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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

BEATRIZ ALVES REIS - 120.274


DANIEL COSTA - 101.726
MARIANA GRANERO - 122.408
MARINA GARCIA - 120.340
MATHEUS S. FERNANDES - 120.409
SANTIAGO S. DIAS - 120.439
WAGNER DE CARVALHO - 120.455

Vespertino

SEMINÁRIO “NOSSA VENDÉIA”, DE EUCLIDES DA CUNHA

Guarulhos
2018
[...] mas, amanhã, quando forem desbaratadas as hostes fanáticas do Conselheiro e
descer a primitiva quietude sobre os sertões baianos, ninguém conseguirá perceber
[...] por onde passam, nesta hora, admiráveis de bravura e abnegação - os soldados
da República. (CUNHA, Euclides. A Nossa Vendéia, 1897)

1. A autoria e a fonte
Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha (Cantagalo, 20 de janeiro de 1866 — Rio de
Janeiro, 15 de agosto de 1909) foi um jornalista e escritor brasileiro. No entanto, em sua
trajetória profissional teve uma breve carreira militar, estudando na Escola Politécnica do Rio
de Janeiro (1885) e na Escola Militar da Praia Vermelha (1886). Na última, teve contato com
ideias iluministas e o conceito de “evolução social”, pensamento em euforia no cientificismo
e evolucionismo do século XIX. Após um ato de rebeldia em revista à tropa, Euclides foi
desligado da instituição, retornando somente após a instauração da República, recebendo a
patente de Primeiro-Tenente e bacharel em Matemáticas, Ciências físicas e naturais.
Logo, estes traços típicos de sua formação são muito explícitos em seus escritos. Suas
descrições são principalmente geográficas, e no caso deste artigo, A Nossa Vendéia, o autor se
debruça em muitas páginas para explicar fisicamente os motivos das secas no sertão, falando
sobre topografia, estruturas geognósticas, planaltos, entre outros elementos técnicos de relevo.
O documento tem dupla proposta, já que se trata de dois artigos publicados em períodos
relativamente diferentes, tratando primeiramente de características gerais sobre a localização
sertaneja de Canudos, com poucos comentários aos conselheiranistas, mas o segundo o autor
cita as batalhas ocorridas no local, porém não se debruçando descritivamente; fazendo
comentários sobre a batalha, a relação dos soldados republicanos e os jagunços de
Conselheiro, bem como as falhas que o exército cometeu nesta batalha (influência de sua
experiência como militar), mas nos dizeres de um exército que é superior, segundo ele.

2. O documento
Ainda obre a fonte, o trabalho de Euclides da Cunha analisado pelo grupo faz parte de
uma série de artigos jornalísticos, escritos durante o desenvolvimento das campanhas
empreendidas pelo Exército brasileiro em Canudos. Os artigos analisados são os primeiros de
uma série de cinquenta e dois artigos que Euclides viria a escrever para o jornal O Estado de
São Paulo. A primeira parte é publicada em 14 de março de 1897, momento em que a terceira
expedição a Canudos é derrotada, a segunda em 17 de julho do mesmo ano, às vésperas da
incursão decisiva do Exército a região e da ida do autor a Canudos, ou Belo Monte (nome
dado por Antônio Conselheiro a região), na Bahia.
3. Assunto
O principal assunto do documento é, em linhas gerais, a região de Canudos. Mas a
intenção de Euclides é tratar criticamente do embate entre as forças republicanas e os
jagunços sertanejos, usufruindo para tal de adjetivações sobre a superioridade dos primeiros e
inferioridade aculturais do segundo. O autor inicia o primeiro artigo fazendo uma descrição
do sertão Nordestino, com foco na fauna e flora do local, para então, no segundo, introduzir as
batalhas ocorridas até então. Sua formação como militar possibilitou enxergar como os
revoltosos utilizavam do terreno para criar armadilhas e emboscadas; o tipo de armamento e
munição utilizados. Euclides também aponta as falhas do Exército na última campanha, a
terceira, derrotada, ao mesmo tempo que usava constantemente termos como “forças da
República” e “tropas da República” na tentativa de legitimar a empreitada.
A argumentação do artigo se fundamenta nas dificuldades trazidas pelo terreno de
Canudos e pela atuação “animalesca” sertaneja, sincronizada com o próprio ambiente árido e
hostil. Na construção desse argumento, o autor compara o embate entre Estado e revoltosos
com as guerras travadas entre nações imperialistas e habitantes locais, como ingleses e zulus,
na atual África do Sul, e o insucesso dos enfrentamentos ocorridos entre as tropas espanholas
e o exército napoleônico no século XIX. Essa diferença entre forças republicanas e sertanejas
serve como base para dois assuntos trabalhados adiante pelo autor. O primeiro diz respeito à
natureza dos sertanejos revoltosos, que se relaciona diretamente com o local no qual eles
vivem, bem como suas crenças, com ênfase na religiosidade. O segundo ponto discute a
eficiência militar das tropas republicanas. Euclides aponta falhas táticas que são evidenciadas
durante a luta das tropas para penetrar o terreno, fato que contrasta com a larga experiência
dos jagunços profundos conhecedores da região.
É justamente essa lógica que faz Euclides relacionar Canudos com a Guerra da
Vendeia francesa. Os camponeses da Vendeia, ligados à religião católica, se embatem com os
republicanos num movimento que, inicialmente, tinha ares de revolta, mas ganha
posteriormente ares de contrarrevolução. Essa comparação aponta para uma visão inicial do
autor em relação a natureza do levante, bem como a ideia impregnada nele da Revolução
Francesa como uma história universal de caráter exemplar (VENTURA, 130), modelo de seu
ideal liberal-republicano.

