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SERMÂO DE SANTO ANTÓNIO AOS PEIXES

Padre António Vieira:

- Barroco: Finais do século XVI, início do século XVI);


- Período Literário caracterizado pela exuberância,
complexidade e contraste;
- Efeméride (13 de junho de 1654): S. Luís de Maranhão,
em dia de Santo António, a melhor forma de homenagear
o Santo é proceder como ele;
- Dirige-se aos peixes para lhes censurar os vícios, tal
como Santo António fizera em Itália;
- Motivação:
o A questão dos indígenas brasileiros e a defesa
dos seus direitos;
o A condenação da sua exploração por parte dos
clonos brancos estabelecidos na região.

Crítica social e alegoria:

- A sátira é conseguida através da caricatura dos vícios


humanos representados figurativamente através das
propriedades físicas dos peixes.

Linguagem e estilo:

A força da palavra é o meio para persuadir o auditório, por


isso, Padre António Vieira utiliza:
- Uma construção hábil e geométrica das frases;
- A recusa de um estilo demasiado rebuscado;
- Recursos expressivos abundantes, nomeadamente a
alegoria, metáfora, comparação, enumeração e gradação;
- Citações bíblicas e de textos de doutores da igreja;
- Raciocínio lógico: redes de semelhança e oposição.

Notas importantes antes de iniciar a análise do texto:

- Púlpito: Varanda dentro de uma igreja de onde eram


pregados os sermões;
- Sermão: É um discurso oratório, uma pregação com
intenções didáticas, morais ou mesmo políticas,
baseados na palavra que Deus pretendia transmitir.
- Pregar aos peixes – sinónimo de indiferença por parte
do interlocutor; não dar atenção ao que se diz; não
querer ouvir a palavra de deus; não se deixar salgar.
- Alegoria: Todo o sermão é uma alegoria, visto que
transmite outros sentidos que não o sentido literal.
Diz-se B para significar A.

JOANA ROCHA | UNIAREA: @JOANADAROCHA


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SERMÂO DE SANTO ANTÓNIO AOS PEIXES

Estrutura Estrutura interna


Externa
Cap.I Introdução/ Apresentação do tema (corrupção na
Exórdio terra/ defesa dos direitos dos
indígenas brasileiros) partindo de um
conceito predicável “Vós sois o sal da
Terra”.
Cap.II Desenvolvimento/ - Referência aos deveres do sal;
confirmação - Louvores em geral aos peixes:
obediência, atenção, quietude,
ordem:
- Afastamento dos homens.
Cap.III Desenvolvimento/ - Louvores em particular aos peixes:
confirmação o O peixe de Tobias (poder
curativo);
o A Rémora (pequena em tamanho,
mas grande na força;
persistência);
o O Torpedo (poder persuasivo);
o O Quatro-Olhos (capacidade de
distinção entre o bem e o
mal).
Cap.IV Desenvolvimento/ - Repreensões em geral aos peixes:
confirmação o Vícios condenáveis: Itiofagia
(comem-se uns aos outros);
o Cegueira e vaidade que os
conduz à perdição.
Cap.V Desenvolvimento/ - Repreensão em particular aos
confirmação peixes:
o Vícios dos peixes que devem
ser censurados:
§ Roncador (soberba e
arrogância);
§ Pegador (parasitismo e
oportunismo);
§ Voador (ambição e
vaidade);
§ Polvo (traição).
Cap.VI Conclusão/ Desfecho forte e persuasivo:
Desfecho - Julgamento dos peixes/homens;
- Apelo ao louvor de Deus.

NOTA IMPORTANTE: Não esquecer que neste sermão as virtudes


dos peixes correspondem a defeitos dos homens e os defeitos
dos peixes a defeitos dos homens também. Logo, os homens
apenas têm defeitos.

JOANA ROCHA | UNIAREA: @JOANADAROCHA


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SERMÂO DE SANTO ANTÓNIO AOS PEIXES

CAPÌTULO I: (Exórdio)

Quer nos louvores quer nas repreensões que faz aos peixes,
Padre António Vieira faz sempre analogias com Santo
António, de forma a evidenciar as virtudes do Santo e os
defeitos dos homens.

O Sal não salga A Terra não se deixa salgar


- Os pregadores não - Os ouvintes, sendo
pregam a verdadeira verdadeira a doutrina
doutrina; que lhes dão, não a
querem ouvir;
- Os pregadores dizem - Os ouvintes preferem
uma coisa e fazem fazer o que os
outra; pregadores fazem do
que aquilo que eles
dizem;
- Os pregadores pregam- - Os ouvintes, em vez de
se a si e não a servir a Cristo,
Cristo. servem os seus
apetites e as suas
vontades.

