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Uma questão que perpassa pela vida dos agentes públicos, sejam funcionários,

servidores ou ainda agentes políticos é se os atos por ele praticados na vida privada
podem ensejar a aplicação de sanções administrativas. Para responder isso, deve-se
examinar a finalidade de um processo disciplinar.
A professora ODETE MEDAUAR ensina que: "O regime disciplinar visa a assegurar a
responsabilização dos agentes públicos por faltas funcionais, isto é, infrações que
resultam de inobservância de deveres vinculados às atribuições do cargo, função ou
emprego. (...). O vínculo ao exercício do cargo, função ou emprego norteia, por
conseguinte, a caracterização das infrações passíveis de sanções disciplinares".1
E, de acordo com o STF, "na aferição da responsabilidade administrativa é de se levar
em consideração os fatos vinculados à atividade funcional do servidor público".2 Isso
porque a finalidade do processo disciplinar não é castigar o infrator, ou realizar a
justiça, mas sim examinar a existência de um ilícito administrativo3 diante de uma
infração funcional.
Logo, pode-se concluir que a instauração de processo administrativo disciplinar ocorre
em duas hipóteses: i) quando há vinculação entre o fato e a função pública; ii) quando
o fato foi praticado no exercício da função.
Por sua vez, quando o fato não foi praticado no exercício da função e não há
vinculação com a função, a responsabilização disciplinar se torna exceção. É o que diz
o Manual de Processo Administrativo da Controladoria-Geral da União "a repercussão
disciplinar dos atos cometidos pelo servidor em sua vida privada é uma exceção".4
Assim, por ser uma exceção, a investigação de um fato da vida privada de um agente
público tem certas exigências. Nesses casos, deve haver "um comportamento privado,
desconectado do exercício das funções públicas, representativo de grave
impossibilidade de o agente exercer essas mesmas funções".5 Logo, para o
processamento de um processo disciplinar nessas situações é imprescindível que tal
fato afete de modo significativo a vida pública. É o entendimento dos Tribunais.6
E no caso de magistrados e promotores, que possuem prerrogativas e sujeições
especiais, essa situação se modifica? Sobre o tema, FÁBIO MEDINA OSÓRIO ensina:
"É certo que mesmo membros do Ministério Público e da Magistratura, para ficarmos
com as categorias mais exigidas historicamente, podem cometer ilicitudes, no campo
de suas vidas particulares, que não mereçam sanções administrativas, mas sim, no
máximo, sancionamentos de outros ramos jurídicos e de outras espécie (...) "Uma
determinada função pública pode exigir requisitos de ilibada conduta privada, desde
que as exigências guardem vinculação racional, razoável e proporcional com a
dignidade das funções."7
Ou seja, nessas carreiras, que exigem conduta pública e privada irrepreensível, deve-
se observar se exigência guarda vinculação racional, razoável e proporcional com a
dignidade das funções. Caso contrário, estar-se-á desvirtuando da finalidade de um
processo disciplinar.

Os agentes públicos submetem-se a um regime jurídico mais severo do que trabalhadores


de empresas particulares, mas não parece viável pautar completamente sua conduta
privada em função de sua atividade pública. Por essa razão, na esteira do pensamento de
Fábio Medina Osório (Teoria da improbidade administrativa, 2007, p. 87), a ilicitude
produzida pelo agente público em atos da vida privada deve ser daquelas qualificadas pelo
direito público e relacionadas, ainda que indiretamente, às suas funções. Caso contrário
não há porque estender a investigação e eventual punição criminal à esfera administrativa,
sob pena de se produzir um constrangimento ilícito ao servidor por falta de justa causa
para instauração de procedimento disciplinar.
Por isso, pode-se concluir que a instauração de processo administrativo contra
agentes públicos acerca de atos de sua vida privada que careçam de vinculação
razoável com a função pública é causa de nulidade.

Exercício arbitrário das próprias razões


Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer
pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite:

Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da


pena correspondente à violência.

Parágrafo único - Se não há emprego de violência, somente se


procede mediante queixa.

A conduta típica se apresenta pela expressão “fazer justiça


pelas próprias mãos", que equivale a exercer arbitrariamente
sua pretensão, sem buscar a via judicial adequada. Ou seja, o
agente, ao invés de buscar a tutela jurisdicional, emprega a
autotutela, fazendo por conta própria aquilo que entende por
justiça.
Trata-se de crime formal, sendo a ação penal, em regra,
privada, podendo ser pública apenas se houver emprego de
violência contra a pessoa. A pena é de detenção, de quinze dias
a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.
É um crime acessório, pois o texto legal expressamente prevê a
possibilidade de constituir-se fato mais grave. Se a lei permitir
a satisfação da pretensão pelas próprias mãos do agente, não
existirá o crime como, por exemplo, na hipótese do
art. 1.210 do Código Civil:

Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em


caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de
violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.

§ 1o O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou


restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo;
os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do
indispensável à manutenção, ou restituição da posse.

1 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 19ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2015, p. 36.
2 STF, RE 458555, Rel. Min. Cezar Peluso, julgado em 09/07/2009, publicado em DJe-
151 DIVULG 12/08/20 09 PUBLIC 13/08/2009.

3 STOCO, Rui. Processo Administrativo Disciplinar. Processo Disciplinar na


Administração Pública, no Conselho Nacional de Justiça e nos Tribunais. São Paulo,
Revistas dos Tribunais, 2015, p.57.

4 CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Manual de Processo Administrativo


Disciplinar. Disponível em: <clique aqui> . Acesso em: 17/02/17.

5 OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. 3ª Ed. São Paulo:


Revista dos Tribunais, 2009. p. 255. Destaques nossos.

6 TJ-SC - MS: 445366 SC 2009.044536-6, Relator: Newton Trisotto, Data de


Julgamento: 08/10/2010, Primeira Câmara de Direito Público, Data de Publicação:
Apelação Cível em Mandado de Segurança n., de Capinzal).

7 OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. 3ª Ed. São Paulo:


Revista dos Tribunais, 2009. p. 251/253. Destaques nossos.

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