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EDITORIAL

O mundo dos quadrinhos


é o mundo todo
Já passamos pela primeira bicicleta, o primeiro beijo, o primeiro salário, a primeira
coleção completa daquela saga brilhando em nossa estante. Eis então que agora
temos a primeira revista sobre quadrinhos pra chamar de nossa. Não é pouca coisa.

Na verdade, é algo que há muito tempo vinha sendo sonhado e planejado e re-
pensado e debatido e... finalmente, concretizado! E essa primeira edição da Plaf
não poderia ser mais emblemática de quem somos e a que viemos. Histórias
em quadrinhos, para todxs nós, é por onde passa a nossa própria história, é o
meio pelo qual somos afetadxs e movidxs de lugar.

Colocar no mundo uma revista que não apenas fale sobre algo que é tão im-
portante para nossa formação cultural e intelectual, mas fazer isso com uma
edição de abertura cuja capa pretende debater o Queer nos quadrinhos é uma
importante marcação de território para a equipe editorial que aqui vos escreve.

E quem somos nós? Duas mulheres lésbicas e um homem gay. Duas pessoas
brancas e uma pessoa negra. Precisávamos pontuar tudo isso? Sim, porque se
crescemos ouvindo que ‘quadrinhos é coisa de menino’ e tudo que há implícito
nessa frase, é preciso, com urgência, romper esses paradigmas que ainda insis-
tem em nos assombrar. Para todxs nós, quadrinhos é sobretudo uma lingua-
gem que nos levará a falar de política, amor, feminismo, existencialismo, memó-
ria, processos de guerra, de paz e, claro, aventuras nunca dantes imaginadas.

E se começamos com uma edição que trata simultaneamente da importância


da representação LGBTQ nas HQs, de como as tirinhas de André Dahmer dão
conta de um “espírito do tempo” sócio-político brasileiro e da necessidade de
haver preservação da memória dos quadrinhos e cartuns, nada disso acontece
à toa. Que venha então essa primeira edição (a primeira!!!) de uma série.

Carol Almeida, Dandara Palankof e Paulo Floro

Editores

Plaf 3
Nesta Plaf
8 Entrevista:
André Dahmer
O quadrinista que melhor ilustra
SEÇÕES
14 HQPÉDIA
o incômodo dos nossos dias em
uma entrevista sobre HQ e política.
A história de Maria A. Godoy,
uma das primeiras roteiristas

20
de quadrinhos do Brasil.
LGBT HQ
A importância e o impacto 16 INFOQUADROS
Um passeio pelo mundo

8
de lésbicas, gays e trans
através das histórias de Tintim.
(autores e personagens)

18 MAKING OF
nas páginas dos quadrinhos.

HQS
Felipe Nunes comenta
seu processo criativo em

26 ROLÊ POR LONDRES O Segredo da Floresta.

38 ESTANTE
A capital londrina é um espetáculo

INÉDITAS
para leitores de quadrinhos com ofertas
que vão do alternativo mais obscuro Carol Pimentel revisita
ao puro pop. Por Alexandre Figueirôa. seu amor por Watchmen.

39 RESENHAS 44 Sem Título,

28
Thoreau, Carolina de
CICLOS PRODUTIVOS Jesus, Caraíba e Recife de Lu Caffagi
O amor está nos
DAS HQS BRASILEIRAS Assombrado no nosso
detalhes nesta HQ linda

26 20
balaio de críticas.
Nunca se produziu tantos quadrinhos da nossa artista de capa.
no Brasil como hoje. Mas os desafios

48
são muitos. Um passeio pela produção A Persistência da
brasileira de ontem, de hoje e o que Memória, de Raoni
podemos esperar para o futuro.
Assis e Rodrigo Acioli

28
Por Ramon Vitral.
Uma história em quadrinhos
sobre o Ocupe Estelita.

32 52
A SAGA DA RAGU Estranhos Tesouros,
de Renata Rinaldi
A história oral da Ragu, uma das A recompensa da jornada.
mais importantes revistas autorais

55
de quadrinhos do Brasil, criada no
Tum Tum,
Recife. Por Dandara Palankof.
de João Lin
As metafísicas da
batida do coração.

32 58 Saideira, por Caio Oliveira


Um problema de imagem
do sr. presidente.

4 Plaf Plaf 5
COLABORADORES

Fotos: Divulgação
Ramon Vitral é jornalista e editor
> do blog Vitralizado. Ele lançou este
ano a Série Postal, onde artistas A revista Plaf,
brasileiros assinam uma HQ inédita com periodicidade bi-
em um cartão postal. Aqui ele escreveu mestral, é uma iniciativa
uma reportagem sobre os ciclos da Revista O Grito! e é
produtivos dos quadrinhos nacionais. editada no Recife (PE).

Número 1
Agosto/Setembro de 2017

Editores
Paulo Floro, Dandara
Palankof e Carol Almeida
Produção editorial
Paulo Floro, Fernando
de Albuquerque e
Alexandre Figueirôa
Projeto gráfico
Renata Rinaldi, e diagramação
roteirista e desenhista Erika Simona
>
brasiliense, é uma autora Administração
do selo Pagu, voltada para e contabilidade
mulheres quadrinistas. Daiane Dultra
Ela trouxe uma HQ de Lu Caffagi, nossa artista da capa, é quadrinista mineira. Revisão
Paulo Floro
aventura e descobertas Ao lado do irmão Vitor Caffagi ela assinou os álbuns Turma
e Erika Simona
pessoais para este nosso da Mônica - Laços e Turma da Mônica - Lições (Panini). É
Programação do site
primeiro número. também autora de Mix Tape, lançada de forma independente. Felipe Dário
>
A Plaf tem incentivo
> do Funcultura - Fundo
Pernambucano de Incentivo
Carol Pimentel é à Cultura do Governo do
editora dos títulos Estado de Pernambuco.
mutantes na Panini.
Ela foi a primeira mulher FALE COM A GENTE
a assumir a edição de Envie seus comentários, sugestões
e críticas para nosso e-mail:
uma linha de quadrinhos leitores@revistaplaf.com.br.
mainstream no Brasil. Se quiser sugerir pautas, enviar
Aqui na Plaf ela falou releases, propor parcerias, distribuir
nossa revista em seu ponto de
do seu amor por venda ou qualquer outro assunto
Watchmen. editorial envie e-mail para
contato@revistaplaf.com.br.
>

NOS APOIE
Foto: Victor Jucá Nossa revista é financiada por um
João Lin é nome veterano edital de cultura, mas planejamos
dos quadrinhos pernambucanos Raoni Assis manter o projeto a longo prazo.
Por isso buscamos apoio de
e um dos responsáveis pela Ragu. é quadrinista e artista leitores, instituições e empresas.
Multiartista, ele ainda é cineasta plástico pernambucano. Saiba como nos apoiar em
e artista plástico. Assina aqui na É autor de diversas nosso site ou mande e-mail
contato@revistaplaf.com.br.
Plaf uma HQ bem experimental exposições individuais
sobre as batidas do coração. e coletivas e comanda
A Casa do Cachorro Preto.
Aqui ele assinou uma HQ
> sobre o Ocupe Estelita, em

ANÚNCIO (2)
parceria com Rodrigo Acioli. Editor-executivo
Alexandre Figueirôa
Editores
Paulo Floro e

Também colaboraram nesta edição: Fernando de Albuquerque

Balbúrdia
Endereço para
Felipe Nunes , quadrinista paulista, nos contou seu processo criativo na HQ O Segredo da Floresta; Renata Arruda , jornalista correspondência
carioca, autora do blog Mar de Mármore (mardemarmore.blogspot.com); Germano Rabelo , músico, quadrinista e jornalista
Rua Doutor José Maria,
379. Caixa Postal 6275.
pernambucano; Paulo Cecconi , jornalista e tradutor, participa do blog Balbúrdia (balburdia.wordpress.com); Lielson Zeni , Encruzilhada, Recife – PE
CEP 52041-970
mestre em Letras e roteirista é um dos autores do Balbúrdia; Caio Oliveira , quadrinista piauiense autor de All Hipster Marvel;
e Aristeu Portela , professor de sociologia da UFPE. revistaplaf.com.br
ISSN: 2527-0281

6 Plaf Plaf 7
ENTREVISTA Foto: Divulgação/Companhia das Letras

O mal estar segundo

andré
Autor de Malvados
e Quadrinhos
dos Anos 10,
Dahmer fala sobre
esses tempos em
que o absurdo

dahmer adquiriu status de


normalidade
por Carol Almeida

Q
uando do outro lado da linha Afinal de contas, as tiras assinadas Plaf / Estamos vivendo hoje Plaf / Em uma dessas tiras sobre “esse clima
André Dahmer atende à chamada, por esse cartunista, com toda a sua no Brasil uma situação em que a normalidade das coisas, há
sobrevoa sobre ele – e sobre uma percepção para catalisar o zeitgeist
o absurdo adquiriu um status uma que é feita toda de cabeça do absurdo
de normalidade e algumas das pra baixo. E foi um dos quadrinhos
parcela significativa de cariocas – de um país, são hoje testemunhos tuas tiras mais recentes frisam seus que mais circularam. só ajuda o meu
uma ressaca difícil de ser curada. Trata-se de um espaço e tempo em que isso de uma forma muito enfática... trabalho. Mas
negar o peso político das coisas Essa tira rodou muito. Mas rodou
do dia seguinte à disputa do segundo turno
para prefeito do Rio de Janeiro, quando Marcelo é negar o próprio pensamento.
Exatamente, estamos vivendo muito no Facebook que, na verdade, eu não estou
absurdos atrás de absurdos em é um gueto. O próprio algoritmo
Crivella ganhou do candidato Marcelo Freixo. Se os Malvados, Quadrinhos dos Anos um estado de normalidade. “Vamos procura afastar o pensamento interessado só
10 ou Emir Saad serão lidos por nos aposentar mais tarde”, tá distinto. O Facebook é você falar
Dahmer não consegue evitar o assunto e
tudo bem. “Podem reduzir nossos com as pessoas que pensam mais no meu trabalho..”
assim a conversa começa (e termina) sendo arqueólogos do futuro como hieróglifos
salários”, tá tudo bem. Há meses ou menos como você. De modo
uma conversa essencialmente sobre política. de um momento histórico, ainda não que pararam de prestar contas dos que não serve para nada, porque
Não apenas aquela com sede em gabinetes sabemos. Mas fica a dica para quem cartões corporativos do governo não existe o debate de rua. É uma
aqui no Rio, isso sumiu do portal forma sucinta de despolitização.
e casas legislativas, mas essencialmente estiver aí a mil anos de agora.
da transparência, mas tá tudo bem. Não acredito que charge ou qua-
a política enquanto nosso modo de O país está na mão de gente da drinho nenhum mude o mundo.
relacionamento com o mundo. pior espécie, mas tá tudo bem,
por que? Porque o PT foi embora. Plaf / Você fala da bolha do
Me desculpa, mas não acho que
Facebook. No mesmo momento
esse é o caminho.
de fortalecimento dessa bolha,

