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às diferenças
Resumo: Este artigo pretende refletir sobre as contribuições da ludicidade, entendida aqui,
como jogos e brincadeiras, no processo da formação de conceitos e na aquisição dos
conhecimentos escolares. Em relação à metodologia, trata-se de uma pesquisa qualitativa,
de caráter teórico-prática, durante o ano de 2008, no Colégio Estadual Dr. José Gerardo
Braga. Como procedimento metodológico foi realizada a intervenção pedagógica por meio
de seis encontros/oficinas junto a um grupo de sete professores da área de educação
especial que atendem alunos com dificuldades de aprendizagem. Num primeiro momento,
os professores participaram de palestras e grupos de estudos para compreenderem
a ludicidade com base na teoria Histórico-Cultural. E, num segundo momento,
confeccionaram e desenvolveram atividades que culminaram na produção de material
didático, registradas em DVD. Os resultados deste trabalho demonstraram que as
atividades lúdicas realmente são significativas no fazer pedagógico. Após a utilização dos
jogos matemáticos de forma sistematizada e mediada, os professores relataram que os
alunos tiveram uma evolução dos conceitos matemáticos e compreenderam melhor o
significado das operações. Os depoimentos ainda apontam mudanças significativas na
postura profissional, pois passaram a utilizar os jogos com mais frequência no cotidiano
escolar, contribuindo na interação professor/aluno/aluno. Portanto, a aprendizagem tem
um caráter social e se constitui à medida que o sujeito interage nesse contexto cultural, no
movimento dialético entre os que buscam apreender um ensino de qualidade com o intuito
de socializar o conhecimento historicamente acumulado.
1 Professora PDE 2008. Professora Especialista da Rede Pública do Estado do Paraná – Educação Especial: Sala de Recursos e Apoio à
Comunicação no Colégio Estadual Dr. José Gerardo Braga de Maringá - PR.
2 Orientadora do PDE. Doutora em Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano USP/SP. Coordenadora do Curso de Pedagogia,
Professora da área de Psicologia da Educação, Departamento de Educação da UEM (Universidade Estadual de Maringá), PR.
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didactic material that was recorded on DVD. The results of this study showed that playful
activities are really pedagogically significant. After the use of mathematical games in a
systematic and mediated form, the teachers reported that students appropriated the
mathematical concepts and understood better the meaning of operations. The statements
also show significant changes in professional attitude, since they started using these games
more often in their daily school life, contributing to the teacher / student / student
interaction. Therefore, learning has a social character and it is built as the individual
interacts in this cultural context, in the dialectic movement between those who seek to
learn a quality education in order to socialize the knowledge historically accumulated.
Keywords: Special Education, Playfulness, Mathematical Games.
Introdução
O Censo Escolar realizado pelo MEC/INEP – 2008, mostra que 54% dos alunos
que necessitam de atendimento educacional especializado estão matriculados em escolas e
classes comuns do ensino regular, atendendo a leis, planos e normas de uma proposta de
educação inclusiva. Há dez anos esse índice era de apenas 16,9%. Segundo o MEC (2008),
esses dados revelam a transformação que está ocorrendo na gestão das escolas brasileiras, e
que os sistemas educacionais têm buscado a efetivação da garantia do direito à educação
enquanto um direito humano e constitucional.
Por outro lado, as leis não garantem que as escolas estejam desenvolvendo um
contexto inclusivo. Para Carvalho (2000) a educação inclusiva começa pela nossa
disposição em deslocar o foco “especial” ligado ao aluno para a visão “especial” do papel
da educação em promover uma prática pedagógica vinculada à aprendizagem e
participação de todos os alunos. Já é consenso: não basta abrir os portões escolares e
esperar que esse aluno supere suas necessidades, integre-se às condições oferecidas pela
escola e assim garanta sua permanência e sucesso escolar. Para haver uma inclusão com
responsabilidade e dignidade são necessários investimentos e adaptações da escola no
intuito de atender e corresponder, da melhor forma possível, às necessidades educacionais
especiais de todos os alunos que nela se encontram.
