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NOTAS DE INVESTIGAÇÃO

Perturbação de comportamento na infância:


Diagnóstico, etiologia, tratamento e
propostas de investigação futura

RENATA BENAVENTE (*)

1. INTRODUÇÃO Quanto à evolução deste tipo de patologia e


consequências sociais associadas, são diversos
O diagnóstico, avaliação e intervenção com os trabalhos que a relacionam com a criminali-
crianças que apresentam perturbações de com- dade, perturbações psiquiátricas, consumos de
portamento tem sido uma das preocupações da drogas, precaridade laboral, prostituição, promis-
comunidade técnica e científica que se ocupa do cuidade sexual e detenções. Loeber, Magnusson,
diagnóstico e tratamento de crianças e jovens. Stattin, Dunér, Patterson, Reid e Dishion (citados
Não existindo dados estatísticos organizados em por Stattin & Magnusson em 1996), concluíram
Portugal, quanto à prevalência deste tipo de pa- nos seus estudos, que a criminalidade adulta se
tologias, a prática clínica indicia o crescimento relaciona com problemas de conduta na infância
deste tipo de perturbação entre a população por- e na adolescência. Também Morris e Robins, ci-
tuguesa. tados por Gelfand (1988), estimam que entre
Nos Estados Unidos da América, de acordo
70% a 80% das crianças com comportamentos
com dados da Academia Americana de Psiquia-
anti-sociais, terão vários tipos de dificuldades
tria da Criança e do Adolescente (Steiner &
quando adultos: problemas psiquiátricos, preca-
Dunne, 1997), a prevalência de perturbações de
ridade laboral, casamentos múltiplos, abuso de
conduta na população geral de crianças e adoles-
centes situava-se entre os 1.5% e os 3.4%, pre- substâncias e detenções.
vendo-se que destes, cerca de 40%, desenvolve- Nas raparigas, surge o risco de evolução para
riam uma Personalidade Antissocial, em adultos a prostituição, que segundo Winnicott (citado
(http:www.apa.org). por Diatkine em 1985), apresenta sólidos bene-
fícios secundários, nomeadamente, sob a forma
de uma bem sucedida integração na sociedade.
Tygart (citado por Ollendick & Hersen, 1983),
(*) Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de
revela que em 1977 foram gastos anualmente,
Almada, Rua Irene Lisboa, Complexo Educativo dos nos Estados Unidos da América, 600 milhões de
Cataventos da Paz, 2800 Almada, Portugal. dólares como resultado do vandalismo nas esco-

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las, sendo que um número crescente de profes- sões, roubo, furto, mentira, desobediência, fuga,
sores e de alunos estão mais preocupados com a invasão/destruição/dano de propriedade alheia,
sua segurança pessoal que com o processo edu- crueldade para com animais ou pessoas, uso de
cativo em que estão envolvidos. armas, confronto físico com outros e abuso se-
De acordo com as investigações desenvol- xual.
vidas na Suécia, Stattin e Magnusson (1996), O mesmo sistema de classificação distingue
concluem que os comportamentos de oposição, entre o tipo grupal, solitário e indiferenciado. No
desobediência, desafio, teimosia e conduta primeiro, as perturbações de comportamento
agressiva, tendem a ser substancialmente está- ocorrem predominantemente enquanto activida-
veis no tempo. Encontraram uma relação signifi- de de grupo, podendo estar ou não presente a
cativa entre este tipo de comportamentos e o agressão física. No segundo, prevalece o com-
abuso de drogas na adolescência em ambos os portamento agressivo, quer contra adultos, quer
sexos. Os estudos longitudinais realizados per- contra pares, iniciada pela criança, sem carácter
mitiram apurar que nos rapazes a existência de de grupo. No tipo indiferenciado, existe uma
problemas comportamentais deste tipo se pode mistura de comportamentos dos dois tipos ante-
associar à precocidade da primeira relação se- riores que não permitem a classificação num de-
xual e à existência de maior número de parceiros les.
