria x, muito maior que a reparação do dano à casa, e a pedra, que
tombou, provocou grande derrubada de terras, de que resultou achar-se o fio de água suficiente (cp. ERNST
EICHHOFF, Uber die Lehre von der compensatio lucri cum damno, 129). A questão, levantou-a ERNsT
EICHHOFF; o exemplo é nosso. A solução que damos é óbvia e clara: o demandado pode alegar e provar que do
fato considerado ilícito não adveio prejuízo, porque houve
z e + x, ou x e + x~, ou x‟. Por isso mesmo se E quebra a escultura de que é dono A e há outra igual, pode A
entregar a B (ou B exigir de A) o que foi quebrado, para que lhe preste a outra em estado perfeito.
Nem sempre o dano materialmente parcial é econômica e juridicamente parcial. Há máquinas, por exemplo, que,
por ser quebrada uma peça, não valem mais nada, ao passo que o boi morto pelo golpe do brincalhão pode ter o
valor da carne e de outras partes do corpo. Se o dono vende os restos, tem-se de descontar o que êle apurou (II.
WALSMÂNN, Compensatio lucri cum damno, 80 s.). Se o credor resolve não vender e o comunica ao lesante,
para que lhe indenize o prejuízo total, ou lhe repare em natura o dano com a prestação de outro touro da mesma
qualidade, o animal morto ou ferido tem de ser entregue ao responsável que solve a dívida, ou deposita para a
solução da questão jurídica. De qualquer modo, se, ciente, não retira o animal morto ou ferido, os riscos são do
responsável pela reparação. Cf. PAUL OERTMANN (Pie Vorteils‟ausgleichung beim Schadensersatzanspruch,
15, 206 e 306 s.).
O‟ que se “entrega” ao responsável pode ser direito, pretensão, ação, ou exceção (sem razão, PAUL
OERTMANN, Pie Vorteilsausgleichung, 240), porque há, aí, dever de cessão.
Para que se contem os benefícios e se subtraiam aos valôres dos danos, têm-se de avaliar uns e outros. Quando
havia o princípio da primazia da reparação em dinheiro, era fácil a computação dos benefícios. Sob o prindpio da
primazia da reparação em natura, a avaliação é indispensável, quer do que fica com o lesado, quer do que sai, quer
do que êle recebe. O que é de grande relevância é frisar-se que a dívida é uma só, de jeito que se não compensa
crédito com dívida:
a compensação intrínseca é matemática, interna e não externa (entre credores) ; não supõe exercício do direito
formativo extirttivo por parte de um. dos credores (cf. Tomo XXIV, §§ 2.969 e 2.976) portanto, a alegação (§
2.976, 5). Se o lesante não objeta contra o importe do que se lhe cobra, o que se há de entender é que achou
legítimo o que se lhe cobrou.
Para que se computem os benefícios, os lucros, há de haver causalidade entre o fato de que se originou o direito à
indenização e êles. Por que êles são elementos internos, positivos, dos danos. A causa há de ser a mesma (quem
primeiro o frisou foi Fiz. MOMMSEN, Zur Lehre vom Interesse, 193), sem que se haja de apurar a imediatidade
ou a mediatidade. Atos múltiplos podem apresentar unidade. Por exemplo: E pôs a máquina a trabalhar e o braço
da máquina quebrou as telhas do vizinho, onde se alojava a rapôsa que muitos danos causava às criações, sem que

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o dono da fazenda soubesse de onde ela vinha; e o maquinista, em segundo movimento, pegou a rapôsa, com os
dentes de ferro.
A entrega do bem lesado ao responsável, seja da propriedade, seja da titularidade de direito pessoal, como a
cessão de direitos, de pretensões e de ações, para que a reparação em natura (objeto nôvo) ou em dinheiro seja
total, supõe que a reparação exceda o dano total. Não se pode dizer que aí não há a conexão causal, pois que há a
unidade do bem jurídico. Não há negócio jurídico entre o lesante e o lesado, salvo se as circunstâncias não
tornaram razoável a entrega, e houve acôrdo entre êles, sem o qual a prestação com excesso não se justificaria.
Se E perde a jóia de A, indeniza totalmente o prejuízo, e mais tarde é encontrada, o pagamento ou a coisa julgada
impede que A exija a jóia, salvo se foi prevista a restituição em caso de encontro do bem perdido.
Se há mais de um responsável, com solidariedade, e um dêles paga tudo, ficando com o bem danificado ou com as
prestacões e ações (cessão ao pagante), somente pode invocar o art. 1.518, parágrafo único, do Código Civil, com
a observância do art. 1.520, isto é, tem de só exigir a quota na indenização do prejuízo causado, e não no total do
que pagou. solve se o que recebeu divisiveis e se prontifica a prestar a quota no bem ou nas pretens6es ou ações
.

Se o animal pertence a A, que encarregou C de cuidar‟ dêle, e o animal causa dano a B, com o pagamento da
indenização por B a A, tem B as ações que teria A contra O. Não as tem C se foi êle que indenizou.
Se A fêz contrato de depósito com C e, com negligência de C, B furta o bem depositado, sobrevindo a indenização
por C, tem êsse direito a exercer contra B as ações que caberiam a A. Aliter, se a indenização foi paga pelo próprio
ladrão‟.
Transferem-se as ações reivindicatórias, a negatória, a de reivindicação da posse, as possessórias e as pessoais
(indenizatórias).
Uma das conseqúências da compensatio iueri mim damno, em se tratando de computação de benefícios se o fato
foi fato ilícito absoluto, é a de não ser exceptio (aliás, no direito brasileiro, a alegação da compensação entre
créditos não Tio
Tomo XXIV, § 2.969, 8, também sôbre o êrro do Código suíço das Obrigações, art. 571, alínea 3?), nem direito
formativo extintivo. A sentença tem de examinar as circunstâncias e decidir sôbre o quanto da indenização, ou da
reparação em natura, total ou parcial, atendendo-se a que o credor é que escolhe a solução com a entrega ou sem
a entrega.
A lesão à pessoa dá origem a dano não patrimonial, mas que pode ter conseqUências não patrimoniais. Por outro
lado, o dano a coisa pode não ser, propriamente , patrimonial e conter ofensa a interesse de afeição.
O lesado tem o direito a fixar prazo para que o lesante proceda à reparação em natura, se essa é possível. F‟indo o
prazo, o lesado pode negar-se a receber o objeto que poderia substituir o objeto lesado, ou a permitir o consêrto.
Transcurso o prazo, a indenização é o único meio de solução. Com isso, retira-se ao demandado a dilatabilidade
do tempo para a reparação. Aliter, se o credor já escolheu a reparação em natura. Trata-se de manifestação de
vontade receptícia, feita a qual se há de entender que o demandado preferiu reparar em dinheiro. A figura é a de
ato jurídico stricto sensu, e não a de negocio jurídico unilateral, como pensavam muitos juristas. <~Quid inris, se
o prazo é demasiado curto? Ora, o credor porala escolher; e escolheu. Escolheu, com margem para que, dentro de
determinado tempo, o devedor prestasse em natura.
Quem pode o mais pode o menos. Expirado o prazo, nem o devedor se pode liberar com a reparação em natura,
nem o credor pode exigi-la.
A sentença pode condenar o devedor a indenizar, ou a reparar em natura, com a entrega pelo lesado do objeto
ofendido, ou os restos dêle. A citação, na ação executiva, há de conter a prestação (+ x li), a fim de que o
demandado receba o que há de receber, definitivamente, ou para reparação em natura. A entrega é pressuposto
para que se proceda à penhora. Se é preciso haver cessão de direitos, pretensão ou ação, dá-se o mesmo: o negócio
jurídico da cessão é pressuposto, como o seria a escritura pública de transferência, ou outro instrumento
necessário à transferência.
9. DANO, TEMPO E LUGAR. A causalidade, nos danos, supõe tempo e lugar. Tem-se de partir do lugar e do
tempo em que o fato ilícito absoluto, largo senso, ocorreu.
(a) Para a responsabilidade negocial, o que é de relêvo é o momento‟ em que se presta, ou em que se deixa de
prestar, ou em que se presta insatisfatôriamente. Há o momento cm que se há de prestar. Para a responsabilidade
extranegocial, o momento em que o fato ilícito absoluto ocorre é o ponto de partida, sem que se possa negar
possibilidade de mudanças concernentes à extensão dos danos.
No momento em que se propõe a ação tem o autor de referir-se ao ato ilícito absoluto, ao ato-fato ilícito ou ao fato

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ilícito absoluto stricto sensu, bem como ao que aponta como dano e ao que prevê ou espera como conseqUência
do fato ocorrido. Se, porêm , depois de iniciar a demanda, ou mesmo depois de ter sido proferida a sentença, o
dano cresce ou decresce, não se pode considerar o pedido como restrito ao que consta da inicial e indilatável.
Primeiro, porque os sistemas jurídicos de hoje não se podem ater ao princípio romano do momento da Luis
contestatio. Segundo, a sentença há de apreciar e considerar todas as circunstâncias anteriores, mas sem se
fecharem as portas, a priori, à pretensão à tutela jurídica. O próprio juiz, ao decidir, há de levar em conta as
possibilidades futuras.
Ao ter de apreciar os fatos futuros, o juiz decide sem margem para que, após a coisa julgada, se aleguem e provem
aumentos ou diminuições dos danos, a sentença trânsita em julgado fecha as portas ao demandante e ao
demandado. Nem há condictio sine causa (KoNRÃn HELLWIG, Anspruch und Xtag?echt, 107; sem razão, F.
JAGER, fie Umwandlungsk iage, 24). Aliter, se em processo anterior, ou se no pedido, se frisou que se pós de
lado a definitividade para se admitir que se a‟ entendam danos positivos ou lucros frustrados. Aí, a res twdicata
não é óbice à nova demanda, para. que se condene em mais, ou para que se restitua. E a opinião afirmativa de
PAUL OERTMÀNN, que aplaudiu jurisprudência, não pode ser acolhida. O interessado também pode propor a
ação declaratória, referindo-se a danos presentes e futuros, deixando para depois a propositura da ação de
condenação, quando lhe pareçam que os danos estão fixados.
Se foi condenado o demandado a prestar renda, tem-se de examinar a sentença para se verificar se há, ou não, a
coisa julgada material, a fim de se responder se não se pode, ou se se pode intentar nova ação, por ter havido
agravamento ou diminuição dos danos futuros.
Se houve a sentença, porém ainda pende recurso ordinário, com a mudança das circunstâncias, mesmo se não
prevista na decisão, pode o interessado requerer a retificação, pois aí não há ofensa à coisa julgada.
(b) Quanto ao lugar, tem êle relevância para se saber onde se hão de fixar a existência e a extensão do dano e onde
se tem de prestar a indenização. Onde houve o dano, aí se tem de indenizar em natura, ou em pecúnia. Pode
ocorrer que o bem tenha sido transportado e no lugar em que se acha é que se deva consertar, ou substituir.
A avaliação dos danos nem sempre se pode ultimar no momento em que se propõe a ação, ou em medida cautelar.
Nem sempre a petição pode dizer o quanto que se pede, se a reparação não é em natura. Não há o princípio de ter
o autor de se referir ao importe dos danos sofridos, nem, sequer, a todas as suas conseqüências . O que há de ser
apontado é o ato ilícito absoluto, o ato-fato ilícito absoluto ou o fato ilícito stricto sensu absoluto. Os danos,
mesmo se explicitamente mencinados, podem ser somente os que se conheciam, ou que temam ocorrido.
Quanto aos lucros frustrados, cumpre acentuar-se que não é preciso que ao lesado o fato ilícito absoluto impeça a
aquisição imediata do direito: basta que não seja contra direito o que o lesado poderia praticar, e o dano não mais
o permita (cf. R. COHNFELDT, Die Lehre vom Interesse nach schent Recht, 93-97; cp. L. 26, D., de damn‟o
infecto et de suggrzcnd‟is et proiectio‟nibus, 39, 2). O lucro tem de ser alegado e provado; porém de modo
nenhum se exige que, no momento em que ocorreu o dano, a frustração já seja previsível. Mesmo depois da
propositura da ação pode manifestar-se a causalidade, que o autor ou todas as pessoas desconheciam.
Produzido o dano, inclusive frustrado o lucro, pode o demandado, ou o responsável contra o qual ainda não se
propôs ação, cuidar da reparação ou da atenuação das conseqüências . Se o fato ilícito absoluto atingiu a máquina
e a suspensão da atividade do lesado pode dar ensejo a futuros lucros frustrados, nada obsta a que a pessoa, que o
ofendido reputa responsável, peça ou requeira a entrega de outra máquina, sem que, com isso, reconheça a dívida
ou o valor da dívida. Também pode requerer o depósito para a aquisição imediata, sem que confesse a dívida, ou
anua na fixação do quanto devido.
Se a decisão é contrária à responsabilidade, o autor que aceitou a prestação cautelar, em natura ou em dinheiro,
tem de restituir o que recebeu, com a prova da conservação, ou com a correção monetária mais os juros ou
interesses, porque quem se dizia lesado não o fôra e teve os lucros com o capital alheio. Tudo se passa como a
respeito do enriquecimento injustificado.

10.INTERESSE PRÓPRIO E INTERESSE ALHEIO. Há, evidentemente, no direito contemporâneo, a ligação


da responsabilidade extranegocial às circunstâncias subjetivas do lesado. Se o legitimado ativo cede o crédito,
com isso não cessa a possibilidade de se agravarem os danos, ou de diminuir o valor dêles, inclusive pela aparição
de benefícios, ou o aumento deles . A pessoa do cedente continua a ser o ponto central. Por isso mesmo não se
pode dizer que o momento da cessão é que é decisivo <sem razão, ANmirãAs VON TUER, Eigenes und fremdos
Verschulden hei Schadensersatz aus Vertrãgen, Grúnh”ts Zeitschrift, 25, 558). A pessoa do credor é que importa,
mas o crédito, por sua origem, continua ligado às circunstâncias pessoais e variável como se continuasse como
surgira, apesar da cessão.

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Se o bem foi vendido e transferidas a propriedade e a posse ao comprador, mas continuou no depósito do
armazém, para que o adquirente o apanhasse, e sobreveio incêndio procedente do edifício vizinho, o vendedor
tem a ação de indenização contra o responsável pelo incêndio, porque tinha de entregá-la. Tem a ação, também, o
comprador. O que é preciso é que o credor esteja em relação jurídica com o terceiro, que lhe permitia (ou que lhe
imponha) a defesa do interesse do terceiro. É sem relevância se o responsável conhecia ou não a relação jurídica
entre o credor e o terceiro (E. REGELSEERGER, Ersatzpflicht aus Vertràgen fflr den Schaden, den durch den
Vertragsbruch em Dritte erleidet, Jherings Ja.hrbitcher, 41, 275).

11.INTEI~És5E DE AFEIÇÃO. Interesse de afeição ou valor de afeição, distinto do interesse comum ou valor
comum, é interesse ou valor meramente subjetivo, embora possa ocorrer que o cão, que A tanto estima e que não
considera substituível por outro qualquer, seja de valor estimativo para A e B, seu vizinho ou amigo. Não seria
justo que alguém, que reputa sem valor o cão de A, o mate e somente tenha de indenizar pelo preço pelo qual os
interessados em cães o comprariam, ou não tenha de indenizar porque só A lhe dava valor.
A lesão pode ser a direito ainda não adquirido, porque a lesão a atividade da pessoa se projeta para o futuro e se
tem de pensar em lucros que se teriam se o dano não tivesse ocorrido (infeliz a referência de J. Eosc, Essai sur Les
élérnents constitutifa du délit civil, 7).
A colisão de interesses pode ser nômica ou antinómica, como se A podia exercer direito hoje e B amanhã, mas A
exerceu nos dois dias, ou se B exerce direito que de maneira nenhuma poderia exercer (cp. NICOL-SPEYEII,
Systematiscke Thcorie des heutigeu Rechis, 151 s.). Ali, o interesse nômico choca-se com o interesse
paranômico; aqui, com o antinomico.

§ 5.511. Momento em que se avalia o dano

1.PEDIDO DE INDENIZAÇÃO E PRESTAÇÃO DO QUANTO INDENIZATÓRIO. Quem sofre dano pode


pedir, imediatamente após o ato ilícito, ou o ato-fato ilícito, ou o fato atricto sensu ilícito a reparação, ou aguardar
outro momento para fazê-lo. Uma vez que a pretensão nasceu, há prescriptibilidade e praclusividade, conforme a
espécie. Mas, enquanto não se presta, a reparação é daquilo que sofreu e sofre o patrimônio, pelo fato do dano. A
peça de máquina, que foi roubada no fim do ano e subiu de preço no ano seguinte, ou em qualquer ano em que se
preste a indenização, não pode ser substituida pelo preço que era o do momento do roubo, se tal preço já foi
ultrapassado.
Quando se fala da esfera jurídica de outrem supõe -se que ela possa aumentar ou diminuir, inclusive com ilicitude
relativa ou absoluta, de modo que se alude à esfera jurídica de cada momento. O fato lesivo e não só o ato Lesivo
pode ser positivo ou negativo. As leis e os negócios jurídicos, eu os próprios atos jurídicos stricto sensu traçam o
limite. Se a policia proibiu que se jogue ou se deixe cair neve dos telhados em lugar perigoso, ou papéis ou
fósforos ou outros objetos nocivos, o perigo apenas foi pôsto em comunicação de conhecimento, porque se lhe
supõe a existência quanto aos danina futura. Pode tratar-se de comunicação de que se espera dano proveniente de
omissão, ou de omissão lesiva sem ter havido qualquer comunicação (cf. GEORG BEERMANN, Findet die lex
Aquilia hei Unterlassung Anzoendung?, 7-12; quanto à discussão, em direito comum; cf., em sentido afirmativo
radical, DE VRIES, De Delictis oonissionis, 46; contra, OERSTED, Úber die Grundregem der
S‟traf.qesetzgebung ana dem Dtt‟nischen, 24 s. e 510 e.; em sentido de tratamento igual, quanto à causação pelo
ato e pela omissão (HEINR. LTJDEN, Abhandlungen aus dem gemeinen teutschen Strafrechte, IT, 221;
HEINRTCH ERER. VON DER RETTENBURG, lhe Áquiliache Haft‟ung wegen Unteríassung nach gemeinem
Recht, 17).
A culpa deve ser apreciada no momento em que se deu o ato lesivo; isto é, o ato de que provém o dano, e não o
dano mesmo. Podem ser, no tempo, assaz distantes. Assim, são responsáveis as companhias de navios ou de
aeroplanos que, na ocasião da saída, não os muniram dos aparelhos recentemente descobertos e já aCessíveis. A
jurisprudência francesa decidiu que tem de reparar o dano o proprietário do ascensor que não o dotou de aparelhos
de segurança recém-descobertos, salvo se para isso havia grandes dificuldades.
Se a culpa foi no momento a e o dano no momento e, a relação causal está estabelecida, pôsto que pudesse o
culpado tê-la afastado no momento b. Para isso teria de eliminar todos os elementos que poderiam levar ao
resultado danoso. Quem põe a bomba para que exploda no momento c e no momento imediatamente anterior se
arrepende e a retira a tempo de não ser lesiva a explosão, responsável não é porque não houve danos. Responsável
há de ser por danos que a explosão cause, a despeito do gesto da retirada, e até pelos danos que sofram as pessoas

.~> a]
que correram para se livrarem das chamas, ou mesmo da bomba que não explodiu. O ato culposo persiste como
causador, a despeito de mudanças de intenções e de atos eliminatórios insuficientes.

2. INTERÉSSES. Os juros são prêmio pelo perigo do capital e substitutivo do que se ganharia com o uso do
capital, como, por exemplo, em fabricar algum artigo de comércio. Mas a retirada do bem, pela deterioração, ou
pela destruição, não só se cobre com o que valia o bem mais os juros. Os juros-frutos não se contam para se
reajustar o valor das indenizações, nem para se corrigir o valor da moeda. São acessórios, como os juros
moratórios, mesmo quando a lei os fixa como prestação mínima de reparação de danos (cf. HAR1W JACOBUS,
Der Rechtsbegriff der Zinseu, 56 s.). À medida que a prestação indenizatória cresce, os juros têm de crescer, por
serem percentuais do quanto devido. Se o preço, com que se adquiriria o objeto a, no momento do dano,
aumentou, a indenização é pelo preço do momento em que se vai pagar, porque somente com essa quantia se
poderia adquirir o objeto danificado em parte ou destruido.
Se, em conseqüência de lesão do corpo ou da psique, há diminuição da saúde, ou da aptidão para o trabalho,
lucrativo ou não, ou aumento de necessidades, a indenização é do quanto que dê renda suficiente para cobrir os
efeitos do ilicito, ou de renda, que há de ser garantida. Pode haver razão para se exigir a prestação total, em vez de
renda.
A impossibilitação casual da prestação não libera o devedor da prestação total ou das rendas (cf. F.
REGELSBER-. GER, Alternativobligation und alternative Ermãchtigung des Glãubigers, Jherings Jahrbitcher,
16, 167; VICTOR CANETTA, Zur Lehre von deu. sog. alternativeu Obligationen, 29; divergências em ERWIN
ÇHAMIZEit, Natur, Gebiet and Grenzen der Wahlscludd, 79; GUSTAV DECHAMPS, lhe obligatorisehen
Wahlverlziiltnisse nach tiem Recht dles BGB., 70; cp. HEINRICH LIPPERT, Die alternative Erm.ãchtigung des
GWubigers im deutsch,en bUrgelichen Rechte, 46 s.).
A respeito da obrigação por ato ilícito, ou ato-fato ilícito ou fato stricto sensu ilícito, o crédito, a despeito da
escolhibilidade, é um só. A unicidade é para cada obrigação, se há duas ou mais (cf. HERMANN WEITz, Die
facultas alternativa, 48; GUSTAV DECHAMPS, Die obligatorischen WahlverMltni,sse nach dem Recht des
EGE., 94; F. W. PISTORY, Wahl und Unmôglichkeit ais Voraussetzungen der Resehrdnkung der Wahlschuld
nach dem Rechte deg BGR., 11).

ESPÉCIES DE DANOS TRATADAS COMO TEMAS EXEMPLIFICATIVOS

§ 5.512. Imputabilidade e não-imputabilidade

1.INCAPAZEs E PERTURBADOS MOMENTÂNEAMENTE DA PSIQUE. Se o dano foi causado por pessoa


que não se inclui entre as que têm capacidade, ou a que, no momento, não seria imputável o delito, como se
estava em estado patológico de perturbação da atividade mental, a técnica legislativa tem diante de si problema
delicado: j, Tem-se, por eqúidade , de retirar do patrimônio do agente o que indenize o dano, se não há terceiro
responsável por dever de vigilância ?
Afaste-se a extensão de tal responsabilidade àqueles casos em que não tenha havido dolo, nem culpa, e falte a
sanção. Temos de considerar apenas os casos de falta de capacidade do agente, ou de integridade mental no
momento, e de responsabilidade de outrem por dever de vigilância. O ato há de ser ineluível naqueles atos que, se
houvesse, ia casu, capacidade do agente, ou integridade mental no momento, se teria como ilícito e gerador de
dever de indenizar (cf. Lunwrn TEAGER, WiLle, Determinismus, Stra te, 190 s.). A ação é subsidiária, porque se
supõe que outrem não tenha de indenizar (e. g., o titular do pátrio poder, da tutela ou da curatela, ou quem
embriagou o agente ou lhe deu alguma substância que o perturbou).
Argumento a favor da prestação indenizatória pelo incapaz que tem fortuna é o de que também se indeniza em
caso de legítima defesa e de estado de necessidade, em que há o plus da licitude. Ora, o incapaz cometeu “ato
ilícito” e o artigo 156 do Código Civil não pode ter interpretação literal. ~Como se justificaria que o menor de
dezesseis anos de quinze anos, por exemplo pudesse incendiar uma casa sem ser responsável pelo ato ilícito?
Diga-se o mesmo diante do art. 1.310 do Código Civil francês, que está na lei como matéria de negócio jurídico
(cp. 1W. MEIGNIÉ, Responsabilité et contrat, 48; HENRI LALOU, La Responsaôilité civile, n. 256).

2. DIFERENÇAS DE NÍVEIS PATRIMONIAIS. Sempre que não há diferença patrimonial entre o que compõe

.~> a]
a fortuna do responsável excepcionalmente e o que compõe a do lesado, a eqUidade não justificaria que se tirasse
de um para se dar ao outro. Nunca se há de invocar o principio se a indenização privaria de meios de vida (casa,
alimentos) o incapaz ou perturbado mental, ou de meios para os prestar a alguém, por alguma obrigação.
O juiz tem de examinar, detidamente, o caso, para poder decidir (cf. Código de Processo Civil, art. 114). O
arbítrio é quanto à prestação indenizatória, pois que supomos inserta no sistema jurídico a regra jurídica
não-escrita. O momento em que se apreciam a indenizabilidade e o quanto é o da sentença definitiva (cf. J. CHR.
SCHWARTZ, Das Rilliglceitsnrteit des § 829 13GB., 20, 1.).
A origem do § 829 do Código Civil alemão está no direito germânico (Lex Salica, 24, § 5; Lex Frisionum, add. 3,
70; Sachsenspiegel, II, 65, § 1, e III, 3; O. HAMMER, fie Lehre „com Schadenersatz naek dem Sachsenspiegel
und verwandten Rechtsquellen, 2 e 40; sem razão os que pensavam em ter de responder o tutor e só com a entrega
pelo tutelado se liberava, e. g., RICH. En. JOHN, Das Strafrecht in Norddeutsehland zur Zeit der Rechtsbilcher,
99; W. TH. KRAUT, fie Vormundschaft nach Grvndsãtzen deg Deutsehen Rechis, 1, 339 s. e 857 s.).
TUOMASIUS fundou em direito natural o princípio (cf. F. C. TH. HEPP, fie Zurechnung auf dem Gebiet des
Civilrechts, 175 s. e 243 s.).

3.PROBLEMA DE TÉCNICA LEGISLATIVA. O que mais importa é que, se capacidade houvesse, ou


integridade mental, o agente seria responsável, sem ser em virtude da regra juridica subsidiária e não há quem
responda por êle (cf. II. DITTENBERGER, Der Schutz des Kindes gegen die Folgen eigener Handiungeu im
13GB., 48, 82 e 88; KARL HEINSFEIMER, Die Haftung Unzurechnungsfãhiger nach § 829 des BGB., Archiv
fúr die eivitistische Prawis, 95, 234 s.; LUDWIG TRÁGER, Der Kausaibegrift im Zivil- and Strafrecht, 215 5.; E.
HÓCHSTER, Grenze der Haftung Unzur‟echnungsfãhiger [829 FOR], Archiv flir die civilistisehe Pracús, 104,
427 s.). O princípio não pode ser o princípio da. culpa, pois que em todos os casos se pressupõe incapacidade ou
falta de integridade mental. Há de ser o princípio da causalidade (CÂRL CROME, System <les deutsehen
Buirgerlichen Redita, II, 1013), embora seja pressuposto o ter sido responsável se incapaz não fôsse, ou em
cstat~c. de perturbação mental. Não há a incompatibilidade doutrinária que se tem apontado (cf. KARL
IÃNcKELMANN, Die Sckadenersatzpflicht aus unerlaubten Handiungeu, 110; J. CHR. SCHWARTZ, Das
Biligkeitsurteil des § 829 13GB., 13; confuso, O. R.OSANES, fie Voraussehbarkeit des Erfoiges bei der
Schadensersatzpflieht Unzureehnungsfâhiger, 1 s. e 51).
A eqUidade não é, aí, fonte da responsabilidade <sem razão : J. W. HEDEMANN, fie Portschrite des Zivilrechís
im.Jahrhundert, 115; EMIL STEINBACH, fie Grundsãtze des heutigen Reehts úber den Ersatz von Vê
rnuigensschtiden, 78), nem fundamento para atenuação da responsabilidade (OTTO VON GIERRE, Deutsch.es
Privatreeht, III, 911; cf. KARL BINDING, fie Normen wnd ihre t7bertretung, ~, 2.~ ed, 466 s.), mas sim
conforme seguimos o princípio desde as fontes de ajustamento dos patrimônios. Tão-pouco se pode pensar em
apreciação de interesses, porque não há interesse da pessoa incapaz ou de mentalidade perturbada (sem razão,
JOSEPH UNGER, Handeln auf eigene Gefahr, 140; e R. MERKEL, fie KoUisíon rechímâssiger Interesseu, 1 s.)
; ou em segurança de risco (W. SJÓGREN, Zur Lehre von den Formen des Unrechts und den Thatbestanden der
Schadenstiftung, Jherings Jahrbúcher, 35, 419 s.). ~ de se considerar o que tem de patrimônio o agente incapaz ou
mentalmente perturbado e o que tem o lesado, no momento da sentença (J. CER. SCHWARTz, lias
Biligkeitsurteil des § 829 BGB., 20 s.; sem razão, J. W. HE DEMANN, Zivilistische Rundschau, Archiv fui-
Búrgerliches Recht, 25, 378).

4. SOLUÇÃO E ÔNUS DA PROVA. Práticamente, apontemos as espécies principais: d) o menor absolutamente


incapaz, ou o insano da mente, que não tem titular do pátrio poder, tutela ou curatela, ou que não está, no caso,
atingido pela responsabilidade o pai, mãe, tutor ou curador, é pessoa rica e feriu alguém que precisa de
indenização, ou arrebentou algum objeto de valor para essa pessoa; b) o homem ou a mulher de haveres, após ter
bebido demasiadamente, saiu do bar, ou do restaurante, ou da hoate, a dar bengaladas nos transeuntes, e quebrou
a cabeça de um dêles, que tem de ir para o hospital; e) o louco, de muito tempo, ou pessoa que acaba de
enlouquecer, entra num escritório ou numa fábrica e lança fôgo nos móveis ou nos artigos de comércio.
A determinação eqúidosa do quanto pode ser inferior ao valer do dano.
O ônus da prova de todos os pressupostos para tal indenização incumbe ao demandante. Ao demandado cabe
alegar e provar, se é o caso, que a indenização atingiria o necessário para alimentação, casa e roupa, ou os seus
deveres de alimentar a alguém. Se o demandado, absolutamente incapaz, não tem pai, mãe, tutor ou curador, deve
o juiz nomear tutor ou curador, ou exigir que se providencie a respeito, se não lhe toca a função de nomear.
Quem empresta a menor, sem consentimento do titular do pátio poder, ou de quem tenha a guarda, não tem ação

.~> a]
para reaver o que emprestou (Código Civil, arts. 1.259 e 1.502). Se o menor é relativamente incapaz, e ocultou,
dolosamente, a incapacidade relativa, há a ação para restituir (art. 155). Se para obtenção do mútuo houve ato
ilícito, há responsabilidade por culpa (art. 156). Não tem ação o emprestador. Melhor:
havia, no direito romano, a alegação, com oposição da exceção ; daí poder haver, após a maioridade, ou o
suplemento de idade, a renúncia (cf. Codex Maximilianeus Bavarius Civilis, Parte IV, Capítulo 2, § 4, 7; MAx
SEYDEL, fie gememreehtliche Lehre „com Macedonischen Senotusbeschltsse, 51 5.).
No estado atual da ciência jurídica temos de admitir que se reparem os danos causados pelos incapazes, se não
cabe, ou não basta a responsabilidade dos pais, tutôres ou curadores, ou hospitais, e as situações econômicas cio
ofendido e do defensor o impõem, equilitativamente. Não se pode atribuir culpa ao incapaz, de modo que não se
poderiam invocar os princípios da responsabilidade por culpa. O ato do incapaz não é ato ilícito, mas há de haver
excepcionalmente a responsabilidade, tal como se passa com o dano causado por ato em estado de necessidade,
ou de legítima defesa, que a lei reputa causa de dever de indenizar. Pretendeu-se que a responsabilidade em caso
de estado de necessidade não é ilícito, mas que o é o ato do incapaz. A distinção há de ser repelida, porque levaria
a dificuldades tremendas: a lei não pode cogitar de incapacidade para o ato ilícito e falar de ilicitude. Nas duas
espécies, não há ato ilícito, mas há responsabilidade conforme os pressupostos estranhos à culpa. A
responsabilidade é objetiva, nas duas espécies. Apenas, a propósito dos incapazes, há o elemento do
subsidiariedade. O lesado somente pode exigir reparação pelo incapaz se o pai, tutor ou curador não responde, ou
não a presta suficientemente. Não há, de modo nenhum, co-responsabilidade, razão por que é exigível a reparação
pelo incapaz sa não há pai, tutor ou curador e não é caso de responsabilidade do juiz. A comparação entre os
haveres do. ofendido e os do ofensor incapaz tem por fito a determinação do quanto, que pode ser zero. Daí certo
arbítrio eqUitativo que fica ao juiz. Não se atende à comparação dos haveres nas outi-as espécies de crédito de
indenização.

§ 5.513. Procura e gestão de negócios alheios

1. PRocURA E INDENIzAÇÃO. A procuração não se confunde com o mandato, porque aquela é manifestação
unilateral de vontade, e êsse, não (Tomo XLIII, §§ 4.678, 2; 4.681, 1; 4.692-4.697). A revogabilidade é à
semelhança da revogabilidade de qualquer outorga unilateral de poder. A comunicação a terceiros de ter havido
outorga é ato jurídico stricto sensu, e não negócio jurídico, e declarativa, pôsto que possa ter efeitos constitutivos
(J. HUPKA, fie VoUmacht, 163 s.; KURT MAURER, Der Widerruf der Vollnw.cht, 24).
Se a procuração é irrevogável, o outorgante não prometeu não revogar, fêz irrevogável a procuração (Tomo
XLIII, § 4.694, 1), o que também se passa com a procuração em causa própria (Tomo XLIII, § 4.699, 8). Se o
outorgante diz revogar, não revoga o irrevogável: comete ato ilícito absoluto. Também é ato ilícito absoluto o
comunicar a terceiro ou a terceiros que outorgou podêres, sem os ter outorgado.
A objeção de quem afirma não ter sido o emissor do título contra o portador, por ser falsa a assinatura, é afirmação
de ter existido ato ilícito absoluto, de modo que o pretendido emissor não se vinculou. Nega, em objeção, que
tenha havido negócios jurídico (cf. MAX RAUCHENEERGER, Die Einwendung aus dem Rechie Drilter und
gegen Dritte, 61 s.).
O ato do falsificador da assinatura do emitente, ou do endossante, ou do avalista, é fonte de responsabilidade
extranegocial, com ação do terceiro contra o agente ou os agentes.
Quem pode exigir indenização pelos gastos que fêz com determinada finalidade, se, para isso, vinculou, pode
exigir de quem o encarregou que o libere da vinculação. Se ainda não se venceu a divida, pode exigir que lho
garanta. Cf. Código Civil alemão, § 257. Se já venceu, o ressarcimento tem de dar-se. Está-se no plano da actio de
in rem vergo (cf. ANDREAS vON TUHR, AcUo de in vem verso, 87; Eigenes und fremdes Verschulden bei
Schadensersatz aus Vertrãgen, Cri]nhuts Zeitschrift, 25, 541 s.), a despeito de opiniões divergentes (e. g. CARL
CROME, System, II, 83 s.).
A ação de in rem verso é ação adjecticia. A princípio ligada a acUo de peculio, que ia contra o pai que atribuía
peculium ao filho para negócios. ~ pós-clássica a extensão a espécies em que não eram encarregantes os pais (dita
actio de in renu verso utilis; L. 7, § 3, C., quod cum eo qui in aliena est potestate negotutm gestum esse dicitur, rei
de peculio seu auod iussu aut de 2)2 rem verso, 4, 26, onde está a interpolação).

2.GESTÃO DE NEGOCLOS ALHEIOS E DANOS. Se o gestor de negócios alheios sem outorga de podéres
iniciou a sua atividade gestória contra a vontade do interessado, manifestada ou presumível, a sua
responsabilidade é pelo ato-fato ilícito, (Tomo V, § 581, 2), que praticou, sem se basear em culpa:

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pelos danos oriundos, quaisquer que sejam, inclusive de caso fortuito, há o dever de reparação. No a.rt. 1.882 do
Código Civil, que corresponde ao § 678 do Código Civil alemão, só se exige que o gestor de negócios alheios
conheça ou deva conhecer a vontade contrária do dono do negócio. Os conceitos de vontade manifestada e de
vontade presumível bastam (Tomos 1, § 44, 2, 6; II, § 159, Tabela; 166, 3, 183, 7; 190, 1; 203, 4; 219,6; III, §
264,1; IV, § 888,3; IX, § 1.023,4; XV, §§ 1.730, 2; 1.807, 2; XXII, §§ 2.788, 11; 2.748, 3; XXIII, §§ 2.790, 1;
2.792, 2; XXIV, §§ 2.907, 2; 2.909, 5; XXVI, § 8.148, 5; XLIII, §§ 4.682, 1; 4.685, 4; 4.696, 4; 4.704, 3, 9; 4.706,
3, 4, 9, 10; 4.707, 2, 8; 4.708, 5; 4.709, 2; 4.710, 2; XLVI, § 5.002, 2).
Se o gestor de negócios alheios sem outorga fôr incapaz para negócios jurídicos, os danos são regidos pelas regras
jurídicas sôbre atos ilícitos absolutos e a capacidade é conforme essas regras jurídicas.
Os atos do gestor de negócios sem outorga contra a vontade do dominus negotii ainda quando não causem danos
patrimoniais ofendem interesse de afeição, pois não é justo que alguém se intrometa na esfera jurídica de outrem.
Há a alternativa de se admitir a ação de restituição ao estado «rir tenor ou a indenização a que se referem os arts.
1.332 e 1.383 do Código Civil, mesmo se o interesse é só de afeição.
Se o gestor de negócios alheios errou sôbre quem fôsse o dono do negócio, isso não altera os princípios
concernentes à gestão de negócios alheios, salvo se se tinha como dono dos negócios alheios, caso em que o
cuidado não há de ser conforme o que seria a vontade verdadeira ou presumida do dono.
Se o gestor de negócios alheios gestionou sem qualquer interesse de retribuIção ou indenização, não pode exigir
que seja remunerado, ou seja indenizado o que saiu do seu patrimônio. Mas, se houve êrro quanto à pessoa que êle
tinha como dono do negócio, as pretensões existem. O animus recipiendi não era pressuposto da acUo
negotiorunt gestorum contraria (a despeito das interpolações nas 1. 11, L. 18 e L. 15, C., de negotiis gestis, 2, 18;
L. 14, § „7, D., de religiasis d sumptibus funerum et ut funus ducere liceat,, 11, „7; sem razão, B. WINDScHEID,
Lehrbuch des Pandektenrechts, fl, 9Y ed., 918; J. IRARON, Pandelcten, 558). Já F. O. IK6LLNER (fie
Crundziige der obligatio negotiorum gestorum, 69) o frisava. Depois, EI. DERN BURG (Pandekten, ~J, 7Y cd.,
338 s.), EI. DANKWARDT (Die negotiorum gestio, ao s.) e J. MAXEN (Ober Beweislast, Rim. reden md
Exceptionen, 124 s.). No direito comum, o animus recipiendi é pressuposto (cf. PAUL RRUMM, 1. VerMltnis
des § 685 Abs. .1 BGB. zu dem bisherigen gemeinreohtlichen. Rechtszustand, II. Verhdltnis des § 687 BGB. zu
dem bicherigen gemeinrechtliehen Rechtszustand, 22 s.).
Quanto ao ônus da prova do animus recipiendi, o que hoje se há de entender é que ao dono do negócio é que cabe
alegar e provar o animus donandi do gestor de negócios alheios (F.O.RÕLLNER, fie Grundzdge der obligatio
negotiorum gesto-rum, 69 s.).
Sôbre o direito brasileiro, em que a regra jurídica, não-escrita, é ins interpretativum, Tomo XLII, § 4.712, 4.
Quem se locupleta com lucros que advêm de exercício da outorga de podêres, seja titular do pátrio poder, seja
tutor ou curador, em vez de atribuir, como deveria, ao outorgante, ou representado por lei, o que adquiriu, tem de
responder ao outorgado pelo ato ilícito, que pode ser relativo, se à relação jurídica preexistente se prende a
atividade ilícita, ou ato ilícito absoluto, como se o titular do pátrio poder tem autorização judicial para alienar os
móveis da casa, que são do filho, e aliena por a,, fixando o preço, para o filho, em z-y. É sem interesse, hoje, a
discussão sôbre se ter a) de limitar ao conceito romano a actio de in rem verso (cf. ThEODOR LOWENFELD, fie
seibsttlridiqe Actio de in rem verso, 19 s.) ; ou b) de se estender a qualquer figurante do contrato, que o
enriquecido representou como tutor, ou curador, ou representante, ou o negotiorum gestor (dita acUo dc iri rem
verso utitis, cf. P. MÚLLER, em nota a G. A. STRTJVE, 5. STRYK, W. A. LAUTERBACH, C. C.
1-IOFACRER e L. J. F. HôPENER, com a defesa de CHR. FR. VON GLÍICK (Ausfiirliche Rrlà5uterung der
Pandecten, 14, 418 s.), ou e) de se tratar de cessão fingida (E. voN SAvIGNY, Das Obligationenrecht, II, 82;
Lunwío ARNDT5, Lehrbuch der Pandekten, ga ed., 419 s.; cf. UnE, Von den Voraussetzungen der actio de in
rem verso utilis, Archiv flir die c-ivilistiche Praxis, 50, 870 s.). Verdade é no plano do direito romano que houve
interpolações; mas assim se revelou a evolução do conceito (cf. THILO R6TGER, Rechtwissenschartlicne
Erõrterung iber versio in rem ais Kntstehungsgrund vou Forderungsrechten, 72 s.).
Quem exerce disposição, ou uso, ou fruição, sôbre bem alheio, contra a vontade, ou a presumível vontade do
titular, tem de indenizar pelo ato ilícito, ou pelo enriquecimento injustificado. Se o titular o permite, tem êle
direito e pretensão à restituição do que pelo ato dispositivo recebeu o gestor, ou o que corresponde ao uso ou à
fruição, ou ao uso e à fruição. No direito romano, as fontes principais são a L. 23, D., de rebus creditis si certum
petetur et de condietione, 12, 1, a L. 48 (49), D., de negotiis gestis, 3, 5, a L. 17, pr., D., de rei vindicatione, 6, 1,
a L. 67, D., de jure dotium, 23, 3, e a L. 12, D., de distractione pignorum ei hypothecarum, 20, 5. Tem-
-se de distinguir da pretensão pelo enriquecimento injustificado a pretensão por indenização do dano, de que
aquela pode ser subsidiária (cf. RImOLE FREUND, Der Eíngriffe in fremde Rechte, 13 s.). Para a ação de

.~> a]
enriquecimento injustificado não se precisa indagar de boa fé, ou de má fé, do ofensor do direito. O fiduciário,
êsse, responde se se afasta dos termos do negócio jurídico fiduciário. Quem figura em registo como proprietário
ou titular do direito, sem no ser, não se trata como fiduciário. Se houve ato ofensivo, mas gratuito, não houve
enriquecimento do donatário, beneficiado por hipoteca ou outro direito (cf. R. G. FISCRER, fie Anwendbarkeit
der actio Pauliana auf Zahlung, Hingabe au Zahlungsstatt und Pfandbestellung, 63).

§ 5.514. Atos jurídicos constritivos

1. MEDIDAS CONSTRITIVAS CAUTELARES. Com as medidas constritivas cautelares, a pessoa, que se disse
titular da pretensão à constrição cautelar, fica protegida, mas há invasão da esfera jurídica daquele que foi
demandado, ou em cujo patrimônio ou em cuja pessoa se operou a constrição.
A constrição pode ser em patrimônio ou na pessoa de quem não estava sujeita à n3edida. Houve ineficácia; em
virtude da vulneração, danos podem ter ocorrido. Não cabe indagar-se sôbre ter havido, ou não, boa fé do que
pediu a medida cautelar.

A medida cautelar pode ter atingido o patrimônio ou a pessoa de quem seria o figurante da relação jurídica
processual, mas ter sido ilegalmente deferido o pedido. Há ressarcicimento dos danos.
2. PENHORA LESIVA E INDENIZAÇÃO. Com a penhora, adquire o credor direito a que sôbre o bem se
execute a divida, de modo que tal direito é direito de garantia, direito real limitado. A técnica e a terminologia
ganham em não se aludir a direito de penhor, que resultaria da penhora, como está dito, por exemplo, no Código
de Processo Civil alemão, ~ 804, onde se fala do direito de penhor que adquiriu quem obtém a penhora. Direito de
penhor oriundo de penhora (Pfãndungspfandredil) é expressão um tanto pleonástica: o conceito de penhora já
contém o elemento de garantia real.
Pensou-se que a execução forçada em bem que não seja do devedor implica nulidade. Melhor seria, aliás, falar-se,
aí, de ineficácia.
Os embargos de terceiro é que se destinam à declaração de ineficácia, mas há prazo, preclusivo, para isso. A
penhora é medida limitativa por eficácia sentencia], ou em virtude da executividade do título extrajudicial, porém
o elemento vignus já está inserto no conceito de penhora, quer de bens móveis quer de bens imóveis, cuja penhora
só tem eficácia contra terceiros com a inscrição no Registo de Imóveis (Decreto número 4.857, de 9 de novembro
de 1939, art. 178, a), VI), à semelhança do que se passa com os títulos e direito registados por exigência legal.
Não cabem, no direito brasileiro, discussões como há em tôrno do § 866 do Código de Processo Civil alemão e no
direito austríaco (cp. E. TIL5CH, Der Em1 luss der Civilprozessgesetze auf das materiello Redil, 2a ed., 118 s.;
FRIEDEMANN, Zur Frage der Ersatzpflicht des gulgldubígen Vollstreekungssuchers boi Pfãndung mml
Versteiger-ung einer dom Schuldner nicht geluYrigen bezveglichen Sache, 22; EI. REICHMAYR, fie
Zwangszahlung aus fremden Mitteln, 18 s.). Tem-se de atender à diferença entre o sistema jurídico brasileiro, que
recebeu da tradição portuguêsa concepção adequada da penhora, medida preliminar de execução, e os outros
sistemas jurídicos (cp. 3. RIETIL, Úber die materiellrechtIiehcn Voraussetzungen dos Pfdndungspfandreclzts, 4
5.; Código Civil francês, art. 2.093; WILHaM A. 1VIULLER, fie Wirksar,íkoit <les Pfãndungspfandrechts, 2).
Se também há direito de penhora, na espécie, quanto a bem que é de terceiro, inclusive se foi exercido sem
desconstituição de acôrdo com os princípios, e. g., por embargos de terceiro, é evidente que nenhuma pretensão
há do terceiro contra o credor (WILHELM A. MÚLLER, fie Wirksamkoít dos Pftindungspfandreehts, 89 5.;
FRANCKE, Die Entstehung des Pfandrechts an gepfândeten Sachen, Zeitschrif 1 fUr deutschen Zivilprozess, 36,
308 5.; HUGO EMMERICH, Pfaudrechtskon~ kurrenzen, 447 s., 525 5.; M. SMOIRA, Die Haftung dos
redhichon Glttubigers nach beondigler Zwangsv.ollstreekung in beweglichen, dem Seflulduer nicht gehôrige
Saehen, 11, 40 e 110).

Se o devedor não tinha bens que bastassem para o pagamento e o credor, que obteve a penhora e a execução
forçada, só o conseguiu com a penhora de bem ou de bens de terceiro, não se pode afastar a pretensão pelo
enriquecimento injustificado, salvo se o terceiro anuira (cp. EMIL RAFFKA, Kann im Gebiete des Preussischen
Allgemeinen Landrechts der dritte Eigentúmer einer in Wege einer Zwangsvollstreckung gepfãndeten und
verkauften Sache vou dem Glãubiger die Herausgabe des Erijises beansprechen?, Magaziu fi& das deutscho
Recht der Gegenwart, VIII, 168; CARL WOLFF, Der Rereicherungsanspruch des Widerspruchsberechúgen nach
beendigler Zwangs»ollstreckung, 22; PRITZ GROSFELD, fie Anspriiche des Drilteigontilmers volt
unrechímássiger Mobiliarzwangsvo.llstreckung vor uná seU den inkraftreten dos RUA., 49). Para a discussão no

.~> a]
direito alemão, E. TILSCH (Der Einfluss der Civilprozessgesotzo auf das materielie Recht, 2a ed., 118 s.; PAUL
OERTMANN, Die Erage der l3ereicherungshaftung der Volístreckungsglâubiger bei Pfãndung fremder Sachen,
Archiv filr die civilistisoflo Praxis, 96, 20 s.) ; MARTIN WOLFF (Die Zwangsvoltstrockung in ejue dom
Schuldnor nicht geflôrige bowe.qliche Sache, 4 s., 22 s.); E. FR6HLICH (Haftung dos Gltiubigers boi
Vollstreclrung in Sachen Drittor, 19 s., 24 s., 39 s.).
Não se tem de indagar da boa fé ou da má fé em que estava, por ocasião da penhora, o credor exeqtiente (cp. J.
BEIN, fio Stollung dos Pfãndungspfandgldubigers boi Vorvahme der Zwangsvotistreckung in oino dom
Schuldner nicht grhõrige bewegiiche Sacho, 30; MARTIN WTOLFF, Me Zwangsvollstreckung ia oino dom
Schuldner nicht gohàrigo bo‟wegliche Sache, 5, nota 10, que divergem entre si).
Uma vez que o devedor ficou liberado do que devia, ou de parte do que devia, por ter sido penhorado e adjudicado
ou alienado em juízo bem de terceiro, é indiscutível que se enriqueceu e tem de responder ao terceiro pelo que
houve de enriquecimento injustificado.
As regras jurídicas sôbre a aquisição da propriedade mobiliária, a que pode bastar a boa fé (e. g., Código Civil,
artigo 521 e parágrafo único, e o direito cambiário e cambiariforme), não são invocáveis contra o credor, se
ultimada a execução forçada <para o direito alemão, cp. E‟. HENDRICHS, Die Anspriicho dos Dritteigentiimers
nach. beendigleu ZwangsvoUstreekung in beweglichc Sacho, 9 s.).
Tem-se de repelir que haja sempre a condictio sine causa se houve, definitivamente, execução forçada de bem
alheio, pôsto que assim estivesse em doutrina do direito comum (e. g., LEONARD JACOBI, tiber die
Ersatzpflicht des Glãubigers aus unrechtmãssiger Mobiliar-Zwangsvollstreckung, Fostga& Ijir RUDOLPH VON
GNEIST, 137 s.; E. v. SCHRUTKA-RECIITENSTAMM, Zur Dogmengeschichte und Dogmatik der Freigebung
fremd.er Sachen im Zwangsvollstreckungsverfahren, Zoitschrif 1 fúr deutschen Zivilprozess, 18, 90; MARTIN
LANDSBERGER, Die Saehen Drilter und ihr Schutz gegen unrochtmiissige Zwangsvollstreckung, 1 s.; cp.,
contra, RunoLE FREUND, Der Eingriffe in frenuile Rechte, 31 s.).
Discute-se se quem penhora bens alheios adquire, com o prazo para usucapir, a propriedade. De uma parte, alguns
(e. g., ERNST DEMELIUS, Das Pfandrecht an beweglichen Sachen, 42) negam que possa alegar posse e, pois, a
fortiori, aquisição de propriedade, quem apenas obtém penhora sem ser penhorável o bem, ou mesmo se o é,
porque não há, aí, direito de penhor, nem posse própria; e outros afirmam o direito de penhor (e. g., G.
PETSCHEK, fie Zwangsvdllstrúckung in Forderung nach õstorreichischem. Rocht, 97-105). No tocante àposse
própria, essa somente advém com a tradição pelo juízo, ainda em caso de arrematação ou de adjudicação. Se bem
que as regras jurídicas sôbre usucapião só aludam a coisas, têm, aí, de ser analôgicamente invocadas. Se houve
nulidade processual da penhora, nenhum efeito se pode atribuir (WDÃIaM
A.MULLER, Die Wirksamk.oit dos Pfdndungspfandrechts, 3; cf. WALTER VoIGT, Hat der DriltoigontiUner
dos mit einem Grundstitcko zwangsweise vorsteigerten Zubohórs gogen deu VotlstreckungsgWubiger Anspruch
auf Herauszahlung <les Ehibsos?, 15; RAIAU VON Hopr, Anspriicho dos Drittoigentúmers nach boendigten
Zwangsvoilsireckung in bewegliohe Sacheu, 14 s.).
Tem-se de atender aos princípios de direito material concernentes às transferências de crédito ao arrematanbe ou
ao adjudicatário.
No direito brasileiro, pode haver nulidade que atinja a decisão da arrematação ou da adjudicação, e dê ensejo à
ação rescisória de sentença, e não cabe a discussão entre haver atribuição nula ou anulável (cp. WEIGELIN,
Pfãnctungspfandrecht an Forderungeu, 22 s.). Os pressupostos da ação rescisória são especiais.

§ 5.515. Indenização no caso de homicídio e de lesões corporais, físicas e psíquicas

1.PRINCÍPIO GERAL E EXCEÇÕES. Em princípio, só-mente aquêle contra o qual se cometeu o delito, ou que
sofreu, direta ou indiretamente, o dano, tem direito, pretensão e ação para que se lhe preste indenização; não o
terceiro que mediatamento teve dano a algum bem ou cuja pessoa foi ofendida. Mediatamente, entenda-se, aí,
quanto aos sujeitos. Há, porém, regras jurídicas especiais, que criam casos de indenização a terceiro.
A ofensa à honra de A só se compõe como ofensa à honra de A, de modo que E por exemplo, o cônjuge não tem
direito, pretensão ou ação. Mas, se há algum elemento que atinja o cônjuge, como se terceiro fala de adultério da
mulher casada, ou se diz que o marido (ou a mulher) conhece o crime de que se acusa o outro cônjuge, há o direito
à reparação dos danos, segundo os princípios de ressarcibilidade dos danos não patrimoniais e dos danos
patrimoniais.
Se alguém fere (ou mata) o ator de teatro ou de cinema, para que a emprêsa teatral ou cinematográfica seja
lesada,responde ao ator (ou a seus herdeiros ou outros legitimados> e à emprêsa teatral ou cinematográfica.

.~> a]
Com o homicídio ou outra ofensa à pessoa, ou a algum bem, à emprêsa de seguros, que paga, transfere-se a ação
de indenização.

2. REGRAS JURÍDICAS ESPECIAIS. Se houve homicídio rege o art. 1.537 do Código Civil: “A indenização,
no caso de homicídio, consiste: 1. No pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da
família. II. Na prestação de alimentos às pessoas a quem o defunto os devia”. Cf. Código Civil, arts. 396-405.
As despesas de tratamento que teve a vítima correm por conta do autor do ato ilícito, ou ato-fato ilícito, ou do fato
ilícito de que resultou a morte, incluído o que se pagou de transporte ou qualquer outra providência para a
hospitalização, a medicação ou a cirurgia. Se o doente tinha direito a abatimento nos preços, por ter título de
sociedade, ou ser contribuinte, a reparação é do total, porque o doente retirou do seu ativo o que deu ensejo à
percentagem ou a algum serviço assistencial dito gratuito.
O titular do direito, da pretensão e da ação, depois da morte, é a pessoa que foi obrigada a fazer as despesas, quer
o seja por lei, quer não .
Quem pede reembôlso de despesas com o tratamento da vítima, ou mesmo o preço do tratamento, ou quem fêz os
gastos com o funeral, ou com o luto da família, ou quem teve de vestir-se de luto, ou os que tiveram de vestir-se de
luto, são titulares de direito, pretensão e ação, originariamente , contra o responsável pela morte.
O direito, a pretensão e a ação dos que teriam direito a alimentos, se viva fôsse a pessoa, são direito, pretensão e
ação contra o responsável pela morte, não porque houve sucessão passiva (o morto não mais é responsável, nem
devia os alimentos), mas sim porque a lei estabeleceu a irradiação originária do dever e da obrigação.
Há limitação da pretensão, objetiva e subjetivamente. Não se fala de herdeiros, nem de legatários. Pressupõe-se a
dívida de alimentação, não só ex lege, como em virtude de incidência de lei por aplicação ia casa (e. g., em
sentença de desquite ou de divórcio). Se não houve morte, mas simples lesão corporal, o que o lesado tem de
prestar aos filhos e outras pessoas é objeto de pretensão dêle, e não dos que têm direito a alimentos (E.
BUENONER, Zur 2‟h,eorie uná Prazis der Álimentationspfticht, 16; cp. ERNsT SCI{MIDT, Dor Bogriff des
durch unerlaubte Handlung mittetbar GescMdigten and <lhe Voraussotzungen somes
Sohadonsorsatzan.spruches, 29). Nada justifica que se dê interpretação estensiva às regras jurídicas que dão a
terceiros direito, pretensão e ação contra os obrigados a indenizar (cf. PAUL HIESTAND, Dor Sofladeu
ersatzanspruch. dos Vorsichers gogen doa Urheber der Kõrperverletzung odor Tõtung des Vorsicherten, 4).
A ilicitude civilística, a contrariedade ao direito privado, pode existir sem que exista a penal, de modo que não se
pode dizer que a ilicitude, a contrariedade à lei, seja conceito único, e há contrariedades a direito que regras
jurídicas especiais podem não considerar causa de indenização.
O art. 1.537 do Código Civil não pré-exclui, em princípio, a reparação de outros danos, inclusive morais.
Há duas opiniões uma, a), a da indenizabilidade dos danos morais, outra, b), a da não-indenizabilidade. No
sentido de aj, as Câmaras Reúnidas da Côrte de Apelação do Distrito Federal, a 5 de dezembro de 1918, e a 5a
Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 28 de março de 1941 (Á. .1., 59, 290). No sentido de
b). farta jurisprudência, a que se acrescente: a Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, a 29 de
outubro de 1951 (3., de 1952, 191).
Um pouco contraditório, o acórdão da 1a Turma do Supremo Tribunal Federal, a 3 de dezembro de 1958 (Á. .7.,
111, 321), que, após recusar o dano moral causado por homicídio, porque, disse, o art. 1.587 excluiu os danos
puramente morais, acrescentou: “Duvida não há que as grandes dores podem atuar em quem as sofre, de tal
maneira que lhe reduzem a capacidade de trabalho, o espírito de energia, o Animo para a luta, e, em consequência,
ocasionar prejuízos materiais consideráveis. Até a saúde pode ser posta e perigo”.

3. PRESSUPOSTOS. O elemento da culpa não é essencial para que existam o dever e a obrigação de despesas de
tratamento, funerais e luto da família (sem razão, F. VON LISzT, Die Deliktsobligationen im System des RGB.,
29; contra, PAUL OERTMANN, Das Reeht der SekuldverhWtnisse, 2a cd., 994; ICONRAD COSACK,
Lehrbuoh des deutsclwn Biirgerliohen Reehts, 1, 4? ed., 611; ~, 6? ed., 676 s.; LUDwIG TÉXCER, Der
Kausalbegriff int Straf- und Zivllrecht, 199 s.).
O homicídio, de que se cogita, não é o homicídio conforme o conceito do direito penal (homicídio culposo ou
doloso), mas sim qualquer homicídio, porque, aí, o homicídio não é considerado como fonte da relação jurídica
de indenização, e apenas se exige a causação (cf. EMIL WICHERT, Die Sekaclenersatzansprúche der mittelbar
Verletzten aus § 844 BGB., 32). Não pré-exclui a responsabilidade o ter o lesado consentido na lesão, de que
resultou a morte.
A ação para se haver o despendido ou a prestação alimentar nasce ao terceiro, sem ligação com a sucessão a causa

.~> a]
de morte. Trata-se de regra jurídica especial de indenização, não exceção, porque o lesado foi .- pela lei
imediatamente lesado, a despeito de ser terceiro, porque a morte, em si, foi que causou o dano (cp. ADOLE
BARGMANN, Steht der Lebensversickerungs-Gesellschaft em selbstàndiger Schadensersatz-Ansruch gegen
denjenigen zu, weleher der Tod „les Versieherten sehuldkaft verursaeh,t hat?, 29 s.; e ERNST SCHMmT, Der
Begriff „les durch unerkLubte Handlung mittelbar CeseMdigten und „lhe Voraussetzungen. seines
Sekadensersatzanspruúhes, lo 5.).

