http://www.ihu.unisinos.br/591075-anatomia-do-novo-neoliberalismo-artigo-de-pierre-dardot-e-christian-laval
25 Julho 2019
“Já não há freio ao exercício do poder neoliberal por meio da lei, na mesma
medida em que a lei se tornou o instrumento privilegiado da luta do
neoliberalismo contra a democracia. O Estado de direito não está sendo
abolido de fora, mas destruído por dentro para fazer dele uma arma de
guerra contra a população e a serviço dos dominantes”, escrevem os
pensadores franceses Pierre Dardot e Christian Laval, em artigo publicado
pela revista Viento Sur n. 164 e reproduzido por Rebelión, 24-07-2019.
A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Contudo, o que é mais recente e sem dúvida merece nossa atenção é que
agora se nutre das reações negativas que provoca no plano político, que se
reforça com a mesma hostilidade política que suscita. Estamos assistindo a
uma de suas metamorfoses, e não é a menos perigosa. O neoliberalismo já
não precisa de sua imagem liberal ou democrática, como nos bons tempos
que é necessário chamar, com razão, de neoliberalismo clássico. Esta
imagem inclusive se tornou um obstáculo para sua dominação, coisa que
somente é possível porque o governo neoliberal não hesita em
instrumentalizar os ressentimentos de um amplo setor da população, falta
de identidade nacional e de proteção pelo Estado, dirigindo-os contra
bodes expiatórios.
No passado, muitas vezes, o neoliberalismo se associou com a abertura, o
progresso, as liberdades individuais, com o Estado de direito. Atualmente,
conjuga-se com o fechamento de fronteiras, a construção de muros, o culto
à nação e a soberania do Estado, a ofensiva declarada contra os direitos
humanos, acusados de colocar em perigo a segurança. Como é possível esta
metamorfose do neoliberalismo?
Trumpismo e fascismo
Trump é incontestavelmente um marco na história do neoliberalismo
mundial. Esta mutação não afeta apenas os Estados Unidos, mas todos os
governos, cada vez mais numerosos, que manifestam tendências
nacionalistas, autoritárias e xenófobas até o ponto de assumir a referência
ao fascismo, como no caso de Matteo Salvini, ou à ditadura militar,
como Bolsonaro.
O fundamental é compreender que estes governos não se opõem em nada
ao neoliberalismo como modo de poder. Ao contrário, reduzem os impostos
para os mais ricos, cortam os subsídios sociais e aceleram as
desregulamentações, particularmente em matéria financeira e ambiental.
Estes governos autoritários, dos quais a extrema direita cada vez mais faz
parte, assumem na realidade o caráter absolutista e hiperautoritário do
neoliberalismo.
Para compreender esta transformação, primeiro convém evitar dois erros.
O mais antigo consiste em confundir o neoliberalismo com
o ultraliberalismo, o libertarianismo, o retorno a Adam Smith ou o fim
do Estado, etc. Como já nos ensinou há muito tempo Michel Foucault, o
neoliberalismo é um modo de governo muito ativo, que não tem muito a
ver com o Estado mínimo passivo do liberalismo clássico. Deste ponto de
vista, a novidade não consiste no grau de intervenção do Estado, nem em
seu caráter coercitivo. O novo é que o antidemocratismo inato do
neoliberalismo, manifesto em alguns de suas grandes teóricos,
como Friedrich Hayek, se plasma hoje em um questionamento político
cada vez mais aberto e radical dos princípios e as formas da democracia
liberal.
4
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neoliberalismo”. Entrevista com Christian Laval e Pierre Dardot
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A polarização política, as paixões da sociedade e a disputa pelos rumos
do neoliberalismo. Entrevista especial com Alana Moraes
13
http://www.ihu.unisinos.br/186-noticias/noticias-2017/574765-o-neoliberalismo-e-uma-perversao-da-economia-
dominante-artigo-de-dani-rodrick
21 Dezembro 2017
Eis o artigo.
mas como? Talvez seja mais fácil criticar esta lista de princípios por seu
vazio do que denunciá-la como um programa neoliberal.
Mesmo assim, esses princípios não são inteiramente desprovidos de
conteúdo. A China e, de um modo geral, todos os países que conseguiram
se desenvolver rapidamente, demonstram a utilidade desses princípios
uma vez adaptados ao contexto local. Por outro lado, muitas economias se
voltaram contra os líderes políticos que tentaram violar esses princípios.
Não precisamos ir muito longe – basta olhar para os nossos regimes
populistas da América Latina ou para os regimes comunistas da Europa
Oriental para apreciar a relevância de uma política monetária sólida, de
uma sustentabilidade fiscal e de incentivos privados.
Certamente, a economia não pode ser reduzida a uma lista de princípios
abstratos, em grande parte do senso comum. Grande parte do trabalho dos
economistas consiste em desenvolver modelos estilizados de como
funcionam as economias reais e, em seguida, confrontar esses modelos com
a realidade. Os economistas, portanto, tendem a descrever seu trabalho
como um aperfeiçoamento progressivo de sua compreensão do mundo:
seus modelos devem se tornar cada vez mais eficientes à medida que são
testados e revisados. Na realidade, os progressos na economia acontecem
de forma diferente.
Um modelo, mas qual modelo?