após os 18 anos. Nas raparigas a promiscuidade Este tipo de comportamentos surgem, porém,
sexual parece surgir mais cedo, que nos rapazes. virtualmente em todas as crianças em algumas
Apenas nos adultos do sexo masculino foi possí- fases do seu desenvolvimento (Gelfand, Jenson
vel concluir haver relação entre a baixa escolari- & Drew, 1988). O diagnóstico dependerá da sua
dade e a perturbação comportamental na infân- intensidade e frequência, tal como evidencia
cia. Existe portanto, um risco acrescido de futura Quay (citado por Gelfand et al., 1988).
desadaptação social, (como por exemplo crimi- A idade em que ocorrem os comportamentos
nalidade e abuso de álcool e drogas), nos jovens desviantes deve também ser considerada, tal
e adultos que, em crianças, apresentaram pertur- como defendeu Weiner em 1982, bem como a
bações de comportamento, estando a gravidade incidência de outros distúrbios de desenvolvi-
associada à precocidade dos primeiros compor- mento na fundamentação da avaliação clínica.
tamentos desviantes. Este autor concluiu que problemas de compor-
Diatkine (1985), sublinha que a ausência de tamento, em determinadas fases do desenvolvi-
linha demarcadora entre as formas graves de mento das crianças, não são sinónimos de distúr-
psicopatia e as desordens banais de comporta- bio nesse mesmo desenvolvimento. Fazendo re-
mento, mostra que as perturbações mais graves ferência aos estudos longitudinais de Eichorn
podem ser impedidas pela tomada de medidas (1973), desenvolvidos no Instituto de Desenvol-
preventivas relativamente simples. Assim, a vimento Humano da Universidade da Califórnia
compreensão da etiologia destas perturbações, a e Berkeley, constata que, segundo as entrevistas
definição e conceptualização das técnicas de realizadas às mães das crianças, cerca de um ter-
tratamento (e sua aplicação) e a prossecução de ço dos rapazes e raparigas da amostra apresen-
linhas de investigação que permitam o aprofun- tavam problemas, tais como: enurese, mentira,
damento deste distúrbio, tornam-se urgentes para medos específicos, alterações do humor e ciú-
a implementação de linhas preventivas da delin- mes. Assim, a maioria dos problemas de com-
quência, criminalidade e dos comportamentos de portamento nas crianças, são específicos da
risco na idade adulta. idade e tendem a desaparecer com o crescimen-
to. Quando os problemas de comportamento di-
ferem substancialmente daquilo que é esperado
2. DIAGNÓSTICO para a idade da criança, em termos de tipo, seve-
ridade ou duração, podemos falar de psicopato-
Segundo a classificação proposta pela Ame- logia e (dependendo dos problemas de compor-
rican Psychiatric Association, em 1987 (DSM- tamento apresentados) em perturbação de com-
III-R), o diagnóstico das perturbações de com- portamento.
portamento implica a ocorrência de transgres- Valorizando também a idade em que surgem

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os comportamentos desviantes, Stattin e Magnus- (citados por Stattin & Magnusson, 1996) descre-
son (1996) distinguem dois grupos de crianças vem a existência, nos rapazes, de uma correlação
com problemas de comportamento: as crianças entre comportamentos agressivos e hiperactivi-
com sintomatologia precoce e as que apresentam dade e o risco de iniciarem uma escalada de
perturbações numa fase mais tardia. Em idades comportamentos disruptivos que poderiam cul-
precoces, antes dos 9 anos, os comportamentos minar em ofensas criminais no final da infância
de desafio, destrutividade e de confronto físico ou no início da adolescência. Também Patterson,
associam-se a uma futura delinquência; em ida- DeGarmo e Knutson (2000) associam a hiper-
des mais tardias são variáveis como a desobedi- actividade da criança ao comportamento anti-
ência e as ausências de casa até tarde (sem con- -social, existindo um consenso na literatura neste
sentimento), que apresentaram maior relação sentido.
com a delinquência futura (Stattin & Magnusson, Quanto aos primeiros comportamentos agres-
1996). sivos, Gelfand, Jenson e Drew (1988), defendem
Os dois grupos podem ser discriminados pelo que o seu aparecimento se relaciona com a in-
facto de no primeiro haver uma elevada agressi- tenção de provocar dano físico ou psicológico,
vidade e perturbação na relação com os pares, podendo culminar na destruição de propriedade.