As regras jurídicas sobre despesas de entêrro , funerais, luto de família e alimentos incidem quando as relações
jurídicas de indenização são de direito público (1{EíNrndn LrnMANN, Lehrbueh „les Riirgerlichen JiZechts, fl,
11~a ed., 764, nota 3), ou de direito privado; não, quando as relações jurídicas são puramente negociais.
Seria injusto reduzir-se a “família”, expressão que está no art. 1.537, 1, à família legítima. A mulher que vive
maritalmente, a longo tempo, tem direito ao que se menciona no art. 1.537, 1 (sem razão, a 4? Câmara Civil do
Tribunal de Apelação de São Paulo, 9 de maio de 1945, 1? dos 7%, 159, 207). Tem ela, por igual, o direito a
alimentos, se êle os prestava, por exemplo, em conta corrente em nome da demandante.
Surge o problema da criança ou menor que a pessoa criava, dando-lhe alimentos, ou colégio, ou assistência
médica (e. g., era paralítico), ou a quem caritativamente prestava mensalidade para a subsistência ou estudos.
Tem-se de entender que o art. 1.537, II, do Código Civil não afasta a legitimação ativa de tais pessoas, a despeito
da expressão “devia” que lá aparece.
Se A tinha em sua casa a criança B, que não adotara mas tratava corno filha, ao homicídio de A corresponde a E
pretensão a que se lhe preste o que A prestava. Se A mantinha era colégio E, com pensão e despesas de
vestimenta, a 13 corresponde a pretensão.

4.LESÕES FÍSICAS E PSíQUICAS. Diz o Código Civil, art. 1.538: “No caso de ferimento ou outra ofensa à
saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da
convalescença, além de lhe pagar a importância da multa no grau médio da pena criminal correspondente”. E o §
1.0: “Esta soma será duplicada, se do ferimento resultar aleijão ou deformidade”. Acentua-se no § 2.0: “Se o
ofendido, aleijado ou deformado, fôr mulher solteira ou viúva, ainda capaz de casar, a indenização consistirá em
dotá-la, segundo as posses do ofensor, as circunstâncias do ofendido e a gravidade do defeito”. Lêse no artigo
1.539: “Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe
diminua o valor do trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até o fim da
convalescença, incluirá uma pensão correspondente à importância do trabalho, para que se inabilitou, ou da
depreciação que êle sofreu”. A pretensão a que se preste a pensão de modo nenhum pré-exclui a pretensão contra
quem tem dever de alimentar se a indenização é por lesões corporais de grande gravidade, compreendidos os
tratamentos facultativos e os necessários, bem como os periódicos. Tem-se de repelir a opinião que considera
extinta a pretensão indenizatória se a pessoa obrigada a alimentos e cuidados já prestara o necessário à
recuperação. O obrigado a alimentos e cuidados pode demandar o lesante, por ter feito as despesas, ou como
gestor de negócios alheios sem outorga de podêres (KARL LARENZ, Lehrbuch „les Sehuldrechts, II, 367).

Por outro lado, o lesado não está obrigado a entregar ao lesante o que recebeu de terceiros, a título de liberalidade,
por ter sofrido o dano; nem, tão-pouco, a devolvê-lo.
Se a lei penal n~o estabelece a mu]ta, que se prevê no art. 1.538, a indenização é conforme o art. 1.553
(indenização por arbitramento). Sem razão , a 2a Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro, a 27
de janeiro de 1939, e a Câmara Cível do Tribunal de Apelação de Santa Catarina, a 30 de agôsto de 1945 (3% de
1945, 294).
A duplicação, no art. 1.538, § 1.0, não é pena, como pareceu à 2a Turma do Supremo Tribunal Federal, a 3 de
maio de 1946 (R. F., 107, 259), mas sim aproximada indenização ex tege, porque se há diminuição da aptidão
laborativa da vítima rege a espécie o art. 1.539 (33 Câmara Cível da Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 17 de
dezembro de 1952, A. /., 106, 214).
A deformidade é mais do que a simples cicatriz: aquela há de perturbar a regularidade da fisionomia, tornar
repugnante ou feia alguma parte do corpo, e até o corte de um dedo deformação é, cicatriz, que deformidade não
seja (cp. 5a Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 3 de fevereiro de 1942, A. J., 63, 125; 5a
Câmara Cível, 14 de novembro de 1941, 1?. F., IX, 132). Por exemplo:
hemiplegia (2.~ Grupo das Câmaras Civis do Tribunal de Ape1ação de São Paulo, 5 de maio de 1943, R. dos T.,
146, 125; 4? Câmara Civil, E de outubro de 1942, 143, 605). A deformidade que não é permanente, ou que

.~> a]
desapareça por intervenção cirúrgica, deixa de ser suficiente para se invocar a regra jurídica do art. 1.588, § 1.~,
ou o art. 1.538, § 29.
No art. 1.588, § 1.0, fala-se de dup1icação da soma. Alguns intérpretes vêem na expressão referência à multa
criminal, tio-só (CÂMARAS Civis Conjuntas do Tribunal de Justiça de São Paulo, 26 de março de 1951, 1?. dos
T., 194, 911, 5a Câmara Civil, a 29 de outubro de 1952, e, e. g., 39 Grupo das Câmaras Civis do Tribunal de
Justiça de São Paulo, 18 de dezembro de 1953, R. dos T., 206, 205, e 222, 187, e 8 de maio de 1958, contra, com
razão , o Desembargador H. flA SILVA LIMA: “Que diz o art. 1.588? Manda o ofensor pagar urna indenização
consistente em despesas de tratamento, lucros cessantes até o fim da convalescença e multa no grau médio da
pena criminal correspondente. O § 1.~, preso necessariamente ao artigo, regula a aprovação do ressarcimento
quando aumenta os danos indenizáveis, no caso de aleijão ou deformidade. Portanto, para mal maior, indenização
mais elevada, não podendo o intérprete escolher, dentre elas, apenas uma parcela”). Em sentido oposto por
entender que a soma, a que o art. 1.588, ~ 1?, alude, é total do que resulta da aplicação do art. 1.538 a 6a Câmara
Civil, a 16 de junho de 1950, a 14 de setembro de 1951 e a 21 de novembro de 1952 (188, 252, 196, 136, 208 e
212), que assim reagiu contra .a opinão restringente que já vinha do 2.~ Grupo das Câmaras Civis do Tribunal de
Justiça de São Paulo, a 16 de setembro de 1948 (177, 161).
Se a vítima trabalhava e ficou privada de continuar, os lucros cessantes têm de ser elemento para a avaliação do
dano, porque se alude, no texto legal, a “circunstâncias do ofendido”, para a computação do dote.
De modo nenhum se pode interpretar o art. 1.588, § 22, como se fôsse pressuposto impedir matrimônio (sem
razão , a 5~ Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 14 de novembro de 1941, E. F., IX,
132). A lei só se refere a a1eij~o ou deformidade e ser mulher, solteira ou viúva, a vítima. Se a mulher é casada,
rege o art. 1.538. Se desquitada, é de considerar-se como solteira, para se poder invocar o art. 1.588, § 2.0.
Se há privação do trabalho, mesmo temporária, há a indenização, conforme o ad. 1.539 do Código Civil. O art.
1.589 e o arE 1.588, § 2.0, incidem separadamente: a incidência daquele não exclui a dêsse. Os suportes fácticos
são diferentes: a mulher que tem direito ao que se prevê no art. 1.538, § 2.0, não perde o direito à indenização
por perda do trabalho. Ali só se cogita de aleijamento ou deformação, em suas conseqUências estéticas (sem
razão , a 2a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de S~o Paulo, a 22 de abril de 1952, R. dos 2‟., 207, 186).
O ofendendo não tem de sofrer diminuição do quanto indenizatório se algo recebeu de seguro, nem de restituir o
que lhe foi prestado.
Se o lesado, para não adiar o tratamento, contrai dívidas, ou vende objetos, para pagar hospital, médico,
assistente, enfermeiro, ou dentista, ou drogaria ou farmácia, ou qualquer outro profissional, tem de incluir no
pedido de indenização tais despesas. Outrossim, as de transporte, de estação de águas, ou de lugares de estada
aconselhável.
A perda da virilidade e a esterilidade são lesões, bem como a perda permanente da saúde. As despesas que não
deram resultado ou que o deram são dívidas.

5. ALIMENTOS. O art. 1.537 fala de pessoa a quem o morto “devia” alimentos. Isso não afasta que se alegue e
prove que a pessoa prestava ajuda ao sobrevivente, espontáneamente, mesmo se menor, por serem parcos os seus
recursos <lA Turma do Supremo Tribunal Federal, 23 de julho de 1942, 1?. F., 93, 506, e 21 de outubro de 1946,
E. dos T., 112, 122; ga Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 27 de janeiro de 1947, R. F.,
114, 407; ga Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 1.0 de abril de 1954, E. dos 2‟., 226, 204; sem
razão o Supremo Tribunal Federal, a 17 de novembro de 1941; a 2a Turma, a 21 de julho de 1941, A. L, 60, 280).
Pode ocorrer que o menor precise de alimentos, ou não cesse a necessidade se advém a maioridade („La Câmara
Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 20 de setembro de 1946, E. 9., 112, 151). Se há outra pessoa
que deveria prestar alimentos, suficientemente, antes do falecido, o art. 1.587, II, não é invocável (3~~ Câmara
Cível, 10 de julho de 1942, 94, 71) ; aliter, se a ajuda era sem dever jurídico ou assumido tácitamente.
Alimentos, no art. 1.587, II, do Código Civil, não são apenas a pensão alimenticia, em virtude de lei
<acertadamente, com explicitude, a 5a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 22 de junho de 1951,
1?. dos 2‟., 194, 743; a respeito de mãe que contribuía com o pai dos menores para alimentos e educação dos
filhos, a 6a Câmara Civil, 13 de abril de 1951).
Lê-se no acórdão da ga Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, a 28 de junho de 1945 (J.,
26-27, 547 s.). “Deve o réu depositar um capital representado
por títulos da dívida pública federal, que serão gravados de inalienabilidade e que produza, por ano, a importância
aludida, de dois mil e quatrocentos cruzeiros, renda que será repartida em partes iguais entre a viúva, de um lado,
e os cinco filhos, de outro. À proporção que forem falecendo os beneficiários, reverterá ao patrimônio do apelado

.~> a]
o capital dado em garantia dos alimentos respectivos e na proporção dos mesmos, O mesmo sucederá quando se
tornarem maiores os filhos varões, ou se casarem ou constituírem economia própria as filhas mulheres”.
Lê-se no art. 1.540 do Código Civil: “As disposições precedentes aplicam-se ainda ao caso em que a morte, ou
lesão, resulte de ato considerado crime justificável, se não foi perpetrado pelo ofensor em repulsa à agressão do
ofendido”. “Disposições precedentes”, isto é, as regras jurídicas dos artigos 1.587-1.589. Só se afasta a reparação
em caso de legitima defesa. Se houve legítima defesa, mas ofendido foi terceiro, há o direito a indenização ( 2.a
Turma do Supremo Tribunal Federal, 3 de maio de 1946, E. 9., 107, 271) 6a Câmara Civil do Tribunal de Justiça
de São Paulo, 10 de outubro de 1952, E. dos 2‟., 206, 238).
No art. 160, 1, do Código Civil fala-se de “exercício regular de direito reconhecido”, e não só de “legitima
defesa”. A agressão do ofendido, tal como se exprime no art. 1.540. pode ser agressão contra a pessoa, ou contra
algum bem, ou mesmo direito não-patrimonial; por exemplo, B encontra sôbre a mesa carta de A a C, em que há
segredo ou frase que revelaria ligação sexual de A e C, e B vai tirar fotocópia, ou mostra a D, e A reage, para
tomar o documento, e faz cair E, que se fere.
Cumpre, ainda, observar-se que há de existir correspondência, aproximada adequação (não exige a exatidão)
entre os atos defensivos e os atos agressivos. Não se justificaria que, à ameaça de B de simples empurrão, ou de
insultos, A ferisse com a faca a E, ou o matasse; nem que A, ouvindo B dizer que o esbofetearia, o jogasse da
ponte e E morresse. A atividade de quem age em legitima defesa pode ser maior ou mais grave do que a do
ofensor, porém não há de ser excessiva. Daí no suporte fáctico para a incidência do art. 160,1 1, ser de grande
relevância a aproximação, para que o ato de legítima defesa não vá além do que se justificaria.
Diga-se o mesmo quanto ao estado de necessidade.

CAPÍTULO IV

DUELO, LUTAS A DOIS E DANOS

§ 5.516. Dueto e outras lutas a dois

1.DADOS HISTÓRICOS. O duelo foi tido como um dos meios para se revelar a justiça de Deus (cf. Lex
Burgundionum, c. XLV, no ano 502). Houve a reação contra o duelo judiciário, que foi tido como “grave et
impium”, “iniustum”. A defesa do duelo, por DANTE (Manarchia, II, 9, 6, e 10, 9) contra os “iuristi
presumptiosi”, e os textos legais permissivos foram postos de lado. Também o duelo cavalheiresco foi
condenado, inclusive pelo Concílio de Trento (1563).

2.CONCEITO DE LUTA A DOIS E DE DUELO. O duelo é luta a dois, porém nem todas as lutas a dois são
duelo. A defesa pelo que eventualmente pode ser ofendido é luta a dois, e não duelo. Se o duelo supõe o acordo
para a luta, ou a manifestação unilateral de vontade, é problema que merece toda a atenção e dêle cogitaremos.
O duelo tem especificidade que não pode ser diminuída com generalidades de linguagem atécnica. Se alguém,
caminhando pela rua, é atacado e se defende, em luta de pouco ou de muito tempo, não é lutador em duelo. As
próprias lutas a dois, que são proibidas (= não foram permitidas ou não podiam ser permitidas), não são duelo, O
chamado duelo americano não é luta a dois, porque os duelistas não lutam. Daí dizer HANS FREIESLEEEN J‟.
von Olsltausen‟s Ko‟tnmentar zum Strafgesetzbueh, ~, 1l.~ ed., 926), que é um “jôgo de dados para a morte”. No
mesmo sentido, LEvI <Zur Lehre vom Zweikampfverbrechen, 96), EERCER (Das amerikanische Dueil und die
studentisohen Schuigermensuren, 14 s.); também, H. GWINNER (ttber die juristische Natur des sog.
amerikanisehen Duelis, 29).
Também não é duelo, nem luta a dois, aquela em que muitos lutam dois a dois, em continuidade; mas os
princípios sôbre indenização são os mesmos do duelo, ou da luta a dois, conforme as circunstâncias. Diferente é a
luta de muitos (Vie lerkampf), em que todos participam, e responsáveis são todos se não se pode averiguar quem
foi o culpado, ou quem causou o dano,
O ataque, a salteada, não é luta a dois, porque o atacado, mesmo se se defende, pode não estar em luta. Nem se é
a luta com objetos impróprios, com pinças, guarda-chuvas, ou bôlsas. ou em brincadeira, ou para ferir ou matar.

.~> a]
3.CONSENTIMENTO E LUTA A DOIS. L Que natureza tem o consentimento para o duelo? .Qual o lugar do
duelo e da luta a dois voluntàriamente preestabelecida, na classificação dos fatos jurídicos?
A primeira pergunta é sôbre se êsse consentimento entra no mundo jurídico, ou se resta no mundo fáctico.
Trata-se de simples permissão a que os atos ilícitos advenham (e. g., I{ARL LINCKELMANN, Die
Sohadenersatzpflicht aus unerlaub teu Handlungen, 78; E. KESSLER, Die Einwilligung des Verletzten iv. ihrer
strafrechtlichen Bedeutung, 19 s.; E. vON LíszT, Die Grenzgebiete zwischen Privatrech,t und Strafrecht, 38). No
sentido de se tratar de negócio juridico unilateral, ERNsT ZI TELMANN (Ausschluss der Widerrechtlichkeit,
Archiv [[ir die cívilistisclie Praxis, 99, 48 sj. O consentimento da outra pessoa é unilateral e revogável, como a de
quem manifestou primeiro a vontade do duelo; e nasce direito subjetivo aos atos (cf. O. HOLER, Dei
Einwilligung des Verletzten, 82).
Há a opinião de não entrar no mundo jurídico a manifestação de vontade de duelo. Haveria apenas a eventual
entrada do ilícito penal, se lesão ou morte houve (CARL CROME, System. des deutschen birgerlicheu Rechts, 1,
474; F. VON LISZT, Die Deliktsobligationen, 96), de jeito que não se poderia falar de negócio jurídico nulo.
4. ATos LESIVOS E FATOS LESIVOS. Se há regras de luta, têm de ser obedecidas. No duelo, hoje, não há mais
as regras,. porque seriam regras para o ilícito; de modo que se não pode falar de legitima defesa, se houve o
consentimento ao duelo, mas há a invocabilidade das regras. Os duelos, pois que se supõem oriundos d‟e
manifestações unilaterais de vontade, entendem-se duelos de vida e morte, uma vez que são duelos de armas, sem
que se possa presumir, em princípio, que os duelos sem armas se tenham como pré-excludentes da eventualidade
da morte.
Não há contradição em não admitirmos, no mundo jurídico, as regras, pois que o duelo é ilícito, e admitirmos que
a infração de regras tenha relevância: as regras, aí, dão ensejo à culpa; estão no mundo fáctico, mas pesam.
A luta a dois, que não é duelo, por ser esportiva, ou de competição diante do público, ou profissional, se não é
proibida, somente gera responsabilidade se há infração de regra de luta, portanto com a culpa do lutador, O fato
de a luta ser com arma não lhe retira, a priori, a permissibilidade (cf. E. LUCAS, Die Beschliisse der
Strafrechtskommission, Das Recht, 17, 1152 s.).
Os que falam de negócio jurídico nulo, tanto podem afirmar a indenizabilidade, como a não indenizabilidade.
Porém, só excepcionalmente o nulo tem efeito.
Em principio, há a indenização dos danos por lesão corporal ou por morte. O negócio jurídico nulo não tem
eficácia.
Se a luta é legalmente permitida, o consentimento é assaz relevante e válido (ERNST ZITELMANN, Ausschluss
der Widerrechtlichkeit, Arckiv [[ir die civilistisefle Praxis, 99, 79 s.). Cada lutador tem ideal de vencer e
colocar-se em posição saliente nos torneios, no que há elemento ético apreciável (GRAF zu DOHNA, Die
Rechtwidrigkeit, 152). Nessas lutas, não-duelísticas, a ofensa não é o fundamento da luta, mas simples meio para
um fim (M. GRôBER, Die sckadensersatzanspriiche bel Kõrperverletzung und Tõtung im Zweikampf, 72>. O
fim pode ser o de aprender a lutar, ou para esporte.
Se ambos os lutadores sofreram lesões, ou se ambos morreram, a responsabilidade rege-se pelos princípios que
exigem a observância das regras da luta, ou, se não as há, mesmo de costume, pelo princípio da responsabilidade
de quem provocou sem que o outro pudesse recusar-se.

Não há compensação das dividas por ato ilícito que seja esbulho, furto ou roubo (Código Civil, art. 1.015, 1). Há
nas outras espécies, porque não falta ao direito brasileiro o § 393 do Código Civil alemão (cf. FRANZ
HOENIGER, lhe Rechtsfolgen des Zweikampfs nach BGB., Das Recht, V, 224>.
(Cumpre que não se confunda a compensação do lucro com o dano, e a compensação de dívida, assuntos alhures
versado. Se o ato causou dano e aumentou o patrimônio ou a felicidade, há a compensatio lucni cum damno. O
exemplo mais notável é o do murro, que feriu, mas teve o efeito de fazer sair o pus que havia no braço.)
Tão-pouco, se há danos de ambos os lutadores, com responsabilidade de um por ato seu, que se enquadra na
classe dos atos que dão ensejo a pretensão indenizatória, e de ato do outro, de que se irradia a pretensão, cada um
tem de prestar aquilo de que é devedor.

5. LEGITIMA DEFESA E ESTADO DE NECESSIDADE. Quanto aos atos praticados em estado de necessidade
ou em legitima defesa, há a opinião que a pré-exclui, de jeito que não se há de pensar em legítima defesa se há
duelo ou outra luta a dois. porque cada um dos lutadores não se manifestou somente pelos atos com fim de defesa,

.~> a]
mas sim também com fim de ataque (e. g., L. ENNECCERUS, Lehrbuck des Bhirgerliehen Eeohts, ~, 13a44a eds.,
619; também, Apelação de Bordéos, 5 de abril de 1852: „¾ . . car c‟est par un acte de sa volonté et en se sacrifiant
à un fatal préjugé qu‟il s‟expose à donner la mort ou à la recevoir”; Casa de Cassação, 20 de fevereiro de 1863,
que nega qualquer legítima defesa pela ilicitude dos atos de um e do outro lado).
Há, porém, ponto delicado: o lutador, que escolhera a arma a, durante a luta, emprega a arma b <por exemplo, em
vez da lança, o revólver, ou vice-versa). O ato ou os atos não entram no que se acordou. A luta deixou de ser
duelo. Dá-se o mesmo a respeito de qualquer luta a dois.
Se a luta a dois foi provocada, de modo que um dos lutadores só a admitiu em defesa própria, há legítima defesa,
a seu favor. Quem força combate desigual, por saber que o provocado não conhece o manejo da arma que o
provocante, ou desafiante, impõe, comete ato ilícito, que o fato da luta não afasta (Côrte de Cassação de França,
20 de fevereiro de 1863).
Se há regras e houve infração, culpa houve. A indenizabilidade do dano é pelo ilícito que escapou ao
consentimento dos lutadores. Culpa contra si mesmo só houve no que resultou do que se entendeu que seria o
conteúdo da luta. Há opinião que o nega em todos os casos (e. g., M. GRÓBER, Die Schadensersatzansprúehe bei
Kõrperverletzung und Tõtung im Zweikantpf, 61 s.).

negócio jurídico relativo a duelo é nulo, por ser contrário a regra jurídica que o proibe. Surge o problema da
indenização, uma vez que há concorrência de culpa. No Tomo XXII, § 272, cogitamos da culpa e risco do
ofendido; e no Tomo XLVI, § 4.960, 9, dos seguros e do duelo. Aqui, o que nos interessa é a indenizabilidade ou
inindenizabilidade do dano, a reparação em caso de concorrência de culpa, por haver luta a dois. ERNST
ZITELMANN (Ausschluss der Widerr.echtlichkeit, Arehiv [[ir die civilistiscke Praxis, 99, 69 s.) pendeu para o
afastamento do direito à reparação. No direito brasileiro, a propósito dos seguros, há o art. 1.440, parágrafo único,
do Código Civil (cf. Tomo XLVII, § 4.960, 9).
No direito penal, teve-se o duelo: a) como delito de periculosidade (Gefãhrdungsdelikt), ou b) como &lictum sui
generis, ou o) como lesão privilegiada, ou d) como delito de polida. No sentido de a), KARL BINDINO
(Lehrbuch des gemeinen deutsch>en Strafrechts, ~, 23 ed., 70; F. vON LISzT, Lehrbuch des deutschen
Strafrechts, jq~a ed., 325) ; no sentido de e), LEVI (Zur Lehre vom Zweikampfverbrechen, 111 s.). E.
KOHLRAUSCH (Zweikampf in Vergleich, Vergíeichende Darstellung, II, 201) e 5. RÓDENBECTC (Der
Zweikampf im Verhàltniss zu Tàtung unci Kõrperverletzung, 14). No sentido de d), cf. 5. RÓDENBECTC, Der
Zweikampf im Verh,dltniss zu Tôtung und Kôrperverletzung, 51) e FERNAND SIMON (Die
Seitadensersatzanspriiche bei Kôrperverletzung vnd Tõtung im Zweilcampf, 10 sã.
A opinião que renuncia à indenização eventual quem admite a eventualidade de sofrer o dano encontra dois
argumentos contrários que são fundamentais: teria renúncia prévia e renúncia ao que derivasse de ato de outrem,
culposo ou doloso. Outra opinião sustenta que a reparação é devida com diminuição proporcional à culpa do
ofendido ou às suas conseqüências . Aí se insere o princípio da compensação dos danos.
Se se parte do princípio da contrariedade a direito que há no duelo, ou mesmo na luta a dois em geral, tem-se de
afirmar a pretensão indenizatória. Há os que afirmam ter havido consentimento (cf. 5. RÓDENBECK, Die
Zweikampf im Verhtiltniss zu Tõtung und Kàrperverletzung, 26; R. KESSLER, Die Einwilligung des Verletzten
in. ih‟rer strafrecktlichen Redeutung, 90 5.; GERLAND, Selbstverletzung und Verletzung des Einwilligenden,
Vergíeichende Darstellung, TI, 498). Mas surge a redargúiçáo de que o estar em duelo não importa que se
consinta na lesão ou na morte, dada a eventualidade. Antes e com profundidade, M. GRÓBER (Die
Schadenersatzanspriiche bei Kàrperverletzung und Tõtung im Zweikampf, 1 s.); contra, O. 1-TOLER (Die
Einwilligung des Verletz teu, 140-151).
Se se admite que o duelo supõe consentimento a eventuais danos (quem consente na causa consente nos efeitos>,
nem por isso se pode estender tal manifestação de vontade a atos estranhos às regras do duelo. Primeiro, tem-se de
repelir que, ainda dentro das regras do duelo (que é proibido), quem o quis todas as eventuais conseqUências (sem
razão, E. „o. LISZT, fie Crenzgebiete zwischen Privatreeht und Strafrecht, 37 s.; 5. RÓDENBECK, Der
Zweikampf im Verhiiltnis zur TÕÉung und Kõrperverletzung, 26).
Nos esportes, as infrações de regras assentes são atos ilícitos, porque êsses riscos o esportista não os assumiu (cf.
T. DELOGU, Teoria del Consenso dell‟avente diritto, 252; MACCIONI, Principi di Dirilto penale, 304).
Todavia, nas competições difíceis, têm de ser admitidas exceções às regras prudenciais do jôgo. Quanto aos
espectadores, que são terceiros, as regras de trânsito e as outras regras esportivas são inflexíveis.
A respeito dos esportes, cumpre ter-se em consideração que há esportes de público espetáculo, que são exploradas
por emprêsas, outros, que são atividade de esportista em sociedade, outros, em que há autonomia, com

.~> a]
percentualidade nos lucros (cf. R. SAVATIER, Traité de la Responsabilité civile, J, 2A ed., 392; PIETRO
TRIMARCHI, Riscitio e Respon.sabilità oggettiva,132).

7. TITULAILIDADE DA PRETENSAO À INDENIZAÇÃO. Quanto à titularidade da pretensão à indenização,


no tocante a lesões corporais, o lesado é que tem a legitimação, quer se o dano é corporal, quer à honra, ou
patrimonial. Se a luta ilícita foi entre jovens, regem os princípios sôbre a capacidade delitual, excepcional, dos
relativamente incapazes, ou dos riscos, e sôbre a responsabilidade de quem dêles há de cuidar.
Lê-se no Código Penal, art. 129: “Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena detenção, de três
meses a um ano”. No § 1.0: “Se resulta: 1, incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias; II,
perigo de vida; III, debilidade permanente de membro, sentido ou função; IV, aceleração de parto: Pena reclusão,
de um a cinco anos No § 2.0: “Se resulta: 1, incapacidade permanente para o trabalho; II, enfermidade incurável;
III, perda ou inutilização de membro, sentido ou função; IV, deformidade permanente; V, abôrto: Pena reclusão,
de dois a oito anos”. No § 3.0: “Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado,
nem assumiu o risco de produzi-lo: Pena reclusão, de quatro a doze anos”. No § 49: “Se o agente comete o crime
impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a
injusta provocação da vitima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um têrço”. No § 5.0: “O juiz, não sendo
graves as lesões, pode ainda substituir a pena de detenção pela de multa de duzentos cruzeiros a dois mil
cruzeiros: 1, se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafo anterior; II, se as lesões são recíprocas”. No § 6.0: “Se
a lesão é culposa: Pena detenção, de dois meses a um ano”. No § 79: “No caso de lesão culposa, aumenta-se a
pena de um têrço, se ocorre qualquer das hipóteses do art. 121, § 49”.
A variação das penas é sem repercussão no direito à reparação civil por fatos ilícitos absolutos. O que pode
ocorrer 4 a compensação de lucros com danos.
Em caso de morte do lesado, a indenização consiste no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu
funeral e o luto da família, e na prestação de alimentos às pessoas a quem o defunto os devia (Código Civil, art.
1.537, 1 eH).
No Código Penal, art. 121, estatui-se: “Matar alguém:
Pena reclusão, de seis a 20 anos”. No § 1.0: “Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor
social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz
pode reduzir a pena de um sexto a um têrço”. No § 2.0: “Se o homicídio é cometido: 1, mediante paga ou
promessa de recompensa, ou por motivo torpe; II, por motivo fútil; III, com emprêgo de veneno, fogo, explosivo,
asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV, à traição, de
emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; V,
para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime: Pena reclusão, de 12 a 80
anos”. No § 3.~:
“Se o homicídio é culposo: Pena detenção, de um a três anos”. No § 42: “No homicídio culposo, a pena é
aumentada de um têrço se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o
agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqUências de seu ato, ou foge para
evitar prisão em flagrante”.
Se a mulher culpada (ou, o que seria excepcional, o marido) deu causa ao duelo, ou à luta a dois, falta-lhe
pretensão para exigir alimentos, ou mesmo para as despesas de tratamento da vitima, funeral e luto da família (os
filhos têm). Cf. FERNAND SIMoN (fie Schadenctsatzanspriiche bei Kõrperverletzung und Tõtung im
Zweikampf, 59). Se não houve culpa da filha como sugestionadora, ou se o caso não era para o pai admitir o duelo
em que foi morto, a filha tem a pretensão originária. É difícil que se possa alegar e provar que o pai haja
provocado o duelo, por sugestão da filha, ou ato de que ela seja a causadora. Em tudo isso, está suposto que haja
responsabilidade do que matou (cf. Farrz ScrnrLz, Rúclcgriff und P/eitergrift, 48; ULPIANO, L. 1, § 14, D., de
tutelae et rationibus distraflendis et utili cura tionis causa actione, 27, 3: “qula propril delicti poenam subit: quae
res indignum eum fecit ut a ceteris quid consequatur deli participibus”).
Para a responsabilidade, nas espécies do art. 1.537, 1 e II, do Código Civil, têm<-se de exigir a causa ção e a
culpa.
Quem, terceiro, suscitou a luta a dois de que resultou a morte, não pode exercer a pretensão originária de que aqui
se trata, se houve a causação entre o seu ato de suscitamento e a morte (cf. L. COHN, Untersuchungen zu § 254
BGB., Gruchots Beitrãge, 43, 401).
Se os dois lutadores tiveram culpa, o fato de nenhum dê-les ser responsável pela morte do outro não pré-exclui a
responsabilidade do sobrevivente pelas indenizações do art. 1.537, 1 e II. O que importa é ter havido culpa do

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lutador que matou ou lesou, de modo a sobrevir a morte. A objeção de ter havido também, culpa do outro, é
inoponível.
O morto não tem, obviamente , pretensão à indenização. Não há mais a pessoa. Continua a pretensão pelo que foi,
para êle, durante a vida, causado pelo fato ilícito ou pelo ilícito, como teria de ser atendida até o dia da morte. No
caso de luta a dois, regem os mesmos princípios: a morte pode ser imediata à causa, ou resultante, tenha sido
prevista, ou não. Há a hereditariedade quanto à indenização devida em vida. Quanto ao que se estabelece no art.
1.527 do Código Civil, não: a responsabilidade é originária, e não derivativa.

§ 5.517. Testemunha, juiz e terceiros

1. TESTEMUNHAS E JUIZES DE LUTA. Há ainda o problema da responsabilidade das testemunhas e dos


médicos. É preciso que haja a causação. Quanto às testemunhas, é assaz importante o fato de, durante as
punctações, que precederam à luta ilegal, especialmente o duelo, terem colaborado para que ela se dess e ( Cour
d‟Appel de Liêge, 5 de maio de 1938; 24 de outubro de 1881, Paricrisie belge, 1889, 2, 51). Mas a
responsabilidade pode ser por atitude posterior, solidária ou nau.

2.TERCEIRO E LUTA À DOIS. Pode dar-se que terceiro entre na luta, não para evitá-la, ou para afastar maiores
perigos; mas sim como instigador e cúmplice ou auxiliante. Êsses são co-autores dos danos. Se não se conhece a
medida das causas, há a solidariedade dos culpados. Não há solidariedade se não ocorre cumplicidade,
provocação, ou ajuda (F. VON LIszr,.fie Deliktsobli~ationen, 77), ou algo do terceiro sem o quê o dano não seria
o mesmo (LUDwIG TRÁGER, Der Kausalbegriff im Straf- und Zivilreeht, 277). Mas, por exemplo, se a pistola
de H, na luta contra C, não vai funcionar, e A entrega a sua ao irmão E, não está aí o que se chama ajuda, e não há,
conforme frisou LUDWIG TRAGER (45), responsabilidade de A. A não causou a morte de C.
Tem de haver causalidade para que haja a indenização pela provocação.
O juiz de honra, êsse, se a luta a dois é ilícita, responde pelos danos se os causou, ou se concorreu para que êles se
dessem. Não, se apenas exerceu a sua função quase-judicial, por sua neutralidade e correção (M. GROBER, fie
Schadensersatzan.spriiche bei Kdrperverletzung uru! Tõtung im Zweikampf, 99). Pode dar-se pôsto que
raramente que a culpa seja só do juiz de honra, e então não há solidariedade. Se foi o juiz que deu ensejo ao ato
lesivo do lutador, há responsabilidade solidária.
Quanto aos atos praticados por terceiro, em ajuda necessária (a chamada Nothilf e), a questão é assaz delicada,
porque o auxilio é contra a vontade do lutador. Todavia, pode ser para afastar resultado não previsto, ou fora das
regras do combate (Beneficia non obtruduntur). Aliás, o terceiro pode ignorar que tenha havido consentimento, o
que não basta para que se lhe atribua poder intervir por proteção humana in abstracto (cf. II. A. FISCRER, fie
Rechtswidrigkeit mit besonderer Beriiclcsichtigung des Privatreehts, 247).

CAPÍTULO V

ANIMAIS E RESPONSABILIDADE PELOS DANOS CAUSADOS POR ÊLES

§ 5.518. Danos causados por animais

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1. Solução LEGISLATIVA EM GERAL, REGRA JURÍDICA E SOLUÇÀO DIFERENCIANTE. Uma das
soluções mais simples é a da presunção juris tantum contra os donos, possuidores ou tenedores dos animais. Mas
simples seria a de se deixar ao princípio geral da culpa, com alegação e prova pelo demandante, porém essa
atitude abstrairia, desacertadamente, das espécies de responsabilidade. Uma das soluções discriminantes é a do
direito alemão.
As actiones noxales punham a alternativa perante o Pretor: ou o responsável prestava a indenização, ou prestava a
entrega, pela maneipatio. Mas existia também a ação penal se não prestava nem entregava.
Quanto aos animais, havia a acUo de pauperie (pauper dano). A princípio, somente pelos danos causados pelos
animais domésticos, e a lex Pesolo,nia (diz-se) estendeu a regra jurídica aos atos dos cães (PAULO, Sententiae, 1,
151), o que pomos em dúvida, porque a lei especial não deve ter estendido, mas explicitado. Aliás, em ULPIANO
(L. 1, § 2., D., si qvcidrupes pauperiem fecisge dicatur, 9, 1), fala-se, em geral, de quadrupedes, e em PAULO (L.
4) a actio utilis apanha os danos dos animais não-quadrúpedes. Na L. 1, § 10, excluiram-se as bestiae, mas ou
houve alteração de texto, ou apenas se afastou a responsabilidade pelo animal estranho à culpa de alguém, que
nada tinha com êle. A periculosidade havia de influir, mas, também, a ligação com o que prendia ou guardava o
animal, ou dêle cuidava, ou dêle se apossou, ou foi tenedor. Não há culpabilidade da bestia, para caber a acUo de
pauperie, pôsto que tivesse havido processos contra animais. Na L. 14, § 3, D., de jpraescriptis verbis et in factum
actianibus, 19, 5, percebe-se que a culpa se põe em relêvo, a despeito de haver relação de causa e efeito (cf.,
quanto à discussão, A. PERNICE, Zur Lehre von deu Saehbeschtidigungen nach rámisoflem Recht, 222;
HEINRICE ED. DIRKSEN, tbersicht der bish. Versuch.e zur Kritik u. Herstellung des Textes der Zwôlf Ta fel
Pra gmente, 536; cp. F. C. GESTERDINO, Rechtverhãltnisse in Beziehung auf fremde Tiere, Zeitschrift flir
Zivilrecht und Prozess, IV, 279, e W. RADLOFF, fie Ilaftung des Eigenthihners fiir den durch Tiere angericht ei
eu Súhaden nach Rõmischem Recht, 65 s.).
O cuidado pelos animais pode ser resultante de relação jurídica de propriedade, ou de posse, ou de relação jurídica
contratual (cf. JOSEPH HIERONIMI, fie Ilaftung des Ligeutiimers fiir seine Tiere nach rômiseflem Recht, 89).
O art. 1.527, 1, não pode ser interpretado como se fôsse habitualmente guardado e vigiado o animal, O momento
do dano é que importa; e quem guardava e vigiava com todo o cuidado, e no momento não tomara a medida
necessária (e. g., deixou aberta a porta da rua, ou a janela, pela qual pulou o cão), responsável é. Daí a pouca
relevância do art. 1.527, 1, que merecia ser eliminado da regra jurídica.
Quanto à provocação do animal por outro, é preciso que o outro animal seja do ofendido, porque, se tal não
ocorre, há duas responsabilidades, a de quem é dono, possuidor ou tenedor do animal atacante, e a de quem é
dono, possuidor ou tenedor do animal provocador.
A elemento exigível é a falta de guarda suficiente e de suficiente vigilância. A regra jurídica, no fundo, só admite
a prova da provocação, pelo ofendido, ou a do caso fortuito.
A omissão danosa, por parte do dono, possuidor ou tenedor, e fato humano.

2. DAnos HISTÓRICOS. Tem-se de atender ao que se passou na história da responsabilidade por danos causas.
por animais.
O direito mais remoto era antropomórfico, quer se chegasse à personificação, quer não. Houve, depois, a
responsabilidade do guardador e do proprietário. No Código Civil, artigo 1.527, fala-se de “dono ou detentor”, o
que se há de entender, em boa terminologia, proprietário, possuidor ou tenedor. Com a liberdade, o problema dos
escravos e servos passou, como o dos defensores armados se transformou.
O homem tentou a adaptação das coisas, como a dos animais. No Sachsenspieget, II, 54, § 5, e 61, § 2, havia
regras jurídicas sôbre direitos e deveres dos animais, como nas tribos e outros povos. A touros de raça
atribuíam-se direitos de pasto (JÂKoB GRIMM, Weisthiimer, 308 s.). A Lex Burgundionum, Tít. 97, falou do
ressarcimento que devia ao animal o homem que o feriu.
No Tomo II do livro Das Obrigações por atos ilícitos (13 s.), escrevemos: “Na história da responsabilidade, a cada
momento encontramos sanções aplicadas a animais e, não raro, a vegetais e a corpos inorgânicos. Tais casos não
se confundem com aquêles em que o animal apenas suscita a responsabilidade de outrem. A vendelta aplicava-se
aos animais e às coisas (E. WESTERMARCK, The Origiu and Development of Moral Ideas, 1, 251-253). Nos
Rukis, das cercanias de Chittagong, a família de alguém, que um tigre matou, mata o tigre ou outro qualquer, e
come-lhe a carne (MAGRAI, Account of the Kookies, Asiatic Researches, VII, 189). A vingança, que se deve
executar, é, pois, a mesma, como se a morte fôsse devida a homem, e não a fera. Em muitos povos, os animais são
considerados como obrigados por juramento a não comer os homens. No caso de faltarem ao juramento, os

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Antimerinas do planalto central de Madagáscar punem, por exemplo, o perjúrio dos caimões. Se um Kuki cai da
árvore e morre, deve ser vingado na árvore: os parentes da vítima cortam-na e despedaçam-na. Entre certos
Australianos queimam-se as armas com que algum dôles foi morto. Xerxes fêz flagelar o Helesponto e Cirus
dispersou as águas do Gindes. São fatos da infância dos povos. No Zend-Avesta alguns ter tos permitem crer-se
na responsabilidade dos animais (3. DARMESTETER. Lo Zend-Avesta, Anraíes dii Musée Guimet, XXII, 202 e
678). Na Lei das XII Tábuas só se cogita dos
quadrúpedes. De origem pretória é a utilis actio de vaupene. Nas XII Tábuas não se distinguiam animais
selvagens ou não selvagens; só se falou, indistintamente, de quadrúpeae. Bem. pobre indução, como se vê. Daí ser
falsa a distinção que ocorreu a alguns escritores.
Há noticia de processo instalado em 1587 contra inseto, Rynckites auratus, que destruiu as vinhas de Saint-Julien
(perto de Saint-Jean de Maurienne). As vinhas eram periõdicamente lesadas pelo Rynchites auratus. Nos atos do
processo de 1587 já se informa que, quarenta e dois anos antes, existira instância entre as mesmas partes e, porque
então desapareceram os adversários, não prosseguiram os autores (L. MÉNABREA, De l‟Origine, de la Forme et
de l‟Esprit des .hugements rendws au moyen áge contre les animaux, „7 s.). DoutOres em direito e advogados
tiveram parte naquela ridicularia! Sinais dos tempos. O processo de 1587 tem o seguinte titulo: “De actis
Scindicorum communitatis Sanctis Juíliani agentium contra Animalia bruta ad formam muscarum volantia cobris
vindes commune voce appellata Verpellions seu Amblevins”. Os autores querem acôrdo o de dar lugar onde
pudessem ficar os insetos mas o procurador dêles acha que o sítio é estéril, cum sil tocus sterilis et nuhluus
redditus. São, para nós, hoje em dia, ridículas tais atitudes. Mas, dentro de um ou dois séculos, não no serão
menos muitos fatos do govêrno, da legislação e dos costumes dos nos-. sos dias.
De 1598 a 1600, houve, em Jura, a condenação à morte de perto de seiscentos licantropos e durante o século XVII
jurisconsultos e médicos discutiram o problema da licantropia, doença mental em que o homem se crê tornado
lôbo.
Desde 1120 até 1741 houve em França muitos animais que foram julgados e condenados. Ao lado disso,
cavalheiro francês matou o seu companheiro, Aubry de Mondidier, enterrou na floresta o cadáver; mas o cão do
assassinado entrou na cOrte e levou os cortesãos ao lugar. O cão reconhecia o assassino, mas Osse desmentia, até
que o rei ordenou o duelo entre o assassino, com o bastão, e o cão, que só se escondia num tonel sem fundo. O cão
venceu, e o cavalheiro confessou (EDOUÂIm L. DE KERDANIEL, Les Animaux en Justice, 61 s.).

Quando os insetos invadiam os campos, a Idade Média julgava-os. O advogado GASPARD BALLY publicou,
em 1668, o seu livro Traité des Monitoires aveo un Plaidover contre les Insect es. Em 1470, o chanceler da
República de Berna propõe ação contra as lagartas e o advogado Jean Perrotet foi nomeado defensor de oficio
para os insetos. Em 1542, os sindicos e conselheiros da cidade de Grenoble pediram ao oficial que iniciasse
demanda contra lagartas e lêsmas. Em Valença, há duas demandas célebres, uma em 1547 e outra em 1585. Na
Suíça, conforme narra FOELIX MALLEOLUS, houve ação contra larvas, mas o juiz decidiu que elas tinham
direito de viver e apenas mandou que fOssem transportadas para outra região florestal. Mais ou menos o que fêz
depois o juiz de Anvergne, em 1690. Em 1710, perto de Montbard, houve demanda contra ratos. Ainda no século
XX têm-se, na França, exorcismos públicos contra insetos. Em principio, a competência era dos juizes
eclesiásticos. Houve instâncias especiais. Um dos processos, o de 1545, na Savoia, durou mais de dois séculos
(1787). Barthélemy Chassanée, que morreu quando‟ presidente do parlamento provençal, começou a carreira
como advogado por ratos da diocese de Autun. Às vêzes levavam alguns animais para as sessões (e. g., no caso do
julgamento das sanguessugas, em Berna, 1481).
Encontramos penas contra animais no direito foraleiro de Portugal. ~ disso exemplo o que se lê nos Inéditos da
Academia (IV, 623), referentes aos foros de Torres Novas: “He costume, que se alguém achar porcos em suas
vinhas maduras, matalos-ha, se quiser, e cortarlhysha as cabeças quanto tanger o bico da orelha pelo pescoço e
havelas há; e seu dono dos porcos levará os toros...”.
No abandono noxal está implícita a responsabilidade dos animais. Ou, pelo menos, a reminiscência dela, pôsto
que outros fundamentos práticos possa ter tido posteriormente. As instituições raramente permanecem como
começaram. Às vêzes, passam a servir a fôrças opostas àquelas para que se criaram. No direito grego, no romano
e no germânico, é assaz interessante o estudo da noxalidade. Aliás, o nome é romano:
noxa, de neco, que é dano, prejuízo (velho índico, náçyati, naçati, naoáyati, com a noção de perder, fazer perder
ou desaparecer (z lat. noceo), nas háli, ido perder; avéstico, nasta (= lat. e-neotus, esgotado, donde e-nectare,
matar, atormentar; avéstico, nas yeiti, desaparecido, nasu-, cadáver, nasist a.-, o mais pernicioso) ; grego vcxuç,

.~> a]
VEXQÓÇ, cadáver, vExdq, restos mortais, VÚJXUQ, indolência, sono de morto; velho irlandês, ai,; bretão
cómico, ancou; címrico, angeu; velho islândico, Nagifar, navio dos mortos).
Noxa era o delito privado, quando praticado por pessoa em poder de outra, ou por animal: importava a
responsabilidade do pai de família, ou do proprietário, que podia liberar-se, ou pelo pagamento da multa, noxiam
sarcire, ou pela entrega (ou, melhor, abandono) do animal noxae dare, in noxam dedere. Assim era noxal a ação
quando se concebia com a alternativa: aut in noxam dedere. O ato pelo qual o réu passa o autor do delito ao que
propôs a ação, e êsse dêle se torna proprietário, é o abandono noxal. Duas eram as ações romanas: a) a ação de
pauperie, dada quando havia pouperies (dano) causado por quadrúpedes. b) a ação de pastu, no caso especial do
dano feito pelo animal ao pasto pertencente a outrem. Ambas vêm das XII Tábuas. Também a lei Pesolania dava
a ação noxal para casos de danos devidos a cães. Talvez nada mais que a lei de Sólon, referida por PLUTARCO,
que mandava abandonar o cão à vitima dos seus dentes: há certa correspondência entre a ação de pauperie do
direito romano e direito ateniense. Nas leis de Gortina também se encontram casos de noxalidade, um dos quais
digno de menção: o animal mata outro; o proprietário tem a alternativa: troca de animais, ou recebimento da
indenização. Nos sistemas jurídicos germânicos, pOsto que sem o nome romano e ts vêzes sem que o abandono
noxal seja suficiente para a liberação, muitos são os exemplos de noxalidade. A interpretação dos fatos de noxa
não tem sido sempre a mesma. Para uns, o abandono noxal tem por fito livrar da responsabilidade coletiva a
família do culpado: entregue o homem ou o animal, cessa o temor da iminente represália. Mas é demasiado o
finatismo de tal compreensão dos fatos, e nada mais perigoso que o emprêgo de tais interpretações. Para outros, o
abandono noxal é forma de pagamento da responsabilidade pecuniária do proprietário PAUL FAUOONNET (Le
Responsabihité, 54 s.) queria que ~e tratasse de responsabilidade do animal: o nOvo proprietário podia matar o
culpado, que noxalmente lhe veio. H. BRUNNER (Deutscke flechtsgeschichte, II, 556 s.) considerava uma das
origens das penalidades públicas as execuções privadas de animais. Podia acontecer que ficasse com o animal
abandonado. A responsabilidade das coisas, Sachhaftung, não era muito diferente; talvez, a~ princípio, a culpa do
proprietário, e, sOmente depois, da própria coisa. Em todo caso, parece -nos pouco natural tal passagem e, talvez,
simples suposição seja a da culpa, naquela fase rudimentar da composição dos danos.
No Pentateuco em dois passos se nos deparam exemplos de vendetta contra animais. Citemo-los: A) Êxodo, XXI:
28. Se um boi ferir com as suas pontas um homem ou mulher, e morrer, será apedrejado, e não se comerão as suas
carnes; o dono do boi contudo será inocente. 29. Se o boi é já de tempos avezado a marrar, e o dono, tendo sido
disso advertido, não o encurralou, e o boi mata um homem ou uma mulher, será apedrejado, e o seu dono
matá-lo-á. 80. Se se lhe permitir que rema a sua vida a preço de dinheiro, dará por ela tudo o que se pedir. 81. Se
o boi ferir com as suas pontas um rapaz ou uma rapariga, o dono estará sujeito à mesma sentença. 82. Se acometer
a um escravo ou a uma escrava, pagará ao dono trinta siclos de prata, e o boi será apedrejado. R) Levítico, XX: 15.
Aquêle que tiver cópula com jumenta, ou outro animal, morra de morte; também matareis o animal. 16. A mulher
q,ue se ajustar com qualquer bruto será morta juntamente com êle: o seu sangue recaia sObre êles.
O abandono do animal vem estabelecido na Lea Burgundionum, Título 18, 1: “Ita ut si de animalibus subito
cabaílus cabaílum occiderit, aut bos bovem percusserit, aut canis momorderit, ut debilitetur, ipsum animal aut
canis, per quem damnum videtur admissum, tradatur illi, qui damnum pertulit”.
Na vingança está o ponto inicial do direito relativo à indenização. Quando o primitivo é ofendido pelo animal, o
seu impulso é vingar-se. Dá-se a animais, a coisas, o mesmo tratamento que aos homens. Daí os processos contra
animais, de

que falamos. Depois, com a responsabilidade individual, criação relativamente recente, novos critérios se
adotam. “Ato do animal é ato do dono”, Tierestat ist Herrenstat, é princípio que está em quase todas as velhas
fontes jurídicas. À vingança sucede o Wergeld, o fredus, a noxa. No direito alemão, não se encontra o talião, mas
sim a composição pecuniária (JAKOB GLIIMM, De‟utsehe Rechtsalterthuimer, 647).
A evolução que se operou foi múltipla; seria longo e escusado miudearem-se tOdas as alterações e
consignarem-se as causas e isenções. Entrega do animal, ou do preço, minora ou exime da responsabilidade.
SOmente ao contacto do direito francês é que se puseram de lado as regras minorativas. O Código Civil francês,
assente nos velhos costumes, deu a solução da incondicionada responsabilidade do proprietário do animal: “Le
propriétaire d‟un animal ou celui que s‟en sert, pendant qu‟il est à son usage, est responsable du dommage que
l‟animal a causé soit que l‟animal fút sous sa garde soit qu‟il fút é‟garé ou échappé”. Com a recepção do direito
romano, entrou na Alemanha o principio da culpa. Perdem-se o pensamento alemão e o primitivo romano, e os

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sistemas de pandectas arquitetam a culpa presumida ou fingida do dominus (8. ZIMMERN, Das System der
rómischen Noxalklagen, § 5). Mas a evolução não ficou a!.
No direito ateniense, era possível, em certos casos, o dano não provinha de ato do acusado, mas de pessoa ou
coisa pela qual respondia. Quando cúmplice do ato lesivo do escravo, não podia o dono eximir-se da
responsabilidade: tinha de reparar integralmente o dano causado. Mas, se não o era, podia abandonar à parte
lesada o escravo autor do ato danificante. Era o abandono noxal (PIATIO, Leges, IX, 879). Ao proprietário do
animal que causava dano havia a mesma responsabilidade pelo dano. Outra lei, de Drácon, consagrava a vingança
contra o animal em certos casos e condenava à morte o cavalo que matasse ou ferisse gravemente um homem
(PLUTARGO, De Animal.> II, 3; LuDovíc BEAUCHET, Histoire du Droit privé de la Republique atkénicnne,
IV, 392), bem assim os animais que tocassem nas oferendas sagradas. As próprias coisas inanimadas, quando
causavam a morte de alguém, eram quebradas e lançadas para além das fronteiras (DEMÓSTENES, C. Aristoer.,
§ 76). Tudo isso serve para se provar, na investigação histórica, o valor da lei biológica da repetição da
ontogênese pela filogênese: também as crianças punem aos objetos. que as maltratam ou lhes produzem dor; o
bater nas cadeiras, nos próprios brinquedos, é fenômeno comezinho da psicologia dos primeiros anos da vida
humana. Na lei de Gortina também se regraram as questões de danos causados por animais a outros, pertencentes
a diferente~ proprietários: em vez do abandono noxal prOpriamente dito, havia a troca dos animais, ou,
alternativamente, a reparação do dano com a quantia equivalente (RODOLPHE DARESTE, B.
HAUSSOUTJLIEU et T. REINACH, Recueil das inscriptions juridiques grecques, 393 e 484).
Na hisUria do conceito do dano produzido por animais e do respectivo ressarcimento, há duas fases
características:
a que não reconhece a ressarcibilidade e a que reconhece tal efeito jurídico. No direito romano, encontram-se, ao
se verificarem os argumentos provindos daquele primeiro período (não poderem cometer injuria animais, que
ratione carent, como se diz no § 1, 1., si quadrupes pauperiem fecisse dicitur, 4. 9, e não bastar a utilidade que dêle
tira o proprietário para justificar a responsabilização), o apêlo à „noxae datio, que serve ao ressarcimento
vindicativo e, depois, a figura da actio de pawpene contra o dono do animal, com a alternativa: ressarcir ou
abandonar o animal ao lesado. Não há dúvida que repugnava aos romanos qualquer responsabilidade do homem
pelo fato do irracional: era o fundo subjetivista, que tanto tempo dominou e ainda domina (p6sto que menos
despôticamente e combatido pelos cientistas) o espírito humano e as disciplinas sociais. Se bem que atenuada
pela possibilidade do ressarcimento, a consequência recaía no próprio animal: se o dono do animal confessava o
valor dêle, a utilidade, que pagasse o quanto e livrasse o animal> era espécie de confissão, ato próprio, mais
conciliável com o rígido subjetivismo do velho direito individualista. Se a causa do dano estivesse na negligência
ou imperícia de alguém, não era a ação de pauperie, mas a da lei Aquília, que devia ser intentada. Ao conceito de
culpa, que é o elemento diferencial entre as duas ações, sucedeu o de presunção de culpa, firmado nos
provimentos edilícios, que proibiam, nas vias públicas, certos animais: ceterum aciendum est aedil,itio edicto
prohiberi nos canem, verrem, aprum, ursum, leonem, ibi habere, qua vulgo i*er fit. Com a intervenção da lei,
agravou-se o efeito jurídico do dano, isto é, torliou-se menos atendível a escusa individual, ou, melhor, ficou
inescusável: desde que havia contravenção da lei, não podia mais ser discutido o fato resultante, posterior,
consequente, pois que já se crivara como ilegal o fato primitivo, antecedente, de que adveio o outro e, sem êle,
não adviria. Assim, era obrigado o dono a pagar a indenização, sem que fOsse preciso haver qualquer indagação
da existência da culpa. Na ação de pastu para os danos causados por animal que se introduziu em terrenos alheios
já se apuraram maiores progressos, acentuada passagem do primitivo escrúpulo à sanção construtiva. Para os
juristas, e tal fOra a primitiva idéia, “responsável” era o autor da injúria, e os animais, que “ratione carent”, não
podiam, segundo o critério, ser responsabilizados. Daí, como vimos: a noza e a pauperies, que é iam-. num dize
injuria facientis datum. Para tal mentalidade, o ressarcimento, ainda que pudesse ser conseguido sem atuação no
animal, não era senão segundo grau do mesmo princípio que produziu a medida noxal. É assaz interessante como
à sutil análise romana foi dado chegar a fundar na excepcionalidade do ato contra a natureza do animal a
aplicação da adio de pauperie. Não se trata de uma injúria subjetiva e de outra objetiva, como talvez ocorresse a
nossos jurisconsultos de hoje, se houvessem de prover ao caso; mas de injúria animal, viva, instintiva, pOsto que
“contra natura”. O pretor diz: “pauperiem fecisse”. E ULPIANO explica: “paupenes est damnum sine iniuria
facientis datum: neo enim potest animal iniuria fecisse, quod sensu caret”. Em vulgar: pauperjes é o dano feito em
má intenção por parte de quem o causou; e não pode ter intuito de lesar o animal, que carece de razão. Por isso,
continua ULPIANO, como escreve SÉRVIO, “ut Servius scribit”, não cabe tal ação em relação ao quadrúpede
que danifica por fOrça da sua própria fereza, commota feritate; por exemplo: se um cavalo colceiro dá coice em
alguém, si equus caleitrosus calce ~percusseril, ou, ainda, se um boi bravo ou uma mula fere alguém, prop ter

