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BENOÎT MANDELBROT - OBJECTOS FRACTAIS - Forma, Acaso e Dimensão. Único-Gradiva (1998) PDF
BENOÎT MANDELBROT - OBJECTOS FRACTAIS - Forma, Acaso e Dimensão. Único-Gradiva (1998) PDF
OBJECTOS FRJ\CTF\15
CIÊNCIAABERIA
graâiva
CIÊNCIA ABERrA
OBJECTOS FRACTAIS
Forma, Acaso e Dimensão
seguido de
PANORAMA DA LINGUAGEM FRACTAL
TRADUÇÃO DE
CARLOS FIOLHAIS
E
JOSÉ LUÍS MA,LAQUIAS LIMA
A PARTIR DA 3.' EDIÇÃO FRANCESA,
REVISTA PELO AUTOR
gradiva
Título do original francês: Les Objects Fractals
© 1975, 1984, 1989 by Benoit Mandelbrot
Tradução: Carlos Fiolhais e José Luís Malaquias Lima
Revisão de texto: Manuel Joaquim Vieira
Capa: Annando Lopes sobre a ilustração do conjunto de Mandelbrot
Fotocomposição, paginação e fotólitos: A/fanumérico, Lda.
Impressão e acabamento: Gráfica Manuel Barbosa & Filhos, Lda.
Direitos reservados para Portugal a:
Gradiva- Publicações, Lda.
Rua Almeida e Sousa, 21, r/c, esq. - Telefs.: 397 40 67 I 68
1350 Lisboa
2.• edição: Maio de 1998
Depósito legal: 123 383/98
ln Memoriam, B e C.
Para a Aliette
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PREFÁCIO DO TRADUTOR
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dem agradecer ao autor o interesse com que acompanhou esta
edição e a amabilidade com que sempre respondeu às dúvidas
que um trabalho de tradução naturalmente suscita.
A palavra «fractal» é um neologismo introduzido por B.
Mandelbrot e que entretanto já entrou nas mais diversas lín-
guas. Surge, com este livro e de forma oficial, na língua portu-
guesa. Embora, na comunidade científica nacional, o número
de utentes da geometria fractal seja ainda escasso, o número de
pessoas, estudantes, cientistas ou simples leigos que a desco-
brem e por ela se entusiasmam cresce dia a dia. O pintor Lima
de Freitas, por exemplo, encontra nessa geometria a inspiração
para algumas das suas últimas obras, julgando ver na arte ma-
nuelina reminiscências da «fractalidade» (outro neologismo!).
Mandelbrot oferece-nos, com os fractais, uma maneira nova
não só de usar a matemática, como de ver e conhecer o mundo,
natural ou artificial. Mostra-nos como esse instrumento mo-
derno que é o computador abre fronteiras que são exploradas
com esse velho aparelho que é o olho humano. Nos tempos
manuelinos, a abertura de novas fronteiras não se fez sem
«velhos do Restelo». Ainda hoje os há, nomeadamente entre os
(poucos) matemáticos que tinham de todo abdicado da visuali-
zação como elemento de descoberta. Os físicos, químicos, bió-
logos e geólogos, dispostos a aprender a forma das nuvens,
dos agregados coloidais, dos fetos arbóreos ou das falhas tectó-
nicas, incluíram rapidamente a geometria fractal na sua caixa
de ferramentas. Os leigos, por sua vez, dificilmente deixarão
de ser percorridos por sentimentos estéticos quando contem-
plam objectos artificiais que mais parecem naturais ou vice-
-versa. Com os fractais, ganham, uns, intuições inéditas, outras,
descrições diferentes e, outros ainda, emoções particulares.
Com todos estes ganhos, é certamente bem-vinda a edi-
ção portuguesa dos Objectos Fractais. Parafraseando Fernando
Pessoa:
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PREFÁCIO DA 3.a EDIÇÃO FRANCESA,
ACRESCIDA DE PANORAMA GERAL DA LINGUAGEM
FRACTAL
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Foi assim que o capítulo XVI foi aliviado dos seus pós-escri-
tos prospectivas e que o prefácio da 2.• edição foi reduzido. Os
mesmos papéis são desempenhados, bastante mais em porme-
nor, por uma espécie de «suplemento» intitulado Panorama
Geral da Linguagem Fractal. Este texto inédito pretende dar uma
ideia do estado actual da teoria e das suas aplicações. Delibe-
radamente, não é numerado como capítulo.
As duas partes deste livro correspondem a necessidades
diferentes e não é forçoso que sejam lidas pela ordem apresen-
tada. Por um lado, era conveniente manter um texto que tem
vindo a dar provas desde 1975. Mas, por outro lado, uma certa
actualização afigurava-se adequada.
Convém ainda assinalar dois pontos relativos à apresenta-
ção. Para evitar uma possível interrupção da continuidade do
texto, as figuras são agrupadas no final de cada capítulo. A fim
de facilitar a sua localização, cada figura é designada pelo
número da página em que se encontra inserida. Um nome de
autor seguido por uma data, como Dupont 1979, remete para
a bibliografia que pode ser encontrada no final do livro.
Quando necessário, o ano é seguido de uma letra.
Primavera de 1989
BENOIT MANDELBROT
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da V edição. Por um lado, é ao mesmo tempo urna nova
síntese matemática e filosófica e urna colecção de micro-
monografias respeitantes às minhas descobertas em diversos
capítulos da ciência. Por outro lado, no entanto, dirige-se
simultaneamente a públicos bastante díspares: pretende levar
os especialistas das várias ciências a sonhar e a criar comigo.
Para poder ser lido numa só noite, retirei do texto original
diversos fragmentos inúteis. Deixou, por exemplo, de ser
necessário prolongar a discussão sobre ideias que já não encon-
tram resistência. Da mesma maneira, muitos fragmentos mais
rebuscados tornaram-se supérfluos, urna vez que certas conjec-
turas matemáticas, por mim formuladas em 1975, foram desde
então demonstradas. Finalmente, não é agora necessário justi-
ficar-me pelo facto de a maior parte deste livro ser constituída
por descrições sem a preocupação de explicar.
Além disso, o estilo é agora mais suave, as ilustrações foram
renovadas a partir dos originais ou seus equivalentes e foi
acrescentado um léxico (novo capítulo xrn). O antigo capítulo
xrn, enriquecido, transformou-se no novo capítulo XVI.
Para conservar o carácter histórico e o tom de urna obra
escrita em 1975, os raros acrescentos aparecem sob a forma de
breves pós-escritos. Alguns termos pesados, corno apara e pas-
seio aleatório foram substituídos por outros que introduzi desde
1975 e que considero preferíveis: trema e passeata.
Para evitar alguns mal-entendidos maçadores, bastantes nós
e seis, discretos, mas ambíguos, foram substituídos por eus
directos e claros. É hoje um prazer verificar que o que era
inédito no livro de 1975 (ver p. 25) era-o, em geral, por não ter
sido julgado aceitável por urna apreciação cuidada e res-
peitável. Foi esse o caso do capítulo VI, o mais longo do livro
e o primeiro a ser redigido. Tinha, por isso, razões para adop-
tar um tom inofensivo que evitasse intimidar. Mas, à força de
argumentar que esta ou aquela minha tese deveria, no futuro, ser
considerada por direito próprio, fiz crer a muita gente que a
dita tese era aceite desde longa data. Quando isso é útil, esta
edição esclarece que não era esse o caso.
Março de 1984
BENOiT MANDELBROT
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CAPÍTULO I
Introdução
Ao longo deste ensaio, objectos naturais muito diversos,
alguns dos quais, como a Terra, o céu e o oceano, nos são
bastante familiares, são estudados com a ajuda de uma grande
família de objectos geométricos, até agora considerados eso-
téricos e perfeitamente inúteis. Pretendo mostrar, pelo con-
trário, que estes objectos, pela sua simplicidade, diversidade e
extraordinária extensão das suas novas aplicações, merecem
ser rapidamente integrados na geometria elementar. Apesar de
o seu estudo fazer parte de campos científicos diferentes, entre
os quais a _geomorfologia, a astronomia e a teoria da tur-
bulência, os objectos naturais em questão têm em comum uma
forma extremamente irregular ou interrompida. Para os estu-
dar, concebi, aperfeiçoei e utilizei extensivamente uma nova
geometria da natureza.
A noção que lhe serve de fio condutor será designada por
um de dois neologismos equivalentes, «objecto fractal» ou
«fractal», termos que formei, pela necessidade que me surgiu
com este livro, a partir do adjectivo latino fractus, que significa
«irregular» ou «quebrado».
Será necessário definir uma figura fractal de modo rigoroso,
para em seguida dizer que um objecto real é fractal por se
assemelhar à figura geométrica que constitui o modelo? Con-
siderando que um tal formalismo seria prematuro, adoptei um
método muito diferente: um método baseado numa caracteri-
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zação aberta e intuitiva, onde os avanços se efectuam por
retoques sucessivos.
O subtítulo sublinha que o meu objectivo inicial consiste em
descrever, a partir do exterior, a forma de diversos objectos.
Logo que esta primeira fase seja bem sucedida, a prioridade
transita de imediato da descrição para a explicação: da geome-
tria para a dinâmica, a física e por aí adiante.
J O subtítulo indica ainda que, para conseguir a irregulari-
dade fractal, coloco a tónica sobre construções em que pre-
domina o acaso.