enquanto que no segundo existe menor agressi- A agressão pode envolver confronto com a víti-
vidade e uma relação com os pares quase nor- ma ou não. No primeiro caso podem haver dis-
mal, tal como propõe sistema de classificação cussões ou luta física, sendo o objectivo da cri-
das doenças mentais (Associação Americana de ança magoar o outro. Este comportamento é
Psiquiatria, 1987). Nas semelhanças entre os mais reactivo e impulsivo. Nos casos do roubo,
dois grupos, encontram-se os problemas escola- mentira ou ateamento de fogo, geralmente não
res e de comportamento, embora em períodos di- há contacto directo com a vítima ou vítimas, ou
ferentes do desenvolvimento. seja, a agressão é planeada tendo por fim a ob-
Patterson e colegas (citados por Patterson, tenção de ganho, pelo que os comportamentos
DeGarmo & Knutson, 2000) encontraram no tendem a surgir de modo menos impulsivo.
momento em que se dá o envolvimento com pa- Gelfand, Jenson e Drew (1988), associam aos
res desviantes e nos níveis de perturbação paren- comportamentos agressivos e à ausência de preo-
tal, factores determinantes para a evolução no cupação com os outros, um défice de competên-
sentido do comportamento desviante. cias sociais, que culmina na inexistência de re-
Segundo Hartup (citado por Ollendick & Her- lações de amizade. Nas crianças em que há uma
sen, 1983) as crianças mais velhas são menos actuação em grupo, existem sentimentos de leal-
agressivas que as mais novas, e as crianças ne- dade para com os outros elementos (por exem-
gras são mais agressivas que as brancas da mes- plo, do mesmo gang) e aceitação de hierarquias,
ma idade. Este tipo de conclusões poderá dever- podendo surgir alguma preocupação com pesso-
se ao facto destes estudos se organizarem em tor- as mais velhas. A característica dominante, neste
no da socialização, mediada por processos de segundo grupo, é o interesse extremo por outros
aprendizagem tais como: o condicionamento elementos do grupo que tenham, eventualmente,
operante, a modelação e processos de frustração- sido insultados ou magoados.
agressão, não estando controladas outras dimen- Para o estabelecimento de diagnóstico, nas si-
sões importantes, quer para o diagnóstico, quer tuações de furto, que representam 70% dos de-
para a linearidade em termos de resultados. litos dos menores (Ajuriaguerra, 1987), devemos
Por outro lado, Hoffman (citado por Ollendick ter em linha de conta se a criança detém ou não a
& Hersen, 1983), concluiu que os meninos são noção de propriedade. Só a concepção do «meu»
mais agressivos que as meninas, o que poderá e «teu», o limite de si e do outro, o desenvolvi-
atribuir-se a diferenças hormonais. Na mesma mento de conceitos morais, permitem que pela
linha, Schwarz (citado por Gelfand, Jenson & idade dos 6/7 anos a própria criança identifique a
Drew, 1988), afirma que o aparecimento de per- sua conduta como de furto. A gravidade do «de-
turbações de conduta nos meninos é oito vezes lito» irá depender do local do furto, dos objectos
superior ao das meninas. furtados, da utilização dada a esses objectos, do
Loeber, Dishion, Stouthamer-Loeber e Green, comportamento da criança, bem como da signifi-

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cação psicopatológica do furto (associada à sepa- gonha, permitindo a estas crianças o acesso a te-
ração parental, a situações de carência afectiva rapia.
ou como resposta a períodos de stress). Entre as várias técnicas/instrumentos que per-
Relativamente à mentira, enquanto voluntária mitem o diagnóstico destacam-se a entrevista
falsificação da verdade, só podemos concebê-la (quer da criança, quer dos pais, separados e em
após os 3 anos de idade, antes disso há fantasia conjunto) os métodos projectivos (TAT e Rors-
(Grünspun, 1978). É também importante a chach), as cheklists de comportamento, os méto-
distinção entre a ilusão, o imaginário e os distúr- dos de observação directa e os inventários de
bios psicossomáticos da criança. A mentira pode personalidade.
ser classificada em várias categorias, segundo o
seu conteúdo e finalidade.