8 Plaf Plaf 9
/ entrevista / André Dahmer André Dahmer / entrevista /

temos uma Grande Imprensa que muito triste. Tínhamos um caminho


sólido, em 2013, 2014, quem poderia
“Esses
se enfraquece justamente porque
não está disposta a ser um lugar imaginar uma coisa dessas? ‘comentaristas’
de debate. De que forma você, que
trabalha essencialmente com aquilo Plaf / Duas das palavras de ordem mais [de portal de
que é debate coletivo, percebe esse populares hoje entre os movimentos
sociais são: ocupar e resistir. Quando
notícias] são fruto
enfraquecimento da esfera pública?
uma tirinha sua é publicada na Grande de analfabetismo
O espaço público de reunião como Imprensa, isso também é uma forma
as praças, por exemplo, se acabou. de ocupar e resistir nos espaços? político. Quando
As praças nos grandes centros urba-
nos não têm mais nem banco para Também. Existe, por exemplo,
as classes C e D
você sentar, é somente um lugar de
passagem. O espaço público deixou
uma voz dentro da Folha de S. puderam começar
Paulo, Laerte. Mas o grosso de
de ser o lugar de debate das coisas.
Quando a gente vê como a imprensa
desinformação que é produzido é a comprar suas
muito maior que essa dissonância.
foi moldando o golpe, percebemos coisas, não foi feito mação. E é absurdo porque nada mais
tem a ver com a realidade, parece que
Plaf / Você acredita em algum
horizonte possível?
Plaf / Você já sofreu algum processo
que ainda há ali uma força enorme. de alguém?
O que a Mídia Ninja faz, por exemplo,
Plaf / Tanto você quanto a quadrinista
Laerte são hoje alguns dos maiores
junto com isso uma você vive em outro planeta quando lê
os jornais e os portais. Assustador.
fica ali fechado no Facebook, não Minha fé está nessas pessoas Não, só recebo ameaça de morte,
vai para TV. Por sua vez, o que faz catalisadores desse mal estar que conscientização que estavam ocupando as escolas. daquele tipo “eu sei onde você vai
estamos vivendo. Como se dá teu
política, uma
uma pessoa como (José) Serra, que Plaf / Sobre jornais e portais, lançar seu próximo livro”, essas
é chanceler do golpe e ministro das processo de ouvir e ver o que te Plaf / Como é tua relação com as
há neles também os chamados coisas. Mas cachorro que late
cerca e processar isso tudo de
relações exteriores, tendo sido delatado
pela Lava Jato, passa despercebido uma forma sintetizada?
educação que “comentaristas de internet”, cujas reações às tirinhas que você publica não morde. E a grande maioria
palavras se assemelham muito na sua página do Facebook? Isso de das ameaças, que nunca são
por essa imprensa. Existe hoje um
processo seletivo de criminalização
tirasse aquelas a alguns dos personagens dos certa forma influencia teu trabalho? de processos judiciais, acontece
Vou contar uma história: encontrei com sempre quando o assunto é religião.
da política, de salvar as cabeças que Jaguar recentemente em Curitiba na pessoas do lugar de Quadrinhos anos 10. Esses
“comentaristas” ajudam Na verdade, já tem algum tempo Outro dia fiz uma tira que vários
interessam para esse projeto de poder. Bienal de Quadrinhos. Ele estava no me escreveram de forma muito
É assustador. Porque ao mesmo mesmo hotel que eu e fomos juntos consumidoras para teu trabalho? que deixei de ler esses comentários,
até mesmo para conseguir trabalhar, ameaçadora. Mas eu realmente
tempo as instituições começam a no carro pro Centro de Convenções.
servir a esse aparelhamento ideoló- No caminho, ele falou: “que bom que o lugar de cidadãs.” Esses “comentaristas” são fruto porque chega um momento em que não ligo, estou aqui pra discutir
as coisas, ainda mais agora que
de analfabetismo político. E essa você não faz mais nada a não ser
gico de caça às bruxas. Tenho medo voltou tudo a ficar muito pior, melhor o Rio de Janeiro está sob uma
é uma das críticas que faço ao ficar lendo isso. O Facebook uso
do que pode acontecer nos próximos pra gente que faz cartum e charge, prefeitura da Igreja Universal.
anos. A repressão à livre expressão, governo Lula. Porque quando as apenas para postar essas tiras e
o Brasil não pode consertar nunca
por exemplo, pode acontecer com classes C e D puderam começar a vou embora. Mas sei que ajuda no
pra que a gente possa ter trabalho Plaf / Que tira foi essa?
ou sem militares. pra sempre.” Claro que ele falou comprar suas coisas, não foi feito debate e a formar opinião. Mas daí
isso brincando, mas ainda assim junto com isso uma conscientização para pessoa formar opinião e agir
política, uma educação que tirasse de alguma forma há uma distância Uma que chamei de “Homens
Plaf / Todas as suas tiras recentes eu discordo totalmente. Claro que
aquelas pessoas do lugar de con- enorme. Isso só os estudantes santos”. Com um diálogo besta
são críticas a esse estado de exceção esse clima do absurdo só ajuda o
sumidoras para o lugar de cidadãs. conseguem fazer. do tipo “a minha vela é maior
meu trabalho. Mas eu não estou
que vivemos. Nesse sentido, em um Porque o que vemos hoje são pessoas que a sua.”
interessado só no meu trabalho. Não
futuro próximo, você acha que pode reproduzindo a fala da grande mídia,
sou da turma do quanto pior melhor. Plaf / Em algum momento da tua
haver algum tipo de cerceamento em que todo mundo é bandido, que Plaf / Com o atentado à redação
carreira você já fez alguma tirinha
do teu trabalho? querem dar um golpe comunista no do Charlie Hedbo, na França, em
Plaf / Já li numa entrevista contigo e o jornal que ia publicar pediu para
país, que isso aqui vai virar a Venezuela, janeiro de 2015, todo o debate sobre
que havia um processo seu de anotar essas coisas. Não houve uma forma-
você aliviar ou mudar alguma coisa?
Sim, pode, mas eu não temo por censura e liberdade de expressão
mim. Eu temo por aqueles que têm e gravar situações na rua que servissem ção crítica. Mais do que já fizeram com
Sim, mas não por causa de política. Já
voltou a surgir. Quase dois anos
menos chances de se defender ou de munição para as suas tiras. Isso o povo brasileiro em tão pouco tempo
aconteceu coisas bobas como chamar passados desse massacre, você
sair do país. É muito sério o que está ainda acontece? desse governo, confesso que não sei
atenção por palavrão ou nu frontal, mas consegue articular algum pensa-
acontecendo aqui, o mundo está de como não está todo mundo na rua
realmente não posso me queixar. Porque mento sobre esse evento e o
olho no Brasil. Vejo uma neblina para Não tenho anotado e gravado mais ainda. E isso acontece porque são
nada, mas a gente vê a quantidade a gente sempre escreveu o que quis e a quanto ele coloca em debate
os próximos dois anos, é impossível anos e anos sem qualquer tipo
saber o que vai acontecer e é tudo de desinformação das redes de infor- de formação política. Folha e o Globo sempre publicaram. os limites do humor gráfico?

10 Plaf Plaf 11
/ entrevista / André Dahmer André Dahmer / entrevista /

Toda vez que perguntam pra Allan


“Não acredito Nesse sentido, você nota “Tenho medo do que pode
Sieber, cartunista, quais os limites
do humor, ele diz: o meu limite é que charge
semelhanças entre tirinhas,
acontecer nos próximos anos.
Biblioteca básica
que também em seus três,
Principais obras de André Dahmer
desenhar Maomé. Não concordo
com muitas das coisas que (o
ou quadrinho quatro quadros, carregam A repressão à livre expressão,
essa energia de concentração
Charlie Hebdo) escreveu ou publicou, nenhum mude de ideias, com o fazer poético? por exemplo, pode acontecer
mas concordo menos ainda que
fuzilem essas pessoas. Não existe o mundo.” com ou sem militares.”
Sim, é muito parecido. Mas voltando
humor inocente. Humor é uma das
para a coisa das mulheres, quando
armas mais ferozes que existe, com
falo das mulheres na poesia é
humor você pode machucar mais
porque há realmente uma geração
gente do que falando sério, mas
de poetas muito importante que
não acredito que o fuzilamento seja
surge agora. Temos Angélica Freitas,
o caminho. O Charlie Hebdo tem
Alice Sant’anna e a Ana Martins Quadrinhos dos Anos 10
uma postura contra os refugiados
Marques, que está fazendo grande (Quadrinhos na Cia / Companhia das Letras, 2016)
que, às vezes, termina se alinhando O Angeli, pra mim, ainda é o maior Leio mais poesia, e nesse caso para mais um livro. O meu
poesia e isso é magnífico. Com o Uma crítica mordaz à vida moderna.
a essa guinada pra direita que chargista do país. Ele faz um grande redescobrimento da Ana Cristina poesia contemporânea. Acho que editor quer uma compilação Dahmer aborda em três ou quatro quadros
vive o mundo. Mas não acredito trabalho há muitos anos. Sabemos Cesar, temos visto em paralelo ainda tem a coisa de gueto dos de Malvados, e aí é um trabalho o ruído e a dispersão desses tempos.
em fuzilamento, cadeia ou crime que ele teve problemas, que parou uma produção muito boa de novas ambientes de quem faz quadrinhos, grande porque são mais de mil
de opinião. Pode ser que eles não de fazer quadrinhos para se dedicar poetas. E nos quadrinhos acontece mas talvez menos do que era antes. tiras. Mas também queria pensar
mereçam ser lidos muitas vezes, somente às charges, mas ele a mesma coisa. Posso citar Mariana Sempre faço a analogia dessas nisso com calma, porque queria
mas nunca exterminados. Aquilo foi ainda se firma como um grande, Paraizo, mas há várias outras feiras de antiguidades em que os um livro só de charges.
muito triste, o (Georges) Wolinski assim como Laerte, que é outra fazendo trabalhos muito bons. feirantes ficam comprando um
era uma pessoa com uma história pessoa gigante. E as mulheres, do outro, porque a ninguém mais Plaf / Entre a ideia que você
e trajetória linda, ética e ilibada, tanto nos quadrinhos quanto na interessa comprar aquelas coisas. tem pra fazer uma tirinha e ter
Plaf / O quadrinista e romancista Claro que temos já em livrarias
não merecia de jeito nenhum poesia. Aliás, o movimento das
(Lourenço) Mutarelli já falou algumas essa tirinha finalizada demora
morrer assassinado. Quando isso mulheres hoje no país é um sopro seções de quadrinhos longe do
vezes que costuma preferir a com- quanto tempo?
aconteceu e começaram a me ligar, de esperança mesmo com todo esse departamento infantil, houve um
eu não acreditava que aquilo podia conservadorismo que vemos hoje no
panhia de seus amigos escritores do crescimento e maturidade para esse
que a convivência com as pessoas setor de criação, mas a coisa ainda
Depende, tem tira que eu faço Vida e Obra de Terêncio Horto
ser verdade. Eu realmente queria Brasil. Assim como na poesia, em em cinco minutos, tem outras (Quadrinhos na Cia / Companhia das Letras, 2014)
que ele estivesse gripado naquele que as mulheres estão formando que só fazem quadrinhos, porque diz engatinha. Quando há um sucesso
que até terminar o terceiro Dahmer faz de Terêncio Horto um crítico
dia e não tivesse ido à redação. uma geração incrível de poetas. que esse é circuito muito fechado. absoluto é porque foram cinco mil
quadrinho demora seis, sete ácido sobre a vida e a morte. Através do
Você comunga dessa opinião? exemplares vendidos.
dias. A questão é que eu estou personagem ele traz suas impressões
Plaf / Quem são as pessoas Plaf / Você também é poeta. Na Meu melhor amigo é o Arnaldo com 42 anos, sei que já fiz muita sobre música, pintura e literatura.
que te estimulam e te movem literatura, a poesia é uma energia Branco. Mas preciso confessar: Plaf / Um de seus personagens coisa ruim na vida e não quero
hoje no pensamento crítico? de alta concentração de linguagem. leio pouquíssimos quadrinhos. mais famosos, o Emir Saad, mais fazer, então a tendência é
é a perfeita corporificação de que eu tenha cada vez mais
muitos protagonistas hoje da cuidado pra não errar e é muito
política brasileira. Você pretende fácil errar com tirinhas, porque
em algum momento voltar a isso é trabalho diário. Mas de
forma geral, acredito que hoje
trabalhar com ele?
sou mais tranquilo em relação
àquilo que faço. Não trabalho
Trabalhei muito pro G1 com ele
para ganhar muito dinheiro, para
e acho que o formato se esgotou.
ter fama, não é isso que eu quero.
Não pretendo mais fazer. Mas A Cabeça é a Ilha (Desiderata, 2009)
O que quero é não sentir vergonha
também não quer dizer que eu Este livro sobre solidão, desencontro
no final da minha vida sobre as
nunca mais faça. e incompreensão traz um dos interesses
decisões que tomei.
de Dahmer, que é explorar a estranheza
Plaf / Há alguma publicação diante do mundo.
próxima no prelo?
Carol Almeida é doutoranda em Comunicação Sites
Tenho contrato assinado com a pela UFPE e editora da Plaf. Assina o blog Fora malvados.com.br e andredahmer.com.br
de Quadro (www.foradequadro.com).
editora [Companhia das Letras]

12 Plaf Plaf 13
HQPÉDIA Maria Aparecida Godoy / HQpédia /

Imagens: Reprodução Guia dos Quadrinhos

A B C D E F G HI J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z

MESTRA
DO TERROR

Maria Aparecida Godoy A obra de Godoy


ficou marcada
por unir elementos
Roteirista de Drácula, foi pioneira do folclore ao terror.
Fez sucesso com sua
entre mulheres quadrinistas visão do Drácula e
assinou histórias na
lendária revista Calafrio.
por RENATA ARRUDA

O
Fotos: Reprodução Ladies Comics
mercado dos quadrinhos atualmente passa por uma transição em
que busca cada vez mais pensar e discutir não apenas a questão
“Tudo o que eu Em 1997, ela foi homenageada com o prêmio
Ângelo Agostini na categoria Mestre do Quadri-
da representação feminina nas histórias, como também a parti- podia fazer naquela nho Nacional, honraria concedida a artistas bra-
cipação das mulheres no processo criativo. No Brasil, é apenas a partir sileiros que estejam há mais de 25 anos ligados
do finalzinho dos anos 1980 e início dos anos 1990 que quadrinistas, época era continuar aos quadrinhos. Depois disso, há ainda registros
roteiristas e ilustradoras passam a ser reconhecidas em premiações e
é desde então que começam a surgir artistas autorais inspiradas pelas
exercitando a imagi- de uma história assinada por ela (“Noturno nº
13”) na edição comemorativa de 20 anos da
publicações independentes. Mas e antes disso, quem eram as mulheres nação, Escrevendo revista Calafrio, publicada em 2002 pela editora
que conseguiam superar o preconceito de gênero e trabalhar em uma Opera Graphica, e uma HQ eletrônica publicada
área tão predominantemente masculina? histórias mesmo em 2009 pela editora Nona Arte. Desde então,

Rastrear as mulheres pioneiras nos quadrinhos brasileiros não é tarefa


que elas não tivessem a autora parece ter sumido do mercado.

fácil. São poucos os registros disponíveis e muito dos trabalhos e da oportunidade de O que pode ter levado Cida Godoy a interromper
história dessas mulheres foram esquecidos com o tempo. Nos últimos sua produção em quadrinhos? Fazendo uma
anos, iniciativas promovidas pelos sites independentes Lady’s Comics e chegar ao público.” breve pesquisa, é fácil descobrir que ela agora faz
Minas Nerds têm se esforçado para recuperar a memória dessas precur- parte da coordenação da Pastoral Afro Achiropita
soras que se aventuravam em um meio em que muitas vezes precisa- que, de acordo com o site, “busca resgatar as ra-
vam assinar sob pseudônimos para serem reconhecidas por seu público. ízes do povo afro-brasileiro, valorizar sua cultura
e preservar sua dignidade”. Também há registros
Uma das precursoras dos quadrinhos brasileiros é Maria Aparecida Godoy, de um site pessoal em que ela declara estar se
a Cida Godoy, cujo início da carreira nos quadrinhos é bem interessante: dedicando “a investir na pesquisa de materiais,
natural de Guaratinguetá, interior de São Paulo, ela começou sua trajetória técnicas, cores e estampas étnicas para produzir
escrevendo argumentos para revistas em quadrinhos de terror, entre elas acessórios afro-brasileiros, de modo artesanal”.
Calafrio e Mestres do Terror, se baseando nas narrações que ouvia quando Há algo de belo em saber que agora ela se
criança. De origem humilde, não havia condições para que a família de Cida dedica a resgatar e preservar as raízes do povo
pudesse comprar um aparelho de televisão durante sua infância, de forma afro-brasileiro. Faz sentido para uma mulher
que eles tinham apenas o rádio e, para se divertir, reuniam-se todas as
noites contando “histórias de assombração” uns para os outros.
Ficha Em 1968 Rodolfo Zalla, então diretor de arte
na editora Taika, gostou tanto da história
Enquanto Cida estava no auge de sua carreira, o
país atravessava um período de tensão devido
que iniciou sua carreira resgatando histórias.