Por fim, o subtítulo explicita que uma das características
principais de todo o objecto fractal é a sua dimensão fractal,
que será representada por D. Esta é uma medida do grau de
irregularidade e de fragmentação. Um facto muito impor-
tante: ao contrário dos números dimensionais correntes, a
dimensão fractal pode muito bem ser uma fracção simples,
como 1/2 ou 5/3, ou mesmo um número irracional, como
log 4/log 3 = 1,2618... ou 1t. Assim, é conveniente dizer, a
respeito de certas curvas planas muito irregulares, que a sua
dimensão fractal se situa entre 1 e 2, a respeito de certas
superfícies muito enrugadas e cheias de pregas, que a sua
dimensão fractal está entre 2 e 3 e, enfim, definir conjuntos de
pontos sobre uma linha cuja dimensão fractal está entre O e 1.
Em certas obras matemáticas, diversas figuras conhecidas
que eu incorporo entre os fractais são chamadas «figuras de
dimensão fraccionária». Essa expressão é, porém, desagradá-
vel, pois não é costume chamar, por exemplo, a 1t uma fracção.
Pior do que isso, há entre os fractais diversos objectos irregu-
lares ou quebrados para os quais D = 1 ou D = 2, mas que de
forma nenhuma se assemelham a rectas ou planos. O termo
«fractal» elimina todas às dificuldades associadas ao termo
«fraccionária».
A fim de sugerir quais os objectos que deverão ser conside-
rados fractais, comecemos por nos lembrar de que, no seu
esforço para descrever o mundo, a ciência avança por séries de
imagens ou modelos cada vez mais «realistas». Os mais sim-
ples são objectos contínuos perfeitamente homogéneos, como
um fio ou um cosmo de densidade uniforme, ou um fluido de
temperatura, densidade, pressão e velocidade também unifor-
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mes. A física conseguiu triunfar identificando vários domínios
em que essas imagens são extremamente úteis, particularmente
como pontos de partida para diversas correcções. Noutros
domínios, contudo, a realidade revela-se de tal modo irregular
que o modelo contínuo e perfeitamente homogéneo fica muito
aquém das expectativas, não podendo sequer servir como pri-
meira aproximação. São domínios nos quais a física encalhou
e sobre os quais os físicos preferem nem sequer falar. (P.-5. Isto
seria válido em 1975, mas é-o cada vez menos hoje em dia.)
Para introduzir estes domínios e dar, ao mesmo tempo, uma pri-
meira indicação sobre o método que propus para os abordar,
passo a citar alguns parágrafos do prefácio ignorado de uma
obra que, apesar disso, é célebre: Les Atomes1 (Perrin 1913).
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Os matemáticos, contudo, cedo notaram a falta de rigor
destas considerações ditas geométricas e até que ponto, por
exemplo, é ingénuo pretender demonstrar pelo desenho de
uma curva que toda a função contínua admite uma deri-
vada. Se é verdade que as funções com derivada são as
mais simples, as mais fáceis de tratar, também é verdade
que elas são a excepção, e não a regra. Ou, se se preferir
uma linguagem geométrica, as curvas que não possuem
tangente são a regra, enquanto as curvas regulares, como a
circunferência, são casos, apesar de interessantes, muito par-
ticulares.
Numa primeira abordagem, tais restrições parecem não
passar de um exercício intelectual, sem dúvida engenhoso,
mas definitivamente estéril e artificial, onde o desejo de
perfeição é levado até à obsessão. E é frequente que pessoas
a quem se fala de curvas sem tangentes ou de funções sem
derivadas comecem por pensar que, como é evidente, na
natureza não existe esse tipo de complicações, pelo que ela
não sugere uma tal ideia.
É, contudo, o contrário que é verdadeiro e a lógica dos
matemáticos manteve-os mais próximos da realidade do que
se tivessem recorrido às representações práticas usadas
pelos físicos. Isto pode ser visto se divagarmos um pouco,
sem ideias preconcebidas de simplificação, sobre certos
dados de carácter experimental.
Esse tipo de dados surge frequentemente quando se estu-
dam os colóides. Observem-se, por exemplo, os flocos bran-
cos produzidos numa solução de sabão quando nela se
mistura sal. De longe, o seu contorno parece ser bastante
simples, mas essa simplicidade depressa se desvanece à
medida que nos aproximamos. O olho não é mais capaz de
fixar a tangente a um ponto: uma recta que à primeira vista
parece tangente, se se olhar com atenção, depressa poderá
parecer perpendicular ou oblíqua ao contorno. Se se utilizar
uma lupa ou um microscópio, a incerteza mantém-se, pois
de cada vez que se aumenta a ampliação se vêem surgir
novas anfractuosidades, sem nunca se atingir a impressão
simples e tranquilizante que nos dá, por exemplo, uma
esfera de aço polido. De modo que, se esta esfera nos dá
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uma imagem útil da continuidade clássica, o nosso floco tam-
bém pode logicamente sugerir a noção mais geral de funções
contínuas sem derivada.
Convém deixar bem claro que a incerteza quanto à posi-
ção do plano tangente num ponto do contorno [de um floco]
não é da mesma ordem que a incerteza que surgiria na deter-
minação da tangente a um ponto no litoral da Bretanha, con-
forme se utilizasse um mapa com uma ou outra escala. Ao
variar a escala, mudaria também a tangente, mas esta estaria
definida de cada uma das vezes. Isto acontece porque o mapa
é um desenho convencional onde, por construção, toda a linha
tem uma tangente. Pelo contrário, uma das características
essenciais do nosso floco (como, de resto, do litoral bretão, se,
em vez de o estudarmos num mapa, olharmos realmente para
ele mais ou menos de perto) é que, qualquer que seja a escala,
se supõe a existência de pormenores que, embora não possam
bem ser vistos, nos impedem por completo de fixar uma tan-
gente.
Permaneceremos na realidade experimental se, espreitando
pela ocular de um microscópio, observarmos o movimento
browniano que agita qualquer pequena partícula em suspensão
num fluido. Para fixar uma tangente à sua trajectória, devere-
mos encontrar um limite, pelo menos aproximado, para a di-
recção do segmento de recta que une as posições desta partí-
cula em dois instantes sucessivos muito próximos. Ora, pelo
que se pode ver da experiência, esta direcção varia aleatoria-
mente à medida que se diminui o intervalo entre esses dois
instantes. De tal modo assim é que este estudo sugere a um
observador sem preconceitos, mais uma vez, a função sem
derivada e, de modo nenhum, a curva como tangente.
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de 1920, eles devem ter perturbado o jovem Norbert Wiener
e tê-lo estimulado a construir o seu modelo probabilístico do
movimento browniano, que será útil por diversas vezes ao
longo deste ensaio. Vamos, a partir de agora, servir-nos de um
termo que Wiener gostava de utilizar para referir uma forma
extrema de desordem natural. Esse termo, «caos», permite-nos
notar que Perrin fez dois comentários distintos a respeito da
geometria da natureza. Por um lado, ela é caótica e só deficien-
temente pode ser representada pela ordem perfeita das formas
vulgares de Euclides ou do cálculo diferencial. Por outro lado,
pode fazer lembrar a complicação das matemáticas que foram
criadas por volta de 1900.
Mas a influência dos comentários de Perrin parece ter-se
resumido ao efeito que tiveram sobre Wiener. Foi à obra de
Wiener que fui buscar a minha principal inspiração e só vim a
tomar conhecimento da filosofia de Perrin quando este texto já
se encontrava nos seus retoques finais. Já tinha concebido a
ideia de que seria possível considerar certos fenómenos caóti-
cos por meio de diversas técnicas matemáticas que, por obra
do acaso, se me tinham tornado familiares. Estas técnicas já se
encontravam disponíveis, embora sofrendo uma reputação de
serem inaplicáveis e «complicadas». Desenvolveu-se então
uma nova «fornada» de utilizações dos fractais, distanciada da
primeira no «mapa» das disciplinas científicas estabelecidas.
Foi só bastante mais tarde, através de diversos processos de
fusão e reorganização, que estas utilizações, entretanto já
numerosas, se reuniram numa nova disciplina e numa nova
maneira de ver as coisas.
A geometria fractal é caracterizada por duas escolhas: a
escolha de problemas no seio do caos da natureza, uma vez
que descrever todo o caos seria uma ambição sem esperança
e sem interesse, e a escolha de ferramentas no seio das
matemáticas, pois procurar aplicações das matemáticas pelo
simples facto de serem belas acabou sempre por causar dissa-
bores.
Depois de progressivamente amadurecidas, estas duas
escolhas criaram algo de novo: entre o domínio do caos des-
regulado e a ordem excessiva de Euclides existe agora a nova
zona da ordem fractal.
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Conceitos propostos como solução:
dimensões efectivas, figuras e dimensões fractais
Um dos fractais mais simples que podemos considerar é a
trajectória do movimento browniano. Contudo, o modelo pro-
posto por Wiener já apresenta a característica surpreendente
de ser uma curva contínua cuja dimensão fractal toma um
valor deveras anormal, nomeadamente D = 2.
O conceito de dimensão fractal faz parte de uma certa
matemática que foi criada entre 1875 e 1925. De um modo mais
geral, um dos objectivos do presente trabalho é mostrar que a
colecção de figuras geométricas criadas na altura, colecção que
Vilenkin 1965 qualifica de «Museu de Arte» matemática e
outros de «Galeria dos Monstros», pode igualmente ser visi-
tada na qualidade de «Palácio das Descobertas» 2• Para esta
colecção muito contribuiu o meu mestre Paul Lévy (grande
mesmo naquilo que tinha de anacrónico, conforme evoco no
capítulo XV), ao colocar a tónica sobre o papel do acaso.