As crianças com perturbação de comporta- 3. ETIOLOGIA
mento apresentam ausência de culpa e pouca
consciência da destrutividade do seu comporta- Na literatura, podemos encontrar várias teo-
mento conclui Barkley, (citado por Gelfand et rias e linhas de investigação, no que respeita à
al., 1988), «dando respostas imediatas a estímu- etiologia das perturbações de comportamento
los específicos, ao invés de regerem o seu com- em crianças: as teorias neurológicas, sociológi-
portamento por regras sociais» (Gelfand et al., cas, psicanalíticas, cognitivistas e sistémicas.
1988, p. 135). A terminologia utilizada, enquanto designação
Para Schneider (citado por Diatkine, 1985), diagnóstica, tem evoluído. Os termos psicopatia,
predominam neste tipo de patologia a ausência comportamento anti-social e perturbações de
de compaixão, pudor, arrependimento e a frieza conduta, são utilizados para designar as crianças
no comportamento social, que associa a uma per- com perturbações de comportamento.
versão instintiva. Segundo a teoria das perversões instintivas, de
Estas crianças apresentam também baixas Dupré, citado por Diatkine (1985), os problemas
competências sociais e défices académicos, no- de comportamento anti-social têm a sua génese
meadamente ao nível da leitura (Rutter & Yule; numa doença constitutiva dos indivíduos. Tam-
Semier, Eron, Myerson & Williasm; Wells & Fo- bém Melanie Klein, citada por Diatkine (1985),
rehand, citados por Gelfand et al., 1988). Tam- atribui a factores constitucionais os mecanismos
bém Diatkine (1985), afirma ser rara uma acti- que causam a psicopatia. Klein (1982), afirma
vidade intelectual normal nestas crianças. Pelo que certas tendências criminais, estão presentes
contrário, Stattin e Magnusson (1996) descrevem em crianças normais. Na primeira fase sádica
uma precoce expressão e compreensão linguís- que todos os indivíduos atravessam normalmen-
tica significativamente superior associada à de- te, a criança, protege-se contra o medo que os
linquência, quando controlado o estatuto socio- objectos cruéis inspiram (interiorizados ou exte-
-económico das famílias. riores), desenvolvendo contra eles ataques ima-
Num dos seu estudos, Patterson (citado por ginários. O seu objectivo ao livrar-se desses ob-
Patterson et al., 2000), estabeleceu uma correla- jectos é, em parte, fazer calar as ameaças into-
ção entre o comportamento anti-social, a rejeição leráveis do seu Super-Eu. Estabelece-se assim,
das crianças e os maus resultados escolares. um ciclo vicioso, uma vez, que a angústia da cri-
Kernberg e Chazan (1991), descrevem estas ança a pressiona a destruir os objectos, o que
crianças como tendo défices nas seguintes áreas: provoca um aumento da angústia. É todo este
funcionamento cognitivo, atenção, controlo dos processo, de grande severidade do Super-Eu,
impulsos, capacidade de fazer julgamentos, mo- que, constitui, para Klein, o mecanismo psicoló-
dulação dos afectos, linguagem, tolerância à an- gico que parece estar na base das tendências an-
siedade e à frustração. Num nível inconsciente a ti-sociais e criminais do indivíduo.
agressão predomina à custa da integração dos Por outro lado, a perturbação nas primeiras
impulsos com sentimentos libidinais. Assim, os relações objectais encontrada na anamnese das
impulsos surgem ao ultrapassar o frágil equilí- crianças com problemas de comportamento, de-
brio do superego e aparece alguma capacidade nominadas psicopatas, foi alvo de diversas in-
de remorso, culpa, e mais frequentemente, ver- vestigações sobre as frustrações precoces. As

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pesquisas de Bowlby e de Ainsworth, mostram pais/criança), as variáveis cognitivas, a influên-
que, nestas crianças existem carências afectivas cia dos pares e dos mass media. Gelfand, Jenson
muito precoces. e Drew (1988), sugerem outras causas: a violên-
Winnicott, citado por Diatkine (1985), intro- cia na televisão, o divórcio e o stress na família,
duz na teoria da psicopatia a noção de tendência concluindo que será da interacção entre vários
anti-social. Do ponto de vista teórico, serve-se elementos que surge este tipo de patologia.