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nimian feraciam. Os cornos do boi têm função natural, a que êle dá o impulso, mas é animal sem razão, quod
sensu caret, e para tal provimento se deu a ação de pauperie. Se o cavalo, excitado por viva dor, deu coice, não
cabe a ação de pauperie, mas a in factum contra o que bateu no cavalo ou o feriu. Antes de dar tal exemplo,
inseriu-se no Digesto a regra que se segue: “Et generaliter haec actio locum habet, quotiens contra naturam fera
mota pauperiem dedit”. Em verdade não há nenhuma ligação no pensamento e os tradutores agravam o defeito
quando traduzem a palavra inicial da frase seguinte (“ideoque”) por assim , em vez de não atribuírem a expressão
grande função na frase: mais um e, que um assim”. Aliás, a tradução literal, que alguns tratadistas entenderam
fazer das Institutas, si quadrupes pau penem fecisse dicitur, 4. 9, é igualmente infeliz. No comêço do título está
animalium nomine, quae ratione carent, si quidem lascivia aut fervore aut feritate pauperiem fecerint, noxalis
actio prodita est isto é, se por efervescên cia, arroubo ou ferocidade, causam dano, cabe a ação noxal; mas adiante
se diz “haec autem actio in his quae contra naturam moventur locum habet: ceterum, si qenitalis sil feritas, cessa
1”, de modo que a ação não cabe se nativa (genitalis) a ferocidade, a fereza. Literalmente, seria contraditório o
texto. Não no é: o cavalo, quando, por sua qualidade individual, é coiceiro, o dono pode livrar-se da obrigação
com a noxa; mas se se trata de urso, a ferocidade é nativa, da espécie zoológica, e então não cabe a ação da lei das
XII Tábuas. fl nesse sentido e não no do exemplo da L. 1, § 7, D., si quadru-. pes pauperiem fecisse dicatur, 9, 1,
que se emprega a expressão “contra natura”. Aliás, como é ridículo o individualismo, subjetivista e escolástico,
principalmente quando desce às próprias conseqUências antropomórficas! O direito de hoje é mais objetivo, cm
se tratando de animais, corno o do futuro será ainda mais objetivo, mesmo em se tratando de homens. Não bá
dúvida que, no comêço, não se pretendia nenhuma indagação da imputabilidade, sutileza de antropormorfismos
jurídico, de que se podem acusar os jurisconsultos do fim da República, como exigência do dano causado contra
naturam pelo animal, ou o conceito de legítima defesa na luta entre animais. Subjetivismo, antropomorfismo,
individualismo, são velhns vícios do homem, que só têm servido para lhe agravarem os erros, lhe aumentarem os
sofrimentos e criarem óbices ao livre desenvolvimento das ciências. O trecho em que QUINTUS MUCIUS
distingula ut si quidem is perisset qui adgressus erat, cessaret actio, si is, qui non provocaverat, competeret actio
e tentou verificar qual dos dois animais “provocou” o outro, é de ingenuidade psicológica, que produz ceticismo
aos que hoje tratam, sêriamente, do direito (pois ainda é grande o número dos que não avançam) ; mas não são
menos ingênuas e menos perniciosas as doutrinas vigentes, meros jogos de espírito, que indagam da
imputabilidade criminal (e até a graduam!) e outras minúcias metafísicas mais ou menos hipócritas, que nos
distilou nos hábitos o mais arraigado e daninho dos vícios: o individualismo, com o cortejo dos corolários
subjetivistas.
No direito romano, a ação de pauperie quanto ao anima! que procedeu contra naturant sui generis, e a de pastu, se
passou ou foi pOsto em terreno de outrem, constituíam as ações noxais. O edicto dos Edis tornou os proprietários
de certos animais responsáveis pelos danos cometidos nas ruas e vias públicas.
Exceto o direito inglês e o Código Civil austríaco de 1811, as legislações européias admitem teoria geral da
responsabilidade especial pelos danos causados pelos animais. O que há de diferente é a solução adotada. Uns
recorrem ao risco: o Código Civil alemão, a doutrina italiana e a doutrina francesa em alguns escritores, fundam a
responsabilidade no risco, assunto que merece trato especial; outros, optam pela responsabilidade por culpa
presumida, e tal é o sistema suíço, bem assim o português e o brasileiro.
No direito inglês, aplicam-se algumas regras especiais e o direito comum. Se há algo de induzido, de geral, está
em simples tendência. Prepondera o caráter empírico, casuístico, do direito anglo-saxônico. O trespass do animal
domesticado obriga ao ressarcimento; mas o proprietário vizinho pode onerar-se se prova fOrça maior (act of
God), culpa de terceiro, ou do vizinho, como cêrca defeituosa ou insuficiente, ou, ainda, ter tido os cuidados
normais. Diz J. C. MILES (EDwALm ÃENKS, A Digest of Engiish Luzo, Iii, Parte III, 358) que só obriga ao
ressarcimento o dano causado de maneira usual pelo animal, salvo se a vitima conhecia a tendência do animal
para o ato extraordinário. Se entrou em terreno cercado quando era conduzido com o rebanho pela estrada, é
preciso haver prova de negligência (Dovastoil versus Payne, 1795, 2. II. Bi, 527; Goodwyn versus Chevely, 1859,
28 L. J. Ex. 298; Tilled versus Ward, 1882, 10 Q. B. D. 17). SObre os animais perigoaos, ferozes, ou nocivos, há
regra que J. C. MILES resume: “a person who keeps an animal of a dangerous, ferocious, or mischievous kind,
does so at his own peril; and will be liable for any damage inflicted by such animal, witho~~t proof of negligence
or knowledge of ita vicious propensities”. Se o animal escapa, sem que se tenha de provar a negligência, responde
o tenedor. A ferocidade, o caráter de perigoso, não precisa ser sabido nem reconhecido pelo tenedor; deriva da
notoriedade, da opinião pública, dos fatos, que devem ser conhecidos pelo tenedor. Assim, é o caso do elefante,
do leão, ou do macaco. Mas, em se tratando de animal doméstico, é preciso que se prove conhecer o dono os maus
hábitos do animal, a sua periculosidade. Prova-se-lhe a ciência, talvez só do preposto. Exemplo: o cão que

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costuma perseguir os carneiros e penetra no terreno de outrem. Presume-se proprietário o dono de um lugar onde
vive um cão. Fora dêsses casos, rege o direito comum. O remédio próprio para os casos de trespass por animais
domésticos não é a destruição dêles, e sim a ação ou distrese. Mas justifica-se a morte do cão que penetra nas
terras de outrem, ou no caso de se ter de prevenir dano ou reiteração. J. C. MILES falou em prevenirem-se danos
à vida ou à segurança dos outros animais. Salvo o caso de negligência, não se responde pelos danos causados
pelos animais domésticos durante o percurso do seu caminho. Por isso, não se responde pelo dano causado pelo
cão que mordeu o trespasser visto em fuga. Há, porém, o Dogs Act de 1906, que veio estabelecer, para os danos
causados pelos cães aos cavalos, às cabras, e outros animais, a responsabilidade objetiva. Assim, não se discute o
ser ou não perigoso o ofensor, o ter havido ou não negligência.
Os textos só se referem aos donos. O ocupante da casa ou terras em que vive ou permanece o cão presume-se
dono; mas pode fazer prova de não no ser. No caso de animais doentes, aplica-se a Disea.ses ol Animals Ad, de
1894, que impõe aos proprietários ou tenedores o dever de separá-los dos outros. Cabe a ação por negligência se
o animal doente transmite o mal a animais de outrem. O transportador de animais, que usou de meios
convenientes de transporte, e que não cometeu negligência, não responde pelos danos causados pelos vícios ou
fuga do animal transportado. Sempre que o animal penetra em terreno alheio, o proprietário pode segurá-lo e
guardá-lo até que o indenizem dos prejuízos.
No direito anterior ao Código Civil, o dano causado por animais determinava a indenização, segundo as posturas
municipais, sem prejuízo da responsabilidade comum resultante do ato ilícito.
Na literatura, jurídica nacional, apenas se dizia que “a imputação na ausência de dolo”, isto é, nos chamados
quase-delitos, “podia provir de fato próprio ou alheio de pessoa ou coisa pela qual responde” alguém (F. DE P.
LÂCERDA DE ALMETDA, Obrigações, § 69, texto e nota 81). Citavam-se casos do curador do louco e do dono
de animais. Era a lição de M. A. COELHO DA ROCHA: “A indenização deve-se sempre que o dano provém de
fato ou omissão, em que interveio dolo, ou culpa do agente, algumas vêzes mesmo levíssima. Assim, 19) o dono
de uma casa, ou edifício, é responsável pelo dano que ela causou arruinando-se, se houve descuido em a reparar.
2.0) O dono de um animal feroz é responsável por todo o dano que ê~e causar. ,39) O dono do animal doméstico
somente o é, tendo havido negligência em vigiar. 4.0) Se o animal causou o dano, por ser provocado, quem o
provocou fica responsável pela indenização. 5.0) E por analogia, se o animal de um
provocou o animal de outro, a indenização é devida pelo dono do provocante; e não pode êste pedi-la, se o seu
animal foi o danificado”.
A causação há de vir do animal, como ocorre no direito penal (P. A. HELMER, Úber den Regriff der fahrWssigen
7‟hiitersckaft, 31), sem que se afaste poder estar no animal e no homem, ou o que muda a figura só no homem,
que fêz do animal mero instrumento.
A responsabilidade no direito romano e no direito germânico só se prendia ao fato de ser titular do direito de
propriedade o responsável. No Sachsen.spiegel já se aludia a quem guarda. Guardar, aí, estaria em sentido largo.
“Ato do animal é ato do dono”, dizia-se em muitas fontes jurídicas (“Tierstat ist Herrenstat”, cf. ERNST
HAGELBERO, Der Regriff des Tierha.iters in den §§ 833, 834 BGB., „7).
No direito islandês, a responsabilidade era pelo animal selvagem (cf. KARL VON AMIBA, Nordgermanisches
Obligationenreckt, II, 422 e 866, nota 1).
Compreende-se que não se ligasse aos animais selvagens a relação jurídica de propriedade e assumisse risco,
perante o povo, quem guardasse ou andasse com seres bravios (cf. O.
HAMMER, Die Lehre vou Schadenersatz nach. dem Sachsenspiegel und deu verwandten Rechtsquellen, 95).
No Código Civil francês, art. 1.885, diz-se: “Le propriétaire d‟un animal, ou celul qui s‟en sert, pendant qu‟il est
àson usage, est responsable du dommage que l‟animal a causé, soit que l‟animal fút sous sa garde, soit qu‟il fút
égaré ou échappé”. A expressão “qui s‟en sert” apanha os possuidores e os tenedores, que usam o animal, em
sentido largo de uso. Há a presunção de culpa, dispensada a prova (cf. VICTOR HoENIGER, Die Actio de
pauperie, 54). Nenhuma diferença se faz quanto à vítima do dano, de modo que se levantou a questão da
invocabilidade do art. 1.885 do Código Civil francês se há relação jurídica negocial entre o lesado e o
responsável. Afirmativamente, alguns, com a escolhibilidade da ação (dita teoria da escolhibilidade).
Negativamente, outros, como LCUIS JOSSERANT (Les Transports, 2a ed., 901). O que importa é saber-se se o
caso é de responsabilidade contratual (xx se os pressupostos para ela foram preenchidos), ou se o dano está
fora da relação jurídica (assim, porém menos precisamente, ANDRÉ BLtUN (Rapports et Doma.ines des
Responsabilités contractueile eI délictuelie, 322).
BERTRAND DE GREUILLE entendia que a fonte do art. 1.385 do Código Civil francês foi decisão da Côrte de
6 de fevereiro de 1803. Os velhos costumes eram assim, inclusive quanto àresponsabilidade do dono, em

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qualquer espécie.
O Código Civil alemão, § 833, estatuiu que, se por animal alguma pessoa foi morta, ou lesada no corpo, na saúde
ou em alguma coisa, quem o guarda (“derjenige, welcher das Tier hãlt”) tem o dever de ressarcir os danos. A
Novela de 80 de março de 1908 disse que não cabe o dever de indenizar se o dano foi causado por animal
doméstico destinado a serviço da profissão, ao negócio ou à alimentação do seu tenedor, e êsse, na vigilância do
animal, observou a diligência exigível no tráfico, ou se os danos se teriam produzido mesmo se tivesse havido a
diligência. De jure condendo, a emenda ao § ~33, 2A parte, foi desacertada, pela discriminação. Problemas
espoutaram, como o de ser, ou não, a abelha animal doméstico (cf. WILHEIM ROSCHER, Haftu‟ng flir
Tierschaden nach dem durch Reicksgesetz vom 30. Mui 1908 abgeãnderten § 833, 11GB., 20 s.). No fundo,
estatuiu-se para as espécies a que se refere a Novela o que o direito brasileiro, aproximadamente, determinara em
geral.
No direito brasileiro, não se pôs a expressão guardar, nem outra que corresponda ao Tierhctlter do Código Civil
alemão, § 838, que dá ensejo a discussões (cf. OTTo VON KÕNIGSLÕW Nochmals zur Auslesung des § 838
BGB., Juristiscke Wochenseltrift, 31, 240; KELBLING, fie ffaftung flir Tierschàden. 25; SCHIMMLER, fie
Grenzeu der Haftung des Tiershalters aus § 833 11GB., 8; LEOPOLD vON REICHEL, Wie haftet man fflr .Seine
Tiere nach dem neneu Gesetz vom 80. Mui 1908, 8).
Não só responde o dono, nem só possuidor próprio (sem razão, HERMANN ISAY, Die Verantwortlichkeit des
Eigenthtimers fúr seine Tiere, .Jherings .Jahrbúeher, 89, 815 s.; WILHELM MÚLLER, Der Begriff der
unerlaubteu Handlung, 87, nota 1; HEINRICH DITTENBERGER, Der Sckutz des Mudes gegeu die Folgen
eigener Hundiungeu im 11GB., 62).
O art. 1.527 do Código Civil fala de dono e detentor. Entenda-se: dono, possuidor próprio mediato ou imediato,
possuidor impróprio mediato ou imediato, tenedor.

á. FUNDAMENTO DA RESPONSABILIDADE PELO FATO DO ANIMAL. i,Qual o fundamento da


responsabilidade? Ainda na Alemanha, houve quem a repousasse na culpa do detentor, conto CONRÃO
\VIESZNELt (Die Haftung des 2‟terhalters au.s §833 NOR., 38 e RI. G. V. SCHERER, Das í~echt der
Schutdverhãttnisse, 1.316 s.). Seria uma presunção irretragâvel. Por quê? Respondiam: o titulo 25 do Código
Civil alemão trata dos “atos ilícitos” (unerlaubte Handiungen), firmado, fundamentalmente, no princípio da culpa
(Versehuldungsprinzíp), e não seria de crer-se que, adotado o sistema, não lhe ficassem sujeitos todos os
parágrafos. Mas a tais escritores opuseram que tanto a lei alemã conhecia excepções ao princípio da culpa que lá
estavam os §§ 829 e 835. Ainda mais: a sorte do 1 Projeto, as discussões do Reichtag, e a elaboração da Lei de
1908 que prova ser a 2a parte da regra jurídica (§ 883 do princípio da culpa) exceção ao princípio da 1a parte,
que existe por si, e não como aplicação aliás, forçada seria do princípio da culpa (WILHELM ROSCHER,
Haftung fiir Tierhulters n.aeh dem durch Reichsgesetz vom 30. Mui 1908 abgeiinderten § 833 11GB., 23).
HERMANN ISAY (Die Verantwortlichkeit des Eigentúmers fúr seine Tiere, Jherings Juh,rbiicher, 39, 341) e E.
HAGELBERO (Der Begriff des Tierhalters in deu §§ 833, 834 11GB., 80), procuram na culpa do animal o
fundamento, e querem que o tenedor responda por isso como tenedor. Mas é de notar-se que, adiante, E.
HAGELBERO opta pelo princípio do interesse ativo (Prinzip des aletiveu Interesses).
A doutrina andou percorrendo todos os princípios que se invocavam para a responsabilidade; e. g.: a) o principio
da causalidade, mas êsse foi afastado durante a elaboração da lei (sôbre isso, MAx RÍIMELIN, Die Grúnde der
Schudenzureehnung, 24 5.; GUSTÂv RtYMELIN, Kulpahaftung und Hausalhaftung, Archiv fúr die
civilistische Praxis, 88, 289 s.; WILHELM ROSCUER, Haftung flir Tierschaden, 22) ; b) o principio do interesse
ou do cómodo, mas também êsse foi afastado noutras espécies (cf. G. STIERLE, Die Haftung flir Tiere im 11GB.,
28) e) o princípio do interesse ativo, criação

§ 5.518. DANOS CAUSADOS POR ANIMAIS de RunotE MERKEx. (cf. ADOLE MERKEL, Juristische
Enzykto ptldie, 2.~ ed., 286); d) o princípio do risco, que, a respeito do dano causado por animais, foi assente por
muitos (e. g., IVIAx. Rt}MELIN, fie Grúnde der Schadenzurechnung, 70; Farrz LII‟TEN, fie Ersatzpflicht des
Tierhalters, 14 5.; PAUL OERTMANN, Das Recht der SchuidverhÉiltnisse, 3~ a4a cd., nota 2, b; 1 LEI
SCHAUER, Zur Auslegung des § 933 des 13GB., Juristische Wochenschrif 1, 30, 888, e Haftungsgrenze aus §
838 des BGB., Gruchots BeitrÉlge, 47, 305; WILHELM RCSCHER, Haftung fiir Tierschaden, 80) ; e) o
princípio da coli,sáo de interesses, a que JOSBE 1VIAUCzKA (fer Rechtsgrund des Schadenserrsatz, 268 e 378)
atribuia a responsabilidade pelo dano causado por animal; f) o principio da. culpa presumida.
No livro Das Obrigações por atos ilícitos (II, 60), depois de frisarmos que a Suíça seguiu o princípio da culpa

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presumida, e que na França uns escritores sustentavam o princípio do risco e outros o princípio do. presunção de
culpa, achamos que Brasil e Portugal estão na mesma esteira, porém logo advertimos: “ ... ~ podem ser incluídos
entre os sistemas da presunção de culpa, rigorosamente, aquelas leis, como a Novela austríaca de 1906, as leis
suíças e o Código Civil brasileiro, que não permitem atacar a presunção e querem o que é diferente a prova
liberatória somente quando se demonstre ter havido o cuidado preciso? Diz o Código Civil português, art. 2.394:
“Aquêle, cujos animais, ou outras coisas suas, prejudicarem a outrem, será responsável pela satisfação do
prejuízo, exceto provando-se que não houve de sua parte culpa ou negligência”. E o Código Civil brasileiro, art.
1.527: “O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por êste causado, se não provar: 1. Que o guardava e
vigiava com o cuidado preciso...” Não faz o réu umo contraprova, nem luta contra a presunção; prova algo de
positivo o cuidado preciso. Não prova não ter culpa; prova ter tido cuidado preciso. Pode o juiz reconhecer que
não houve culpa. Mas, fracassada a prova do cuidado preciso, pode êle condenar o réu. i,Onde, pois, a presunção
de culpa com fundamento? ~Dar-se-á o caso do art. 1.521, 1-1V? A situação é a mesma? O art. 1,521 não
constitui exceção ao principio da culpa, nem cria responsabilidade por culpa alheia; regula apenas o ônus da
prova, estabelecendo, para o lesado, a presunção de que foram culpadas as pessoas que êle enumera nos incisos 1
a IV. Esta é a boa doutrina: dizem o mesmo os escritores alemães a propósito dos §§ 831 e 882 (Entscheidungen
des Reichsgerichts in Zivllsachcn, 50, 409; Motive zu dem E‟ntwurfe eines Bhirgerlichcn Gesetzbuches, II, 734
s.; K. JACUBEZKY: Remerkungen zu dem Entwurf eines 11GB. fiir das Deutsche Reich, 167; Protokolle der
I<ommissio-n flir die zweite Lesung des Entwurfes des 11011., li, 593 s.; 0. PLANCK, Biirgerliches Gesetzbuch,
II, 628, 624 e 627; O. FISCUER e W. HENLE, Búrgerliches Gesetzbuch, nota 1 ao § 831; KARL FISCEER, fie
nicht auf deu, Parteiwillen gegrúndete Zurechnung frentden Verschuldens, 72, 89). São as culpas in viqilando e in
eligendo. Não se deve perder de vista o fundamento do artigo: apenas se inverte o ônus da prova. MICHEL Jovy
(Der Begriff der “Bestellung” im § 831 des Búrgerlichen Gesetzbuches, Archiv flir biirgerliches Recht, 37, 124 e
127), após JOSEPH UNGER, viu no § 831 do Código Civil alemão o princípio da causa (Verursachungsprinzip),
e não o da culpa (Verschuldungsprinzip). Também WILHELM PFEIFEER (fie ausserkontraktliche Haftung [liv
Handlung dritter Personen, 55) considerou o § 88í do ponto de vista daquele princípio. gMas o art. 1.527 equivale
ao art. 1.521?
O Código Civil brasileiro, dir-se-á, exclui a responsabilidade, além dos casos do sistema suíço quando tiver
havido caso fortuito ou fôrça. maior. ~ Não será isso a eliminação de todas as possíveis espécies em que,
fracassada a prova do art. 1.517, 1, haveria responsabilidade sem culpa? Não há dúvida que a lei não teve somente
por fito a presunção, como se daria nos casos do art. 1.521, 1-1V, nem minoração da responsabilidade, mas
agravação.
Para A. MERREL (Abhandlungen, 1, 54), a responsabilidade causal (Rausalhaftung) constitui a última
reminiscência de ponto de vista infantil, que ainda não distingúira a casualídade do acidente e a causação
voluntária ou do ato ou omissão humana. Outros viam nas exceç5es ao princípio da culpa principalmente ng §
883 retrocesso ou processo para graus inferiores. F. LAURENT (Príncipes de Droit civil Irançais, 590),
exprobrava a responsabilidade sem culpa como

infração moral. Asalm, F. CROISSANT ( Eigenes Verschulden und Handlungsunfãhigkeit, 25). Também contra,
por exempIo, KARL JACUBEZKY (Bernerkungen zu dem Entwurf e „ames BGR., 164), F. ENDEMANN
(Lehrbuch des biirgerlicheu Rechts, § 130 A, 18), HERMANN ISAY, PETEIISEN, no 189 Congresso dos
Juristas alemães, L. VON KIRCHSTETTER (Kmnnten-. tar vim õsterreichischen allg. biirgerlichen
Gesetzbuche, 5a ed., nota ao § 1.298) e ALFREDO MINaZ! (Studio sul Danno non patrinvoniale, 47).
A experiência da vida mostra que a grande maioria dos danos causados por animais resulta de culpa efetiva dos
que dêles têm a “tença”, donos ou não. Assim, cumpria que o tenedor (cp. “mantença”, “mantenedor”) fôsse o
responsável, pois que, de regra, os danos foram, em parte, devidos à falta de guarda, ou de vigilância, ou a
medidas desarrazoadas ou inconvenientes. Além disso, certo é que se deixaria o lesado em dificuldade de provar
tal culpa (cp. G. RÍ5MELIN, Culpahaftung und Causalhaftung, Archiv fiir die civilistische Praxis, 88, 800;
KARL GRoSS, Grundlagen der Haftung des Tierhalters de lege lata et de lege ferenda, 80). Daí a solução do ônus
da prova. Porém tal critério não bastou. Recorreu-se, então, à prova do “cuidado preciso” como exculpação, coisa
que difere um pouco da prova da “udo cvlpa”. As soluções firmadas, como o Código Civil alemão, § 888, no
Gefdhrdungsprinzip, coincidem com as presunções ditas irrefragáveis, com a chamada praesumptio iurls et de
inre absoluta. Coincidem, não são idênticas. Nem são idênticas à presunção atacável às soluções da lei suíça e do

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Código Civil brasileiro, a despeito do final do artigo.
L.ENNECCEItUS (Dos Bitrgerliche Rock!. 1. 863) e CARL CROME (kÇqstem des de utschen Rechts, II, 1063)
faziam questão do requisito do próprio interesse, no prover às condições de existência. PAUL OERTMÁNN (Das
Recht der Schuldverhdltnisse, 8.~ e 4~a ed., § 888, nota 4), L. KUT-ILENBECK (Das Bilrgerlichc Gesetzbuch fiir
das Deutsche Rcich, 1, 2Y ed., 689), E. GOLDMANN-L. LTLIENTHÂL (Das Biirrzerliche Gesetzbuch
systematisch dar qestel!, 2.~ ed., 216), FLEISCHÂUER (Weitere Bemerkung zur Auslegung der § 833 flUE.,
.luristische Wochenschrift, 31, 115), F. LOHRMANN
(Die Ccl ahr des Haltens vim Tiereu, 84) e outros queriam que seja a posse, mediata ou imediata, com interésse.
E. DERNBURO (Das Búrgerliche Recht, II, 2Y parte, 4.~ ed., 814) e
E.MATTrnASS (Lehrbruch des Riirgerlicheu Rechts, 1, 722) acompanharam-no, queriam, porém, que haja posse
imediata, não exigiam a própria. Não pensava dêsse modo KONRAD COSACK (Lehrbuch des d,eutschen
b‟iirgerlichen Rechts, 1, 6a ed., 685) : basta, no conceito, a posse imediata, quer no próprio interesse ou no
alheio, quer por longo ou curto tempo, quer se trate de posse própria (Eigenbesitz>, quer de alheia (Fremdbesitz).
Para E. HAGELBERO (Das Begriff des Tierhalters, 87), há de existir situação econômica e social de dono. Parte
da jurisprudência coincide com isso (42 Senado do Tribunal imperial, RGE., 62, 79 s.). Pensava FRANz
BERNHÕFT que tenedor ou detentor do animal (Tierhalter) é aquêle a cuja vontade se deve estar sob ação e o
poder humano o animal, que, sem isso, não teria guarida nem alimento. Não podemos passar desatentos por essa
opinião, que se funda, realmente, em bom argumento; mas ~ onde começa e onde acaba o domínio do homem
sôbre o animal? ~ onde começamos a assegurar que o animal tem alguém por êle? Agora, outra opinião: é
Tizarhalter o tenedor ou detentor de cuja situação por lhe serem conhecidas, desde antes ou não, as circunstâncias
se pode tirar seja causa adequada do dano. Está aí muito simplificada a abstrusa definição de FRITZ LITTEN (fie
Ersatzpflicht des Tierhalters, 181). Dela resultam graus jurídicos e se há multiplicidade de tenedores,de graus
diferentes, só o mais próximo responde. Também W. GÕRSKI (Wer ist der Halter des Tieres mm Faíle des § 833
11GB., 68) firmou a resposta: Tierhalter, no caso do § 833, éaquêle que, pela relação efetiva em que se acha com
o animal, suporta o perigo da acidental intervenção do animal. WILHEIM ROSOTIER (Haftun.q flir
Tierschdden, 45 s.) dizia que só à jurisprudência pode interessar o nome global para todos aquêles que têm um
animal: ter, aí, é no sentido de estrito de deter, halten. Reputou falso êsse modo de ver E. HAGELBERO, que
recorreu à noção econômico-social. Mas ~por que falso? Em assunto, se não idêntico, semelhante, criou-se,
fecunda-mente, a doutrina do “pôsto social”, de que o Código Civil soviético, art. 405, veio dar-nos a melhor
expressão até hoje conhecida.
As leis, quase sempre, falam em detentor. No Código Civil francês, ad. 1.385, diz-se: “Le propriétaire d‟un
animal ou celui qui s‟en sert, pendant qu‟il est à son usage, est responsable du dommage que l‟animal a causé, soit
que l‟animal fút sous sa garde, soit qu‟il fút égaré ou échappé”. Pala do proprietário e de “celul qul s‟en seri”. Mas
também se refere àquele que tem o animal “à son usage”. Mais ainda: reporta-se ao tempo em que o animal estava
“sous sa garde”. Eram inevitáveis as obscuridades. Mas logo se assentou que era alternativa, e não cumulativa, a
responsabilidade. Em todo o caso, pode deixar de ser aplicável essa noção da unidade do responsável: a) se, e. g.,
há mais de um usufrutuário, ou comodatário; 6) se, no comodato, há interesse idêntico do comodante e do
comodatário porquanto se ambos tiram proveito, ambos respondem. O proprietário deixa de ser responsável
desde o momento em que outro se serve do animal; mas, provado que também se serve, responde com aquêle (G.
P. CHIRONI, La Colpa nel diritto civile odierno, II, 259). O raciocínio vale, em parte, para o direito brasileiro.
Assim, é doutrina corrente na França que o proprietário se presume servir-se do animal e dêle haver proveito,
donde responder pelos danos, esteja êle, ou não, ao seu serviço. Por exceção, desaparece a sua responsabilidade se
outrem dêle se serve, e não o proprietário. Mas, então, a excepcionalidade só persiste enquanto dura a utilização
pelo não-proprietário. Das três expressões usadas serviço, uso e guarda as duas primeiras exprimem o
pensamento da lei. Se bem que no art. 1.384 o Código Civil francês também fale da guarda, pensa-se que não se
lhe deve dar grande importância, principalmente em sentido material e estreito. E a razão é óbvia, em direito
francês e nos códigos que o seguiram: referem-se os textos ao animal “égaré” ou “échappé”, o que muitas vêzes
acontece, sem que haja negligência (RENÉ DEMOGUE, Traité des Obligations en général, V, 219). A opinião
corrente apenas traduz o que assentou a jurisprudência (Tribunal Superior de Colônia. 21 de março de 1899;
Cassação belga, 18 de outubro de 1902) e a doutrina. Não tira proveito o terceiro somente por freqúentar a sua
casa o animal fugido e abandonado (Conselho de Estado de França, 19 de janeiro de 1912). Em suma, na boa
doutrina francesa, a solução é a do proveito: prefere-se êle à posse, direta ou não, e ao critério da guarda
exclusiva. Mas fala-se muito em proveito econômico (RENÉ DEMOGUE, Traité, 220). O adjetivo sacrifica a
teoria. Por que econômico? ~É económico o proveito que se tira do uso das cobaias? Se o adjetivo abrange tudo

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isso, pode ficar; se não abrange, deve riscar-se. Interesse diz melhor que proveito; no Código Civil brasileiro, art.
76, declara-se que, “para propor, ou contestar uma ação, é necessário ter legitimo interesse econômico, ou moral”.
Pretendia F. LAURENT que responsável fôsse o que tinha o animal sob a sua guarda; mas tal opinião não logrou
acolhida.
Os próprios seguidores do “proveito econômico” reconhecem que nem sempre resolve. ~ um dêsses casos em que
é de mister a obra indutiva, o apanhar, nos fatos, nas ruiações sociais, o geral, que permita a fórmula. Ora, o que se
vê nas teorias propostas, nos diferentes princípios, é a ambição fácil do apriorismo, do racionalismo
intemperante. Raramente, o sincero ensaio de indução. Não vem fora de propósito repetir o que escrevemos na
Introdução à Política Cientifica, 217 s .:“Na evolução mental (psicológica e demopsicológica), o empirismo
corresponde ao pluralismo das sensações, ao discreto, ao fragmentário do conhecimento primitivo, de fato em
fato, sem perceber o geral; o racionalismo, ao monismo das generalizações, ao a priori, que a primeira fase náo
nos deu; a ciência, que vem depois, é a passagem inteligente, segura, resignada, dos fatos ao geral. Onde, no
conhecimento atual, há dedução, a priori, ainda existe caminho a percorrer, porque ficou terreno para evolução,
isto é, crescimento de positividade, substituIção da convicção dedutiva, racionalista, pela certeza indutiva,
puramente científica”. Adiante, insistimos: “Se são grandes as dificuldades de aplicação do método científico, é
porque não se têm dados para muitos problemas, isto é, ainda nos falta o material com que possamos trabalhar.
Êsse material é composto de fatos, de induções; e os juristas, os políticos, quase só se têm ocupado com expender
e discutir idéias. ~ Como legislar às carreiras sôbre pátrio poder, dizíamos nautros lugares, como legislar às
carreiras kPONTES DE MIRANDA, Rechtsgefúhi unil Begríff des Reekts, 186), se o legislador prêviamente
exigisse de si mesmo o conhecimento científico das relações de que poderiam ser extraidas as regras? Tal método
não somente previniria erros, como também modificaria os termos da critica ao excesso de legislação: quando
vigora a jurisprudência de sentimento ou de conceitos, a legislação romântica (sentimento, razão), mais graves
são os impetos de prover, porque, onde maiores são as probabilidades de êrro, crescem elas com o aumento da
atividade. Mas, se adotarmos critério científico, segundo o qual não devemos inovar sem que sugiram o
conhecimento dos fatos e a experimentação, o crescimento da legislação denunciaria o crescimento de aquisições
positivas. De certo, é mais fácil e mais ao alcance de qualquer indivíduo expender opiniões pessoais, mais ou
menos apoiadas em citações dos outros racionalistas do direito, e impô-las em pareceres, projetos e leis, decretos
e regulamentos. O problema, que aqui nos interessa, está, por exemplo, todo, em induzir-se e formular-se a noção
de Tierhalter.
~ Qual a fórmula a que, indutivamente, chegaríamos?
tSerá preciso o animus dominni Não. Seria trazer ao direita das reparações noção evidentemente estranha e
inadequada àfinalidade adaptativa do art. 1.527. .~, Ê preciso que sustente e acolha o animal? A fórmula não é das
piores, porém escapar-lhe-ia o caso, por exemplo, do que não sustenta nem acolhe o animal e, diàriamente, ou em
cedas ocasiões, o busca, para dêle se utilizar, com exclusão do dono, que o loca ou empresta. Seria excluir-se o
locatário ou o comodatário que não sustenta e, no caso, por exemplo, de levar o animal a outro lugar, quiçá a outra
cidade, teria de responder. Seria injusto aplicar
-se sempre ao dono a responsabilidade do art. 1.527. ?,Seria preciso que se utilize do animal, com posse, no
próprio interesse? Jor que não no interesse alheio, se aquiesceu nisto o Possuidor ? ~Será preciso que haja a posse
imediata? ~Será preciso que ao possuidor ou tenedor se deva o estar o animal sob a ação humana? tSerá preciso
que o responsável tenha conhecido as qualidades dos animais, qualidades anteriores e permanentes ou só do
momento? Compreende-se que desde aquela fase remotíssima, a que HERMANN ISAY chamou
“antropomorfismo do jovem”, até à Lei alemã de 1908, à Lei suíça de 1911 e o Código Civil soviético, tantas
soluções se tenham dado, e tentado, para o problema de técnica legislativa que o dano por animais levanta e
mantém. Destino mutável, o dêsse problema, destino singular, que continua a interessar a quem quer que
considere e a quem quer que medite sôbre os princípios do direito contemporâneo.
Nem só o proprietário pode ser responsabilizado de acôrdo com o art. 1.517, nem será êle, sempre, o responsável.
Assim, responde, por exemplo, o usufrutuário, o usuário, o locatário. Mas a doutrina teve vacilações; e pouco
adiantaria satisfazer-nos com o que ficou dito. A determinação do tenedor, do Tierhalter, é vexata quaestio do
direito das reparações do dano. Tierkalter, dizem as leis alemães e os projetos. Que se entendesse aquêle que
acolhe, sustenta e alimenta o animal, e tem o animus domini, queria um dos escritores que mais profundamente
trataram do principio da responsabilidade pelo fato dos animais, HERMANN ISAY (Die Verantwortlichkeit des
Eigenttimers fim seine Tiere, Jherings Jahrbúcher, 39, 315 s.). Pensavam do mesmo modo, e. g., G. PLANCK
(Rilrgerliches Gesetzbuch, II, 629), TH. ENGELMANN (1. v. Staudingers Kommertta.r zum Biirgerliehen
Gesetzbu.ch, 7a e 8a ed., II, 1.784) e a maior parte da jurisprudência (Reich,sger., 52, 118; 55, 166; 56, 3). Assim,

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seria tenedor, detentor, no sentido do § 833 do Código Civil alemão, do art. 56 da Lei suíça, e do art. 1.527 do
Código Civil brasileiro, o que provê, no próprio interesse, à acolhida e alimento do animal, não passageiramente,
porém por certo espaço de tempo. Trata-se de pura relação fáctica (cp. Decisão do Superior Tribunal local de
Cassel, a 1.0 de fevereiro de 1904). Semelhantemente, G. STIERLE (Die Hctftung fúr Tiere im SUB., 73), para
quer o tenedor é aquêle que, em interesse próprio, duradouramente se utiliza do animal e, como tal, toma as
medidas exigidas pelo fim; ou, talvez melhor, quem pratica os atos precisos para o fim de utilizar-se, no próprio
interesse, do animal, O “próprio interesse” pode consistir em interesse de servir a outrem. Se o animal é objeto de
usufruto ou de uso, responde o usufrutuário ou o usuário. Ainda que se trate de animais que não se guardem. Pode
haver vigilância , sem guarda. N o caso de empréstimo de animais, responde aquêle que passa a ter o proveito.
Também se doméstico se serve do animal sem que LISSO consentisse o dono, responde aquéle , e não ésse. Mas
pode ocorrer a responsabilidade do art. 1.521, 1H.
Se o animal foi alugado, ou emprestado, responsavel e o locatário ou o comodatário, desde a tradição. tias, se o
animal é, sempre, muito perigoso, há também a responsabilidade extranegocial do dono (J. CHARLESWORTH,
Liability for dangeroti0 thiugs, 100 s.; SALMOND, Lww of Torts, 11~a ed., 659; PROsSER, Handbook of Law of
Torts, 2Y ed., 325 s.).
Ponhamos o problema em termos de soluções parciais, em termos de análise das relações. Primeiro, havemos de
atender ao proprietário. Se êle tem a posse imediata, totlitin quaestio: é o responsável. Se não a tem? Se a resposta
tivesse de ser, sempre, positiva, não haveria nenhuma dificuldade; responder-se-ia sempre. A responsabilidade do
art. 1.527 coincidiria com a propriedade: responsável seria, em todos os casos, o proprietário. Mas a questão
surge, exatamente, do fato de não responder sempre o proprietário. Portanto, não cogitemos da noção de
propriedade para resolver o caso do art. 1.527. Nos nossos dias, com extrema interação da vida, nem o critério
objetivo puro, à antiga, antropomórfico, nem o de responsabilidade exclusiva e sempre do proprietário, nos
poderia bastar. Não nos serviria o casum sentit dominus. Tão-pouco nos serviria o princípio vulgar da culpa. 1 E
o caso do depositário? Aqui é que a lei brasileira denuncia o mau emprêgo das expressões “detenção”, “guarda”.
O depositário guarda e responde, se houve culpa, de acôrdo com os princípios gerais (Código Civil, art. 159).
Resta saber se pode ser invocado o art. 1.527. Em direito francês, seguindo o princípio do proveito ou cômodo, e
não se servindo o depositário do objeto depositado, decide-se que não responde. Assim, também, o direito
italiano. Mas, se o depositário, por consentimento expresso ou tácito, no momento do depósito, ou
posteriormente, teve a faculdade de se servir, será responsável durante o tempo em que dêle se tiver servido.
Assim RENÉ DEMOGUE e C~. P. CHIRONI. Sê-lo-á também se, sem autorização, se servir do animal
depositado. Decidiu o Tribunal de Sidi bel Abbês (7 de fevereiro de 1839) que, pôsto em casa de um amigo o cão,
deve responder o depositário, porque dêle se serve, ainda que frequentemente o visite o dono. No direito alemão,
raciocina-se diferentemente, porque prevalece o Gefllhrdungsprinzip (§ 833, 1.a parte). Quanto à 2.~ parte, que é
exceção ao princípio inicial, a exigência de ser animal empregado em indústria, ou alimentação, ou outra
finalidade, não altera o conceito. Mas, como vimos, não são acordes os autores. 1H. ENGELMANN (J. v.
Staudingers Kominent ar, V, 1785), por exemplo, incluía todos os que têm a posse imediata, e excluia os que têm
a mediata:
responderia, portanto, o depositário. Explicitamente VIRGILE ROSSEL o incluía (cf. II. OSER, Kommentar
zum. Schweizerischen Zivilgesetzbuch, V, 236).
No caso de empréstimo de cavalo a caçador ou corredor-cavalheiro, o proprietário não responde, pois que se não
trata de empregado ou preposto. Se ambos têm proveito, hão de responder ambos, se o dano foi causado a
terceiro. Há a possibilidade de dois ou mais terem proveito; há, pois, a de dois ou mais responderem. Na ocasião
de venda, enquanto o comprador não tem as rédeas do cavalo, ou não toma a gaiola do pássaro, ou não recebe a
chave da jaula, responsável é o vendedor. Mas, se o comprador experimenta o animal ou o tem em seu poder para
decidir, havemos de responder que, desde já, tem de reparar os danos. Se já se efetuou a venda, porém o vendedor
ficou de levar o animal, de que, aliás, já não é proprietário, responde o vendedor. Na jurisprudência francesa
(Liáo, 29 de outubro de 1908), há caso curioso: se o fato se dá na via pública, por haver qualquer obstáculo, e o
autor do obstáculo toma o animal ou os animais para que passem pelo lugar perigoso. RENÉ DEMOCUE (Traité
des Obligations en général, V, 233) opinou pela responsabilidade dos dois. Mas o que nos parece é que há, para o
autor do obstáculo, evipa, com a aplicação dos princípios gerais.
O pai, ou marido, usufrutuário dos bens do filho, ou da mulher, responde pelos danos causados pelo animal
incluído nesses bens. A mulher e o filho nenhuma responsabilidade têm, se bem que proprietários. Máxime
quando os animais se transferem ao domínio do pai ou do marido.
Só excepcionalmente é responsável, com invocação, do art. 1.527 do Código Civil, o Resitzdi,ener ou servidor da

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posse (Código Civil, art. 487). Portanto, algumas vêzes, o conceito de “detentor do animal” (Tierhalter) pode
achar-se em relação de que seja sujeito o servidor da posse. Não é possível indução em que se atenda a todos os
casos, sem consideração das espécies de posse. Já vimos que as opiniões atendem a determinadas espécies, e a
outras, não; umas aqui incluem o que ali as outras excluem; aqui, prendem ao conceito de Tierhalter o que ali
estava incólume. Quem tem proveito, é que responde. Portanto, não é o criado, o pajem, o empregado, que
responde, mas o patrão; nem a mulher, que, momentaneamente , tem a guarda do animal sai com o cavalo do
marido, ou com o carro, ou com o cão - mas o próprio marido (VIRGILE losSEL, Manuel de Droit Fédéral des
ObUgations, 1, 110). O criado pode ter o proveito, e o dono, não. Exemplo, já referido:
quando se serve, sem consentimento, do cavalo do patrão. Vir-se-á que é passageira a utilização e vêm à memória
as considerações de G. STIERLE, de CARL CROME e de L. ENNECCERUS. E ocorreu perguntar-se: Quem
provê ao sustento? Durou assaz a utilização? Pode haver contrato especial para a guarda e cuidado. O Código
Civil alemão previu a espécie simétrica-mente ao caso dos patrões, em relação aos prepostos (§ 821, 2~a alínea) e
declarou: “O que, para aquêle, que tem um animal (welcher em Tier hãlt) se encarrega, por contrato, de prover à
vigilância do animal, responde pelos danos que êsse animal pode causar §1 terceiro, no sentido indicado no § 883.
Não cabe essa responsabilidade, quando êle, na vigilância, empregou os cuidados exigidos pelo uso ou quando,
com a aplicação de tais cuidados, também se teria produzido o dano Não é o caso do Tierbalter (§ 838), mas o do
Tierkilter, guardião, vigia, guardador do animal. Da sua situação, não resulta exceção ao princípio da culpa
(Verschuldungsprinzip), mas presunção de culpa (cf. Tu. ENCETJMANN, J. v. Staudingers Kommentar, II, 1,
7Y e gft ed., 1798), que apenas recai no que está encarregado, por contrato, para com o Tierhalter, da vigilância
ou cuidado, e n‟rio em virtude de contrato com outrem. As pessoas, que guardam ou vigiam em virtude de lei, ou
os membros da família, respondem segundo os princípios gerais.
4-
Ê preciso que no servidor da posse, no encarregado de vigiar, não se forme a figura do tenedor (Tierhalter) : se se
forma, a sua responsabilidade é a do § 883, ou, no Brasil, a do art. 1.527. No Brasil, a lei não possui o
correspondente ao § 834. Temos, pois, de subsumir na fórmula, que entalhamos, o caso do vigilante por contrato,
quando êsse deve responder de acôrdo com o art. 1.527, e deixar fora os casos em que pela lei brasileira não deva
ficar sujeito ao art. 1.527. Está claro que há, em caso de culpa, a responsabilidade dêle para com o dono, possuidor
ou tenedor do animal, que com êle contratou, ou para com terceiros (arts. 159 e 1.518).
Se o proprietário continua a tirar proveito e se confiou ao preposto, há a responsabilidade do art. 1.521, III. Se não
há invocabilidade do art. 1.521, II, decidiu-se na França, que, sendo gratuito o preposto, responde o proprietário.
Se é contratante a titulo oneroso, a jurisprudência mantém a responsabilidade do dono, e não atende ao argumento
de que o contratante tira proveito, não do animal, mas da guarda. O art. 1.385 do Código Civil francês não
distinguie. Mas observou--se que também o art. 1.385 não distingue a guarda com proveito direto ou indireto. O
dono só devia responder como comitente. Sem dúvida o argumento mata o outro, mas é sem fôrça para manter-se
a si. Tudo reclama o trato conjunto das questões: sai-se do apriorismo dos princípios e volta-se ao empirismo das
soluções para cada caso.
Em se tratando de depositário e se ambos, depositante e depositário, tiram proveito, na ocasião da ação o lesado
tem de provar a tença do animal, isto é. dizer quem é o tenedor. Ora, essa prova elimina um dêles. Nas corridas de
cavalos, nas exposições agrícolas, nos concursos hípicos ou de animais de raça em geral, a guarda e o uso ficam
aos patrões dos jóqueis, dos prepostos dos donos de animais expostos, e não às sociedades ou fundações que
promoveram a exposição, ou as corridas, ou os concursos. Certamente, provada a culpa das sociedades ou
fundações (arts. 159 e 1.521, III), serão responsáveis: mas tal responsabilidade nada tem com a do art. 1.527. O
professor de equitação, dono do cavalo, é responsável pelos danos que o animal causou ao aluno que o monta ou
a terceiro. . Dá-se o mesmo se o cavalo não é do professor,mas de outrem, que o alugou ao professor. Precisa-se
proceder à análise das relações, a fim de se conhecerem as realidades sociais, de se apreender o mecanismo dos
fatos e de se efetuar, depois, a indução científica.
Se um cavalo é conduzido ao veterinário pelo enfermeiro dêsse, que sofre o dano, quer a jurisprudência francesa
que seja o dono do cavalo, e não o veterinário (e. g., G. BAUDRYLACANTINERIE e L. BARDE, Traité
théorique et pratique de Droil civil, IV, ga ed., 657-660; M. LUÇAs, De la Responsabilité civile des do‟mmages
causés par les animauz, 150), o responsável (com a presença do preposto do proprietário, ou não). Mas justo é
distinguirem -se: a) O acidente do trabalho, de que é responsável o veterinário. b) A ação do art. 1.527. O
enfermeiro tem ambas as ações. Seria injusto não dar-se ação ao veterinário contra o dono, se o enfermeiro
preferiu a ação de acidente no trabalho. A jurisprudência francesa não aplicou o raciocínio relativo ao veterinário
em se tratando de ferrador: devia Ale conhecer os meios técnicos de evitar coices e dentadas, pois que é ferrador.

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Também se julgou na França (Cassação Civil, 8 de dezembro de 1872) que o dono não responde pelo danos
causados pelo animal ao transeunte, por ocasião de ser levado da ferraria para a casa, por empregado do ferreiro.
Estava confiado a profissional. A verdadeira solução seria negar-se a ação quando entregue ao profissional, ou a
quem êle confiou: o ad. 1.521, IIT, pode ser invocado. A análise das relações faz ressaltar qual das regras jurídicas
deve ser aplicada: a de acidentes, a do art. 1.521, III, ou a do art. 1.527. O condutor é que só é responsável se lhe
é provada a culpa, isto é, segundo o art. 159 (principio geral de responsabilidade por atos ilícitos).
Se o cocheiro deixa em certo lugar o carro, ou, por analogia, o motorista deixa o automóvel, prevenindo o guarda,
não é a Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal que responde. Igualmente, se, após acidente, o policial guarda o
animal, à espera de que o condutor traga auxilio. Nesses casos so o art. 159 pode ser invocado e, em se juntando
outros elementos, o art. 1.521, III. O art. 1.527, não. Mas, se há estabelecimento do Estado, ou estabelecimento
particular para estacionamento, com paga do serviço, responde como patrão do grial
da (art. 1.521, III), não como tenedor (art. 1.527). Finalmente: A) Pode ser responsabilizado não só o proprietário
como o possuIdor de boa ou de má fé. O ladrão de cavalos responde pelos danos causados pelos cavalos de que
está com. a posse, ou tença, de má fé. A pessoa que recolhe o cão de um co-locatário falecido, ou o que chama à
sua casa, com alimento, o cão de outrem, pode ser responsabilizado: O que pode tirar proveito cede lugar ao que
realmente tira por ocasião do dano. Mas a alternativa não é obrigatória; pode dar-se que ambos. sejam
responsáveis. A jurisprudência francesa parece interpretar à letra o art. 1.385 do Código Civil francês e exigir a.
alternativa. B) Áquêle que tem consigo ou com alguém o animal de que se serve, ou, temporariamente , não se
serve, sem haver transferido a outro a utilização do animal, ou sem essoutro déle ter-se, por ato próprio, utilizado,
responde pelos danos, de acOrdo com o art. 1.527. C) Serve-se, utiliza-se, tira proveito do animal aquêle que, por
si, ou por seu preposto, ou por intermédio de outrem, dêle tira vantagem econômica, moral, estimativa, ou outra
qualquer, exclusivamente ou cumulativamente com outrem, ou a pode tirar, a cada momento, com o depositante.
Também tira proveito aquêle que, na ocasião, exerce profissão sObre o objeto, como o ferra.dor, o amansador, a
comissão contra a danificação de animais, salvo se, por acôrdo expresso ou tácito, o cuidado não foi transferido,
como se o proprietário manda que o seu empregado técnico acompanhe, inseparàvelmente, o cavalo. Interesse é
qualquer um, segundo o critério geral a que já nos referimos. O dono ou detentor pode ser pessoa jurídica. E as
pessoas de direito público, ainda externo, e. g., no caso de permissão de passagem de tropas.
Interesse do que tem o animal e interesse do lesado são, possivelmente, da mesma extensão. O art. 76 do Código
Civil fala em interesse econômico e moral. Moral, aí, é não econômico : político, religioso, moral, estético,
científico. Inclusive, de moda. A moda é um dos valôres sociais. O homem tira do ambiente, do mundo exterior,
aquilo de que precisa para a sua subsistência e para o seu bem-estar. Tudo de que necessita para subsistir e para
viver bem é interésse hunano no sentido do art. 76 do Código Civil (RUDOLE STAMMLER, Wirt schaft und
Recht; 141). Quem priva alguém de ir ao templo, fere-lhe interesse de ordem religiosa, sim mas interesse ,
porque entra na classe dos atos ou fatos que lhe causam bem-estar. Interesse é o valor que possui a coisa ou a
relação (RUDoLF VON JHERING, Der Besitzwiile, 25; FRITZ BEROLZSHEIMER> Rechtsphilosophische
Studien 101). O intrigado, se prova a intriga e o dano que disso lhe adveio, tem direito, pretensão e ação. JOSEP
MAUCZKA (Der Rechtsgrund der Schadensersatzes, 80) censurou ao § 833 do Código Civil alemão só se referir
a danos ao corpo e às coisas. Há outros interesses que podem ser lesados pelo ato do animal. E tinha razão. A lei
alemã de 1908 manteve a restrição. A lei brasileira não a faz. Teria sido melhor manter os princípios gerais. Nem
o Código Civil brasileiro nem o Código Civil alemão identificam direitos subjetivos e interesses juridicamente
protegidos. O que exerce a ação, no caso do art. 76, pode não ter direito subjetivo. Por isso mesmo, o art. 159 fala
de “violar direito”, “ou causar prejuízo a outrem”. Pode não haver, de frente, violação de direito; ferir-se
interesse. Não se entra na indagação da existência de relação jurídica independente. Basta o dano. Se houve culpa,
êsse dano ainda que não resuíte de ferimento direto de direito subjetivo há de ser ressarcido. A linguagem dos
arts. 159 e 76 é coerente.
A questão de se saber, na Alemanha, se a inclusão do § 833 no título tJn-crlaubte Handlungeu (ações ou atos
ilícitos) tinha como consequência considerar-se como regra jurídica sôbre ato ilícito constituiria, em primeiro
lugar, questão de natureza terminológica (PAUL ELTZEACHER, Die Ilandlungsfãhigkeit, 274) e a
impropriedade do termo seria evidente: falar-se de ato a respeito de tenedor de animal (WILHELM MtYLLER,
Der Regriff der unerlaubten Handlung 86-44; FRTTZ LITTFN, Die E‟rsatzpflicht des Tierhaiters, 183). Mas logo
veio à tona outra questão: se, a despeito da impropriedade, estava na lei o uso de tal termo, a propósito do § 838,
podia estar incluído e podia achar-se lá por se não ter considerado premente mudar-se o título, somente por terem
de ser referidos os §§ 838 e 885. Foi dito haver imprudência em conservá-los entre os demais (WILT-IELM
MÚLIETI, Der Reg‟síff der unerlaubteu Handlung. 26; WÃITER HOFFEUS,

.~> a]
Grund und Crenze der Haftung der Tierhalters, 23). Em todo o caso, ficou assente que se havia de entender ato
ilícito (unerlaubte Handlung), no sentido do Código Civil (cp., porém, a jurisprudência Entsck. in Zivilsacheu,
410), PAUL ELTZBACHER deu a seguinte explicação do que se passou: o direito de personalidade e os direitos
de propriedade dilatam-se em relação ao tenedor do animal (Tierhaiter), que é obrigado a que nenhuma coisa ou
nenhum homem seja lesado pelo seu animal. Pergunta-se: ~ de ser ato ilícito resulta que se aplicam, sem exceção,
no caso do § 833, todas as regras juridicas inclusive as processuais, referentes a atos ilícitos? Seria desarrazoada a
dedução. É preciso distinguir-se onde muda a natureza das relações, que, por exemplo, autoriza a excluir as
limitações da responsabilidade segundo idade e doença (opinião geral; contra, F. v. LISZT, Lhe
Deiiktsobiigationen im .System des BGR., 107). No Código Civil alemão, portanto, pois que não se leva em conta
a culpa, fácil foi incluirem-se todas as pessoas tidas como responsáveis. Ainda assim, pensamos que o louco, após
a loucura, não pode ter efetiva que dê a responsabilidade fundada no Cefãhrdun.gsprinzi~: pode, bem,
continuá-la.
Na lei brasileira, falta qualquer indicação de texto. A questão que se levantou na Alemanha sôbre a influência que
pode ter nas relações do § 833 a Geschdftsfdlzigkeit, de modo que só os capazes de exercer atos jurídicos
pudessem adquirir a tença do animal, assume, no Brasil, extraordinária importância. Mas, lá, logo se disse que a
tença não é negócio jurídico, e sim ação, a que se ligam conseqúências jurídicas. Assim, JOSEF KOHLER
(Lehrbuch des Biirgerlichen Recht, 496 s.) e Tu. ENGELMANN (J. v. Staudingers Komntentar zum
Búrgeriichen Recht, fl 2~ parte, 1786), ao que respondem outros (e. g., WILHELM ItoscuEil, Haftu.ng flir
Tierschãden, 53) que pensam que a capacidade para os negócios jurídicos é de mister para que se adquira a tença
(7‟ierhaltung), donde terem de ser representados os absolutamente incapazes e assistidos os de dezesseis anos a
vinte e um anos É o que ocorre com as pessoas jurídicas, no tocante à presentação.
Procuremos a solução brasileira: 1) Argumentos a f avor da irresponsabilidade: contra o louco, que tem curador,
a ação recairia, injustamente, em quem nem culpa nem tença tem da coisa, que permita o dever de evitar que o
animal lese a outrem. A ação havia de ser contra o curador, responsável pela tença, ou contra aquêle que a tem.
Contra o menor cujos bens são administrados pelo tutor, sendo êle de seis anos ou menos, também fôra injusto: é
a idade de cuidados muito diretos (Código Civil, art. 326, § 2?) e a responsabilidade deve estar, toda, no tutor ou
curador. Aqui, o fundamento não é o usufruto, como para o pai, que tem o pátrio poder e, pois, o direito de
usufruir os bens do filho, mas o cuidado preciso do tenedor. Há duas ações contra êle, a do art. 1.511, lI, e a do art.
1.527. II) Argumentos a favor da responsabilidade das pessoas enumerados no art. 5; quem tem o proveito,
responde; a ação é do animal. Assim, se o menor, ainda de tenra idade, possui bem herdado, em que haja animais,
responde pelos danos, na forma do art. 1.527. Igual raciocínio far-se-á para o louco, ou para o surdo-mudo que
não puder exprimir a sua vontade. Tem ação contra os administradores. Se o menor de mais de dezesseis anos
adquiriu animal, dos que, conforme o uso, se vendem a menores, de modo que se possa julgar ter havido
assistência tácita do tutor, responde o menor. Porém, uma vez que se lhe reconhece a capacidade delitua.l em
geral, a questão sôbre a maneira de aquirir desaparece; o dano resultante de ato ilegal não deixa de ser ato ilícito.
Temos, pois, a questão restrita aos que a lei chama absolutamente incapazes (Código Civil, art. 5). A ação é deles
e do animal. Portanto, se existe a tença, existe a obrigação de reparar. O menor, que é dono de uma fazenda, tem
o proveito; logo, deve responder segundo o art. 1.527. Enfrentamos, pois, duas soluções. ~A responsabilidade do
ad. 1.527 funda-se no dever de vigilância ou resulta do Gefàhidungsprinzip? Seja como fôr, não nos parece que
seja exigida a distinção para que cheguemos a compreender que, no sistema brasileiro, tudo tem de se filiar ao art.
1.521, 1-1V. Presumem~-se culpados e respondem por atos de terceira pessoa: os pais, pelos filhos menores, que
estiverem sob seu poder e em sua companhia, o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas
mesmas condições; o patrão, ou comitente, Por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho
que lhes competir, £11
por ocasião dêle (art. 1.511) ; os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos, onde se albergue por
dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos. Pergunta-se: lAs pessoas
mencionadas respondem pelas presunções de culpa daqueles que têm de vigiar ou escolher? O empregador
responde pelas presunções iguais de culpa do preposto. Se o preposto, dono de um animal, responde pelos danos
causados por êsse, e, na espécie, o preponente tem de responder pelo preposto, não há negar que o patrão
responde pelos atos do preposto e pelas presunções de culpa. Mais ainda. Se o patrão admite que o preposto tenha
um ajudante seu, para o serviço do patrão, e no serviço ocorre acidente no trabalho, o patrão responde pela
indenização. Se, em vez de acidente no trabalho, sucede dano a terceiro, irrecusável é a responsabilidade. Assim,
respondem (art. 1.521, 1-1V) : o pai, pelo animal: a) que usufrui e pelos que mio usufrui, se estão sob a guarda
imediata e uso dos menores que não têm capacidade delitual, ou desde que se estabeleça entre o animal e a criança

.~> a]
e entre a criança e o pai certo seguimento de vigiláncia. Quem vigia o filho vigia o cão do filho.
Ao tutor, quanto ao menor sem capacidade delitual, ou ao curador de loucos ou surdos-mudos, cumpre vigiar os
animais do menor, quando se estabeleça certa relação entre o animal e a criança e entre a criança e o tutor, ou
quando, sendo louco ou surdo-mudo, saiba o curador que o louco ou surdo-mudo tem consigo animal, ou que o
tinha e passa, assim, à sua disposição, pela incapacidade do dono. Idem, se o preposto-menor tem animal a
serviço do patrão. Mas responde o menor ou louco ou surdo-mudo: a) Se o animal é parte de um bem, como
fazenda, fábrica, e o dano deve ser levado a quem tem o proveito. Salva a ação regressiva contra os
administradores ou responsáveis. b) Se o animal não está sob a vigilância do pai ou do tutor e o menor tem
discernimento. Essas questões sutis de capacidade delitual em sistema jurídico ao mesmo tempo omisso e
tumultuário, como o nosso, estão a reclamar a emenda do Código Civil, conforme dissemos em 1930, de modo
que tenhamos critério legal para resolver tais questões.
O Direito pode e chegará a elaborar-se livremente, mediante processo científico. Porém uma coisa é deixá-lo à
Ciência e outra é tomarem-se alguns pontos de referência legais, alterá-los, semear contradições, e deixar vagos
alguns lugares assaz relevantes. Tal o que se dá com o Código Civil.
Resta o caso dos contratos nulos. Nulo o contrato pelo qual alguém adquiriu animais, ,?,quem responde pelo dano
causado durante o tempo que medeia entre a posse e a reentrega? A questão foi e é controversa. Pela
não-responsabilidade do alienante, PAUL OERTMANN (Das flecht der Schuldverhiiltnisse, ga~4a ed., § 833,
nota 3, d), E. GOLmMANN-L. LILLENTHAL (Das Biirgertiche Gesetzbuch systematisch dar gestelt, 913, nota
8). Pela responsabilidade, JOSEF KOHLER (Lehrbuch des búrgerlichen Rechts, 1, 496) e TH. ENGELMANN
(J. v. Staudin gers Kommen lar, J~, 23‟ parte, 1786), que estão evidentemente com a razão. No direito brasileiro,
porém, se não há o título, porque era incapaz de obtê-lo o contraente, por defeito de idade, loucura au sitrdo-uudez
(Código Civil, art. 5) temos de harmonizar a solução com a que se há de dar, diretamente, para o problema de
incapacidade.
A posse e a tença podem resultar de simples ato ajuridico; a posse, como a tença, é fáctica. O direito à posse é
direito. Ora, no caso que nos interessa, o que importa saber-se é quem foi que adquiriu ou manteve a posse ou a
tença. Se houve nulidade, ou anulação do negócio jurídico, o que importa averiguar-se é se o outorgado a que, ex
hypothesi, o outorgante do negócio jurídico fêz a tradição podia adquirir posse ou tença. Se houve
compra-e-venda ao menor, absolutamente incapaz, e houve a tradição para que se integrasse no elemento
patrimonial, como se o menor comprou o touro para que a posse lhe fôsse transferida através de atos com os
empregadas da fazenda, ou pelo simples ato de pôr o alienante dentro do portão do curral o animal vendido, a
posse inseriu-se no elemento patrimonial, fazenda ou sítio. A decretação de invalidade do negócio jurídico é sem
conseqüências , porque a responsabilidade do outorgado começou.
Se o comprador, a quem se entrega o cavalo, ou o cachorro, ou o boi, é de idade tal que de modo nenhum se
poderia admitir que o vendedor o julgasse capaz (e. g., a criança digamos, de oito anos foi à exposição de cavalos
e comprou um, que lhe foi entregue), assumiu a responsabilidade dos riscos de danos ao outorgante e a terceiro.
Não se poderia, aí, considerar com presunção de culpa (ou culpada) a criança, pôsto que possa ocorrer a reparação
segundo o princípio sôbre desigualdade de fortuna (criança rica, vendedor pobre, lesado pobre).
Surge também o problema de danos causados por animais serem acidentes do trabalho. A lei brasileira de
acidentes inspirou-se na hei francesa de 9 de abril de 1898, onde também há a ação pelo dano que o animal
causou. O preposto pode exercer a ação por acidente do trabalho, não outra, notada-mente a do art. 1.885 do
Código Civil francês, isto é, a que resulta de danos causados por animais (Código Civil brasileiro, art. 1.527).
Aliter, se o animal é de terceiro, porque, então, há a duplicidade de ação (contra o terceiro, pelo dano causado pelo
animal; contra o patrão, pelo acidente do trabalho).