Os economistas estudam uma realidade social que é totalmente diferente
do universo físico dos cientistas naturais. Ela é inteiramente criada pelo
homem, altamente maleável e opera de acordo com regras que variam ao
longo do tempo e do espaço. A economia não avança, portanto, pela escolha
do modelo certo ou da teoria certa para responder às questões que se
podem fazer, mas melhorando a nossa compreensão da diversidade de
relações causais. O neoliberalismo e seus remédios habituais – sempre
mais mercados, sempre menos Estado – são de fato uma perversão da
economia dominante. Os bons economistas sabem que a resposta correta
para qualquer questão em economia é: “depende”.
Um aumento do salário mínimo é prejudicial ao emprego? Sim, se o
mercado de trabalho é competitivo e os empregadores não têm controle
sobre os salários que devem pagar para atrais os trabalhadores; mas não o
contrário. A liberalização do comércio incentiva o crescimento econômico?
Sim, se melhorar a rentabilidade das indústrias onde a maior parte da
inovação e investimento ocorre; mas não o contrário. Um aumento nas
despesas públicas melhora o emprego? Sim, se não há tensões na economia
e os salários não aumentam; mas não o contrário. Uma situação de
monopólio afeta a inovação? Sim e não: dependendo de uma série de
condições do mercado.
Na economia, os novos modelos raramente suplantam os antigos. Os
modelos do mercado concorrencial que remontam a Adam Smith foram
modificados ao longo do tempo pela inclusão – mais ou menos
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http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/562765-o-comum-um-ensaio-sobre-a-revolucao-no-seculo-21
25 Novembro 2016
“Os comuns não são ‘produzidos’ ou ‘instituídos’. É por isso que somos
muito relutantes em aceitar a noção de ‘bens comuns’. Parece-nos que o
raciocínio deveria ser o inverso: todo comum que é instituído é um bem,
mas nenhum bem é por si comum. É preciso cuidar para não confundirmos
um bem no sentido ético e político (agathon) e um bem no sentido de uma
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aquisição que pode ser trocada e vendida (ktesis). Todo comum é um bem
no sentido ético e político, mas apenas na medida em que não é uma
aquisição. Uma vez instituído, um comum não é alienável; a partir de então
ele se instala na esfera de coisas que não podem ser apropriadas. Isto
significa que ele escapa da lógica proprietária em qualquer de suas formas
(privada ou estatal)”, escrevem Pierre Dardot e Christian Laval, em
artigo publicado por UniNômade, 24-11-2016. A tradução é de Renan
Porto.
Segundo eles, “o sentido revolucionário dos movimentos contemporâneos
não está baseado no modo de ação que eles adotam, eleitoralmente ou de
outra forma, e nem mesmo na pura consciência do objetivo final buscado.
Em vez disso, tem a ver com transformar a resistência persistente e
corajosa de amplos setores da sociedade às políticas de austeridade em
vontade e capacidade de transformar as próprias relações políticas, em ir
da representação à participação. Isso é o que significa unir a demanda do
comum ao seu maior ponto de expressão”.
Eis o artigo.
Nosso ponto de partida é que o comum é um princípio de atividade política
constituído pela atividade específica da deliberação, julgamento, decisão e
a aplicação de decisões. Contudo, essa, que é a mais completa definição que
nós apresentamos no início do nosso livro[1], não pretende ser universal,
trans-histórica e independente das condições temporais e geográficas. Em
termos etimológicos (cum-munus, literalmente ‘co-obrigação’ e ‘co-
atividade’), a intenção não é certamente sugerir que hoje o comum sempre
carregue o mesmo significado. Em Aristóteles, o comum (koinōn) é o que
resulta da atividade de agregação, que é o que constitui a cidadania, uma
atividade que implica a rotação de deveres ou a alternância entre os que
governam e os que são governados. Hoje, com um novo e singular tipo de
energia, o movimento das praças (15M, Gezi, etc) tem enriquecido esse
conceito com novas demandas.
O comum como um princípio das lutas
Essas demandas envolveram um questionamento radical da democracia
‘representativa’, que autoriza um número limitado de pessoas a agir e
falar em nome da grande maioria. Ao mesmo tempo, esses movimentos têm
desenvolvido demandas em torno da preservação dos ‘comuns’
(commons) (especialmente espaços urbanos). O comum nos parece ser o
princípio que literalmente emergiu de todos esses movimentos. Portanto,
não é algo que nós inventamos; isto surgiu das lutas correntes como seu
princípio interno. O termo adquiriu assim um significado completamente
novo, aquele da ‘democracia real’, para o qual a única obrigação política
legítima não decorre da adesão a uma determinada comunidade, por mais
amplo que isso possa ser, mas da participação nessa mesma atividade ou
nas tarefas que a constituem. Não deve haver equívoco sobre a nossa
proposta: embora o capítulo preliminar do nosso livro ofereça uma
‘arqueologia do comum’, nós não tivemos intenção de interpretar toda a
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Notas:
[1] – Pierre Dardot, Christian Laval, Commun, Essai sur la revolution au
21eme siecle, Paris: Éditions La Découverte, 2014.
[2] – ‘Coisas que não pertencem a ninguém vão à primeira pessoa que se
ocupar delas’.
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http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/571195-a-subordinacao-da-esquerda-brasileira-ao-
neoliberalismo-e-o-abandono-da-teoria-da-dependencia-entrevista-especial-com-carlos-eduardo-martins
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