de um nível de abstracção intermédio, entre as No que diz respeito ao divórcio, Emery, Wal-
descrições de comportamento anti-social e de dron, Kitzman e Aaron (1999), demonstraram
pulsão. Propõe uma interpretação própria do pa- que o comportamento anti-social dos pais é uma
pel das carências afectivas precoces na etiologia das variáveis que conduz ao divórcio, não po-
da psicopatia. Como a mãe não pode adaptar-se dendo atribuir-se apenas a esta alteração do esta-
totalmente às necessidades instintivas da criança, do civil a ocorrência de problemas de comporta-
ela vai permitir-lhe que se desiluda progressi- mento nas crianças. Ou seja, é o comportamento
vamente. É nesta fase do desenvolvimento, que já perturbado dos pais que pode originar a pato-
aparecem as tendências anti-sociais, quer na cri- logia nas crianças e não o divórcio em si. Para
ança normal, quer na criança psicopata. A ten- Rae-Grant, McConville, Kenned, Vaughan e
dência anti-social é o movimento compulsivo Steiner (1999), são factores de risco para o apa-
que vai permitir à criança obter da sua mãe a recimento de comportamentos violentos, a exis-
reparação pelo dano que ela lhe causou, ao não tência de violência doméstica ou no bairro, o
satisfazer totalmente as exigências iniciais. A abuso de álcool, o envolvimento no tráfico de
criança pode organizar-se face à sua tendência droga, a posse de arma e a associação com ado-
anti-social sem manifestar problemas de com- lescentes e/ou adultos delinquentes.
portamento. Estas manifestações vão depender No que diz respeito às variáveis familiares, e
das respostas do ambiente. Quando a mãe e a fa- às interacções com os pais, Patterson (citado por
mília são capazes de responder às exigências da Ollendick & Hersen, 1983), demonstrou que,
frustração, os problemas de comportamento ten- quer as mães quer os irmãos de crianças agres-
dem a cessar. sivas, são também mais agressivas. A interven-
Diatkine (1985) destaca o facto de muitas das ção com crianças que apresentavam comporta-
crianças com problemas de comportamento te- mento anti-social conduzida por Arnold, Levine
rem apresentado patologia orgânica na primeira e Patterson (citados por Ollendick & Hersen,
infância, e em particular no período perinatal. 1983), demonstrou haver redução dos comporta-
Este tipo de patologias irá conduzir ao estabele- mentos desviantes quando os irmãos também
cimento de complexas relações com os pais, eram inseridos no programa. Os padrões de co-
podendo as hospitalizações, a descontinuidade municação entre os elementos da família em que
do ambiente e as rupturas de relação nos primei- há adolescentes delinquentes estão, conclui Ale-
ros anos de vida explicar os problemas futuros. xander (citado por Ollendick & Hersen, 1983),
Tem merecido um especial enfoque, em ter- perturbados, sendo predominantemente defensi-
mos de investigação, a etiologia dos comporta- vos, podendo o mesmo acontecer na famílias de
mentos agressivos. Este tipo de comportamentos, crianças com perturbação de comportamento.
em crianças, pode também ter a sua génese no Existe, por outro lado, uma complexa relação
facto de as suas primeiras relações terem sido entre causa e consequência no que diz respeito às
uma sucessão de abandonos e reencontros sem variáveis familiares. Tal como concluem Frick e
separação física podendo levar a uma recordação Jackson (1993) e Wamboldt e Wamboldt (2000),
traumática inassimilável (Diatkine, 1985). as famílias podem causar perturbação, mas mui-
Ollendick e Hersen em 1983, indicam algu- tas vezes os problemas na família surgem como
mas das linhas de pesquisa que centram o seu resposta aos problemas da criança.