“A Vingança da Escrava”, que decidiu comprá ao golpe militar de 1964 e logo chegou o mo- Mesmo sem publicar quadrinhos atualmente,
Quando Cida estava no ensino fundamental, a escola em que estudava -la e aproveitá-la na revista Estórias Negras, mento em que a censura imposta pelo regime Cida Godoy não rejeita seu passado de precur-
pediu para que os alunos fizessem uma pesquisa visitando as cidades publicada pela Gráfica Editora Penteado alcançou os quadrinhos de terror, fazendo com sora: ela esteve presente no 2º Encontro Lady’s
do Vale Paraíba para recolher narrativas folclóricas locais. “Conversando Nome: Maria Aparecida Godoy (GEP). Não demorou muito para que a que essas publicações fossem paralisadas. Comics e deu entrevista para a revista Risca,
com roceiros, matutos, benzedeiras e tropeiros da região, eu pude perce- argumentista tivesse o volume de trabalho “Tudo o que eu podia fazer naquela época era falando sobre sua vivência como roteirista nos
Natural de Guaratinguetá, SP.
ber como aquela gente simples possuía uma imensa riqueza de relatos aumentado, sendo requisitada para escrever continuar exercitando a imaginação, escrevendo anos 1960, em plena ditadura militar. Se antes
surgidos da superstição, do medo e do profundo respeito pelo sobrena- para várias revistas avulsas. histórias mesmo que elas não tivessem oportu- era Cida quem resgatava histórias do folclore
tural”, disse ela em 1988. É de tudo isso que vai brotar o seu interesse Carreira: 1968 - 1993 nidade de chegar ao público. Vim para a capital brasileiro, agora cabe a essa geração manter
por histórias de terror e suspense, pelas quais era apaixonada. Principais trabalhos: Histórias de Com desenhos de Nico Rosso, as histórias [de São Paulo] e trabalhei como desenhista na viva na memória a contribuição dessa artista
de Drácula assinadas por Cida Godoy Sabesp, mas continuei esperando uma nova que conquistou seu espaço sendo uma mulher
Tendo como base os causos que ouvia em casa e com o material de sua pes- Drácula em “Mestres do Terror” faziam sucesso, principalmente devido à chance nos quadrinhos”, disse ela à Calafrio, negra em um mercado com número reduzido de
quisa em mãos, Cida passou a escrever diversos contos de horror baseados e contos na revista Calafrio. sua originalidade – em um de seus textos, revista que passou a publicar suas histórias a mulheres, e principalmente, de mulheres negras.
no folclore brasileiro e começou a enviá-los para editoras da cidade de São ela chegou a promover um inusitado encontro partir dos anos 1980. A revista publicada pela
Paulo na esperança de que alguma se interessasse por seus textos – afinal, as entre o conde vampiro e ninguém menos editora D-Arte circulou até 1993 e pouco se Renata Arruda, jornalista carioca. É autora
revistas do gênero faziam muito sucesso naquela época, fim dos anos 1960. que Joana D’Arc. sabe sobre a produção de Cida após isso. do blog prosaespontanea.blogspot.com.br.

14 Plaf Plaf 15
INFOQUADRO

Tintim RÚSSIA
[Tintim no País dos Sovietes,
publicado originalmente em 1929]
O álbum que deu fama a Tintim em toda a
Europa. Publicado em um jornal conservador,
o Le Vingtième Siècle, a história é marcada
por um tom bem anti-comunista, falando

ao redor do
diretamente ao coração dos leitores. Tintim
é enviado para a União Soviética para

EUA investigar as políticas do governo


"bolchevique", apresentados como
[Tintim na América, publicado vilões inescrupulosos.
originalmente em 1932]
Nesta história Tintim ajuda

mundo
a prender o mafioso Al Capone,
sendo esta a rara vez em que Hergé
utiliza uma personalidade PALESTINA
verdadeira como um personagem.
O álbum descreve a América / ISRAEL
dos tempos da Lei Seca, no [Tintim no País do Ouro Negro,
início do século passado. publicado originalmente em 1948]
O personagem vai para o Oriente Médio
em uma aventura que lidava com questões
por PAULO FLORO de embates entre Palestina e Israel. Nos
anos 1970 a história foi alterada para
ser ambientada no fictício estado de
Khemed como forma de evitar
controvérsias políticas.

Q uando pensamos em um personagem


cosmopolita dos quadrinhos, Tintim, de
Hergé, é nossa referência mais ligeira. Ao
paternalista, por exemplo, foi mudada
para uma simples conta de matemática.
A mais recente edição brasileira contém
lado de seu cãozinho Milu e do Capitão a versão integral acompanhada de uma
Haddock, o jornalista internacional esteve explicação do editor.
na antiga União Soviética, nos EUA (onde
ajudou a prender Al Capone), na China Em No País dos Sovietes, o personagem
lutando contra a Guerra do Ópio, nos Andes, exibe sua faceta extremamente anti-
no Congo, Índia, Egito e até na Lua. comunista. O mais viajante dos heróis
dos quadrinhos, Tintim chamou atenção
Criado pelo quadrinista belga Georges para muitas realidades e geografias
Prosper Remi, conhecido mundialmente
como Hergé, em 1929, o personagem
ao redor do mundo, sempre com uma
perspectiva bastante europeia. Como
CHINA
[Tintim em O Lótus Azul,
apareceu pela primeira vez em Petit
Vingtième, suplemento infanto-juvenil do
lembra o texto da The Economist sobre
os 80 anos do personagem, em 2008,
PERU publicado originalmente em 1936]
[Publicado originalmente Em Xangai, Tintim é envenenado e preso.
jornal Le Vingtième Siècle. Foram ao todo Hergé tentava passar para o personagem em O Templo do Sol, de 1949] Ele consegue fugir e salva a vida de seu
23 aventuras completas, além de uma parte de suas convicções. Além de neo- Tintim parte para o Peru em busca amigo chinês, Tchang. O jornalista francês
nunca finalizada. Tornou-se um fenômeno colonialista, o autor ainda expressou de um amigo que teria sido sequestrado Roger Faligot diz que a obra confirma as
pelos últimos incas vivos. Se arriscando na acusações de que Hergé foi um agente
mundial e ajudou a estabelecer a produção seu anti-semitismo mais de uma vez
Cordilheira dos Andes eles são perseguidos secreto do comunismo chinês. O que é
franco-belga como um importante polo em textos. Além disso ele nunca visitou curioso para um autor bastante
por nativos - obviamente malignos -
das HQs mundiais. nenhum dos países que seu protagonista ligado à extrema-direita
além de enfrentarem rios infestados
viajou nos quadrinhos. por jacarés e serem atacados do entre guerras
A trajetória de sucesso de Tintim não pode
mais ser visto longe das controvérsias que Tintim, ainda bem, acabou sendo maior
por cobras. CONGO na Europa.
[Tintim no Congo, publicada
envolve a visão colonialista de seu autor. que seu autor. Virou ícone cultural europeu, em 1930 e lançada no Brasil
Em uma de suas primeiras histórias, Tintim quase um contraponto ao Superman norte- inicialmente como Tintim na África]
no Congo, o personagem aparece em uma americano, e fez sucesso em outras mídias Tintim viaja para o Congo (hoje República
sala de aula onde ensina História às crianças. como ótimo desenho dos anos 1980-90 Democrática do Congo) então um país sob o
“Sobre a pátria de vocês, a Bélgica”, diz ele (exibido aqui pela TV Cultura) e um longa- TINTIM NO BRASIL jugo imperialista da Bélgica. O autor foi acusado
de racismo e de colonialismo por mostrar os
em determinado trecho. Isso sem falar do metragem dirigido por Steven Spielberg, Tintim começou a ser publicado no Brasil entre
modo estereotipado com que retrata os vencedor do Globo de Ouro. 1960 - 1970, pelas editoras Flamboyant e congoleses idiotizados e semelhantes a
macacos. A história foi alterada duas vezes Paulo Floro é pesquisador
congoleses. O livro ganharia duas revisões Record. A Companhia das Letras reeditou os
para amenizar seu conteúdo e chegou e crítico de quadrinhos
24 álbuns oficiais no início dos anos 2000.
para amenizar seu conteúdo, uma em 1946 Separamos seis aventuras famosas A Globo Livros iniciou a publicação dos álbuns, a ser proibida de ser vendida à e é um dos editores
e outra em 1970. A aula fortemente de Tintim pelo mundo. desta vez com o conteúdo original sem crianças na Inglaterra. da Revista O Grito!
retoques e mudanças, a partir de 2016. revistaogrito.com

16 Plaf Plaf 17
MAKING OF O segredo da floresta / Making of /

O segredo da floresta 3
A arte final eu faço com um pincel n.0 (e às vezes
alterno com um pincel n.2, que usava pra tudo
até esse quadrinho, e uma caneta nanquim 0.8)
e nanquim normal (alterno entre o Talens de 50
paus ou aquele Acrilex tosqueira de 3, hahaha! Ambos
funcionam superbem.

Felipe Nunes Depois de escaneada em CMYK, costumo usar o canal


do Magenta ou do Amarelo (o que tiver menos resquício
conta o processo daquele fantasminha azul), transformo em tons de cinza,
trato os Levels e aplico um Threshold, pra deixar a imagem
criativo da HQ que apenas em preto e branco, sem pontos de cinza. Pro meu
desenho, isso funciona, porque não trabalho com aguada

saiu pela Stout Club/ e com pinceladas fracas de propósito.

Panini com roteiros


de Thedy Corrêa

“ A
sequência tinha como
referência um diálogo
dos irmãos na floresta
e o momento de encontrar o lenço. A
partir daí, tinha o espaço de três páginas
pra preencher com uma narrativa, e essa
etapa do processo certamente foi a mais
complicada do livro. O roteiro vinha até
mim com essas definições e precisava me
virar como podia pra construir uma narra-
tiva. Pra isso, pensava em câmera girando,

2
interação personagem/cenário/objeto A partir desse ponto, limpo a página e mando
ou o ritmo de cada sequência, tentando pra Fabi [Marques], que foi quem fez as cores.
explorar esses quadros que vazam pra Geralmente, tento passar um direcionamento
ambientá-las melhor e construir clima. do que acho que caberia na página, às vezes eu
e o Rafa [Rafael Albuquerque, co-argumento]
darmos alguns palpites do que pode ficar massa.
Depois que acharam que a ideia podia
ficar legal, comecei o lápis. Meu processo Os balões também não ficaram sob minha
tem sido bem mais complicado do que responsabilidade, então, esse quadrinho tem
já foi, por alguns motivos. Meu lápis é sido pra mim um processo de desapego com
naturalmente bem sujo, cheio de traços, o material final.

1
não costumo apagar SEMPRE que erro e
isso acaba virando uma salada bizarra que Essa é a etapa mais complica- Desse ponto, depois de pronto, escaneio,
dificultava muito na hora de passar a arte da, em princípio. Precisei olhar transformo em CMYK e mantenho ape-
final, por não saber direito que linha era algumas fotos do banco de dados nas o Cyan (aquele azulzinho delícia),
a certa (hahaha) e pelo sebo que o grafite
pra construir a floresta e dediquei pra daí diagramar nas proporções, con- Tudo fica mais fácil nessa divisão de etapas e é uma maneira diferente de trabalhar, já que sempre
um tempo pra definir os volumes de preto sertar algo e reforçar os requadros. Daí Felipe Nunes
fazia no papel. Decidi começar a usar um estive acostumado a cuidar de toda a parte gráfica sozinho. A experiência do gibi me ajudou muito a
e branco, mesmo que no rascunho. Gosto imprimo num Canson decente, a uns 20- é quadrinista, autor
sulfite tosco, normal, pra fazer o lápis. Mas de pensar nessa parte ainda na constru- 30% de tinta. Nesse ponto, ainda consigo entender melhor o que faço, principalmente com os pontos e as sugestões que o Albuquerque levanta
de Klaus (Balão Editorial)
também A3, ao contrário de muita gente ção pra não me arrisca com a arte-final fazer pequenas alterações com lápis antes com relação à narrativa, aos enquadramentos. Ele tem uma visão bem diferente de quadrinhos da
e Dodô (Panini).
que chega a fazer no A4 e ampliar. e me perder no resultado. da arte final, caso eu ache necessário. dos Gêmeos, por exemplo, e é muito bom ter essa ótica pra acumular possibilidades.

18 Plaf Plaf 19
CAPA
Divulgação/DC Comics/Panini

a hq é
QUEER
M
Representação importa. ary trabalha numa loja de quadrinhos
na pequena cidade de Fort Wayne,
Como autoras e autores de Indiana, Estados Unidos. Sua rotina
consiste fundamentalmente em lidar
quadrinhos estão abordando a com os clientes de sempre: meninos e homens que
diversidade em um ambiente aparecem por lá buscando história de meninos e
homens em missões heróicas, hercúleas e, claro,
historicamente pautado pelas heteronormativas. Mas naquele 3 de dezembro
de 2016, Mary percebeu que havia entrado na
fantasias de homens brancos loja uma adolescente, aparentemente confusa,
buscando quadrinhos que possivelmente ela não
heterossexuais e cisgêneros conhecia. A menina procura por alguma história
com a Supergirl. Mary logo descobre que o interesse
Batwoman
na heroína da DC Comics não surgia à toa. A série
trouxe visibilidade de TV da personagem havia acabado de mostrar, em
lésbica para os
por Carol Almeida,
sua segunda temporada, uma personagem central
quadrinhos dandara palanfof (Alex Danvers, irmã da protagonista) saindo do
mainstream e Paulo floro armário e se identificando como uma mulher lésbica.

