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O Auto da Compadecida e as 5 histórias de Chicó que “não

sei, só sei que foi assim”


 Luiz Antonio Ribeiro

4 years ago

[Postada originalmente por Luiz Antonio Ribeiro no Literatortura]

Contar histórias é um forte do nosso povo. Adoramos nos reunir em


volta de uma mesa, no quintal, na porta de casa ou de um bar e contar
aquilo que sentimos, vivemos e presenciamos. É claro que, para a
história não ficar insossa demais, damos um retoque aqui e outro ali,
nada que faça tudo virar uma grande mentira, mas somente para dar
um pouco de emoção àquilo que se conta. Narrar, desde que as
narrativas se incorporaram aos homens, tem sido um hábito duplo de
propagar e preservar memória. Quando se conta, se relembra, e ao
relembrar cria-se um laço afetivo entre o eu que conta e o outro que
ouve: agora, os dois compartilham essa história e, por isso, são ambos
responsáveis por ela.

No Brasil, nem a fome e a pobreza são capazes de silenciar a voz de


nosso povo. A criatividade, o mundo mágico e uma rara capacidade de
reinventar o cotidiano, faz do brasileiro um imenso manancial de
escritas. Foi isso que percebeu Ariano Suassuna, ao escrever a
famosa peça O Auto da Compadecida. Inspirada nas obras da cultura
popular, com bastante influência do cordel e dos autos de Gil Vicente,
Ariano criou esses dois parceiros Chicó e João Grilo, que para
sobreviver à fome e à miséria acabam tornando o ato de contar
histórias e enganar os outros um hábito, uma necessidade. No entanto,
o talento de ficção de Chicó é um tanto quanto peculiar. Ele inventa
histórias impossíveis de cavalo bento, de pirarucu que é seu dono, de
papagaio que morre de velhice ainda novo. Confira algumas das
histórias de Chicó contidas na adaptação cinematográfica da obra:

1-  A história das Pacas


Chicó conta que viu um monte de pacas atravessando o rio, tantas, mas
tantas que chegava a inclinar a água. Morto de fome, ele resolve matar
pelo menos uma para comer. Assim que dispara a arma, percebe que
todas elas são do Major Antônio Moraes. Para remediar o tiro,
coloca a mão na frente da arma e impede a saída da bala. Como? “Não
sei, só sei que foi assim.”
2- O cavalo Bento
Dessa vez, ao falar do cachorro bento, ele diz que já teve um cavalo
bento que o guiou durante 17 horas atrás de uma garrota e de um boi
sem ao menos reclamar. E mais, o cavalo foi da Paraíba até o Sergipe e
atravessou o Rio São Francisco! Como? É porque era bento. Mas
como? “Não sei, só sei que foi assim.”
3- A História do Pirarucu
Chicó teve um pirarucu, ou melhor, um pirarucu teve ele: Chicó enrola
uma corda ao redor de seus braços e amarra um arpão nela. Consegue
pegar o peixe que puxa o rapaz para a água. É arrastado três dias e três
noites rio acima. Com o braço amarrado, ele consegue acenar para que
as pessoas retirem-no da água. De que jeito? “Não sei, só sei que foi
assim.”
4-  A Assombração do Cachorro
Chicó andava pela beira de um rio quando deixa uma moeda de 10
tostões cair no chão. Seu cachorro fica observando e começa a
cochichar com alguma coisa ao seu lado, de repente, mergulha no rio e
traz a moeda de volta. Quando Chicó vai olhar: só tem alguns cruzeiros.
A alma do cachorro do além tem moeda trocada? “Não sei, só sei que
foi assim.”

5- O Papagaio Padre


Um papagaio sabido e esperto que lia a Bíblia junto com Chicó. Aos
poucos, de tanto ler, aprendeu os sacramentos e na falta de um padre
fazia os serviços da comunidade. Bicho inteligente, de sentimento
nobre, pena que morreu de velhice. Mas como, se Chicó viu o papagaio
nascer e eles vivem mais do que gente? “Não sei, só sei que foi assim.”

Para ver o vídeo com as histórias de Chicó, basta conferir aqui:

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