objecto de estudo nos comportamentos agressi- No seu estudo de 1999, Kuperman, Scholsser,
vos de crianças, distinguindo várias hipóteses Lindral e Reich associam o diagnóstico de alco-
que fundamentam o seu aparecimento: a idade, a olismo e Personalidade Anti-social dos pais ao
raça e o sexo das crianças, factores orgânicos, as risco acrescido de desordens psiquiátricas na
variáveis familiares (incluindo as interacções infância. O diagnóstico de perturbação de com-

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portamento em crianças, está, por seu lado, rela- sumir-se como abordagem integrada actuando
cionado com um estilo parental disfuncional, sobre as várias dimensões da vida da criança: fa-
abuso de álcool e de marijuana. Foi também en- mília, escola, grupo de pares e a própria criança.
contrada, nesta investigação e na de Wahler (ci- A aplicação do modelo interpessoal e psico-
tado por Ollendick & Hersen, 1983), uma rela- educacional tem-se revelado mais eficaz que
ção significativa entre o baixo estatuto socio- uma visão unicamente intrapsíquica ou farmaco-
económico da família (baixos rendimentos, pro- lógica (http:www.apa.org).
blemas conjugais e baixa escolaridade dos pais) A intervenção junto da família poderá incluir:
e o risco de perturbação de comportamento nas terapia familiar, orientação parental e programas
crianças. A mesma investigação determinou que de treino. Nos casos de internamento em unidade
é nos rapazes mais velhos e em famílias mais hospitalar ou instituição de acolhimento, a famí-
disfuncionais que prevalece o diagnóstico de lia deve ser envolvida nas várias fases do trata-
perturbação de comportamento. mento, desenvolvendo, por exemplo, aprendiza-
Rae-Grant, McConville, Kenned, Vaughan e gens sociais. A necessidade de colaboração es-
Steiner (1999), demonstram que a pobreza urba- treita com a família é tanto maior, quanto menor
na e a desorganização social estão na origem de for a criança.
vulnerabilidades para as mães e para as crianças, A colocação institucional de crianças com
tais como: baixo peso, comprometimento cogni- perturbação de comportamento deve ter em con-
tivo, abuso/negligência, acabando por constituir ta os benefícios e as desvantagens deste tipo de
risco para o aparecimento de crime e violência intervenção. Para Diatkine (1985), a institucio-
na infância e adolescência. Estes dados corrobo- nalização de crianças com perturbação de com-
ram a concepção de que é em famílias em risco portamento pode ter consequências nefastas. Por
de exclusão social, nomeadamente residindo em um lado, a criança é inserida num ambiente arti-
contextos habitacionais e sociais específicos, ficial e, por outro, repetir-se-ão as experiências
que este tipo de perturbação assume dimensão de frustração afectiva precoce que estão na ori-
notória. gem dos problemas. O internamento pode pro-
Relativamente à influência da família, os es- teger a criança da excitação, mas não da angústia
tudos de Stattin e Magnusson (1996), permitiram- e da depressão. Se aceitarmos que o comporta-
lhes afirmar que nas crianças em que a sinto- mento patológico da criança aparece como ten-
matologia surge precocemente existem, geral- tativa de manter o equilíbrio narcísico perturba-
mente, dificuldades de imposição da disciplina do, o sentimento de «ser diferente», das crianças
parental ou uma monitorização parental inade- em internamento, pode contribuir para o reapare-
quada, assistindo-se em simultâneo a uma rejei- cimento dos sintomas. Por outro lado, a coloca-
ção por parte dos seus pares e ao envolvimento ção de várias crianças com este tipo de patologia
com outras crianças delinquentes. A existência de na mesma instituição pode facilitar a formação
conflitos familiares e a baixa supervisão por par- de grupos organizados. Porém, o mesmo autor
te dos pais no início da adolescência são factores refere que por incapacidade das estruturas exis-
relevantes para o início dos comportamentos de- tentes, ausência de recursos materiais e psicoló-
linquentes, ditos tardios. Para estes autores, o gicos das famílias que não lhes permite ajudar as
factor que determina a precocidade da delin- crianças, a alternativa do internamento pode ser
quência tardia é a relação com os pares. Também a mais indicada. A estabilidade proporcionada
Coimbra de Matos (1986), ao abordar a génese pela instituição pode ser um primeiro passo para
destas personalidades, nos fala de meio familiar e o tratamento que poderá passar por uma Psicote-
educativo passivizante, com «frequentes injuções rapia.
