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Capítulo 2 Comportamento dos consumidores em um contexto de serviços 61

diversas partes do gráfico. Embora admitamos que o nível de contato com o cliente cubra
um amplo espectro, é útil examinar as diferenças entre organizações nos extremos alto e
baixo, respectivamente.
Serviços de alto contato. A utilização de um serviço de alto contato acarreta uma intera-
ção por todo o processo de entrega do serviço entre os clientes e a empresa, seu pessoal e
seus elementos físicos. A exposição do cliente ao prestador de serviço assume uma natureza
física e tangível. Quando os clientes visitam o local onde se realiza o serviço, é como se en-
trassem em uma ‘fábrica’ de serviços, já que o serviço, na maioria das vezes, é produzido no
momento do consumo — uma visita que raramente ocorre em um ambiente industrial. Sob
esse ponto de vista, um hotel é uma fábrica de hospedagem, um hospital é uma fábrica de
tratamento de saúde, um avião é uma fábrica de transporte aéreo e um restaurante é uma
fábrica de serviço de alimentação. Como cada um desses setores foca o ‘processamento’ de
pessoas em vez de objetos inanimados, o desafio do marketing consiste em tornar a experiên-
cia atrativa aos clientes no que se refere tanto ao ambiente físico quanto a suas interações
com a equipe de atendimento. No curso da entrega de um serviço, geralmente os clientes
são expostos a muitas evidências físicas sobre a organização — a parte externa e a interna
de suas instalações, os equipamentos e a mobília, a aparência e o comportamento dos fun-
cionários e até dos demais clientes.
Serviços de baixo contato. Na extremidade oposta do espectro estão serviços que envol-
vem pouco, ou nenhum, contato físico entre clientes e provedores de serviços. Ao contrário,
o contato ocorre em momentos curtos e específicos, ou a distância por meio de canais de
distribuição físicos ou eletrônicos — uma tendência em acelerado crescimento na atual so-
ciedade voltada para a conveniência. Muitos serviços de alto e médio contato estão sendo
transformados em serviços de baixo contato, à medida que clientes adotam mais o autos-
serviço; realizam suas transações bancárias e de seguros por correspondência, telefone ou
e-mail e adquirem uma profusão de serviços baseados em informações visitando sites em
vez de lojas físicas. Ainda assim, as pessoas continuam sendo importantes mesmo nos casos
de baixo contato físico, porque elas são o backup dos sistemas — quando ele não prevê
uma situação ou falha no processo, é preciso que alguém intervenha para manter a entre-
ga e a qualidade do serviço. Esse contato pode ser mais curto, mas também mais crítico
para o sucesso.