Estas figuras geométricas nunca tiveram quaisquer hipóte-
ses de entrar no campo do ensino, mal passando do estado de
espantalho «moderno» que, mesmo a título de exemplo, era
demasiado específico para merecer qualquer atenção. Pre-
tendo, com este trabalho, dar a conhecer essas figuras através
das utilizações que lhes encontrei. Demonstro que a carapaça
formalista que as isolou impediu a revelação do seu verda-
deiro significado: do facto de estas figuras terem algo de extre-
mamente simples, concreto e intuitivo.
Mostro não só que elas são realmente úteis, mas também
que podem ser rapidamente uitilizadas, com um formalismo
muito reduzido. Não exigem quase nenhum daqueles prelimi-
nares formais onde, conforme a experiência mostra, alguns
encontram um deserto intransponível e outros um paraíso de
onde não querem sair.
É minha convicção profunda que frequentemente se perde
mais do que se ganha com a abstracção forçada ou com o
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relevo dado ao perfeccionismo e à proliferação de conceitos e·
termos. Não sou o último a lamentar que as ciências menos
exactas, aquelas cujos próprios princípios são menos certos,
tendam a ser as mais preocupadas com a axiomática, o rigor
e a generalidade. Sinto-me, por isso, feliz por ter descoberto
diversos exemplos originais, nos quais, de uma maneira
clássica, forma e conteúdo se apresentam intimamente ligados.
Antes de passarmos às dimensões que podem ser frac-
cionárias, necessitamos de compreender melhor a noção de
dimensão na perspectiva do seu papel na física.
Antes de mais nada, sabemos da geometria elementar que
um ponto isolado, ou um número finito de pontos, constitui
uma figura de dimensão zero. Que uma recta, bem como qual-
quer outra curva-«padrão» - querendo este epíteto dizer que
se trata da geometria normal criada por Euclides-, consti-
tuem figuras de dimensão um. Que um plano, ou qualquer
outra superfície-«padrão», constituem figuras de dimensão
dois. Que um cubo tem dimensão três. A estas coisas que toda
a gente sabe, diversos matemáticos, a começar por Hausdorff
1919, acrescentaram que certas figuras idealizadas têm dimen-
sões não inteiras. Estas podem ser fracções, como, por exem.;.
pio, 1/2, 3/2, 5/2, mas são mais frequentemente números
irracionais, como log 4/log 3"" 1,2618..., ou mesmo soluções de
equações complicadas.
Para caracterizar essas figuras, poder-se-ia começar por
dizer, de um modo grosseiro, que uma figura cuja dimensão se
situe entre 1 e 2 deverá ser mais «afilada» que uma superfície
ordinária, sendo, contudo, mais «maciça» que uma linha ordi-
nária. Em particular, se se tratar de uma curva, deverá ter uma
superfície nula, mas um comprimento infinito. Da mesma
maneira, se a sua dimensão estiver compreendida entre 2 e 3,
deverá ter um volume nulo e uma superfície infinita. Portanto,
este texto começa por dar exemplos de curvas que não se
estendem indefinidamente, mas onde a distância entre quais-
quer dois pontos é infinita.
O formalismo essencial, no que respeita à dimensão fractal,
já está portanto publicado há muito tempo, embora se man-
tenha ainda propriedade intelectual de um pequeno grupo de
matemáticos puros. Era frequente ler, aqui e ali, a opinião de
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que esta ou aquela figura que eu apelido de fractal era tão bela
que teria forçosamente de, onde quer que fosse, servir para
alguma coisa. Mas essas opiniões não faziam mais que trans-
mitir urna esperança desprovida de substância, enquanto os
capítulos seguintes propõem realizações efectivas, abrindo o
caminho a teorias precisas e em pleno desenvolvimento. Cada
capítulo estuda urna classe de objectos concretos, dos quais se
pode dizer que, à semelhança do que acontece com as figuras
ideais que já referimos, têm urna dimensão física efectiva com
um valor anormal.
Mas o que vem a ser exactamente uma dimensão física
efectiva? Esta é urna noção intuitiva que remonta a um estado
arcaico da geometria grega, mas que merece ser retornada,
elaborada e de novo respeitada. Refere-se às relações entre
figuras e objectos, designando o primeiro termo idealizações
matemáticas e o segundo dados da realidade. Nesta perspec-
tiva, um véu, um fio ou urna pequena bola - por muito finos
que sejam - deverão ser representados por figuras tridimen-
sionais, da mesma maneira que urna bola grande.
Mas, de facto, qualquer físico sabe que essa não é a maneira
de proceder e que é muito mais prático considerar que um véu,
um fio ou urna bola que sejam suficientemente finos têm
aproximadamente dimensões 2, 1 e O.
Esclareçamos melhor: nem as teorias referentes à bola nem
as referentes à linha ideal descrevem um fio de forma com-
pleta. Nos dois casos é necessário introduzir «termos correcti-
vos», sendo certo que se vai preferir o modelo geométrico que
exige o menor número de correcções. Se se tiver sorte, essas
correcções serão tais que, mesmo omitidas, o modelo continua
a dar urna boa ideia daquilo que se está a estudar. Por outras
palavras, a dimensão física tem, inevitavelmente, uma base
pragmática, logo subjectiva. Trata-se de urna questão do gr!iu
de resolução.
Para o confirmar, mostremos que um novelo com 10 cm de
diâmetro feito de um fio com 1 mm de diâmetro possui, de
·uma forma um pouco latente, diversas dimensões efectivas
distintas. Se se usar um grau de resolução de 10 rn, trata-se de
um ponto e, portanto, de urna figura de dimensão zero. Para
um grau de resolução de 10 cm trata-se de uma bola tridimen-
21
sional. Para urna resolução de 10 mm é um conjunto de fios e,
portanto, urna figura unidirnensional. Para um grau de reso-
lução de 0,1 mm, cada fio transforma-se numa espécie de
coluna e o todo volta a ser tridimensional. Para um grau de
resolução de 0,01 mm, cada coluna resolve-se em diversas
fibras filiforrnes e, de novo, o todo é unidimensional. Numa
análise mais apurada, o novelo é representado por um número
finito de átomos pontuais e o todo tem, mais urna vez, dimen-
são zero. E assim por diante: o valor da dimensão não pára de
variar!
A dependência de um resultado numérico das relações entre
o objecto e o observador está bem no espírito da física deste
século, de que é mesmo urna ilustração particularmente exem-
plar. Com efeito, no mesmo sítio onde um observador vê urna
zona bem separada das suas vizinhas, com um certo D carac-
terístico, um segundo observador não verá mais do que urna
zona de transição gradual, que pode até não merecer um
estudo separado.
Os objectos tratados neste livro têm, também eles, urna série
de dimensões diferentes. A novidade é que onde - até agora
- não se via mais do que zonas de transição, sem estrutura
bem determinada, eu identifico zonas fractais em que a dimen-
são é quer urna fracção quer um inteiro «anormal», também ele
descritivo de um estado irregular ou quebrado. Não tenho
quaisquer problemas em reconhecer que a realidade de urna
zona só fica plenamente estabelecida quando associada a urna
verdadeira teoria dedutiva. Reconheço também ·que, tal· corno
as entidades de Guilherme d'Occarn, as dimensões não se
devem multiplicar para além do· necessário e que, em parti-
cular, certas zonas fractais podem ser demasiado estreitas para
merecerem ser distinguidas. O melhor é adiar o exame de tais
dúvidas para urna altura em que o objecto tenha sido bem
descrito.
É agora a ocasião oportuna para esclarecer quais são os
domínios da ciência aos quais vou buscar os meus exemplos.
É bem sabido que a descrição da Terra foi um dos primeiros
problemas que o homem se colocou. Por intermédio dos Gre-
gos, a «geo-metria» deu lugar à geometria matemática. Entre-
tanto - corno acontece frequentemente no desenvolvimento
22
das ciências! - a geometria matemática depressa se esqueceu
das suas origens, tendo apenas aflorado a superfície do pro-
blema original.
Mas, por outro lado - coisa espantosa, ainda que a ela já
nos tenhamos habituado -, «nas ciências naturais, a lingua-
gem da matemática revela-se mais eficaz do que seria razoá-
vel», citando a bonita expressão de Wigner 1960. «É um
presente maravilhoso que nós nem compreendemos nem mere-
cemos. Devemos estar reconhecidos, esperando que ele con-
tinue a ser útil nas nossas investigações futuras e que, para o
melhor ou para o pior, se estenda, para nosso prazer e talvez
mesmo para nossa estupefacção, a outros ramos do conheci-
mento.» Por exemplo, a geometria herdada directamente dos
Gregos explicou triunfalmente o movimento dos planetas, em-
bora continue a sentir algumas dificuldades com a distribuição
das estrelas. Da mesma maneira, consegue dar conta do movi-
mento das marés e das ondas, mas não da turbulência atmos-
férica e oceânica.
Em suma, este livro trata, em primeiro lugar, de objectos
bastante familiares, mas demasiado irregulares para caírem na
alçada da geometria clássica: Terra, Lua, céu, atmosfera e
oceano.
Em segundo lugar, consideramos brevemente diversos ob-
jectos que, apesar de não serem muito familiares, ajudam a
esclarecer a estrutura daqueles que o são. Por exemplo, a dis-
tribuição dos erros em certas linhas telefónicas demonstrou ser
um excelente utensílio de transição. Outro exemplo: a articula-
ção de moléculas orgânicas nos sabões (sólidos, não desfeitos
em bolhas). Os físicos descobriram que a dita articulação é
governada por um expoente de semelhança. E verifica-se que
esse expoente é uma dimensão fractal. Se este último exemplo
se generalizasse, o domínio de aplicação dos fractais alcançaria
a teoria dos fenómenos críticos, um campo particularmente
activo hoje em dia.
(P.-S. Esta previsão cumpriu-se totalmente.)