20 Plaf Plaf 21
/ capa / A HQ é Queer A HQ é Queer / capa /

Imagens: Divulgação
1 2 3 4

1. Antes um personagem Ao perceber que a atendente da loja é também LGBTs de colante de seus heróis casados naquele momento. chamado Renascimento, ela primeiro
de segundo escalão, Estrela lésbica, a jovem adolescente começa a ter uma crise Com a qualidade das histórias e as vendas passou a estrelar o clássico título Detective
Polar ganhou capa de gibi de choro e revela que já havia pensado várias vezes A simples existência de uma personagem como a em queda, o título foi cancelado. Comics ao lado do Batman. E agora, mais
e jornais pelo mundo com
em suicídio, mas que a personagem de Alex a fez rever Batwoman, identificada como lésbica desde a criação de Séries de TV, filmes, uma vez, retorna em seu título solo. Quase
sua condição. Mary tira dinheiro de seu próprio bolso A história nos diz que, entre essa produção como se cumprisse o ciclo iniciado na
livros, e histórias
o seu casamento. sua versão contemporânea é um testemunho irônico do
e dá de presente à menina quadrinhos da DC Comics quanto o universo das HQs, por tanto tempo, não apenas mainstream, ou seja, das HQs comerciais criação de sua primeira versão, naqueles

2. Wimmen’s Comix
com personagens queers que poderiam ajudar aquela
jovem leitora a não se sentir tão só no mundo: a super-
obedeceu como legitimou o código de conduta moralista
dos chamados comics norte-americanos: a Batwoman
em quadrinhos das grandes editoras, xs personagens queers
sempre estiveram, e ainda se encontram,
tempos de caça às bruxas.

foi uma importante voz


queer em um cenário
heroína lésbica Batwoman, o vigilante gay Meia-Noite
e a detetive, também lésbica, Renee Montoya. Mary se
original foi criada na década de 1950 - junto com a
primeira Batgirl - justamente para abafar as famosas
precisam assumir à margem das narrativas centrais. Não
poderia exemplificar isso de forma melhor
Lembrando que os mesmos ataques a
Batman e Robin que levaram à criação
de quadrinhos ainda despede da menina, entra no banheiro da loja e começa
ela mesma a chorar. Pela sua cabeça repassa toda
acusações do psiquiatra Frederick Wertham de que as a responsabilidade senão pedindo que você consiga visualizar
alguma superprodução hollywoodiana com
da primeira Batwoman também foram
dirigidos à Mulher-Maravilha - vista por
histórias de Batman e Robin ajudariam “a fixar tendências
muito machista.
sua própria infância e adolescência sem referências homoeróticas”. Contando assim, parece piada, mas não é. de encarar a onda um/a super-herói(na) gay, lésbica ou trans- Wertham como “a contraparte lésbica
substanciais – fosse nos quadrinhos ou na TV – gênero no papel protagonista. Nesse mundo do Batman”. E hoje temos o mesmo Greg
3. Anita Costa Prado e de personagens queers. Pois a versão contemporânea da Batwoman, cujas de ódio e intolerância de poderes, colants e heteronormatividade, Rucka, atualmente roteirista do gibi da
as tiras lésbicas de Katita. histórias foram publicadas no Brasil na revista A Sombra os personagens LGBT já transitaram pelo Amazona, afirmando a quem quiser ouvir
O relato acima foi narrado no Twitter pela própria do Batman, da editora Panini, consolidou a heroína como ofensivo (o Estraño, da própria DC, que que, numa ilha aonde reinam a felicidade
4. Apolo e Meia-Noite: atendente da loja e ganhou grande repercussão depois um dos maiores símbolos da nova representação feminina merecidamente foi para um limbo do qual e a harmonia, habitada exclusivamente
beijaço e relação gay estável que Chyler Leigh, a atriz que interpreta a personagem e LGBT nos quadrinhos de super-heróis: uma mulher forte, nunca retornou), pela fetichização (Granizo, por mulheres, é simplesmente inconcebível
de Alex Danvers na série Supergirl, republicou a história independente, cuja origem (desenvolvida pelo roteirista dos Gen13, grupo publicado pelo selo que elas não se envolvam amorosa e
em um campo bem hétero,
em sua conta no Twitter e mandou uma mensagem Greg Rucka) mostrava a vivência de sua homossexualidade Wildstorm, da Image, posteriormente sexualmente umas com as outras -
os gibis de super-heróis. comprado também pela DC) e pela inclusive a própria Diana, o que pode ser
privada – que logo se tornou pública – para Mary, e o desejo de nunca precisar se esconder como componentes
agradecendo a ela por ter contado o que se passou. essenciais na construção da personagem e de sua história. irrelevância - Estrela Polar, primeiro super- percebido claramente logo na primeira
Kate Kane (esse é seu nome “civil”) foi expulsa do exército, herói assumidamente gay, sempre foi edição de sua fase no título. Melhor do que
O encontro entre essa atendente e a jovem desconhecida sua maior vocação, por não se submeter à política do um personagem de segundo escalão. isso: hoje temos a roteirista latina e lésbica

Foto: Elena Seibert


é um recorte bastante emblemático e ilustrativo de exército norte-americano de manter seus oficiais Gabby Rivera como responsável hoje pelas
como o slogan “representação importa” ainda tem um compulsoriamente no armário. Mas o Estrela Polar entrou nos X-Men. HQs da primeira protagonista lésbica e
peso que não pode ser negado por quem produz e cria Seu casamento estampou não só a capa igualmente latina: America Chavez,
entretenimento e cultura pop no mundo. Porque se a Seu título solo estreou na fase seguinte da DC Comics, do gibi como também jornais no mundo a super-heroína pavio curto da Marvel.
situação lá fora está cada vez mais tensa para quem conhecida como Novos 52, com roteiros e desenhos a cargo inteiro. Os Jovens Vingadores, da Marvel,
levanta a bandeira de (qualquer) diversidade, séries de TV, de J.H. Williams III - e as críticas não paravam de incensá- tinham como principal casal da equipe o Há ainda um longo caminho a percorrer e
filmes, livros, música e, claro, histórias em quadrinhos, lo como um dos melhores gibis da casa, naquele momento. mago Wicanno e o metamorfo Hulkling. sabemos que a cultura de massa ainda é
precisam agora assumir a responsabilidade de encarar Até Williams e o restante da equipe resolverem abandoná- O Homem de Gelo, um dos primeiros essencialmente conservadora. Mas esse
a onda de ódio e intolerância que vem por aí. E no que lo, diante da negativa da editora em permitir que ele casasse X-Men, depois de anos de especulações - é o atual estado das coisas: cavamos um
diz respeito às HQs, tanto quando se fala em quem lê a personagem com sua namorada, a policial Maggie Sawyer. Alison Bechdel às vezes de incentivo, às vezes maledicentes grande espaço. Que é cada vez maior (sem
e quem faz, a luta parece ter alguns obstáculos extras, Apesar das acusações de ter dado um passo pra trás no Mais famosa autora
- foi tirado do armário pelo roteirista Brian ignorar, é claro, o quanto pesa nisso tudo
afinal de contas, estamos lidando com um ambiente caminho rumo à diversidade que os quadrinhos de super- Michael Bendis. E a Batwoman mostrou a tal lógica de mercado). Mas seguimos
LGBT no mundo
historicamente pautado pelas fantasias de homens heróis vêm tomando nos últimos anos, a editora se defendeu, o quão marcante foi o impacto que causou adiante - e o que defendemos aqui é que
hoje, surgiu da cena nos leitores: com a nova fase da DC, o nenhum passo seja dado para trás.
brancos heterossexuais e cisgêneros. afirmando que não queria ver nenhum
alternativa dos EUA.

22 Plaf Plaf 23
/ capa / A HQ é Queer A HQ é Queer / capa /

A era de ouro
dos quadrinhos LGBT
Mas é preciso aprofundar o debate para muito
além da questão da representatividade queer
nos meios de massa. Porque mais importantes
que a criação desses personagens por artistas
e roteiristas que continuam a ser os mesmos
homens heterossexuais de sempre, estão as
autoras e autores queers de quadrinhos que
sempre correram em paralelo, com distribuição
independente, pequenas tiragens e zero censura ROCKY & HUDSON Adão Iturrusgarai fez humor com o estereótipo do machão.
de mercado. E com as infinitas possibilidades de
distribuição e circulação que a internet, pode-se
afirmar: estamos vivendo a Era de Ouro dos
quadrinhos LGBTQs no mundo inteiro.
HQs de temática queer afrouxam a
Para usar o exemplo dos Estados Unidos, antes mentalidade conservadora da sociedade. Mário César, autor independente que dedica que faz uma provocação metafísica ao imaginar

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil


de falar dos comics (os quadrinhos das grandes sua carreira a explorar o lado mais íntimo a divindade como uma mulher negra voluptuosa.
editoras), é preciso falar dos comix (os quadrinhos dos relacionamentos gays. Ainda no terreno da produção independente,
independentes) verdadeiramente queers e de temos Lizzie Bordello e as Piratas do Espaço,
como eles sedimentaram espaço para a produção Ciranda da Solidão, de sua série EntreQuadros, de Germana Vieira, HQ de space opera que traz
contemporânea. E essa história começa, ironica- traz uma perspectiva da solidão das pessoas aventura, ação e romance, com uma diferença
mente, a partir de uma cena underground bastante LGBT. São cinco histórias com drama, comédia essencial: a diversidade de personagens bem
machista e misógina, em uma das cidades mais e romance que se destacam por trazer os representados e complexos. Deus (de novo!)
quadrinhos gays para um espectro particular,
queers de todo o mundo. No final dos anos 1960, famosas tiras Dykes to Watch Out For (de quem A experiência brasileira um cotidiano muito próximo do leitor comum.
é uma mulher negra cheia de sex appeal e fã
São Francisco, costa oeste dos Estados Unidos, Laerte, aqui no Brasil, se diz fã devota). Foi a de filmes pornôs.
assistiu ao surgimento de uma produção de partir de uma dessas tiras que surgiu aquilo Essa representação do seu, do nosso mundo,
quadrinhos que se tornou referência para vários que passou a ser conhecido como “teste de Assim como nos EUA, foi no quadrinho com seus problemas, choros e risos exemplificam Ao contrário do que pregam algumas parcelas
artistas do mundo. Nomes como Robert Crumb, Bechdel” - um conjunto de perguntas usado underground que os queers brasileiros a importância da representatividade. Os gibis de de leitores - e também de profissionais -, a
Rick Griffin e Victor Moscoso se firmaram como primeiramente no cinema, e hoje em quase encontraram expressão. Com um número César dizem “queremos nos ler mais” e chamam exigência de maior representatividade LGBT,
grandes artistas dessa geração. Mas se os toda mídia de massa, para identificar histórias de publicações ainda insignificante, o meio atenção do silenciamento que existe nas HQs com representações que espelham as lutas e
quadrinhos que eles faziam eram, com frequência, que subrrepresentam mulheres em cena. independente tem se notabilizado por lançar brasileiras para quadrinhos como esses. as diversas identidades presentes nessa minoria,
reproduções extremamente machistas, que autores dedicados a essa temática. Em cumpre um papel importantíssimo: afrouxar a
objetificavam a mulher página sim, página sim, Muitos dxs quadrinistas queers que produzem plena ditadura militar, Henfil abordou Laerte Coutinho tem sido outra voz importante, mentalidade conservadora e violenta da nossa
eles abriram várias novas possibilidades para hoje foram formados por essa geração de artistas o tema na edição 7 da revista Fradim, fazendo de suas tiras atuais um ensaio aberto sociedade. É oportuno jogar aqui o dado de que
quem queria produzir algo fora do mainstream. dos anos 1980, 90 e 00. E graças à facilidade quando transformou o personagem-título das diversas questões que permeiam o cotidiano o Brasil é o país que mais mata homossexuais
de distribuição que a internet os proporciona em homossexual; uma forma de provocar Hugo, de Laerte Assim como a autora, do Brasil atual - onde o preconceito e a violência e travestis no mundo inteiro, segundo a Anistia
E foi aquecida por essa cena de São Francisco conseguem atingir mais rapidamente seu público o machismo do ativismo político da época, o personagem (tirinha acima) também fez contra pessoas trans e gays/lésbicas é uma Internacional (no levantamento de 2013).
que surgiu uma outra cena, a dos quadrinhos alvo. Pessoas que leram Bechdel, Estranhos então marcado por muita virilidade. a transição de gênero. triste realidade. Ao fazer de seus quadrinhos e Em um artigo publicado no livro Questões de
queers: primeiro com as revistas feministas It no Paraíso, de Terry Moore (sim, um homem de sua persona pública um canal para discutir o Sexualidade nas Histórias em Quadrinhos, o
Ain’t Me, Babe e Wimmen’s Comix e pouco depois hétero e cristão, mas que terminou fazendo uma A partir dos anos 1980, com a explosão estado atual da luta por direitos LGBT no Brasil, pesquisador e quadrinista Henrique Magalhães
com a primeira edição da Come Out Comix, das histórias queers mais amadas de todos os da popularidade do quadrinho alternativo Laerte tornou-se uma trincheira de resistência. deixou bem claro o valor desse papel social. “(...)
organizada pela artista Mary Wings. O sucesso tempos), a cartunista Jennifer Camper e Jerry brasileiro, autores como Angeli, Glauco No início dos anos 2000, Anita Costa Prado Em um amálgama entre criadora e personagem, os quadrinhos de temática homossexual podem
dessas edições fez com que aparecesse, em Mills, autor de Poppers, uma das primeiras e Laerte passaram a abordar diferentes lançou a personagem Katita, tratando do ela decidiu fazer a transição de gênero de Hugo, florescer em resposta à mudança de costumes, ao
1980, uma famosa antologia de quadrinhos tiras a trazer personagens gays longe dos facetas da homossexualidade, quase sempre preconceito contra lésbicas e desmontando o espécie de alter-ego que assumiu desejos e relaxamento dos preconceitos e da mentalidade
queers chamada de Gay Comix, que viria a se estereótipos, estão agora produzindo tiras e como uma forma provocativa de criticar a imaginário cheio de estereótipos das mulheres inquietações da autora. Desde que assumiu sua conservadora da sociedade. A conquista dos
tornar uma série referencial para os quadrinhos séries em quadrinhos com os mais diversos repressão sexual e menos como uma legítima homossexuais na sociedade. Entre 2006 e 2007, transsexualidade, seus quadrinhos passaram direitos à cidadania pelos homossexuais tirou-os
LGBTQ até 1998, assim como a revista erótica/ estilos e com as ainda mais diversas histórias. expressão identitária. Angeli criou Nanico, um a pequena SM Editora, de Jaú, São Paulo, por uma fase mais onírica e experimental, da marginalidade em que viviam desde tempos
pornô Meatmen, que praticamente publicou ativista revolucionário que decide se assumir publicou Jack The Fag, de José Salles e Manu inovando na linguagem, mas sobretudo no tema. remotos e criou a possibilidade de afirmação a
todos os quadrinistas gays que produziam na É preciso reforçar que uma quadrinista trans gay após anos no armário. Adão Iturrusgarai, Tom, onde a homossexualidade é abordada Ainda inédito em livro, essas histórias trouxeram que muitos almejam.” Da menina que entra numa
época, nos EUA. Havia, nesse momento, um ethos como Julia Kaye tem uma tira divertida e super em 1985, fez piada com os clichês de do ponto de vista da marginalidade. Na mesma temas cruciais para a discussão da representação, comic shop em busca de personagens lésbicas
punk do faça-você-mesmo que rendeu um sem bem-humorada sobre o cotidiano de uma garota masculinidade com Rocky & Hudson. Nos época, a paraibana Marca de Fantasia lançou como a saída do armário, visibilidade trans, à atual geração de artistas queers buscando
número de zines com personagens queers, trans, ou que uma artista como Sarah Graley anos 1990, Marcatti, conhecido por sua o álbum Vidas Solitárias, com roteiros de desejos reprimidos, relacionamentos gays/ espaço no mercado editorial, o sentimento
escritos e desenhados por artistas queers. fez uma HQ chamada Kim Reaper sobre uma assinatura escatológica, também abordou Marcelo Marat e desenhos de Emanuel Thomaz. lésbicos e aceitação do corpo. atual é o mesmo: queremos nos ler.
adolescente ceifadora de espíritos malignos que se a homossexualidade. Ele lançou ao lado do Salles mira seu texto contra o recalque social,
Foi nesse período que surgiu, por exemplo, uma apaixona por uma menina de sua escola, para que poeta marginal Glauco Mattoso o álbum As a hipocrisia e aborda com transparência e Outra gama de trabalhos interessantes colocou
das quadrinistas mais premiadas dos Estados jovens meninas como aquela que entrou na loja Aventuras de Glaucomix, o Pedólatra, onde sensibilidade a violência e marginalidade que a bissexualidade em destaque. Entre eles, Dandara Palankof, Carol Almeida
Unidos, Alison Bechdel, autora das premiadas de quadrinhos querendo amenizar sua depressão relata um passeio semi-autobiográfico pelo permeiam o universo LGBT. Vale destacar o Garota Siririca, divertido gibi de LoveLove6; e e Paulo Floro são editores da Plaf.
HQs Fun Home e Você é Minha Mãe? e das possam ter outras ‘supergirls’ a quem recorrer. universo fetichista homossexual. trabalho de resistência que faz o paulista Deus, personagem de Rafael Campos Rocha,

24 Plaf Plaf 25
/ viagem / London, London / viagem /

London,
Foto: Wikimedia Commons

Dos indies à cultura nerd,


passando por museus Forbidden Planet,
com HQs dos anos 1900, esse monumento
Londres é um multiverso

london
O professor de sociologia da Universidade Federal
para leitores de quadrinhos Rural de Pernambuco (UFRPE) Aristeu Portela
por alexandre fiqueiroa é um aficionado dos quadrinhos. Ele esteve em
[de londres] Londres recentemente e conta para a Plaf! como
foi sua visita Forbidden Planet.