4. Solução UNITÁRIA DO DIREITO BRASILEIRO. No direito brasileiro, a regra jurídica especial é


abrangente de qualquer animal, segundo o conceito que se fixou para a responsabilidade do guardador.
Lê-se no Código Civil, art. 1.527: “O dono, ou detentor do animal ressarcirá o dano por êste causado, se não
provar: 1.Que o guardava e vigiava com o cuidado preciso. II. Que o animal foi provocado por outro. III. Que
houve imprudência do ofendido. IV. Que o fato resultou de caso fortuito, ou fôrça maior
Se o animal servia ao dono, e. g., para caça, e foi dada toda a vigilância, ou diligência, que seria exigível no lugar
em que se achavam o ofendido e o animal, ao demandado incumbe a prova, porque se trata de responsabilidade
pelo perigo, aí, para o público.
Se o perigo já existia e o animal, com a sua intromissão, determinou o dano, como se o lugar em que estava a
pessoa era arriscado e o cão a fêz cair, não se pode, a priori, afastar a responsabilidade do dono do animal (cp.

.~> a]
IIERMANN ISAY, Die Verantwortlichkeit des Eigenthúmers flir seine Thiere, Jherings Jahrbucher, 89, 310; F.
LoHRMANN, Die Gefahr eles Haltens von Tiereu, 22; KARL NIEMEYER, Die Haftung fúr Tierschaden nach
dem SUS., 72).

Animal é coisa , de modo que se tem de considerar o dano à pessoa, ou a algum bem, dano causado por
determinada coisa. Se o animal ofende a outro, há dano de uma coisa a outra coisa com a responsabilidade
específica (cf. JOHN LEvY, Die Haftung des Tierhalters nach § 833 SOB., 19).
A responsabilidade pelos danos causados por animais tem pressupostos diferentes dos que se exigem para a
responsabilidade pelos danos oriundos de edifício ou outra construção. Não há o pressuposto da culpa da pessoa
que é dono ou possuidor do animal, nem o da falta de cuidado. O demandado é que pode alegar, contra o pedido
de indenização, que “guardava” e “vigiava” o animal “com o cuidado preciso” (isto é, com o cuidado necessário).
Cuidado preciso é aquêle exigido pelo meio social e pelo local (vigilância que o tráfico impõe). Não só se
presume a culpa como também a relação causal entre a infração do dever de vigilância e o dano causado pelo
animal.
O dano pode ser à vida, de modo que há a responsabilidade do dono ou possuidor ou tenedor do animal como
seria responsável o homicida (Código Civil, urt. 1.537, 1 e II) ; ou à integridade física ou psíquica (art. 1.538 e §§
1.~ e 2.0).
Quanto aos animais selvagens, que se exibem em parques zoológicos, circos ou filmagens, ou simplesmente
amestrados, o direito brasileiro não tem regra jurídica especial, como não a tem sôbre os animais domésticos
(diferente o Código Civil alemão, § 533, 23‟ parte).
De jure condendo, as diferenças de cuidado têm de ser examinadas em casos concretos e há quaestiones Meti, e
não quaest‟iones inris, razão por que se há de preferir a generalidade do art. 1.527 do Código Civil brasileiro à
discriminação do § 833 do Código Civil alemão. No direito brasileiro não surge a questão do regramento da
responsabilidade em se tratando de animais que pertencem ao Estado, ou a institutos, corno os cavalos de
militares e os cães policiais. Nem, tão-pouco, quanto aos cavalos, cães, gatos e pássaros que são objetos de
afeição.
O art. 1.527 do Código Civil fala dc “dono ou detentor”; entenda-se o dono, o usufrutuário, o usuário, o
possuidor, o tenedor, ou o próprio guarda, que é a pessoa com quem um daqueles contratou a vigilância do
animal.
~Responde o proprietário se o guardador é possuidor impróprio ou tenedor? Se outrem é responsável, o
proprietário não é responsável. Assim, além de PAUL OERTMANN, ao comentar o § 833 do Código Civil
alemão, FRITz LIrrEN (Die Ersatzpflicht des Tierhalters im Rechte des SOB., 120) ; contra, O‟rTO GEORG
SCHWARZ (fie Haftung eles Tierhaiters nuúh § 833 DOR., 38 s.).

5.P~ImíssõEs , LICENÇAS E PROIBIÇÕES. As regras jurídicas, legais e regulamentares, como as posturas


municipais, são de duas ordens: a) as que licenciam ou permitem certos atos das emprêsas e dos particulares; b) as
que proíbem. Quanto às primeiras, autorizações administrativas ou licenças, não obstam a que entre terceiros e os
autorizados se criem situações jurídicas. Assim, ainda que autorizada pela autoridade policial, a casa de tolerância
pode ser atacada em ação de indenização pelos vizinhos. Pode a companhia de estradas de ferro estar em rigorosa
observância dos regulamentos, mas isso não impede que seja condenada por não oferecer a devida garantia aos
passageiros. Se isso vale para as autorizações, a fortiori quanto às concessões a título de experiência ou de ensaio,
ou permissões, por outro qualquer modo, provisórias. A permissão de cães especiais, na via pública, ou em
parque, ou em exposições, mas preestabelece a não-
-culpa do tenedor. O fato de haver fiscalização, contrôle, ou aprovação do Estado não pode isentar. O ato de
direito administrativo precata quanto às penas de direito administrativo; não, porém, quanto às penas e ações de
direito civil comum, O mais que se pode sustentar é que a autorização legislativa produz presunção de não haver
culpa; mas seria absurdo em todo o caso, ino Brasil, como na França, há jurisprudência que o queira! . esperar
dela a responsabilização. A administração verifica, com critério de direito administrativo, o que se passa; mas o
direito comum, que é o direito privado, não pode ser postergado: a aprovação administrativa pode não ser
adequada à realidade. Contra os que têm a opinião oposta bastaria um argumento: se o próprio Estado pode ser
condenado pelo ata administrativo, pelo ato judiciário, pela própria lei, com que feriu -direitos de outrem, ~ como
se poderia admitir que o mesmo direito civil ou comum, ou constitucional, em que se funda para pedir a
declaração de nulidade de um ato, ou, até, de uma lei, pudesse ser absoluto para relações entre ter ceiros? Não
queiramos estabelecer para a gestão dos negócios. públicos situação criadora de ordem presumida de perfeições

.~> a]
Quanto às regras insertas em lei, regulamentares e de emergência e. g., os avisos afixados ou sinais proibitivos (e.
g., “Não pode passar”, “Trânsito interrompido”, “Em obras”, “É vedado o trânsito”) ou adversativos (e. g.,
“Devagar!‟, “Suba à direita!”, “À esquerda!”) uma vez que advertem e o fazem no interesse, não só do transeunte
ou do veículo, mas do público, têm o efeito de criar a presunção de culpa. Dir-se-áque isso tem pouca
importância, porque já o art. 1.527 estabelecera a legal. Não pouca. A legal exerce o seu papel; porém pode o
lesado, ao promover a prova, por exemplo, do “cuidado preciso”, invocar a presunção facti a que nos referimos.
São duas provas diferentes: a da responsabilidade do tenedor, art. 1.527, pr., e a de exculpação, inciso 1, por
exemplo.
Para aquêles casos, que referimos, de coexistência da culpa de outrem com a do tenedor do animal , o que pode
ocorrer no caso de provocação por outrem, ou por outro animal, ou, ainda, de imprudência do ofendido é de
grande importância o dever decorrente das regras de interesse público (leis municipais, estaduais, federais).
Ainda nos sistemas que se fundam na presunção de culpa, com o caráter especial da Lei suíça e do Código Civil
brasileiro, que, por vêzes, leva a condenação, a culpa da vítima pode não excluir toda a culpa do legitimado pelo
art. 1.527. No direito francês, assim se tem decidido; e os que fundam a responsabilidade na culpa presumida são
acordes com os que fundam a indenizacão na responsabilidade objetiva.

6. CuLPA no CONDUTOR E DANOS ATRIBUIDOS A ANIMAIS.


A culpa do condutor ou guia enquadra-se nos casos de culpa do art. 1.527, III. Por vêzes trata-se de acidente no
trabalho e a solução é a da responsabilidade segundo a lei especial, se ocaso é realmente de acidente no trabalho
segundo a lei. A questão da culpa do condutor não é, na doutrina, pacífica; mas deve ser devolvida a problema
mais geral. A condução não exclui a responsabilidade do tenedor do animal, mas, se há culpa, o caso há de ser
tratado quando não se tenha de invocar a lei de acidentes pelo art. 1.527, III. Pode acontecer que o condutor ou
guia empregue o animal como projétil; então, será como uma coisa sem vida. Não é de invocar- -se o art. 1.527.
Ésse é um dos casos construídos por FLEISCHAUER (Zur Auslegung des BGB., Juristische Woehenschrift, 30,
881). A responsabilidade de outrem é nenhuma (FLEISCHAUER, Zur Auslegung des § 833 BGB., 30, 881; F.
LOHRMANN, me Gefah,r des Haltens von Tiereu, 25; WALTER HOPFERS, Grund und Grenze der Haftung
des Tierhalters, 53 e 64; HANS HATJSMANN, Das Tier unel die Tierestat ais Grenze der Haftung flir
Tierschaden, 43; e até GOSLICH (Wo liegt die Grenze der Haftung des Tierhalters?, Ommhats Seitrãge, 47, 10)
a reconhece, porém considerando o animal “instrumento”. Outro caso curioso conta HEINRICE SCHUMANN
(Haftzcng fúr Tiere SOB. §§ 833, 834, 34). A Criança brinca com o cão, a correr, e, empurrada, cai, ferindo-se.
Não houve dano causado por animal. Numa construção, utiliza-se um cavalo para puxar um cato e
suspenderem-se pedras, madeiras e outras coisas; uma pedra cai. Outro caso:
alguém se fere na máquina movida a animal (FLEISCHAUER, Zur Auslegung des § 833 EGE., 881; GOSLICH,
Wo li‟agt die Grenze der Haftung des Tierhalters, Gruehots Beitrd.qc, 47, 10, 11). Não houve, dizem os
escritores, adequada, mas acidental determinação. Temos, pois, a ordem para exame das questões relativas a
danos causados ao condutor e, em geral, sempre que se invoquem danos causados por animais: a) Se, de fato, é
“dano causado por animal” o de que se trata. b) Se, no fato lesivo, houve ou não culpa do ofendido, ou de outrem
(por si ou por animal seu, art. 1.527, II). Como quer que seja, a questão passa aos princípios gerais. Mas
insistamos nos casos de culpa do condutor em relação a danos a terceiros, matéria que se divide entre o art. 1.521,
III, e o art. 1.527, III), rigorosamente, de dano causado por animal. O cocheiro enxota, açodadamente, os animais
da carroça, e, na curva, apanha uma mulher. Não é de dano causado por animal que se há de cogitar. Dirige E, pela
vereda, o carro, e, na passagem, o cavalo, ao ser chicoteado, dá coice num transeunte. Responde

§ 5.518. DANOS CAUSADOS POR ANIMAIS


pelos danos, de acôrdo com o art. 1.527; porque, então, o ato animal dêle deriva, se bem que remotamente
decorresse de ato seu. Não se dá o mesmo se o dano não proveio do cofre, mas do choque recebido à passagem do
animal em disparada. Aqui, o animal é instrumento nas mãos de E. Uma coisa é o uso da atividade mecânica de
um animal tratado, então, como objeto que produz energia e outro o ato do animal. Assim, é fácil
caracterizarem-se as fronteiras do art. 1.527. No primeiro caso, o movens é o cocheiro; no segundo, o animal
(HANS 1{AU5MANN, Das Tier und die Ticrestat ais Orenze der Haftung flir Tiersehaden, 45). Se há culpa do
condutor im vigilando mas o ato é do animal, prevalece o art. 1.527. Se o ato é do animal, então o caminho é o da
invocação do art. 1.521, III, no qual se dá aos patrões a responsabilidade pelo ato dos prepostos. Na literatura, F.
ENDEMANN (Lehrbuch des Búrgerlichen Oesetzbuches, 1, 202) e II. NEUMANN (Handazisgabe des BOR.,

.~> a]
sob o § 833) confirmavam que o animal não foi autônomo; no caso, portanto, não responde o Tierhalter.
WALTER HOFEERS (Grunel und Grenze der Haftung eles Tierhalters, 53) advertia que nenhuma é a
responsabilidade porque no ato do animal não houve perigo de indústria.
L. RUHLENBECK (Vom juristischen Kausalzusammenhang mit hesonderer Eezugnahme auf § 833 BGH.,
.Juristische Wochenschrift, 238), partindo do Gefiihrdungsprinzip, assegurou que o ato não foi do animal, e sim
do homem, que se serviu do animal como instrumento. HEINLuOR SCHUMANN (Haftung flir Tier, BGB. §§
833, 83k, 31) diz que o animal não praticou o ato com a natureza de animal, por si, ou de si. Seria preciso,
redargiliu WILHELM ALTSCIIUL (Weiteres zur Auslegung von § 833 BGB., .Juristische Wochenschrift, 31,
204), que tivesse havido determinação volitiva do animal, para que resultasse a aplicabilidade do § 833 (Código
Civil brasileiro, art. 1.527). HERMANN ISAY (Die Grenzen der Verantwortlich keit f [ir Tierschaden, Deutsehe
.Turisten-Zeitung, 399 s.), coerente, excluia a responsabilidade do art. 1.527 (Código Civil alemão, § 833),
porque não houve culpa do animal, mas do homem. Certamente, pode haver “dano causado por animal”, sem que
se exclua toda a culpa do condutor ou de outrem. O que não é possível é aceitar-se como tal o dano causado pelo
animal durante o tempo em que, mecanicamente , obedece a outrem (G. RÚMELIN, Kulpahaftung und
Kausalhaftung, Archiv 11k die zivilistísefle Praxis, 88, 305 sj. A despeito da clareza da distinção e dos
fundamentos da doutrina, há vozes discordantes; e veremos o que há, nêles, de razão.
Queria ISRAEL (Schâdigung durch Tiere, Ju.rishschc ciienschrif 1, 31, 240) que responda, em primeiro lugar, o
tenedor do animal. Isto é; precipuamente, há-se de atender ao art. 1.527, quer tenha havido ato do animal e do
homem, quer somente do homem. Mas, evidentemente, não devemos segui-lo. A maior extensão que se há de
traçar é a de se admitir a ação quando tenha havido ato animal (coice, dentada) e culpa do homem. <condutor,
terceiro), porque até aí pode e deve ir a aplicabilidade ao art. 1.527. Porém, levá-la aos atos de que acima falamos
e escapam aos conceitos de animal, ato animal, natureza animal, animalidade, instinto, ação própria de ser vivo,
seria apagarem-se todas as fronteiras e esquecermo-nos de que o art. 1.527 só se refere a dano causado por animal.
Causar, em direito, não pode deixar de ser o reconhecimento de dependência. Assim, se o dono do animal
responde pelo fato que resulta de outro fato do animal (determinação remota a que alude Ii. DERNEURO), ou se
o cavalo persegue o touro e o touro derruba a E, responsável é o dono do cavalo, e não o do touro. Seria absurdo
parar-se no animal e não se ir buscar no homem a causa do dano, se o animal está no lugar do touro e o terceiro no
lugar do cavalo. Também GosLICH (Wo liegt die Grenze der Haftung des Tierhalters?, Gruchois Beitrdge, 87,
20) entendia que há de responder a tenedor do animal, com fundamento no caráter de periculosidade, que se
reconhece ao animal: o fato de ser alguém que o toque e espicace, ou que o faça, com o chicote, correr às
disparadas, não exclui aquêle caráter, aquela periculosidade latente. Para êle, o animal não pode ser transformado
em simples instrumento. Nunca êle se torna “instrumento sem vontade” (em willenloses Werlrzeug). Os próprios
animais domesticados, ensinados, é à intima determinação animal que obedecem, e não ao ensinador. Inegável a
profundeza com que GOSLICH se aproximou da questão e tem-se de reconhecer que embora haja de ser mantido
o que no começo expusemos algo se lhe deve para um dos mais árduos problemas da psicologia e,
aplicadamente, do direito: o da “dressage” dos animais e do hipnotismo.
Pode haver simples negligência do condutor. ARTHUR BRÚCKMANN (Weiteres zur Auslegung des § 833
BGB., .Juristische Wochenschrift, 204) pensava que a responsabilidade vai até onde a ação do homem já é
condição sine guri nou e prejudicial para o ato do ainmal. WALTER HOFFERS (Orund und Orenze der Haftung
des Tierhalters, 53 s.), firmado nas considerações de perigo para o público e perigo industrial (Betriebsgefahr),
também levava a responsabilidade do tenedor até onde o ato animal se liga a culpa do condutor. O exemplo
clássico é o do cocheiro bêbedo, cujo cavalo dispara (Cf. GOSLICH, Wo liegt die Grenze der Haftung des
Tierhalters?, Oruchots Beitrdge, 47, 19). Mais analítico e indutivo, sugeria HANs HAUsMANN (Das Ji‟ier uni
die Tierestat als Orenze der Haftung flir Tiersckaden, 51) que se procurasse saber se há intervenção de ação
autônoma e voluntária do animal. No caso de a embriaguez tê-lo levado a espancar os anlmais do carro, de modo
a espicaçá-los e fazê-los frenéticos, não há a responsabilidade pelo ato do aninud, mas a que derivaria do art.
1.521, III. Ora, GoSLICH, cujas idéias já conhecemos e constituem real subsidio para a discussão, reconhecia
haver sempre duas responsabilidades: uma, pela negligência do cocheiro, pois, sem ela, não haveria o dano; e
outra, pelo ato do animal, porque a negligência do cocheiro apenas deixou livre a periculosidade do animal, e
essa, como tal, se manifestou. Sem essa qualidade de ser animal perigoso, também o dano não ocorreria. As linhas
lindeiras da responsabilidade do tenedor (art. 1.527) e da responsabilidade do patrão (art. 1.521, III) dificilmente
caberiam em enunciados lógicos gerais, em proposições de distinção absoluta, porque as duas responsabilidades
podem coexistir. Nesse sentido f oram úteis as considerações de GoSLIÇH, recusando a posição de exclusivismo
e de alternativa violenta (ou a responsabilidade como patrão do condutor, ou a responsabilidade como tenedor do

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animal), e de HANS HAUSMANN, quando levou a Questão para o campo de maior prudência no exame dos
fatos, inclusive no exemplo clássico do cocheiro bêbedo. Na jurisprudência, decisão do Superior Tribunal
Regional de Naumburgo, a 7 de julho de 1901, afastou qualquer distinção
dano causado pelo animal, com culpa, ou sem culpa do condutor e acentuou a responsabilidade do tenedor. A
literatura combateu-a; e o Tribunal Federal (Reichsgericht) reformou-a, a 2 de fevereiro de 1902. Mas o Tribunal
Local de Hamburgo, a 22 de janeiro de 1901, como o Superior Tribunal de Stuttgart, a 27 de janeiro de 1902,
declarou que não se pressupõe, no § 833, nenhuma “querida” atividade do animal {“gewollte” Tãtigkeit) ; sendo
que o segundo apenas af lorou a questão do animal-instrumento (Werkzeug). Em geral, porém, a justiça penetra
na apreciação da autonomia da atividade animal (cf. Superior Tribunal de Hamburgo, a 19 de setembro de 1901,
o de Oldenburgo, a 26 de fevereiro de 1902, o de lena, a 8 e 15 de janeiro de 1902, e os tribunais de Darmstadt, a
24 de março de 1902, e Magdeburgo, a 27 de março de 1902). A 6 de fevereiro dc 1902, o Ttibunal Imperial
decidiu que, se o animal atrelado ao carro ou tílburi, só àvontade do cocheiro obedeceu, tem de ser considerado
simples instrumento. Conferem os julgados de 26 de fevereiro e de 27 de novembro de 1902.
Em caso de hipnotizar ou magnetizar, êle é que é responsável.
O que mais importa é que se verifique se o animal foi reduzido a instrumento, de modo que, perigoso, ou muito
perigoso, ou não perigoso, o dano seria produzido pelo ato do homem, ou o que dificilmente ocorre pelo fato
ilícito (o vaso caiu da janela do vizinho na anca do cavalo e êsse disparou, ferindo ou mesmo matando pessoas).

§ 5.519. Danos e causadores de danos

1.BEM OU PESSOA LESADA. Há limitações no Código Civil alemão, §§ 833 e 834. No direito do Brasil e no
direito suíço, não se restringe o dano àquele que atinge à saúde e às coisas. Dano à coisa, diz-se. j,E o caso da
perda, sem dano? O.CH. BURCKI-IARDT reportou-se à espécie do fato do vizinho que derruba a gaiola do
pássaro e êsse foge: não houve perda da substância, nem dano à gaiola ou ao pássaro. Mas, além dêsse, que
fàcilmente se inclui no dano à coisa, há outros exemplos, que escapam à má limitação do § 883. Posso ter
interesse em observar, em meu quintal, certos fenômenos, para estudos experimentais, e a perturbação, que fazem
néles os pombos do vizinho, não me ofende a propriedade, nem a minha saúde; ofende, porém, o meu interesse
científico.
O dano mesmo causado pelo animal pode ser patrimonial (a coisa, senso estrito, ou direito, ou interesse
protegido pelo direito), ou não patrimonial, como é o caso do cofre do cavalo que tem como conseqUência a
ofensa à mulher, ou que leva a ter-se de operar a mulher virgem.
Em primeira plana, o art. 1.527 do Código Civil protege o público: todas as pessoas, nacionais, ou não, residentes
ou não residentes, passageiros que descem no pôrto, passantes, gentes de bordo de navios, a que se encostam
botes, ou que atracam aos cais, ou daquelas mesmas naves que estão nos portos e onde pode chegar a ação
danificadora dos pássaros. Pouco importa que exista relação jurídica entre o lesado e o dono do animal, salvo
exoneração expressa, se possível, ou se a natureza do contrato exclui a responsabilidade extranegocial. A regra
jurídica do art. 1.527 constitui regra sobre responsabilidade extranegocial; mas pode ter de ser aplicada a
despeito do contrato existente entre o que é dono ou tenedor do‟ animal e o lesado. Assim, a jurisprudência alemã
(Ileiehsger., 26 de fevereiro de 1908) e, com eia, PAUL OERTMANN (Zur Frage der Haftung fúr Tíerschãden,
Deutsolte Juristen-Zeitung, IX, 141 s.), H. SIBER (Zur Haftpfiicht fúr Tiere und Automobile, Deutsche
J‟u.risten-Zeitung, 10, 138) e vON LIPPMANN (Zur Ãnderung des § 833 des PJGB., Ehtilter fúr
Rechtsanwendung, 72, 1.020 s.). Contra, FLEISCHAUER (Zu § 833 BGB., Juristische Woehenschrift, 47, 267),
FRITz LITTEN (Zur Abãnderung des § 833 BGB., Deutsche Jv.ris te‟n-Zeitung, 10, 341), E. DANZ (Zum
vertragsmiissigen Ausschluss der Haftung, Deutache Juristen-Zcitung, 10, 383 s.), W. voN ELUME
(Vertragshaftung und Delíktshaftung, Tiergefahr und Vetragsgefahr, Das Recht, IX, 481 s.), e LLTDWIG
TRAGER (Der Kausalbegriff im Straf- und Zivilrecht, 319, nota 1). Para W. voN ELUME, quem está em relação
efetiva com um animal, em virtude de rel<ttao jvridica,9e ocorre dano que derive do perigo mesmo d‟e ter o
animal, pode reclamar ao tenedor do animal indenização do prejuízo, não com fundamento no
GefÉthrdungsprinztp contido no § 833, porém na ação derivada da relação jurídica. Não podemos negar que tal
seja a regra. Certo, é a principal, mas excetuável; tão duvidosamente principal, que podemos formulá-la
inversamente, como fizemos: Se existe relação jurídica entre o lesado e o dono do animal (e, pois, entre o lesado
e o animal relação fáctica, que o expõe a perigos derivados do animal), a relação negocial não exclui a
responsabilidade extranegocial; exceto: a) Se a natureza do contrato a pré-exclui, como, por exemplo, em se
tratando de domador de leões ou de onças (e não cabe por acidentes de trabalho, por se tratar de serviços

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contratados sem caráter de locação, o que lhe tira a feição jurídica de operário, e a natureza do contrato
profissional pré-exclui a responsabilidade extracontratual). Idem, quanto ao ferrador, que não seja empregado. b)
Se houve exoneração expressa, nos casos em que se admite.

2.ESPÉCIES DE DANO. O art. 1.527 do Código Civil não limitou o que pode ser objeto do dano. O dano pode
ser àpessoa ou ao corpo humano, como a algum bem. Se o cão impediu que A pudesse sair a tempo de ir ao
emprêgo ou tomar o trem, discute-se se cabe a) a incidência do art. 1.527 do Código Civil ou b) a do art. 1.518. No
sentido de LO, L. ENNECCERUS-H. LEHMANN (Lehrbueh des Rúrgerliclwn Rechts, II, 777). A solução a) é a
que mais corresponde às circunstáncias. O dano pode ser moral.
No caso de morte, rege o art. 1.537 do Código Civil. Se houve apenas ferimento ou outra ofensa à saúde, o art.
1.538 e os §§ 1.0 e 2.0 são invocáveis. Mais ainda: o art. 1.539 e o art. 1.540.
O dano pode ser só ao uso do bem, restrito ao patrimônio do possuidor ou do tenedor; ou ao uso e à propriedade,
dando ensejo à legitimação do proprietário e à do possuidor eu tenedor. Os possuidores podem ser impróprios,
mediatos ou imediatos. No caso, por exemplo, da derrubada de plantas, o dano ao proprietário pode ser diferente
do dano ao locatário, que só tinha direito aos frutos (HEINRICII KRUSsE, fie Haftung des Tierhalters fiir den
durch seine Tiere angerichteten Soltaden, 60), ou só ao uso.

Conforme antes já dissemos, o dano pode ser moral. Um dos casos mais escobrosos se passou em país de que
omitimos o nome, em que alguém, mulher viciada, acostumara animal a atos que, no passado, eram são
encontráveis, que as leis em diferentes países cogitaram de penas. O animal entrou no quarto em que estava só,
dormindo, menina de família pura; com ameaças de morder, depois de subir na cama, resultou estupro. ~ Como se
haveria de resolver o problema da responsabilidade peli dano moral e Cisco causado pelo animal? Não seria
possível afastar-se a re~ponsabíiiclade da tenedora (ou a dela e a dono do animal, que na.) cuidava dêle como
devia, Código Civil, at. 1.527, 1). Por outro lado, a indenização seria pelo dote, conforme o art. 1.588, §2?, ou
conforme o art. 1.549.

3.CAUSADOR DO DANO. Causador do dano tem de ser o animal. Mas ~que é, aí, animal? Quanta. às abelhas
e aos vermes, tem-se de admitir que são suscetíveis de propriedade, posse e tença, sem que, no direito brasileiro,
se haja de discutir se são animais domésticos ou selvagens. Os cachorros do mato podem ser apropriados,
possuidos ou guardados, de jeito que podem ser causadores do dano específico. Dá-se o mesmo com as abelhas,
os vermes e outros animais.
Animal, diz a lei. ~ Que se entende, no texto legal, por animal? Todos os animais suscetíveis de direito de
propriedade <G. BAUDRY-LACANTINERIE e L. BARDE, TraiU théorique ei pratique de Droil Civil, 15, ga
ed., 664; ERITZ LITTEN, Der Ersatzpflicht der Tierhalters, 16). Isto é: os animais domésticos, os
semi-selvagens, os ferozes capturados para domesticação, ou luxo, ou curiosidade, ou outro motive. Incluem-se:
os touros e outros animais criados em liberdade, para serem aproveitados nos grandes latifúndios brasileiros; os
cavalos soltos, nas granjas sem divisão por meio de cêrcas, ou quaisquer outros tapumes; as abelhas, nos sítios em
que se cultivem, pois, para os proprietários que não lhes colhem o mel, as abelhas não são úteis, e falta o proveito
que justifique a responsabilidade e o ato de ocupação de que surgisse a. propriedade (art. 592), e o art. 593, III,
não permití dúvida; as abelhas apropriadas, se colocado o cortiço em lugar assaz próximo dos vizinhos; as cobras
recolhidas e fugidas, porque a prisão delas importa ocupação (arL. 592), e a ocupação lhes cá lugar certo, o que
aumenta, para a vizinhança, os perigos, ou em transportá-las do mato para as aldeias, vilas ou cidades, o que
constitui criação da probabilidade de danos.
O proprietário da fazenda que tem por superstição não matar as cobras, e isso concorre para maior aparecimento
delas, pode ser responsabilizado pelo dano. A perseguição dos animais perigosos é dever social: a obrigação, que
disso nasce, gera, para os que forem omissos, a de responder pelos danos causados. Mas, então, não é o art. 1.527,
que se deve invocar, e sim os arts. 159 e 1.518. Trata-se de culpa. Se A foi mordido pela cobra que pertencia a E
e fugira, a regra jurídica que há de ser aplicada é a do art. 1.527. Mas, se a cobra não lhe pertencia isto é, estava
em seu terreno, porém não houve ocupação a regra geral, o principio da culpa, é que pode ser invocado, e dêle é
que depende a vitória do autor da ação. Tem de provar a culpa do dono, possuidor ou tenedor, do terreno,
conforme se vê no exemplo referido (superstição da morte das cobras).
No direito francês, pensa-se que o homem responde pelos animais, na forma do art. 1.385 do Código Civil

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francês; porém não quanto ao risco derivado do seu próprio corpo, como se transmite doença, se a sua presença
faz diminuir a freguesia de um hotel. Mas a questão não deve ser resolvida de maneira tão simples, como querem.
A riqueza dos primitivos povos arianos consistia no gado; porém a mais remota, nos animais domésticos. A
responsabilidade do proprietário depende da evolução que se opera nessa riqueza. Cumpre ainda observar-se que
os animais domésticos não são os mesmos para todos os povos (L. 2, § 2, D., ad legem Aquiliam 9, 2; PAULO, 1,
15, § 1). Quanto aos animais bravios, os fundamentos são outros. Não há dúvida que o animal, de que se trata,
pode ser bravio, doméstico, perigoso ou doméstico não perigoso. No direito islândico, o cão era tido como animal
bravio (KARL VON AMmÀ, Nordgermctnisches Obligationenrecht, TI, 427 e 866:
cp. M. VoIOT, Rômisolte Rechtsgeschichte, 1, 726).
Resta saber-se se a palavra animal deve corresponder ao que pensa a ciência, ou se o seu conteúdo é o da
linguagem vulgar. Ambas as soluções possui a doutrina (e. g. GAnI Cão ME e L. ENNECCERUS). Há quem
sustente, com FRITZ LITTEN~ que o Código Civil alemão e o Código Civil brasileiro nem por uma nem outra
optou. Falamos dos bacilos. A questão não começou no Direito, mas na Biologia. Afirmativamente, no Direito,
PAUL OERTMANN (Das Recht der Scltuldveihditni.ssc, 628) e L. KUHLENBECK (Das Biirgeriiche
Gesetzhach, 1 ,6iO); duvidosamente, F. ANDRÉ (G. PLANCK, Ruirgerlich.cs Gesetzbuch, II, 629) ;
negativamente, Ii. DERNBURO (Das flhirqerliche Recht, II, 883) e TH. ENGELMANN (J. v. Staudingers
Kommentar, II, „7.~ e ga ed., 1779). Mas, se há a lição da Biologia, a solução tem de obedecer à ciência,
recorrendo-se à analogia. Dentre os que excluem os bacilos, há os que o fazem somente por se tratar de ação não
volitiva, como E. ENDEMANN (Lehrbuch des biirgerlichen Rcchts, 1, § 202), HANS HAUSMANN (Findet §
883 BGB. auf Bazillen Anwendung?, Grueltots~ Beitrãge, 49, 286 s.) e EUGEN JOSEF (Die praktische
Anwendung der Tierhalter-Novelle, Gruchots Reitrâge, 53, 30) ; outros, por se tratar de vegetal e não de animal,
como FRITZ LITTEN, II. DERNEURO, W. CHR. FRANCKE (Tierhalterhaftung, 21), WALTHER HOLFELD
(Die Haftung des Tierhalters, 83, nota 1), e G. STIERLE (Die Haftung fúr Ticre, 290) ; outros, como FRITZ
ANDRÉ, que deixam para cada caso concreto a solução. No Código Civil alemão, § 833, estatui-se que, se um
animal causa a morte de um homem, ou lhe lesa o corpo ou a saúde, ou ofende alguma coisa, o que tem o animal
deve reparar o dano. Levantou-se a questão de se saber se na expressão “animal” (Tier) estavam incluídos os
bacilos. Houve quem respondesse negativamente, sendo assaz diferentes os fundamentos. Também
afirmativamente, PAUL OERTMANN. Cumpre que se distingam as espécies: a) Há a infecção pela transmissão,
hereditária ou adquirida, da moléstia, casos que não podem ser incluídos no § 833 do Código Civil alemão, nem
no art. 1.527 do Código Civil brasileiro. Trata-se de parasito, de micróbios, que vivem no homem e
independentemente do seu querer. Mas, seguindo-se critério objetivo, mais consentâneo com a consciência
moderna, deve ser obrigatório o tratamento, e não haveria, então, motivo algum para a distinção, que ora se faz.
Infelizmente, porém, ainda não se proveu, com todo o rigor cientifico, a tais necessidades c 1a cultura
comtemporanea. e deixam-se aos impulsos individuais o julgamento da oportunidade e da urgência dos
tratamentos. É a obra do individualismo estreito, inconsequente e produtora de males sem conta. Mas, ainda
assim, sempre é possível a ação fundada nos arts. 159 e 1.518. b) Há a infecção por animálculos ou bactérias em
cultura. Então, o indivíduo “guarda” bacilos e deve responder pelo dano que causarem, e são êles animais, no
sentido do art. 1.527 do Código Civil brasileiro e do § 833 do Código Civil alemão (EItICR JUNO, Fositives
Rech,t, 48). c) Há o individuo que causa, voluntáriamente, com micróbios, a infecção. É o crime, e não sômante o
delito civil. Não é no art. 1.527 que se há de fundar a ação, mas no art. 159, ou no art. 1.537, ou no art. 1.538, ou,
pôsto que menos fàcilmente aconteça, nos arts. 1.539 e 1.540. Micróbios são os sêres vivos que só se vêem ao
microscópio. Uns pertencem ao reino animal; outros, ao vegetal, como o bacilo da tuberculose, o do tifo. Quase
todos unicelulares. A célula vegetal é envolvida por uma membrana. Animais ou vegetais, a questão jurídica é a
mesma, tanto mais quanto certas bactérias vegetais inferiores movem-se. Vulgarmente, quando se fala de
micróbios, é a bactérias que se alude. Vegetais inferiores, unicelulares, desprovidos de clorofila, que vivem de
matéria orgânica e incapazes de tomar ao ácido carbônico do ar o carbono de que necessitam. Donde a vida
saprofítica, ou parasitária. Encontram-se em toda a natureza. São os maiores fatôres das decomposições e
recomposições da matéria. Classificam-se, provisôriamente, pela forma: micrococos ou coccidas; estreptococos,
estafilococos meristas ou sarcina; bacilos; e as bactérias curvas. Ora, se algumas bacqueterias se movem
piruetando, e do vibrião colérico se diz que percorre dezoito centímetros por hora, ~ por que discutir-se. para
aplicação do art. 1.527, se os micróbios., de que se trata, são animais ou vegetais inferiores? Se há caso em que a
analogia presta serviços, é êsse. Há a mesma razão ouanto às plantas carnívoras. Quem tem cultura de micróbios
deve ter o cuidado preciso que teria com qualquer animal que coubesse. expressamente, no art. 1.527. Na Suíça,
diz-se que o art. 56 do Código suíço das Obrigações abrange todos os animais que sejam objeto de propriedade,

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até os bacilos; não, porém, frisa-se, os animais evadidos, que voltaram ao estado de selvagens (H. OSER,
Kommentar zum Schweizerisúhen Gesetzbuch, V, 235 e 237). E as plantas carnívoras? Não são animais; apodem
ser subsumidas no art. 1.527? Tratou do assunto FRITZ LITTEN (fie E‟rsatzpflicht des Tierhalters, 1 s.),
obscuramente. Mas, evidentemente, a solução há de ser a do art. 1.527, e não a do art. 1.529, pois que não se trata
de coisa lançada, ou jogada, ou caída.
. Quem cultiva bacilos está ou não está incluído na regra jurídica do art. 1.527 do Código Civil? As opiniões
dividiam-se; e CONRAD WIESSNER (Die Haftung des Tierhalters azia § 833 RGR., 54) excluia do mundo
animal os vermes e os insetos. Ou se entende que animal, para a incidência da regra jurídica, é apenas o que se
guarda como animal, razão por que se afirma que os bacilos não se têm como animais (e. g., H. DERNBURG, Das
Riirgerliche Recht, II, § 396, II; FRITZ LITTEN, Die Ersatzpflicht das Tierh.alters iqn Rech,te des RGR., 17 s.;
OTTO voN GIERKE, Deutsches Privatrecht, III, 944, à nota 42;
L.ENNECOERUS-H. LEHMANN, Lekrbuch des Biirgerlichen Rechts, II, 778, nota 73) ; ou só se exige que seja
animal, e não vegetal, nem homem (e. g., LUDWIG KUI-ILENBECK, Das Búrgerliche Gesetzbuch, ~, 2Y ed.,
690; PAUL OERTMANN, Das Recht der SchuldverluYltnisse, § 833, 3, a; antes da 4,a ed.,
G.PLANCK, lihirgerliche Gesetzbuch, II, 628 s.). Tudo se simplifica se se acolhe a opinião que expusemos em
1930, que é a de se aplicar o art. 1.527 assim aos animais como aos vegetais carnívoros, ou quaisquer vegetais
inferiores que possam causar dano e seja de exigir-se o cuidado preciso do dono, possuidor ou tenedor.
Temos de repelir a afirmação de que a responsabilidade pelos danos causados por animal se baseie em culpa do
animal, pela qual tem dever de ressarcir danos o dono, o possuidor ou tenedor (e. g., HERMANN TSAY, Die
Verantwortlichkeit des Eigenthiãmers ftir seine Tiere, Jherings Jahrbiicher, 39, 314), mesmo se se alude a
princípio do interesse ativo (Prinzip des aktiven Interesses), como faz ERNST HACELEERC (Der Begriff des
Tierhalters in den § 833, 834 73GB., 80). Tão-pouco se pode entender que se supóe o inte-. rêsse em ter o animal,
pois o dono pode não ter mais qualquer interesse, e não ter doado ou não poder, sequer, derrelinquir, por ser
perigoso para os outros jogar na rua, ou mesmo fora da povoação ou cidade, o animal.
Quanto ao principio da responsabilidade pelo risco, apenas se tem de atender a que há objeções oponíveis pelo
demandado, o que afasta a absolutidade.
A propósito dos danos causados por animais, tem-se de refusar falar-se de culpa do animal. Porém não se há de ir
ao extremo de se dizer que a regra jurídica sôbre responsabilidade do dono, possuIdor ou tenedor do animal está
em lugar impróprio, porque a pessoa não comete ato ilícito e tal colocação apenas provém de linha histórica (e. g.,
RUDOLF TiSC}IENDORF, Die Haftung fiir Tierschiiden nach dem neuen Búrgerlicheu Recht, 12). O cuidar é
dever do dono, do possuidor e do tenedor, conforme a posição assumida, pois há afastabilidade prévia, negocial,
da responsabilidade. A causação somente concerne ao animal, pôsto que o dever de evitar danos a outrem como
que se insira na linha causal. Donde a chamada teoria da “condicio sine qua non.” (cf. E. voN LISZT, fie
Deliktsobligationen, 68 5.; MAX RÚMELIN, Die Verwendung der Causalbegrilfe, 19 s., 90 e 96 s.), mesmo sob
o nome de teoria das circunstâncias geralmente favoráveis (LunwIo TRÁGER, Der Kausalbegriff im Straf- und
Zivilrecht, 154 s.). Mas a causalidade tem de ser adequada, porque se, por exemplo, há tremor de terra, ou
incêndio, que abre as portas do estábulo, não há a responsabilidade do guardador (cf. Código Civil, artigo 1.527,
IV; FRinrz LITTEN. fie Ersatzpflicht des Tierhalters, 83). Atiter, se o próprio dono, possuidor, ou tenedor, pôs o
fôgo na cêrca ou na casa ou perto da cêrca ou da casa.
Se o cocheiro deixa que o cavalo se livre da brida, ou se, esporeando-o de mais, o faz saltar, e com isso dá ensejo
ao dano a outrem, a responsabilidade não é por ato do animal_ porque aí êsse foi instrumento. Discutiu-se isso no
comêço do século e venceu a opinião de ARTHUR BRÚCKMANN, que deu o exemplo, e de WILI-TELM
ALTSCHUL (Weiteres zur Auslegung von § 833 EGE., Juristische Wochenschrif 1, 32, 202), GosLIcl (Wo liegt
die Grenze der Haftung des Tierhalters?, Gruchota Beitráge, 47, 10) e outros, contra a de KONRAD COSAÇE.
Se alguma avalanche, ou descarrilhamento, ou derrapagem foi o que pôs em atividade nociva o animal, de modo
que ele pisou, mordeu ou derrubou alguém, ou matou, a responsabilidade do proprietário, do possuIdor ou
tenedor não existe (cf. CARL HAsS, Uber die Verwerthbarkeit des Gegensatzes von ndãquaten und inadãquaten
Kausalzusammenhang in der Lehre
Interesse, Jherings Jahrbiicher, 37, 403 s.; A. KÓSTLIN, Die Haftung fúr Tierschaden. nach dom BGB., 26 s.).
Mas tem êle de fazer a objeção, conforme o art. 1.527 do Código Civil.
Cumpre, ainda, advertir-se que nem todos os possuidores são responsáveis, pois a guarda pode estar com outrem,
sem culpa ou contrôle do possuidor. O locatário da casa, em que se aloja o animal, é que responde pelos danos,
nw.s pode ser responsável o dono ou o possuidor próprio se o locatário não assumiu a guarda, ou se o próprio
empregado do dono não a quis.

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A responsabilidade do dono, possuidor ou tenedor não pré- exclui a do empregado, como a do cocheiro.
Quem entrega em comodato, ou em locação, o animal, sem que oculte o perigo, não responde pelo dano.
Responde o comodatário, ou o locatário. Idem, quanto quem o empenha (Jo~EF ZECH, Der Tierschaden, 83; cf.
KURT VoIGT, fie Fdlle der Causalhaftung des BGB., 3 s.). Em caso de não se livrar da ação de indenização, com
fundamento no art. 1.527 do Código Civil, toca-lhe a ação regressiva. Quase sempre, é difícil a defesa do
proprietário, ou possuidor, que entregou a outrem o animal, salvo se o próprio locatário, ou comodatário, não
revelou a procedencia.
Quem está lavando o cavalo de outrem, ou lhe vai dar comida, ou água, ou quem corta o pêlo do cachorro, não
guarda o animal: não é proprietário, nem possuidor, nem, sequer, tenedor. O art. 1.527 do Código Civil não é
invocável. Se a culpa, no ato do animal, lhe toca, o que se pode alegar e provar é a ilicitude conforme o art. 1.518
(cf. Orro EBLE, Die §§ 883 & 884 des 73073. uná ihr gegenseitiges VerItdltnis, 25 s.).
Discute-se se quem aluga o animal por hora, ou por algumas horas, ou por dia, se faz possuidor, para o efeito de
ser responsável pelos danos. Alguns afirmam que aí não há poder duradouro sôbre o animal, de jeito que o
locatário não assume a posição do dono, ou possuidor, ou tenedor do animal (e. g., L. ENNECCERUS-H.
LEI-IMANN, Lehrbuch des Búrgerli .chen Reehts, II, 779, nota 15; KARL LARENZ, Lehrbuch des
Schuktrechts, II, 386; divergindo, EmNII. GEICEL, Der Haftpflichtprozess mit Einschluss des materiellen
Haftplichtrechts, qa cd., 173). O assunto merece atento exame, porém êsse exame não pode afastar a
responsabilidade do locatário, ou do próprio comodatário, que tem a posse imediata do animal, porque, por mais
breve que seja o tempo do uso, posse há. A tese de IHERMANN ISAY (Die Verantwortlichkeit des Eigenthúmers
fúr seine Thiere, Jheríngs Jahrbúcher, 39, 316), de que só responde o possuidor próprio, é para se repelir, quer no
direito alemão, quer no direito brasileiro, que tem a melhor teoria da posse. Quem aluga um cavalo sem que
continue sob a guarda do locador assume a posição que se figura na regra jurídica de responsabilidade com a
presunção iuris tantum (no direito brasileiro). Se a locação foi pelo pai, mãe ou outra pessoa que vigia a criança,
mas o locador acompanha o cavalo montado pelo menor, de modo que não transferiu toda a guarda, a
responsabilidade especial continua com o locador (dono, possuidor, ou tenedor), e contra o locatário só se pode
invocar o princípio geral da responsabilidade por culpa. Dá-se o mesmo se o locatário é maior, e não sabe montar,
ou não assumiu a guarda do animal. Mais ainda: o raciocínio estende-se aos casos de comodato, porque, se A
emprestou a B o cavalo sem transferir o cuidado durante o uso por E, continua com posse imediata. Se emprestou
e deixou a E a posse como se E dono fôsse, ou locatário, há a responabilidade de E.
Quem, mediante contrato com o possuIdor, assume a vigilância do animal, sem que se faça possuidor, é
responsável, por presumir-se zuris tantum a sua culpa, uma vez que haja a relação causal entre a infração do dever
de vigilância e o dano produzido.
A despeito da colocação do art. 1.524 do Código Civil, não só se refere êle às espécies dos arts. 1.521, 1.522 e
1.523: o dono do animal, ou o possuidor mediato próprio ou impróprio tem a ação de regresso contra o tenedor
ou guarda-dor (cf. BEENHARD RAHN, fie Schadenzufitgungen dw”ch „fiere nach dom 73GB., 52 s.).
A imprudência do ofendido é culpa. O Código Civil, artigo 1.527, III, claramente torna afastável, em objeção do
demandado, a responsabilidade. Não há reparação; nem, em princípio, compensação de danos, pois só
excepcionalmente pode ocorrer que haja duas linhas de causalidade. O caso referido por KONR.AD
SCHNEIDER (Zu ~ 833 BGB., Das Recht, VII, 203> é expressivo: A tem uma cachorrinha e B, vizinho, tem um
cachorro, que vai por vêzes à casa de A e causa danos. Pode A pedir indenização? Há compensabilidade de
danos? Afirmativamente, além de KONRAD SCHNEIDER, e. g., WALTER I-IOFFERS (Grund und Grenze der
Haftung des Tierhatt era, 68 s.), e HEINRICH SCHUMANN (Haftung fiir Tiere, 73GB., *§ 833, 38-4, 54 s.).
Se o ladrão leva o cão, ou outro animal, e, fora da posse pelo proprietário, há o dano, respondem pela reparação o
ladrão, que se fêz tenedor, e o proprietário, que só tem quanto a animais a defesa do art. 1.527, 1, II, III, ou IV.
Para se livrar da presunção de culpa, o dono, ou possuidor, ou tenedor, teria de tornar notórios o roubo e a
periculosidade do animal. Se a culpa do ladrão o faz responsável conforme os princípios gerais, o dono, possuidor
ou tenedor pode fazer a objeção, que a lei lhe permite, que é a de ter tido, sempre, antes do roubo, ou furto, o
cuidado preciso.
A respeito das coisas que caírem, ou forem lançadas em lugar indevido, não há responsabilidade do proprietário,
porque responsável é quem habita a casa, ou parte dela, conforme o art. 1.529. De modo que, se a coisa caiu, ou
foi lançada, devido ao animal (e. g., ao pular para a janela fêz cair a garrafa), não há responsabilidade por ato do
animal, mas pelo dano causado pela coisa inanimada.

4.PLURALIDADE DE ANIMAIS. Os danos podem ser por animais, em grupo permanente, ou social, ou entre

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êles. Os problemas, que surgem, são diferentes.
No caso de luta de cães, ou de galos, ou de outros animais, há: a) a opinião que faz responsável o atacante, e nunca
o atacado, mesmo se mata aquêle; b) a que entende que houve luta a dois (mas luta a dois supõe manifestação de
vontade dos dois lados, e não ataque e defesa) ; e) a que atende a que há de haver compensação de danos. Tudo
isso depende das circunstâncias. Pode haver culpa mais grave.
No caso de pluralidade de responsáveis, salvo discriminação causal, há solidariedade (Código Civil, art. 1.518,
parágrafo único)
Se o cão está furioso, não se pode dizer que tenha ofendido por vontade. O dono, possuIdor ou tenedor é
responsável, mas pode objetar que o guardou com todo o cuidado e com toda vigilância que era necessária. Prova,
essa, assaz difícil, pela circunstância de ser revelável a doença.
O dano pode ter sido imediata ou mediatamente causado pelo animal, como se A caiu no fôsso e se feriu, porque
o cão o perseguia, ou se B, ao desfrear-se o cavalo, pulou do carro e quebrou a perna (cf. WILI-IELM
ALTSCHUL, Weiteres zur Auslegung von § 833, Juristiscke Wochenschrift, 31, 202 s.).
As boas qualidades do animal não pré-excluem a responsabilidade do dono, possuidor ou tenedor.
No direito brasileiro não se distingue da responsabilidade em caso de animal selvagem, a responsabilidade em
caso de animal doméstico, ou do animal para exercicio de profissão, o que o direito alemão veio a estabelecer, em
1908 (antes, de iure condito, PAUL OERTMANN, Zur Frage der Haftung fúr Tierschaden, Deutsche
Juristen-Zeitung, IX, 137; GOSLICH, Wo liegt die Grenze der Haftung des Tierhalters?, Gruchots Beitrâge, 47,
6). Estabeleceu-se o princípio geral em que o elemento do risco muito perde, para se assentar a presunção juris
tantum. Aqui, em verdade, se busca a ratio legis (sôbre isso, WALTER HOFFERS, Grund uni Grenze der lia
ftung des Tierh,alters, 20; HEINRICH SCHUMANN, lia ftung 11h Tiere, 8 5.; FERDINAND LorniMANN, Die
Gefahr des HaUens von Tieren, 12). A causalidade é elemento essencial, parta do ato do animal, ou parta de outro
ato (humano ou de animal), ou mesmo de fato stricto sensu, uma vez que sem o ato do animal não ocorreria o
dano, esteja sôlto, ou prêso, ou em trabalho; salvo, portanto, se a linha causal foi quebrada.
Na espécie de cães das fôrças armadas, há a responsabilidade do soldado e a do Estado, ou só a do soldado, ou só
a do Estado. Tem-se de examinar cada caso (1-TANS HAUSMANN, Das Tier und die Tierstat ais Grenze der
Haftung Tier schaen, 86). Se estava em serviço o soldado, como qualquer outro funcionário público, a
responsabilidade é do Estado, que tem a ação regressiva contra o soldado, ou funcionário público civil.
Se terceiro foi que lançou o animal contra a pessoa lesada, seja essa, ou não, dono, possuidor ou tenedor, responde
pula culpa, e não há, ai, pensar-se em risco. O animal tem vontade, porém a interposição do homem pode
reduzi-lo a instrumento. O dono, possuidor ou tenedor do cão não está na linha causal, salvo se a sua culpa
permaneceu, como se queixou sôlto o cão que não poderia ficar à mercê de estranhos (cf. 41oHN LEvY, Die
Haftung des Tierhalters nach * 833 73GB., 22), ou em hora imprópria.
Se alguém passa perto de um cão e, ao bater-lhe na cabeça, o animal o morde, não há a responsabilidade pelo ato
do animal (cf. HEINRICE SCHUMANN, Haftung 114 Tiere, BGB. §§ 883, 834, 84).
No direito brasileiro, não há a distinção entre o ato do animal doméstico, ou de luxo, de jeito que a
responsabilidade e a mesma. Todavia, se a pessoa lesada foi empregada da emprêsa onde se utiliza como
instrumento o animal, pode tratar-se de acidente no trabalho.
Se estão em caça duas ou mais pessoas, e um cão morde um dos caçadores, ou lesa algum objeto ou o outro cão,
há quem pense que a regra jurídica especial é invocável, e quem o negue. A solução há de ser após exame da
culpa; portanto, segundo os princípios gerais. Se um dos amigos é que usa o cão, podem ser responsáveis o
possuidor e o terceiro, que e o amigo (F. LESKE, Vergíeichende Darstellnng des BGB., TI, .343).
Se o dono, possuidor ou tenedor, ou mesmo terceiro, lançou o animal contra alguém, ou algum bem, a
responsabilidade não é pelo dano causado pelo animal, que foi apenas instrumento; mas a responsabilidade pelo
dano que a pessoa causou. Pode ocorrer que haja duas responsabilidades, se discrimináveis as causações, ou dois
ou mais responsáveis (e. q., a do terceiro excitador e a do possuidor do cão pôsto em lugar impróprio). Cf. KARL
Gaoss (Grundlagen der Haftung des Tiershalters de lege lata et de lege ferenda, 68 s.).

Se um animal dá ensejo a que o proprietário, ou possuidor ou mesmo tenedor de outro animal o perca, ou a que se
lhe exijam despesas para a recuperação, há dano, no sentido de dano causado por animal. E. g.: o gato tenta
apanhar o pássaro, ou outro animal, que está na gaiola, a porta abre-se, e o animal que estava engaiolado foge.
Não houve ofensa ao pássaro ou outro animal, mas dano houve a quem tinha o pássaro ou outro animal
(HERMANN ISAY, Die Verantwortlichkeit des Eigentúmers fiAr seine Thiere, Jherings Jahrbiicher, 39, 807;
WÂLTHER HoLFr.u, Die Haftung des Tierkalters nach biirgerlichen-t Recht, 49; HEINRICLI KRUSSE, Die

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Haflung des Tierhalters flir durch seine Tiere angerichteten Schaden, 86).

5. ANIMAIS DOENTES. Desde o momento em que adoece um animal, criam-se, para o dono, vários deveres,
que, de regra, constam das leis de saúde pública e das posturas municipais. Cria-se, portanto, contra êle, forte
presunção de culpa, que se não representa muito, pelo fato de haver a presunção legal do art. 1.527 ainda assim,
sendo, como é, facti, dificulta extraordinàriamente a prova das exculpação Da exculpação do Código Civil, art.
1.527, inciso 1, porque, se presunção existe, não houve o cuidado preciso; da exculpação que se insere no inciso
II, porque podem coexistir a culpa do tenedor (firmada na presunção, a que aludimos) e a do dono do outro cão,
ainda que êsse seja do próprio lesado (culpas concorrentes) ; da exculpação do inciso III, porque se dá a
concorrência de culpas, se, na espécie, a do tenedor não fôr praticamente a maior, a determinante, e tenha de ser
excluída a mais leve do lesado; da causa exculpatória no inciso IV, porque, ex hypothesi, há culpa: o caso fortuito
e a fôrça maior, que se invocarem, perdem o caráter, que, de si sós, têm, pela prevalência de culpa anterior, sem a
qual o dano não se daria. Exemplo: E deixou sôlto o cão, no jardim, sem o açaimo, e o vento derrubou a cêrca;
fugiu o cão e mordeu a A: deve E indenizar, porque, se não tivesse havido a sua culpa de soltar o cão, que devera
achar-se com a focirheira ou açaimo, ou prêso na casinha de madeira, nenhuma consequência teria tido a acidental
derrubada do tapume, que. aliás, deveria ser melhor.