de tolerância à frustração e à contrariedade» Existem alguns exemplos de instituições que
(Matos, 1986, p. 77). desenvolveram metodologias de intervenção
com crianças com perturbação de comporta-
mento de grande sucesso, nomeadamente a
4. TRATAMENTO Oberhollabrunn, criada por Aichhorn baseada
em laços transferenciais institucionais. Nesta
O tratamento deste tipo de patologia deve as- instituição existia uma actividade pedagógica in-

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tensa, jogos e ocupações diversas. Para além da com a criança passam pelo desenvolvimento de
compreensão psicanalítica da criança e do grupo, competências de resolução de problemas.
as instituições dispõem de várias formas de redu- Quanto ao abandono precoce do tratamento,
zir a nocividade do comportamento das crianças. existem diversos estudos que demonstram estar
Em primeiro lugar, podem desenvolver um tra- directamente relacionado com a agressividade e
balho com as famílias, que depende do isolamen- comportamento desviante, o que significa ser
to geográfico da instituição, do pessoal especia-
maior em determinadas patologias, como é o ca-
lizado e sobretudo da ideologia que a suporta
so da perturbação do comportamento. Kazdin,
(Diatkine, 1985).
Mazurick e Bass (1993), demonstraram que a
A colocação em famílias de acolhimento es-
pecializadas pode ser outro recurso, com vista ao disfunção parental e na família é um bom predi-
tratamento, quando é necessário retirar a criança tor desta antecipação do fim do tratamento. O
do seu meio familiar e social natural. Este tipo abandono ocorre com maior frequência quando
de solução pode facultar à criança o suporte as crianças têm mães jovens, em famílias mono-
afectivo de que carece e a que não é possível parentais, em famílias de etnia minoritária, com
aceder em internamento, nem no seu meio de desvantagem socio-económica e que apresenta-
origem, o que justifica os resultados espectacu- ram comportamento anti-social na infância.
lares alcançados (Diatkine, 1985). Porém, esta É, ainda importante considerar a necessidade
alternativa é geralmente vista com grande relu- de intervenção numa perspectiva preventiva,
tância pelas famílias naturais ao contrário do in- considerando alguns factores protectivos como:
ternamento, muitas vezes solicitado, ao reconhe- estruturas familiares intactas, existência de co-
cerem a sua incapacidade para lidar com os
munidades de suporte e intervenção psicotera-
comportamentos da criança.
pêutica precoce.
Quanto às modalidades psicoterapêuticas
propriamente ditas, existe alguma variedade de
técnicas aplicáveis neste tipo de patologia: a aná-
5. INVESTIGAÇÃO FUTURA
lise de crianças, proposta por Klein, os trabalhos
de Aichhorn, as propostas directivas de Winni-
Quanto à investigação futura sobre esta per-
cott e as técnicas cognitivo-comportamentais.
A Psicoterapia individual ou de grupo pode turbação, pensamos ser importante o estudo das
ser muito útil com a criança, podendo ser com- relações entre maus tratos e negligência e o
plementada com treino de técnicas para o au- aparecimento das perturbações de comporta-
mento de competências psicossociais. Assim, mento, ou seja, apurar em que medida as crian-
poder-se-á ajudar a criança a melhorar o seu fun- ças vítimas de violência apresentam perturbação
cionamento social, encontrando estratégias de to- de comportamento. Apesar da existência de al-
lerância à frustração, aumentando os contactos guns trabalhos nesta área, que demonstram haver
sociais, etc. relação entre o roubo e a fuga de instituições de
No trabalho com a família, o recurso a técni- acolhimento em crianças que sofreram de maior
cas orientadas, de base comportamentalista, tor- desadaptação familiar, escolar e social (Cruz &
na-se indispensável, quando há pouca diferencia- Torres, 1999), há que aprofundar os dados obti-
ção, dificuldades de comunicação com o terapeu-
dos.