P ara os fãs de quadrinhos, nada melhor do

Fotos: Alexandre Figueirôa/Plaf


que aproveitar um passeio pela cidade de por aristeu portela
Londres para conhecer as lojas especializadas
no gênero. Embora as revistas de super-heróis A primeira impressão que tive foi um assombro com sua monu-
das grandes editoras Marvel e DC Comics ainda mentalidade. Acredito que tenha sido a maior loja de quadrinhos
dominem as vendas e ocupem boa parte das (se é que podemos resumi-la a isso) que já visitei, e aquela que
estantes das livrarias, os títulos das editoras mais bem incorpora o entusiasmo atual em torno da cultura nerd,
independentes se mostram cada vez mais com os produtos mais variados oriundos de filmes, desenhos
criativos. A ampliação dos temas explorados animados, videogames, séries de TV e, claro, quadrinhos. É certo
com histórias de famílias, dramas adolescentes, que em qualquer comic shop você vai encontrar, além das HQs
diários de guerra, adaptações literárias, questões propriamente ditas, livros, camisas, action figures, jogos e toda
de gênero e lutas sociais despertam a atenção parafernália correlata, mas ali essa cultura me pareceu no ápice
e tem ampliado o público consumidor. da sua valorização (e mercadorização) – não à toa, a área desses
“produtos correlatos” corresponde à entrada da loja e, quando
Isso pode ser percebido ao entrarmos numa loja visitei, era de longe a mais movimentada de todas.
como a Gosh! Comics, na Berwick Street, no Soho
londrino, onde sempre topamos com uma Mas é ainda no setor de quadrinhos que eu acho que está o grande
significativa quantidade de homens e mulheres atrativo da Forbidden Planet. Fiquei muito entusiasmado com a
jovens interessados na diversidade de títulos ROLÊ Diversidade de títulos - e de público - nas lojas londrinas. Abaixo, o Cartoon Museum. variedade de HQs disponíveis, e não tive como evitar a impressão de
oferecidos pelo estabelecimento. Encontramos que não conseguiria dar conta sequer de vislumbrar tudo. Ainda que
publicações de editoras como a Image, IDW, o foco da loja pareça (mas posso estar enganado) ser os quadrinhos
Boom! Studios e Dynamite. A loja funciona há vendas por correspondência, a Mega City é comics britânicos do século 18 até os dias atuais. das grandes editoras estadunidenses (Marvel, DC, Dark Horse...),
25 anos, tem uma ótima sessão de álbuns ideal para colecionadores, pois embora tenha Trimestralmente, o museu apresenta exposições descobri por lá uma pequena surpresa, como uma seção toda dedi-
europeus e revistas independentes e realiza revistas recentes, seu forte são as edições temáticas e quando esta reportagem foi feita cada a autores oriundos da revista 2000 AD, que durante boa parte
regularmente lançamentos de novas obras antigas de quadrinhos de super-heróis. estava em cartaz Future Shock: 40 Years of da minha adolescência foi um sinônimo de quadrinhos britânicos.
com a presença dos autores. DIvulgação
2000 AD, celebrando
Quadrinhos americanos os quarenta anos deste Foi nessa seção que mais aproveitei meu tempo, folheando
Mas é na megastore Forbidden Planet, na e britânicos clássicos são fenômeno editorial cultu- autores muito queridos como Alan Moore, Grant Morrison e Jamie
Shafterbury Avenue, no centro de Londres, onde também a especialidade ado no mundo todo e que Delano. Cresci me entretendo com esses nomes da chamada
podemos comprovar melhor o quanto os quadri- da 30th Century Comics. tem como principal atração ‘invasão britânica’ dos quadrinhos estadunidenses, e não à toa
nhos estão em alta hoje entre os britânicos. Ela é bastante visitada por displays com oito páginas escolhi para levar comigo histórias da revista que formou boa
A rede possui lojas em outras cidades do Reino colecionadores por conta da arte original de cada parte deles, a 2000 AD. Quando comecei a me formar como leitor,
Unido e é a maior revendedora britânica de do seu catálogo com 100 década da publicação. ainda na infância, o personagem de Juiz Dredd sempre evocava a
HQs e quadrinhos recentes. Nela é possível mil itens estocados num ideia de tramas (e desenhos) audaciosas e perturbadoras, pouco
encontrar ainda uma grande variedade de edifício de dois andares, Ainda esse semestre convencionais. Como não tive oportunidade de ler muitas histórias
livros de ficção científica, DVDs, brinquedos, situado em Putney, no haverá no The Cartoon dele, escolhi justamente edições que compilaram suas primeiras
games e mangás. A loja investe nos últimos Sudoeste de Londres. Museum, a exposição histórias na revista 2000 AD, escritas no final dos anos 1970.
lançamentos, mas dispõe de um bom acervo Os interessados podem The Inking Woman com
de obras cult, sobretudo dos autores ingleses. também pesquisar no site da loja onde encon- trabalhos de cartunistas e autoras de comics Apesar de ter adorado a loja, me incomodou apenas a pouca
tram publicações que vão de 1900 a 1980. inglesas. O visitante tem ainda no local loja com atenção ao que poderíamos chamar de “quadrinhos independen-
Menos procurada, porém tão interessante revistas, livros a acessórios do universo das HQs tes”. Comparado com o restante das seções, extremamente bem
quanto suas congêneres, uma visita na Mega E para encerrar o tour, próximo ao monumental e se ele tiver um tempinho pode aproveitar detalhadas em termos de dados e subdivisões, essa me pareceu
City Comics localizada na Inverness Street, no British Museum, na singela Little Russel Street, os workshops oferecidos tanto para adultos de pouco destaque, não só em número como também em termos
bairro boêmio e cult de Camden Town é uma existe um espaço cultural bem mais modesto, quanto crianças onde poderá aprender a criar TEMPLOS Forbidden Planet, no topo, tornou-se referência de informações relativas a origens dos autores, lançamentos etc.
boa pedida. Criada em 1981, inicialmente mas não menos curioso. Trata-se do The Cartoon mangás, personagens de animação, histórias de megastore de entretenimento. Em seguida, a Gosh, espaço Isso, claro, pode ser reflexo do enfoque mais mainstream da loja,
funcionando apenas como uma empresa de Museum, cuja coleção abrange os cartoons e de ficção científica e seu próprio comics. preferido dos indies e a Mega City Comics, amada por colecionadores. o que não é nenhum problema em si.

26 Plaf Plaf 27
/ mercado / / mercado /

Os Ciclos Produtivos das

HQs
1

Brasileiras
Há algo extraordinário
A
o refletir sobre a atual cena brasileira de histórias em quadrinhos,
o quadrinista Rafael Coutinho lembra uma conversa com um colega
em curso no mundo francês sobre a dinâmica de um dos principais mercados de HQs do mundo,
a França: “Ele me disse que, caso o autor não tome cuidado, pode ser engolido
dos quadrinhos por lançamentos e eventos por todo o país, o ano todo, com pequenos cachês
e regalias que dão a sensação de serem ótimos, mas que o tiram da mesa;
nacionais um ano ou dois se passam e você não produziu nada. Estamos começando
a ver isso aqui; é possível se perder nessa boa fase”.
3
por RAMON VITRAL A comparação feita por Coutinho se refere a um sentimento compartilhado
por quadrinistas, editores, críticos e lojistas brasileiros: há algo extraordinário
em curso no mundo dos quadrinhos nacionais.

O próprio Coutinho é um personagem emblemático nesse cenário. Cachalote,


parceria do quadrinista com o escritor Daniel Galera, foi publicada pela Companhia
das Letras em 2010. Depois, ele publicou entre 2011 e 2015 a trilogia O Beijo
Adolescente por sua editora, a recém-encerrada Narval Comix. Ainda em 2015,
1. Detalhe de também pela Narval, ele fez parte do grupo que organizou O Fabuloso Quadrinho
Topografias, coletânea
de histórias de Julia Brasileiro de 2015, com alguns dos trabalhos mais significativos publicados
Balthazar, Barbara em solo nacional naquele ano.
Malagoli, Lovelove6,
Mariana Paraízo,
Puiupo e Taís Koshino; Tendo publicado por grandes editoras, de forma independente e via financiamento
2. Cachalote, de Daniel coletivo, o quadrinista acredita que o modelo tradicional, restrito a grandes
Galera e Rafael Coutinho; editoras, redes de livrarias e bancas de jornal, está enfraquecido: “Agora
3. Uma Noite em me parece que tanto as editoras quanto os autores independentes estão
L’Enfer, de Davi Calil. na mesma corrida”.

28 Plaf Plaf 29
/ mercado / Os ciclos produtivos das HQs brasileiras Os ciclos produtivos das HQs brasileiras / mercado /

Imagens: DIvulgação

“O mercado independente brasileiro Foraciepe diz ter aplicado na versão impressa da Maria

ainda está se consolidando. Já evoluímos


Nanquim a mesma linha editorial de sua origem virtual:
“Fico muito feliz quando algumas pessoas me falam que 5 locais
descobriram autor x ou y na página ou por causa dela. Para conhecer (e comprar)
muito, mas a estrutura ainda é frágil” Tudo começou como um hobby e ainda é assim”. a produção autoral brasileira
Douglas Utescher, da Ugra. Dona da Mino, a editora Janaína de Luna já lançou obras
de autores internacionais consagrados, como o catalão Joan
Cornellà e o norte-americano James Kochalka, e de brasileiros
como Davi Calil e Bianca Pinheiro. Os últimos são também Ugra Press
autores de títulos do projeto Graphic MSP, uma ponte
Loja física e online com
entre o universo independente e o grande público por dar
lançamentos nacionais e
a quadrinistas a oportunidade de darem suas interpretações
a personagens criados por Maurício de Sousa. estrangeiros, além de manter
títulos próprios como a UGritos,
A quadrinista brasiliense Taís Koshino também No caso do Altamira, ela e seu sócio conseguiram série de gibis com histórias
Para Janaína, embora muitas vezes o trabalho do editor
está nessa corrida. Ela criou o Selo Piqui em 2011 bancar o projeto de distribuição gratuita
se resuma à função de “publicador”, a tarefa vai muito curtas vendidas a preços bem
e, após alguns anos publicando apenas seus com apoio de patrocinadores e publicaram
além da seleção de títulos ou de decisões gráficas: “É de baratos. /ugrapress.com.br
próprios trabalhos, passou a investir em projetos obras inéditas de artistas como L.M. Melite,
fundamental importância uma pessoa que tenha uma
de outros autores. Em 2016 Koshino publicou Eloar Guazzelli e Fábio Zimbres: “O Altamira
visão geral da obra, que trabalhe o texto e a narrativa
a antologia Topografias, com quadrinhos dizia muito a respeito do que eu acreditava
gráfica com o autor. É alguém necessário para uma HQ Itiban Comic Shop
produzidos por ela e mais cinco artistas: Julia que os quadrinhos também podem ser.
mais coesa e mais bem lapidada”. A loja fica em Curitiba, mas
Balthazar, Bárbara Malagoli, Paula Puipo,
Mariana Paraizo e Lovelove6.
Continuo achando que tem muita coisa pra
fazer, inclusive temos mais três ou quatro Rafael Coutinho: entrega em todo o Brasil através
A profissionalização de quadrinistas e editoras independentes
edições já conceituadas pra realizar um dia,
têm impacto direto nas lojas de HQs, que também são parte “o modelo tradicional, de sua loja online. Mantém
um blog com entrevistas e
Koshino conta que sua primeira experiência mas foi uma experiência muito exaustiva e eu
no meio foi na Rio Comic Con 2011: “Era uma ainda tô na graduação, então acabei deixando
dessa cena. A Ugra, do casal Douglas e Daniela Utescher, teve
início em 2010 com a publicação de um anuário de zines
restrito a grandes matérias dos lançamentos.
só fileira de editoras independentes, com umas
dez pessoas, a maior parte homem; de mulher
mais para frente”.
e a criação do selo Ugra Press. Após virar editora, loja online editoras, redes de Itibancomics.wordpress.com