Pensava HANS HAUSMANN (IDas Tier und die Tierestat ais Grenze der Uaftung fúr Tierschaden, 75) que,
como vimos, distinguia o ato autônomo do animal, que o tenedor dos animais loucos (e. g., hidrófobos) não
responde com fundamento no § 833 (art. 1.527 do Código Civil). Porque o animal o cão, digamos não morde,
não ofende, em tais casos, por si, porque o queira, e sim devido à doença, à loucura.
Contrariamente pensaram FLEISCHAUER (Die Haftungsgrenze aus § 838 3GB., Gruchots Beítràge, 47, 803 s.),
L. KUHLENBECK (Vom juristischen Causalzusammenhang mit besonderer Bezugnahme auf § 883 flOR.,
.Turistische Wochenschrift, 31, V8) e HEINRICLI SCHUMANN (Haftung fúr Tiere, BGB. §§ 833, 834, 48), que
se firmavam na periculosidade do animal, doente ou não. A questão torna-se delicada se trazemos à balha o
exemplo. O morador A possui um cão, animal manso, afetuoso, que nunca mordeu ninguém, nem danos causou
de nenhuma espécie. Cão hidrófobo mordeu-o; mas disso nenhum conhecimento teve o dono. Enlouquece, e
causa danos. Responde o dono dêle? Com seguro raciocínio em caso, aliás, próprio às suas idéias argumentou
HANS HAIJSMANN (Das Tier und die Tierestat ais Grenze der Haftung flir Tierschaden. [§ 833 BGB.J, in der
modernen Theorie vnd Praxis, 75) certo, no § 833 do Código Civil alemão, não se cogita de culpa, mas seria
injusto que se baseasse nêle a ação para se responsabilizar, no caso de exemplo, o dono do animal. Ora, no Brasil,
se bem que com feição especial (Lei suíça de 1881, art. 65, e de 1911, art. 56), pode haver responsabilidade sem
culpa como resultado da aplicação do art. 1.527; mas a argumentação de HANS HAUSMANN ainda mais
poderosa seria no direito brasileiro do que no alemão, só fundado no Geftthrdnngsprinzip. Se o dono conhecia a
doença, argumenta-se, então há responsabilidade, porém firmada nos princípios gerais, e com presunção facti de
culpa, e não só no § 833 (art. 1.527). Assim queria HANS HAUSMANN. Mas o que vemos é que os mesmos
argumentos serviriam ao cavalo com cólicas, ao touro ferido em luta e exasperado. Como decidir? ~Se o animal
cavalo, por exemplo apenas tropeça? Também o tropêço não é ato do animal; é acidental, derivado, talvez, de
situações imperceptíveis do caminho. GoSLIÇH (Wo liegt die Grenze der
Ilaftung des Tierhalters, Gruchots Beitráge, 47, 15, nota 41) e HÀNS HAUSMANN (Das Tier und die Tierestat,
75) trouxeram à discussão o caso. Aquêle afirmou a responsabilidade do tenedor; êsse, negou-a. Como aquêle, o
Tribunal Regional de Hamburgo, a 22 de janeiro de 1901, que fundou a responsabilidade na consideração de que
o ttiarhalter é obrigado a indenizar quaisquer atos do animal, ainda os acidentais.
HEINRICII SCHUMANN (Haftung fúr Tiere, BGB., §§ 833, 834, 33) interveio com um exemplo. O gato
escorregou do alto e caiu num teto de vidro. Nem por isso, diz êle, deixa de haver responsabilidade do dono dêle,
porque não houve coação extenor que obrigasse o gato a cair: não estava em situação de instrumento, nem houve
fôrça maior. Opõe-se a tal solução ITANS HAUSMANN (Das Tier uM Tierestat, 76) : não houve, ai, vontade do
animal, de modo que se não poderia falar de ato volitivo do animal. Foi quase o raciocínio geral de HER.-.
MANN 15AY, que, em tal caso, não veria culpa do animal (por igual, se louco o cão) e, portanto, não aceitaria a
ação fundada no § 833 (art. 1.527 do Código Civil). As diferentes opiniões, es argumentos, que, todos, se chocam,
se bem que ligadas, rigorosamente, aos postulados iniciais ato voluntário do animal, segundo 1-TANS
HAUSMANN, sucedâneo do ato culposo do animal, segundo HERMANN ISAY, e simples ato do animal
sugerem-nos algumas considerações preliminares.
Por vêzes empregamos a expressão ato autônomo do animal. Distingue-se êle, evidentemente, do ato obrigado,

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forçado, resultante de pressão exterior. Mas seria engano crer-se que identificamos o ato autônomo do animal e o
ato autônomo do homem. Por outro lado, se achamos que pode haver responsabilidade sem culpa no caso do art.
1.527, quando, por exemplo, não haja culpa, porém faleçam elementos para as provas exculpatórias do mesmo
artigo, não se há de tirar que se possa invocar o art. 1.527 nos casos de evidente indeterminação voluntária. Mas:
a) No caso do cão louco, a questão não se resolve na preliminar: há, ou não , ato da animal. Resolveu-se depois, na
prova de exculpação. Os cães são assaz atacados pelo mal; e cumpre aos donos ter, a respeito, prévio cuidada
preciso. Quem adquire um cão assume, de certo modo, tal risco, quer para os seus, consideração que entra logo
em exame e sói convencer certas pessoas de que não devem ter cães, quer, em conseqUência, para. os outros,
risco que deve importar a admissibilidade da invocação do art. 1.527. A diferença entre ato do animal louco e ato
do animal não-louco teria como conseqUência termos de indagar, em todos os casos, se houve, ou não,
ordinoriedade do ato animal.
Dois exemplos: B tem prêso o seu cão. São grades de ferro que o separam das pessoas. Um visitante, A, leva o
seu, e êsse é portador do mal. Se o cão de fi aparece doente e causa danos ao criado de E, ~ deve E responder?
Pode E, com a prova da exculpação (cf. art. 1.527, 1, II, III, ou IV), afastar a sua responsabilidade. Sobretudo,
pode invocar o inciso II e responsável será o visitante, que trouxe o seu cão à casa de E, e não E. A ação é contra
A, que causou o dano a E (ação contra êle, em que E é autor) e ao empregado de B (ação contra êle, em que autor
é o empregado), porque o dano do criado foi produzido pelo cão de E, devido, não a E, nem ao cão de E, mas ao
cão do visitante, portador da doença. E assaz razoável que se dê tal conteúdo ao “provocado” do artigo 1.527, II.
Tudo isso muda se E veio a saber que o seu cão foi mordido e não tomou providência. b) No caso do escorregar do
gato, exemplo, já citado, de HEINRICE SCHTJMANN, e dos danos ao telhado de vidro ou vitral de janela, bem
justo é que caiba a ação: a nervosidade, a afoiteza dos gatos, a sua ousadia nas escaladas, o seu afã irrequieto dos
saltos, as suas turbulentas aventuras amorosas, tudo isso, e mais do que isso, constituem defeitos, riscos, que,
associados ás qualidades de afeição, de meiguice, de elegante tranqUilidade repousada, de agradável maciez,
constituem o conjunto animal, a sua psicologia rudimentar, o seu todo. Dêle resultam a periculosidade e a
confiança, que não devemos cindir para levar o bizantinismo dos exames particulares a indagar se houve, ou não,
culpa ou vontade do gato no escorregar de um parapeito ou de um telhado ou de um ramo de árvore.
6.ANIMAL, O LESANTE; ANIMAL, O LESADO. Quando a vítima do animal foi outro animal, há
responsabilidade. Mas isso não venceu sem algumas objeções. Se os dois animais fortuitamente se encontravam e
estavam, soltos, sujeitos a dano mútuo, apode ser desprezado o argumento de haver convenção
tácita de derrogação ao art. 1.527? aSe só a vítima estava sôlta e fortuitamente passou perto do lesante? A
jurisprudência francesa só abriu exceção para os cavalos, durante as corridas, o que é bem justo (Rouen, 8 de
agôsto de 1903; contra:
Louviers, 20 de março de 1903). Nos pastos comuns, se idênticos os riscos, isto é, se não há animais viciosos ou
bravios, também é justo negar-se o dever de ressarcimento (C. DE MOLOMBE, Cours de Code Napoléon, 81, n.
653; L. LÂROMBIÊRE, Thé.orie et pratique des Obligations, V, 789; Gioitoío GIORCI, Teoria delie
Obligazioni, V, 618; A. SOURDAT, TraiU générail de la Responsabilité, II, 1448; RENÉ DEMOGIJE, Traité des
Obligations en général, V, 245). Há opiniões discordantes, como a de AUBRY e RAU (Cours de Droit Civil
frances, vr, 5A‟ ed., 422). Melhor é, porém, em cada caso, raciocinar-se com as regras, como se se não tratasse de
dois animais, lesante e lesado, mas de um só, o lesante: a culpa prevista nos casos II e III do art. 1.527 é que
importa.

7.DANOS A AMBOS OU TODOS OS ANIMAIS. No caso típico de danos em ambos ou todos os animais, que
brigaram, sem se saber qual o que provocou, há três atitudes possíveis:
a) cada parte propõe a sua ação; b) dividem-se os danos; o) não se cogita de ação. A primeira solução tem por si O.
PLANCK (Biirgerliches Gesetzbueh, II, 629), K&RL LINCKELMANN (Die Schadenersatzpflicht aus
unerlaubten Handlungen nach dem BGB., 86), F. LESKE (Vergíeichende Darstellung des Búrgerlichen
Gesetzbuches, 343), 1W. G. V. SCHERER (Recht der Schuldverhdltnisse, II, 1.817), E. GOLDMANN‟-L.
LILTENTRAL (Das liuirgerliche Gesetzbuch systematisch dargestelit, J, 1a parte, 217), HANS HAUSMANN
(Das Tier und die Tierestat ais Grenze der Haftung fiir Tierschaden, 74). A segunda,. com alusão ao direito
germânico, é amparada por HERMANN ISAY. A terceira falsa, porque supõe compensação entre danos que não
são necessariamente equivalentes é a de alguns tribunais (e. g., Chemnitz, 21 de novembro de 1902). A
verdadeira opinião é a primeira. A noção de compensação não pode vir antes; só durante a ação, sabidos os danos,
pode intervir:
antes, como eliminatória da ação, igualizaria, abstrata e arbitráriamente , os danos que podem ser desiguais e não

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concernirem apenas ao animal: podem ir, por exemplo, até outros animais, ou até a pessoas.
A questão de causalidade, em assunto de danos devidos a animais, intervém, forçosamente, na discussão. Mais se
pensa em que os conceitos e os raciocínios legais bastam, mais nos surpreende o ressurgimento dela. Porque é
preciso que o dano tenha sido causado pelo animal. Certo é que os dois conceitos, o filósofico (lógico) e o da
chamada causação adequada, mais uma vez se chocam, e disputam o fastígio. De um lado, a atitude de A. voN
ERIES (Uber die Begriffe der Wahrscheinlichkeit und Mõglichlçeit und ihr‟e Bedeutung im Strafrecht,
Zeitsehrift fúr die gesamte Strafrechtsu‟issenschaft, IX, 528 s.; tiber den Eegriff der objektiven Móglichkeit,
VierteLjah,rsschrift fiir wissenschaftliche Phiiosophle, 12, 201 s.)
O ato é causa, quando, sem êle, o efeito não se produziria; para sabê-lo, tem-se, por vêzes, de recorrer à
probabilidade. Introduz-se, por êsse modo, a regra da vida, como queria L. VON BAR, Regel des Lebens. Do
outro, a concepção puramente lógica: causa é, se, sem ela, o efeito não seria. O cocheiro dorme; o cavalo toma o
caminho que entende. Cai de um despenhadeiro, e morre o viajante. Sem o sono do cocheiro não se daria a morte
da pessoa.
Ora, ordinariamente , isto é, segundo a regra da vida, o sono dos cocheiros não produz a morte: entre a morte e o
sono (negligência do cocheiro) existe apenas causalidade acidental. Na literatura, têm-se as duas opiniões.
ISRAEL (Schãdigung durch Tiere, .Juristiscke Wochenschrift, 31, 238 s.), por exemplo, sustentou a concepção
lógico-filosófica. Foi o influxo tantiano (1. KANT, Kritik der reinen Vernunft, 185). É de crer-se que tal seja o
critério verdadeiro, em se tratando do § 888 do Código Civil alemão (cf. HANS HAUSMÂNN, Das Tier und die
Tierestat ais Grenze der Haftung flir Tierschaden E§ 883 EGB.] in der moderneu Tizeorie und Praxis, 29) e do art.
1.527 do Código Civil, se cogitamos da ratio legis. Mas casos há que só a análise das relações algo nos pode dizer
de definitivo. Certo, não se há de querer falar de uma culpa do animal (aliás, o direito romano, com a adia de
pauperie, aludia a vitium, a quase-culpa), como HERMANN TSAY (Die Vernntwortlichkeit des Eigentdmers ftir
seine Thiere, Jherin.gs Jahrbitcher, 39, 209 s.) e FRANZ EERNHÓFT (Das EGE. als Grundíage des kúnftigen
Rechts, Beitráge zu,r Auslegung des BGB., 8 s.) ; porém seria demasiada a solução com o critério
lógico-filosófico em absoluto, se o tivéssemos, a priori e sem qualquer consideração de probabilismo. Também
aqui há de atuar o determinismo estatístico. E costuma briiicar com os cães de A, que os tem em grande
quantidade. Certo dia, o criado de A solta quatro e A, que só os soltava de quando em quando, soltou, de uma vez,
mais quatro além dos que o criado soltara. E, sem o saber, começara a brincar com quatro, inofensivos em tal
conjunto. Surgem os demais, e trava-se briga entre êles, de que sai ferido E. Aí, evidentemente, sem o ato de A,
não haveria o dano. Outro exemplo: E costuma nadar até uma das grandes bicas de um açude: E, C, D e E abrem
mals de três bicas, que aumentam a água além das fôrças de E. Resistiria a três; não resistiu a quatro. Quem é o
responsável? Se se diz que, sem o ato de E, não se daria o dano, igual raciocínio se haveria de fazer para os atos de
E, de C ou de D. Falha, aqui, o critério filosófico, que se há de atenuar para se atender à realidade. À doutrina dá
apoio HERMANN ISAX (Die Verantwortlichkeit des Eigentúmers, Jhering Jahrbiicher, 39, 808), L.
KUHLENBECK (Von den Pan dekten zum BGR., II, 121 s.), CARL CROME (System des deutschen
Biirgerlichen Reehts, II, 162 s.) ; H. DERNmJRG (Das Elirgerliche Recht, ~ 4A ed., 815 s.), WALTER
HOPPERS (Grund und Grenze der Haftung des Tierh,alters, 46), GOSLIOH (Wo liegt die Grenze der Haftung
des Tierhalters?, Gruchots BeitrÉlge, 47, 312) e outros. O segundo não falou da causação adequada, mas sim de
ligação jurídica. (L. KUHLENnECK, Vom juristischen Causalzusammenhang mit besonderer Bezugziahme auf
§ 833 EGB., ,furistisclte Wachensckrift, 31, 237 s.) censurou que se queira, no domínio jurídico, a concepção
filosófica de causalidade; apontou os dois conceitos de causa e condição, pois que êsse é importante para os
juristas; a causalidade “jurídica” é a que tem conseqUências jurídicas, de modo que o critério do processo social
adaptativo Direito daria à causalidade a sua natureza específica. Na jurisprudência alemã, o Tribunal Regional
de Naumburger. a 7 de junho de 1901, aplicou o critério filosófico, que o Tribunal Federal afastou, a 6 de
fevereiro de1902, e falou, já então, de adtiquate Verar sachung, em vez de juristische Kausalzusammenhang.
Achava HERMANN ISAY que o Tribunal Federal empregou conceito seu, nôvo, com o que não concordou
HANS HAtJSMANN (Das Tier und die Tierestal ais Grenze der Haftung flir Tierschaden, 83). O que é certo é
que as opiniões, por vêzes, ficam no melo-termo; surge, aqui e ali, a questão da quebra ou rompimento da
causalidade. Há os que a definem e os que a têm por impossível: quebrada, rôta, não é causalidade (A. VON
KRIES, tiber den Begriff der objektiven Mõglichkeit, Vierteljahrs‟. schrift flir wissenschaftliche Pkitos.ophie,
12, 211; também HANS HAUSMANN, Das Tier und die Tierestat ais Grenze de<r Haftung fiir Tierschaden, 34).
Animal de outrem, ou outro animal, pode ser o que alguém tenha emprestado, dado a guardar, sem prevenir dos
vícios ou da ferocidade ou dos defeitos (VifiCILE ROSSEL, Ma nuel de Droit Fédéral des Obligations, 4a ed.,
110).

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8.LEGITIMA DEFESA CONTRA ANIMAIS? O assunto só no terreno do direito penal tem sido tratado. Fora
dêle, constituiu, aqui e ali, matéria versada de passagem nos trabalhos sôbre legítima defesa e estado de
necessidade em geral. A legislação concernente ao perigo dos danos causados pelos animais bravios começou
pelo Preussisches Aligemeines Landrecht, 1, 1, § 155. Também apareceu no Sãchsisches Gesetzbueh, §§ 182 e
188. Assaz expl‟icitamente nos Motive do Código Civil alemão. A doutrina, ora se punha do lado da legítima
delesa, ora do estado de necessidade. Mas parece que os Motive criavam um direito autônomo de defesa contra
animais, um terceiro direito de defesa, não sendo importantes, mesmo nêles, a distinção.
No direito romano, dizia a L. 1, § 11, si quadrupes pauperiem fecisse dicatur, 9, 1 (ULPIANO) : “Cum aríetes vel
boves, comisissent et alterum occidit, Quintus Mucius distinxit, ut si quidem is perisset qui adgressus erat
cessaret actio, si is, qui non provocaverat, competeret actio”. LEra a legítima defesa que se reconhecia? Na L. 49,
pr., D., ad legem Aquiliam, 9, 2, lê-se: “Si quis fumo facto apes alienas fugaverit vel etiam necaverít, magis
causam mortis praestitisse vide tur quam occidisse, et ideo in factum actione tenebitur”. E no § 1: “Quod dicitur
damnum iniuria datum Aquilia persequi, sic erit accipiendum, ut videatur damnum iniuria datum, quod cum
damno iniuriam attulerit”. Na L. 39: “Quintus Mucius scribit: equa cum in alieno pasceretur, in cogendo quod
praegnas era eiecit: quaerebatur, dominus eius possetne cum eo qui coegisset lege Aquilia agere, quia equam in
iciendo ruperat. si percussisset aut consulto vehementius egisset, visum est agere posse”. Além dêsse passo de
QuINTuS Mudos SCEvOLA, há o de POMPÓNIO (L. 89, 2,a parte) : “Quamvis alienum pecus in agro suo quis
deprehendit, sic illud expeliere debet, quomodo si suum deprehendisset, quoniam si quid ex ea re damííum cepit,
habet proprias actiones. itaque qui pecus alie-num in agro suo deprehenderit, non iure id includit, nec agere illud
aliter debet quam ut supra diximus quasi suum: sed vel abigere debet sine damno vel admonere dominum ut suum
recipiat”.
Quando carneiros ou bois causem danos e um mata o outro, distinguiu QUINTOS MucTus: se pereceu o que
agrediu, não há a ação (lá se diz “cessaret”) ; se o que não havia provocado, há a ação. Quem, com fumaça,
afugenta abelhas alheias, ou as mata, há a ação in factum. Escreve QUINTIJS Mudos que, no caso da égua, que
pastava em campo alheio
fustigada, pariu, há ação se houve golpe ou veemência no trato. Para POMPÓNIO, quem encontra em seu terreno
animal alheio, tem de tratá-lo como trataria o seu. A tudo isso temos de acrescentar que o enxotar o alheio é para
que saia do terreno, e não é o que acontece com o que pertence ao dono do terreno, de modo que se têm de levar
em consideração a periculosidade do animal e as diferenças entre o que é de outrem e o que é seu.
Voltemos aos conceitos de legítima defesa e estado de necessidade, de que já tratamos, porém que merecem nôvo
exame. Notwehr é a defesa necessária ou legítima, sem que, com esse adjetivo “legítima”, se circunscreva o
conteúdo da palavra à defesa própria ou defesa de si mesmo. Assim, Notw.ehr compreende a defesa de si mesmo
e a defesa de outrem. Pode o ato ser mesmo contra aquêle a quem se dirigia a agressão, e. q., se, empurrado
violentamente por A, C fere E, que ia ser lançado fora do comboio em disparada. No caso de defesa necessária
putativa (Putativnotwehr), isto é, interpretação errônea da existência do dano iminente, tem-se de apurar se o êrro
provém‟ de negligência, ou de imprudência, ou se, na espécie, tudo corrobora a seriedade da ofensa iminente, ou
do. risco em mira. Rege tais casos o Código Civil, art. 159. Se não houve, sequer, negligência, nem imprudência
(precipitação), falta a culpa, e, pois, o elemento para a incidência do art. 159. Estado de necessidade (Notstand) é
a situação de necessidade, em que alguém causa danos em alguma coisa ou mesmo a outrem. Segundo algumas
concepções, legítima defesa (Notwehr) e estado de necessidade (Notstand) abrangem-se um ao outro. Não seria
desacertado considerar-se a legítima defesa espécie de estado de necessidade senso lato (II. TITzE, Die
Notstand-. reclite, 16). A defesa contra os animais é caso de necessidade (art. 160, II), e não, rigorosamente, de
legítima defesa. Mas trata-se de legítima defesa quando o animal é mero instrumento da agressão (II. OSER, Das
Obligationenrecht, Komrnentar zum Sch,weizerisch,en Zivilgesetzbuch, V, 219). A legítima defesa não serve de
escusa, de elemento dirimente, de excludente, da reparação, não impede a ação de dano, senão quando seja
razoável, isto é, não haja excesso. Se houve excesso, há sempre reparação (FRIEDRICH OETKEIi, Úber
Notwehr und Notstan,d nach. deu §§ 227, 228, 904 des Rúrgerlicheu Gesetzbuches, 7). Dá-se o mesmo a respeito
do estado de necessidate. Assim, quem, somente por lhe ladrar, de longe, um cão, o mata, ou lhe quebra uma
perna, ou lhe quebra os dentes, responde pelo dano.
9.ESTADO DE NECESSIDADE. A defesa contra os animais é caso de necessidade (art. 160, II), e não de
legítima defesa. Notstand, e não Notwehr. Mas tratar-se-á de legítima defesa quando o animal fôr mero
instrumento de agressão (H. OSER, Kommentar zuni scliweízerisehen Zivitgesetzbuch, 186). A questão já se
punha antes das codificações do século XX (cf. K. JANKA, Der strafrechtliehe Not stand, 33 5.; C. LEVITA, Das

.~> a]
flecht der Notwehr, 186; H. TITZE, Die Notstandrecht 17 s., 82 5.; CARL VIGELIUS, Uber Notwehr gegen.
Tiere, 186).
Quando se fala de defesa necessária do animal, o que em verdade se põe em exame é a causalidade do dano. Se o
atacante foi outro animal, ainda que não seja da mesma espécie, há luta a dois, ou mais de dois. O conceito de
legítima defesa não pode ser invocado, O atacado por alguém, que usa o cão para defender-se, sim: defende-se
legitimamente. Com razão, contra falar-se de legítima defesa contra animal, ou entre animais, H. SEEGER
(Abhandlungen aus dem Strafreehte, 247) ; sem razão, além dos autores que citamos, CARL VIGELIUS (tiber
Notwehr gegeu Tiere, 4 s.).
No direito romano, a L. 1, § 11, D., si quadrupes pauperiem fecisse dicatur, 9, 1, apenas se refere a luta em que
pereceu o que atacou (qui adgressus erat), ou em que pereceu o atacado (qui non provocaverat). Nada tem isso
com legítima defesa. Tão-pouco há legítima defesa no caso da égua prenhe, que, entrando em terreno alheio ~
sendo fustigada, pariu, caso em que se há de apreciar, segundo QUINTUS Mocius, o golpe ou a veemência com
que se tratou a égua (L. 39, D., ad legem Aqui liam, 9, 2). Nas Institutas (§ 2,1., de legem Aquiliam, 4, 8), ocaso
nada tem com os animais: na 2a parte, cogita-se de quem mata o ladrão.
Nem se há de pensar em legitima defesa nos textos da Lex Burgundionum, XX, 1 e 2, e XXIII, 2, da Lex
Alamanorum, LXXXIV, 5, da Lex Baiuvariorum, XIX, 10, e da Lex Visigothorum, VIII, 8, 13. Nem no
Sachsenspiegel, II, 62, §
2.Tudo se opera “contra a sua vontade”.
Quem pratica atos em legítima defesa pode ir contra o ofensor em pessoa, ou contra o animal, que o ofensor
lançou em ataque (cp. C. MATETEU, In welchen Fdllen und in wetcher Weise ist die Not civilrechtlich vou
Bedeutung?, 27).
O ataque, para que dê ensejo a legitima defesa, tem de ser de quem há de ser lesado pelo contra-ataque, e não por
seu instrumento, que não é pessoa. Isso não significa que não possa ser contra o instrumento, isto é, com pancada
que quebra a faca ou a lança, ou mata o cão.
Na doutrina do direito comum, frisou-se que o dono que não teve culpa não responde (e. g., HUGO GRÓCIO, De
lure beili et pacis, Liber II, Cap. 17, § 21; 5. PUDENDORE, -De lure naturae ei gentiunv, Liber III, Cap. 1, § 6);
mas faltou precisão quanto ao ônus da prova.
A noxue datio foi apenas alternativa para se prestar a indenização ou perder-se o animal (J. A. IIELLFELD,
Iurisprudentia forensis, 233), ou, melhor, meio para se obter a indenização (e. g., J. H. BÓRMER, Do e trina de
Actionibus, Sect. II, Cap. XI, § 27). A influência do direito romano veio às legislações de hoje (WLADIMIR
RADIJOFF, Die Haftung des Eigenthúmers fíir den durch Thiere angerichteten Schaden, 92).

10.FÚRÇA MAIOR E CASO FORTUITO. O Código Civil, art. 1.527, IV, é explícito quanto a se pré-excluir a
responsabilidade se houve caso fortuito ou fôrça maior. Com tal explicitude afastou-se a discussão (e. g., pela
solução negativa:
JoHN LEvY, fie Haftung des Tierhalters nach § 833 ECE., 25; FERDINAND LOI-ILtMANN, Die Gefahr des
Halters von „fieren, 26; WLADYSLAUS GÓRSKI, Wer isi der Halter des Tieres im Faíle des § 833 BGR.?, 42;
pela responsabilidade por presunção íuris tantum, tendo o demandado o ônus de alegar e provar a fôrça maior,
HERMANN IsAY, Die Verantwortlichkeit des Eigenthíimers flir seine Thiere, Jherings .fahrbúcher, 39, 314;
MARTIN GEoRG VICTOR SORERER, Redil der SchuldverJdiltnisse, II, 1.319).
Se bem que o art. 1.385 do Código Civil francês seja amplo, rigoroso, tem-se entendido que há os limites. A
responsabilidade desaparece além dos casos de culpa exclusiva da vítima quando há fôrça maior ou caso
fortuito. Temos, pois, na doutrina francesa, o que estatui a lei escrita do Brasil (art. 1.527, IV). A Côrte de
Cassação da França considera caso fortuito e fôrça maior como sinônimos (16 de novembro de 1914, 25 de junho
de 1914 e 7 de julho de 1914, etc.) A questão merece exame.
Que é caso fortuito? Que se entende, no art. 1.527, por fôrça maior? No Código Civil há. definição global de caso
fortuito e fôrça maior, “fato necessário, cujos efeitos não era possível prever, nem impedir”. Deve-se à Câmara
dos Deputados, por indicação de AMARO CAvALCANTI (Trabalhos, VI, 347). Nos tratadistas brasileiros,
encontramos: “A influência do cargo faz-se notar na ordem jurídica como em outras ordens de relações”. “Em
direito, o acaso manifesta-se sob a forma de fôrça maior ou caso fortuito: compreende a ação de causas que estão
fora do alcance da vontade humana, isto é, tudo que se não pode prever, ou que, previsto, não se pode evitar‟.
“Fôrça maior diz-se mais propriamente de acontecimento insólito, de impossível ou dificílima previsão, tal uma
extraordinária sêca, uma inundação, um incêndio, um tufão, etc.”. Caso fortuito é um sucesso previsto, mas fatal,
como a morte, a doença, etc. “Nesse sentido pode considerar-se caso fortuito gênero, de que a fôrça maior é a

.~> a]
espécie (FRANCISCO DE PAULA LACRaDA DE ALMEIDA, Obrigações, § 36, texto e nota 3)”. CLÓVIS
BEvILÂQUA (Código. Civil comentado, IV, 216) seguiu a TH. HUC: caso fortuito é o “acidente produzido por
fôrça física inteligente, em condições que não podiam ser previstas pelas partes”; fôrça maior, “o fato de terceiro,
que criou para a execução da obrigação obstáculo, que a boa vontade do devedor não pode vencer”. Fundava na
inevitabilidade o critério parcial de ambos. Cria sem interesse, para o Código Civil, a distinção. Era a confusão,
cada um tinha o seu conceIto. No Código Civil alemão, também aparece a noção de fôrca maior. Porém sem se
definir. A melhor atitude é a de vê-los globalmente, como está no Código Civil, pois que a distinção, nos casos do
art. 1.527, não interessa, e convém falar-se da fôrça maior como falaríamos dela e do caso fortuito. Sôbre fôrça
maior e caso fortuito, Tomos II, § 178; XXIII, §§ 2.784, 1; 2.786; 2.792-2.794; XXII, §§ 2.690, 4 e 2.717, 4, 5;
XXVI, §§ 8.102 e 3.103.
No direito alemão, pensava JOI{N LEvY (Pie Haftwng <les Tierhalters, 25) que a fôrça maior não exclui a
responsabilidade, porque, no Código Civil alemão, § 883, não se cogita de culpa. Mas verdade é que, se o § 833
não alude a fôrça maior, é porque a determinação de tal conceito foi deixada à ciência (cf. HANS HAUSMÂNN,
Das Tier und die Tierestal ais G‟renze der Haftung fiir Tierschaden, 60). Discordavam de JOI-IN LEVY. além de
HANS HAUSMANN, que o combateu, muitos autores. Concordaram com êle outros, como, sem fundamentação,
II.NEUMANN (Handausqabe <les Rúrgerlichen Gesetzbuchs, 492). Pensa W. GÓRSKI que o tenedor também
responde, nos casos de fôrça maior, pelos danos provindos do animal, se os danos foram causados pelo animal, o
que, por vêzes, é assaz difícil saber-se.~ Para caracterizar o seu pensamento, aproximou-o de expressões
parecidas com as de HANS HAUSMANN> Bem diferentes, HELtMANN I5AY (fie Verantwortlichkeít des
Eigentúmers fúr seine Tiere, Jherings Jahrbiicher, 39, 314) ~
M.G. V. SCHERER (Recht der Schuldverhàltnisse, II, 1319), que afirmavam estar excluída a responsabilidade
desde qua se faça a prova de fôrça maior. HERMANN ISAY, porque se fundava na culpa do animal; elidida essa,
não poderia ser responsável o tenedor. M. G. V. SCHELIER, porque a prova da fôrça maior exclui, contradiz o
laço causal entre o cão e os efeitos do ato. De ambos separaram-se TIANS HAUSMANN (Das Tier und <lhe
Tierestat ais Grenze der Haftung 114 Tierschaden, 62) e WALTER HOFFERS (Grund and Grense der Haftung
des Tiershalters, 46). GOSLICH (Wo liegt die Grenzen der Haftung des Tierhalters?, Grachots Reitrãgc, 15) foi
casuístico. Um cavalo espanta-se com o trovão; devido a isso, arremessa-se com a carroça, causando danos. Outro
cavalo desembesta devido ao latir de um cão e derruba o transeunte. Nada mais desacertado do que, só por isso,
excluir-se a responsabilidade do art. 1.527: a fortiori, no direito alemão, que não alude, sequer, a fôrça maior e
caso fortuito. Principalmente, se o fazem escritores, que fundam a reparação do § 883 no Gefàhrdungsprinzip.
Na jurisprudência, o Tribunal Regional de Hamburgo (12 de março de 1901) decidiu que, na responsabilidade do
§ 883, não cabia cogitar-se de culpa; portanto, não poderia ser afastada pela prova da fôrça maior. Também o
Superior Tribunal de Stuttgart (17 de janeiro de 1902) resolveu que, se um cavalo se espanta com a aproximação
(ou apito) de uma locomotiva e causa danos, é responsável o dono ou tenedor do animal. Assim, também,
I-IEINRICH S.CHUMANN. O Reichsgericht teve oportunidade de decidir-se, mas, se lhe não escapou o lado
mais importante da questão, certo é que aceitou critério exato sem caracterizar, devidamente, a aplicação.
Passemos a alguns autores. WALTER HOFFERS (Crund nnd Grenze der Haftung <les Tierhalters, 62 e 66), que
fundava o § 833 no principio do perigo para o publico, assentava a responsabilidade pela f6rça maior. Se alguém
assume os riscos de possuir um animal, assume-os todos, desde que haja ato do animal, ainda quando intervenha
fôrça maior. Mas negava a responsabilidade se terremoto destrói a casa de um cão, o êsse, sôlto, ofende a alguém.
Porque, então, êsse perigo é de ordem geral, e não daqueles, relativos a determinados animais (e. g., espantos,
apitos, aparições de outros animais), que tenham de ser compreendidos nos riscos de ter o animal. Dêle discordou
HANS HAUSMANN, Das Vier und <lhe Tierestat als Grenze der Haftung f-iir Tiersehaden, 37, 58, 62 e 67),
para quem os limites da responsabilidade do Tierhalter não se acham no princípio de risco, Gefãhrdungsprinzip
(como quase todos queriam), porém na capacidade do animal para, por sua vontade, executar atos, e na atuação
daquela capacidade. Desde que o ato, de que se trata, não foi praticado como ato autônomo, voluntário, do animal,
cessa a aplicabilidade do § 83.3 (artigo 1.527 do Código Civil). Atos há, portanto, que, pelas idéias de WALTER
HOFPERS, são geradores de ação contra o dono do animal, e, para HANS HAUSMANN, não no são. Os dois
critérios não têm o mesmo campo de extensão. No próprio caso do terremoto temos exemplo.
A respeito da fôrça maior, dizia PACIFICI MAZZONI, que, havendo-a, o animal não é causa. Respondia RENÉ
DEMOGUE (TraiU <les obligations en général, V, 248) : “C‟est inexact. II peut être cause seconde. Par exemple,
il a été effrayé par uu tiers et s‟est emporté. En réalité, nous touchons à la limite des risques que le maitre peut
raisonnablement suppoder”.
Só há fOrça maior onde, pela natureza da fôrça, que intervém, e gera o prejuízo, não pode ser prevista, nem,

.~> a]
tão-pouco, afastada. Já o animal não é causa principal do prejuízo, mas secundária, complementar, intermediária.
No fato imprevisível e irresistível é que está a verdadeira causa. Assim, não seria exculpação, no caso do art.
1.527: a) não ser habitual aos animais daquela qualidade, ou, na espécie, àquele animal, causar tais danos; b) ter o
animal adquirido o hábito, sem que o dono o soubesse; c) ser excepcional o ato do animal causador do prejuízo.
Mas é exculpação: (a) ter automóvel apanhado o animal, e êsse, ao livrar-se, ter derrubado alguém: não poderia
ser invocado o art. 1.527. Nesse caso, não foi o animal que causou o dano: a noção de causalidade jurídica não ,
certamente, até às causas remotas, porém, nesse exemplo, está bem perto a causa, e o animal apenas foi a causa
intermediária. Não se daria o mesmo se o dano tivesse sido obra do susto, ou do mêdo, ou do espanto, que sói
acometer os animais desabituados à vida da cidade, ou dos centros muito movimentados, O sertanejo ou o
fazendeiro matuto que~ com o seu atropêlo diante do intenso afã e da intensa mobilidade das capitais, causa dano
a outrem, responde por êle: devia sentir-se anormal, naqueles sítios, e tomar maiores precauções. Aqui, intervém
a noção de culpa. Mas em se tratando do animal certo não procuraremos buscar-lhe a culpa (e já houve, como
vimos, quem o quisesse), mas havemos de assentar que, sendo anormal que os animais desacostumados passeiem
ou vagueiem pela cidade, devia o dono ter o eiadado preciso para compensar tal agravação do risco público. Se o
cavalo de corrida, picando-se no arame farpado, derruba o jóquei e fere espectador, não há fôrça maior. São os
atos a que RENÉ DEMOCUE chamou objetivamente anormais, para evitar a noção de culpa, dificilmente
esvaziável do conteúdo subjetivo. Ignorância não cria fôrça maior: não é invocável como exculpação a raiva do
cão, mesmo se o dono não teve conhecimento. (6) Se o cavalo encontra, inopinadamente, um urso, o que
dificilmente acontece, pois que se tem o acidente por derivado de fórça „maior (Jurisprudência francesa,
Marselha, 8 de novembro de 1907). Mas deixa de ser exculpação, se o cavaio pertence a circos, onde vê ursos. (e)
Ter-se assustado o animal devido a cataclisma. Em todo o caso, desde que intervém elemento de previsibilidade,
perde o acidente o caráter de fOrca maior: devia ser melhor o cuidado do dono do animal. Não é devido a fOrca
maior o espanto após os de vista, bombas, tiros, e qualquer fato humano previsível, O que pode dar-se é a pesquisa
da culpa de outrem, isto é, do jogador de bombas, do lançador de fogos, do atirador; mas é outro assunto.
Se um animal espantadico, com ruído de um automóvel. que massa, ou com os tiros de uma fortaleza, se espanta,
a responsabilidade subsiste. É preciso que se trate de acontecimento fortuito, natural, extraordinário (e. ii.,
incêndio, 373 raio) ; dai achamos que o art. 1.527, IV, nk, admite interpretar-se corno regra jurídica simples
inversão do ônus da prova, como simples solução de culpa presumida. As palavras “Que o fato resultou de caso
fortuito, ou fôrça maL”
equivalem às do Código Civil alemão, § 834, 2Y parte: “ou que, também com a aplicação dêste cuidado,
aconteceria o dano” (oder der Schaden aueh bel Anwendung dieser Sorg/aU entstanden sourde), ou às da Lei
suíça de 1911, que o imitou: “odor dass der Schaden auch bei Anwendung dieser Sorgfait eingetreten wàre”.
Oque importa saber-se é que o fato exterior, que atua no animal de modo decisivo e violento, pré-exclui a
responsabilidade do tenedor, porque, então, o fato lesivo não proveio de animal, e sim de fato que obrigou o
animal a tal proceder (Reichsgericht, 26 de fevereiro de 1903). Contra: E. GoLDMANN-L. LILIENTRÂL (Das
11GB. systematisch, dargerstellt, 2Y ed., 914) e G. PLANCK (Bilrgerliehes Gesetzbuek, II, 629). Mas pode ter
havido o fato exterior e o ato animal revestiu--se do perigo específico do ato animal (spezifische Tiergefahr).
Assim, é responsável o cavaleiro cujo animal se espanta com o fonfonar dos automóveis, mesmo se, no lugar, não
costumam passar automóveis: fato imprevisível; mas evitavel se o perigo animal do ecranto estivesse
compensado pela mansidão e cobertura do animal. A fortiori, se um cavalo, na cidade, desembesta ou escoiclia,
devido ao ruído das ruas, ao vôo de pássares (Reichsaericht, 11 de janeiro de 1906), ao apitar de uma locomotiva
(6 de julho de 1905), ao tinir subitâneo de um telefone (Cassel, 22 de novembro de 1906). ao ver roupas ao
coradouro, balouçadas pelo vento (Reichgericht, 30 de janeiro de 1905), ao ladrar de um cão prêso (cp.
Hamburgo, 26 de outubro de 1903), às picadas de insetos (Reiehsgericht, 8 de maio de 1905). Desde que intervém
os chamados caso fortuito fOrça maior, o ato não é causado pelo animal; portanto, deve haver o máximo rigor na
apreciação da prova exculratória. Se o cão foi apanhado pelo ônibus e, com a perna amputada, está a espernear, a
morder-se, dominado, pois, pela dor, crm os movimentos reflexos, e morde a alguém que passa, o dono pode
invocar o inciso 1 (se, com efeito, empregou o cuidado preciso) mais isso não impedirá cue se invoque o inciso
IV(TH. ENGELMANN, J. v. Staudingers Konrnnentar, 7a e ga cd., II, 1788), salvo: a) se o cão se achava em
lugar impróprio, pois o dono assumiu os riscos; b) se, presente o dono, o deixou no meio da rua onde o perigo dos
atos animais com tinuou, agravado pela dor.
Convém advertir-se que, nos danos causados por animais, não é necessário o contacto direto e imediato entre o
animal e o objeto lesado: a) A aparição de uma onça, que o fazendeiro vizinho possuía prêsa em curral, pode
determinar o “estouro” de uma boiada, e conseguintemente a série de danos que tal fato da vida pastoril por vêzes

.~> a]
acarreta. b) O uivar e os latidos de um cão podem ser causa de coice de uma vaca (Saint Ló, 17 de maio de 1900).
e) O repentino aparecimento de um animal touro, por exemplo, ou porco pode ser causa de infeliz volta do
automóvel (jurisprudência francesa). d> Se um veado, perseguido por um cão ou cães, salta e cai no quarto, onde
a senhorinha, diante do horrível quadro da luta, adoece gravemente (Cassação, 26 de maio de 1852; cf. MAX
VIna, La Déterrnination da fait de t‟homme, Je l‟animal, de la chose, 71>, a responsabilidade dos caçadores é a do
ad. 1.527 (art.
1385 do Código Civil francês). Nesse ponto, devemos censurar a decisão de Bordéus (21 de maio de 1906), que,
no case de pessoa que fugira de cães e foi apanhada por um bonde, decidiu, sem negar que os latidos tivessem sido
a causa possível, que as impressões recebidas, “échappant à toute rreuve testimoniale, sont insusceptibles d‟étre
déterminees avec certitude”. Ora, se havia os latidos e se a prova tei feita de que o homem vitimado fugira aos
cães, ~para que a prova das impressões? e) Entre o animal e o objeto lesado pode existir alguma coisa: o cavalo
atrelado dispara, e a ponta do carro fere alguém (Cêrte de Apelação de Paris, 20 de fevereiro de 1896), porque o
carro está submetido ao cavalo. Não há fôrça maior, nem caso fortuito, a ser invocação : “1‟objet n‟est rendu
dangereux”, disse, muito bem, MAX VITRY, “que par 1‟action de Ia bête sans le concours d‟une influence
étrangêre, d‟une force supérieure à elle. Le dommage demeure le “fait de 1‟animal”. O dano foi causado pelo
objeto inerte; mas o animal o moveu: o objeto inerte foi, apenas, intermediário da ação lesiva.
1~
11.IMPRUDÊNCIA DO OFENDIDO. Se a pessoa é lesada pelo cão de B, após ter esbofeteado a B, não há
responsabilidade de B. Se o cavalo de A escoiceja a 8, mas B cometera a imprudência de penetrar, sem conhecer
o animal, ~a estrebaria, não pode ser responsabilizado A pelo ato do animal. Note-se bem que a questão se
circunscreve a imprudência do lesado. Certamente, em muitos casos, morre de inicio a questão, pela preliminar,
que sempre se há de levantar, qualquer que seja a espécie examinada: j,Houve, verdadeiramente, ato do animal?
Se não houve, toilitur quaestio. Se houve, ao demandado ainda acode a possibilidade de uma das provas
exculpatérias do ad. 1.527, das quais a mais vulgar é a da culpa do lesado. Em verdade, não se trata de prova
exculpatéria restrita ao art. 1.527: o inciso III constitui simples aplicação do princípio geral de exculpação pela
culpa da vitima.
Segundo o Código Civil alemão, § 254, 1a alinea, havendo cooperado na realizacão do dano falta do lesado,
dependem das círcunstâncias particularmente da medida em que o dano foi, decisivamente, causado por urna ou
outra parte o dever de reparar, bem como a extensão da indenização a ser prestada. Não se trata de
proporcionalidade da culpa, mas da causa. Critério subjetivo aquêle; ésse. critério objetivo com
o conceito de necessidade na determinação. Mas ~ como se há de apreciar a causa? Atendem à última exigência,
e. g., KÂRL TRINDING e PAUL OERTMANN; à causa que teve maior papel na produção da conseqUência, E.
BIRKMEYER; à causa adequada, L. VON BAR, A. VON KRIES, A. THUN, 3. LIEBMANN, MAX RÚMELIN
e LuDwrn TRÁGER. Nã~o se cogita de culpa, mas de cansa. A questão náo se confunde com a de
responsabilidade pela culpa. Refere-se à causalidade preponderante, vorwie pende Verursachun.q. Quanto à
vítima, pode haver culpa cooperante (mitwirkendes Versckulden) e pode dar-se que se não possam imputar à
mesma pessoa a causa preponderante e a culpa preponderante. Exemplo: é ferido no combate o duelista que
provocou. PAUL OERTMANN (Recht der Schuldverhttltnisse, nota n. 2, 8, ao § 254) entendia que se deve
atender à culpa, e não à simples causa preponderante. Se a vítima foi uma sé e muitos os autores, concluia que se
deve opor a culpa da vitima à dos vários indivíduos, em proporção segundo a gravidade das culpas respectivas.
Mas, com isso, confessou êle a insuficência da teoria da causa. Se as duas causas produziram efeitos
independentes A feriu, B tratou mal a ferida a teoria é satisfatória a respeito do dano causado por animais.
Também se a culpa de um é de fazer e a do outro de não ter feito. O direito suíço, coerente com pontos do seu
sistema, deixa ao juiz a faculdade de diminuir ou excluir a indenização, nos casos de consentimento da vítima ou
de haver contribuído para a realização ou agravamento do dano (art. 44, alínea lA). Em conseqúência disso, o réu
pode opor: a) a exceção de consentimento da vítima; b) a de culpa concorrente. Na Lei suíça de 1881 sómente se
dizia (art. 51, alínea 2), que, se igualmente havia culpa do lesado, podia o juiz reduzir proporcionalmente os danos
ou excluir a indenização.
No direito brasileiro, temos de separar as questões: a) culpa da vítima do lesado, diz o art. 1.527, III; b) culpa
concorrente assunto de que não tratou o Código Civil, nem relativamente aos danos em geral, nem aos que são
causados por animais.
Se houve culpa do lesado, enche ela toda a causa. Nada fica ao tenedor do animal; ou, melhor porque as causas
exclusivas são raríssimas pràticamente se tem por só, ou decisiva de si e por si, a culpa da vitima. Não há, ex
hypothesi, cooperação das culpas; há, apenas, culpa do próprio lesado. Tais casos, a que o raciocínio empresta

.~> a]
simplicidade extrema, pouco vulgar nos fatos, excluem, certamente, a responsabilidade pelo ato do animal. Não
foi o animal que causou o dano, foi o próprio lesado.
Exemplo:há um cão hidrófobo, em casa de B, que B vai matar; mas A, no intervalo da notícia e do ato sacrificador
de B, resolve suicidar-se e deixa-se morder (HEINRIOR ScIfli MANN, Haftung flir Tiere, EGE. §§ 833, 834, 43;
idem HANS HAUSMANN, Das Tier und die Tierestat ais Grenze der HafIung fiir Tierschaden, 17). Nos Motive
(E. MUCDAN, fie gesamten Ax‟aterialien zuni RUR., II, 454) e na literatura alemã (Tu. ENCELMANN, Das alte
und das neue Búrgerliche Recht Deutschíands, 437; JOHN LEVY, Die Haftung des Tierhalters, 27; WALTER
HOFFERS, Grund und Grenze der Haftung des Tierhalters, 67; FLEISCI-IAUER, Zu § 888 EGE., Jurislicite
WochenschrifL, 32, 115; í-JEINRIGH SCHLMANN, flaftung flir i‟iere, BGB .§§ 883,834, 42;W. CÓRSKI,
VVer ist der Halter des Tieres im Faile des § 838 11GB.?, 42, nota 2; E. LOHRMANN, fie Gela/ir des Haltens
vou Tieren, 57), já se reconhecia a aplicabilidade do princípio da particação na culpa. A jurisprudência
confirmou-o (li eichsgerioht, 20 de janeiro, 5 de maio, 10 de abril de 1902 e 12 de março de 1903).
A discussão, vencida, em tôrno do texto alemão, não nos interessa. O Código Civil, art. 1.527, III, fala em
imprudência do lesado em culpa, portanto. A primeira dificuldade éa do exemplo de KONRAD SCHNEIDER
(Zu § 888, Das Rechi, VII, 203) : o fazendeiro, o chacareiro, ou o morador possui urna cadela, no cio, e o cão do
vizinho procura-a, praticando vários danos no sítio ou chácara ou jardim. Pergunta-se: /,tem o dono da cadela
ação de indenização contra o outro dono, ou tem êsse, a seu favor, a exculpação de culpa da vítima? KoNRAD
SCHNEIDER „3 ITANS J-IAUSMANN afirmam a invocabilidade do princípio da participação na culpa; mas
KONRAD SCHNEmER pensava que não há o dever de chamar a atenção para o perigo, porque o dono da cadela
não era obrigado a ter tapume de tal altura que os vizinhos, exasperados, não pudessem transpor; nem tinha êle o
dever de prever os danos extraordinários.
Cumpre analisar-se a espécie. Se o chacareiro, dono da cadela, a teve guardada, e a sua cêrca excede ou basta a
que se assegure a normal guarda do~ cães, certo só se lhe há de atribuir culpa, se, vendo a aproximação do cão
vizinho, ou havendo razão para temê-lo, não evitou o dano e foi imprudente. Mas, se não houve imprudência,
seria injusto privá-lo da ação contra o dono do cão. A questão perde o interesse teórico para se tornar questão de
fato. Cumpre analisar o caso concreto, as circunstâncias, que podem ter grande relevância ou mesmo definitiva.
No direito brasileiro, tem-se de partir da premissa de haver a presunção inris tantum de culpa. A ação pode ser
proposta contra o dono do animal, possuidor, ou tenedor, segundo os princípios assentes no Código Civil. Ao
demandado fica o ônus da prova de que teve todo o cuidado preciso: se o juiz acolhe a alegação e a prova, há a
decisão exculpatéria.

A culpa do lesado somente exclui a responsabilidade quando pede ser tida como causa exclusiva do acidente. Tal
o que está assente em Ono WARNEYER (Kommentar, 1, 1.339). Achando-se sôlto, em lugar indevido, o animal,
e tendo o transeunte de afastá-lo, claro está que se não pode falar de culpa da vitima ou de culpa concorrente. No
caso de a culpa concorrente não ser do lesado, mas de terceiro, respondem o tenedor do animal e o terceiro. São
duas culpas. Mas, se o lesado é o próprio tenedor, responde o culpado, segundo os artigos 159 e 1.518 do Código
Civil. Se ambos o forem, o da culpa decisiva.
Não se pode invocar imprudência do lesado quando êsse é incapaz de ato ilícito, sustentam muitos. Assim, H.
DERNBURO (Das Riirgerliche Recht, 4a ed., II, 2Y- parte, 816, nota 28), com a jurisprudência. Mas, se a
questão acaba aí, no direito alemão, no direito brasileiro ressurge a da incapacidade delitual. O absolutamente
incapaz de delito não pode motivar a alegação do art. 1.527, 1H, e o tenedor responde. Assim, se a criança, de
poucos anos, enxota o cão e êsse, com as pancadas, reage e ofende a criança, não pode o tenedor invocar o inciso
III do art. 1.527. Mas HANS HAUSMANN (Das Tier und die Tierestat ais Grenze der Haftung flir Tierschaden,
82) frisou não ser possível averiguar-se se foi autônomo ou não o ato do animal. Aqui, temos de evitar confusão
entre a imprudência exculpatória da responsabilidade, que serve ao dono, possuidor ou tenedor do animal, e a
imprudência que gera o ato ilícito, o ato-fato ilícito ou o fato ilícito. Aqui, verifica-se culpa, afirma-se
responsabilidade, e do dever de reparação liga-se à capacidade delitual. Ali, não. A criança que quebra o copo de
outrem, ou açula o cão contra alguém, não é responsável; responsável é o pai, o tutor, ou curador, ou que dela
cuida. Mas isso não significa que o dono do cão que a criança provocou e a mordeu não possa alegar a provocação
pela criança, como exculpação, pois a imprudência do ofendido absolutamente incapaz é objetável pelo dono,
possuidor ou tenedor do cão.
No direito brasileiro, desde que se trate de ato ilicito prôpriamente dito (arts. 159 e 1.518), há solidariedade: os
co--autores, cúmplices, ou pessoas enumeradas no art. 1.521, respondem solidariamente . É a lei quem no-lo diz.
Depois, a sociedade de seguros, e o obrigado à vigilância por contrato. Finalmente, &tem de responder aquéle que

.~> a]
é obrigado ex lege, isto é, o responsável conforme o art. 1.527, se insolvente o responsável com culpa (e. g., art.
1.527, II), a que caberia precipuamente a reparação? Falta ao direito brasileiro o art. 51 da Lei suíça de 1911,
correspondente ao § 840 do Código Civil alemão. Mas também na Suíça ficou ao juiz verificar se a ordem legal
não coincide com a eqúidade. Dá-se-lhe certa liberdade de apreciação. É o que havemos de entender no direito
brasileiro.
12.PROVAS A FAVOR DO DEMANDADO. O ad. 1.527 do Código Civil enumera os fatos que o acusado tem
de provar para não ser condenado à indenização.
A prova é liberatória; tem de fazê-la o tenedor, isto é, o dono ou possuidor ou tenedor do animal. Melhor, o que
está com o dever de guarda e vigilância. Mas ~por que se falou em dono? Não se lia isso na Lei suíça de 1881, ad.
56, em que se inspirou o Código Civil brasileiro. Lá se falava em wer dasselbe hãlt, e, na edição francesa, la
personue qui le detient. Foi a comissão revisora, que entendeu distinguir. Por quê? Por preocupação da
propriedade, o que se revela, aqui e ali, no Código Civil, ainda quando se trata de posse ou tença: o legislador, ai,
não tinha idéias firmes sôbre as relações possessórias e de tença. O que, ai, levou a falar-se de “dono” (art. 1.527),
no capítulo sôbre efeitos da posse, leva à excepção do art. 505, tu flue. As demais leis e projetos Código Civil
austríaco, § 1.820, Projetos de Héssia, art. 670. da Baviera, art. 948, e de Dresda, art. 1.025, a Lei suíça de 1881,
art. 65, e o Código Civil alemão, § 888, bem como os projetos falam de quem detém, ou tem. No Esbóco de
TEIxEmÁ DE FREITAS, art. 2.686, explicava-se: “Incumbe esta indenização a quem quer que tenha em seu
poder o animal causador do dano, ou seja o dono dêle, ou a pessoa encarregada de guardá-lo, ou a pessoa a quem
o dono dêle o entregara”. A quem tenha em seu poder, disse-o bem; ou seja o dono, ou não. Essa é a regra jurídica
que se há de assentar, e devemos interpretar o art. 1.527 como se dissesse: O tenedor, dono au não, do animal
ressarce o dano por êsse causado. Não se começa a ação contra o dono; porque êsse pode não ser o responsável:
começa-se contra o tenedor, dono ou não. Se quiséssemos dar à lei interpretação literal, confirmaríamos o atraso
do legislador, que, com a tal expressão, ficou ao tempo do Preussisches AUgemeines Landrecht, 1, 6, § 72, onde,
por isso mesmo, se teve de prever o caso da duplicidade de proprietário, § 78.
(a) O primeiro conceito que aparece na enumeração da regra jurídica é o do cuidado preciso. Corresponde a
erforderliche Sorgfalt, “som voulii”, da Lei suíça de 1831, inferior, pois, aos cuidados exigidos pelos usos, die
mm Verkehr erforderliche Sorgfalt do Código Civil alemão, § 838, e da Lei de 1908. Mais ainda, inferior à Lei
suíça de 1911, que fala de alie nach deu Umstiinden gebotene Sorgfalt, traduzido em francês por “toute l‟attention
commandée par les circonstances”.
Se o teiiedor emprega o animal em exercício de profissão, como transporte, e teve todo o cuidado com êle, tal
como a espécie de serviço exigia, não é responsável, porque lhe dá ensejo de prova o art. 1.527, 1 (cf.
SCRMOLLER, tber den Kausalzusammenhang beim Tierschaden, Archiv flir die czvilistiche Praxis, 98, 65).
(b)Uma das provas liberatórias, a segunda para “o dono, ou detentor”, é a de ter havido provoca ção flor outro
animal, a de que o animal foi provocado por outro caminho. O Projeto primitivo dizia bem, fiel à fonte: “foi
excitado por terceiro, ou por animal pertencente a outrem”. Correspondia à regra jurídica suíça de 1881: “sauf son
recours si l‟animal a été excité, soit par un tiers, soit par un animal appartenant à autrui”. Dois casos, O Projeto
revisto, art. 1.821, alterou o primitivo, como se não visse um dos casos o de animal excitado por outra pessoa. A
interpretação deve atender a ambas as espécies. No Código Civil alemão, §§ 838 e 884, não se cogita de nenhum
dos casos, atitude compreensível; tão-pouco, na Lei de 1908. Mas na Lei suíça de 1911, a que os legIsladores do
Código Civil brasileiro não prestaram atenção, o art. 5~, 8Y alínea, mantém a referência. Não se pode sustentar
que a omissão voluntária do Código Civil tenha por efeito não poder o responsabilizado liberar-se com a prova da
provocação por outrem. Se alguma pessoa provocou o animal,de modo que o animal atacou o lesado, responsavel
é , tal tomo se entenderia a respeito de quem usa armas ou objetos contundentes. Aí, regem os princípios gerais
sôbre a culpa. Se foi o próprio lesado que provocou, houve imprudência do ofendido.

18.CULPA DO LESADO. No art. 1.527, III, do Código „Civil pré-exclui-se a responsabilidade se houve
“imprudência do ofendido”. Culpado foi; portanto, ao proprietário, possuIdor ou tenedor, não nasce a dívida de
indenização. Não é ato de imprudência o que se pratica por se crer que o animal é normal, ou está em estado de
normalidade. Se o dono, possuidor ou tenedor põe o animal em lugar que não é adequado à espécie, ou ao animal
singularmente considerado, só se há de ter por imprudente o ato que fôsse de quem conhecia as circunstâncias. A
causalidade pode ser suficiente para a responsabilidade (e. g., o cavalo daria o coice, mesmo se não se passasse
tão perto, ou o cão morderia, mesmo se não tivesse tentado acariciá-lo o ofendido, mas a imprudência agravou o
dano; cp. v. LEYDEN, Die sogenn~ínte Culpa-Compensatiou im 11GB., 41; O. STIERLE, Die Haftung flir Tiere
im 11GB., 85 s.).