Essas adequações vão desde a estrutura física do espaço até mudanças na proposta
curricular, nas metodologias e estratégias de ensino, que se respaldam numa ação ainda
maior: atender as necessidades apresentadas pelos alunos, direcionando-os para suas
possibilidades de aprendizagem e desenvolvimento. Como destaca Rocha (2002, p. 68): “a
escola só será inclusiva quando souber lidar com a diversidade na unidade; quando
souber trabalhar pedagogicamente com as diferenças e não tentar homogeneizá-las”.
Considerando o contexto das escolas de ensino regular, nem todos aqueles que
apresentam necessidades educativas especiais são pessoas com deficiência. Há casos de
alunos com problemas e dificuldades no processo de aprendizagem, que engrossam a lista
do famigerado “fracasso escolar”, decorrentes de uma variedade de fatores, muitas das
vezes, ligados às condições socioeconômicas e/ou pedagógicas desfavoráveis. O
paradigma da inclusão é mais abrangente, como nos diz Karagiannis (1999, p.21) “... o
ensino inclusivo é a prática da inclusão de todos – independente de seu talento,
deficiência, origem socioeconômica ou origem cultural”.
Neste contexto, nós professores que buscamos desenvolver um trabalho a partir do
princípio da educação inclusiva e atendemos esses alunos, tanto no ensino especial, como
no ensino regular, temos convivido com as dificuldades apresentadas por muitos deles ao
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A cultura lúdica nos reporta à polissemia dos termos jogo, brinquedo e brincadeira.
Neste artigo, o termo “brinquedo” é tomado como objeto, suporte de brincadeira; esta pode
ser entendida como uma atividade estruturada com regras implícitas ou explícitas e o
“jogo” como objeto que possui regras explìcitas e como atividade, ou seja, sinônimo de
brincadeira. Consideramos então, o jogo e o brinquedo como suportes materiais para a
brincadeira.
Para compreendermos esses aspectos lúdicos, retomamos grandes pensadores e
estudiosos que ao longo da história nos mostram a importância do brincar na vida das
pessoas, criando e estabelecendo uma relação aberta com a cultura e, como a arte, vai além
e pode transcender o real.
Os estudos de Kishimoto (2002, p. 61-63), nos mostram que muitos educadores
reconhecem a importância educativa do jogo: Platão, em As Leis (1948) refere-se à
importância de “aprender brincando”. E ainda nos alerta com a seguinte frase: É possìvel
descobrir mais sobre uma pessoa numa hora de brincadeira do que num ano de conversa.
No entanto, nos estudos de outros pensadores como Aristóteles, Sócrates e Tomás de
Aquino, o jogo é visto como recreação, relaxamento do corpo, da mente e do espírito,
atividade oposta ao trabalho. Na Idade Média, com a forte influência do Cristianismo, o
jogo é considerado como delito (jogo de azar). Já no século XVI e XVII, a duplicidade
quanto às concepções dos adultos sobre a criança (o bem e o mal) e uma atitude moral
contraditória com relação aos jogos e brincadeiras. Tais atividades, por um lado, serviam
quase que unicamente para distrair as crianças e, por outro, eram recriminadas, associando
o brincar aos prazeres carnais e ao vício.
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comportamento não somente pela percepção imediata dos objetos ou pela situação que a
afeta de imediato, mas também pelo significado dessa situação (VYGOTSKY, 2002, p.
127). É neste processo que a criança resgata situações vividas, busca na memória
comportamentos conhecidos, e vive no mundo imaginário as regras da vida socialmente
estabelecidas. Conforme a brincadeira se desenvolve, propicia estruturas básicas para
mudanças relacionadas ao desenvolvimento da criança, de acordo com suas necessidades,
possibilitando nova atuação em relação ao real.
Leontiev (1998) analisa a ZDP e enfatiza o brincar como uma atividade que
favorece a zona de desenvolvimento proximal, e, permite mudanças no desenvolvimento
das funções psicológicas que resultam em ações mentais mais complexas. Para Leontiev,
as características da atividade lúdica são: a) o jogo tem um fim em si mesmo; b) o jogo
exige a liberdade de ação; c) todo jogo tem regras implícitas ou explícitas; jogar é uma
atividade consciente; d) o conteúdo da brincadeira provém da realidade social; e) a
situação imaginária resulta da substituição de significados dos objetos; f) a brincadeira é
uma atividade que pode ser generalizada; g) o jogo é a concretização de uma situação que a
criança não pode desempenhar na realidade.
