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Nadja F.G. Serrano, Eduardo X.F.G.

Migon

Nova Bioameaça: implicações locais e globais do coronavírus-nCoV

Uma bioameaça está associada ao uso intencional (i.e., num incidente) ou não (i.e., num
acidente) de um agente biológico patogênico (especialmente bactérias e vírus) que pode resultar
em graves consequências para seres humanos ou outras espécies vivas, tais como o coronavírus.
Infecções por este agente patogênico em humanos foram primeiramente descritas em 1937,
embora o relato de processos infecciosos em outras espécies animais date de períodos anteriores.
Mais recentemente, de acordo com estudo publicado na revista The Lancet, no início de
dezembro de 2019, pacientes hospitalizados com sintomas respiratórios graves apresentaram
ligação epidemiológica com o mercado de frutos do mar Huanan, localizado em Wuhan (capital
da província de Hubei). O agente patogênico responsável pelo surto de doença em Wuhan é um
novo coronavírus (n-CoV), o qual não havia sido previamente identificado em humanos. A
análise do sequenciamento gênico do n-CoV indicou alta similaridade com o SARS-coronavírus
(Síndrome Respiratória Aguda Severa) isolado de morcego em 2015, com mutação na
glicoproteína de superfície (spike glycoprotein) e proteína do nucleocapsídeo. Esta mutação
provavelmente confere a habilidade em infectar humanos. A infecção provocada pelo n-CoV foi
intitulada Covid-19, tendo sido declarada como emergência global pela Organização Mundial de
Saúde em 30 de janeiro de 2020.
Desde o início do surto o número de casos tem crescido exponencialmente, de acordo com
dados da Comissão Nacional de Saúde Chinesa. Uma nova metodologia passou a ser adotada na
China, mais especificamente em Hubei, para casos suspeitos, que passou a incluir diagnósticos
clínicos - relatórios dos sintomas apoiados com exames de imagem como radiografia e
tomografia computadorizada, além de dados sobre exposição. Uma das razões inclui a
quantidade insuficiente de kits para detecção molecular do n-CoV, além de possível baixa
sensibilidade do teste ou problemas amostrais. Com base nesta alteração, o número de
confirmados (em 27/02/20, as 17h) atingiu 82.294 casos em todo o mundo, dos quais 2.804
resultaram em óbito (Coréia do Sul-13, Filipinas-1, França-2, Itália-12, Irã-22, Japão-7 e os
demais na China). O diagnóstico clínico permite o acesso mais rápido ao tratamento, além de
consistir em estratégia que visa uma maior contenção do surto. Casos de Covid-19 já foram
registrados em diversos outros países, e no dia 26/02 foi confirmado o primeiro caso no país, em
São Paulo, referente a um viajante que retornou da Itália. No nosso país há 132 casos suspeitos
em 15 estados mais o Distrito Federal, de acordo com dados do Ministério da Saúde disponíveis
na Plataforma Integrada de Vigilância em Saúde (acesso em 28/02/20, 11h). De acordo com o
secretário-executivo do Ministério da Saúde, João Gabbardo, o número de suspeitos é muito
maior que 132, pois 213 notificações enviadas pelos estados até a tarde de 27/02 ainda não
haviam sido analisadas.
Com relação ao preparo do Brasil frente à Covid-19, no site do Ministério da Saúde consta
amplo direcionamento aos profissionais de saúde acerca da Covid-19, incluindo Protocolo de
Manejo Clínico para o n-CoV, Boletim Epidemiológico, Diretrizes Operacionais, etc. Entretanto,
qual será o nível de treinamento (se é que existe) oferecido pelas instituições de saúde, nos níveis
de baixa até alta complexidade, aos profissionais para o atendimento adequado a possíveis
infectados? As Unidades de Saúde têm estrutura mínima adequada para receber estes pacientes
específicos? E quanto ao custo? Em termos monetários iniciais a Operação Regresso à Pátria