.~> a]
O demandado só tem em sua defesa o que o ad. 1.527, 1-1V, enumera (8.~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de
São Paulo, 21 de junho de 1947, R. dos 2‟., 169, 168: “Assim sendo, fica inoperante a defesa do réu quando
afirma que não agiu com culpa, ou com má fé, porque, como adverte PONTES DE MIRANDA, o réu não se
exime com a prova de não ter cometido negligência, nem de não ter tido culpa”.
Por ocasião de passeata de elefantes, os animais assustaram.~-se e, subindo as calçadas, arrebentaram a montra de
uma loja. O demandado alegou que terceiros foram os culpados por terem provocado os animais, inclusive com o
lançamento de pequenas bombas. O juiz julgou improcedente a ação, mas a 1a Câmara Civil do Tribunal de
Justiça de São Paulo, a 9 de junho de 1958, reformou a sentença, porque teria sido “imperdoável imprevidência
não contar com as brincadeiras dos gaiatos, ou com a imprudência alheia”: “Note-se ainda que os animais não se
encontravam jungidos com as necessárias correntes, fias circulavam livremente pelas vias públicas. Demais, o
risco da circulação de objetos perigosos para a incolumidade pública, menos tolerável se apresenta. quanto menos
se descobre necessidade no ato de afrontar a-segurança coletiva. Compreende-se que o automóvel, veículo
perigoso, seja de uso indispensável no momento econômico atual da civilização, mas o mesmo não se pode dizer
no tocante à utilização, a título de reclame, de animais rústicos, quase-selvagens, em passeio pelos
congestionado8 centros urbanos. O risco foi criado exclusivamente para fins de lucro pessoal”. Solução certa.
Quanto aos danos causados Por animais, cumpre advertir..
-se que não têm os vizinhos direito de matar os animais que entrem no seu terreno, ou casa (Câmara Cível do
Tribunal de Justiça de Santa Catarina, 2 de agôsto de 1951, .7. de 1952, 185; 2a Câmara Civil do Tribunal de
Alçada de São Paulo, 16 de dezembro de 1953, R. dos T., 222, 485). O que se lhe permite e a defesa da pessoa
atingível, ou o exercício da pretensão para que se deposite o animal nas terras rurais, perante a policia, ou o da
ação de indenização. Se as circunstâncias põem o vizinho na situação de, em estado de necessidade, matar o
animal, ou mesmo os animais, como se não podia entrar na casa Por estar cercada e o animal avançava, ou os
animais avançavam, a solução é a mesma que se tomaria para o caso de ataque Por algum homem, ou alguns
homens.
Se o proprietário de terras as arrendou e os animais do arrendatário causaram danos aos vizinhos, não lhe cabe
responsabilidade ~i.a Câmara Civil do Tribunal de Alçada de São Paulo, 25 de agôsto de 1953, R. dos 2‟., 217,
459).
Discutiu-se se o ofendido e. g., a pessoa que sofreu danos causados por animal pode retê-lo até que se lhe preste
a indenização ~2.a Câmara Civil do Tribunal de Alçada, 24 de outubro de 1951: “O autor demonstrou ter
providenciado os meios necessários para que o réu mandasse retirar o animal apreendido, mediante o pagamento
dos prejuízos. Portanto, o réu, não mandando buscar o suíno, sabendo-o em poder do autor, que insistira pela
entrega, não pode fugir à responsabilidade decorrente da obrigação de indenizar o apelante pelas despesas com o
sustento e engorda do animal. Defensável é assim o direito de retenção do autor, não só com res
peito ao ressarcimento de prejuízos como também pela paga de sustentação do animal”).
t
14.ELEMENTO DA PÁRTE DO LESADO. Se o cão , ao brincar com a criança, a derrubou, e a queda foi de
conseqüências graves, sem a intervenção de fato exterior, que compusesse a figura da fórça maior ou do caso
fortuito, ou da culpa de outro, mas as consequências só foram graves por se tratar de criança anormal, e de
anormalidade não aparente e não sabida pelo dono do animal, não se há de pensar em irresponsabilidade por fato
que somente foi danoso devido à receptividade do lesado. Note-se bem: só foi danoso devido à receptividade do
lesado. Se essa apenas agravou o estado que o ato do animal de ordinário criaria, cabe outro raciocínio. o cão
perseguiu alguém, que, devido à carreira, piorou de luxação, que o privou de comparecer ao serviço mais de vinte
dias do que fôra de esperar, a responsabilidade é somente por êsses danos. Se o animal derrubou a B, que sofria de
algum incômodo grave, e a queda não causaria a morte de outrem, porém B não brincava com animais e só a êsse
avanço inesperado se deveu o padecimento, nem seria justa a solução do caso anteriormente citado (criança que
brincava com o cão), nem a da responsabilidade absoluta. Prevalecem os mesmos princípios relativos à culpa da
vitima, quando concorra com a responsabilidade do dono do animal.
§ 5.520. Demandas de indenização
r
1.LECITIMAÇÃO ATIVA. A ação do art. 1.527 cabe ao lesado, ou, no caso de morte, aos herdeiros, ou
alimentados (art. 1.527, II). Ao segurador, até a concorrência da indenidade paga, no caso de seguros contra
danos. Se dois ou mais foram os lesados, atende-se à figura jurídica. Se herdeiros são proprietário5 da coisa,
qualquer dêles (arg. ao artigo 1.580). Se condôminos, dá-se o mesmo <arg. aos artigos 623, II, e 684), podendo, a
fortiori, ser proposta pelo condômino, que administre sem oposição dos outros, porque êsse se presume

.~> a]
mandatário comum (art. 640). Se os lesados forem o proprietário, o usufrutuário „e o locatário, cumpre
distinguir-se. A ação deve ser exercida pelo proprietário, a quem incumbe. O usufrutuário, como o credor
hipotecário, exerce os seus direitos sôbre a importância do seguro ou da indenização (HERMANN BECKER,
Obligationenrecht, Rominentar zum Schw eizerisehen Zivilgesetzbueh, nota „79 ao artigo 41).

2.PRESSUPOSTO DA CAUSALIDADE. Basta simples laço causal mediato entre o fato do animal e o dano (li.
OSER, Konvrnentar ztun Schwetzerischen Zivilgesetzbucji, V, 236). Assim, se o cão &e A apavora a E e esse
cai, ferindo-se, responde A petos danos causados pela queda. É preciso que o animal tenha obrado por movimento
próprio, O ônus da pi‟ova de ter sido causado o dano pelo animal cabe ao autor, como também o de que estava à
disposição ou sob o poder do réu (dono ou tenedor). Mas, se o animal estava no carro e o cocheiro o dirigia,
cumpre atender às duas situações possíveis: A) Se há ato ou omissão do cocheiro, responde o dono, conforme o
Código Civil, art. 1.521, III. Dizemos o mesmo quanto aos incisos 1 e II do art. 1.521. A lei diz: “Os pais, pelos
filhos menores, que estiverem sob seu poder e em sua companhia”. E no inciso II: “O autor e o curador, pelos
pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições”. Se não se achavam em companhia dêles, sem
justificação devida, pouco importa: a responsabilidade persiste, como se presentes estivessem. Também o patrão,
o amo, ou o comitente, responde por seus empregados, serviçais e prepostos, no ezercicio do trabalho, que lhes
competir, ou na ocasião dêle (arfigo 1.521, III). Há, pois, dois casos: a) no exercício do trabalho, que lhes
competir; b) na ocasião do trabalho, ainda que não seja no exercício dêle. Os dois casos reduzem-se a um só: o do
tempo em que o autor do dano está ou devia estar sob a vigilância do responsável, É menos larga que a vigilância
do art. 1.521, 1, pois o dever dos pais é de vigiar os filhos sempre que não tenha passado a outrem êsse cuidado.
B) Se não é o caso de se invocar ato ou omissão de alguma das pessoas do art. 1.521, isto é, quando o dano resulte
de determinação interna do animal (instinto, vícios, fereza, indomesticidade), aplica-se o art. 1.527. A invocação
do ato humano inibe a aplicação do art. 1.527 (Tu. ENGELMANN, .7. v. Staudingers Kommentar, fl, 7a e 8a ed.,
794). Resta o caso do art. 1.521, IV. Na regra jurídica fala-se de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos,
onde se albergue por dinheiro. Pergunta-se: ~ não há culpa quando gratuito? ,~ Não haverá , então,
responsabilidade civil? A letra da lei brasileira é, evidentemente, defeituosa. Os estabelecimentos públicos são
responsáveis (ad. 15) ; os que chefiam estabelecimentos gratuitos de vigilância também o são. O único efeito que
poderia ter o art. 1.521, IV, seria o de restringir àqueles casos, a que o texto se refere, a presunção de culpa. Ainda
assim, já se falsela o principio: o dever de vigilância concerne a todos os que guardam, por obrigação legal ou por
contrato (Código Civil alemão, § 832), ou por uso (Código Civil suíço, artigo 883), ou por outro qualquer
fundamento (Código Civil soviético, art. 405). A jurisprudência tem dois caminhos a seguir: considerar limitada à
guarda paga a presunção de culpa; ou extrair do art. 1.521 todo o seu conteúdo e reputar o inciso IV como
exemplificativo, por serem cabíveis nos incisos 1, II e III, os casos de guarda gratuita. Realmente, quem guarda
sem ser mediante dinheiro, se não faz as vêzes de pai, de tutor, de curador, é tenedor e tem interesse de amizade,
ou outro em ter, guardar, vigiar.
Na Alemanha, onde o § 888, 1.a parte, do Código Civil alemão não se funda na culpa, a ação é a ação de atos
ilícitos, e isso porque resulta: a) da posição sistemática do § 833; b) do § 840, alínea 3, que alude a “aquêle que é
obrigado a reparação do dano, segundo os §§ 888 e 888”. Assim pensam FRITZ LITTEN (Die Ersatzpflioht des
Tierhalters, 133) e Tu. ENCELMANN (J. v. Staudingers Kommentar, II, 1795). Donde serem aplicáveis no caso
do § 888 todas as regras relativas a atos ilícitos, exceto, no § g33, 1a parte, o que concerne à exigência da culpa.
Exemplo: os §§ 827 e 828, relativos à capacidade delitual, só se aplicam no caso do § 838, 2~a parte, se houve o
cuidado exigido pelo uso; no mais, não se aplicam (Tu. ENGELMANN, .7. v. Staudingers Kommentar, II, 1795).
O § 829 não tem incidência. Porque resulta das palavras do próprio § 829 (Tu. ENCELMÂNN, .7. v. Staudingers
Kommentar, II, 1795; contra, F. VON LISZT, fie Delilctsobligationen im System des EGE., 107; e CARL
CROME, Sjstem des deutsefleu Biirgerlichen Rechts, II, § 886, nota 4). Aos casos do § 883, 1a parte, a despeito
do que pensavam E. VON LISZT (Di.i DeliktsabUgatio‟nen im System des 8GB., 107). E. ENDEMANN
(Lehrbuch des Búrgerlichen Rechts, 1, § 202, nota 9) e CABia CROME (System des deutsehen Riirgerlichen
Rechts, II, ~ 336, nota 4), não se aplicam os §§ 827 e 828. ~ aplicável o § 852 (prescrição) e são atendidas as
regras jurídicas processuais .
Igualmente os §§ 830, 840 e 842-851.
Na Suíça, se há culpa de alguém, e. g., filho, ou empregado, responde o pai ou patrão, detentor do animal não
segundo o art. 56 do Código suíço das Obrigações, mas segundo o Código Civil suíço, art. 883, ou a Lei de 1911,
artigo 55. No caso de muitos animais, aplica-se o Código suíço das Obrigações, art. 50, se provada a culpa. Se o
não fôr, e vencido fôr o réu na prova da objeção, não se dá a solidariedade (cf. H. OSER, Das Obligationenrecht,

.~> a]
Kommentar zum Scltweizerischen Zivilgesetzbuch, V, 288; cp. C. CHR. BURCKHARDT, Die Revision des
Schweizerischen Obligationenrechts, 92). No Código Civil suíço, os arts. 16 e 19, 38 alínea, não estabelecem
idade fixa: fala-se, indistintamente, em incapazes de discernimento. É ao juiz que cabe decidir se a pessoa ainda
está ou não na infância. Falta o degrau quantitativo. Muitos comentadores se conformam com isso. Outros, não:
procuram aqui e ali (na idade, por exemplo, em que a criança deve entrar na escola, seis anos). Mas há o art. 54 da
Lei suíça de 1911. Restam três questões importantíssimas: legitima defesa contra animais e dano do animal em
legitima defesa do tenedor, estado. de necessidade.
3.OBJEÇÕES POR PARTE DE ACUSADO COMO RESPONSÁVEL.
A lei e a doutrina alemães não temeram as conseqüências da fundamentação no risco (Código Civil alemão, §
838, 1~a parte), ao passo que a indulgência dos legisladores suíços, imitados pela lei brasileira, persistiram na
concepção de responsabilidade mais subjetiva. Tal responsabilidade desaparece diante da prova da vigilância
atenta, do cuidado preciso:
“que o guardou e vigiava com o preciso cuidado”, diz o Código Civil, art. 1.527. ~Quando é que falta essa
vigilância, êsse cuidado. ou. melhor, quando é nue se prova ter havido tal cuidado preciso e em que consiste Me?
Trata-se, evidentemente, de questão de fato, e devemos dar às expressões o conteúdo que a técnica legislativa e
exegética evuluída sem conseguido. Cuidado preciso, diz a lei brasileira. Examinemos a evolução do conteúdo da
expressão e da própria c;v pressão. Na Lei suíça de 1911, fala-se de “gebotene Sor4alt”, cuidado requerido,
pedido pelas circunstâncias, ou segundo as circunstâncias, o que melhor o traduz. Já não é mais a “erforderliche
Sorgfalt” da Lei de 1881 (art. 65). Tornou-se ainda mais relativo o conceito. As circunstâncias é que decidem do
cuidado preciso. No direito alemão (além do requisito de se tratar de animal doméstico, Hawstier, a que se refere
a ~ parte do § 333, e Haustier que serve à profissão, à indústria e àalimentação do tenedor), a defesa do réu
consiste: a) Em provar que observou, na vigilância do animal, o cuidado exigido pelos usos, die im Verkehr
erforderliche Sorgf au. Também no § 276 o Código Civil alemão se reporta a tal conceno. Há, nêle, relatividade
quanto a terem de ser atendidas as circunstâncias do dever (usos) e, de modo geral, as circunstâncias do caso
material. Trata-se de vigilância do animal, e não de outros animais ou de pessoas que pudessem açular o cão. Não
é a culpa que se vai destruir, o que se tem por fito é provar o fato positivo da vigilância com o cuidado exigido na
ordinariedade dos casos, respeitadas as circunstâncias. Se houve tal cuidado, pode ainda o juiz, atendidas as
circunstâncias, decidir nach frelem Ermessen, de arbítrio ou de plano. O cuidado, de que se trata, não é o
permanente, mas o modificado pelas circunstâncias do caso concreto (Decisão do Superior Tribunal Regional de
Colmar, a 21 de janeiro de 1910). Pode-se provar que, se se não observou a vigilância exigida no trato ordinário,
também aconteceria o dano a despeito do cuidado devido, que tivesse observado. A im Verkehr erforderliche
Sorgfaít não impediria o dano. Vê-se igual conceito nos §§ 881 e 882; e copiou-o a Lei suiça de 1911. Como a
fonte do Código Civil foi a Lei de 1881, e não a de 1911, não vemos no art. 1.527 a alusão. Diz o Código Civil
alemão, § 831: “O que prepõe outro para a execução de um trabalho <VI einer Verrichtung), é obrigado a
ressarcir o dano que outro cause ilegalmente (widerreehtlich) no desempenho do serviço (in AusfUhrunq der
Verrichtunq). A obrigacão de indenizar não cabe se o amo (Geschttftsherr), no escolher a pessoa preposta, e no
caso em que forneça aparelhos ou instrumentos ou dirija a execução do trabalho no fornecer, ou no dirigir, pôs o
cuidado exigido pelo uso (die im Verkehr erforderliche Sorgf ali), ou, também, “se o dano ocorreria, havendo
observância dêsse cuidado”. “A mesma responsabilidade atinge o que, para o patrão, se encarrega, por contrato,
da vigilância de um dos negócios mencionados na alínea 1a, 1~a proposição”. Diz o § 832 quase o mesmo sôbre
os que guardam menores ou doentes. Trata-se de simples inversão do ônus da prova. Não se dá o mesmo com o §
838, lA parte. Cumpre advertir-se que o réu não se exime com a prova de não ter cometido negligência, nem de
não ter tido culpa. A prova liberatória, que se lhe concede (art. 1.527, 1), concerne a atenção requerida pelas
circunstâncias, ao cuidado preciso, no guardar e no vigiar, e não à ausência de culpa positiva. Na Suíça, decidiu o
Tribunal Federal, a 12 de julho de 1913:
“A experiência de todos os dias permite verificar que a maior parte dos homens se abstém, em geral, das medidas
de vigilância suficientes para evitar acidentes, supondo que outros fatôres necessários para a consecução de danos
não intervirão : a pouca probabilidade de uma circunstância leva, assim, uma ressoa a correr o risco de ver
produzir-se essa circunstância, mais do que a se adstringir, cada vez, à tomada de precauções necessárias e a
impor-se a si mesmo os incômodos que elas exigem. Tal maneira de proceder, tornando-se hábito. pode, sem
dúvida, ser considerada como, em si, não reprovável, nem culposa, mas não autoriza os que a tem a fugirem às
conseqUências, pela alegação de ter procedido conforme os hábitos; porquanto tal maneira de ser repousa,
precisamente, na aceitação dos riscos eventuais que decorrem de semelhantes atos”. A confiança que o cão
merece ao dono não o exime ria responsabilidade se êsse cão não estava prêso. A entrega de um cavalo à criança

.~> a]
que o vai levar ao rio ou ao bebedouro põe o dono ou tenedor naquela situação de risco a que se refere o Tribunal
Federal suíço.
Não é isso o que se estatui no artigo> 1.527: o dono do animal que confiou a 13, pessoa prudente, o pôr no cão
açaimo ou focinheira, responde civilmente (artigo 1.527), se o encarregado se esqueceu de fazê-lo. Cabe ao juiz,
examinando o caso concreto, verificar se houve o cuidado preciso. Atenderá às possibilidades de dano que a
qualidade ou raça do animal possa criar e às do próprio individuo zoológico (Tu. ENGELMANN, J. v.
Staudinqers Kcntmentar, II, 1793). Se o animal estava entregue a guarda, ou vigilante, então se há de procurar
saber qual o caráter de tal incumbência, pois, se há. situações, como vimos, que transferem a tença (e. g.,
comodato, locação), outras há que não na transferem.
No direito suíço (Lei de 1881, art. 65), em que se inspirou o brasileiro, respondia o que tem o animal, salvo se
justificasse tê-lo guardado e vigiado com o cuidado‟ exigido; se houvesse razão para se alegar excitação ou
provocação por outra pessoa, ou por animal pertencente a outrem, ficaria ressalvado ao réu o regresso contra
aquela ou contra o tenedor do animal provocante. A ação podia mover-se: a) contra o tenedor, tão-só; b) contra o
tenedor e o terceiro, conjuntamente; ou e) contra o tenedor e o terceiro proprietário mi tenedor do animal que
provocou. No Brasil, não há o regresso, mas a exculpação como matéria de defesa. Porém, se a ação foi proposta
contra o dono do animal lesante e êsse foi condenado, fica, em todos os casos, ressalvada a ação contra o dono do
animal provocador ou contra o provocador, oriunda quer do contrato que acaso exista entre êle e o vencido na
ação do lesado, quer do próprio art. 1.527, II (combinado com o art. 75). Segundo o Código Civil alemão, § 840,
3a alínea, se, além daquele, que, segundo os §§ 888 a 888, é obrigado à reparacão dos danos, terceiro fôr pelos
danos responsável, só o terceiro, nas relações de um com outro, é obrigado. A Lei suíça de 1911, art. 51,
introduziu no sistema jurídico da Suíça, outras regras jurídicas: se muitas pessoas, em virtude, de causas
diferentes, respondem pelo ato ilícito, por contrato, ou por lei, ao lesado, pelos danos, aplicam-se-lhes, por
analogia, o que é concernente ao regresso entre pessoas que em comum foram culpadas do dano. Suporta, de
regra, em primeiro lugar, o dano aquela dentre elas que, por ato ilícito, o causou, e, em último, aquêle que sem
culpa, ou sem obrigação contratual, é pela lei obrigado. Se o Tierhalter é responsável não só pelo § 888 (art.
1.527>, mas também por outro fundamento, e. g., § 828 (arts. 159 e 1.518), isto é, dolo, negligência provada, ação
que o lesado pode preferir, não pode invocar o principio de precedência que se consagra no § 840 do Código Civil
alemão, ou, também, hoje, no ad. 51 da Lei suíça de 1911 (T. ENGELMANN, J. v. Staudingera Kommentar, ~ 7Y
e 8a cd., 1829; Decisão do Tribunal Regional de Stuttgart, 17 de dezembro de 1909).
A ação contra o tenedor é a do art. 1.527. Contra o terceiro, provocador ou dono do animal provocador, a do artigo
1.518 do Código Civil (cp. 1-1. OsELt, Kommentar zum Schw eizerisch,en Zivilgesetzbuch,, V, 288). O regresso
é especialização do art. 51 da Lei suíça de 1911, nôvo na Lei suíça e inspirado no Código Civil alemão, §§ 840 e
841.
No direito brasileiro, pergunta-se: Há solidariedade entre o tenedor do art. 1.527 e o do animal provocador (art.
1.527, II) ou o próprio provocador? A resposta há de ser afirmativa.
4.DEFESA DO DEMANDADO. Quando o réu tem de responder à ação, preliminarmente alega que não se trata
de responsabilidade do art. 1.527. Se êsse argumento não prevalece, tem, então, o ônus de alguma das provas
previstas na regra jurídica. Mas a situação jurídica do lesado depende de circunstâncias da prova: a) O preposto é
obrigado a maior cuidado que o público; mais do que os simples prepostos, os técnicos, como o ferrador, o
amansador, ou os “apontadores” das criações do sul do Brasil. b) Aquêle cuidado deve ser maior se o patrão
conhece os vícios do animal. O saber dêles, ou não, nada importa: não se trata de responsabilidade contratual.
Mas tem valor para se apreciar o que ficou dito acima. O agente de polícia, o soldado ou qualquer outro
funcionário público em serviço pode invocar as objeções da lei, porque os textos não o excetuam e são de
natureza tal, que a favor do todos hão de incidir.
Certamente, se o preposto se serve do animal sem que o saiba o patrão ou contra a vontade dêsse, não pode
invocar o art. 1.527. Em geral, qualquer contratante, se se serve do animal que está a guardar, não pode propor
ação contra o responsável a que se refere o art. 1.527. Dá-se a mudança de sujeitos da relação efetiva para com o
animal: na maioria dos casos, passa o preposto ou contraente à situação de r.asponsável. Daí serem verdadeiras as
opiniões aparentemente opostas, uma que afirma poder o Besitzdiener ser considerado Tierkatter, e outra que fala
de casos em que é possível. Ésses casos não são exceção; porque o Besitzdiener deixa de o Ser quando se põe em
situação de ser responsável. Mas o dono do animal fica responsável, às vêzes, e não raro, em virtude do aft. 1.521,
III.
Se o terceiro se expôs ao dano por gentileza ou visita em relações mundanas, a jurisprudência francesa procura
não ser rigorosa (RENÉ DEMOGUE, TraiU des Obligations en général, V, 242 s.), isto é, quanto possível,

.~> a]
indulgente.
Falamos da presunção facti, em se tratando de prova de culpa do preposto ou contratante, quando tenha sido
repelida a preliminar de não se enquadrar o caso no art. 1.527. O ônus da prova, em virtude do afastamento da
preliminar, passa ao dono do animal. Cumpre-lhe provar a culpa do ofendido nara se escusar. Pode fazê-lo, por
simples presunção facti, porque a presunção é um dos meios de prova. Com isso não se ilude a regra legal que dá
o ônus ao dono do animal. Não é de vontade própria lei o faz o demandado: foram circunstancias pessoais do
autor da ação que a fizeram. O ônus continua ao réu, dono do animal, como em todos os demais casos; apenas,
nesse, devido a circunstâncias pessoais do ofendido, se cria a presunção Meti. Na jurisprudência francesa, direito
escrito é bem rigoroso <Código Civil francos, art 1.585‟~, permite-se tal prova (Seine, 14 de janeiro de 1891
Pode o criado que está encarregado de guardar o cão ou outro animal invocar o art. 1.527? Não, dizem, na

poucos. Sim, A. SOUNEIDER e H. FícE. Sim, porém atendendo-se a que o doméstico deve ter maior precaução
que o público (H. Osn, Kommentar zum Schweizerischen Gesetzbuch, V, 236). A solução francesa é favorável,
porque, não se havendo transferido o uso gerador da responsabilidade, é legitima a pretensão do lesado guardador
contra o que deu a guardar. £o caso do condutor de animais, ferido por um dêles, sôbre o qual há farta
jurisprudência. A solução francesa procede do desejo de proteger os salariados (RENÉ DEMOGUE, „aitédes
Obligation. en général, V, 240). Estendem-na ao dano do albergue ou hospedaria, a que o animal fêz mal. Aí,
ajiás, não seria de mister nenhuma extensão, pois que é o caso para diretamente se subsumir na regra do art. 1.527.
E ao ferra-dor, também, se há aplicado (Paris, 23 de março de 1912), o que nos parece um tanto simplista: só
excepcionalmente o ferrador não assume os riscos. Demais, no direito brasileiro, havendo, como há, a objeção do
art. 1.527, III (verbis “se não provar: III. Que houve imprudência do ofendido”) e a profissão do ferrador criaria
contra êle, pelo menos, presunção facti. Ainda quando possa o ferrador invocar o art. 1.527, tem o tenedor do
animal as objeções dos incisos III e IV; quer dizer: de ter havido imprudência do ofendido; de ter havido caso
fortuito ou fôrça maior. Porém não é admissível (diz -se que pelo preço estipulado o preposto ou o contratante
tenha tomado a si os riscos. Tal a jurisprudência francesa (Corbeil, 14 de janeiro de 1892). Essas considerações
não confirmam o principio de proteção do público: em todos os casos, é preciso que seja cabível exoneração.
Uma das exceções ou defesas, na ação do art. 1.527, é a de “que o animal foi provocado por outro” tart. 1.527, II).
Faltou dizer-se a de “que o animal foi provocado por outra pessoa ou pelo animal de outrem”. Do caso da
provocação por outra pessoa (L. 11, § 5, D., ad legem Aquiliom, 9, 2), é que se tirou por analogia (M. A.
COELHO flA ROCHA, Instituições de Direito Civil, 8.~ ed., § 138, 90) o da irresponsabilidade no caso do
animal provocado por outro animal de outrem (L. 1, § 11, D., si quadrupes pauperiem fecisse dicatur, 9, 1). Dizem
os textos: L. 11, § 5, D., ad legem Aqui-liam, 9, 2: “Item cum eo, qui canem irritaverat et effecerat,
ut aliquem morderet, quamvis eum non tenuit, Proculus re spondit Aquiliae actionem esse: sede lulianus eum
demum Aquilia teneri ait, qui tenuit et effecit ut aliquem morderet:
ceterum si non tenuit, in factum agendum”. L. 1, § 11, D., si quadrupes pauperiem fecisse dicatur, 9, 1: “Cum
arietes vel boves commisissent et alter alterum occidit, Quintus Mucius distinxit, ut si quidem is perisset qui
adgressus erat, cc-ssaret actio, si is, qui non provocaverat, competeret actio”.
Desde que se caracterize a culpa de terceiro culpa que não envolva a do dono do animal (art. 1.521, III>, nem
resuíte de ter o terceiro usurpado a teu ga, ou de a ter recebido do dono exclui-se a responsabilidade do art. 1.527,
para somente haver a derivada do art. 159. Exemplos: alguém abriu a porta da jaula, alguém, com dolo, ou sem
dolo (pois o artigo 159 não valoriza a distinção), açula, atemoriza, ou simplesmente provoca o animal, de modo a
criar estado dc coisas imprevisível para o dono; alguém, com a luz de um espelho, irrita o touro ou a fera. Podem,
porém, ocorrer uma e outra responsabilidade. Pode a culpa do art. 1.527 coexistir com a do art. 1.520, e seriam
responsáveis o terceiro e o dono do animal. Não é raro isso; pelo contrário: é o que mais acontece. Raramente as
provocações deixam sem responsabilidade o dono do animal. Na apreciação do caso, devemos deixar que se
caracterize a exclusão da responsabilidade do art. 1.527, pois que a outra precisa de prova, e essa, não. Na prática,
é ponto de grande importância. A responsabilidade do artigo 1.527 resulta do fato lesivo: o Ônus da prova
exculpatória cabe ao tenedor do animal. Para a outra, é de mister provar-se a culpa. Se coexistirem, ambos serão
responsáveis, e solidàriamente. Seria engano crer-se na uniformidade da literatura. WALTER Hornas <Grund
und Grenze der Haftung des Tierhalters, 54> queria a responsabilidade do tenedor ainda nesse caso, por se tratar
de risco do animal, de perigo do objeto explorado, de uma Betriebsgefahr. Está na natureza do animal o ser
perigoso, pela só intervenção de alguém que o açule ou provoque (L. RUHLENBECK, Vom juristischen
Kausalzusammenhang mit besonderer Bezugnahme auf § 833 flOR, .Turistische Wochenschritt, 31, 288;
FLEISCHÂUER, Die Haftungsgrenze aus § 883 flOR., Gruchota Beitrãge, 72, 8035.; GÚSLICH, W~ liegt die

.~> a]
Grenz,e der llaftung des Gruckots Reitrâge, 47, 17; IIEINRICH SCHIJMANN, haftung 1 Ur Tiere, 32). Ainda no
caso, que se tem figurado, de a culpa de terceiro ter sido a de soltar o animal. Contra, inteiramente, HANS
HAUSMANN (Das Tier und die Tierestat aIs Grenze der Haftung f‟iir Tiersckaden [§ 833 RGB.] in &r moderneu
Theorie und Praxis, 56) e grande parte da doutrina. JOHN LEVY (Die Haftung des Tierhalters, 22) excluia a
responsabilidade do tenedor porque não foi o cão a causa do dano, mas sim, talvez, mero instrumento (Werkzeug)
nas mãos de outra pessoa. Com êle, WILHELM ALTSCHUL (Haftung túr Eeschãdigung durch Tiere,
.Juristisehe Wochenschrift, 81, 204), PAUL OERTMANN (Das Biirgerliclze Gesetzbuch, Komrv3nt ar, nota ao
§ 338), F. LOHRMANN (fie Gefahr des Haltens von Tieren, 24). HERMANN ISAY, que aludia, nos casos
ordinários, a uma culpa do animal, tinha como irresponsável o tenedor dêsse, porque, ex hypotkesi, se dá a culpa
a terceira pessoa. Não é bem isso o que se dá. Há causas associadas:
pessoa que provoca e animal provocado. Uma, de certo, maior do que a outra. Se se admite que o animal não é o
único causador, daí por diante existe toda escala ascendente de parte do atiçador, escala que chega, certamente, ao
ponto de só ser a pessoa, prAticamente, a causa de o animal ficar reduzido a instrumento. Porém não é só então
que começa a excubação do tenedor do animal: não se exige tão característica “culpa de terceiro”, tão completa
causação. Basta que tenha havido o ato de alguém, sem o qual o animal não causaria o dano. Por isso, é defeituosa
a doutrina d‟e JOHN Lrvy. Mas pode dar-se a ocorrência de ato de alguém sem que se tenha apagado a situação de
responder, em que se achava o tenedor. Se o cão de E, perigosíssimo, está na rua, a ladrar aos transeuntes, e
alguém passa, atira-lhe uma pedra, e o cão avança com maior fereza, causando danos a outrem, nerfez-se a
situação a que nos referimos a imediata causação do ato provocante, porém sem que deixasse de existir a
causação permanente: estar sôlto o cão tão perigoso. O ato de açulamento agravou a causa, não a criou, nem se
associou a ela como elemento maior. É justificável a objeção de HANS I-IAUSMANN aos que falam, em todos
os casos, de instrumento:

Na própria jurisprudência alemã refletiu-se a discordância. Enquanto o Tribunal Imperial (ICeichsgericht)


propendia para a culpa do tenedor, bem como o Landgericht de Darmstadt (24 de março de 1902), tinham outra
opinião o Amtsgericht e o Landgericht, de Francofurte. O primeiro inquiriu da determinação do ato animal, como,
por exemplo, se houve dor causada. Efetivamente, pode haver no caso de provocação ato autônomo do animal,
tanto quanto se pode cogitar, em tal assunto, de autonomia. Se por modo tal se provocou o animal, que êsse
causou o mal, toilitur quaestio. Se não , cumpre levar-se a verificação ao limite, ao ponto em que deve nascer a
culpa de outrem (digamos melhor: em que deve começar), pois, se o cão ou outro animal foi provocado, porém de
tal natureza foi a provocação que o ato do cão cu do outro animal não se justificaria, nenhuma alteração se há de
fazer na invocação do art. 1.527. Assim: a) Se a criança passa, olha o cão, e diz-lhe “malvado !“ ou apenas lhe
sorri, ou lhe faz, de leve, uma careta, bastando isso para que avance e cause dano a terceiro, quem responde é o
tenedor, de acôrdo com o art. 1.527. Não se justifica ter exposto ao público, ou em lugar onde possa causar danos,
animal de tal ferocidade e de tal arrogância. b) Se A afugenta o cavalo de E, e êsse, só pelo ser afugentado, sai aos
coices, pela rua fora, e ofende a alguém O, digamos a ação dêsse será contra E. e não contra A.
Temos resolvida a questão se assentamos que ocorrendo provocação determinante haverá: a) responsabilidade
do provocador e do tenedor, pois, que há duas causas associadas, e a primeira sozinha não determinaria ou era de
supor-se que não determinasse, porém sem aquela essa não teria determinado; b) responsabilidade do provocador
se só a provocação determinou, ou se foi o que mais concorreu para a determinação do dano.
O caso de que trata o art. 1.527, TI, não seria o de provocação Por outrem, e sim no outro animal. Escapa-lhe,
pois, tudo de que até pouco tratamos. Antes, porém, de versarmos a questão do provocador dos outros animais,
firmemos as dos danos mutuamente : feitos. Os animais ofendem-se um ao outro. Há duas opiniões diferentes.
Uns PAUL OERTMA~N, HERMANN 15KV, E. DERNBURO, WILHELM ALTSCRUL e F. LOHRMANN
distinguiram: um animal foi atacado e, dendo ao ataque, lesou a um outro, ou não. Respolitávei é o atacante.
Outros querem que o tenenor do animal lesante responda. Assim, GOSLICI4 e JOIIN LEVY.
Vejamos como conseguem exprimir-Se. PAUL OERTMANN (Das Búrgerliche Gesetzbuch, Komrncntar, 571),
invocou o §254, porquanto, se bem que, a propósito de animais, não se deva falar de culpa, é possível, no entanto,
aplicar-se o § 254, pois, nêle, a lei fala de causa preponderante, e não de culpa. Diz o § 254 que, havendo
cooperado na realização do dano falta do lesado, dependem das circunstâncias particularmente da medida em que
o dano foi, decisivamente, causado por uma ou outra parte a obrigação de reparar, bem como a extensão da
indenização a ser prestada. E na 2a alínea, diz que se dá o mesmo quando a falta do lesado se restrinja ao não ter
advertido o devedor quanto a perigo de dano extraordinariamente elevado, que êsse não conhecia, nem devia
conhecer, ou não ter afastado ou diminuído o perigo. Está na Lei suiça de 1911, art. 44, alínea l.~, que, havendo o

.~> a]
lesado consentido na ação lesiva, ou havendo circunstâncias, das quais deve ser responsável, contribuindo para o
dano ou aumento do dano, ou para agravar a situação do autor do dano (die Steilung des ~rsatzpflichtigen), pode
o juiz diminuir a indenização, ou inteiramente exclui-la. Mas no texto há a palavra Verschulden, a que se apega
HÂNS HAUSMÃNN (Das 7‟ier und die Tierestat ais Grenze der HaftV~flt~ flir TierscluLden j§ 838 RGB.1 in
der modernen Theoríe und Praxis, 70 e 80). Semelhanteme~ a HANS HAUSMANN, GOSLICE (Wo liegt die
Grenze der Haftung des Tierhalters?, Gruchots Beitrdge zur Erliiuteruflg des deutschen Rechts, 47, 24, nota 57) e
JOHN LEvY (Pie Haftufl4J des Tierhalters, 20). HEINMCII SCHUMANN (Haftung flir Tiere, EGE., §§ 883,
88k, 36 s.) viu em “dano” do § 254 algo diferente de “danificação” do § 888 (§ 254: Schaden; § 888: ~eschtidigt).
HELtMANN ISAY (Die yerantwortlichkeit des EigentiifflCTS fúr seine Tiere, Jherings .fahrbiicher, 89, 814; Die
Grenzen der Verantviodlich
keit «ir Tierschaden, Deutsche juristen-Z.eititng, VIII, 400), recorre aos §§ 227 e 22S do Código Civil alemão que
tratam de legitima defesa e de estado de necessidade: pelo mesmo fundamento com que se exclui ao ato do
homem a fôrça geradora de respon5abilidade~ havia de excluir-se ao ato do animal. Também II. DERNEURO
(Das Búrgerliche Recht, ~ 2.~ parte, 817, texto e nota 24), que falou da possibilidade de serem invocados os §§
227, 228 e 254. Atacou tal aplicação GOSLICH (Wo liegt die Grenze der flaftung des Tierhalters?, Cru chots
Beitrtigú, 89, 24, notas 57 e 58), porque a atividade do animal não pode ser contra direito (widerrechtlith).
HEINRIOU SCHUMANN notou que o estado de necessidade analogicamentee se invoca a propósito de loucos, e
distinguiu: o cão de A ataca o de E, e é por êie ferido; o cão de A foi a causa do dano que sofreu: em verdade, éle
se feriu a si mesmo. Se o dano é de terceiro animal, o responsável é o dono do cão que provocou, porque foi êsse
que causou. GosLICH (Wo liegt die Grenze der Haftung des TierbalL~2, Gruchots Beitrdge, 89, 24, notas 57 e
58) sustentou que, segundo a lei, há responsabilidade do tenedor do animal lesante ainda quando o lesado seja o
próprio animal atacante e recusou aplicação, quer ao § 25 quer aos §§ 227 e 228. Assim, também SOIIN LEVY
(Pie Haftwflg des Tierhalters, 20). Invocou a 1. 1, § 11, D., si quadrupes pauperiem fecisse dicatur, 9, 1, e disse
que no Código Civil alemão não se pode cogitar de culpa de vitima animal, pois que, em se tratando de animal,
não há culpa, e o § 254 somente concerne à culpa.
Há outras opiniões . IL&NS HAUSMANN (Das Tzer und dte Tierestat ais Grenze der Hoftung jiir Tierscliaden
[§ 838 POR.] iii der moderneu Theorie und Praxis, 74) separou-Se de JOHN LEvY e de GOSLIGE como de
IIEINRICII SCIIUMANN. Para êle, o ato de um animal provocado não é autônomo (seU‟sedudiges Handelfl) : o
animal provocado defende-Se opera por si, arbitrúriamente (willdirlich). O cão que ofendeu e foi morto deu
causa à própria morte. Aproximou-se de de WILHELM ALTSCIIUL (Weiteres zur Ausleguflg von § 833 BGB.,
JuQtSJiSthe Wo.chensúhhift, SI, 204>, para quem o animal provocada praticou o ato sob a influência de vontade
estranha, e por isso mesmo se há de afastar a responsabilidade do seu tenedor.
No caso típico de danos em ambos os animais que brigaram, sem se saber qual o que provocou, há três soluções
possíveis: a) cada parte propõe a sua ação; b) dividem-se os danos; e) não se há de cogitar de ação. A primeira
solução teve por si G. PLANCK (BurgerUches Gesetzbuch, II, 629), KARL LINKELMANN (Pie
Sehadensersatzpflicht aus unerlaubten Handlungen nach dem SOB., 86), E. LESKE (Vergíeichende Darstellung
des Biirgerlichen Ceseizbuehes fiir das Deutsche Reich und Preussischen Allgemeinen Landreehts, 348>, E.
GOLDMANN-L LILIENTHAL (Das Riirgerliche Cesetzbuch systema tisch dargesteil nach der Legalordnung
des Allgemeít.. nen Landreehts, ~, 23 ed., 217) e HANS IIAUSMANN (Das Tier und die Tierestat ats Grenze der
Haftung flir Tiersehaden [§ 888 SOB.] in der moderneu Theorie und Praxis, 74). A segunda, com alusão ao
direito germânico, é amparada por HERMANN ISAY. A terceira falsa, porque supõe compensação entre danos
que não são necessariamente equivalentes é a de alguns tribunais (e. g., Chemnitz, 21 de novembro de 1902>. A
verdadeira opinião é a primeira. A idéia de compensação não pode vir antes; só durante a ação, sabidos os danos,
intervém; antes, como eliminatória da ação, igualizaria, abstrata e arbitrariamente , os danos que podem ser
desiguais e não concernirem apenas ao ao animal ir, por exemplo, até outros animais, ou até a pessoas.
A questão da causalidade, em assunto de danos devido a animais, aparece, forçosamente, na discussão. Mais se
pensa que os conceitos e os raciocínios legais bastam, mais nos surpreende o ressurgimento dela. Porque é preciso
que o dano tenha sido causado pelo animal. Mas o certo é que os dois conceitos. o filosófico (lógico) e o da
chamada causação adequada <adriquatq Verursachuna) mais uma vez se chocam, e disputam o fastígio. De um
lado, há as idéias de A. vow KRIES (tTber di e Begriffe der Wahrscheinlichkeit und ibre Bedeutiin~en im
Strafrecht. Zeitschrift flir qesamte Strafreeht~sivissenschaft, IX, 528 s.) : a ação é causa, quando, sem ela, o efeito
não se produziria: para sabê-lo, é inevitável recorrer-se à probabilidade. Introduz-se, por êsse modo, a regra da
vida, Regel des Lebens (L. VON BAR, L. KUHLENBECK). Do outro, há a concepção puramente lógica: causa é,
se, sem ela, o efeito não seria. O cocheiro dorme; o cavalo toma o caminho que entende. Cai de um

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despenhadeiro, e morre o viajante. Sem o sono do cocheiro não se daria a morte da pessoa.
o.CLÁUSULAS ExONERATIvAS DA RESPONSABILIDADE. Em se tratando de danos causados por
animais, em certos casos, as leis, de interesse público, interdizem tais exonerações. Sirvam de exemplo as leis
sôbre acidentes de trabalho, e sôbre pensões de empregados de estradas de ferro, que devem ser interpretadas
como impLicitamente vedativas de cláusulas e acOrdos exonerativos; a fortiori, de exonerações por declaração
unilateral de vontade. No direito inglês, o transportador ordinário, não submetido ao Railway and Canal Trafie
Ad, pode limitar a própria responsabilidade, uma vez que não imponha limitações excessivas e desarrazoadas,
inclusive quanto à culpa do pessoal. Interpreta-se contra o transportador tal restrição e somente vincula se
expressa e clara. No Código de Comércio francês, art. 108, última alínea, redigida em 17 de março de 1905,
estatui-se (responsabilidade do “voiturier”) : “Toute clause contraire inserée dans toute lettre de voiture, tarif ou
plêce quelconque, est nuíle”. Quanto aos transportes, a Lei belga de 25 de agôsto de 1891, art. 17, proibe à
administração inserir nas tarifas e regulamentos “des stipulations qui modifient eu ce qui concerne les accidents
survenus aux voyageurs la responsabílité qui lui incombe d‟aprês le droit commun”. Referindo-se as mercadorias
(ad. 86) : “Les tarifs ou rêglements ne peuvent, hors les cas prévus ci-aprês, modifier au profit de l‟administration
l‟étendue de la responsabilité qui lui incombe”. Os arts. 37-89 prevêem as referidas reservas; mas o art. 40 diz que
revive a ação se o destinatário estabelece que as avarias e as perdas não resultam das circunstâncias especiais que
permitiram declinar-se de responsabilidade. As cláusulas que só têm por mira a duração das ações de indenização,
com o intuito de agravá -las, não ferem os princípios e as regras jurídicas as verdadeiras cláusulas exonerativas.
Salvo o caso de dolo. Trata-se de restrição no tempo, e não de eliminação da responsabilidade. Mas, também aí, é
preciso que não seis excessivo o encurtamento.

O sistema francês é assaz simpático às cláusulas exonerativas quando se trata de dano causado por animais. A
questão, porém, toma, para o direito brasileiro, dois aspectos:
a)exoneração perante o público; b) exoneração contratual. Perante o público, não pode o eventual responsável
eximir-se previamente pelo fato de se declarar irresponsável pelos danos. Ninguém acitou a sua declaração.
Salvo se há fato que o indique; e. g. “não me responsabilizo pelos danos que os meus cães causarem aos visitantes
que penetrarem no jardim sem se acharem acompanhados de algum dos meus empregados”. Ou “não me
responsabilizo pelos danos que resultarem às pessoas que se aproximarem da jaula”. Está claro que os animais e a
jaula se acham em terreno particular. Pode ocorrer que tenha havido permissão para estada em terreno público ou
alheio, por algum tempo. Há, da parte de quem penetra, ou de quem se aproxima, a despeito da declaração
unilateral afixada, algo como se fôsse aceitação dos riscos. Estabelece-se aquela relação juridica, que definimos,
ao tratarmos dos títulos ao portador, quando se dá a apresentação, e da promessa de recompensa, quando surge o
unus ex publico.
Tem-se de exigir que o aviso seja visível por todos os transeuntes ou visitantes e que a periculosidade só exista se
houve o desrespeito do que se afixou, ou do sinal suficiente. Qualquer dano que não resultou da falta de
observância determina a responsabilidade do dono ou possuidor ou do tenedor, e não é de afastar-se a
possibilidade de ser responsável a entidade estatal, cujo funcionário ou servidor permitiu se o fêz ilegalmente, ou
se não tomou ou não fêz o dono, possuidor ou tenedor do animal tomar as necessárias providências. A designação
dessas não fica à mercê da entidade pública, porque se têm de examinar o animal de que se trata e as
circunstâncias.
Mais:pode ser ilícita a cláusula exonerativa, não só nos casos de acidentes de trabalho, que a lei prevê. E não pode
declarar-se irresponsável pelo dano que possam causar as cobras que andam no seu jardim, em plena cidade, e
alguém, vendo-as, desprevenidamente, se assustou, caiu, e feriu-se, ou foi mordido. Não posso elidir com as
declarações ao público a minha responsabilidade quando constitua ato administrativamente ilícito a permanência
de animais. Nem Mil xar nas ancas de animal sôlto o aviso de não responder pelos danos que possa causar. ~ justo
que não responda pelos danos que ao gentleman rider possa causar o cavalo emprestado ou alugado, se o
conhecia. A jurisprudência francesa quer que haja cláusula tácita de irresponsabilidade pelo acidente de que
alguém fôr vítima (Seine, 14 de novembro de 1912). Em todo caso, pode ter havido desarrazoada ocultação de
defeitos; e cabe a ação. No mais, rege-se o assunto pelos princípios gerais, porém a distinção entre danos às coisas
e às pessoas não cabe fazer-se, porque, aqui, não há nenhuma ação do homem que pudesse justificar o tratamento
especial para os danos às pessoas.
Mais uma vez frisemos que houve omissão no art. 1.527, II, do Código Civil, pois só se referiu a animal
provocado por outro animal e há provocação por outra pessoa, e tal provocação pode ser tal que nenhuma
responsabilidade tenha o dono, possuidor ou tenedor do animal provocado. Não é difícil ocorrer isso. Cumpre?

.~> a]
porém, advertir-se que persiste a responsabilidade do tenedor se o lugar ou a hora em que se deu o ato do animal
era impróprio para a estada. Então, há dois responsáveis: o dono, possuidor ou tenedor; e o provocador.

6. PROVAS QUE TÊM DE SER FEITAS. A prova do artigo 1.527 consiste: 1) Para o autor, era demonstrar: a)
que o dano foi devido ao animal; b) que o réu é dono‟ ou detentor do animal (digamos tenedor, numa só palavra)
; e) que o animal é “suscetível” de apropriação ou proveito (não se precisa provar a propriedade). II) Para o réu, na
prova da objeção, ordinariamente incluída na “contestação” da ação: em demonstrar: a) que o guardava e vigiava
com o cuidado preciso; ou b) que o animal foi provocado por outro animal, ou por outrem (o Código Civil só se
referiu a “outro”) ; ou e) que houve culpa da vítima (e não só imprudência , como diz o Código Civil) ; ou d) que
o fato resultou de caso fortuito ou fôrca maior.
Se a ação de indenização já havia sido proposta contra alguém, pelo ato do animal, e outra se propõe, pelo mesmo
ato, contra outrem, tem-se d‟e examinar a espécie para se saber quais as exceções oponíveis.
A provocação por pessoa, ou por ato de outro animal, tem de ser alegada e provada pelo dono, ou possuIdor, ou
tenedor do animal provocado, a fim de que se atenui ou se negue a responsabilidade que se lhe imputa.

CAPÍTULO VI

COISAS INANIMADAS E RESPONSABILIDADE PELOS DANOS CAUSADOS

§ 5.521. Danos causados pelo lançamento ou queda de coisas

1.DIREITO ANTERIOR. Se corpos duros ou matérias liquidas caíram de alguma construção e causaram danos,
cabia a ação legis Aquitiae. Mas, por ser difícil, por vêzes, a prova de quem foi o autor, criou o Pretor uma acuo de
efiusis ei deiectis contra os que habitam o lugar de onde caiu. Se dois ou mais, respondem in solidum, com
regresso do inocente contra o culpado. A indenização era do dôbro dos danos. Se causou a morte de homem livre,
qualquer cidadão podia intentá-la e levava ao pagamento de cinqúenta escudos de ouro. Cf. L. 5, §§ 5 e 6, L. 1, §§
4, 9 e 10, L. 2 e L. 8, D., de obligationibus ei actionibus, 44, 7. No direito romano, se coisas duras ou matérias
líquidas fôssem lançadas de edifício e causassem danos a alguém, cabia intentar-se a adio legis Aqui liae. Porém,
como podia ser difícil identificar-se o autor do fato, criou o Pretor a adio de effusis ei dejectis contra o que
habitasse a construção de onde se jogou. A ação era in solidum. Ao inocente ficava o regresso contra os culpados.
Os dois casos estavam previstos: queda e lançamento.
No direito alemão anterior ao Código Civil alemão (direito comum>, somente havia a adio legis Aquiliae para a
reparação dos danos causados por culpa. Claro que, nos danos causados pelas construções ou outras coisas
inanimadas, lia-vendo culpa, havia de dar-se a indenização. Houve regras jurídicas, novas, como as do
Preussisches AITqemeines Landrechi, Parte 1, Título 8, §§ 37 s. O Código Civil alemão pôs de lado a acUo de
dejectis ei effusis e a adio de positis veZ suspensis. Atitude bem diferente da que assumiu o legislador brasileiro.
Continha tais ações o 1 Projeto alemão (§§ 729-783), porém excluiu-as a II Comissão (Motive, II, 808 s.).
Lê-se no Código Civil espanhol, art. 1.910: “El cabeza de familia que habita una casa ó parte de ela, es
responsable de los dalios causados por las cosas que se arrojaren é cayeren de la misma”. Está no Código Civil
chileno, art. 2.828: “El da-iio causado por una cosa que cae o se arroja de la parte superior de un edificio, es
imputable a todas las personas que habitan la misma parte del edificio, i la indemnizacion se dividirá entre todas
elías; a ménos que se pruebe que cl hecho se deve a la culpa o mala intencion de alguna persona esclusivamente,
en cuyo caso será responsable esta sola. Si hubiere alguna cosa que, de la parte superior de un edifício o de otro
paraje elevado, amenace caida i dafio, podrá ser obligado a removerla ei duefio deI edifício o del sitio, o su
inquilino, o la persona a quien perteneciere la cosa o que se sirviere de elIa; i cualquiera dei pueblo tendrá derecho
para pedir la remocion”.
Dizia CARLOS DE CARVALHO (Nova Consolida ç‟ão, artigo 1.020) : “No dano causado por coisas inanimadas
presume-se culpa sempre que ocorrer infração de postura municipal ou regulamento de higiene pública”. O
critério do Código Civil é diferente: a) nada importa haver, ou não, postura municipal proibitiva; b) os
pressupostos são a queda ou lançamento da coisa de casa ou parte de casa habitada e o dano a pessoa ou a coisa;

.~> a]
e) não se trata de lugar destinado a essa queda ou lançamento. Por outro lado, “casa” está em sentido amplíssimo.
A responsabilidade do Código Civil, ad. 1.529; é objetiva. Por isso mesmo, o responsabilizado não se exibe com
a prova de que foi outrem, e não êle, que de sua casa lançou.
O habitante da casa. ou parte dela, responde objetivamente, mas tem ação regressiva contra o verdadeiro
causador.
No direito romano, a ação regressiva ou seguia a natureza real das noções de indenizacão, acuo in factum, ou se
responsável o locatário, constituía adio locati. Se eram muitos os habitantes, claro que se havia de atender à
natureza da relação entre êles. Se um pagava in solidum, os outros haviam de concorrer, depois, com a sua parte.
Quanto aos herdeiros, ressaltava o caráter delitual (L. 5, D., de his, qui ef fuderini veZ deiecerint, 9, 3).
2. TExto no CÓDIGO CIVIL, ART. 1.529. Estatui o artigo 1.529 do Código Civil: “Aquêle que habitar uma
casa, ou parte dela, responde pelo dano proveniente das coisas, que dela caírem ou forem lançadas em lugar
indevido”. Note-se, de início, que não se protege só o transeunte. Protege-se quem esteja ao alcance da coisa
lançada ou caída. Por outro lado, o dano pode ser à pessoa, ou a bens.
Os danos são liquidados conforme o que se retirou à esfera jurídica do ofendido ao tempo do fato ilícito (5.~
Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 6 de janeiro de 1942, R. F., 91, 437), mas, para o valor
da indenização, se há desvalorização monetária, ou aumento de preço do que foi danificado, há a correção
monetária, ou o reajustamento ao preço do mercado na data do pagamento.
O dano pode ser a pessoa, ou qualquer outro dano, que o fato cause.
O fato ilícito absoluto sensu siricto, como, por exemplo, a queda da coisa, que causa dano, não se pode considerar
fato do homem, mas é ligado ao homem, porque o responsável está em situação de titularidade de direito, ou de
posse, ou de tença, que justificou a edicção da regra jurídica. O interesse juridicamente tutelado foi atingido
porque outrem causou o dano, ou algo seu o causou. O neminem laedere tanto protege quem é ferido, ou quem
teve algum bem atingido pelo objeto que caiu da casa vizinha, como o dono ou possuidor ou tenedor de algum
objeto, que está na casa vizinha, e foi quebrado pela bola ou a pedra que o vizinho ou o transeunte jogou.
Todos os direitos absolutos são ofensíveis e todas as ofensas a êles determinam responsabilidade, se se compõe o
suporte fáctico de qualquer das regras jurídicas sobre fatos ilícitos.
A despeito de os arts. 1.528 e 1.529 só se referirem a edifício ou construção, bem como a casa ou parte dela, e a
ruína, queda e lançamento, temos de entender que existe regra jurídica geral, porque a interpretação analógica se
impõe. O locador, o comodante e outros contraentes podem vir a ser legitimados ativos (cf. Louis Jo5SELIAND,
Les Transports, en service intérjeur et en service intornational, 2a ed., 899).
O fato ilícito absoluto, proveniente da construção, senso lato, distingue-se de fato da coisa. Diz-se mesmo fato da
tonstruçêto (cf. MAx VITRY, La Détermination da fait de l‟homme, de l‟animal et de la chose, 28 a.). Os arts.
1.528 e 1.529 tratam, separadamente, das duas espécies.
Se a coisa foi alugada ou emprestada a alguém e lhe causou dano (e. g., a telha caiu da cobertura e quebrou pratos
e xícaras), pensa-se que a responsabilidade é contratual (e. g., RENÉ MICHEL, De la Responsabilité des
dommages causés par les choses inanimijes, 1 a.), o que mostra ter-se exagerado o elemento objetivo, porque o
possuidor recebeu o que quis e tinha de ficar atento ao que se passava. Outros sustentam que se há de atender ao
elemento subjetivo, porque se tinha de prever o fato ofensivo para que existisse responsabilidade. (E. BONNET,
De la Responsabilité des faits des choses théorie pénérale, 223 e 247). Ora, o lesão só é contratual se se há de
entender que o contraente explícita ou impilcitamente prometeu não haver o ato lesivo, positivo ou negativo. Fora
daí, o dano é ocasional, estranho ao contrato (cf. ANDRÉ BRUN, Rapports et Domaines des Responsabilités
contractuelie et délictueile, 304 a.).
Se alguma coisa caiu de edifício ou outra construção, a responsabilidade é pelo fato ilícito. Se foi lançada, alguém
a lançou, mas há abstração da culpa de alguém: o ato entra no mundo jurídico como ato-fato ilícito.
Nos casos de danos resultantes de ruína de edifício ou outra construção, há mais do que presunção de culpa do
dono:
se os reparos ou outras medidas eram indispensáveis manifestamente (“cuja necessidade fôsse manifesta”, diz o
art. 1.528 do Código Civil), há a responsabilidade do dono pelo fato ilícito absoluto “stricto sensu”.
A precariedade da segurança, nas estradas e nas ruas, e, com as aeronaves, em qualquer lugar sobrevoado, pôs os
problemas da responsabilidade pelos fatos ilícitos absolutos, em situarão de premência. A muitos pareceu que não
bastava pensar-s~ em culpa: lançaram-se a temia da responsabilidade objetiva, a teoria do risco e a teoria do fato
da coisa. No fundo, o que se queria era não se dar margem de defesa a quem teria a culpa. O próprio conceito de
responsabilidade veio à tona, de nôvo, para discussões: a responsabilidade proveria da lei e seria baseada em
dever de garantia (cf. Lonís JOSSERAND, Les Transporte, 2Y ed., n. 558; BiENal et LOuís MAZEAUD, Traité

.~> a]
théorique et pratique de la Responsabilité civile, ~, 43 ed., 3; RENaL LALOU, La Responsabilité civile, 43 ed., 1
s.) ou simplesmente infração de dever. Viu-se a diferença entre o dano causável pelo animal, que milênios
levaram em consideração para soluções específicas, o dano causável pela coisa que alguém guarda, ou de que se
serve, e o dano causável pelo que independe da vontade do homem (pelo que êle ignora ou ainda ignora que
danifique). A 23 parte do art. 1.384, alínea 13, do Código Civil francês que aludiu ao dano causado pelo fato das
pessoas, “ou des choses que l‟on a sous sa garde”. Só em 1878 lançou-se a interpretação que viu em “choses” a
máquina (F. LAURENT, Príncipes de Droit civil, 20, n. 639, os imóveis (na Bélgica, Côrte de Apelação de Liêge,
2 de julho de 1912; Côrte de Cassação da Bélgica, 24 de maio de 1945), ou qualquer coisa perigosa (cf. HUsSoN,
Les Transformationes de la Respo-nsabilité, 138).

8.EDICTO DO PRETOR E “ACTI7O DE DELECTIS VII EFEUSIS”.


As obligationes quasi ex delicto vêm da sistemática romana pós-clássica. Compõem a classe as actiones in factum
pretorianas. Uma delas é a actio de deiectis veZ effusis, que competia contra o habitante da casa da qual se lançou
ou se verteu algo sôbre a via usável, ainda que privado o lugar. Respondia o habitante da casa, ainda que não
houvesse sido o causador do dano. Os textos principais são os da L. 1, §§ 1 e 2, e da L. 6, pr., ~ §§ 1 e 2, D., de his,
qui effuderint veZ deiecerint, 9, 8.
ULPIANO (L. 1, pr.) dá-nos o que dissera o Pretor: “Se se houver arrojado ou derramado alguma coisa em lugar
por onde vulgarmente se transita, ou onde se demora, darei, contra o que ali habitar, ação no duplo por quanto
dano com isso se houver causado ou feito” (Unde in eum locum, quo vulgo iter fiet vel in quo consistetur,
deiectum vel effusum quid erit, quantum ex ea re damnum datum factumve erit, in eum, qui ibi habitaverit, in
duplum iudicium dabo”).

408TRATADO DE DIREITO PRIVADO

Na L. 1, § 1, está a ratio legis: “Ninguém há que negue que, com suma utilidade, edictou isso o Pretor: porque é
útil para o público: que sem mêdo e sem perigo se ande pelos caminhos”. O perigo de todos está à mostra.
A L. 1, § 8, explicitou que não importava fôsse público ou privado o lugar, desde que por êle vulgarmente se
transitasse. Porque, com o edicto, o que se tem em mira é a proteção dos transeuntes, e não se cogita de ser pública
a via. Hão de ter segurança os lugares por onde se anda. Se antes pela xia não se passava e alguém transitou por
ela, e outrem arrojou ou derramou alguma coisa, não há obrigação pelo edicto.
(No direito hodierno, a solução não pode ser tão radical. Pode B ter de passar pelo lugar por onde ninguém
transitava por exemplo, se B quer medir o terreno, seja seu ou seja de outrem. A, dono da casa limítrofe, de modo
nenhum tem direito de jogar objetos no terreno que, esteja ou não fechado, há meses ou anos e sem que por êle
alguém passe.)
Não se distinguiram cidades e outros lugares (PAuLo, L.6, pr.). Nem o ato à noite, ou durante o dia (LABEÀO,
segundo PAULO, L. 6, § 1). A responsabilidade era pela culpa própria e pela dos seus (PAULO, L, 6, § 2).
A L. 6, § 2, é da máxima importância, em direito romano pós-clássico, pois que se aludiu à culpa (Habitator suam
suorumque culpam praestare debet) e por aí se vê a defeituosa sistemática do Digesto na L. 1, § 4, está escrito que
não se acrescenta menção de culpa (culpae mentio), ou de negativa (vel infitiationis), ainda que o dano por injúria
o suponha. Donde se ter de tirar que a responsabilidade não era pela culpa.
Quem foi acolhido de passagem na casa não respondia pelo dano (L. 1, § 9), salvo regressivamente. Os que
habitavam em comum respondiam solidàriamente (L. 1, § 10, e L. 2, L. 8 e L. 4).
No direito comum, a ação passou a ser de dano simples, em vez de dano duplo.
4.LEGITIMAÇão PASSIvA. Nos textos romanos e no Código Civil, art. 1.529, fala-se de habitar. Na L. 6, § 8, é
de nave, e não de casa que se cogita (Si de nave deicctum sit, dabitur actio utilis in eum qui navi praepositus sit) ;
e a L. 5, §8, foi mais explícita: se o armazenista ou o locatário de apoteca, ou quem alugou lugar sómente para isso
(guardar provisões), ou para nêle trabalhar, ou para ensinar, lançou ou derramou alguma coisa, cabe a ação in
factum, ainda que tenha sido lançada ou derramada por operários ou alunos. Habitar não está, portanto, em
sentido estrito. Mas sim no de ter posse ou tença.
A responsabilidade solidária dos que habitam em comum, ou em comunhão pro diviso, essa é inegável. A L. 1, §
10, (PAULO), a L. 2 (GAIO), a L. 8 (IJLPIANO) e a L. 4 (PAULO)
dão as soluções romanas em toda a inteireza. Habitando muitos no mesmo aposento (hoje, diríamos também
apartamento) de onde algo se lançou, a ação era contra qualquer dêles (in quemvis haec actio dabitur) porque de
regra é impossível saber-se quem arrojou ou derramou. A solidariedade era inegável (et quidem in solidum).