Assim, a função didática do jogo está na possibilidade do desenvolvimento
cognitivo por dois motivos: o de permitir avanços além do desenvolvimento efetivo da
criança e o fato de que o processo do jogo é mais importante que o resultado. O tipo de
jogo praticado pelo sujeito percorre o caminho das habilidades que necessita construir em
seu desenvolvimento.
Ao compreender e seguir uma ordem crescente de complexidade possibilita-lhe
uma interação, cada vez mais, de forma autônoma, assim “a evolução do jogo prepara
para a transição a uma fase nova, superior, do desenvolvimento psíquico, a transição para
um novo período evolutivo” (ELKONIN, 1998, p. 421). Afirma, compartilhando com
Vygotsky sobre a evolução da atividade lúdica, que os jogos de faz-de-conta “... são
transformados em jogos com regras nos quais a situação imaginária e o papel estão
contidos em forma latente” (Ibid. p. 138). Em uma etapa posterior conduz a criança aos
jogos com regras, em que são estabelecidos objetivos e ações visando a atingi-los, que para
Vygotsky “... são uma espécie de escola superior de brincadeiras. Eles organizam as
formas superiores do comportamento” (VYGOTSKY, 2003, p.105).
Em relação ao desenvolvimento das estruturas psicológicas, Lílian Montibeller,
também nos esclarece um pouco o papel do jogo neste desenvolvimento dos sujeitos,
ressaltando a importância da interação e, sendo estas relações afetivo-emocionais,
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o científico percorre o caminho inverso. Por isso um conceito que se pretenda trabalhar,
requer sempre um grau de experiência anterior para a criança.
Os conceitos científicos com seus sistemas hierárquicos de interrelações
constituem, para Vygtsky, o meio no qual a consciência reflexiva se desenvolve. Assim,
ele identifica dois momentos no decurso de desenvolvimento das funções psicointelectuais
superiores: “a primeira vez, nas atividades coletivas, nas atividades sociais, ou seja, como
funções interpsíquicas; a segunda, nas atividades individuais, como propriedades internas
do pensamento da criança, ou seja, como funções intrapsíquicas” (VYGTSKY, 1993,
p.114).
Desse modo, o pensamento, o desenvolvimento mental, a capacidade de formar
conceitos, conhecer o mundo e de nele atuar são uma construção social, que depende de
processos de internalização. O desenvolvimento humano, enquanto processo sócio-
histórico, enfatiza a função da escola e o papel do professor como mediador na zona de
desenvolvimento proximal da criança. Pois a escola é o lugar onde as atividades
pedagógicas intencionais desencadeiam o processo de ensino-aprendizagem, possibilitando
a formação de conceitos. A partir dessas considerações, percebemos que a aprendizagem
possui uma natureza diferente quando acontece dentro da escola em relação à situação
externa à escola, entretanto, a realidade da sala de aula apresenta uma série de situações em
que as crianças, muitas vezes, apresentam dificuldades para entender e aplicar os conceitos
são facilmente apreendidos e utilizados no contexto de atividades cotidianas.
Sobre essa questão, pensamos ser um obstáculo para uma aprendizagem
significativa, mas Vygotsky nos responde que na formação dos conceitos científicos é
fundamental a mediação pedagógica, pois a ação do professor direciona a organização de
conteúdos de modo a permitir ao aluno o exercício de seus processos mentais,
proporcionando-lhe novos níveis de desenvolvimento das capacidades intelectuais. Para
ele a “experiência pedagógica nos ensina que o ensino direto de conceitos sempre se
mostra (...) pedagogicamente estéril. (...) a criança não assimila o conceito, mas a
palavra, capta mais de memória que de pensamento e sente-se impotente diante de
qualquer tentativa de emprego consciente do conhecimento assimilado (VYGOTSKY,
2001, p. 247).