tinha a Rachel Gontijo de Araújo d’A Bolha e Além das empreitadas independentes dos
e feira, a Ugra também é desde julho de 2015 uma loja física
livrarias e bancas
a Cynthia B. Percebemos que se quiséssemos quadrinistas, nos últimos anos também é
na Rua Augusta em São Paulo. Catarse
continuar publicando, deveria ser mesmo por crescente o número de novas editoras de jornal, está A plataforma de crowdfunding
“O mercado independente brasileiro ainda está se
meio da autopublicação”. focadas em quadrinhos autorais. A Balão
consolidando. Já evoluímos muito, mas a estrutura ainda enfraquecido.” tornou-se um espaço interes-
Editorial, surgida em 2010, foi a responsável
é um pouco frágil. Por essa razão, procuramos nos manter sante para saber em primeira
Nos últimos anos, as convenções e o público pela publicação de Lobisomem Sem Barba, em
muito próximos dos editores e autores, tentando entender mão projetos interessantes
que as prestigia cresceram de forma significativa. 2014, que deu ao quadrinista Wagner Willian
as necessidades deles e explicando as nossas”, afirma de quadrinhos. Muitas obras
O Festival Internacional de Quadrinhos de Belo o segundo lugar no Prêmio Jabuti em 2015.
Douglas Utescher. importantes da produção
Horizonte (FIQ) e a Bienal de Quadrinhos de
Curitiba são amostras da quantidade de títulos Um dos sócios-fundadores da Balão, Guilherme recente foram financiadas
Mesmo pontos mais tradicionais do ramo, como a
independentes e autorais lançados nos últimos Kroll reflete sobre o nem sempre valorizado por lá. Catarse.me
curitibana Itiban, criada há 27 anos pela empresária Mitie
anos no Brasil. Segundo levantamento do papel do editor no meio independente:
Taketani, têm se beneficiado da agitação recente da cena
jornalista Paulo Ramos, no FIQ de 2015 foram “A contribuição da editora varia caso a caso.
257 novas publicações, quase o dobro das Determinados livros pedem uma intervenção
brasileira de quadrinhos. Taketani reconhece a crescente Maria Nanquim
profissionalização do mercado, mas destaca um desafio a
136 da edição de 2013. maior, uma participação do editor desde Página do Facebook com mais
ser superado: “Ainda não conseguimos fazer esse universo
a concepção; em outros apenas precisamos de 100 mil curtidas e que reúne
estourar a bolha, atingir um público maior, que consiga
Uma das autoras com histórias publicadas entrar para discutir a gramatura do papel trabalhos de autores nacionais.
acompanhar esse crescimento”, diz a lojista.
na Topografias, a quadrinista carioca Mariana ou que tipo de texto colocar como aparato”. facebook.com/mariananquim
Paraizo, também conhecida como Mazô, esteve
Para alguns dos atores da cena brasileira de quadrinhos, é
presente no FIQ de 2015 com dois trabalhos. A publicitária Luciana Foraciepe, por exemplo,
Por conta própria, ela lançou a biográfica não fazia ideia dos rumos que sua vida tomaria
necessária a adaptação a um contexto de crise econômica
e polarização política acentuada. “Sem dinheiro, não tem
Social Comics
O Ateneu, além de ter editado junto com Gabriel a partir de 2012 ao criar a fanpage especializada Maior plataforma de quadri-
produção, então, sim, crise financeira pode prejudicar as HQs
DIVERSIDADE Mercado Carvalho a coletânea Jornal Altamira. A quadrinista em tiras de humor Maria Nanquim. Quatro anos nhos online do Brasil, o Social
no futuro próximo”, diz Kroll, da Balão. Para ele, os quadrinistas
tem hoje produções para todos faz parte de uma aclamada geração de autores após sua estreia no Facebook, ela possui mais
têm um papel político a desempenhar: “Os quadrinhos são Comics tem aumentado seu
independentes que ainda não passou pelo de 96 mil curtidas e tem dois livros publicados.
os gostos. Acima a visão de Bianca parte integrante da produção cultural do nosso país e também catálogo de quadrinistas
processo de edição: “Nunca fui editada, e sei No início de 2013 ela lançou a revista Xula,
Pinheiro para Mônica em volume por meio deles podemos atingir uma maturidade intelectual brasileiros. A partir de uma
que minha própria edição já deixou a desejar. reunindo trabalhos de Bruno Maron, Calote,
da “Graphic MSP”, abaixo página cada vez maior para combater ideias retrógradas”. assinatura mensal o usuário
Se eu soubesse exatamente no que pequei, Ricardo Coimbra e Bruno di Chico. Pouco mais
da coletânea Topografias, toda feita não teria necessidade de ter um editor. de um ano depois, ela publicou o Dinâmica pode ler quantos títulos quiser.
por mulheres e por fim Xula, revista Ao mesmo tempo, eu nunca peguei uma de Bruto, primeira coletânea impressa dos socialcomics.com.br
Ramon Vitral é editor do vitralizado.com
organizada por Luciana Foraciepe. história pronta e levei numa editora”. trabalhos de Maron.

30 Plaf Plaf 31
/ história / ALondon,
saga daLondon
Ragu //história
chapéu /

A saga da

Fotos: Paulo Floro / O Grito!

A história oral da publicação


N
uma sexta-feira pela manhã, sol a pino Lin mora em enorme terreno, uma chácara gesticula mais, emenda ideias; Lin, mais baixo,
como de costume, íamos Paulo Floro na zona rural de Olinda, sem áreas asfaltadas de gestos mais suaves quando verbaliza
pernambucana que fez (também editor da Plaf) ao volante, e que aparenta ter sofrido o mínimo possível baixinho aquilo que parece ter pensando
eu no banco do carona, e Christiano Mascaro, de intervenções na abundante vegetação por um bom tempo. As diferenças e
história ao trazer uma no banco de trás, para o ateliê de João Lin, nativa; estradinhas de terra cortando a grama complementaridades entre os dois ficam
em Ouro Preto, Olinda. Matamos os pouco sob enormes e frondosas árvores. A área é evidentes até mesmo em suas respectivas
sofisticação e experimentação mais de vinte minutos do Bairro do Recife compartilhada por várias casas – “aquela ali é trajetórias. Caminhos diferentes que, numa
estética até então inédita Antigo tentando conciliar as indicações de
caminho dadas por Lin com aquelas que o
de um dinamarquês, vem pra cá só no verão”,
aponta Lin em certo momento. Já a dele fica
encruzilhada fortuita, criaram algo único.

no mercado de quadrinhos Waze nos informava. E aí então, ôpa, volta,


a entrada era aquela – e chegamos.
em um dos pontos mais altos do terreno, um
sobrado de dois andares que abriga o estúdio/
Mascaro é formado em Jornalismo e também
estudou pintura na Universidade de Montreal.
ateliê no pavimento mais alto. Foi editor de arte do jornal Diário de Pernambuco
Queríamos conversar com os dois designers, durante 17 anos – hoje, exerce essa mesma
por DANDARA PALANKOF ilustradores, artistas plásticos e quadrinistas Enquanto subíamos as escadas e Lin nos função na Folha de Pernambuco, onde também
para que eles pudessem nos contar como mostrava a casa, percebia que os dois, num publica suas tiras. Participou da coletânea
vieram a criar aquela que continua sendo daqueles clichês da vida, eram completamente espanhola ConSecuencias e assinou uma das
a publicação mais importante das histórias diferentes – e que talvez por isso tenha histórias do livro MSP 50, primeiro de uma
em quadrinhos pernambucanas – e uma funcionado tão bem como a dupla que criou série em que quadrinistas reinterpretavam
das mais relevantes do Brasil: a Ragu. a Ragu: Mascaro, mais alto, é mais falante, personagens da Turma da Mônica.

32 Plaf Plaf 33
/ história / A saga da Ragu A saga da Ragu / história /

“Além da
retomada A partir do quinto número, a revista passou

da publicação,
a contar com mais páginas – para atender às
reclamações de que a revista demorava para
Ragu planeja sair e, quando saía, era lida em 10 minutos.
Pulou das habituais 40 para 80 páginas, nos
CERTO OLHAR versões digitais números 4 e 5; o seguinte, contou com 100
páginas; e a célebre sétima edição, 240.
João Lin e Mascaro,
os fundadores da Ragu,
das edições
O sexto número foi o primeiro a contar
no ateliê de Lin em Ouro antigas e um com uma colaboração estrangeira, com
selo para HQs
Preto, Olinda. A ideia era a publicação de duas histórias do alemão


deslocar as atenções Hendrik Dorgathen. Mascaro conta que
para o Nordeste, chamar mais longas.” no livro pelo qual tomou conhecimento do
trabalho de Hendrick, havia o contato dele.
atenção para a produção
local diversificada. Ele então enviou uma das edições da Ragu,
“Não é porque a revista mascaro com um convite a Dorgathen para participar
da edição seguinte da revista. A resposta: A Ragu foi meu
é produzida em Per-
nambuco que a gente
um CD contendo várias histórias para serem caminho de volta
publicadas. A robustez da Ragu 7, inclusive,
tem que fazer quadrinho se deve entre outros fatores à vontade de
para os quadrinhos.
de cangaço”, diz Mascaro. contar com mais autores estrangeiros – Trabalho com diferentes mídias,
principalmente de países latino-americanos como cinema e desenho de
como Peru, Bolívia e Cuba, com quem Lin
havia travado contato durante a participação humor, e conforme a dança
Suas ilustrações estamparam as páginas de Mas foi a geração da Circo – Laerte, Angeli E Ral tinha razão: os encontros promoveram em diversos festivais, como o Viñetas con das crises setoriais da arte no
revistas como Playboy, Exame, SuperInteressante e Glauco – que chamou sua atenção para a troca de ideias que geraram a admiração Altura. As exceções ficaram por conta dos
Brasil, vou fazendo correções
e Caros Amigos. Além disso, tem um trabalho os gibis, “e por causa da questão política”, ele mútua e a vontade de juntos criarem algo espanhóis Braz e Vásquez.
de pintura, em suas palavras, “quase autista”. ressalta. “Era um pensamento político que ia novo no cenário de quadrinhos – apesar de rota. Passei os anos 1990
além da democracia representativa e chegava de nunca terem realmente se aventurado O tamanho da sétima edição, aliás, pegou mais voltado para o audiovisual
Já Lin começou seu caminho nas artes à política do cotidiano. Foi quando vi que era no campo. Mascaro havia produzido o público de surpresa, tendo grande repercussão
através do teatro de rua. Foram dez anos possível fazer esse tipo de discurso através do histórias, em suas próprias palavras, – o que fez com que seja quase impossível depois da quebra do ramo
em um projeto “popular, engajado e político”. desenho” – apesar de o humor hoje não ser “tosquinhas”, durante a adolescência, para encontrar um exemplar hoje em dia. Além editorial, no Plano Collor. Então,
Depois disso, passou a experimentar com uma característica de seu trabalho. Quando fanzine; enquanto Lin tinha experimentado da vontade de contar com mais autores
foi com alegria que, no começo
a escultura em concreto – trabalho, segundo conheceu Mascaro, passou a ter mais contato apenas algumas poucas histórias de uma estrangeiros, também havia a vontade de
ele, mais comercial, voltado para os edifícios com as influências estrangeiras, como as página voltadas para exposições em salões poder dar espaço a histórias mais longas do século 21, dois coletivos que
que são obrigados por uma lei municipal antologias da Drawn & Quarterly. Mas conta, de humor. Feito de muita instiga, nascia sem que a revista acabasse com menos faziam quadrinhos de qualidade
do Recife (aqueles com mais de mil metros com um leve sorriso despreocupado, que ainda a Ragu, subsidiada pelo Fundo Pernambu- trabalhos por causa disso. A vontade de
quadrados) a terem uma obra de arte em hoje não é um leitor voraz de quadrinhos. fazer ainda mais experimentações, é claro, me trouxeram de volta a essa
cano de Incentivo à Cultura (Funcultura,
seu terreno. Desistiu porque pagavam mal. para os íntimos). também falou alto na hora de definir a linguagem: a Graffiti, de Belo
Depois disso, passou a se dedicar mais ao quantidade de páginas. “Ali, sim, a gente Horizonte; e a Ragu no Recife.
desenho, ilustrando também revistas de teve a pretensão de fazer uma edição
circulação nacional e livros infantis – mas A saga da Ragu A primeira edição – na verdade chamada fuderosa”, disse Mascaro. E conseguiram. Além de fazer quadrinhos
sem deixar de lado a experimentação, fosse de Ragu 0 - foi lançada em março de 2000 novamente, em bases dignas,
em forma de vídeos ou de poemas. E agora, Mas vamos do começo: os dois se e teve uma tiragem de mil exemplares. A Ragu surpreendia por seu cuidado com
se aventura na música. A revista teve, no total, oito números. o acabamento gráfico, numa época em
conheci grandes amigos que não
conheceram em 1999, através de um
amigo em comum – Romildo Araújo Lima, Os quatro primeiros números da Ragu que o quadrinho brasileiro independente tinha por acaso são grandes artistas
foram financiados pelo Funcultura (da zero dificuldades para se destacar nesse aspecto
Mesmo a ligação com os quadrinhos se deu ou simplesmente Ral, editor do Diário de gráficos. Só tenho a agradecer.
de forma diferente. “Eu sou o que sou por causa Pernambuco. Foi ele quem, aos poucos, à três, lançadas trimestralmente até março pelos altos custos envolvidos na produção.
construiu a ponte que viria a unir Lin e de 2001). Já os números 4 (dezembro de “Olhando hoje, a gente percebe que as revistas Inclusive, no momento estou
dos quadrinhos”, afirma Mascaro, empolgado.
Foi com as páginas dos gibis – passando, Mascaro, constantemente falando sobre 2002) e 5 (junho de 2003) foram financi- tinham um design um pouco limitado”, afirma. voltando a La Paz, cidade na
conforme crescia, da Turma da Mônica à Metal como iriam apreciar o trabalho um do outro ados através do Sistema de Incentivo à
Cultura da Prefeitura do Recife. Os números
qual criei a arte que foi capa de
Hurlant – que se deu sua primeira experiência e precisavam se conhecer. Na época, Lin “Tínhamos muito esse retorno, de que a
de transcendência artística. trabalhava no Diário como ilustrador, mas 6 (janeiro de 2007) e 7 (agosto de 2009), revista apresentava um diferencial gráfico.” uma edição especial da Ragu
acabou se mudando para Natal – sendo mais robustos – principalmente o 7, Esse desejo levou às diversas experimentações e que é um dos meus grandes
“Meu trabalho como designer, como diagramador, substituído justamente por Mascaro. A um calhamaço de 240 páginas em capa que se encontram nas páginas da Ragu: jogos
dura –, foram novamente financiados de texturas, filtros, fotografias. A ideia era orgulhos profissionais.”
aprendi tudo com os quadrinhos.” Lin, por sua insistência de Ral foi criando o interesse
vez, não era leitor de quadrinhos e nunca deu mútuo pelo encontro, que aconteceu pelo Funcultura, em projetos apresen- subverter as expectativas. Tudo pautado pela
bola pra turma de Maurício de Sousa. quando Lin voltou ao Recife. tados separadamente. liberdade, tanto estética quanto temática. Eloar Guazzelli