Amada repatriou 34 brasileiros de Wuhan, e contou com o apoio de 24 profissionais, dentre eles
militares, médicos e jornalistas, com um custo de R$ 11,2 milhões. Dados oficiais do Sistema
Único de Saúde indicam um custo médio de um paciente por dia em Unidade de Terapia
Intensiva (UTI) sendo de R$ 526,197; a internação hospitalar não-UTI representa um custo
médio de R$ 218,129 (DataSUS de Set/2019). Uma pesquisa aponta para 10,5 dias o tempo
médio de permanência do paciente grave com n-CoV em UTI. Considerando-se uma internação
de 14 dias, cada paciente custaria em média R$ 6.288,52. Num cenário pessimista, considerando-
se algum ponto do Brasil como epicentro da Covid-19, e que todos os pacientes permanecessem
internados 10,5 dias no UTI, o montante dispendido poderia ter sido da ordem de R$ 473
milhões.
Entretanto vale destacar que os valores da Tabela SUS estão aquém dos valores reais
(diária de UTI em torno de R$1.200,00) pois o SUS não paga o valor efetivamente gasto em sua
totalidade – o que levou ao fechamento de centenas de hospitais no país nos últimos anos. Além
destes valores usuais de internação, somam-se os medicamentos e exames diagnósticos. Para o
diagnóstico do n-CoV existem disponíveis kits de biologia molecular (identificação genética do
vírus por PCR), com um custo estimado de US$ 26,40/teste (R$ 115,90 + taxas). Sendo
recomendado testar em duplicata ou triplicata para cada paciente, há também kits para
identificação por imunofluorescência, cujo preço médio é US$ 7,33/teste (R$ 32,18) – excluídas
as taxas de importação. Os pacientes infectados pelo n-CoV podem ter os resultados de exames
de detecção variando de um dia ao outro, uma vez que a quantidade de vírus produzida pelo
corpo geralmente não é constante no transcorrer do processo infeccioso. Neste sentido, a
repetição do teste é necessária para detectar falsos negativos, a fim de não excluir pacientes
positivos com baixa contagem viral. Além da disseminação por contato direto humano-humano,
de acordo com resultados de exames há a possibilidade do vírus ser disseminado pela urina e
fezes dos infectados, devido a contagem viral nestas amostras mostrar-se elevada em
determinados pacientes analisados. Anteriormente, para o SARS-coronavírus, foi reportada a
infecção através de vários andares de um edifício devido ao encanamento de banheiro
contaminado. Este fato maximiza a possibilidade de disseminação do vírus para a população,
piorando o cenário da doença.
O Covid-19 vem causando grandes impactos nas populações, sistemas de saúde e também
na economia de distintos países. A disseminação do vírus na China afetou (e continuará afetando)
fortemente a cadeia global de suprimentos, resultando numa falta de matéria-prima para diversos
setores brasileiros. Fábricas como Motorola e Samsung em São Paulo têm a possibilidade de
pararem suas produções, devido à falta de suprimentos. A China, com quase 1,4 bilhão de
habitantes, é uma importante compradora de commodities brasileiras e, por conseguinte, nosso
país sentirá fortemente o impacto dessa emergência mundial. A projeção para o crescimento da
economia brasileira em 2020 caiu de 2,5 para 2,1%, de acordo com o banco suíço UBS. Até o
momento não há vacina disponível, embora diversos Centros de Pesquisa e empresas estejam
dispendendo esforços neste sentido. Estejamos vigilantes quanto à prevenção e contenção e
principalmente otimistas de que a Covid-19 tenha, ao menos, atingido seu platô. Mais uma vez
ficará registrado na história o enorme impacto que uma estrutura biológica de 125 nanometros –
mil vezes mais delgada que um fio de cabelo – pode ter a nível global, principalmente em termos
sociais e econômicos. O tema com certeza demandará acompanhamento e continuidade de
análise.

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