No tópico anterior, este autor pontua sobre a importância dos jogos para o
desenvolvimento mental das crianças. O uso de jogos contribui para que os conteúdos
ganhem significado, como conseqüência natural da atividade desenvolvida pelo aluno e, o
mais importante, cria situações pedagógicas que lhe permite visualizar os princípios
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fundamentais das operações, dos conteúdos escolares. Todo jogo apresenta uma situação
problema que deve ser resolvida para se chegar a um objetivo. Ele possibilita
redimensionar a questão do erro, estimulando a exploração e a solução de problemas:
levantar hipóteses, testá-las, poder voltar atrás e refazer a trajetória, o que não é possível
quando se pauta apenas em raciocínios simbólicos e formais; neste momento, provoca o
desenvolvimento cognitivo e futuras aprendizagens.
Convém destacar o trabalho de Moura (2000) intitulado “A séria busca no jogo: do
lúdico na matemática”, o qual nos remete para uma reflexão acerca do papel do jogo
enquanto elemento cultural que integra a formação de conceitos. A criança aprende e
desenvolve suas estruturas cognitivas ao lidar com o jogo de regras que está impregnado de
aprendizagem e permite a compreensão de conhecimentos veiculados socialmente,
subsidiando a criança com novos elementos para apropriar-se dos conhecimentos.
estimulando-a para pensamentos mais elaborados: relacionar, refletir e propor soluções aos
problemas que lhe são apresentados.
Não temos a intenção de exaltar esta prática em detrimento de outras que também
se fazem necessárias para o aluno sistematizar o seu conhecimento, nem tanto induzir o
professor a utilizar jogos todos os dias; eles devem estar presentes no planejamento do
professor sempre que se mostrarem eficazes para auxiliar a aprendizagem de conteúdos e o
desenvolvimento integral do educando. Muitos jogos ajudam o aluno a abstrair e formar
conceitos que não conseguiria por métodos tradicionais. O ensinar a divisão por meio de
um jogo como o “Bingo da Divisão”, que permite ao aluno manusear objetos, repartir,
conferir resultados e ainda ter a possibilidade de "ganhar", é mais estimulante e motivador
para ele. Quando gostamos do que fazemos, aprendemos melhor. A partir do momento que
o aluno entendeu, será capaz de realizar outras atividades de ensino.
Compreendemos que no processo ensino/aprendizagem, o professor saber o
conteúdo e tão importante quanto a sua capacidade em “... traduzir os conteúdos da
aprendizagem em procedimentos de aprendizagem, isto é, em uma sequência de operações
mentais que ele procure compreender e instituir na sala de aula” (MEIRIEU, 1998, p.
117).
A Intervenção pedagógica foi realizada no primeiro semestre de 2009, por meio de seis
encontros/oficinas com um grupo de professores da escola que atuam no ensino especial e
regular. Nos encontros priorizamos os apontamentos teóricos de autores e especialistas,
como Vygotsky e seus seguidores, Elkonin, Leontiev e Luria, dentre outros. Textos estes,
que também compõem a literatura que fundamenta nossa pesquisa, e, que, apontam a
relevante contribuição dos jogos e brincadeiras, nos processos de desenvolvimento das
funções psicológicas superiores, e, a importância do professor como mediador nesse
processo.
No primeiro encontro fizemos uma breve sondagem por meio de um questionário
para verificar qual a posição do professor em relação ao lúdico. Destacamos algumas
considerações do grupo pertinentes a temática sobre o brincar na infância. Os professores
relembraram as brincadeiras de casinha, boneca, “fazer comidinha” e as brincadeiras de
rua, no esconde-esconde, no jogo de bola, na “queima”, no passa-anel e outros, que
retratam os tipos de brincadeiras da época. Hoje, dificilmente encontramos crianças
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Considerações finais
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Delachaux et Nestlié, 1978.
IDE, Sahda M. O jogo e o fracasso escolar. In: Kishimoto T. M. (Org). Jogo, brinquedo,
brincadeira e a educação. 2. Ed. São Paulo: Cortez, 1997, p. 89-104.
KISHIMOTO, Tizuko M. (Org). O Brincar e suas teorias. São Paulo: Pioneira Thomson
Learning, 2002.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez,
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SHIMAZAKI, E. M.; PACHECO, E. P. Matemática para alunos com retardo mental, por
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