.~> a]
Podia-se ir contra um ou contra todos. Contra um, os outros se liberavam, mas entendamos se houve satisfação.
No direito brasileiro, a solidariedade é por parte de todos os que poderiam ser os responsáveis. Assim, se o
edifício tem duas alas de apartamentos, só uma das quais está em posição de ter coisas que caiam ou sejam
lançadas, os habitantes dos apartamentos aí situados é que são legitimados passivos. Dá-se o mesmo a respeito
dos andares.
Resta saber-se se o locador é responsável, se há comunhão pro diviso entre os locatários (e. g., o edifício é de
apartamentos, e não se pode saber de onde provelo a coisa caída ou lançada). Já no direito romano se previa a ação
contra o locador, ainda que não se tratasse de comunhão pra diviso; pois na L. 5, § 4, ULPIANO supôs a ação
regressiva do locador contra o locatário (cf. A. PERNICE, Zur Lehre vou deu Saehbeschiidigungen nach
ràmischem Rech,t, 227 s.). Em todo caso, o dono, como proprietário, e não como locador, ai, não era legitimado
passivo (L. 1, § 4).
O art. 1.529 só diz respeito à responsabilidade pelos danos causados por objetos caídos ou arremessados fora da
casa, ou parte dela (6.~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 9 de março de 1950, R. dos T., 186,
746). Assim, é preciso que atinja outro edifício, ou outro apartamento, ou outro salão, ou loja, ou escritório ou
quarto, ou cozinha, ou banheiro, que no plano da propriedade, do uso, ou do usufruto, ou da anticrese, ou da
locação seja de outrem. A responsabilidade do síndico do edifício de apartamentos, se o dano provém de obras
que êle empreendeu, com a sua vigilância, é regida pelo art. 1.521, III, ou pelo art. 159.
Também a pessoas podem ser os danos, inclusive morais.
A queda ou lançamento pode ser ofensivo ao edifício, ou outra construção, como a piscina, ou a plantação,
criação ou vasos de flôres. O dano pode ser moral, pôsto que não seja fácil ocorrer.

5. CASO FORTUITO E FÔRÇA MAIOR. O art. 1.529 do Código Civil de modo nenhum é regra jurídica de
presunção de culpa.li. DERNEURG (Pandekten, ii, 7.~ ed., § 184, 367) escreveu que, sem dúvida, a fôrça maior
libera, e cita os casos de danos em virtude de revolução ou de inimigos. O próprio H. DERNarnto, à nota 5,
adverte que as fontes não mencionam a exceção e remeteu a JOSEPH UNGER (flandeln auf eigene Gefahr,
Jahrbúcher flir die Dogmatik, 30, 416, nota 147), que dêle discordou e combateu a contradição. A doutrina certa é
a de A. ExNER (Der Begriff der hàheren Gcwalt, 28 s.> e outros. No Brasil, por citação geral do § 184 das
Pandekten de II. DERNBURG, foi responsável CLóvís BEVILÂQUA de haver alguns juristas, sem meditação do
assunto, reproduzido a proposição que H. DERNEURG ousou formular, no meio da exposição (e. g., J. M.
CARVALHO SANTOS, Código Civil brasileiro interpretado, 20, 839; ARNOLIYO MEDEIROS DA
FONSECA, Caso Fortuito e Teoria da Imprevisão, 175).
Se houve fôrça maior ou caso fortuito, como terremoto, ou abalo produzido por bombardeio aéreo, a coisa não
caiu da casa, nem dela foi lançada. A figura é outra (Tomo 1, § 82, 2, cf. § 168, 1).

6. AçÃo REGRESSIVA. A ação regressiva contra o autor do dano tem apoio no ad. 1.524 do Código Civil (cf. L.
5, § 4, de bis, qui effuderint et deiecerint, 9, 3: “Cum autem legis Aquiliae actione propter hoc quis condemnatus
est, merito ei, qui ob hoc, quod hospes vel quis alius de cenaculo deiecit, ir factum dandam esse Labeo dicit
adversus deiectorem, quod verum est. plane si locaverat deiectori, etiam ex locato habetit actionem”).

7. PLURALIDADE DE CAUSAS PARA RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL. Se a pessoa que


seria responsável pelo ato, positivo ou negativo, de outrem, por ter dever de vigilância ou de guarda, também o é
como empregado (e. g., o tutelado trabalha na oficina do tutor), discute-se se há a responsabilidade por um dos
deveres ou também pelo outro. F. ENDEMANN (Einfiihrung iv, das Studium des BGB., 915) entendia que o
dever de vigilância ou o de guarda persiste. Contra, ALFRED vON WEINRICII (fie Haftpflicht wegen
Kôrperverletzung und Tàtung ejues Men.schen, 46). Temos de tomar atitude mais atenta aos fatos: a despeito de
haver duplicidade, ou mesmo multiplicidade de causas para o dever de reparação do dano, ~aquela em que se
dispensa a prova da culpa passa à frente, salvo se o ato de modo nenhum caberia em tal suporte fáctico. Por outro
lado, há separação, às vêzes, entre atos que ficam a exame do titular do pátrio poder, da tutela ou da curatela, e
atos que se prendem a atividade empresarial (e. g., o titular do pátrio poder não pode vigiar, sem infração de lei ou
regulamento, o que o filho faz na fábrica em que trabalha).
Se a pluralidade de causas concerne a lançamento ou queda, ou se resultam de falta de reparos em construção, o
assunto perde muito da sua importância, porque há a responsabilidade pelo dano, prevista no art. 1.529 e no art.
1.528 do Código Civil, mesmo se a pessoa responsável alega e prova que foi outrem que atirou a coisa, ou que
deixou de reparar, a despeito de estar vinculado a isso.

.~> a]
8.COISAS INANIMADAS NAO REFERIDAS ESPECIALMENTE NA LEI. Nos danos causados por alguma
coisa inanimada, se há de cogitar de guarda, no sentido estrito. Mas a terça existe. No caso de veículos, ou bens
movidos por fôrça elétrica, ou a vapor, ou simples acionamento pelo braço ou pelos pés, há plus, que é o ato
humano que se insere, antes ou concomitantemente. Daí o elemento de culpa, que se prove ou que se presuma.
Mas tal pressuposto pode faltar, como ocorre com as coisas que caem de edifício, sem ter havido qualquer
lançamento. No ad. 1.529 do Código Civil focalizam-se as duas espécies: “caírem”, ou “forem lançadas em lugar
indevido”.
O problema torna-se mais delicado quanto às coisas a que os aris. 1.528 e 1.529 do Código Civil não se referem.
~Tem-se de invocar a regra jurídica geral do art. 159, ou de interpretar, analogicamente , o art. 1.528, ou o art.
1.529?
Quanto aos acidentes de trabalho, surgiu a legislação especial, e convém frisar-se que antes dela se recorria a
regra jurídica equivalente à do art. 1.527 (danos causados por animais), o que de certo modo assimilava a animais
as máquinas (também na França, cf. ANDRÉ BESSON, La Notiou de Garde dans la respon.sabilité des faits des
choses, 49). Fora dos acidentes do trabalho, há ruínas que não são de edifícios, ou de de construções, como
acontece com a barreira, ou a pedra que tem fraturas, ou a árvore que tomba, ou de que tombam galhos. Aí, seria
forçado citar-se o art. 1.527. Quanto às coisas que caem sem ser da casa e sem o fato compor situação semelhante
às das partes de barreiras ou morros de pedra, e sem serem lançadas de casas, como as que foram postas na rua, ou
na entrada, não se poderia invocar o art. 1.529, por mais largo que fôsse o sentido de “casa” ou “parte de casa” que
se desse. Porém o mesmo não acontece se a coisa cai, ou é lançada, de cêrca ocasional, ou para trabalho ou para
esporte, em terreno baldio, ou rua, ou estrada, ou floresta, como se dá com as armadilhas ou cercames para
caçadas ou pescarias. O art. 1.529 é invocável, por analogia.

9.REQUIsíTOs PARA A AÇÃO DE INDENIZAÇÃO PELO DANO CAUSADO. No Código Civil são
requisitos da ação do artigo 1.529: a) que a casa seja habitada, toda ou em parte; b) que alguma coisa caia ou seja
lançada; e) que se produza dano; d) que o lugar em que caia seja indevido. Quanto ao primeiro pressuposto, é de
notar-se o sentido largo da palavra habitar de: o locatário, ou o proprio dono, responsável pelo vigia do prédio.
Quanto ao segundo, o fato principal é a queda: não importa se intencional ou não, ou que por si tivesse caído, ou
fôsse lançada a coisa. A responsabilidade é objetiva. Quanto ao terceiro, também não se indaga da natureza do
dano. Se o houve, há de ser reparado. Quanto ao quarto, a lei cria o critério do lugar indevido, que corresponde ao
ubi vulgo iterJit do direito romano: isto é, lugar em que o público passa, ou pode entrar, ou não é de crer-se que
alguma coisa se lance ou caia. Aliás, não é preciso que se trate de lugar público:
basta que exista, de fato, passagem, acesso. fl exigência geral de segurança. No direito romano, ULPIANO
excelentemellte disse (L. 1, § 2, D., de lás, qui elfuderini vel deiecerint, 9, 3): “Parvi autem interesse debet, utrum
publicus locus sit an vero privatus, dummodo per eum vulgo iter fiat, quia iter facientibus prospicitur, non
publicis viis studetur: semper enim ea loca, per quae vulgo iter solet fieri, candem securitatem debent habere”.
Nem o direito romano nem o direito brasileiro distinguem o tempo em que se opera o dano ou em que se lança a
coisa. Diz PAULO (L. 6, § 1): “Labeo ait locum habere hoc edictum, se interdiu deiectum sit, non nocte: sed
quibusdam locis et nocte iter fit”. LABEÁO não tinha razão; PAULO cortou-lhe, pela raiz, o argumento: porque,
por alguns lugares, também de noite se passa.
O réu pode defender-se, alegando: a) que nenhum dano sofreu o autor da ação; b) que não habitava a casa, outro
era o habitante (ai, o hóspede não responde ao danificado; contra êle o habitante do prédio, ou de parte, pode
exercer, se o hóspede foi o culpado, a ação regressiva) ; e) que o lugar em que caíra a coisa era destinado a queda
ou lançamento de objetos. Exemplo: tanque de lixo, em quintal fechado, proximo à janela da cozinha. Não seria
indevido o lugar.
É preciso que o dano se tenha operado. Não se pode, com a ação do art. 1.529, evitar dano possível, ou provável,
de coisa prestes a cair, ou habitualmente lançada em lugar indevido. Já G. L. BÕEMER advertia que em tal
situação haveria o vulgo de recorrer à polícia. Mas há a medida cautelar, bem como a ação cominatória. com a
invocabilidade do art. 302, VII ou VIII ou IX, do Código de Processo Civil. A medida cautelar mais aconselhável
é a de caução (art. 676, IV). Tratando-se de defeitos de construção ou perigos oriundos de muralhas. pedreiras ou
montes, a vistoria (art. 676, VI).
Se o autor do dano por exemplo, o louco entrou na casa. para lançar a coisa, 011 provocar-lhe a queda, ias
circunstâncias podem, pela acidentalidade do lugar escolhido, afastar

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4 a ação do art. 1.529? ~O habitante não seria o responsável Responsável seria o indivíduo que
1 procurou o lugar para causar o dano. M. G. WERNHER diria que as duas ações caberiam.
4 (Commentatioues lectissimae ad Dzg esta, ao Til, de 1145, qu2. effuderint, vel deiecerint, § 8). Mas,
em verdade, podem caber as duas, ou só uma. As circunstâncias é que decidirão . Exemplo: após uma rixa, um dos
contendores entra na residência de alguém e lança sôbre o outro algum objeto. Não cabe a adio de deiectis. Seria
o caso da actio legis Aquitiae. Se o louco entrou na casa, acolhido pelo habitante, e de lá. lançou a coisa, há a
responsabilidade do habitante. Se o ladrão penetrou e lançou pela janela algum objeto, dificilmente sa pode
provar que foi êle, mas, ainda que se prove que , não se há de retirar a responsabilidade do habitante, porque não
tomou as providências necessárias para a casa não ser invadida. No caso do louco, dá-se o mesmo: o habitante
tinha de defender-se e não poderia forrar-se à responsabilidade porque o louco entrou na casa contra a sua
vontade. Complica-se a questão se o louco matou ou o ladrão matou o habitante, que reagira, ou antes que êle
reagisse. A solução éa de só em circunstâncias tais se admitir que o residente não seja o responsável.
O Código Civil somente fala de casa. Mas do próprio art. 1.529 há de tirar-se o bastante para interpretação. Não é
de aplicação analógica que cogitamos, e sim de interpretação da lei, fixação do seu conteúdo, verificação do
significado extensivo da palavra casa. No art. 1.529, casa significa: a) o edifício destinado a habitação doméstica)
; 6) o edifício, destinado ao exercício de alguma profissão, como os que alugam os advogados, médicos,
costureiros, ferreiros e demais profissionais; e) as barracas, carros aproveitados como habitação de família ou
destinados ao trabalho; d) as partes separadas, como as garages, os galinheiros, os banheiros, os pombais; e) os
navios e as aeronaves; 1) os troles, os carros para acampar, ou para estadas rápidas.
O art. 1.529 traz à tona a ação aplicável em casos de danos oriundos de navios e aeronaves. A questão preliminar
é a de se saber atual o direito que deva reger a espécie: se o civil, se o comercial. É civil o direito. Os navios não
trazem questões novas. Nos portos são como barracas. Não se passa o mesmo com as aeronaves, cujo direito civil
é mais internacional do que nacional.
Temos de separar, por conveniência de método, os assuntos: a) indenizabilidade dos danos (direito civil aéreo) no
sistema do Código Civil; b) o direito civil internacional, já elaborado ou em elaboração; o) a regulamentação
nacional das aeronaves, no que pode interessar ao direito civil.

10.DANOS CAUSADOS POR AERONAVES. Escrevemos em.1930 (Das Obrigações por atos ilícitos, II,
377-401) : “Em nenhum artigo do Código Civil se falou de aeronave. Como o cinematógrafo e o rádio, o avião
não interessou o legislador brasileiro de 1916, mesmo nos capítulos em que era de prever
-se a alusão. A aeronave vai alterar enormemente os próprios dados de geografia humana: distâncias vão
encurtar-se, paises, que antas não podiam ser atacados por outros, ou que só dificilmente o seriam, por não serem
limítrofes, passarão a ser prêsas fáceis. No direito comercial, pela crescente importância econômica e mercantil
do avião, capítulos novos surgem. e por todo o corpo do direito comercial aplicações extensivas e aplicações
analógicas, que atendam a êsse nôvo conj unto de relações que a navegação aérea suscitou. No direito civil,
igualmente. Mas, aqui, cresce de ponto o assunto da responsabilidade pelos danos. À conquista do espaço, por
mais seguro que seja, corresponde possibilidade mais extensa de danos. Os que se conheciam eram dependentes
da continuidade horizontal: os que derivam da aeronave podem recair em quaisquer casas, homens, animais,
porque são de cima, de veículo que se desloca por sôbre as cidades e os campos, os mares e os rios. Por outro lado,
trata-se de danos que se produzem a. grande distância, danos cujos causadores imediatos nem sempre se podem
apontar. Um trem, vê-se passar, e sabe-se qual foi: vê-se-lhe o número, a forma, sabe-se onde pára. persegue-se.
A aeronave, não. Causa o dano e já está. longe. Ao surgir a navegação aérea, aplicada, tendente àutilizacão,
sedenta de eficiência prática, os juristas como <me se debrucaram sôbre as suas concepções do direito. Era fato
nôvo, e êles queriam soluções já feitas (3. BATICTUE. Dc la Responso biTité des Comnagnies de „navigation
acrienfle dans les aecidents, 15). Não admira que um déles dissesse: “Si le droit cst vraiment la résultante des
expériences accumulées par les générations précédentes, nous nous trouvons dans une situation particuliêrement
délicate pour bâtir une l‟egislation aérienne, en l‟ahsence des directives que l‟inexistence de ce moyen de
transport à leur époque ne permet pas a nos prédécesseurs de nous léguer”. Ora, o escritor francês partia de
premissa falsa. Experiências, sim; porém não experiências que necessAriamente tenham de ser longevas. Se
procuramos a formação de algumas regras jurídicas, o que lhes encontramos contradiz, várias vêzes, a afirmativa
em que se apoiou. Na primeira fase do direito, que é de formação evidentemente pluralística, de fato em fato,
patenteia-se a revelação imediata, contemporânea ao próprio caso submetido ao julgamento. Bastaria isso para se
tirar qualquer valor à advertência do jurista francês. Aqui, ainda admitido que a navegação aérea não nos tivesse

.~> a]
mostrado, pelos fatos, a natureza dos seus danos, seria o caso para aquela forma superior de experimentação, a
que, noutro lugar (Sistema de Ciência Positiva, do Direito, II, 413 sj, nos referimos: “Além do valor como dado de
método, tem a experiência o valor de dado fisiológico e físico. Quando a criança toca no ferro de engomar, retira
de pronto o dedo; depois, quando encontra o ferro, procede com mais prudência: a lembrança, a imagem
mneumônica, é aquisição. Sem contar com a experiência científica, apresentam as sociedades grande cabedal de
experiências próprias, como o das plantas e animais (movimentos das plantas insetívoras, contrações,
peristálticas dos intestinos, inervacão de músculo conseguida por acaso, e reprodução dela a fazer no homem
habilidade que outros não têm, e outras aquisicões mais úteis). Na possibilidade de repetir o ato que foi útil ou
agradável, está o fio do mistério da opulência espiritual, porque, com tal faculdade, se abre ao ser toda a infinita
estrada da sua evolução quantitativa, pois as assimilações, instintiva e intelectual, são conversões dinâmicas de
materiais caracteristicamente extensivos . Tais conversões é que dão a ilusão da diferença radical entre o homem
e os outros animais: o qualificativo é apenas a quantidade convertida. 1-lá forma de experimentação, que não
pode ser renegada: a que se faz mental-
mente, por abstração, e pela qual, representados os fenômenos em condições simples hipotéticas, procedemos ao
exame do que nos interessa. O valor de tal processo é apenas mais relativo do que os outros, pôsto que possa
servir com igual fecundidade, em colaboração com a experimentação material, ao desenvolvimento das ciências.
Dois caminhos principais podiam ser seguidos: a) buscar-se ao direito vigente, ou por interpretação extensiva,
que, já se vê, seria norteada pelo lamentável subjetivismo voluntarista que tanto temos exprobrado aos velhos
juristas (Subjektivismus und voluntarismus im Recht, 5.22) e emprestaria ao legislador previsão que em verdade
lhe não cabia, ou, abertamente, pela analogia; b) conhecermos as novas relações criadas pela navegação aérea e,
pelo método experimental indutivo, elaborar-se, em revelação científica, a regra jurídica. Tal solução supõe e é
compatível com a consulta a certos elementos técnicos tidos por principais no direito similar vigente.
(a)Tivemos de enfrentar o assunto em 1930, e dissemos:
“Já não é sem princípios gerais de direito a matéria de danos causados pelas aeronaves. No próprio direito
brasileiro, aplicam-se nos casos omissos as regras jurídicas concernentes aos casos análogos, e se não as há, os
princípios gerais de direito. A analogia com os danos causados pelos automóveis é irrecusável se o Estado tem
legislação especial a respeito, facilita-se o tema da ressarcibilidade dos danos causados pela navegação aérea. Nos
Estados em que não há tal legislação, nem outra que regule a responsabilidade extracontratual dos veículos ou
máquinas de locomoção, só em parte caberia pensar-se nos arts. 1.528 e 1.529, pois somente tratam dos danos
resultantes da ruína de edifícios ou construções, e das coisas caídas ou lançadas em lugar indevido. A questão, ex
hypothesi, não nos interessa: a pesquisa não pode chegar ao critério de interpretação extensiva ou de analogia.
Restam-lhe ditames gerais de direito. Quais são êles? ,„,Já existem, em navegação aérea, tais princípios? Antes de
ferirmos a segunda pergunta, devemos fixar o que se entende por aquêles princípios e percorrer o direito que
possa conter, se não a forma concreta dêles, pelo menos os seus germes ou elementos criadores. Direito êsse que
pode ser nacional dos diferentes Estados ou o interestatal em formação. Quanto aos princípios gerais de direito,
expressão vinda do Código Albertino, artigo 15, diferentemente do Código Civil austríaco, § 7, que fala em
princípios do direito natural, teríamos de ater-nos à responsabilidade por culpa e pelos atos dos empregados.
Noutros sistemas jurídicos encontramos divergências assaz acentuadas:
(a)Principio da responsabilidade objetiva. Assim lê
-se na Lei francesa de 31 de maio de 1924, art. 6:3: “Uexploitant d‟un aéronef est responsable de plein droit des
dommages causés par les évolutions de l‟aéronef ou les objets qui s‟en détacheraient aux personnes et aux biens
situés à la surface. Cette responsabilité peut être atténuée ou écartée par la faute de la victime”. Na Suiça,
adotou-se (anos antes) o critério de responsabilidade fundada no risco, e o Conseil Fédéral Suisse, a 27 de janeiro
de 1920, duramente estatuiu: “Sont iresponsables, solidairement et indéfiniment avec le coupable, de toutes
obligations de droit public naissant de la circulation aérienne et de tout dommage causé à des biens par un aéronef
ou la manoeuvre de celui-ci, ainsi que du dommage causé au bien d‟atterrissage: 19) le titulaire du permis de
navigation établi pour l‟aéronef; 2.0) celui qui a la maitrise de l‟appareil”. Não se pode invocar a fOrça maior. Por
isso, EDMONTY PITTART (La Législation aérienne en Suisse, Ii Diritto acronautico, 1, 4) considerou a solução
“lógica” e “draconiana”; mas (o próprio crítico advertiu) isso corresponde às exigências atuais, e já os meios
aeronáuticos compreenderam e admitiram a necessidade. Na Inglaterra, o Air Navigation Ad, de 23 de dezembro
de 1920, art. 9, estabeleceu que os danos ou perdas causados por aeronave durante o vôo, seja ao partir, seja ao
chegar, ou por pessoa que se ache nela, ou por objeto que caia, quer a pessoa, quer a propriedade situadas no
território, ou sôbre água, são ressarcidos pelo proprietário da aeronave, sem ser preciso que se prove negligência
ou intenção de lesar, ou qualquer outro motivo legal de ação, como se o dano fOsse causado por ato voluntário,

.~> a]
negligência ou êrro: salvo se o dano ou a perda derivou da pessoa que o sofreu, ou se essa para isso contribuiu.
Note-se a diferença em
relação à lei francesa: a inglêsa, no caso de contribuIção da vítima, só admite um critério, que é a exclusão da
responsabilidade; a francesa adota critério de graduação: ou a atenuação, ou a escusa completa. A
responsabilidade objetiva prevaleceu na Rússia soviética, em virtude do Decreto do Conselho dos Comissários do
Povo, de 17 de janeiro de 1921, artigo 22; na Lei alemã sôbre Navegação Aérea, de 19 de agôsto de 1922, § 19; na
Lei aeronáutica norueguesa, de 7 de dezembro de 1923, art. 37; na Lei dinamarquesa de aeronáutica, de 19 de
maio de 1923, art. 36; e na hei búlgara, de 23 de julho de 1925, art. 22.
(b)Principio da inversdo do ánus da prova. Solução italiana, se se adotasse a interpretação mais aceita, que era a
de GIUSEPPE CORTESANI (La Responsabilitâ nel diritto aereo, 30), e outros, à Lei de 28 de agôsto de 1923, ad.
38. Causado o dano pela queda de coisas, quer ao sair, quer ao chegar o aeromóvel, o ônus da prova cabe ao
demandado, e êsse só se escusa provando fôrça maior. Pela natureza da inversão, pode provar que não foi o autor,
nem derivou do aeromóvel (a despeito dos argumentos e da opinião mais corrente, parece que a interpretação de
MUSTO (L‟Aeromobile, 55 s.) responsabilidade objetiva parcial, melhor diremos excetuável traduziria melhor a
solução italiana. Quanto ao concurso de culpas, o art. 40 da Lei italiana estatuiu: “Nel caso di concorso di colpa da
parte del danneggiato si applicano le regole di diritto comune”. Dificuldade grave, por que a doutrina italiana, na
falta de regra jurídica de direito comum, era divergente. Cumpre notar outras particularidades da lei italiana: a
fôrça maior excusatória, que a legislação dos outros povos não acolheu; a desigual tratação do jato e da queda das
coisas estantes no aeromóvel.
(c)Principio do direito comum puro. Por bem dizer-se, e a negação de qualquer pesquisa das relações. Diante dos
f atos novos da vida, o intérprete nada procura, nada ousa, nada quer. O que êle pretende é que o texto legal, o
princínpio comum, de generalidade fria, cubra também, com a indiferença típica, todos os danos não previstos
por Me, e assaz diferentes daqueles de que o próprio princípio comum nasceu. Apriorismo, fôrça que se subsuma
no artigo legal da responsabilidade fundada na culpa e dano, causado pela aeronave, dano em que a situação do
responsável e a do lesado são evidentemente desiguais. Pesquisa, que concluísse por êsse princípio, seria a
negação de si mesma. Tem-se de afirmar a existência de relações novas, porque, na espécie, existem e são causa
das controvérsias. Grosso modo, o pesquisador só tem dois caminhos:
o de afirmar a responsabilidade objetiva; o de inverter o ônus da prova. Antes de qualquer outra legislação, por
iniciativa do jurista americano S.IMEON E. BALDWIN, legislou sôbre danos causados por aeronaves o Estado
de Connecticut (Lei de 8 de junho de 1911, sec. 11: “Every aeronaut shall be responsible for ali damages suffered
in this state by any person from injuries caused by any voyage in an airship directed by such voyage, his principal
or employer shall be responsible for such damage”. Era o principio da responsabilidade pela culpa, porém sem as
exonerações.
As considerações acima feitas constam do livro Das Obrigações por atos ilícitos, Tomo II (1930), e no mesmo ano
lançamos, no plano do direito internacional público e privado (e do direito das gentes), o principio da necessidade
da permissão de cada Estado para sobrevôo do seu território (Conferência Internacional de Navegação Aérea, na
Haia, em 1930).
Quanto ao direito privado internacional, o art. 19 do Código Internacional do Ar (inserto, sem razão, na parte de
direito público aéreo) diz: “En tout cas, le préjudice causé donne lieu à réparation”. No livro II, relativo ao direito
privado aéreo, há duas regras jurídicas concebidas como prin.cípios: “La responsabilité est basée sur le risque”
(art. 48). “La responsabilité p~se également et solidairement sur celul qui a la propriété de l‟aéronef et celui qui en
a la maitrise juridique” (art. 49). Nas relações jurídicas internacionais, que são o principal em matéria de
navegação aérea, porquanto, pela grande velocidade, as aeronaves dificilmente restringem o vôo aos territórios
nacionais, dois caminhos que nos outros ramos do direito se divisam tarde logo tomaram o aspecto de problema
inicial, optando-se pelo segundo, mais próprio: as regras de direito internacional privado, com o pressunosto de
legislações do ar diferentes nos Estados ou discordantes aplicações de direito comum; b) legislação internacional
do direito aéreo privado. É digna de menção essa preferência pela formação de direito geral, o que se explica com.
o fato de ter sido o direito civil fruto de círculos nacionais e surgir o direito aéreo, como o cinematográfico, o
radiotelegráfico e radiotelefônico, em momento de formação já acentuada de círculos maiores. Alhures já o
haviamos apontado. No Systema de Ciência Positiva do Direito (1, 238 s. e 230 s.), escrevemos: “A sociedade é a
grande realidade econômica, moral, jurídica, etc.: entidade real e concreta, de que o indivíduo é produto. A cada
círculo, que se forma, correspondem variações íntimas da mentalidade individual, variações imperceptíveis, mas
profundas, e, se é certo que são linhas centrifugas transcendentes que servem à formação dos novos círculos, é a
êsses, depois de fechados, que cabe a influência, agora centrípeta, sôbre todos os elementos interiores. Idéias que

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seriam inaceitáveis e impossíveis ao homem da tribo, teve-as o cidadão romano, e o que por êsse não poderia ser
pensado e impôsto constitui evidência para o indivíduo das sociedades civilizadas do século XX. Há ainda muitos
círculos que podem ser traçados, além do Estado, e dentro de todos êles terá de aperfeiçoar-se o organismo social,
de modo que o homem poderá adaptar-se indefinidamente a quadro social, econômica, moral, jurídica, política,
religiosa e estêticamente „mais largo e melhor. Os grandes pensadores modernos não se acham mais dentro do
círculo dos Estados, mas da humanidade. Há direito absoluto, escreveu um dêles; é o que assenta no conceito de
humanidade, provado pela ciência natural, e é absoluto, como o é a própria humanidade. A humanidade veio a
integrar-se e prossegue na obscura faina de se integrar. Em algumas gerações, em quinhentos anos por exemplo, a
posteridade de um homem compreende número aproximado ao da humanidade.. De modo que há em cada
homem a substância de grande parte dos homens que viveram há cinco séculos e grande parte da humanidade que
viverá daqui a outro tanto tempo”.
O assunto será tratado no capitulo em que a exposição se refere aos danos causados por transportes, onde
acentuaremos o que seja concernente aos danos aos passageiros e às cargas.

§ 5.522. Danos causados por edifícios e outras construções

1. edifícios E OUTRAS CONSTRUÇÕES. A responsabilidade pelos danos causados por edifícios, ou


construções, está explícita em regra jurídica do sistema jurídico brasileiro. Porém alcança mais do que os danos
que provêm de construção (ponte, muro, muralha, postes, trilhos) ou de edifício. Os desmoronamentos de morros,
ou quedas de pedras, ou correntes de água, podem dar ensejo à invocação da lei. Apenas há diferença quanto ao
ônus da prova.
Lê-se no Código Civil, art. 1.528: “O dono do edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua
ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fôsse manifesta”. A responsabilidade que aí se estatui
não é responsabilidade pelo risco, mas sim responsabilidade por fato positivo ou negativo que deveria ter sido
eliminado, e não foi. Há infração da lei. Há dever de conservar os edifícios e as construções em situação tal que
não causem danos. O possuidor de ruínas responde como o possuidor de nôvo edifício. Nada se disse sôbre o ônus
da prova da “falta de reparos, cuja necessidade fôsse manifesta”; mas a alegação pelo demandante basta, pois que
a regra jurídica teve por fito estabelecer presupostos para a incidência da regra jurídica.
Temos de interpretar o art. 1.528 sem o reduzir a regra jurídica sôbre responsabilidade pela culpa.
O demandante alega que havia necessidade manifesta de reparos. O dano tem de ter sido causado pela instalação
defeituosa, ou pela conservação defeituosa. Ser manifesta a necessidade resulta do exame das circunstâncias. Isso
não significa que se trate de responsabilidade pelo risco: o demandado pode provar que a ruína não era manifesta,
que a necessidade de reparos não existia, como, por exemplo, se o muro ou o poste de sinais, ou telégrafo, ou
telefone, tombou, porque houve tremor de terra, ou a explosão de alguma mina ou demolição próxima foi a causa.
Cumpre, porém, advertir-se que a tormenta, a chuva, o fato de haver perto a explosão não pré-exclui o dever de
indenizar, se, tendo havido os reparos, o dano não ocorreria. Aliás, a lesão pode ser com nexo causal imediato ou
mediato; e. g., pode ter caído a janela, ou o gradil, como pode o poço ter enchido durante as chuvas torrenciais e a
filtração ter atingido a casa vizinha. O dano pode ~er causado abaixo ou acima do elemento causal (e. g., o
desabamento tanto pode atingir a parede ou o telhado do vizinho como podem as fagulhas provenientes do
curto-circuito ter causado o incêndio no edifício vizinho, mesmo em andar superior). Basta que o nexo causal seja
com pequena parte da construção, como é o caso da cortina de plástico que fôra mal pregada, ou da porta de cristal
que se despregou.
Se a casa estava cercada e alguém nela penetrou, sem chamada ou permissão, e sofre o dano, não se perfaz a
figura do fato ilícito. Se o ofendido veio por motivos plausíveis ao lugar do dano, sem ter aviso do perigo, e. g., se
é empregado da Saúde Pública, ou se o proprietário o encarregou de uma planta de nova construção, cabe a ação
de ressarcimento dos danos. Uns sintetizam: se há motivo plausível, cabe a ação; se não há, não cabe. Outros: a
regra é a da responsabilidade do proprietário; mas desaparece em caso de culpa da vítima.
O art. 1.528 é invocável quando o dano é causado pela queda de um pombal, ou de um galho de árvore (cf. REINE
.SPILLMAN, Sens ei Portée de l‟Évolution de la Res-ponsabilité civile depuis 1804, 23 s.).
O arE 1.528 do Código Civil, como o art. 1.386 do Código Civil francês, não estabelece regra jurídica explícita
sôbre ônus da prova de ter bem construído, ou não haver falta de reparos, por parte do dono do prédio (cf.
ALFRED VON WEINRICH, Die Ilaftnflicht wegen Kõperverletzung und Tddtung ejues Men.sefleu nach deu im
Deutschen Reich geltendeu Rechten systematisch dargestellt, 106; CARL MITTWEG, Die unerlaubten
Handlungen nach BUR., 57). Mas tem-se de admitir que, provada a ligação causal, por ter havido

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desmoronamento, ou outro acidente do edifício, e o dano, tem o dono do prédio o ônus da prova de que está
incólume à alegação de culpa (daí não se tire, portanto, que a responsabilidade seja pelo risco, como sustentava
OTrIrO VON GTERKE, Deutsches Privatrecht, III, 957).
A lei exige ser manifesta a necessidade do reparo, inclusive, entenda-se, da demolição, para se evitar a ruína. O
vicio pode estar na construção, e só ser manifesta a quem conhece o plano e o emprêgo de materiais. O que é
preciso éque o vicio ou êrro seja manifesto para o técnico, ou para o dono do edifício. Por isso mesmo, se o
subsolo exigia alicerces mais sólidos, por ser grande, por exemplo, a infiltração de água, há responsabilidade,
porque aos técnicos cabe verificar os terrenos antes de planejarem as bases e a manifestação há de ser a quem
esteja habilitado a construir. Seria absurdo que o ignorante, ou o cego, ou o menor, ou o louco, dono do edifício,
não tivesse de reparar o dano que resultou ou vício ou êrro manifesto no sentido técnico da construção. O êrro do
construtor ou de técnico, e. g., eletricista, gera responsabilidade do proprietário.
Também determina a responsabilidade do proprietário a falta de medidas para que o edifício ou outra construção
mio se arruine, não desmorone, no todo ou em parte, ou não faça, por exemplo, correr água sôbre o teto do
vizinho.
Se há os pressupostos do art. 1.528 do Código Civil, não é preciso provar-se-lhe culpa (sem razão, MÁRIO Cozzi,
La Responsabilitâ, civile per dauni de cose, 159).
A atitude que sempre tivemos diante do art. 1.523 do Código Civil é a que o salva, sem o dizer inútil, diante da
técnica legislativa, que não admitiria repetir-se no art. 1.528 o que já se compreenderia nos arts. 159 e 1.518. Se
fôssemos exigir ao demandante a alegação o a prova de haver ruína (senso lato, aliás) e de ter sido manifesta a
falta de reparos, quase se impossibilitaria, ou se impossibilitaria, em muitos casos, o exercício da ação de
indenização. ~ Como poderia o vizinho provar que tinha de ser reparada a parede do edifício se o êrro foi do
engenheiro? &Como, tendo caído o edifício, se provaria a falta necessária de reparo se o desabamento ou
incêndio da construção resultou de defeito da instalação elétrica?
O Que o demandante tem de provar é a causação (ruína, dano), e não o que só o demandado há de alegar e provar.

2.DIREITO BRASILEIRO E DIREITO COMPARADO. Lia-se no art. 1.650 do Projeto primitivo: “O dono de
um edifício ou de urna construção responde pelos danos resultantes de sua ruína, se esta resultou da falta de
reparação oportuna e cuja necessidade era manifesta”. Emendou-o a Comissão no Projeto revisto, art. 1.822: “O
dono de um edifício ou de uma construção responde pelos danos resultantes de sua ruína, se esta provier de falta
de reparação, cuja necessidade era manifesta”. No Senado (Projeto de Código Civil brasileiro: Parecer do senador
RuI BARBOSA, 485), foi dito: “O dono do edifício ou construção responde ...., se esta provier da falta de reparos,
cuja necessidade fôsse manifesta”.
Mais se preocuparam ou só se preocuparam com a redação, e não com o conteúdo. Tinham de examinar a
evolução da técnica legislativa, a respeito do assunto.
No Código Civil francês, é assaz individualista a organização da propriedade imobiliária: regras e silêncio da lei
denunciam tal espírito. Mas, na prática, procurou-se obviar a isso pela extração de regra geral sôbre os limites
ordinários do direito de usar da propriedade, em função dos direitos dos vizinhos. Era mais um dos casos de
ilicitude do abuso do direito. Perguntou-se, na França: ~ ao lado de tal dever de não usar, de maneira danosa, da
propriedade, existe o de bem construir e de conservar? Erga amues, não, respondeu-se. Mas, em relação ao
lesado, sim. Em todo o caso, pareceu larga indução, pois o art. 1.886 do Código Civil francês somente cogitou da
ruína: “Le propriétaire d‟un bàtiment est responsable du dommage causé par sa rume, lorsqu‟elle est arrivé par
une suite du défaut d‟entretien ou par le vice de sa construction”. Trata-se de culpa, mas de culpa objetiva. Culpa
que (melhor, aqui, falta) é de mister provar-se; não se presume. Não quer sso dizer que o art. 1.886 seja sem
alcance, pois, provada a culpa objetiva, será responsável o proprietário sem qualquer meio de exculpação.
Têcnicamente, a regra jurídica tem valor prático e teórico, que se deve examinar, tal como foi interpretada.
No direito inglês, não há regras jurídicas especiais, mas o largo dever de segurança serve aos fins do art. 1.386 do
Código Civil francês. No caso Rylandes versus Fletcher, decidiu-se: “Se alguém acumula em seu terreno coisas
que, escapando-se, podem causar danos aos vizinhos, assume os riscos. Se êsses objetos se escapam, e causam
danos, será essa pessoa responsável, não obstante ter tido cuidados e precaw. ções para evitar os danos”. A
responsabilidade deixa de existir no caso de act of God (fôrça maior), ou fato de terceiro, ou autorização
legislativa, como se foi autorizado um canal
(A. GÉRAItD, Les “Torts” ou déiits civiLs eu droit anglais, 280). A jurisprudência sempre vai até lá. Por vêzes
tem sido mais indulgente. Exclui-se a responsabilidade: se o lesado veio ao imóvel em virtude de permissão
(expôs-se ao perigo, sofra-o) ; se o defeito não era suscetível de ver-se, ou, melhor, de ser visto por pessoa

.~> a]
razoàvelmente cuidadosa. Firma-se a responsabilidade, por exemplo, em casos de cair um vaso de flôres sôbre os
que passam, de se quebrar a ponte ao passar o comboio, ou de se desmoronar a casa em construção. Se há posse
imprópria, a responsabilidade é do possuidor, e não do proprietário, salvo se êsse faltou aos seus deveres. Diz J.
C. MILES (EDwA1tD JENES, A Digesi of Engiish Civil Law, li, parte III, 405 s.) : “A person who, for bis own
purposes, brings on land in his occupation, and collects and keeps there, anything likely to do mischief if it
escapes, is prima fade answerable for all damage to the land of another which is the consequence of its escape.
But he can excuse himself by showing that the escape was due to the plaintiff‟s default, or to the “act of God” (vis
major)”.
No direito austríaco, o Código Civil de 1811 não cogitava, em particular, dos casos de responsabilidade pela ruína
das construções; e só no § 387 se referia a isso como causa da perda da propriedade. Por outro lado, em matéria
mobiliar, refusava a actio damni infeeti (§ 1.319). Em 1916, substitui-se o texto: “Se, pela queda ou separação de
parte de um edifício ou de obra construída em terreno, alguém é lesado ou sofre prejuízo, o possuidor do edifício
ou obra é obrigado à reparação, se o acontecimento resulta do estado defeituoso da obra e se não prova ter
empregado todos os cuidados exigidos para afastar o perigo”. Trata-se de construção arruinada ou ainda não
acabada, pois a razão é a mesma (ARMIN EIIRENZWEIO, System des &sterreiehischen allgemeinen
Privatrechts, II, § 402, 616).
Quanto aos imóveis, o Código Civil austríaco, § 343, estatui: “Se o possuidor de um direito real pode provar que
edifício já existente ou qualquer outra coisa dependente de outrem ameaça ruir, e lhe faz temer manifesto dano,
pode prece-
der judicialmente para obter caução se não houve suficiente diligência, quanto à segurança pública, pela
autoridade publica”. O proprietário, obrigado a prestar caução, disso pode exonerar-se pela derelictio do imóvel.
A regra jurídica serve ao proprietário, ao titular da servidão; não, porém, ao locatário.

O Código Civil brasileiro só se reporta às ruínas; porém a ruína desligamento, escapar de traves, desmoronar de
paredes pode ser posterior ou anterior a se acabar a casa ou outra construção. A razão de uma prevalece para a
outra; sendo, como são, idênticas as relações, a regra induzível é a mesma. SÉ-lo-ia, ainda se não constituísse
critério legal explícito a interpretação por analogia.
No Código Civil português, segue-se o pensamento francês (art. 2.395) : “Se algum edifício, que ameace ruína,
cair e prejudicar alguém, responderá pelo dano o dono do dito edifício, provando-se que houve negligência da sua
parte em separá-lo, ou em tomar as precauções necessárias contra o desabamento dêle”. Não se cogita do meio de
prevenir a ruína. Há, porém, o art. 2.828: “No seu próprio prédio ninguém poderá abrir poços, fossos, valas, ou
canos de despejo junto do muro, quer comum, quer alheio, sem guardar a distância, ou fazer as obras necessárias
para que dêsse fato não resulte prejuízo ao dito muro”. No § 1.0. “Observar-se-ão, nesta parte, os regulamentos
municipais, ou administrativos”. E no § 2.0:
“Logo, porém, que o vizinho venha a padecer danos com as obras mencionadas, será indenizado pelo autor delas,
salvo se tiver havido acôrdo expresso em contrário”. Ainda o artigo 2.355: “Se a violação provier de qualquer
obra nova, a que alguém dê comêço, poderá o ofendido prevenir-se e assegurar o seu direito embargando a obra”.
Trata-se de violação da propriedade.
No Código Civil espanhol, diz o art. 1.907: “El propietario de un edificio es responsable de los dafios que resulten
de la ruma de todo ó parte de él, si ésta sobreveniere por falta de las reparaciones necesarias”. Não se fala em vício
de construção, nem a sanção corresponde à plena responsabilidade do sistema francês. Restam, porém, outras
regras jurídicas. Diz o art. 1.908: “Igualmente responderán los de los dalios causados: 12. Por la explosión de
máquinas que no hubieseu sido cuidadas con la debida diligencia, y la inflamación de sustancias explosivas que
no estuviesen colocadas en lugar seguro e adecuado. 22. Por los humos excessivos, que sean nocivos á las
personas ó á las propiedades. 32. Por ia caída de árboles colocados eu sitios de tránsito, cuando no sea ocasionada
por fuerza mayor. 42. Por las emanaciones de cloacas ó depósitos de materias infectantes, construídos siu las
precauciones adecuadas ai lugar en que estuvieseu”. E o artigo 1.909: “Si el dailo de que tratan los dos artículos
anteriores resultar por defecto de construción, el tercero que lo sufra sólo podrá repetir contra el architecto, ó, en
su caso, contra ei constructor, dentro del tiempo legal”. A regra jurídica do art. 1.908 é enunciativa, e não
limitativa.
No Código Civil francês, art. 1.386, e na Lei suíça de 1911, art. 58 (bem assim no projeto húngaro, § 1.487), e no
Código Civil brasileiro, art. 1.528, não se fala da queda acidental: o que os preocupa é a ruína. Mas, naquelas leis,
a exculpação não pode ser oposta. Há quem o afirme, devido ao texto do § 343, no direito austríaco (A. MACES,
Ober Nachbarrecht, 38; L. PFAFF, Gutachten, 47) mas, diz ARMIN EHRENZWEIO (System des

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àsterreichischcn allgemeinen Privatrechts, II, 617), que não tem razão. No direito alemão e no austríaco
permite-se a prova liberatória. Tal prova consiste em deixar-se assente, que, para se afastar o perigo, foram
observados todos os cuidados exigidos. Quer dizer: aquêles que, razoavelmente , nas relações com as outras
propriedades ou pessoas, deviam ser tomados. Mas contra tal exegese há interpretações judiciárias: as
circunstâncias devem entrar em conta na aplicação do conceito. ,Precisa-se ter conhecido o perigo? Sim, dizem
outros. Na Áustria, respectivamente, ARMIN EHRENzwEIG (S‟ystem des dst errei chischen allgemeinen
Privatrechts, II, 617) e a decisão de 16 de fevereiro de 1918. Ora, tal solução se choca com a afirmativa de que não
é possível a prova liberatória da não-culpa (Schuldlosiqlceit). Também se responde, no direito austríaco: a) se não
houve culpa no obstáculo (e. g., doença, ausência) a que se tomassem as devidas medidas: b) se o proprietário ou
nossuTdor é incapaz de atos ilícitos (handlungsunfàhig), uma vez que o representante não
tenha observado os exigidos cuidados (OTTO VON GIERKE, Deutsches Privatrecht, III, 957, nota 101). Mas,
em regra, não responde (II. DERNBURG, Das BuirgerUche Recht, ~ 2.~ parte, § 398). Queria H.
DITTENBERGER (Schutz des Kindes, 64) que o representante legal responda de acôrdo com a regra jurídica
sôbre danos causados por edifícios ou outra construção. Contra isso se manifestou OTTO VON GIERRE.
No Código Civil alemão, o § 836 contém presunção de culpa do possuidor, solução essa (advirta-se), diferente da
que está no Código Civil francês, art. 1.386, na Lei suíça, artigo 58, e no Código Civil brasileiro, art. 1.528. A
presunção de culpa digamos o T/erschuldungsprinzip atuou no direito alemão pelo influxo romano (OTTO VON
GIERKE, Deutsches Privatrecht, III, 954), e, quanto ao próprio Código Civil francês, ZAcHARIAE-CItOME e
outros o vêem no art. 1.384. Mas, em verdade, no próprio direito alemão, o que se permite é apenas a exculpação.
É de grande importância afastar-se qualquer idéia de proximar-se a culpa. No direito brasileiro, o ad. 1.528 não se
funda nisso: provém de outro sistema (francês e suíço), e não do austro-alemão. Daí não se poder, sequer, fazer a
prova exculpatória positiva dos “cuidados precisos”. Tem-se, pois, de provar: a) Que a ruína não provém da falta
de reparos.
b)Que z~ necessidade dos reparos não era nuinif esta. Exclui-se, assim, a exigência de não ser conhecida: basta
que não fôsse manifesta.
Tanto no Código Civil brasileiro quanto no austríaco, cabe ao lesado o ônus da prova da causação o que se não
confunde com a culpa imediata no dano. Prova-se que houve a falta objetiva, não é preciso provar-se que, no
deixar sem reparos, ou mal reparada, a obra, houve culpa do proprietário ou possuidor (ARMIN EHRENZWEIF,
.Shjstem des õsterreichischen allgemeinen Privatrechts, TI, 616). Pode haver falta objetiva ainda que tenham sido
observadas todas as leis e regulamentos administrativos.
8.DANOS E REPÂRÂÇÃO DOS DANOS. A responsabilidade dos proprietários e possuidores de edifícios
abrange quaisquer casos de danos a quem passa pela rua, ou pelo terreno vizinho, ou a quem está noutro edifício,
ou navega, ou nada perto. Quem tem a posse imediata, ou quem no edifício apenas faz obras, assume
responsabilidade. Outrossim, quem, em virtude de contrato, ou de cumpra-se de testamento, ou despacho judicial,
ou medida policial, tem de cuidar do edifício. Não se afasta, com isso, a responsabilidade do possuidor próprio,
nem a do possuIdor de que provém a incumbência.
Há parecença entre a responsabilidade por danos causados pelos riscos e a responsabilidade pelos danos
provindos de edifícios e outras construções, pois que, nessa, o responsável deu origem aos perigos. Porém não se
estende a todos os riscos que derivem do edifício ou de outra construção. É preciso que se tenham omitido as
medidas necessárias, para se evitarem os perigos. Não há responsável pelos riscoS, e sim pela falta de os haver
afastado. Presume-se a culpa, porque há o dever de bem construir e de conservar os edifícios ou outras
construções, com o cuidado necessário à defesa contra os riscos e à eliminação dos riscos. A extensão dêsse dever
resulta das exigências sociais e locais.
Se o edifício ou outra construção está em ruínas, o dever persiste, porque aos vizinhos e transeuntes não importa
qual a idade ou qual a ocorrência que determina a ruína. Salvo se a causa é comum e inafastável em si mesma, ou
em seus efeitos, como se dá em caso de bombardeio, ou em tempo de guerra, ou de terremoto.
Os interessados podem impetrar medidas cautelares e propor ação de preceito cominatório.
O dano é a quem quer que seja, inclusive a lesão a bem ou a pessoa a quem a pessoa que se diz lesada tenha de
indenizar (e. g., a parede vizinha destruiu o mobiliário do vizinho e peça que era de outrem). Portanto, qualquer
interesse é ofensivel (EMIL STEINBACH, fie Grundsdtze des heutigeu RecUes jiber den Ersatz von
Vermôgensschddert, 56).

O fato de o dono do edifício ou construção ter entregue a outrem, pessoa física ou jurídica idônea, a construção,
ou os reparos, de modo nenhum afasta a responsabilidade do proprietário. Desde que se tornou manifesto o

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defeito, ou a reparação, começa a responsabilidade do proprietário. Se o dano a terceiro ocorre, não deixa de ser
responsável porque encarregara da construção pessoa idônea (sem razão, o Supremo Tribunal Federal, a 23 de
janeiro de 1947,
R. E., 115, 106; com razão o voto vencido do Ministro RiBEIRO DA COSTA).
O proprietário, que adquiriu o edifício ou a construção já em ruínas, ou com defeito que cause perigo manifesto, é
responsável pelos danos. É ao tempo do dano que se apura a responsabilidade. Daí dizer a 1a Turma do Supremo
Tribunal Federal, a 9 de janeiro de 1947 (R. E., 112, 86), que não tem “influência a alegação de que o estado de
coisas já existia ao tempo em que foi adquirido”.
O estado de ruína, ou de falta de reparo, ou êrro de construção, tem de ser manifesto, isto é, como disse a 8a
Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 29 de dezembro de 1942 (A. J., 64, 460), “perceptível a
simples observação”. A respeito de edifício ou outra construção iniciada, ou em andamento, basta a
previsibilidade do dano (4.5 Câmara Civil, 16 de janeiro de 1941, 1?. dos T., 182, 203). A expressão “manifesta
necessidade” de modo nenhum exige que o responsável conhecesse. O dono pode ser cego, o dono pode ser
menor, até mesmo nascituro; portanto, a necessidade há de ser objetivamente manifesta, o que supõe a
manifestabilidade ao técnico, ou a quem tenha os conhecimentos de técnico.

4.PESSOA RESPONSAVEL. Quem causa, com culpa, desabamento, total ou parcial, ou deterioração de edifício
ou outra obra (outra construção), e daí resulta algum dano, quer a pessoa quer a bens, tem de indenizar, porque a
espécie se enquadra em principio geral. À técnica legislativa cabia dar regra jurídica explícita sôbre a
responsabilidade na falta que pode ocorrer na construção ou na omissão de reparos ou medidas protectivas se
revelada a necessidade dessas. Não se trata de responsabilidade pelo risco, pôsto que dela se aproxime. No art.
555 do Código Civil diz-se, em regra jurídica sôbre medida cautelar: “O proprietário tem direito a exigir do dono
do prédio vizinho a demolição, ou reparação necessária, quando êste ameace ruína, bem como que preste caução
pelo dano iminente”. No Código de Processo Civil, arts. 302, VII, e 334, cogitou-se da ação cominatória, que é
uma das ações irradiáveis do art. 555, 1.~ parte, do Código Civil, e nos arts. 675, II, e 690-692 do Código de
Processo Civil se pode basear o pedido de caução.
O ato lesivo pode ser positivo ou negativo (omissivo). O responsável é o dono do prédio, ou quem tenha o dever
de conservação, como o usufrutuário, ou o usuário, ou o credor anticrético. O locatário que tem dever de
conservação é responsável. Também o é se foi omisso ao comunicar ao possuidor mediato o que ocorria, ou se o
fêz tardiamente. A expressão “proprietário”, no art. 555 do Código Civil, como a expressão “dono do edifício”,
no art. 1.528, não pode afastar a responsabilidade do possuidor próprio, ou impróprio, ou do tenedor, que esteja na
situação de qualquer responsável segundo o princípio geral. Cf. Tomos, 1, § 32, 2; II, §§ 163, 1; 186, 2; 206, 2;X,
§§ 1.066, 3; 1.132, 1; XI, § 1.204, 2; XXII, § 2.721, 6; XXIV, § 2.888, 13.
São responsáveis pelo dano: a) o proprietário que tem posse, ou que aliena a posse própria, sem se liberar do dever
de segurança do tráfico; b) o possuidor que tem posse propria sem ser proprietário, ou quem se atribui posse
própria; c) o possuidor que apenas tem a posse de titular de direito real limitado (enfiteuse, uso, usufruto), ou em
virtude de contrato (e. g., locatário, comodatário, depositário) ; d) quem assumiu, por fôrça de negócio jurídico, o
dever de conservação do edifício, ou da construção, ou da obra; e) o tenedor, que exerce a tença como se
possuidor fôra.
O possuidor próprio, em tempo anterior ao dano, pode ser responsável se a relação causal existiu e é de
presumir-se que não evitou o perigo, que manifestamente tinha de ser afastado. Se, durante a sua posse, fêz o que
tinha de fazer e não se lhe revelou, nem a ninguém se revelaria, a agravação da ameaça, não é responsável. Tem
de alegá-lo e prová-lo, para que se exíma.
Se a causa do dano foi por terceiro (e. g., do consertador do telhado, ou do eletricista), mas ficou “manifesta”,
responsável é o dono, ou possuidor próprio, ou titular de direito a quem cumpra cuidar da reparação. Se sobrevém
desmoronamento, não se há de apurar se o êrro ou falta do terceiro foi
1
apenas alguma causa remota (cf. HEINRICE DELIUS, tiber die Haftung flir deu Ein.sturz vou Gebdudeu und
anderen. Werlcen, 15; LUDWIG GROOS, Die Sehadensersatzpflicht bei Beschddi-. gung durch Ei‟nsturz eines
Gebdudes oder vou Teileu ejues soicheu, 59).
Quando se trata de posse em virtude de contrato, o possuídor, além de ser responsável perante terceiro, o é perante
o outro figurante do negócio jurídico, se tem de conservar o edifício ou a obra. O possuidor com posse imprópria
pode liberar-se, sempre, se alega e prova que fêz tudo o que era ou se teria de considerar diligência exigível.
O representante sem posse ou guarda êsse, por ter apenas podêres negociais, somente responde pelos danos que

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causa ou lhe são imputáveis conforme os princípios gerais.
Se há pluralidade de responsáveis, há solidariedade, com a ação regressiva, para os que se vincularam, na medida
em que cada um foi causador.
Se foi terceiro que culposamente causou o dano, e possuidor com posse própria, ou imprópria, ou o possuIdor
anterior, ou o encarregado da conservação teve de ressarcir os danos, cabe-lhe a ação regressiva.

5. LECITIMAÇÀO ATIVA. Legitimado ativo é, de regra, a pessoa que sofreu o dano, ou cujo patrimônio foi
atingido.
O segurador tem ação direta contra o responsável pelo da-110 (cf. a respeito, P. HIESTAND, Der
Schadenersatzanspruch des Versickercrs gegen deu Urheber der Kõrperveletzung oder Tôtung des Versicherten,
29 5.; PAUL OERTMANN, Der Schansúrsatzanspruch des obligatorisch Berechtigtefl, 28).
No caso de morte, há o pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família, bem
como a prestação de alimentos às pessoas a quem o defunto devia, conforme o art. 1.537, 1 e II, do Código Civil.
Se houve ferimento ou outra ofensa à saúde, há a indenização das despesas de tratamento e a dos lucros cessantes
até que o lesado convalesça, mais a multa a que se refere o artigo 1.538, in fine, e § 12, do Código Civil. Pode ter
de ser preslado o dote (aNã. 1.538, § 2.0). O art. 1539 é invocável.

Se há decisão criminal, trânsita em julgada, com invocação do art. 256 do Código Penal, ou outro semelhante, o
condenado não mais pede afastar a incidência e a aplicação da art. 1.528 do Código Civil (cf. LEOFRID REUSS,
Die Haftun~# L}ritter, 217 s.).