ta, ou quando os seus elementos apresentam in-
Quanto ao tratamento, seria pertinente com-
sight reduzido. Kazdin e Wassel (2000), conside-
parar as intervenções realizadas sem retirar a cri-
ram que as próprias reduções do comportamento
desviante da criança terá repercussões no funcio- ança do seu meio natural, com aquelas em que se
namento familiar e parental. Para estes investiga- opta pelo internamento do menor, utilizando a
dores as técnicas cognitivo-comportamentais são mesma abordagem psicoterapêutica. Nas situa-
mais eficazes que: a espera por tratamento, a ine- ções de internamento, poder-se-ia avaliar a eficá-
xistência de tratamento, as terapias pelo brincar cia das técnicas implementadas, ao longo do
e as terapias da relação. As técnicas a utilizar tempo, mediante estudo longitudinal.

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milies. Journal of Clinical Child Psychology, 22
(1), 2-6. RESUMO
Kazdin, A., & Wassell, G. (2000). Therapeutic changes
in children, parents and families resulting from A presente reflexão pretende abordar, de forma re-
treatment of children with conduct problems. Jour- sumida, algumas questões relativas às perturbações de
nal of the American Academy of Child & Adoles- comportamento na infância. Havendo diversos estudos
cent Psychiatry, 39 (4), 414-420. que relacionam este tipo de psicopatologia com
Kernberg, P., & Chazan, S. (1991). Children with con- criminalidade, perturbações psiquiátricas, toxicode-
duct disorders – A psychotherapy manual. New pendência e dificuldades de inserção social na idade
York: Basic Books. adulta, importa tentar compreender e diagnosticar o
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Paris: Payot. a iniciar-se tratamento adequado atempadamente.
Kuperman, S., Schlosser, S., Lindral, J., & Reich, W. Aprofunda-se o diagnóstico de acordo com a DSM-III-
(1999). Relationship of child psychopathology to -R, abordando a importância das relações com os pares
parental alcoholism and antisocial personality di- e os significados de alguns tipos de comportamento
sorder. Journal of the American Academy of Child como a mentira o furto. Apresentamos algumas das
& Adolescent Psychiatry, 38 (6), 686-692. teorias explicativas da etiologia desta perturbação,
Lebovici, S., Diatkine, R., & Soulé, M. (1985). Traité numa linha psicanalítica. Por fim, fazemos algumas
de psychiatrie de l’enfant et de l’adolescent. Paris: propostas concretas no que se refere ao tratamento,
PUF. considerando as influências da família, da escola e do
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psychopathology. New York: Plenum Press. terapêutico em que a criança deverá ser enquadrada.
Patterson, G., DeGarmo, D., & Knutson, N. (2000). Colocamos, por fim, algumas hipóteses de investiga-
Hyperactive and antisocial behaviours: comorbid ção futura sobre esta perturbação.
or two points of the same process? Development Palavras-chave: Infância, distúrbio de comporta-
and Psychopathology, 12, 91-106. mento, mentira, furto, família.

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ABSTRACT relations, stealing and lying are considered. We exhibit
some of the psychoanalytic theories that explain con-
Children conduct problems is the issue of the pre- duct problems in children and some of the treatment
sent paper. There are many studies that relate this kind strategies considering family, school and peers influ-
ences. Removing children away from their families by
of disrupted behavior with future criminality, psychia-
placement in foster families or institutions as a way to
tric disturbance, drug abuse and difficulties in social promote the psychotherapeutic process is also discus-
integration in adulthood. That’s why we believe it’s sed. Finally, future investigation hypotheses about
important to understand and diagnose this disturbance early conduct problems are made.
as soon as possible to make early treatment possible. Key words: Childhood, conduct problems, lying,
The diagnosis is based on the DSM-III-R, and peers stealing, family.

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