Todos os objectos naturais referidos até agora são «sis-
temas», no sentido de serem formados por muitas partes
distintas, articuladas entre si, descrevendo a dimensão fractal
um aspecto desta regra de articulação. Mas a mesma definição
23
também se aplica aos «artefactos». Uma diferença entre os
sistemas naturais e artificiais é que, para conhecer os pri-
meiros, é necessário utilizar a observação ou a experiência,
enquanto, para os segundos, se pode interrogar o respectivo
criador. No entanto, existem artefactos de tal maneira com-
plexos, para os quais contribuíram diversas intenções de forma
tão incontrolável, que o resultado acaba, pelo menos em parte,
por se tornar um «objecto de observação». No capítulo XI
encontraremos um exemplo, para o qual a dimensão fractal de-
sempenha um papel, nomeadamente um aspecto da organi-
zação de certos componentes de um computador.
Examinaremos, finalmente, o papel da dimensão fractal em
certas árvores de classificação que surgem na minha explicação
da lei de frequências das palavras no discurso, bem como em
certas árvores hierárquicas usadas para explicar a distribuição
de uma forma particular de rendimento pessoal.
24
Acresce o facto de as minhas teses principais terem começado
diversas vezes por enfrentar a incredulidade. A sua novidade
era portanto evidente, embora eu tivesse fortes razões para as
procurar enraizar. Pus-me então a buscar activamente prede-
cessores, em vez de lhes procurar fugir.
Entretanto - valerá a pena insistir? - a procura das origens
está sujeita a controvérsias. Por cada autor antigo a quem
reconheço urna ideia boa e bem expressa arrisco-me a encon-
trar um seu contemporâneo -por vezes o mesmo autor, num
contexto diferente - a desenvolver a ideia oposta. Poderemos
louvar Poincaré por ter concebido aos 30 anos ideias que iria
condenar aos 55, sem parecer recordar-se dos seus pecados de
juventude? E que fazer quando os argumentos eram tão fracos,
quer num lado quer no outro, que os dois autores se conten-
taram em anotar as respectivas ideias, sem se darem ao tra-
balho de as defender e fazer aceitar? Se os nossos dois autores
passaram despercebidos, será melhor deixá-los cair no esqueci-
mento? Ou será nosso dever atribuir um pouco de glória pós-
tuma àquele com quem concordamos, ainda que (sobretudo
porque?) ele tenha sido incompreendido? Será, além disso,
necessário fazer reviver personagens cuja memória já desa-
pareceu, urna vez que só se empresta dinheiro a quem já é rico
e frequentemente a obra de alguém só é aceite graças à auto-
ridade superior de um outro que a adopta e lhe assegura a
sobrevivência sob o seu nome?
Stent 1972 leva-nos a concluir que estar à frente do seu
tempo não merece mais do que a compaixão do esquecimento.
Pelo meu lado, não pretendo resolver os problemas do pa-
pel dos percursores. (P.-S. 1989. E confesso que o meu inte-
resse pela história das ideias é por vezes acompanhado por
uma certa ponta de amargura. Com efeito, a experiência
mostrou que alguém que, não só reconheça, mas também
procure activamente predecessores, está a dar armas a quem o
pretenda denegrir.) Apesar de tudo, continuo a pensar que o
facto de alguém se interessar não só pelas ideias que tiveram
sucesso, mas também pelas que foram esquecidas, é bom para
o espírito do sábio. Desejo por isso conservar os laços com o
passado e realço alguns deles nos esboços biográficos do
capítulo XV.
25
Mas tudo isto pouca importância tem. O objectivo essencial J
deste trabalho consiste em fundar uma nova disciplina científica.
Antes de mais nada, o tema geral, o da importância concreta
das figuras de dimensão fraccionária, é inteiramente novo.
Mais especificamente, quase todos os resultados que serão dis-
cutidos se devem, em grande parte ou na sua totalidade, ao
autor deste trabalho. Muitos são inéditos. Trata-se aqui, então
e antes de tudo, de apresentar trabalhos de investigação.
Será conveniente reunir e tentar divulgar teorias recém-nas-
cidas? A minha esperança é que o leitor julgue por si mesmo.
Antes de encorajar alguém a conhecer novas ferramentas de
pensamento, julgo conveniente caracterizar qual, na minha opi-
nião, será a contribuição destas. O progresso dos formalismos
matemáticos nunca foi o meu objectivo principal, mas sim um
efeito secundário, e, de qualquer maneira, tudo o que eu possa
ter feito nesse sentido não tem lugar neste ensaio.
Algumas aplicações menores limitaram-se a pôr em prática
e a baptuzar conceitos já antes conhecidos. Não foi mais do
que um primeiro passo. Quando (frustrando as minhas espe-
ranças) não for seguido por outros, terá um interesse simples-
mente estético ou cosmético. A matemática, sendo uma lingua-
gem, serve não só para informar, mas também para seduzir,
sendo necessário estar de sobreaviso em relação às noções que
Henri Lebesgue tão bem descreveu como «certas novidades
que não servem para mais nada do que para serem definidas».
Felizmente que o meu empreendimento evitou esse risco.
Com efeito, na maioria dos casos, os conceitos de objecto
fractal e de dimensão fractal são inteiramente positivos e
contribuem para o desenvolvbimento de algo fundamental.
Eles atacam (como diria H. Poincaré) não as questões que
uma pessoa se coloca, mas as questões que se colocam a
elas próprias com insistência. Com o fim de o realçar, esforço-
-me, sempre que possível, por partir daquilo a que podemos
chamar um paradoxo do concreto. Preparo o cenário, mos-
trando como dados experimentais, obtidos de diversas formas,
se parecem contradizer. Se cada uma dessas formas, se
parecem contradizer. Se cada uma dessas formas é incon-
testável, esforço-me por defender que o quadro conceptual, no
seio do qual inconscientemente as interpretamos, é radi-
calmente inapropriado. Concluo, resolvendo cada um desses
26
paradoxos com a introdução de um fractal e de uma dimensão
fractal- introduzidos sem dor e quase sem que ninguém se
aperceba.
A ordem de apresentação é, em grande parte, regida pela
comodidade de exposição. Por exemplo, esta obra começa com
problemas sobre os quais o leitor, provavelmente, pouco reflec-
tiu, não tendo portanto ideias preconcebidas sobre o assunto.
Além disso, a discussão encetada nos capítulos II e III termina
no capítulo VII, numa altura em que o leitor estará já familiari-
zado com o pensamento fractal.
A exposição é facilitada pela multiplicidade de exemplos.
Com efeito, temos pela frente a exploração de um bom número
de temas distintos, resultando que cada teoria fractal os aborda
por uma ordem diferente. Por conseguinte, todos estes temas
se unirão sem esforço, ainda que eu me proponha desenvolver
apenas as partes de cada teoria que não envolvam grandes
dificuldades técnicas.
Sublinhemos que diversas passagens, um pouco mais com-
plicadas que a média da exposição, podem ser saltadas sem se
perder o fio à meada e insistamos em que as figuras se encon-
tram no fim de cada capítulo. Inúmeros complementos do
texto podem ser encontrados nas legendas, que fazem parte
integrante do conjunto, enquanto diversos complementos de
carácter matemático foram guardados para o capítulo XN.
27
CAPÍTIJLO II
29
A diversidade dos métodos de medição
Eis um primeiro método: Percorremos a costa com um
compasso de abertura determinada T), começando cada passo
no ponto em que terminou o anterior. O valor de T), multipli-
cado pelo número de passos, dará um comprimento aproxi-
mado L(T)). Se repetirmos a operação, com a abertura do
compasso cada vez menor, verificar-se-á que L(T)) tende a
aumentar constantemente, sem limite bem definido. Antes de
discutir este facto podemos notar que o princípio do procedi-
mento acima descrito consiste, em primeiro lugar, em substi-
tuir o objecto que nos interessa, que é demasiado irregular, por
urna curva mais manejável, pois que arbitrariamente suavizada
ou «regularizada». A ideia geral é-nos dada por urna folha
de alumínio, a qual pode ser utilizada para embrulhar urna
esponja, sem chegar a seguir todo o contorno.
Uma tal regularização é inevitável, mas ela pode igualmente
ser conseguida de outras maneiras. Assim, pode-se imaginar
um homem que caminhe ao longo da costa, percorrendo o
caminho mais curto possível, garantindo, contudo, que nunca
se afasta da linha costeira mais do que urna dada distância T).
Depois repete-se o processo, tornando a distância máxima do
homem à costa cada vez menor. Em seguida substitui-se o
nosso homem por um r51to, depois por urna formiga e assim
por· diante. Mais urna vez, quanto mais próximo o animal se
mantiver da costa, mais longa será, inevitavelmente, a distân-
cia a percorrer.
Ainda um outro método, caso se considere indesejável a
assimetria que o segundo método estabelece entre a terra e o
mar, consiste em considerar todos os pontos, quer de urna
quer do outro, cuja distância à costa seja, no máximo, igual a
T). Imaginamos, portanto, que a costa está coberta, o melhor
possível, por urna fita com uma largura de 2T). Mede-se então
a área da dita fita e divide-se esse valor por 2T), corno se a fita
fosse um rectângulo.
Quarto método: imagina-se um mapa, desenhado por um
pintor pontilhista, servindo-se de «pontos» grossos, de raio T).
Por outras palavras, cobre-se a costa, o melhor possível, com
círculos de raio igual a T).
30
Deve ser desde já evidente que, ao dar a 11 valores cada
vez menores, todos estes comprimentos aproximados aumen-
tam. Continuam ainda a aumentar quando 11 é da ordem
do metro, ou seja, desprovido de qualquer significado geo-
gráfico.