Cristo: Um argumento de autoridade é algo pronunciado por


alguém de prestigio que não pode ser contestado.

O conceito predicável é “Vós sois o sal da Terra”. A


metáfora do sal diz respeito ao facto de o sal na época do
sermão ser usado para conservar os alimentos, não os
deixando deteriorar. Assim, também os pregadores deveriam
conservar as almas (terra) e preservá-las da corrupção. O
paralelismo é feito entre as ações de sal e da terra. A
intenção é contrapô-las e apurar a verdadeira causa de
tanta corrupção na terra.
As citações bíblicas servem para conferir autoridade às
palavras do pregador, uma vez que, os seus argumentos são
suportados por textos sagrados, neste caso, nas próprias
palavras de Cristo. O seu objetivo é dar ainda um carácter
mais persuasivo ao discurso.

NOTA: (Narrativa de Santo António)

- A inserção da narrativa é imprescindível para a


posterior utilização da alegoria;
- Esta narrativa constitui um exemplo narrativo que
deverá servir como modelo para todos os pregadores.

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SERMÂO DE SANTO ANTÓNIO AOS PEIXES

CAPÍTULO II: (Louvores em geral)

No primeiro parágrafo, o orador afirma que nunca teve pior


auditório que os peixes porque são “gente que se não há de
converter”. Apresentação dos peixes como auditório
privilegiado dando início ao elogio das suas virtudes, no
geral. Depois de referir, novamente, as propriedades do
sal, Vieira sublinha que as pregações de Santo António
devem servir de exemplo a todos os pregadores.

Estrutura do sermão:

- Está definida e inspirada na dupla função do sal –


louvam-se inicialmente as qualidades dos peixes para,
mais tarde, se repreenderem os seus defeitos.

Aristóteles: Argumentos de autoridade que credibiliza e


reforça a argumentação do pregador.

O capítulo termina com um novo apelo aos peixes, para que


estes sigam efetivamente o exemplo de Santo António, que
tudo deixou, alterando a sua própria autoridade e o seu
saber.

Sintetizando:

- Propriedades do sal:
o Conservar o são;
o Preservá-lo.
- Características dos sermões de Santo António:
o Louvar o bem para o conservar;
o Repreender o mal para me preservar dele.
- Divisão do sermão em partes:
o Louvar as virtudes;
o Repreender os vícios.

CAPÍTULO III: (Louvores em particular)

PEIXE DE RÉMORA TORPEDO QUATRO-OLHOS


TOBIAS
Grande; Com um Pequena; Pequeno, Quatro olhos,
CARACTERÍSTICAS ar feroz; com muita produz dois virados
Entranhas força. descargas para cima e
sagradas. elétricas. dois virados
para baixo.
O fel cura a Impede o As descargas Consegue
cegueira; O leme de se elétricas defender-se
LOUVOR(ES) coração mover. constituem a dos perigos da
sua água e do mar

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SERMÂO DE SANTO ANTÓNIO AOS PEIXES

expulsa os defesa contra


demónios. quem os quer
pescar.
Santo António: A língua A língua de Pregadores
“vestido de de Santo Santo António, (p.e.: David e
EXEMPLO(S) burel e atado António, que levava os Padre António
HUMANO(S) com uma corda ou seja, a homens a mudar Vieira)
este peixe força das de atitude e o
parecia um suas deixar
retrato palavras. explorar o seu
marítimo de semelhante.
Santo António
Os humanos Força das As palavras de A doutrina
achavam que ao palavras Santo António deve levas a
abrir a boca de Santo mudaram 22 “olhar para
de Santo António homens cima” e
António os contra os desonestos que considerar que
queriam comer; ímpetos tomaram há céu (os
Se os homens (vontades) consciência comportamentos
aproveitassem do livre dos seus humanos devem
EFEITOS DA AÇÂO os seus arbítrio e pecados, ser
DO EXEMPLO ensinamentos, das arrependeram- louváveis),
HUMANO era possível paixões se, mas também a
curar a humanas, confessaram e “olhar para
cegueira que tantas devolveram baixo”
(perceber as vezes se tudo o que não considerando
más ações e sobrepõem lhes que há inferno
comportamentos à razão. pertencia, (os vícios e
errados) bem mudando de comportamentos
como expulsar vida e reprováveis
os demónios convertendo- devem ser
(evitar más se. evitados).
ações
convertendo os
homens)
Alegoria da Parar Converter, Sabe
palavra de significa levar ao distinguir o
Deus quer nas moderar arrependimento bem e o mal,
palavras de ímpetos e à mudança de ou seja, na
Santo António humanos, vida. doutrina
ALEGORIA E quer nas impedir católica, não
CRÌTICA SOCIAL palavras do que os se esquece da
padre. homens se existência
Crítica deixem tanto do céu
Social: os dominar como do
homens não se pelos inferno.
deixam instintos
doutrinar nem e maus
abandonam os costumes.
seus vícios.