CAPÍTULO VII

RESPONSABILIDADE EXTRANEGOCIAL. DANOS CAUSADOS POR PROFISSIONAIS

§ 5.523. Medicina e ilicitude absoluta

1.PRECISOES . Tem-se de distinguir da responsabilidade contratual a responsabilidade extranegocial. Se o


serviço médico provém de direito público, ou de prestação caridosa ou beneficente ao público, sem qualquer
remuneração pela pessoa que recebe o serviço ou a obra, ou qualquer contribuição à entidade, tem-se de afastar a
contratualidade da responsabilidade. Todavia, pode ocorrer gestão de negócios alheios sem outorga, se o
profissional, in easu, não tinha dever. O dever do médico pode ser ex lege, ou de contrato com a entidade, seja
essa de direito público, ou não no seja. Com isso, não se negocializa a relação jurídica entre o médico e a pessoa
que recebeu os serviços ou obra.
O médico, o cirurgião, o dentista, ou outro profissional que sirva a tratamento do corpo ou da psique, ou é
figurante de contrato de locação de serviços, ou de obra, ou, menos frequentemente, de empreitada, ou se fêz
gestor de negócio sem outorga de podêres, ou pratica ato ou atos de caridade, direta-mente, no que se há de
ressaltar o elemento de gratuidade intencional, ou não se vinculou, nem se quis vincular. Na última espécie, o
médico, o cirurgião, o dentista ou outro profissional emprega a sua atividade fora da sua função social, como faria
o chaveiro que vai a alguma casa para abrir a porta, ou o cofre, e roubar, ou como o soldado, que está fardado e
armado,.e usa a arma pata atingir alguma pessoa que está na janela do prédio que êle vê de longe, ou do qual passa
perto.
Lê-se no acórdão da 5a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 12 de outubro de 1954: “Em se
tratando de médico, age êle com culpa e está obrigado a ressarcir dano se, sem o consentimento espontâneo do
cliente, o submete a tratamento do qual lhe advêm seqüelas danosas. Se o doente é menor ou insano, êsse
consentimento há de provir de seus pais ou responsáveis. E age, ainda, com culpa grave quando sujeita-o a
tratamento perigoso, sem antes certificar-se da imperiosidade do seu uso”.
Em princípio, e no caso em exame, estava certo o acordão . Mas o médico que passa de automóvel, ou a pé, e vê
caído na estrada, ou no mato, alguma pessoa maior, ou menor, homem ou mulher e verifica que somente com a

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prática de atos seus, profisionais, o pode salvar, tem o dever de assistência. Se êle não pode esperar que o pai, o
tutor ou o curador do menor dê a permissão, ou se o doente não fala> ou não está em estado de discernimento, não
precisa êle do “consentimento espontâneo”, de que falou a 5A Câmara Civil. Se o médico comete êrro, ou é
culpado do agravamento da moléstia, ou ferimento, ou envenenamento, a sua responsabilidade pode resultar
segundo os princípios gerais ou segundo o art. 1.545 do Código Civil.
Observe-se ainda que o consentimento não afasta a responsabilidade do médico por seus erros, ou descuidos,
inclusive quanto ao diagnóstico, tanto mais quanto o cliente ou pessoa atendida em caso de acidente pode
somente ter consentido porque o médico lhe expôs erradamente, ou de má fé (e. g., para ganhar o dinheiro da
operação), o que seria a sua doença.
O tratamento contra as indicações da ciência é ato ilícito (l.~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo,
15 de fevereiro de 1949, 1?. dos T., 180, 178). Também o é o tratamento que causa deformidade fisiológica, por
imprudência, imperícia ou negligência (1? Câmara Civil, 15 de fevereiro de 1949, 180, 180 s.), ou por pessoa não
habilitada legalmente (cf. 4~a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 21 de agôsto de 1940, 132,
155).
A exigência de haver direito ofendido foi posta de lado, no século XX. Há interesses que, lesados, dão ensejo à
responsabilidade extranegocial. Por outro lado, frisou-se que o ato pode ser ilícito por ofensa a direito ou
interesse, qualquer íue seja êle (cf. STARCK, Essai d‟un Théorie générale sur te F‟o‟ndement de la
Responsabitité, 19).

2.VONTADE PRESUMIDA DO LESADO. A questão da responsabilidade do médico se o enfêrmo não estava


em situação de conhecer o que se passava, nem de poder escolher, por exemplo, entre o risco maior e a operação
extrativa, foi longa e profundamente discutida. Deve-se a ERNST ZITELMANN (Ausschluss der
Widerrechtlichkeit, Archlv fiir die civitistiche Praxis, 99, 104 s.) ter apontado a espécie como de intromissão no
interesse do lesado, pela utilidade, que faz supor-se a vontade presumida. Há gestão útil de negócio alheio. Há
mais:
o médico tem dever de executar a gestão, o que somente poderia ser afastado se fôra de presumir-se a vontade
contrária da pessoa que precisava do tratamento.
O suicida tem dever de indenizar os gastos e danos da salvação (Tomo II, § 186, 9).
Sôbre locação de serviços e locação de obra, Tomo XLVII, § 5.038, 5.
No mesmo sentido da opinião de ERNST ZITELMANN, além de PAUL OERTMANN (Das Rechi der
Schuldverhíiltnisse, § 823, „7), E. ELAD, no komntentar de G. PLANCK (§ 823, B, II, 8, d e e), contra F.
ANDRÉ, nas primeiras edições, e A. LOBE, na 4a ed., e HANS ALBRECHT FISCHER (Die Rechtswidrigkeit
mit besonderer Reriicksichtigung des Privatrechts, 281 s..).
O médico tem dever de discrição, que é mais extenso do que o seu dever profissional, porque apanha a parte de
conhecimentos de fatos que lhe chegaram sem ser restrita ao campo da profissão, e. g., a cliente contou-lhe o que
se passara antes da doença, ou com quem se achava no carro que derrapou, ou quem a salvou (cf. J. LIEBMANN,
Die Pflicht des Arztes zur Be‟wahrung anvcrtrauter Gefleimnisse, 1 s., 4. s. e 19-28). As confidências têm de ficar
em segrêdo, desde que a função do médico levou o cliente a fazê-las, mesmo como testemunha em juízo (cf.
FRANZ GÚNTI-IER, Die Verschwiegenheitsnfticht des Arztes‟, 20 s.).

O dever de indenização pelo médico só se pré-exclui se o lesado omitiu, dolosa ou negligentemente, o evitamento
do dano, que êle poderia evitar, e a causa não era do conhecimento, ou não tinha de ser do conhecimento do
médico.
Há dever extranegocial do médico e do veterinário, mesmo se o tratamento se faz gratuitamente, em hospital, ou
na rua, ou em transporte, em cumprimento de dever publicístico. Trata-se de princípio geral a todos aquêles que
têm de prestar serviços, em virtude de direito público, ou de emprêsa de beneficência ou de caridade, se houve
omissão, ou falta de suficiente perícia ou de conhecimento.
Todas as operações ou quaisquer intervenções médicas são ataques à integridade física ou psíquica. Precisam de
causa que as justifique (e há a presunção de que a têm, se o operador ou medicante está habilitado). O
consentimento do paciente pode ser presumido, mesmo se foi infeliz o resultado, e se foram observadas as regras
da medicina, que são exemplos de adequação social. Se houve observância fiel, essa impede que se pense em
antijuridicidade.
O consentimento, em tais espécies, é manifestação de vontade, porém não negocial, pôsto que se possa inserir em
manifestação de vontade para negócio jurídico. Tem limites, que são os que derivam da indisponibilidade do

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direito ofendendo, ou da sua intransferibilidade, ou de proibição legal ou ética.
O consentimento só se presume se urgente a intervenção e se não pode o enfêrmo manifestar-se, ou não está em
estado de poder apreciar os fatos e as circunstâncias.
Se o cliente consente e o tratamento, mesmo cirúrgico, e aconselhável, ou preferível pelo cliente, conforme a
opinião corrente, não há responsabilidade do médico. Já o dizia decisão do Parlamento de Paris, em 1696, porém
de modo demasiado geral, sem a condicionalidade que explicitamos.
O médico tem de advertir quanto aos riscos (MARGUERITE HALLER, Essai sur Vínfluence da Fait et la Faute
de lu victime sur san droit à la réparatio‟n, 48 s.). A máxima volenti nou fit inigria tem de ser apreciada conforme
as circunstâncias, e não aplicada ao pé da letra (J. F. CLERK and W. H. LINrSELL, Thc Lue‟ of Thrts, 513).
3. RESPONSABILIDADE DOS MEDICOS E CIRUGIÕES. A responsabilidade dos médicos e cirurgiões é
contratual. Há a causa, que dá os limites da atividade; mas o ato ilícito ou mesmo o fato ilícito também pode ser
irradiante de responsabilidade extranegocial (cf. Orro MURIIAY, Die Operationspflicht, 30 s.). Tanto aquela
como essa podem resultar de dever de medicação ou de operação. O cirurgião que sabe que tem de operar
imediatamente não pode retardar, a seu líbito, a atividade cirúrgica.
A indenização por ato ilícito dos médicos, inclusive cirurgiões, independe de haver contrato entre o doente e o
profissional. Quem trabalha gratuitamente, ou presta serviços a quem os recebe de alguma instituição de caridade,
sem pagamento, responde pelos danos. O conteúdo do conceito de dano evolui com a ciência, porque a lei não
poderia precisar o Que seria a culpa (cf. F. vON LISZT, Die Verantwortlichkeit bei ãrtztlichen Handlungen,
Zeitschrift /14 ãrztliche Fortbildung. 1, 34 s.), em decênios seguintes, ou em século seguinte, ou mesmo no ano
próximo, ou no mês próximo (e. g., foi assente o perigo do remédio, que ontem se desconhecia).
Diz o Código Civil, art. 1.5-45: “Os médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e dentistas são obrigados a
satisfazer o dano, sempre que da imprudência, negligência ou imperícia, em atos profissionais, resultar morte,
inabilitação de servir, ou ferimento”.
O art. 1.545 também se refere às parteiras e dentistas. Tem-se de considerar a regra jurídica como exemplificativa.
Assim, também os que exercem profissões similares estão incluídos, como os técnicos de óculos e os
psicologistas.
Fala-se de “morte, inabilitação de servir, ou ferimento”. Também aqui apenas se exemplifica, porque a
imprudência pode, como a negligência, ou a imperícia, causar danos que não levem à morte, nem importem
inabilitação profissional. ou ferimento.
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4.PREPOSTOS DOS FARMACÊUTICOS E DROGTJISTAS. Lê-se no Código Civil, art. 1.546: “O
farmacêutico responde solidariamente pelos erros e enganos de seu preposto”. O art. 1.546 afasta qualquer
interpretação que permita ligar-se a responsabilidade do dono da farmácia ou da drogaria a presunção ehdível de
culpa, mesmo à necessidade de se provar a culpa in eligendo, ou a possível prova em contrário de ter havido
culpa. Se houve culpa do preposto, por êrro ou engano, a responsabilidade está assente. O droguista ou o
farmacêutico tem apenas a ação regressiva contra o preposto. O ato, positivo ou negativo, do preposto pode ser de
preparação, ou de entrega de elementos para a preparação, ou de simples êrro ou engano no que presta ao cliente,
ou ao médico, ou a outra pessoa, a quem se teria de fazer a tradição.
O farmacêutico, que causa dano por entregar ao cliente o remédio a em vez do remêdio b, ou o remédio a de tantos
miligramas em vez do remédio a‟ de menor número, responde pela prestação aliud pra alio, como infração
contratual. Dá-se o mesmo com o cirurgião ou o médico.

§ 3524. Responsabilidade dos advogados

1.DANOS CAUSADOS POR ADVOGADOS. O advogado responde pelo dano que às partes cause por ação ou
omissão voluntária, negligência ou imprudência, ou ignorância, que negligência é, pois o profissional deve cuidar
dos seus estudos, a fim de não lesar o constituinte por saber mal, ou não saber o que se supõe incluso no seu
ofício. Exemplo de dolo (omissão) : perder o prazo, para que aproveite à parte contrária, com que se conluiou ou
de quem deseja ganho de causa. Exemplo de dolo (ato positivo) : requerer contra. o interesse da parte. De
negligência: perder, sem dolo, o tempo de contestar, de arrazoar ou de fazer prova. De imprudência: contestar e
viajar, certo de que tão cedo não será intimado para a dilação probatória, e chegar depois, ou nos últimos dias,
quando feita a intimação ao próprio réu ou autor, ou se poucos momentos lhe restam para a prova. Exemplo de
ignorância: deixar de agravar, porque não sabe que do despacho pode agravar. O advogado não pode reter, sob
qualquer pretexto, os autos, depois de findo o termo assinado ou legal, pelo qual lhe tenham sido entregues com

.~> a]
vista ou em confiança, perdendo o constituinte a faculdade de usar dos atos ou recursos ou se antes dêles não usou
no prazo. Assim, à parte responde o advogado pelo prejuízo que da sua falta resulte, além de pagar as despesas
que se fizerem para a cobrança dos autos. Se o advogado deixa o patrocínio da causa, depois da aceitação, salvo se
houve motivo justo, caso em que fará intimar a parte ou o seu procurador judicial ou extrajudicial, à sua custa,
para nomear outro advogado, antes da primeira audiência, sob pena de responder pelos prejuízos resultantes da
sua atitude. Além de muitíssimos outros casos, pode a parte pedir ressarcimento dos danos quando resultarem de
ter a outra parte sabido de qualquer ponto do processo, ou do fato que o advogado somente conhecia como
profissional, quer se tenha conservado no contrato, quer o tenha deixado, mesmo sem ser convidado, ou sem ter
concluído contrato com a outra pessoa. O advogado que erradamente considerou prazo prescripcional o prazo
preclusivo, ou preclusivo o prazo prescripcional, e por isso deu ensejo a que o seu cliente perdesse a causa,
responde por ato ilícito, mas ato ilícito relativo.
Se o advogado, que só tem podêres para a ação a e para a ação b, usa a procuração para a ação e responde por ato
ilícito absoluto.

2. DEVERES Dos ADVOGADOS. Um dos deveres, dos advogados é o de informar sôbre qualquer impedimento
para o exercicio da profissão, ou de alguns atos profissionais. Se, com infringir tal dever, causa dano ao cliente,
responde pela reparação. Idem, quanto ao sigilo profissional. Se reputa imoral ou ilícita a causa de que se lhe
incumbe e a aceita, causando, com isso, danos, responsável é. Também o é se, perdidos os autos, deixa de
requerer a restauração, e com isso causa danos ao cliente ou outros interessados.
Tem o advogado o dever de restituir ao cliente, finda a sua função, os papéis e quaisquer outros meios de prova ou
outros objetos que recebeu do cliente, salvo os que são de interesse comum ao advogado e ao cliente e aquêles de
que precise para prestar contas, caso em que a restituição é posterior (Lei n. 4.215, de 27 de abril de 1968, art. 87,
XIX). Se da falta ou retardamento proveio dano, há o dever de reparação. No art. 87, XVIII, da Lei n. 4.215 diz-se
que é dever do advogado “indenizar, prontamente, o prejuízo que causar por negligência, êrro, inescusável ou
dolo”. Dever está ai, mais em sentido moral do que jurídico, porém, proposta a ação de indenização, a
procedência, conforme sentença trânsita em julgado, de certo modo acentua a reparabilidade desde a prática do
ato ilícito, positivo ou negativo.

8. EMPREGADOS, INCLUSIVE ADVOGADOS-AJUDANTES. A responsabilidade dos empregados,


inclusive advogados-ajudantes, é regida pelos arts. 1.521, III, 1.522 e 1.528 do Código Civil.É invocável o art.
1.524.

§ 5.525. Profissionais de esportes

1. ESPORTES E PROFISSIONALIDADE. A atividade desportiva pode ser profissional. A profissionalidade


levou à criação de Justiça Desportiva, e não só de juizes, para que se chegasse à instituição de Conselho Nacional
de Despertos, criado pelo Decreto-lei n. 3.199, de 14 de abril de 1941, e do Superior Tribunal de Justiça
Desportiva. A indenização não é pena. Com a condenação, o ressarcimento tem de ser dentro de prazo, sob pena
de suspensão até o cumprimento, salvo dispensa da parte beneficiada.

2.LEGISLAÇÃO. Com o Decreto-lei n. 526, de 1.0 de julho de 1988, instituiu-se o Conselho Nacional de
Cultura. No art. 2.0, parágrafo único, h) e i), cogita-se da “educação física (ginástica e esportes)” e da “recreação
individual e coletiva”, como atividades para o desenvolvimento cultural.
O Decreto-lei n. 1.212, de „7 de abril de 1939, criou na Universidade do Brasil, a Escola Nacional de Educação
Física e de Desportos, e os arts. 2.o~9.o foram minuciosos sôbre os cursos. No Estatuto dos Funcionários
Públicos (Decrete-lei n. 1.713, de 28 de outubro de 1939), art. 219, aludiu-se ao dever do Govêrno Federal de
promover o bem estar e o aperfeiçoamento físico, intelectual e moral dos funcionários e de suas famílias e a um
dos meios para se atingir tal propósito (art. 219, parágrafo único, V) “centros de educação física e cultural para
recreio e aperfeiçoamento moral e intelectual dos funcionários e de suas famílias, fora das horas de trabalho”. O
Decreto-lei n. 8.199, a que acima nos referimos, foi o passo mais decisivo, com a criação do Conselho Nacional
d‟e Desportos e dos Conselhos Regionais de Desportos. No artigo 11 disse-se que teriam organização à parte, mas
em relação com o Conselho Nacional de Desportos e as confederações e entidades especiais, os desportos
universitários e os da Juventude Brasileira, bem como os da Marinha, os do Exército e os das fôrças policiais. No
art. 84 estabelece-se que a praça de desportos há de ter lugar próprio para alojamento das autoridades policiais

.~> a]
incumbidas de manter a ordem durante as competições. No art. 85, frisa-se que nenhuma pessoa estranha à
competição desportiva, enquanto dure, pode entrar ou ficar no local. Ao juiz ou outro dirigente da competição
cabe solicitar a intervenção da policia (art. 85, parágrafo único).
Não podem promover exibições públicas, de qualquer modo remuneradas, as atividades desportivas que não
sejam direta ou indiretamente vinculadas ao Conselho Nacional de Desportos (art. 86).
Essas regras jurídicas são de relevância para o trato dos atos ilícitos absolutos, ato-fatos ilícitos absoluto e fatos
ilícitos absolutos, no tocante à responsabilidade dos que exercem a atividade desportiva, dos que julgam e dos que
assistem, ou qualquer terceiro. No art. 81, parágrafo único, previram-se as “necessárias instruções técnicas para
organização de projetos d‟e praças de desportos”. No art. 48 exigiu-se que cada confederação adote o “Código de
regras desportivas da entidade internacional a que estiver filiada”, que têm de ser observadas, “rigorosamente,
pelas entidades nacionais que lhe estejam dirta ou indiretamente vinculadas”.
No art. 46 está escrito: “Toda a matéria relativa a organização desportiva do país deverá ser regulada por lei
federal”. Entenda-se: salvo se a matéria,, pelos princípios constitucionais, compete a Estado-membro ou a
Município.
No art. 54 acentua-se: “Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompativeis com as condições de
sua natureza, devendo, para êste efeito, o Conselho de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades
desportivas do país”. A permissão ilegal ou contrária aos bons costumes implica eventual responsabilidade dos
que lhes causem danos e da entidade que permitiu, solidariamente .
O Decreto-lei n. 8.617, de 15 de setembro de 1941, estabeleceu as bases de organização dos desportos
universitários. No ad. 2.0, XI, diz-se que não pode o aluno de estabelecimento de ensino superior participar de
competição desportiva não universitária, sem licença especial da federação atlética acadêmica, que esteja filiado,
ou da diretoria da própria associação, se é a única no Estado-membro ou no Território. Os regulamentos dos
desportos universitários dependem de aprovação do Presidente da República, em decreto.
É de relevância o art. 52 do Decreto-lei n. 5.842, de 25 de março de 1943, onde se explícita que as relações entre
atletas profissionais ou auxiliares se regulam pelos contratos que celebrarem, observado o que a lei exige e o que
constar da recomendação do Conselho Nacional de Desportos e das normas desportivas internacionais.
O Decreto n. 19.425, de 14 de agôsto de 1945, aprovou o Regimento do Conselho Nacional de Desportos. No art.
6.0, XX, atribui-se ao Conselho Nacional de Desportos proIbir a realização de qualquer exibição pública, sem
caráter rigorosa mente gratuito, promovida por entidade desportiva que não lhe seja direta ou indiretamente
vinculada. No inciso XXI:
“vedar a realização de competições desportivas incompatíveis com o interesse público e orientar a organização
dos calendários desportivos”. No inciso XXIII: “julgar, em grau de recurso, as decisões que qualquer
confederação submeta ao seu pronunciamento e deferir-lhe competência para funcionar, em última instância, nos
processos referentes a assunto das atividades desportivas que lhe sejam próprias, sem prejuízo do direito de
revisão, quando estiver em causa a falta de cumprimento de qualquer disposição legal ou de recomendação que
houver expedido”. No inciso XXV: “promover a instauração de inquéritos e constituir as respectivas juntas”. No
inciso XXVII: “atribuir aos conselhos regionais de desportos, quando julgar conveniente, a verificação e correção
de atos praticados por entidade desportiva, com a colaboração das confederações”. No inciso XXVIII: “expedir às
confederações recomendações referentes à prática da medicina desportiva, ouvidos os órgâos técnicos do
Ministério da Educação e Saúde”. Os Princípios sôbre a responsabilidade dos médicos, cirurgiões e
farmacêuticos, bem como dos auxiliares, são os mesmos do direito comum. Se o dano resultou, no todo ou em
parte, de recomendações erradas, a responsabilidade é de nuem as deu.
Há as penalidades previstas no Decreto-lei n. 5.842, de 25 de março de 1943, arts. 12 e 18, e no Decreto n. 19.425,
de 14 de agôsto de 1945, art. 62, XXXII, e os atos de disciplina (Decreto-lei n. 5.842, art. 13, parágrafo único;
Decreto n. 19.425, art. 6.0, XXXIII). Se ilegalmente aplicadas as penas ou praticados os atos, cabe a apreciação
judicial, inclusive quanto à responsabilidade pelos danos.
A propósito dos danos tem de haver a ação do, que é iniciada pelo inquérito, suscitado pela denúncia ou pela
queixa (Deliberação n. 3/56, que contém o Código Brasileiro de Justiça e Disciplina Desportivas, arts. 28-32).
Quando a infração deixar vestígio, há o exame, a requerimento ou de ofício (artigo 67).

3.INDENIZAÇÕES. O art. 87 do Decreto-lei n. 526 trata das indenizações: “Quando impossível fixar, desde
logo, a indenização devida em quantia certa, após a decisão condenatória, o processo será remetido ao presidente
da Confederação, Federação ou Liga, conforme o caso, para apurar o quantum”. No § 2.0, acrescenta-se
:“Concluida a apuração, o processo voltará ao julgador para decidir”.

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A infração disciplinar supõe regra jurídica anterior, que a defina, ou norma desportiva. Essa não é lei, em senso
estrito, e pode ser regra juridica, se decorre de texto estatal.
Quanto à indenização pelo acusado, pode decorrer de ofensa ao corpo, ou à psique, ou à honra, inclusive quanto à
injúria e à calúnia. As penas disciplinares de modo nenhum podem afastar a ação para a reparação do dano,
inclusive morai. Tais infrações também podem provir de árbitros, ou dos seus auxiliares, ou autoridades
correspondentes.
No Código Brasileiro de Futebol (Deliberação n. 7/56), há os arts. 86-118, sôbre o processo; os arts. 117-167,
sôbre os recursos. No Código Brasileiro Disciplinar de Futebol (Deliberação n. 12/62), art. 16, aponta-se a
indenização como hína das penalidades.
D‟e modo nenhum os efeitos da coisa julgada que se atribuam às decisões da Justiça Desportiva afastam a
proponibilidade das ações que tenha o ofendido, contra o ofensor, na Justiça comum. O que foi decidido apenas é
base para exame pelo juiz, salva, se houve renúncia ou prescrição, ou preclusão. A regulamentação e até mesmo a
legislação desportiva precisa de retificações e de precisões, de melhor entrosamento no direito constitucional e na
legislação comum.

CAPITULO VIII

RESPONSABILIDADE DO ESTADO E DOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS

§ 5.526. Estado e responsabilidade pela ilicitude absoluta

1.PRINcÍPIo DE ISONOMIA. O Estado portanto, qualquer entidade estatal é responsável pelos fatos ilícitos
absolutos, como o são as pessoas físicas e jurídicas. O principio de igualdade perante a lei há de ser respeitado
pelos legisladores, porque, para se abrir exceção à incidência de alguma regra jurídica sôbre responsabilidade
extranegocial, é preciso que, diante da diversidade dos elementos lácticos e das circunstâncias, haja razão para o
desigual tratamento.
Na Alemanha, a Constituição da Baviera (1818) dizia responsável o Estado pelos atos ilícitos dos empregados se
havia culpa ia eligendo (empregara pessoa notoriamente inabilitada ou desonesta). Quanto aos depósitos, a Lei
do Ducado da Saxônia-Meiningen de 29 de março de 1888, a Constituição de Hamburgo de 28 de setembro de
1860, a Lei da Baviera de 8 de agôsto de 1857, a Lei do Ducado de Oldemburgo, de 26 de fevereiro de 1740, a Lei
do Ducado da Saxônia-Weimar de 12 de fevereiro de 1840. A Constituição de Hamburgo, artigo
89, também considerava responsável o Estado pelos atos das autoridades colegiais, exceto os tribunais. A Lei do
Ducado da SaxôniaAltemburgo de 18 de maio de 1851 estabelecia a responsabilidade subsidiária do Estado pelos
atos ilícitos dos empregados. A Lei do Ducado da Saxônia-Coburgo-Gota de 13 de maio de 1852 era no mesmo
sentido, frisando que o ato havia de ser no exercício da função. Depois teve a Alemanha a Lei de 18 de fevereiro
de 1875 quanto à responsabilidade do Estado pelos danos causados por soldados, fora das suas atribuições.
Na Áustria, a Lei de 13 de outubro de 1868 estatuiu ser responsável o Estado pelo sequestro ilegal, mesmo se
havia interesse público. A Lei de 12 de julho de 1872 foi mais larga, porque se refiriu a qualquer ato se não há
remédio jurídico que afaste o dano.
Na Suíça, há as regras jurídicas gerais do Código suíço das Obrigações (1881), art. 64, influe, e 2~a alínea, que
permitia ao direito cantonal a derrogação das regras jurídicas, e do Código Civil suíço, arts. 52-55.
A entidade de direito público, principalmente a estatal, tem responsabilidade pela integridade patrimonial e
não-patrimonial das pessoas físicas e jurídicas. Compreende-se, portanto, que fôsse absurda a irresponsabilidade
pelo fato ilícito absoluto. No entanto, o reconhecimento das dívidas indenizatórias do Estado foi recente.
Lembremos que J. C. BLUNTSCHii, no VI Congresso Alemão de Juristas sustentava que, em princípio, não se
poderia admitir o dever de indenizar, por parte do Estado, e só excepcionalmente caberiam regras jurídicas a
respeito. Foi II. A. ZACIIARIAE, aliás desde 1863, que defendeu o princípio da responsabilidade do Estado,
seguido por II. GNEIST. Os congressos alemães de juristas exerceram grande papel.
Na Itália, em 1885, CARLO FRANCESCO GABBA (Questioni di Diritto civile, 2Y ed., 109 s. e 155 s.) era pela
irresponsabilidade do Estado e abria exceções no tocante às emprêsas privadas ligadas ao Estado ou se o dano

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resultava de missão acessória do Estado. Muitos juristas o acompanharam.
Na França, as argumentações contra a responsabilidade extranegocial do Estadç prosseguiam no século XX, mas
havia os juristas que fundamentavam o princípio da responsabilidade do Estado (e. g., V. MARCADÉ,
Explication théorique et pratique da Code Napoleón, V, 5a ed., 270; A. BATBIE, Précis du Cours de Droit publie
a administratif, 823; HENRI BAJLBY, De la Resp.onsabilité de l/Êtat envers les particuliers, 205).
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Quando se fala de responsabilidade do Estado entende-se responsabilidade de qualquer entidade estatal. Surgiria
o problema no tocante à regra jurídica do art. 194 da Constituição de 1946, mas êsse problema não existe,
propriamente , porque o art. 194 não se referiu a pessoas jurídicas estatais, ou a Estado, de modo que se tivesse de
perguntar se as entidades autárquicas, as entidades paraestatais e as entidades de direito público não paraestatais
estão compreendidas. Lá se cogita, explicitamente, de “pessoas jurídicas de direito público interno”. Quaisquer
pessoas jurídicas de direito público interno respondem pelos atos dos seus funcionários ou empregados, mesmo
se não houve culpa.
O Estado responde nas espécies dos arts. 1.528 e 1.529 do Código Civil.
O art. 1.529 abstrai da culpa. Somente não há responsabilidade se a queda resultou de fôrça maior, que foi a causa
única, como terremoto ou o bombardeiro aéreo. A primeira sentença que aplicou o art. 1.529 (2~ Vara Cível do
Distrito Federal, 12 de agôsto de 1909, R. de D., 29, 534) aludiu à pré-exclusão pela fôrça maior ou caso fortuito
<cp. MÁRIO MOAClii PÔRTO, Responsabilidade pela guarda de coisa inanimadas, 23), mas o que se passa,
dentro da casa ou local, de que cai ou de que se lança a coisa, é sem relevância para a irresponsabilização do dono
ou possuidor.
O Brasil nunca pré-excluiu a responsabilidade do Estado pelos atos ilícitos absolutos, pelos atos-fatos ilícitos
absolutos e pelos fatos ilícitos sirieto sensa absolutos. Textos constitucionais frisaram a responsabilidade dos
funcionários públicos, inclusive dos Juizes (Constituição do Império, artigos 156 e 179, § 29; Constituição de
1891, afta. 82 e 83; Constituição de 1984, art. 171 e §§ 1.0 e 29; Constituição de 1987, art. 158; Constituição de
1946, art. 194, em que se pôs à frente a responsabilidade das “pessoas jurídicas de direito público”). No caso de
nulidade de lei, ou de outra regra juridica, a sentença que a decreta há de condenar a entidade estatal a indenizar
“os prejuízos provadamente sofridos com a execução da lei suposta” (ti Supremo Tribunal Federal, 80 de janeiro,
13 e 23 de fevereiro, 2 de março, 4, 9 e 25 de setembro de 1895, 28 de maio, 9 de dezembro de 1896, 13 de
fevereiro de 1897, 80 de novembro de 1898, 29 de julho e 16 de dezembro de 1899, 18 de janeiro de 1900, 9 de
janeiro e 10 de agôsto de 1901, 4 de janeiro de 1902, 18 de junho e 31 de outubro de 1903).
Desde cedo formou-se a jurisprudência sôbre a indenizabilidade por demissão, aposentadoria, ou reforma, pela
arrecadação ilegal de impostos, por medidas policiais ilegais, inclusive por culpa in omiltendo, mesmo se houve
culpa de terceiro e havia dever de evitar (com razão, AMARO CAVALCANTI, Responsabilidade dvii do Estado,
515 s.), por medidas de polícia sanitária, ou de utilização de águas ou terras de propriedade particular, ou de outra
entidade estatal. Pelos próprios atos dos juizes responde o Estado. E pelos atos em tempo de guerra (cf.
VISCONDE DO URUGUAI, Ensaio sôbre Direito administrativo, 148 s.) e por incursões de um dos podêres
públicos na esfera do outro (ANTÔNIO JOAQUIM RIBAS, Direito Administrativo Brasileiro, 78 s.).
No direito brasileiro, o ônus da prova de não ser responsável a entidade estatal incumbe a essa, O que o
demandante tem de alegar e provar é que houve o fato ilícito absoluto do funcionário civil ou do militar, ou de
pessoa que faz parte de órgão estatal. Não se presumir a culpa revela o elemento inquisitorial de alguns sistemas
jurídicos (sôbre o assunto na França, PAUL DUEZ, La Res‟ponsabilité de la Puissance publique, 198 s.; sôbre a
fixação do quanto da indenização, GEORGES TEIssíni, La Responsabilité de la Puissance publique, 287 s.).
O Estado está sujeito às regras jurídicas sôbre indenização por fatos ilícitos absolutos. Quanto à responsabilidade
pelos atos ilícitos absolutos dos seus funcionários, rege o princípio constitucional. A doutrina e a jurisprudência
que, durante algum tempo, pretendeu afastar ~i responsabilidade das entidades estatais pelos atos ilícitos
absolutos que os funcionários públicos e outros servidores cometiam (e. g., Supremo Tribunal Federal, 27 de
julho de 1898, O D., 77, 497, e, quanto ao abuso do poder, 28 de abril de 1897), foram repelidas. Depois,
assentou-se que só se exige o terem os funcionários públicos ou servidores praticado o ato na qualidade de
funcionários públicos ou de servidores, contrariamente a direito (isto é,
Contrariamente à lei válida). Cf. LUIS M. CORREIA (O Estado e a Obrigação de indenizar, 26 s.).
A responsabilidade do Estado é pelos atos dos seus órgãos, que o presentam, e dos seus empregados (funcionários
públicos e servidores). Se a presentação foi legal, ou se a preposição era permitida, ou se quem tratou com Estado
tinha de supor a legalidade ou a permissão, há a responsabilidade da entidade estatal. A distinção entre órgão e
representante é de grande relevância (cf. JOSE? KOHLER, Lehrbueh, 1, 334; EDMUND RHoMBERG,

.~> a]
Kdrpersehwftliehes Versckulden, 19 s.).
Nos séculos XVII e XVIII, para se fundar a responsabilidade do Estado pelos atos ilegais dos funcionários
buscava-se, analogicamente , a solução da L. 2, C., de conditis in mcbijais horreis, 10, 26: “Cum ad quamlibet
urbem mansionemve accesseris, protinus horrea inspicere te volumus, ut devotissimis militibus effloratae et
incorruptae species praebeantur. Nam si per incuriam officii gravitatis tuae sartorum tectorum neglecta
procuratione aliqua pluviis infecta penenint, iam ad damnum tuum referewtur” (cf. MYLER AB EHRENBACH,
Hyparcholo.qia, c. 10, § 17, n. 28). No fim do século XVIII acentuou-se (e. g., SAMUEL STRYK e J. PAUL
KRESS) a invocação da culpa in eligendo, ou a remissão às regras jurídicas sôbre o mandato. Disso se abstraiu
depois (HEINRICH ZÓPFL,, Grundsãtze des gemeinen deutschen Staatsrechts, 2a ed., § 217), NICOL. THAIrn.
VON GONNER (Der Staatsdienst aus dem Gesiehtspunlcte des Rechts und der National-õkono‟mie, 1 s.) repeliu,
definitivamente, a alusão ao mandato. Também se afastou a teoria da ação subsidiária contra o Estado, que era
sustentada em KARL SCHMITTHENNER (GrundUnien des alígerneineu oder idealen Staatsreehts, 513).
Quanto à relação jurídica entre a pessoa de direito público interno e o empregado, servidor ou funcionário, não
importa se se trata de órgão (de presentante), ou de representante, ou apenas de praticante de atos para que teve
incumbência. O que importa é, de regra, a dependénda; mas o arbítrio atribuído pela entidade de direito público
interno não retira a ligação jurídica. O ato do Presidente da República, ou do Governador, ou do Prefeito (cf. A.
GILIBERTI-MESSINA, responsabilidade civile deito Siato e de atIre persone giuridiche, 201 s.).

2. ATOS DOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS E OUTROS SERVIDORES. No direito brasileiro, além da


responsabilidade pelos atos positivos ou negativos dos órgãos, as entidades estatais são responsáveis pelos atos
positivos ou negativos dos funcionários públicos, sem distinção (ConstituIção de 1946, art. 194 e parágrafo
único), com a ação regressiva. Cf. Código Civil, art. 15).
O órgão pode exercer atividade que, para a entidade estatal, é de direito privado, como pode ser de direito público.
O funcionário público, que não é órgão , exerce atividade de direito público, salvo se lhe foram outorgados
podêres de direito privado. A distinção só teria relevância se pudesse manter a qualidade sem se afastar a função
de direito público, o que não pode ocorrer com o órgão (quem opera, sem ser como órgão, órgão não é), nem com
o funcionário público (quem não funciona como funcionário público, funcionário público não é, salvo se ler
specialis previu organicidade acidental). Para discussão em outros sistemas jurídicos, cf. CAUa MELTZ (Die
Beamtenhaftpflicht naeh § 889 BGB., 5 e 15) contra, com razão, KONRAD RÓRRICE (fie Haftung des Staates
anis § 89 BGB., 35 si.
O órgão pode ser para presentlar, ou para atividade interna, ou mesmo para simples punctaçóes .
Os soldados são funcionários públicos.
A relação jurídica entre o Estado e o funcionário público ou outro servidor, de direito público, como é, não
publiciza em todos os casos as relações jurídicas entre o Estado ou os funcionários ou servidores e as outras
pessoas. O ato ilícito da prisão ilegal é de direito privado, porque invadiu a esfera estranha ao direito público. A
própria prisão ilegal do funcionário público civil ou do militar é regida pelo Código Civil, no oue concerne à
responsabilidade pelos danos (cf. FRIEDRICH KAYSER, Staatsamt und Staatsdienst naeh dom BGR, 48 s.).
O simples trabalhador não é funcionário público. O contrato é de direito privado.
O jurado não é funcionário público. Nem o é o eleitor (cf. EUGEN ROTHSCHIID, fie flaftung dos Justizbeamttfl
und dos Staates aus uneriaubten Anctshandmungen mil besonderer Beriicksichtiguflg dos baaischen Rechts, 52).
Ato unilateral do Estado nao retira, por si só, o carater de ato oficial. A. função pode ser de cargo criado pela lei
(e. g., testamenteiro nomeado), sem que isso o faça cargo de oficio. Aliás, poda alguém ser funcionário público,
ou oficial, sem ter a função, o ofício (cf. ADoLF KLEWITZ, fie Entschddigungsanspritche anis rochtswidr~qen
Ámtshandiungen, untei‟ Beriicksichtiyung dos L”ntwurfs eines BGB., 58, nota 3).
O elemento da com peténcia do funcionário público ou do servidor é considerável como limite da
responsabilidade do Estado perante terceiro, porque se hão de levar em conta o dever perante a entidade estatai e
o dever perante terceiro.
No direito brasileiro, a responsabilidade perante o terceiro rege-se pelos princípios comuns (no direito alemão, há
duas regras jurídicas, a geral e a especial, Código Civil alemão, §§ 828 e 889; cf. Li» ENGEL, Die
Beamtonhaftpflicht nach §839 BGB., 40 s.) ; a do Estado, sim, funda-se na regra jurídica constitucional.
Se o ato ilícito do funcionário público, por negligência, dá ensejo a ação do lesado contra terceiro (e. g., o
funcionário público, em vez de entregar o cheque ou dinheiro a A, que estava no guichê, o entregou a E, que
também aí estava), não há, na ação do lesado contra o funcionário público, a exceptia dilataria do funcionário
público (sem razão, ARTEUR HtTsSENER, fie civilrechtliche Verantwortliehlceit der Beamten wegen

.~> a]
Vertetznng der Amtspflicht, 27; E. HÂFENER, tber die civilrechtliche Verantworttichkeit der Richter, 74), de
modo que tem êle de defender-se e suscitar o litísconsórcio. Contra a exceptio dilataria, quase todos os
comentadores e, mais, CARL MITTWEG, fie unerlaubteu Handmungen nach SUB., 87 e MOLE ELEWITZ, fie
Entsehâdigungsansflrúúhe aus rechtswidrigon Amtshandlungefl, 110 e 124 s.).
A pedra de toque para a culpa do funcionário público não está na diligência que há de ter o perfeito funcionário
público, mas a que deve ter o funcionário público comum: não só a de qualquer ser humano em geral, mas a que
se há de exigir, na ordinariedade dos casos, aos que se enquadram no serviço público. Para os juizes, funcionários
judiciais e funcionários publicos que aplicam leis e outras regras jurídicas, em decisões, o conhecimento das leis
ou de outras regras jurídicas e a unicidade de interpretação (cf. E. HÀFFNER, Ober die civilrechtlicite
VerantwortlichkCl‟t der Richter, 61 s. e 74 s.; JOI{ANNES DELIUS, fie Haftung der Beamten, 31). Não se pode
abstrair da especificidade do cargo, nem da distinção entre culpa em caso de ilicitude contratual e de ilicitude
extracontratual, pois, perante a entidade estatal, pode a infração ser de dever perante ela (ilícito relativo) como
pode ser perante todos (ilícito absoluto). Sôbre isso, ARNOL» KARL HEINRICE NÕLDEKE, Die
civilrechtliche Haftung des Richters nach dem EGE., Gruchots Beitráge, 42, 813; ARTIfUR HÚSSENER, Die
civilreehtliche Verantwartiichkett der Beamten wegen Verletzung der Amíspflicht, 23).
A propósito da ação regressiva, quer do Estado contra os funcionários públicos, quer das entidades paraestatais ou
não-estatais, a doutrina partia da afirmação de haver cessão ex tope, mas isso foi repelido porque a regressividade
não supõe cessão (já PAUL OERTMANN, Bayerisches Landesprivatrecht, 265; cf. HANS REINER, fie
Schaden,seVSatZPfliCht dos Beamton nnd Staats, 48). A ação de regresso, que tem o Estado ou a entidade
paraestatal, é publicística, e não de direito privado.
O tabelião é responsável ao donatário, ou ao comprador, pela nulidade ou anulabilidade da escritura pública, se o
dano resultou de ato seu. A responsabilidade é negocial, mas, se o ato foi posterior à assinatura do instrumento e
consistiu, por exemplo, em queima do livro antes de se extrair a certidão ou traslado, a responsabilidade é
extracontratual, o que escapou a ADRIANO DE CUPIS (Teoria e Pratica dei Diritt.o ezvile, 250-266; Fatti ilticiti,
805).
É assaz relevante o que se contém na Lei n. 3.502.
Lê-se na Lei n. 8.502, de 21 de dezembro de 1958, ad. 1.~:
“O servidor público, ou o dirigente, ou o empregado de autarquia que, por influência ou abuso de cargo ou
função, se beneficiar de enriquecimento ilícito, ficará sujeito ao sequestro e perda dos respectivos bens ou
valôres”. No § 19: “A expressão “servidor público” compreende todas as pessoas que exercem na União, nos
Estados, nos Territórios, no Distrito Federal e nos Municípios, quaisquer cargos, funções ou empregos, civis ou
militares, quer sejam eletivos quer de nomeação ou contrato, nos órgãos dos Podêres Executivo, Legislativo ou
Judiciário”. O § 2? acrescenta: “Equipara-se ao dirigente ou empregado de autarquia, para os fins da presente lei,
o dirigente ou empregado de sociedade de economia mista, de funda-cão instituida pelo Poder Público, de
emprêsa incorporada ao patrimônio público, ou de entidade que receba e aplique contribuições parafiscais”.
Cumpre que se não confunda com o ilicito o enriquecimento injustificado, que pode não ter sido ilícito.
Estatui a Lei n. 3.502, no art. 2.0: “Constituem casos de enriquecimento ilícito, para os fins desta lei: a) a
incorporação ao patrimônio privado, sem as formalidades previstas em leis, regulamentos, estatutos ou em
normas gerais e sem a indenização correspondente, de bens ou valôres do patrimônio de qualquer das entidades
mencionadas no art. 1.~ e seus parágrafos; 14 a doação de valôres ou bens do patrimônio das entidades
mencionadas no art. 1.0 e seus parágrafos a indivíduos ou instituições privadas, ainda que de fins assistenciais ou
educativos, desde que feita sem publicidade e sem autorização prévia do órgão que tenha competência expressa
para deliberar a êsse respeito; e) o recebimento de dinheiro, de bem móvel ou imóvel, ou de qualquer outra
vantagem econômica, a título de comissão, percentagem gratificação ou presente; d) a percepção de vantagem
econômica por meio de alienação de bem móvel ou imóvel, por valor sensivelmente superior ao corrente no
mercado ou ao seu valor real; e) a. obtenção de imóvel por prêço sensivelmente inferior ao corrente vantagem
econômica por meio de aquisição de bem móvel ou ou ao seu valor real; f) a utilização em obras ou serviços de
natureza privada de veículos, máquinas e materiais de qualquer natureza de propriedade da União, Estado,
Município, entidade autárquica, sociedade de economia mista, fundação de direito público, emprêsa incorporada
ao patrimônio da União ou entidade que receba e aplique contribuições parafiscais e, bem assim, a dos serviços de
servidores públicos ou de empregados e operários de qualquer dessas entidades”.

Se a infração de dever é regulada pelo negócio jurídico entre a entidade e o servidor, ou pelos princípios
concernentes à responsabilidade por atos ilícitos absolutos, dependa, sempre, da respostas à quaestio facti. Quase

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sempre não sempre a responsabilidade é negocial.
Acrescenta o art. 29, parágrafo único: “Para a caracterização do enriquecimento ilícito, previsto nas letras a, b, e,
d, e e f dêste artigo, deverá ser feita a prova de que o responsável pela doação (letra 14 ou o beneficiário (letras a,
e, d, e e /) era incluido entre as pessoas indicadas no art. 1.0 e seus parágrafos e ainda: 1) no caso da letra b, a de
que o doador tem interesse político ou de outra natureza que, direta ou indiretamente, possa ser ou haja sido
beneficiado pelo seu ato; 2) nos casos das letras e, d e e, a de que o doador (letra e), o adquirente (letra d) ou o
alienante (letra e) tem interesse que possa ser atingido ou que tenha sido amparado por despacho, decisão, voto,
sentença, deliberação, nomeação, contrato, informação, laudo pericial, medição, declaração, parecer, licença,
concessão, tolerância, autorização ou ordem de qualquer natureza verbal, escrita ou tácita, do beneficiário”.
Diz-se no art. 8.0: “Constitui também enriquecimento ilícito, qualquer dos fatos mencionados nas letras e e e do
artigo 2.0, quando praticado por quem, em razão de influência política funcional ou pessoal, intervenha junto às
pessoas indicadas no art. 1.0 e seus parágrafos , para delas obter a prática de algum dos atos funcionais citados em
favor de terceiro”. Aí, o que mais acontece é a responsabilidade extranegocial. porque a pessoa influente pode não
ser funcionário público ou servidor.
E no art. 49: “O enriquecimento ilícito definido nos termos desta lei, equipara-se aos crimes contra a
administração e o patrimônio público, sujeitando os responsáveis ao processo criminal e à imposição de penas, na
forma das leis peDais em vigor”. O parágrafo único acrescenta: “É igualmente enriquecimento ilícito o que
resultar de: a) tolerância ou autorização ou ordem verbal, escrita ou tácita, para a exploração de jôgo de azar ou de
lenocínio; b) declaração falsa em medição de serviços de construção de estradas ou de obras públicas, executados
pelo Poder Público ou por tarefeiros, empreiteiros,.subempreiteiros ou concessionários; e) declaração falsa sôbre
quantidade, pêso, qualidade ou características de mercadorias ou bens entregues a serviço público, autarquia,
sociedade de economia mista, fundação instituida pelo Poder Público, emprêsa incorporada ao patrimônio
público ou entidade que receba e aplique contribuições parafiscais ou de qualquer dêles recebidas”.
Lê-se no art. 59: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, bem como as entidades que recebem e
aplicam contribuIções parafiscais, as emprêsas incorporadas ao patrimônio da União, as sociedades de economia
mista, as fundações e autarquias, autorizadas, instituidas ou criadas por qualquer daqueles governos, poderão
ingressar em Juízo para pleitear o sequestro e a perda, em seu favor, dos bens ou valôres correspondentes ao
enriquecimento ilícito dos seus servidores, dirigentes ou empregados, e dos que exercem junto a elas, advocacia
administrativa”. No § 19: “Apurado o enriquecimento ilícito, mediante denúncia documentada, investigação
policial ou administrativa, inquérito, confissão ou por qualquer outro modo, a pessoa de direito público ou
privado interessada terá, privativamente, pelo prazo de noventa dias, o direito de ingressar em Juízo”. No § 39: “O
pedido de seqUestro será processado de acôrdo com o rito disposto no art. 685 do Código de Processo Civil”. O‟
§ 49 acrescenta: “Dentro de trinta dias da efetivação do seqUestro e sob pena de perder êste a eficácia, deverá ser
proposta a ação principal, que seguirá o rito ordinário disposto nos arts. 291 a 297 do Código de Processo Civil, e
terá por objetivo a decretação de perda dos bens seqUestrados em favor da pessoa jurídica autora”. E o § 5.0: “Na
ação principal poderá ser pedido cumulatívamente, o ressarcimento integral de perdas e danos sofridos pela
pessoa jurídica autora ou litisconsorte”.
Explicita o art. 79: “A forma “vantagem econômica”, empregada no art. 29, letra e, abrange genêricamente todas
as modalidades de prestações positivas ou negativas, de que se beneficie quem aufira enriquecimento ilícito”.
Acrescenta o parágrafo único: “A vantagm econômica, sob forma de prestação negativa, compreende a utilização
de serviços, a locação de imóveis ou móveis, o transporte ou a hospedagem gratuitos cu pagos por terceiros”.

3. DEPÓSITOS JUDICIAIS E RESPONSABILIDADE DO ESTADO.


Hoje, para se saber se o Estado responde pelos atos ilícitos das entidades de direito público, ou de direito privado,
que, segundo regras de lei, têm de receber depósitos judiciais, não se há de procurar fonte de direito no passado,
porque, em todos os países, as leis eram omissas (cf., e. g., EDUARD BERENDES, Deliet und Haftung der
juristisefleu Person naeh. gemeinem Recht, „78 s.).
Se o depósito é para efeito administrativo e foi o depositante forçado a fazê-lo por designação da lei ou da
autoridade pública, o Estado responde.

4.REGISTO E DENEGAÇÃO. Responde o Estado se se opõe a algum registo e fica assente, em decisão judicial,
trânsita em julgado, que não tinha razão e houve danos causados pelo óbice ilegal, pois que não tem o Estado,
através do Ministério Público, ou outro órgão , livre arbítrio. Só é admissível a oposição se não é permitido no
caso, ou na espécie, ou se depende de autorização a líbito do Estado (cf. FRIEDR. KIND, Das Einspruchsreeht

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der Verwaltungsbehórde im § 61 8GB., 44 s. e 49 s.).
No tocante a concessões, autorizações, permissões, licenças e demais atos do Estado de que dependa o exercício
de alguma atividade, tem-se de indagar se a lei estabeleceu o puro arbítrio da autoridade pública, ou se enumerou
os pressupostos cuja satisfação dê direito ao ato estatal. Não há resposta a priori, nem se pode negar a
apreciabilidade pelo Poder Judiciário se há infração da ConstituIção ou de alguma lei. Também as cassações ou
retiradas não se entendem a líbito da autoridade pública.

§ 5.527. Responsabilidade dos juizes

1. PRELIMINARES. Lê-se no Código de Processo Civil, art. 121: “O juiz será civilmente responsável quando: 1.
No exercício das suas funções, incorrer em dolo ou fraude. II. Sem justo motivo, recusar, omitir ou retardar
providências que
deva ordenar ex officio ou a requerimento da parte. As hipóteses do n. II somente se considerarão verificadas
decorridos dez dias da notificação ao juiz, feita pela parte por intermédio do escrivão da causa”.
Sempre que o juiz pratique atos lesivos com dolosidade, responde pelos danos causados, seja êle de primeira ou
de qualquer instância. Não importa se, em tribunal, outros acompanharam o seu voto, ou se a decisão foi
confirmada, pôsto que, em tais circunstâncias, seja mais difícil alegar-se e provar-se o dolo, ou a lesão. Por
exemplo: o juiz fundou o julgamento na afirmação de que uma das escrituras públicas continha a cláusula de
retrovenda, mas êle sabia que a escritura pública era falsa; a deliberação, em recurso, mesmo unânime, pode ter
sido por juizes que ignoravam a falsidade. Aí, caberia a ação rescisória, e a ação de indenização somente seria
proponível contra os juizes que tivessem votado dolesamente.
Alude-se também à fraude. A expressão não é feliz. O que se teve por fito foi mencionar-se qualquer ato ilícito
que possa ser estelionato, defraudação de texto ou de objeto (e. g., o juiz substitui o objeto que foi apreendido
como roubado ou furtado), destruição de documento ou prova, ou receptação prevista em lei penal como crime.

2. RESPONSABILIDADE ExTRANECOCIAL. Assunto extremamente delicado, como é o da responsabilidade


civil dos juizes, dêle evitou tratar o Código Civil, sem que tal omissão de princípio geral (regras jurídicas
especiais, o Código Civil as tem) importasse a irresponsabilidade civil dos juizes. Naturalmente, havendo a
condenação criminal do juiz, seria decorrente dela o serem responsáveis no plano civil. De lege ferenda,
tratando-se de funcionário que tem o dever formal de obrar, sem possibilidade de conciliação dos interesses,
portanto tendo de dizer sim a um e não a outro, miudear os casos em que há de responder pelo dano civil sempre
constituiu problema árduo. De um lado, está a necessidade da independência, da liberdade e da livre convicção do
juiz; do outro lado, o ter-se de responder até onde e desde onde tem o juiz de ressarcir o dano causado. Se
atendemos a que não existe, em nenhum pais, jurisprudência fixa, intangível, intransformável, que pudesse

servir de estalão para se verificarem os erros e os acertos dos juizes quanto ao direito, fácil é compreendermos que
tal ponto esteja excluído, para, de si só, determinar o delito civil. Menos ainda seria critério adotável o do êrro
judiciário em matéria de fato, ou a reforma das decisões, pois nem sempre. quando a época se distancia, as que
foram reformadas se nos apresentam isentas dêsses erros; menos ainda, erradas, as que foram reformadas. Basta
ler-se a crítica sobposta aos acórdãos e às sentenças nas revistas e comentários, para se ter o panorama da
relatividade dos julgamentos humanos, ainda quando se trate de pequenos interesses levados a juízo. Volve-se,
assim, ao ponto de partida: à velha noção do dolo e da fraude. No fundo, o direito processual, sem o confessar,
fracassa nos seus intuitos de resolver o problema, fora do direito civil. Se alguns legisladores se conformam com
êsse fracasso, com êsse tton possumws, alguns tentaram solvê-lo. Os processualistas italianos do Projeto
definitivo (art. 43) redigiram texto para ser transformado em princípio de responsabilidade civil do juiz. O Código
de Processo Civil brasileiro aí bebeu quase toda a sua inspiração.
No exercício das suas funções, se o juiz incorre em dolo ou fraude, noções de direito comum, principalmente
civil, responde civilmente pelo dano, sendo em tudo mais aplicável o Código Civil. Nenhuma inovação foi feita.
Outra não era a doutrina anterior.
No recurso extraordinário n. 15.755, de 27 de junho de 1950 (D. da .1. de 2 de abril de 1952), disse o Ministro
OwoZIMBO NONATO, relator, em voto adotado pelo Supremo Tribunal Federal: “Observa PÚNns DE
MIRANDA que o Código Civil não versou o assunto, que é “extremamente delicado”, sem que essa omissão de

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principio geral importasse irresponsabilidade dos magistrados. Não sendo possível assentar a responsabilidade
dos juizes na incidência de êrro de fato, ou de direito, ninguém, de resto, detém a pedra lígia da verdade e possui
o dom divino de inerrância, não há, no assunto. como observa PONTES DE MIRANDA, senão volver à dolo e
de fraude (Comentários ao Código de Processo Civil, 1, 448) “.
No sentido do que escrevemos, a 2~a Turma do SupremoTribunal Federal, a 27 de junho de 1950 (D. da J. de 2 de
abril de 1952).
Novidade é que o juiz seja condenado a civilmente responder pelos danos quando, “sem justo motivo”, recusar,
omitir ou retardar providências que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte. Já vimos que o Código de
Processo Civil „estendeu, como nenhum outro, o poder dispensatório ou produtivo de provas atribuído ao juiz.
Outrossim, é patente como levou o mesmo critério a outras providências, que nada têm com os meios probatórios.
Algumas vêzes, assim acontece no ad. 117, que excetua para isso todo o direito do mundo civilizado. No entanto,
êsse juiz, a que tanta atuação se reconheceu, a que se concedeu tanta fôrça e a que se confiou tanta iniciativa, está
exposto às mesmas inquirições que lhe foram confiadas. Na própria Itália, onde o artigo ficou no Projeto
definitivo, os juristas reconhecem que ficaria letra moda. Não é essa, porém, a grande desvantagem do ad. 121, II.
Pelo simples fato de recusar, de omitir, ou de retardar uma providência expõe-se o juiz a ser chamado a juízo para
se verificar, diante do público com tOdas as paixões que cercam os juizes concentrando-se sôbre êles,
desgraçadamente com especialidade sObre os juizes inacessíveis aos poderosos e às amizades se houve “justo
motivo”. Não se indaga da sua culpa grave, ou do seu dolo, ou da sua fraude. Toma-se o juiz, como a qualquer
um, para constituir advogado, e ir defender-se de uma providência que o Código de Processo Civil mesmo deixou
à sua livre apreciação, tanto que lho permitiu ordenar de oficio.
O Código de Processo Civil adotou a segunda alínea do art. 43 do Projeto definitivo- italiano. De certo tempo a
esta parte, operou-se em alguns países a transformação econômica dos escrivães e tabeliães em pessoas de classe
econOmicamente superior ao juiz. O fato, em suas raízes sociológicas, é um dos mais interessantes desde que se
iniciou a dispersão e consenquente enfraquecimento das famílias da nobreza ou das classes dirigentes. Não
podendo acompanhar a eficiência das vocações industriais, que desde o fim do século XVIII, mas principalmente
desde o começo do século XIX, passaram à primeira plana, através de esforços, de riscos e de aplicações da
ciência, nem sempre toleradas pela mentalidade retrógrada dos governantes, os elementos dispersos e
enfraquecidos procuraram invadir os cargos do Estado, que pudessem ser transformados em sustentáculos do seu
anterior prestígio. Em alguns países, foi a Justiça. Onde êsses detritos de classe não tinham cultura suficiente, ou
lhes faltava a honesta dignidade para aspirar à vida trabalhosa, e sem grandes meios pecuniários, do juiz,
dependuraram-se nos cargos de serventuários da justiça e de tabeliães. A França foi o exemplo daquela tendência;
a Itália, Portugal e o Brasil, da outra. Como sempre, êsse açambarcamento de postos rendosos, econOmicamente
criticável, não foi sem conseqúências morais e políticas. Assistiu-se ao intercâmbio entre cargos de serventuários
de justiça e cargos políticos, reciprocamente.

3.RESPONSABILIDADE DO ESTADO. A responsabilidade do Estado pode existir ainda que não exista a
responsabilidade do juiz. O Estado responde pelo fato da lesão ao direito, por parte dos funcionários públicos,
ainda que não tenha havido culpa dêsses; a ação regressiva do Estado é que depende da culpa do funcionário
público. O assunto é estranho ao direito processual. Veja Comentários à Constituição de 1946, V, notas 2) a 6) ao
art. 194 e nêste Tratado, 1, §§ 71, 5; 78, 1; 82, 9; 86, 8; 96, 1; 96, 2 e 99; V, ~ 619, „7; VI, §§ 711, 1 e 716, 2; VII,
§ 805, 5, e XI, §§ 1.225, 8 e 1.263.

4. SUSCITAMENTO. - A segundo alínea do art. 43 do. Projeto definitivo italiano refletiu, conturbando os
princípios de organização judiciária e disciplinar, aquela hipertrofia do cargo de auxiliar da justiça. O Projeto
permitiu nada menos que, ao recusar, omitir ou retardar alguma providência, sem justo motivo, seja o juiz
condenado a responder civilmente, e acrescentou que o juiz haveria de ser notificado “a mezzo di ufficiale
giudiziario presso la cancelieria dell‟ufficio a cui ii giudice é addetto”. Quer isso dizer: notificado pela parte, por
intermédio do escrivão. E o Projeto vinha de comissões embe.bidas dos ideais de hierarquia. Hierarquia
entenda-se para o grupo dominante.
Judez iudiea. secundum iu.s. A sua função precípua, hoje em dia, é realizar o direito objetivo. Por isso mesmo,
pode a regra jurídica escrita, mas deve o juiz revelá-la e realizá-la onde os textos, sós, não bastem para se
colherem tOdas as regras, isto é, tOdas as regras que entram no sistema jurídico, que é sistema lógico com a sua
finalidade específica.
Responsabilidade só se faz efetiva se há remédios jurídicos prontos e se a aplicação da lei não fica à mercê de

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interpretações tendenciosas. A impunidade, havendo leis, é mais grave do que a impunidade por se não terem leis.
O valor dos povos mede-se pelo valor intrínseco das suas leis e pela segurança de serem aplicadas em toda a sua
extensão.

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