Antes de colocar questões sobre a regra que preside a esta
tendência, asseguremo-nos do significado do que agora se
acaba de estabelecer. Para isso refaçamos as mesmas medições,
substituindo a costa selvagem de Brest do ano 1000 pela costa
de 1975, que o homem dominou. A discussão acima ter-se-ia
aplicado outrora, mas hoje tem de ser revista. Todas as formas
de medir o comprimento «com a precisão de 11» continuam a
dar um resultado sempre crescente até ao ponto em que a uni-
dade 11 desce abaixo de cerca de 20 m. Encontra-se então uma
zona em que L(11) varia muito pouco, só recomeçando a
aumentar quando 11 atinge valores da ordem dos 20 cm ou
inferiores, ou seja, valores tão pequenos que o comprimento
começa a ter em conta a irregularidade das pedras. Daí que, ao
traçar um gráfico do comprimento L(11) em função do parâ-
metro 11, se encontre hoje uma espécie de patamar que não
estaria presente antigamente. Ora, quando se pretende apanhar
um objecto que não pára de se mexer, é melhor aproveitar logo
que ele se imobilize, por um só instante que seja. Não será, por
isso, muito difícil aceitar que um certo grau de precisão na
medição do comprimento da costa de Brest se tornou intrín-
seco nos dias de hoje.
Mas este «intrínseco» é inteiramente antropocêntrico, pois se
refere ao tamanho das maiores pedras que o homem pode
deslocar ou dos blocos de cimento que decide criar. A situação
anterior não era muito diferente, uma vez que o 11 ideal para
medir a costa não era nem o tamanho de um rato nem o de
uma formiga, mas sim o tamanho de um homem adulto.
Portanto, o antropocentrismo desempenhava já um papel,
ainda que de uma forma um pouco diferente: de uma maneira
ou de outra, o conceito, aparentemente inofensivo, de compri-
mento geográfico não é inteiramente «objectivo», nem nunca o
foi. Na sua definição, o observador intervém de uma forma
inevitável.
31
Dados empíricos de Lewis Fry Richardson
Um estudo empírico da variação do comprimento aproxi-
mado, L(fl), pode ser encontrado em Richardson 1961. Este
texto, que Lewis Fry Richardson nos deixou antes de morrer,
contém a fig. 43 deste livro, a partir da qual se chega à con-
clusão de que L(T]) é proporcional a T}a. O valor do expoente a.
depende da costa em causa e diversos bocados de uma mesma
costa, considerados separadamente, permitem frequentemente
chegar a valores de a. diferentes. Na perspectiva de Richard-
son, o número a. não tinha qualquer significado especial. Con-
tudo, este parâmetro merece-nos uma atenção mais cuidada.
32
Uma tarefa bem mais fundamental é a de representar e
explicar a forma das costas, servindo-nos de um valor de D
superior a 1. É o que faremos no capítulo VII. Basta aqui afir-
mar que a primeira aproximação conduz a D = 1,5, valor este
demasiado grande para dar conta dos factos, mas que serve
para melhor estabelecer a «naturalidade» do facto de a dimen-
são ser maior do que 1. A partir daí, quem quer que pretenda
refutar os meus diversos motivos para considerar que, no caso
de uma costa, se tem D > 1 não poderá retornar à posição
ingénua que admitia sem reflexao D = 1: alguém que pense que
assim é fica obrigado a justificar a sua posição.
33
rnentos de comprimento TI e inteiramente coberta pela união de
círculos de raio TI, centrados nos pontos utilizados na medição.
Se elevarmos estes passos à potência D, podemos dizer que se
obtém um «conteúdo aproximado na dimensão D». Ora veri-
fica-se que esse conteúdo aproximado varia pouco com TI· Por
outras palavras, verifica-se que a dimensão definida formal-
mente acima se comporta da forma habitual: o conteúdo calcu-
lado em qualquer dimensão d inferior a D é infinito, ao passo
que, para d superior a D, o mesmo conteúdo se anula, compor-
tando-se razoavelmente para d = D.
Urna definição precisa de «conteúdo» deve-se a Hausdorff
1919, tendo depois sido desenvolvida por Besicovitch. Ela é
necessariamente delicada, mas as suas complicações (esbo-
çadas no capítulo XIV) não têm qualquer interesse nesta obra.
34
Pode-se imaginar esse mecanismo como uma espec1e de
cascata ou, ainda melhor, como um fogo de artifício em anda-
res, onde cada andar é responsável por pormenores mais
pequenos que o anterior. Estatisticamente falando, cada bo-
cado de uma costa assim produzido é homotético do todo -
excepto no que respeita aos pormenores, os quais não quere-
mos considerar. Diz-se que uma tal costa possui uma homo-
tetia interna, ou que é auto-semelhante.
Sendo esta última noção fundamental, mas delicada, come-
çaremos por a apurar através de uma figura mais regular, que
foi criada pelos matemáticos, sem contudo terem qualquer no-
ção da sua possível utilidade. Veremos, em seguida, como ela
nos conduz à medição do grau de irregularidade das curvas
pela intensidade relativa dos pequenos e grandes pormenores,
e - no fim de contas - por uma dimensão da homotetia.
35
Koch como uma linha mais maravilhosa que todas as outras.
Se fosse dotada de vida, não seria possível aniquilá-la sem
a suprimir por completo, pois ela sempre renasceria das
profundezas dos seus triângulos, tal como a vida no uni-
verso.
36
Ainda no mesmo espírito, resumindo um estudo apaixo-
nante (mas que nunca chegou à noção de dimensão), Steinhaus
1954 escrevia:
37
fose da dimensão fractal. Examinaremos ainda outras variantes
da curva de von Koch, cujas dimensões estão todas com-
preendidas entre 1 e 2.
O procedimento parte de uma propriedade elementar que
caracteriza o conceito de dimensão euclidiana no caso de objec-
tos geométricos simples, possuidores de uma homotetia
interna. Sabe-se que, se se transformar uma recta por meio de
uma homotetia de razão arbitrária, com o centro situado na
recta, obtemos, de novo, exactamente a mesma recta. O mesmo
se passa com qualquer plano e até com todo o espaço eucli-
diano. Visto que uma recta tem a dimensão euclidiana E= 1,
segue-se que, qualquer que seja o inteiro K, o «todo» consti-
tuído pelo segmento de recta semiaberto O:::;; x < X pode ser
«pavimentado» exactamente (sendo cada ponto coberto uma e
uma só vez) por N = K «partes» que são segmentos semiaber-
tos da forma (k-l)X/ K :::;; x < kX/ K, com k a variar entre 1 e K.
Cada parte deduz-se do todo por uma homotetia de razão
r(N) = 1/N.
Da mesma maneira, uma vez que um plano tem a dimensão
euclidiana E = 2, segue-se que, qualquer que seja o K, o todo
constituído pelo rectângulo O:::;; x < X, O: :; y < Y pode ser pavi-
mentado exactamente por N = K?- partes, que são os rectângulos
definidos por
(k -1)X kX (h -1)Y hY
---<x<-· :=;;y<-
K K I K K
1 1
r(N) = - = -
K NJI2
1
r(N)=-
NJI3
38
Finalmente, sabe-se que não há nenhum problema grave que
impeça a definição de paralelepípedos rectângulos cuja dimen-
são euclidiana seja D > 3; nestes casos,
1
r(N)=-
NJ.ID
ou ainda
log N = log N
D=-
log r(N) log (1 I r)
39
log 8/log 4 = 1,5. A fig. 49 apresenta uma variante que é ime-
diatamente interpretada de uma nova forma concreta.
N
g(d) =L r~
n=l
40
D continua a fazer sentido mesmo quando as partes pos-
suem pontos comuns, mas em número «suficientemente pe-
queno». Por outras palavras, é normalmente necessário tratar
D com alguma precaução formal. Uma falta de atenção pode
conduzir aos piores absurdos, conforme se pode ver na fig. 52.
41
curva rectificável de dimensão 1. Em suma, uma costa é como
um novelo de fio. É razoável dizer que, do ponto de vista
geográfico (ou seja, na zona de escalas que vai desde 1 m até
algumas centenas de quilómetros), a costa tem a dimensão D
estimada por Richardson. Isto não impede que, do ponto de
vista físico, ela tenha uma dimensão diferente, que estaria
associada ao conceito de fronteira entre a água, o ar e a areia
e que seria, por este facto, insensível a todas as influências
variadas que dominam a geografia.
Em resumo, o físico tem razão em tratar a passagem ao
limite matemático com uma certa prudência. A dimensão frac-
tal implica uma tal passagem, sendo, portanto, suspeita. Já
perdi a conta ao número de vezes em que físicos ou enge-
nheiros mo fizeram notar. Foi talvez devido a esta suspeição
que o papel físico a desempenhar pela dimensão fractal não foi
descoberto antes dos meus próprios trabalhos. Mas vemos que,
no caso presente, a aplicação do infinitesimal a um objecto
finito não deverá provocar quaisquer receios, desde que se
proceda com prudência.
42
Fig. 43- COMPRIMENTOS APROXIMADOS DAS COSTAS,
SEGUNDO LEWIS FRY RICHARDSON
I
COST.• 0
"" AAUs.,.,,
•""LIA
43
Figs. 44-45 - A CURVA DE VON KOCH
E A ILHA QUIMÉRICA «EM FLOCO DE NEVE>>
44
D ~ 1,26
.. .
~~
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'
:
.. , •, ,t ... ,.