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CAPÍTULO IV: (Repreensão dos peixes em geral)

A frase inicial deste capítulo funciona como uma fronteira


que estabelece a ligação entre dois momentos diferentes do
sermão: o anterior, em que se louvam as virtudes dos peixes
e o posterior, em que se apontarão os seus defeitos. Sendo
o sermão alegórico, o tema é: exploração dos pobres e
indefesos pelos poderosos e prepotentes – Antropofagia
Social.

O pregador continua a criticar os peixes, afirmado que não


percebe como, sendo todos irmãos e vivendo no mesmo
elemento, se comem uns aos outros. Para lhes mostrar quão
feio é o seu pecado, vai recorrer ao exemplo dos homens.
Os peixes são convidados a olhar para a Terra, não para os
matos, mas para a cidade.

Podem constatar nos homens os


seus próprios defeitos.

O modo como se exploram uns


aos outros.

Em seguida, Vieira assume um tom mais violento e


interativo, referindo-se às injustiças e às maldades
causadas por:
- Serem “os maiores que comem os mais pequenos”;
- Serem os “pequenos comidos de qualquer modo”;
- Serem os grandes aqueles que têm o mando nas cidades e
das províncias”, “devoram e engolem povos inteiros”;
- Serem os pequenos comidos como se fossem pão, ou seja,
um alimento que se como quotidiana e
indiscriminadamente;
- Serem os pequenos comidos em qualquer momento.

Os peixes ainda são acusados devido à sua:


Ignorância Cegueira

Levam-nos a ser pescados e


a perderem a vida.

“Enganados por um
pedaço de pano”
tal como os
homens.
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CAPÍTULO V: (exposição e confirmação)

São efetuadas as repreensões aos peixes, em particular.

- Roncadores: Embora tão pequenos, roncam muito, daí que


representem a arrogância e a soberba dos Homens: “É
possível que sendo vós uns peixinhos tão pequenos,
haveis de ser as roncas do mar?” Critica-se a
arrogância e a soberba.
- Pegadores: Sendo pequenos, pegam-se aos maiores, não
os largando mais, razão por que simbolizam o
parasitismo, a vivencia à custa dos outros: “Pegadores
se chama estes de que agora falo, e com grande
propriedade, porque sendo pequenos, não só́chegam a
outros maiores, mas de tal sorte se lhes pegam aos
costados, que jamais os desferram.” Criticando o
parasitismo e oportunismo.
- Voadores: Apesar de serem peixes, também se metem a
ser aves. Por isso, simbolizam a presunção, a vaidade
e a ambição: “Dizei-me, voadores, não vos fez Deus
para peixes? Pois porque vos meteis a ser aves? (...)
Contentai-vos com o mar e com nadar, e não queirais
voar, pois sois peixes.” É criticada a ambição
desmedida, a vaidade e o capricho dos homens.
- Polvo: Com a sua aparência de santo, identifica-se
como o maior traidor do mar. Simboliza, pois, a
traição: “E debaixo desta aparência tão modesta, ou
desta hipocrisia tão santa (...) o dito polvo é o
maior traidor do mar.” Critica-se a falsa aparência
dos homens, a traição e a hipocrisia.

CAPÍTULO VI: (Peroração)

Corresponde à síntese do que foi desenvolvido e utilização


de um desfecho forte para impressionar o auditório
(conclusão com uma ultima advertência aos peixes; retrato
do Padre António como pecador; hino de louvor).

"Com esta ultima advertência vos despido, ou me despido de


vós, meus peixes. E para que vades consolados do sermão,
que não sei quanto ouvireis outro, quero-vos aliviar de uma
desconsolação mui antiga, com que todos ficastes desde o
tempo em que se publicou o Levítico."

- Apelo aos ouvintes numa última advertência aos peixes


(cf. "Peixes, dai muitas graças a Deus de vos livrar
deste perigo [...]")
- Retrato dele próprio como pecador

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- Hino de louvor a Deus (cf. Repetição anafórica "Louvai


a Deus")

O Sermão de Santo António, de Padre António Vieira, é um


discurso longo, tendo sido criado com a finalidade de ser
pregado. Não sendo fácil manter um auditório atento durante
tanto tempo, compreende-se a necessidade de recorrer a um
conjunto de artifícios que, valendo-se do uso de variações
de intensidade e inflexão da voz, asseguram, na perfeição,
a verificação permanente de que a assistencia está
condições de continuar a ouvir atentamente o sermão.

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