Figura 2.8 Níveis de contato de clientes com empresas de serviço

Alto

Fast-Food o

Baixo

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62 Marketing de serviços

O sistema servuction
Os pesquisadores franceses Pierre Eiglier e Eric Langeard foram os primeiros a concei-
tualizar o negócio de serviços dentro da teoria de sistemas, como um sistema que integra
marketing, operações e clientes. Eles cunharam o termo sistema servuction (combinando os
termos service e production) para descrever o conjunto composto de parte do ambiente físico
de uma empresa de serviço que é visível aos clientes e das partes que, mesmo não visíveis,
contribuem para sua experiência.11 Pierre e Eric veem a produção e experimentam o serviço
em sua frente, e são afetados pela qualidade do suporte das áreas não visíveis.
Os consumidores compram um serviço por seu pacote de benefícios ou valor. Em mui-
tos casos, o valor de um serviço deriva da experiência criada para o cliente. O modelo ser-
vuction mostra, na Figura 2.9, todas as interações que, juntas, compõem uma experiência de
serviço característica de um serviço, em particular o de alto contato. Os clientes interagem
com o ambiente de serviço, os funcionários e até mesmo outros clientes presentes durante o
encontro de serviço. Os funcionários também participam dos bastidores, que o cliente não
vê, mas cujo trabalho gera o impacto sentido na qualidade do serviço oferecido. Cada tipo
de interação na parte visível ou suporte na área invisível pode criar valor (por exemplo, um
ambiente agradável, funcionários cordiais e competentes e outros clientes que são interes-
santes de observar) ou destruir valor (por exemplo, outro espectador bloqueando sua visão
em um cinema ou uma sala que não foi limpa depois da sessão anterior). As empresas têm de
projetar todas as interações para certificarem-se de que seus clientes obtenham a experiên-
cia de serviço desejada.
O sistema servuction consiste de um núcleo técnico invisível para o cliente e um sistema
de entrega de serviço visível para o cliente e experimentado por ele.
Núcleo técnico — onde os insumos são processados e os elementos do serviço
são criados. Esse núcleo técnico costuma ocorrer nos bastidores e ser invisível ao
cliente (pense, por exemplo, na cozinha de um restaurante). Como em um teatro,
os componentes visíveis são denominados 'cenário' ou 'linha de frente', ao passo
que os invisíveis são chamados de ‘bastidores’ ou ‘pessoal de apoio'.12 O que ocorre
nos bastidores geralmente não interessa aos clientes, mas, se afetar a qualidade
das atividades de linha de frente, poderá ser notado por eles. Por exemplo, se uma
cozinha entrega os pedidos errados, os clientes ficarão contrariados.
Sistema de entrega de serviço — onde a ‘montagem’ final ocorre e o produto é en-
tregue ao cliente. Esse subsistema inclui a parte visível do sistema operacional do
serviço — instalações, equipamento e pessoal — e outros clientes que possam estar
presentes. Usando a analogia teatral, a linha de frente visível é como o palco de uma
peça de teatro em que encenamos a experiência do serviço para nossos clientes.

Figura 2.9 O modelo servuction

Sistema de entrega de serviço

Sistema de operações de serviço


Cliente A
Ambiente
inanimado
Núcleo técnico
Pessoal
de contato
Cliente B
Bastidores Cenário
(invisível) (visível)

Fonte: Adaptado e expandido de um conceito original de Pierre Eiglier e Eric Langeard.12

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Capítulo 2 Comportamento dos consumidores em um contexto de serviços 63

A parcela da operação geral do serviço que é visível aos clientes varia de acordo com
o nível de contato com eles. Quando o contato é rápido, ele tende a perceber menos o am-
biente de serviço. Como os serviços de alto contato afetam diretamente a pessoa física do
cliente, o componente visível de todas as operações do serviço tende a ser significativo, e
muitas interações — ou 'horas da verdade' — acontecem e devem ser administradas. Em
contraste, os serviços de baixo contato geralmente têm a maior parte do sistema opera-
cional nos bastidores, com elementos de linha de frente limitados a correspondências e
contatos telefônicos. Nesse caso, os clientes costumam não ver a ‘fábrica’ em que o traba-
lho é executado, tornando o projeto e a administração dessas instalações mais fáceis. Por
exemplo, os clientes de cartões de crédito podem nunca ter de visitar uma agência bancá-
ria — eles só falam com o prestador de serviço por telefone, se houver algum problema,
e há pouca oportunidade para uma ‘encenação’ teatral. Ainda assim, quando os contatos
acontecem, eles tendem a ser mais críticos do que o normal, já que não são rotineiros, e o
pessoal de contato deve estar mais bem preparado para atender a tais eventos de forma
satisfatória.
Exploraremos em profundidade os três componentes principais do sistema de entre-
ga de serviço em profundidade mais adiante neste livro. O Capítulo 7 foca em educar os
clientes sobre como passar pelo processo de entrega de serviço de modo a desempenhar seu
papel na execução do serviço, o Capítulo 10 discute o processo de engenharia do ambien-
te de serviço e o Capítulo 11 aborda como administrar os funcionários de serviços. Estes
três itens — processos, paisagem de serviço e pessoas — são os componentes adicionais
fundamentais para a estratégia de marketing, que irão compor os elementos adicionais da
estratégia de marketing de serviços, a qual será estudada ao longo deste livro.