-' "
45
Figs. 46-47- MÉTODO DE VON KOCH GENERALIZADO
o o
46
Define-se Nx) como a função periódica, de período 1/b,
igual, para 1 ::; x < 1/b, a wf0 (bx). Da mesma maneira, f,,(x),
de período b-", será igual, para O ::; x < b-", a w-"f0 (b"x). Se
w < 1/b, a série Ef,,(x) é sempre convergente e a sua soma G(x)
é contínua. Contudo, não possui derivada. Weierstrass estu-
dou esta construção quando as «partes» f,,(x) são sinusóides.
(P.-S. 1989. Os gráficos das funções G(x) não são auto-seme-
lhantes, mas «auto-afins». A noção de auto-afinidade é dis-
cutida em Mandelbr~t 1985s e 1986t e na contribuição de
R. F. Voss em Peitgen e Saupe 1988.)
47
Fig. 49- ESQUEMA ARBORESCENTE DO PULMÃO
48
O limite caracterizado por E = O e D = 2 é qualitativamente
diferente. Trata-se da curva de Peano representada na fig. 135,
que é uma variante da curva da fig. 51.
D'""' 1,9
49
Fig. 51 - A CURVA ORIGINAL DE PEANO
50
sendo isso inevitável- ver, no capítulo XIV, a definição de
«dimensão topológica». Sublinhemos que esses pontos duplos
não puderam ser claramente indicados no gráfico, pois teriam
impossibilitado o seguimento da continuidade da curva. Com
efeito, sempre que se vêem dois pontos muito próximos, eles,
de facto, confundem-se. Uma outra correspondência entre uma
curva e o plano estabelece-se através do movimento browniano
plano (fig. 59), o qual pode ser considerado uma versão esto-
cástica - o capítulo XIII chama-lhe «aleatorizada»- da curva
de ·Peano. Se não nos causar transtorno contar os pontos
duplos de forma repetida, a curva de Peano mostra uma
homotetia interna e uma dimensão fractal igual a 2, em con-
formidade com o facto de cobrir o plano.
A B
3
2Gl~9- 11
J
~
7
:.
•••
••• ••
•
•• •"'
D E F
51
Fig. 52- CILADAS A EVITAR NO ESTUDO
DA HOMOTETIA INTERNA GENERALIZADA
r= 2/3
52
CAPÍTULO III
O papel do acaso
Este capítulo continua a discussão do problema concreto
abordado no capítulo II e introduz a discussão da segunda
palavra do subtítulo da presente obra.
53
fologia, a situação agrava-se, pois o local e o global são igual-
mente incertos. A solução, então, mais ainda do que em mecâ-
nica, deverá ser de índole estatística.
Um tal recurso ao acaso evoca, inevitavelmente, todo o
género de inquietações quase metafísicas, mas isso não nos irá
preocupar. Este ensaio apenas invoca o acaso, tal como o cál-
culo de probabilidades nos ensina a manipular, por ser o único
modelo matemático à disposição de quem pretende apreender
o desconhecido e o incontrolável. Este modelo, felizmente para
nós, é extraordinariamente poderoso e cómodo.
54
Wallis 1968 e em Mandelbrot 1973f). Pelo contrário, no caso
dos objectos que nos interessam, a homotetia interna faz que
o acaso deva ter exactamente a mesma importância em todas
as escalas, o que implica que não faça sentido falar de níveis
microscópico e macroscópico. Por conseguinte, o mesmo grau
de irregularidade que, numa construção determinista (sem
acaso) como a de von Koch, teve de ser introduzido artificial
e patologicamente pode muito bem, no caso de uma constru-
ção aleatória, tornar-se quase inevitável. Lembramo-nos de que
foi Jean Perrin quem chamou a atenção para a analogia quali-
tativa entre o movimento browniano de uma partícula (fig. 59)
e a curva sem derivada de Weierstrass e Norbert Wiener quem
transformou esta analogia numa teoria matemática. O precur-
sor tinha sido Louis Bachelier, cuja aventura é relatada no
capítulo XV.
55
b) Este vector é isotrópico;
c) O seu comprimento é tal que a sua projecção sobre qual-
quer dos eixos obedece à distribuição gaussiana de den-
sidade.
--;:::::=1= exp (- xz )
..J 27t I t'- t I 2 I t'- t I
56
pode ser escolhido arbitrariamente (digamos, o número de
telefone do programador). Mas o programa está escrito de tal
maneira que, de cada vez que se «planta» a mesma semente,
o pseudodado «dá origem» à mesma sequência pseudo-«alea-
tória».
Notemos que a imagem da «semente» é elucidativa (e hoje
em dia é impossível mudá-la), embora exprima muito mal a
intenção de alguém que pretenda simular o acaso. Com efeito,
se um jardineiro espera que aquilo que vai recolher não de-
penda somente do solo, mas sobretudo do que é semeado, eu
espero que a escolha da semente não tenha qualquer efeito
marcante sobre as minhas simulações.
O pseudodado de dez faces constitui então um sustentáculo
obrigatório de qualquer simulação. A montante, o seu carácter
é universal, sendo necessário, para o justificar, fazer intervir a
fronteira entre a teoria dos números e o cálculo das probabili-
dades. Quanto ao jusante, ele é muito variável, dependendo do
que está em jogo, exigindo àqueles que o estudam toda uma
outra presença de espírito. Surge daí uma divisão muito natu-
ral do trabalho entre os especialistas de montante, que não é o
meu caso, e os de jusante, entre os quais já me incluo.
Tudo isto ajuda a compreender melhor como o cientista
ataca o pseudo-aleatório que existe na natureza. Também aí se
vêem, em geral, surgir dois estádios, cujo estudo exige espíri-
tos muito diferentes. No entanto, já não há aqui um susten-
táculo universal, independente do carácter do problema e da
forma de o abordar. Tem de se tratar, segundo os casos, com
um ou outro de um grande número de «acasos primários» pos-
síveis. O mais invocado continua ainda a ser o dado, interpre-
tado como um objecto físico ideal, mas existem muitos outros,
como sejam os pontos que caem dentro de um círculo com
uma distribuição uniforme de probabilidade, ou, estrelas dis-
tribuídas pelo céu de uma forma estatisticamente uniforme
(relacionada com a lei de Poisson). Notemos que, em havendo
não uma, mas duas ou mais variáveis, ou até mesmo uma
infinidade delas, quando se trata de caracterizar uma curva, a
hipótese primária consiste, tipicamente, em as supor indepen-
dentes. E esse o caso dos deslocamentos no movimento
browniano.
57
Qualquer que ele seja, o que caracteriza um acaso primário
é o facto de intervir como um ponto de separação entre duas
fases de uma teoria: o montante, acerca do qual praticamente
não falaremos ao longo deste livro, e o jusante, que irá tomar
formas variadas e inesperadas.
58
D = 2
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59
CAPÍTIJLO IV
As rajadas de erros
A teletransmissão de dados
Toda a linha de transmissão é um objecto físico e toda a
quantidade física está inevitavelmente submetida a numerosas
flutuações espontâneas, a que se dá o nome de «ruído».
61
As flutuações que aqui nos interessam manisfestam-se par-
ticularmente nas linhas destinadas à transmissão de dados
entre computadores, ou seja, à transmissão de sinais que
podem apenas tomar dois valores: 1 ou O. Ainda que a energia
relativa do «1» seja muito forte, acontece por vezes que o ruído
é suficientemente intenso para transformar o «1» em «O» ou
vice-versa. Por este facto, a distribuição dos erros reflecte a do
ruído, simplificando-a - se me é permitido afirmá-lo - até à
medula, uma vez que uma função com diversos valores possí-
veis (o ·ruído) é substituída por uma função com dois valores:
é igual a O se não houver erro e igual a 1 se houver. Ao inter-
valo entre dois erros chamaremos «intermissão».
O que torna este problema difícil é que se conhece muito
mal a forma como o ruído depende da natureza física da linha
de transmissão. Num dos casos que iremos discutir, contudo;
o ruído apresenta características muito curiosas e muito impor-
tantes, não só do ponto de vista conceptual que aqui nos inte-
ressa, como também do ponto de vista prático. (Ver os P.-5.
da p. 74.)
Sem perder muito tempo com este último aspecto, é de
assinalar que a raiz dos trabalhos descritos neste ensaio se
encontra no estudo dos ruídos em causa. O meu interesse.pelo
assunto, sem supor o seu impacte futuro, deve-se à existência
de uma questão prática importante e que escapava às ferra-
mentas normais dos especialistas.
Analisemos então os nossos erros de uma forma um pouco
mais refinada. Antes de tudo, observemos os intervalos de
uma hora durante os quais não ocorre nenhum erro. Desta
forma, todo o intervalo de tempo limitado por duas inter-
missões de duração igual ou superior a uma hora se chamará
uma «rajada de erros», a qual será considerada «rajada de
ordem 0». Mas, observando-a mais em pormenor, encontramos
diversas intermissões de 6 minutos ou mais, que separam «ra-
jadas de ordem 1». Da mesma maneira, cada uma destas últi-
mas rajadas contém diversas intermissões de 36 segundos ou
mais a separar as «rajadas de ordem 2». E assim por diante ...,
cada etapa sendo definida por intermissões pelo menos dez
vezes mais curtas que a precedente. Para se ficar com uma
ideia desta hierarquia é conveniente examinar a fig. 71.
62
Empiricamente, o mais notável é que as distribuições de
cada ordem de rajadas, quando comparadas com a ordem
imediatamente superior, se revelaram idênticas do ponto de
vista estatístico. Descobre-se assim um novo exemplo de
homotetia interna. A dimensão fractal não anda longe, mas,
antes de a precisar, vamos- como no capítulo I I - inverter
a ordem do desenvolvimento histórico das ideias e examinar
antes, não o modelo que eu recomendo, mas uma variante não
aleatória, muito grosseira, que é nitidamente mais simples, em-
bora muito importante em si mesma.