34 Plaf Plaf 35
/ história / / história /

A ideia era mostrar também que


A Ragu surpreendia PROJETOS PARALELOS
Foto: Victor Jucá

Pernambuco possuía artistas gráficos


de qualidade; tentar desequilibrar um
pouco a balança da produção nacional
por seu cuidado Ainda em 2003, Mascaro e Lin começaram Estudos da Ragu
a sentir que a Ragu já não cabia mais em si
de quadrinhos, pendendo majoritariamente com o acabamento – talvez eles não coubessem mais em si A Ragu foi tão impactante para
para Rio de Janeiro e São Paulo, deslocar a cultura pernambucana que
um pouco das atenções para o Nordeste: gráfico, numa mesmos, nem apenas em uma revista. E o
projeto começou a se desdobrar. O primeiro despertou a atenção da academia
marcar território. “Não é porque a revista
é produzida em Pernambuco que a gente época em que “spin-off” foi a Ragu Cordel, em 2003 – feito
sem grande aporte financeiro. As duas edições
e, em 2011, virou tema de uma
dissertação de mestrado em
tem que fazer quadrinho de cangaço”,
Mascaro ri, enquanto os dois se lembram
o quadrinho eram formadas de pequenas caixinhas sociologia. Em “A revista Ragu
como um campo de críticas,
contendo livretos (a primeira, com seis; a
das reações de espanto de leitores e brasileiro segunda, publicada em 2011, com doze).
reflexão e disputa no campo
dos quadrinhos”, André Pereira
artistas ao tomarem contato com a Ragu
e descobrirem que se tratava de uma independente Dois anos depois, em 2005, a Ragu criou
de Carvalho expõe as questões
sociopolíticas e as manifestações
revista pernambucana.
tinha dificuldades mais pernas. Antes do boom de adaptações
literárias em histórias em quadrinhos,
culturais que transparecem nas
histórias publicadas no gibi,
Lin ressalta que fazer a revista nos
moldes em que eles imaginavam só
para se destacar causado pela inclusão massiva de obras do
gênero no Programa Nacional de Bibliotecas
tomando-a como exemplo de
destaque na construção do discurso
foi possível graças à aprovação nos
editais de incentivo promovidos pelo
nesse aspecto Escolares, Mascaro e Lin já haviam percebido ideológico do quadrinho brasileiro
o potencial dessas histórias – inclusive contemporâneo.
Funcultura. “Esses mecanismos são


já tendo produzido algumas para a própria
muito importantes”, reforça Mascaro. Ragu. Assim, os dois criaram a Domínio
“Estamos há anos-luz de mercados Público, juntamente com o jornalista
como o europeu ou o argentino, e se Mário Hélio (um dos fundadores da
não houver esses incentivos, nunca Continente, revista pernambucana de O FUTURO
A Ragu foi a porta vamos chegar lá.” Lin ressalta que a cultura). Foi ele o responsável pela seleção
maioria da produção experimental, Mas a maior dificuldade enfrentada dos textos a serem adaptados e, nas O impacto da revista, que teve histórias outros autores, pernambucanos ou não, que já
de entrada para outras em qualquer expressão artística, tem pela Ragu abre espaço, nessa história, premiadas (“Labirinto”, de Lin, e “Um Mate
palavras de Mascaro, pelo “embasamento participaram da Ragu. Retomar projetos mais
histórias. Sempre tive a necessidade de apoios dessa natureza. para um pouco de lugar comum: a literário que deu estofo ao projeto”. Simples”, de Mascaro, que saíram no nº 3, simples, como a Ragu Cordel, também está
“É preciso, sim, que haja um modo de se distribuição – um problema que insiste ganharam o primeiro e o segundo lugares, nos planos dos dois criadores.
vontade de fazer meus quadrinhos
fazer esse tipo de projeto que não careça em perdurar, seja ou não para revistas Cada história contava com um pequeno respectivamente, no XII Salão Carioca de
e sempre rabiscava nos cadernos de incentivos; mas também é preciso independentes, que dependem de um texto assinado por Hélio, contextualizando Humor, em 2000) e virou objeto de estudo Dois criadores indubitavelmente talentosos,
e nos mataborrões, mas demorei que esse tipo de projeto surja através serviço monopolizado, caro e deficiente. a adaptação. A revista teve dois números acadêmico (mais um box, bem ali) é sentido várias ideias promissoras. Sorríamos a cada
de incentivos. Ambos devem coexistir e Tentando contornar esse empecilho, que, em 2008 e 2010 (adaptações até hoje. Ambos contam que sempre são ideia que Lin e Mascaro soltavam, pensando
pra imaginar um mercado ou algo não podem negar um ao outro”, conclui. a primeira parceria da Ragu para ser perguntados sobre o retorno da revista, seja no
de contos nacionais e estrangeiros, no quanto o quadrinho pernambucano precisa do
do tipo. Foi minha mãe quem me distribuída fora do estado foi com respectivamente), ganharam uma nova Recife ou em outros estados. Se não houvesse retorno e do crescimento de um projeto marcante
Apesar disso, eles afirmam que o projeto a Mapas e Mapas, de Minas Gerais. a Ragu, talvez eu e Paulo Floro não teríamos
mostrou minha primeira Ragú roupagem pela editora DCL e passaram
escutado tanto “onde estão os quadrinhos
e singular como a Ragu. Perguntamos, então,
era despretensioso. O mais importante “A gente mandou muita revista pra a integrar o PNBE. A vantagem: tiragens a quantas andavam esses processos. Lin, com
– era a número 2, com capa de era o tesão de fazer uma revista em eles, mas não teve o controle disso. maiores – mas que não necessariamente de Recife?” no último FIQ-BH, em 2015. a serenidade que demonstrou a todo o tempo,
Mascaro e uma dedicatória de quadrinhos: criar seu material, receber E acabamos levando um cano”, se traduzem em qualquer ganho financeiro, sorriu levemente e, apontando para a própria
o de outros artistas, trabalhar o processo conta Mascaro. Vivemos, então, um momento em que o
França, o poeta. Era impecável. visto que os exemplares são adquiridos têmpora com o indicador, soltou: “ainda aqui”.
de edição de um novo número. E ao longo mercado nacional de quadrinhos está mais
pelo governo a 25% do valor de capa.
Tudo muito foda. Essa capa de do tempo, a Ragu construiu um invejável Depois, uma tentativa com a paulista aquecido do que nunca – novos autores,
Mascaro, mais pragmático, complementou
leque de colaboradores – artistas novos Via Lettera, que segundo Mascaro, novas editoras, vários estilos, de todo lugar
Mascaro me persegue até hoje. Apesar disso, o maior intuito de Lin e
do país. Não seria esse o momento da Ragu
afirmando que os projetos estão prontos.
e veteranos, que já eram admirados tanto nunca prestou contas quanto às Mascaro com a Domínio Público era criar Falta, agora, o mais difícil: a captação de
Meu traço foi seguindo nessas por Lin como por Mascaro. Quadrinistas vendas. Já a Opera Graphica, para algo diferente das adaptações literárias
voltar? A resposta, claro, é sim. E os planos
recursos. Algo que vem sendo tentado desde
são muitos. O principal desafio para Lin e Mascaro,
linhas. É importante valorizar e ilustradores como Eloar Guazzelli, Jaca, eles, foi quem mais ajudou a aprimorar em quadrinhos que começavam a circular – hoje, é reconfigurar a Ragu, aproveitando esse 2015 quando, mais uma vez, a Ragu tentou
Henrique Kipper, Fábio Zimbres, Lelis, o alcance da revista. Mas Mascaro hoje, temos o conhecimento de que a maioria a aprovação no Funcultura – dessa vez, no
essas iniciativas. Deixar sempre Cau Gomez, Osvaldo Pavanelli… além
momento de maior atenção à nona arte. Além
especula que nenhuma das distribuidoras delas tem um nível artístico baixíssimo; intuito de publicar a Ragu Lilith, adaptações
essas portas entreabertas pra galera disso também está nos planos a disponibilização
da prata da casa, claro, como Greg, Raoni e editoras realmente apostaram muito histórias feitas tão somente para surfar em quadrinhos de poemas da pernambucana
de versões digitais das edições anteriores.
ficar brechando nossos rabiscos Assis, Clériston, Flavão, entre outros. na revista, já que ela não tem um o hype da pretensa “facilitação dos Cida Pedrosa; mas o projeto, inexplicavelmente,
“Ver esses caras empolgados em participar formato necessariamente comercial. clássicos” que fez desse tipo de histórias Outro projeto para a vindoura retomada da foi rejeitado. Mas eles continuam buscando
desnudos. Esse olhar atento ao da Ragu foi um dos maiores retornos que em quadrinhos a preferência de compra Ragu é o lançamento de livros solo. Até então, caminhos e a Ragu há, sim, de voltar; para
entorno, esses respiros fora da a gente teve. Foi nosso grande mérito”, “Acho que essas parcerias aconteceram para o PNBE – e uma boa fonte de renda todos os projetos sob o guarda-chuva que se re-ocupar o lugar de destaque que lhe é de
afirma Mascaro, claramente orgulhoso. mais no sentido de ocupar um espaço para as editoras. A ideia da Domínio era tomar direito no quadrinho nacional.
bolha, esses temperos de fora das tornou a Ragu foram trabalhos coletivos. Uma
“Não sei se o Guazelli vai lembrar, que parecia crescente, de um quadrinho o rumo contrário: fugir do usual, do piloto das ideias para o futuro da Ragu, portanto,
panelinhas. A gente vive disso.” mas um dia ele me disse ‘olha, voltei brasileiro autoral em formação; porque automático, do “careta”. Certas adaptações é abrir o leque mais uma vez, comportando
a fazer quadrinhos por causa da Ragu’”. viável comercialmente, realmente, o nem mesmo contam com texto. Outras histórias que desenvolvam ainda mais Dandara Palankof é tradutora
Raoni Assis Nós perguntamos. Ele lembra, sim (dá projeto não é; daí, se der certo, já tá tiveram suas histórias originais livremente a autoralidade. Livros com histórias mais e pesquisadora de quadrinhos.
uma olhadinha no box na página anterior). com um pé dentro”, especula Mascaro. adaptadas por Mário Hélio. longas, tanto de Lin e Mascaro quanto de escreve no balburdia.wordpress.com.

36 Plaf Plaf 37
ESTANTE // WATCHMEN, de Alan Moore e Dave Gibbons RESENHAS

Watchmen
Minha paixão por física
e astronomia tornou a
leitura da obra ainda
mais incrível


Thoreau:
por CAROL PIMENTEL

P
or onde começar a páginas entre o indicador e o polegar? Assim!
falar daquelas coisas – e meus olhos pareciam estar me pregando
Um clássico
que a gente mais ama?
Esse é um desafio tremendo para quem
trabalha com Histórias em Quadrinhos.
bem revisitado
uma peça… Existia sentido naquelas imagens,
mas um sentido que meu mais íntimo sentido
captou e que minha mente ainda não era
um filósofo para ser revisto
capaz de absorver… Tinha que folhear com por alexandre figueirôa
Vou aproveitar o espaço para contar Nos EUA, Watchmen foi calma. Fui e voltei várias vezes. Até que comecei
uma coisinha para vocês antes de chegar originalmente publicada como a contar os quadros e comparar a primeira
uma série em 12 partes e depois
ao meu quadrinho “do coração”. Quando e a última, a segunda e a antepenúltima e
recebeu diversas republicações