Teatro como metáfora da entrega de serviço:


uma perspectiva integrativa
Visto que a entrega de serviço consiste em uma série de eventos que os clientes viven-
ciam sob a forma de um desempenho (ou atuação), o teatro é uma boa metáfora para serviços
e a criação de experiências de serviço por meio do sistema servuction.14 Essa abordagem é
particularmente útil para prestadores de serviço de alto contato, como médicos e hotéis, e
também para empresas que atendem a muitas pessoas simultaneamente, como arenas para
esportes profissionais, hospitais e centros de entretenimento. Vamos discutir o palco (isto é,
as instalações dos serviços) e o elenco (o pessoal de linha de frente).
Instalações de serviços. Imagine as instalações de serviços como um palco onde
uma peça teatral se desenrola. Às vezes, o cenário muda de um ato para o outro
(por exemplo, quando os passageiros de um avião passam da entrada do terminal
para os balcões de check-in e depois seguem para o portão de embarque até, por
fim, entrarem no avião). Alguns palcos têm poucos ‘objetos de cena’, como um táxi,
enquanto outros apresentam ‘objetos de cena’ elaborados, como hotéis de luxo,
que têm sofisticada arquitetura, decoração e paisagismo.
Pessoal. Os funcionários de linha de frente são como os componentes de um
elenco, desempenhando papéis como os de atores em uma peça e contando com
o apoio de uma equipe de produção nos bastidores. Em alguns casos, espera-se
que o pessoal de serviço use trajes especiais quando em cena (como os uniformes
extravagantes usados por porteiros de hotéis ou os básicos amarelo e azul usados
pelos entregadores dos Correios), caso em que a escolha do modelo e das cores
do uniforme é cuidadosamente integrada com outros elementos do projeto visual
corporativo. Os funcionários de linha de frente devem se adequar a um padrão
de vestimenta e aparência (como a regra da Disney que determina que seus fun-
cionários não podem usar barba, a menos que seja exigido por seus papéis).
A metáfora do teatro também inclui os papéis dos atores no palco e os roteiros que eles
devem seguir, conforme discutiremos adiante.

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64 Marketing de serviços

Teorias de papéis e roteiro


O modelo servuction é estático e descreve um único encontro de serviço, ou uma
única hora da verdade. No entanto, os processos de serviço geralmente se compõem de
uma série de encontros, como suas experiências em uma viagem aérea, desde a reserva
até o check-in, o voo e a recuperação da bagagem no destino. Como atores de teatro, as or-
ganizações devem conhecer as teorias de papéis e roteiro para melhor entender, projetar
e administrar tanto os comportamentos dos funcionários quanto os dos clientes durante
os encontros de serviço.
Teoria de papéis. Se analisarmos a entrega de serviço do ponto de vista teatral, tanto os
funcionários quanto os clientes atuam na peça de acordo com papéis predeterminados.
Stephen Grove e Ray Fisk definem um papel como:
[...] um conjunto de padrões de comportamento, aprendidos por meio da
experiência e da comunicação, a serem desempenhados por um indiví-
duo em determinada interação social, a fim de atingir eficiência máxima
na realização de metas.15
Papéis também já foram definidos como combinações de evidências sociais, ou expec-
tativas da sociedade, que orientam o comportamento em um cenário ou contexto espe-
cífico.16 Nos encontros de serviço, funcionários e clientes têm de desempenhar papéis. A
satisfação e a produtividade de ambas as partes dependem da coerência dos papéis ou da
intensidade com que cada pessoa representa o papel que lhe foi designado durante um
encontro de serviço. Os funcionários devem desempenhar seus papéis em relação às expec-
tativas dos clientes, sob pena de deixá-los insatisfeitos. E um cliente, por sua vez, também
deve ‘agir conforme as regras’ ou poderá causar problemas à empresa, a seus funcionários
e até a outros clientes e, principalmente, prejudicar a qualidade do serviço que vai receber.
Teoria de roteiro. Assim como um roteiro de cinema, o de serviço especifica as sequên-
cias de comportamento que funcionários e clientes devem aprender e seguir durante a en-
trega. Funcionários recebem treinamento formal, ao passo que clientes assimilam roteiros
por experiência, comunicação com outros e padrões de comunicação e educação.17 Quanto
mais experiência um cliente tiver com um fornecedor de serviço, mais familiarizado ficará
com seu roteiro em particular. A falta de disposição de aprender um novo roteiro pode ser
o motivo por que ele não substitui uma empresa por outra. Qualquer desvio desse roteiro
conhecido, que não adicione claramente valor, pode frustrar tanto clientes quantos fun-
cionários e levar à insatisfação. Se uma empresa decide mudar um roteiro de serviço (por
exemplo, usando a tecnologia para transformar um serviço de alto contato em baixo), a
equipe de atendimento e os consumidores devem ser instruídos sobre o novo método e os
benefícios que proporciona.
Muitos serviços seguem roteiros rígidos (pense no estilo formal de serviço em restau-
rantes requintados), que reduzem a variabilidade e garantem uma qualidade uniforme.
Entretanto, nem todos os serviços envolvem desempenhos estritos. Os roteiros tendem a
ser mais flexíveis para provedores de serviços altamente customizados — como designers,
educadores, consultores — e podem variar de acordo com a situação e o cliente, oferecendo
oportunidades de o funcionário utilizar seu julgamento, sua competência e experiência na
produção do serviço voltado a um cliente específico.
Dependendo da natureza de seu trabalho, os funcionários podem ter de aprender e
repetir textos específicos, que variam de anúncios em vários idiomas em um local que atraia
um público diversificado a discursos de venda ensaiados (pense só no último atendente de
telemarketing que ligou para você) ou uma saudação de despedida como “Tenha um bom
dia!”. Tal como no teatro, é comum as empresas usarem o roteiro para definir o compor-
tamento dos atores, assim como aquilo que dizem — contato visual, sorrisos e apertos de
mão também são necessários, em complemento a uma saudação verbal. Mesmo em contato
pelo telefone, a postura e o tom de voz são importantes, o que algumas empresas chamam
de “sorrir ao telefone”. Outras regras de conduta bem aceitas por muitos clientes podem
incluir proibição de fumar, comer, beber, mascar chiclete ou usar telefone celular durante o
expediente.
A Figura 2.10 mostra o roteiro de uma consulta odontológica simples envolvendo três
partes — o paciente, a recepcionista e o dentista. Cada um tem um papel específico a de-
sempenhar, refletindo o que trazem para o encontro. O papel do cliente (que provavelmente