63
tico à intersecção da «barra de Cantor» (fig. 72), com o seu
eixo, ou da curva de von Koch (um terço da costa da ilha
ilustrada no cimo da fig. 45), com o segmento que constitui a
«base».
Quanto à extrapolação mais simples, ela duplica repetida-
mente o número de réplicas do conjunto interpolado. Antes de
tudo, posiciona-se uma réplica sobre o segmento [2, 3], ob-
tendo-se assim o conjunto original aumentado de uma razão
de 3. Em seguida colocam-se duas réplicas sobre [6, 7] e [8, 9],
respectivamente, obtendo-se assim o conjunto original aumen-
tado uma razão de 9. O passo seguinte é colocar quatJo répli-
cas sobre [2 x 9, 2 x 9 + 1], [2 x 9 + 2, 2 x 9 + 3], [2 x 9 + 6,
2 x 9 + 7] e [2 x 9 + 8, 3 x 9], para se obter o conjunto original
aumentado 27 vezes, e assim por diante.
Não é difícil ver que a poeira de Cantor interpolada e
extrapolada possui uma homotetia interna e que a sua dimen-
são é
log 2
D = - - = log32 = 0,6309
log 3
64
interpolação no momento em que ela atinge segmentos iguais
a uma pequena escala interna 11, correspondente à duração de
um símbolo de comunicação. Pára-se a extrapolação quando se
atinge uma grande escala externa A. Finalmente, para obter
uma sequência de comprimento superior a A, repete-se esta
construção de forma periódica.
Qual vai ser então o número M(R) de erros numa amostra
de comprimento R crescente? Quando a amostra começa na
origem, é fácil ver que, se R é menor do que A, o número de
erros duplica de cada vez que R triplica. Portanto, o número
total de erros cresce como M(R) oc R0 e o número médio de
erros decresce aproximadamente com RD-1•
Paremos um pouco para notar um novo tema essencial.
A geometria elementar ensina-nos o papel desempenhado por
D nas expressões que dão o comprimento de um segmento, a
área de um círculo e o volume de uma esfera. Pois bem, esse
papel acabou de ser generalizado a valores de D que não têm
de ser inteiros!
Retomemos aos erros. Se A é finito (tendo terminado a
extrapolação), o seu número médio decresce até um valor não
nulo, oc AD-t, que é atingido quando R= A, mantendo-se depois
constante. Se A é infinito, a média continua a baixar, até zero.
Finalmente, se os dados sugerem um A finito e muito grande,
mas sem permitir uma boa estimativa, o limite inferior da
média é não nulo, ficando porém muito mal definido e, por-
tanto, sem qualquer utilidade prática.
Com A finito pode-se igualmente fazer a amostra come-
çar no meio de uma intermissão. Neste caso, a média começa
por ser nula e assim permanece tanto mais tempo quanto
mais longa for a intermissão. Contudo, quando R = A, acaba
por atingir o mesmo valor final oc AD-1• Quanto maior for o
valor A, mais pequena é a média final e mais comprido é
o período inicial sem erros, ou seja, maior é a probabilidade
de a amostra que vai de t a t + R estar isenta de erros. Quando
A ~ oo, esta última probabilidade tende para a certeza, colo-
cando assim problemas delicados que resolvi através da intro-
dução do conceito de processo esporádico em, Mandelbrot
1967b.
65
Poeira de Cantor truncada e aleatorizada,
condicionalmente estacionária
As insuficiências da poeira de Cantor, do ponto de vista
prático, prendem-se com a sua excessiva regularidade e com
o facto de a origem desempenhar um papel privilegiado, o
que não tem qualquer justificação. É, portanto, necessário pro-
curar um objecto análogo, que será irregular por ser aleatório
e apenas sobreponível sobre si próprio do ponto de vista es-
tatístico. A terminologia probabilística qualifica-o de estacio-
nário.
Berger e Mandelbrot 1963 propuseram um meio simples de
atingir parcialmente esse objectivo. O ponto de partida é uma
aproximação truncada da poeira de Cantor, cujas escalas in-
terna e externa satisfazem 11 >O e A< oo. Basta aleatorizar
(lançar ao acaso) a ordem das suas intermissões, para as tornar
estatisticamente independentes umas das outras. Além disso, a
regra da p. 64, a respeito dos comprimentos das intermissões,
comporta uma função em escada. Substituúno-la pela própria
expressão u-D.
Em resumo, formulamos as hipóteses de as sucessivas inter-
missões serem inteiros estatisticamente independentes e de a
distribuição dos seus comprimentos satisfazer a «distribui.ção
hiperbólica» Pr(U ~ u) = u-v, que se lê: «A probabilidade de
igualar ou exceder u é u-D.»
A hipótese da independência leva a que se diga que os erros
constituem um «processo de renovação», também chamado
«processo recorrente». Se a origem é um «ponto de recor-
rência», o futuro e o passado são estatisticamente indepen-
dentes, mas, se a origem é escolhida arbitrariamente, eles não
o são.
Encontraremos a distribuição hiperbólica por diversas ve-
zes, pois ela está ligada a tudo o que diga respeito à homotetia
estatística.
Vamos mostrar que os erros assim distribuídos podem, efec-
tivamente, ser vistos como formando rajadas hierarquizadas.
Na ausência de um outro termo bem aceite (e para evitar o
anglicismo habitual clustering), proponho uma palavra que se
entende por si mesma e direi que os erros aparecem num
66
«amontoamento»1 muito nítido e cuja intensidade é medida
pelo expoente D.
Para definir quando é que há amontoamento estabeleçamos
então um «limiar» u0 • Definimos uma «rajada-u 0» como uma
sequência de erros contidos entre duas intermissões de com-
primento superior a u0• Separemos, em seguida, a sequência de
erros em rajadas-u 0 sucessivas. Distinguimos as intermissões
«> u0» e «< u0 » e consideramos as durações relativas dessas
intermissões, ou seja, as durações divididas por u0• Para um D
pequeno, as durações relativas das intermissões > u0 têm uma
forte probabilidade de ser muito claramente superiores a 1 (o
seu limite inferior): por exemplo, sabendo que U > u0, a proba-
bilidade condicional de que U > 5u 0 é s-v. Tende, portanto,
para 1 quando D tende para O. Pelo contrário, as durações rela-
tivas das intermissões < u0 tornam-se, na sua maioria, muito
inferiores a 1. É, por isso, razoável concluir que as rajadas-u 0
são claramente separadas, o que justifica, precisamente, a
designação de «rajada».
Além disso, o mesmo resultado é válido para todo o u0,
sendo, por consequência, as rajadas hierarquizadas. Todavia, à
medida que D aumenta, a separação entre as rajadas torna-se
menos acentuada.
Um facto espantoso, descoberto por Berger e Mandelbrot
1963, é o verificar-se que os conjuntos assim obtidos represen-
tam de forma extremamente conveniente os nossos dados
empíricos sobre os erros de transmissão. Além disso, diversos
cálculos relativos à poeira de Cantor são consideravelmente
simplificados. Comecemos por supor que A < oo e calculemos o
número médio de erros num intervalo de t a t + R, em que R
é muito superior à escala interna 11 e muito inferior à escala
externa A. É conveniente proceder em duas etapas. Em pri-
meiro lugar, supõe-se que se dá um erro no instante t ou, mais
genericamente, que, entre os instantes te t +R; o número M(R)
de erros é, pelo menos, igual a 1. Os valores assim calculados
67
não são absolutos, mas condicionais. Verifica-se que o valor
médio condicional de M(R) é proporcional a R0 , pelo que é
independente de A, e que a razão entre M(R) e o seu valor
médio é independente de R e de A. No entanto, o essencial é
a forma sob a qual a dimensão é introduzida na distribuição
condicional de M(R). Numa poeira de Cantor tudo dependia
da posição detem relação à origem. Aqui, pelo contrário, toda
a distribuição condicional é invariante em relação à posição de
t, de onde se extrai a conclusão de que a relação M(R) oc R0 é
válida para todo o A> R, continuando a ser válida quando A
se toma infinitamente grande.
O que depende fortemente de A é a probabilidade de o
número de erros ser não nulo. Em particular, consideremos a
probabilidade de o intervalo de t a t + R cair todo dentro de
uma intermissão de grande comprimento. Quando A aumenta
indefinidamente, essa probabilidade avizinha-se de 1 e a pro-
babilidade de observar um erro toma-se infinitamente pe-
quena. Mas isto não afecta em nada a probabilidade condicio-
nal do número de erros, garantindo-se à partida ou que haja·
um erro no instante preciso t, ou que haja pelo menos um erro
algures no intervalo de t a t + R. Iremos retomar esta disdtssão
no capítulo seguinte, a propósito daquilo que se chamará
«princípio cosmográfico condicional».
68
tória chamada «poeira de Lévy». A definição clássica reinter-
preta a distribuição hiperbólica Pr(U ~ u) = u-0 • Supusemos até
agora que u é um inteiro ~ 1, enquanto Lévy supõe que u é um
real positivo. Desta maneira, a «probabilidade» total deixa de
ser igual a 1, para passar a ser infinita! Apesar das aparências,
esta generalização tem um sentido preciso, embora implique
diversas dificuldades técnicas que convém evitar. Fá-lo-emos
adoptando uma outra construção, mais natural, proposta em
Mandelbrot 1972z.
Para a introduzir, será útil descrever a construção de Cantor
por meio de «tremas virtuais». (É possível que este método seja
inédito, pois não terá tido qualquer utilização até ao presente.)