N
eu era pequena, adorava passear com meu em vários formatos. No Brasil,
assim por diante, até que… BUM! Cheguei à esses tempos de violência desenfreada, Defensor dos povos indígenas e abolicionista,
pai aos domingos na antiga brasília branca também teve diferentes versões. única página dupla da revista. Não conseguia desrespeito aos direitos humanos, opressão no ensaio Desobediência Civil Thoreau relata
que ele tinha. Aos domingos, geralmente, A primeira foi publicada em 1986, me conter. Não é possível que alguém tenha do Estado, destruição ambiental e aquecimento o seu posicionamento diante dos acontecimentos
ele a levava a um posto de gasolina para ser pela editora Abril, em seis partes. pensado nessa simetria… E é claro que sim! global, conhecer um pouco da vida de Henry do seu tempo e defende sua crença na objeção
lavada e, enquanto esperávamos pelo serviço, A mais recente é uma edição de O Mestre Moore havia pensado – afinal, David Thoreau (1817-1862) é um sopro de consciente contra governos cujas leis não
íamos à banca de jornal que ficava perto do luxo pela Panini, de 2016. era o nome do capítulo. E tudo fez sentido. esperança, um gerador de forças para dizer “não” respeitam o que ele considerava princípios
posto. Cada domingo eu podia escolher uma ao que vivemos hoje. Esse é o maior mérito morais universais. Ele acreditava na ação
revistinha nova e esperava ansiosa a mão Walter Kovacs, o vigilante conhecido da HQ Thoreau: A Sublime Life, escrita por individual contra esse estado de coisas e
dele descer do balcão para me entregar a como Rorschach, tem uma história de tirar Maximilien Le Roy com arte de A. Dan. recusava-se a pagar impostos que, segundo
revista que tinha escolhido e dois chicletes me faziam compreender a história em um o fôlego. Mal podia respirar depois de ler Ela resgata, numa perspectiva contemporânea, ele, financiavam a guerra dos Estados Unidos
que sempre vinham de “brinde” do paizão. nível mais profundo. A passagem do tempo a ficha psiquiátrica dele. O que era aquilo? aspectos marcantes do filósofo, poeta e contra o México e a escravidão.
Sempre que penso em HQs me lembro do para os humanos em contraste com a Quanta frieza… Como uma criança suportou naturista mais conhecido como o pai da
cheiro dos domingos de manhã! Ou seja, o passagem do tempo para o Dr. Manhattan, tudo aquilo? Neste ponto deixei a leitura desobediência civil e cujas ideias também Os autores, os franceses A. Dan e Maximilien
amor vem de longa data e poder trabalhar a forma como ele trabalha a narrativa de de lado novamente, pois a história dele me Thoreau:
inspiraram fortemente os movimentos Le Roy, conduzem o leitor colocando-o como
com elas hoje em dia é um prazer enorme. forma digressiva no capítulo IV (Relojoeiro). deixou mal. Essa distância durou pouco, ecológicos surgidos no século passado. observador dos episódios chaves da vida de A Sublime Life
Os detalhes escondidos nas paredes em pois a curiosidade era ainda maior e eu Thoreau e que foram constituindo a riqueza Dan e Maximilien Le Roy.
Com o passar dos anos reli muita coisa símbolos de radiação, as minúcias na revista precisava saber como aquilo tudo terminaria. Thoreau teve uma profunda influência de seu pensamento. Há preferência pelos
e me apaixonei por outras que ainda não que o garoto lê enquanto o jornaleiro passa As histórias me conquistaram de uma [NBM Publishing, 88
nos grandes movimentos pacifistas e de cenários que evocam as paisagens de bosques
conhecia. Sou graduada em física e astronomia por situações adversas, o frasco do perfume forma impressionante! desobediência dos séculos 19 e 20. Mahatma e lagos, e boa parte da graphic novel mostra páginas, R$ 64,90 em
também está no meu rol de paixões. Durante que é retomado nas últimas páginas. As Gandhi descobriu os textos do autor norte- Thoreau junto a natureza, fazendo trilhas média, importado]
a faculdade, as coisas apertaram muito e foi questões pessoais de cada personagem e Foi assim que me apaixonei por este título. americano na prisão, e os trabalhos de Martin pelo campo, evocando a tese de que acima
a época em que me afastei das leituras que os pensamentos de cada um deles sendo Tenho ele em várias versões e sempre que Luther King com os afro-americanos contra de tudo ele era um naturista, alguém cujo
tinham me acompanhado até então. Anos descritos pelo ma-ra-vi-lho-so Moore e viajo para algum lugar diferente procuro a segregação racial tiveram como base o principal desejo era uma existência em
depois, um amigo sempre insistia para que belissimamente ilustrados pelo Gibbons. em outras línguas… virou uma mania, seu pensamento. O filósofo buscou em sua harmonia com o meio-ambiente.
eu procurasse um certo quadrinho, Watchmen; sabe? E de vez em quando eu olho trajetória viver suas ideias na experiência
e eu, relutante, não ia atrás… antes eu tivesse Tudo ia bem até que cheguei no capítulo 5: para elas, só para tirar da estante cotidiana e o melhor relato de suas vivências Le Roy já escreveu diversas HQs de não-
escutado esse amigo mais cedo! Watchmen era Temível Simetria. A leitura fluiu até a última e ver se descubro mais alguma podem ser constatadas em livros como Walden, ficção, entre as quais uma biografia do
tudo que eu amava: HQs e Astronomia/Física. página do capítulo quando de repente um coisa. Vocês já leram? O que ou a Vida nos Bosques quando ele recolheu- filósofo Nietzsche. No final, há um ótimo
estalo me veio à mente. OPA! Tem algo estão esperando? se, por meses, a uma pequena cabana por ele ensaio de seis páginas escrito por Michel
Eu, literalmente, “comi a revista”! Não diferente aqui! Comecei a virar as páginas mesmo construída para experimentar como era Granger, especialista da vida e trabalho
conseguia parar de ler. Era muita informação apressadamente – sabe quando você segura Carol Pimentel é editora estar em contato permanente com a natureza. de Henry Thoreau.
que me remetia aos estudos de física e que a revista pela lombada e “espreme” as da Marvel Comics no Brasil.

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Encontro com
a literatura
periférica
Por GERMANO RABELLO

E ntre os grandes escritores brasileiros,


poucos pertenceram efetivamente
à classe pobre. Ou, ao menos, poucos
surgiu com força há alguns anos, com uma
produção bem peculiar, e duas biografias
de escritores no currículo: uma sobre Jack
Carolina também gravou um disco, com
o mesmo título de seu livro mais famoso.
Foi considerada a “vedete da favela”. Mas
escritores pobres foram reconhecidos. Kerouac e outra sobre William Burroughs, logo percebeu que o meio literário era mais
Num país em que a educação é um ambos emblematicamente ligados à aristocrático. Eles a queriam exotizada,
privilégio, Carolina Maria de Jesus contracultura norte-americana e à geração em um papel imutável. Quando ela lançou
(1914-1977) é um caso raro: mulher, beat. Sirlene, a roteirista, é estreante na outro livro, “Casa De Alvenaria”, já falava
negra, favelada, escritora. Nunca tive área. Tem proximidade com a obra de sobre outra realidade – e a partir daí
contato com a literatura dela e nem Carolina Maria, já que suas pesquisas começou a gradual perda de interesse
tinha ouvido falar do seu nome até como doutoranda em comunicação pela sobre sua figura pública e sua literatura.
um ano atrás. Estes detalhes pessoais PUC-SP incluem a literatura negra.
servem para ilustrar que a memória da Toda essa história é narrada na HQ.
escritora não é algo universal. Ela não A HQ acompanha as andanças de Carolina E é uma história emocionante. Ainda
faz parte do cânone literário brasileiro, Maria pela cidade. Em busca de papel que assim, percebo um desnível – o gibi é
muito pelo contrário. Como na vida, possa vender para reciclagem, em busca de muito menos rica do que a história da Carolina
foi alguém que correu por fora, uma comida para os filhos. O desenho de João própria Carolina Maria de Jesus. O roteiro Sirlene Barbosa (roteiro) e
periférica. Está sendo resgatada pelo Pinheiro, rico em detalhes de ambientação, de Sirlene é correto e satisfatório para João Pinheiro (desenhos)
grande interesse social de sua obra, dos cenários urbanos, dos barracos, nos uma estreante. No entanto, como se
leva junto com ela. “Anda, anda... faz de faltasse elaboração de linguagem fica a [Veneta, 128 páginas,
justamente nestes anos em que as lutas
das chamadas minorias ditam a pauta conta que está sonhando”. A lembrança meio caminho entre um documentário 2016, R$ 39,90]
das tendências artísticas, nas vertentes dos filhos e o apego à literatura são as e uma ficcionalização, perdendo o que
da discussão de gênero e raça, na luta suas motivações. A fome a sua inimiga, a ambos têm a oferecer. A quadrinização
por descolonizar a visão de mundo. ser combatida diariamente. As sombras e de João Pinheiro não consegue encontrar
sujeiras das ruas estão reproduzidas aqui. um ritmo próprio, ao contrário do que
Então, faz bastante sentido que sua A linha nervosa, grossa, sem se preocupar acontece no seu trabalho anterior, sobre
biografia em quadrinhos tenha sido com o acabamento perfeito. O tipo de o escritor William Burroughs, que tem
publicada em 2016. Parece que o narrativa que pela força da temática e de uma narrativa visual bem característica,
jogo virou nesse período de intensas algumas reflexões, me fez querer fechar o ousada. Aqui, várias páginas e quadros
inquietações; um bom momento para livro algumas vezes. Pela contundência. são confusos, e em alguns momentos
a publicação de Carolina, HQ de Sirlene personagens secundários parecem ter
Barbosa (roteiro) e João Pinheiro Os depoimentos diretos sobre o cotidiano a mesma fisionomia da protagonista.
(desenhos). Além dessa convergência da miséria, escritos por quem vivenciou, É importantíssima a publicação desta
ideológica, o mercado editorial tem costumam ser mais frequentes em outras obra e a retomada do interesse em torno
favorecido bastante que os novos artes, mais ligadas à oralidade. Sabemos de Carolina Maria de Jesus. A edição
talentos encontrem acolhimento para um pouco da vida nos morros e favelas primorosa da Veneta é mais um passo
seus projetos. O ilustrador João Pinheiro através do samba, da música popular. nessa caminhada.

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Celebrando o Recife Esses tempos mortos e iguais


Por LIELSON ZENI
assombrado A heart that’s full Você é Um Babaca, Bernardo, é um elemento que Lourenço
Por PAULO FLORO trata disso tudo: desses tempos entendeu que nos quadrinhos
up like a landfill mortos e iguais, mas que Alexandre só pode existir como espaço.
A job that Lourenço, autor de Robô Esmaga,
consegue nos mostrar que ali tem As nove janelas do começo
Q uando dirigia o jornal A Província, em 1929, o escritor
e sociólogo Gilberto Freyre pautou uma reportagem
sobre as assombrações e registros sobrenaturais do
slowly kills you motivo pra memória. desenvolvem rotinas de dias
diferentes, mas muito parecidos;

A nossa vida não é uma grande É uma relação entre vivência e quando vem uma página quase
Recife. O resultado foi uma série de matérias que foram
aventura. Os dias são uma tempo. Tempo sempre vai apagar toda branca, há compressão do
publicadas no periódico e que instigaram uma busca
corrente de rotinas com pequenas tudo, nem as rochas resistem, tempo e de percepções; quando
mais profunda e que mais tarde resultaram no livro
diferenças. Vez ou outra, um pico porque achamos que memórias uma imagem é quebrada em frente Você É Um
Assombrações do Recife Velho, de 1955.
de emoção: emprego novo, paixão, serão eternas? e verso, entendemos que o espaço Babaca, Bernardo
uma tarde com amigos. Seguem que separa os personagens é invencível.
Não era uma investigação vazia baseada em pura Alexandre S. Lourenço
daí diversos dias similares de Nessa vontade de nos salvar do
curiosidade do autor de Casa Grande & Senzala.
novo, até que as coisas maneiras tempo vem a escrita, o desenho Lourenço entendeu que o tempo não [Mino, 132 páginas,
O que Freyre fez foi resgatar um imaginário que
de antes virem triviais e nem e a expressão humana, por exemplo. consegue ser igual e nos convence 2016, R$ 58]
remonta à época do Império e que foi alimentado
nos lembramos mais. E o tempo, aquele de quem corremos, disso pela repetição.
através da tradição oral da população local. O Papa-
Figo, sobrados mal assombrados, o Boca-de-Ouro, Algumas
histórias que são alimentadas por gerações e que assombrações
são conhecidas por grande parte dos recifenses.
do Recife
Esse novo livro dos escritores André Balaio, André Balaio, Roberto
Roberto Beltrão e do desenhista Téo Pinheiro Beltrão e Téo Pinheiro

Colin e uma HQ legitimamente brasileira


adapta para os quadrinhos sete contos do livro [Global Editora, 74
de Freyre. Balaio e Beltrão, assim como Freyre,
páginas, R$ 49 / 2017]
são apaixonados por essa atmosfera de mistério
e terror que é parte da personalidade literária de
Recife. Eles mantém o site Recife Assombrado, que Por Paulo cecconi
publica HQs e contos com o tema e já lançaram a
HQ A Rasteira da Perna Cabeluda, onde resgatam

U
outra lenda fantasmagórica da cidade. Téo Pinheiro m pouco sobre Colin: ele no Brasil e não conseguiu. Tentou a natureza que nunca poderiam
segue como o principal colaborador dessa empreitada amava o Brasil, abominava publicar na Europa e não deu certo. ser confundidas com uma reles
e chega aqui com um traço mais sofisticado que os super-heróis estrangeiros e não Não só isso como, segundo o próprio tentativa de educação panfletária,
trabalhos anteriores lançados pelo grupo.
obteve o devido reconhecimento Colin, só recebeu de volta os originais Caraíba não é só um dos gibis
pelo seu trabalho em vida. Por isso, da primeira história. Tudo bem. mais lindos do autor, como um
A ambientação do Recife do início do século passado
a divulgação de suas obras ainda Também segundo ele, Caraíba é dos mais importantes.
funciona como um elemento importante na narrativa
é muito importante, e Caraíba um gibi para o público brasileiro.
uma vez que essas histórias estão intrinsecamente
faz parte da coleção. A edição da Desiderata traz
ligadas às transformações urbanas e sociais na
Caraíba era um caçador dos três histórias do projeto original
capital pernambucana. Com contos curtos, a
A natureza e o folclore brasileiro bons, conhecedor das matas, de Colin (dos anos 1980), em
adaptação fez uso de diálogos ligeiros e
eram temas recorrentes nos gibis que trabalhava para um traficante formato álbum, o que valoriza
poucos recordatórios e explicações,
do Colin, abordados em álbuns de peles. Um dia, encontra o Curupira a arte do autor, com painéis
ajudados pela narrativa de Pinheiro.
Fez falta um melhor trabalho de edição, como Mapinguari (Opera Graphica) e muda completamente de atitude. grandes e espaçosos, além de Caraíba
o que inclui um letreiramento que dialogasse e O Curupira (Pixel), mas é Caraíba, Vira o protetor da floresta amazônica. vários textos e curiosidades.
Flávio Colin
com o tema e ajustes na diagramação dos publicado pela Desiderata, cinco
anos após sua morte, um dos gibis Com a arte de Colin no auge O reconhecimento era algo [Desiderata, 120
balões, entre outros detalhes. Mas tais
falhas não chegam a comprometer a que mais merece destaque. de sua estilização, o costumeiro distante de Colin em vida. Eu páginas, 2007]
relevância do gibi. Uma obra importante impacto que causa, seu domínio adoraria que sua existência
para apresentar a tradição sobrenatural Caraíba representou muita luta e narrativo, a notória expressividade póstuma tivesse maior
recifense para novas audiências. decepção para Colin. Tentou publicar de seus desenhos e histórias sobre visibilidade.

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Lu Caffagi é quadrinista mineira. Lançou a HQ independente Mix Tape (2011) e é autora de Turma da Mônica - Laços
e Turma da Mônica - Lições (Panini), ao lado do irmão Vitor Caffagi e Quando Tudo Começou (Nemo), com roteiro de Bruna Vieira.

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Raoni Assis é artista plástico com diversas exposições individuais e um dos fundadores d’A Casa do Cachorro Preto,
em Olinda. Fez parte da coletânea independente Tô Miró, com adaptação da obra de Miró da Muribeca para as HQs.

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Renata Rinaldi é cartunista, ilustradora e quadrinista. É parte do coletivo Mandíbula, formada por autoras
brasileiras.
Publicou sua HQ D.A.D.A., com roteiro de Roberta Araújo, no selo Pagu, da plataforma Social Comics.
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João Lin é quadrinista e artista visual pernambucano com atuação em pintura, videoarte e intervenção urbana.
Foi um dos fundadores da Ragu, uma das mais importantes publicações de quadrinhos autorais do Brasil.
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SAIDEIRA

Caio Oliveira é quadrinista piauiense. É autor de Super-Ego, Panza e Alan Moore - Mago Supremo.
Veja mais HQs na página dele no Fb: facebook.com/caioscorner
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