4. A publicação
Os artigos A Nossa Vendéia ao circularem pela primeira vez na imprensa devem ser
analisados frente a outros elementos midiáticos da época, na natureza e significado desses
elementos, e na forma como eles se relacionavam com o panorama histórico brasileiro.
Pensando no processo de mudanças políticas, sociais e culturais ocorridos no país,
principalmente em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo na virada do século XIX para o
XX, pode-se destacar a evolução da imprensa que nesse período começa a se transformar,
saindo de um modelo quase artesanal, baseado principalmente na ideia de ser o porta-voz do
posicionamento do proprietário do veículo.
Passando a se organizar de modo profissional, o jornal O Estado de São Paulo pode
ser visto nesse momento como um veículo em fase de transição. Na mesma edição em que o
artigo de Euclides da Cunha é publicado também pode ser lido um editorial onde o jornal
defende o uso da força extrema para massacrar os revoltosos que, desejavam restaurar a
monarquia. Assim pode-se pensar que a publicação de A Nossa Vendéia nas páginas de O
Estado de São Paulo, estão ligadas a ideia de, não apenas reforçar o discurso republicano
acerca de Canudos, mas também o próprio posicionamento do jornal.
Sobre as especificidades da publicação A Nossa Vendéia o contexto de publicação está
relacionado com a notícia de duas derrotas do exército republicano em Canudos, que
repercutem com a destruição de jornais monarquistas no Rio de Janeiro pelos jacobinos e
pelos boatos de que havia uma conspiração entre estes monarquistas que apoiavam a
continuidade da comunidade de Belo Monte, explícito na citação do autor: “Como na Vendéia
o fanatismo religioso que domina suas almas ingênuas e simples é habilmente aproveitado
pelos propagandistas do império.” (CUNHA, p. 3 do documento).

5. Comunicação da fonte com sua época


O documento indica uma série de fatos interligados, além de demonstrar claramente a
tentativa da imprensa associada a políticos ligados ao movimento republicano (ainda em
consolidação) de manipular a população através da opinião pública, ao mesmo tempo essa
imprensa apresenta enorme dificuldade em apresentar interpretações mais apuradas sobre o
fato, o próprio Euclides é enviado para a região durante a campanha final organizada pelo
Exército como correspondente de guerra.
Em um momento onde os ecos da Revolução Francesa ainda estavam presentes no
imaginário político e social, a associação do movimento de Canudos com a Guerra da
Vendeia pode ser encarado como reflexo dos discurso positivista, evolucionista e determinista
que dominava o pensamento da época.
Essa manipulação associada a falta de informações concretas sobre quem realmente
eram aquelas pessoas que construíram Canudos e o fracasso da expedição chefiada pelo
Coronel Moreira César leva a imprensa e os políticos a identificar os revoltosos com
movimentos pela restauração da monarquia, passando também a identificá-los como bárbaros,
sanguinários, ou ainda como pessoas ingênuas e simples que são dominadas pelo fanatismo
religioso de Conselheiro.
Porém, Canudos não era um movimento contrarrevolucionário com bases
monarquistas expressão de um descontentamento com a República como tentavam apontar, e
sim um movimento individual que denunciava a dessincronia entre governantes e governados.
Uma análise minuciosa da visão euclidiana sobre povo sertanejo no artigo, demonstra também
uma visão dominadora, comum à elite, que tenta animalizar e limitar grupos sociais e
acabando por segregá-los numa lógica vertical de poder. No entanto, há de se destacar como
sua posição com Canudos muda de uma cruzada entre os inimigos da República, para a ideia
das campanhas como crimes na publicação de Os sertões: a campanha de Canudos. Mas o
que persiste ainda em seu discurso são os ideais cientificistas e reducionistas ainda em alta na
época, dizendo que os conselheiristas não são nem monarquistas nem republicanos, sendo
adeptos unicamente a religião por sua ignorância e falta de civilização.

Bibliografia
■ BARBOSA, Saulo Vinícius Souza. Da Vendeia ao sertão: dois momentos da visão
de Euclides da Cunha sobre Canudos. Revista Humanidades em Diálogo (USP),
São Paulo, v. 8, p.199-207, 2017. Disponível em:
<https://www.revistas.usp.br/humanidades/article/view/140552>. Acesso em: 01 maio
2018.
■ HERMANN, Jacqueline. Religião e política no alvorecer da República: os
movimentos de Juazeiro, Canudos e Contestado. In: FERREIRA, Jorge e
DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Orgs.). O tempo do liberalismo excludente:
da Proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003. Pp. 121-160 (O Brasil Republicano; v.1)

■ VENTURA, Roberto. "A Nossa Vendéia": Canudos, o Mito da Revolução


Francesa e a Formação de Identidade Cultural no Brasil (1897-1902). Revista do
Instituto de Estudos Brasileiros (USP), São Paulo, v. 31, p.129-145, 1990. Disponível
em: <http://www.revistas.usp.br/rieb/article/view/70057/72706>. Acesso em: 01 maio
2018.

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