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Figura 2.10 Roteiro para uma consulta odontológica

Paciente Recepcionista Dentista


1. Telefona para marcar uma
consulta.
2. Confirma as necessidades do paciente
e agenda uma consulta.
3. Chega ao consultório.
4. Cumprimenta o paciente, confirma
o propósito da consulta, encaminha o
paciente para a sala de espera e avisa ao
dentista sobre sua chegada.
5. Examina as anotações sobre o
paciente.
6. Senta-se na sala de espera.
7. Cumprimenta o paciente e leva-o para
a sala de tratamento.
8. Entra na sala e senta-se na
cadeira.
9. Verifica o histórico médico e dental
e pergunta sobre ocorrências desde a
última consulta.
10. Responde às perguntas do
dentista.
11. Coloca a toalha de proteção sobre o
tórax do paciente.
12. Baixa a cadeira, coloca a máscara, as
luvas e os óculos de proteção.
13. Examina os dentes do paciente
(opcionalmente, faz perguntas).
14. Coloca o sugador de saliva na boca
do paciente.
15. Utiliza equipamento de alta
velocidade e ferramentas manuais para
limpar os dentes em sequência.
16. Remove o sugador, completa o
processo de higienização.
17. Levanta a cadeira, pede ao paciente
para enxaguar a boca.
18. Enxágua a boca.
19. Remove e descarta a máscara e as
luvas e retira os óculos.
20. Completa as anotações sobre o
tratamento, devolve a ficha do paciente à
recepcionista.
21. Remove a toalha que cobre o
paciente.
22. Dá ao paciente uma escova de
dentes como cortesia, explica a melhor
forma de ser usada e faz recomendações
para cuidados futuros.
23. Levanta-se da cadeira.
24. Agradece ao paciente e despede-se.
25. Deixa a sala de tratamento.
26. Cumprimenta o paciente, confirma o
tratamento recebido, apresenta a conta.
27. Paga a conta.
28. Fornece o recibo, combina a data
da próxima consulta e marca a data
combinada em um cartão.
29. Pega o cartão de
agendamento.
30. Agradece ao paciente e despede-se.
31. Sai do consultório.

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