Parte-se, uma vez mais, de [0,1] e de novo se apara o terço
central ]113, 213[, mas, depois disso, pretende-se aparar os
terços centrais de cada terço de [0,1]. Tendo o terço central
de [0,1] já sido aparado, apará-lo uma segunda vez não
tem qualquer efeito real. Contudo, esses «tremas virtuais»
revelam-se muito cómodos. Aparam-se, da mesma maneira, os
terços centrais de cada nona parte de [0,1], de cada vigésima
sétima parte, etc. Convém aqui notar que o número de tremas
de comprimento superior a u vem a ser grosso modo igual· a
(1 - D) I u, onde D é uma constante determinada pelas regras
de dissecção.
Dito isto, aleatorizemos então os comprimentos e as posi-
ções dos tremas acima referidos. Escolhemo-los independente-
mente uns dos outros, e de tal maneira que o número médio
de tremas de comprimento superior a u seja (1 - D) I u. Ao
escolhê-los de maneira independente, permitimos aos tre-
mas cruzarem-se ou serem virtuais no sentido definido no
paráfrafo precedente. Os pormenores técnicos interessam
pouco. O essencial é que o resultado da construção depende
radicalmente do sinal de D.
Quando D ~O e se pára nos tremas de comprimento 11 >O,
é pouco provável que sobre alguma coisa. Se sobrar, será, sem
dúvida, um intervalo muito pequeno. Seguidamente, quando
11 ---7 O, torna-se quase certo (a probabilidade torna-se igual a 1)
que os tremas não deixem a descoberto quase nenhuma ponto
da recta. (Continua na p. 74)
69
Fig. 71- MOVIMENTO BROWNIANO ESCALAR:
SEUS ZEROS E SUA CRÓNICA
70
confirmou esta conjectura, conduzindo aos modelos discutidos
no texto.
Note-se que os zeros do movimento browniano - de que
esta figura forma uma aproximação discreta- constituem a
variante mais simples de uma poeira de Cantor aleatória de
dimensão D = 0,5. Qualquer outro D que se deseje - caso
esteja compreendido entre O e 1 - pode ser obtido através dos
zeros de outras funções aleatórias. A dimensão fractal de uma
sequência de erros de telefone define-se à custa deste modelo.
O seu valor depende das características precisas do substrato
físico.
Examinemos de seguida não só os zeros da curva de cima,
mas também o conjunto dos seus valores. Em Mandelbrot
1963e notei que a sua forma faz lembrar a dos cortes verticais
do relevo terrestre. Generalizada por diversas vezes, esta ob-
servação conduziu aos modelos do capítulo vn.
Um processo de Poisson. Os instantes em que o Pedro e o
Francisco jogam não têm necessariamente de estar distribuídos
uniformemente no tempo. Podem ser escolhidos ao acaso, in-
dependentemente uns dos outros, com a mesma densidade.
Formam então um processo de Poisson. Apesar de o resultado
não diferir da passeata acima descrita senão de uma forma im-
perceptível, verifica-se que apresenta diversas vantagens. Em
particular, a sua construção é generalizável ao caso multidi-
mensional, conforme se verá no capítulo VII.
D = 1.5
71
Fig. 72 -A BARRA DE CANTOR
11 -- - -
-
11
- -
-
=
=
11
11
-- -
--
D = log3 2 ,.., 0,63
72
Uma função que generaliza r ao caso do plano, ou do
espaço a três dimensões, está implícita no estudo dos voos de
Lévy, tal como eles aparecem ilustrados nas figs. 107 a 113.
É preciso imaginar k como uma coordenada perpendicular ao
plano de uma dessas figuras e o k-ésimo movimento da escada
como sendo paralelo a um salto do desenho, localizado à altura
k. Se se supõe que a repartição da massa galáctica é uniforme
sobre o eixo dos k, a função r torna-a fractal, isto é, terrivel-
mente não uniforme no plano ou no espaço.
73
Pelo contrário, quando O < D < 1, os tremas·- deixam a
descoberto um certo conjunto muito pequeno, que se verifica
ser precisamente uma poeira de Lévy de dimensão igual a D.
Para este conjunto, a homotetia interna estatística é uni-
forme, no sentido de que a razão r pode ser escoThida sem
restrições, contrariamente ao conjunto de Cantor, para o qual
r devia ser da forma 3-k, com k inteiro.
É realmente uma pena (como foi dito no princípio deste
capítulo) que não haja nenhum bom método directo para ilus-
trar os resultados que acabam de ser apresentados. No en-
tanto, da mesma maneira que a poeira de Cantor se pode
imaginar muito bem de forma indirecta, através da intersecção
da curva de von Koch com a sua base, pode-se imaginar a
poeira de Lévy de forma indirecta, através da cidade de ruas
aleatórias representada na fig. 75. A construção prolonga cada
trema da recta numa direcção do plano escoThida ao acaso. Ao
passo que as «casas» restantes têm uma dimensão D > 1, a sua
intersecção com uma recta arbitrária é uma poeira de Lévy de
dimensão D - 1. Pelo contrário, se D < 1, a intersecção será
quase de certeza vazia.
74
Fig. 75 -EFEITO DOS TREMAS EM FORMA DE BANDA.
CIDADE DE RUAS ALEATÓRIAS
D,.., 1,9
75
CAPÍTULO V
As crateras da Lua
A lógica do desenvolvimento do modelo dos tremas, com o
qual terminou o capítulo anterior, leva-nos agora aos tremas
do plano, em forma de discos. Embora o seu interesse seja
incomparavelmente mais geral, iremos introduzi-los por meio
de uma discussão, rápida e um pouco seca, do relevo lunar.
A Lua servir-nos-á, assim, de etapa intermédia para os objectos
celestes estudados no capítulo seguinte.
O termo «cratera» implica uma origem vulcânica, embora,
na realidade, as crateras lunares sejam atribuídas ao impacte
de meteoritos. Quanto maior é um meteorito, maior e mais
profundo é o buraco que ele provoca. Contudo, um novo
impacte de grandes proporções pode apagar os vestígios de
muitos outros anteriores e um novo impacte de um meteorito
pequeno pode «quebrar» os rebordos de uma grande cratera
mais antiga. Além disso, outras forças contribuem para modi-
ficar a superfície da Lua. No fim de contas, é necessário, no
que diz respeito às origens e às áreas das crateras, distinguir
duas distribuições diferentes: aquela que é observada e aquela
que está subjacente. Supomos (isto é uma aproximação draco-
niana!) que os rebordos das crateras se apagam de repente ao
fim de um certo tempo que não está relacionado com o seu
tamanho. Quanto às áreas das crateras, Marcus 1964 e Arthur
1954 mostraram que seguem uma distribuição hiperbólica de
expoente y próximo de 1. Admitimos que esta é a distribuição
77
subjacente. Finahnente, trabalhamos com base no plano, e não
na superfície da esfera. Isto leva-nos a generalizar a duas
dimensões a construção dos tremas aleatórios, tratada no
capítulo IV. Ao substituir os intervalos por discos, faremos que
tudo se mantenha isotrópico (isto é, invariante para a rotação
do conjunto).
Um primeiro problema consiste em determinar se existem
partes da Lua que permaneçam eternamente sem uma cratera.
Se a resposta for afirmativa, é necessário caracterizar a estru-
tura geométrica do conjunto não coberto por crateras. É pre-
ciso notar que a hipótese de desgaste brutal dos bordos signi-
fica que a duplicação do «tempo de vida» V antes do desgaste
equivale à duplicação do número de crateras de cada área.
Eis as respostas às questões acima colocadas. Antes de tudo,
existem dois casos de reduzido interesse matemático, os quais
- isso não era evidente a priori! - não se aplicam à realidade.
Se o expoente y da lei das áreas das crateras for inferior a 1,
é quase certo -qualquer que seja o tempo de vida de uma
cratera- que o resultado do bombardeamento meteórico
consistirá em cobrir todos os pontos da superfície lunar com,
pelo menos, uma cratera. Se y > 1, qualquer quadrado da
superfície lunar tem uma probabilidade não nula de ser exte-
rior a qualquer cratera. Essa superfície fica então com a
aparência de uma fatia de queijo de Emmenthal: uma canção
ensinava às crianças britânicas que a Lua era feita de queijo
verde. Não estaria, portanto, enganada quanto à substância,
mas sim quanto à cor e à proveniência. Quanto maior for o
valor de y, menor será o número de pequenos buracos e mais
maciço será o nosso queijo.
Vejamos agora o caso interessante. Se y = 1 e o tempo de
vida V das crateras for superior a uma certa constante V0, é
quase certo, mais uma vez, que nenhum ponto será exterior a
todas estas crateras. Se V > V O' pode-se simplesmente dizer que
este conjunto não contém nenhum quadrado- por muito pe-
queno que seja esse qu~drado. Além disso, a sua área (definida
como medida de Lebesgue) é igual a zero. Finahnente, a sua
dimensão tende para O quando V aumenta.
Quando V é menor do que V O' o conjunto não coberto é um
fractal. Se V for muito pequeno, este fractal tem uma dimensão
78
próxima de 2, assemelhando-se a filamentos infinitamente bi-
furcados, que separam os buracos, muito pequenos e que não
se sobrepõem muito uns aos outros. Talvez o amador aí reco-
nheça, comigo, uma extrapolação evanescente da estrutura do
queijo suíço de Appenzell. Quando V cresce e D decresce, pas-
sa-se progressivamente para um Emmenthal, que também
desaparece, mas desta vez por culpa de buracos grandes que
frequentemente têm partes comuns. Entre outras coisas, inclui
muitos bocados rodeados por coroas vazias muito irregulares.
Depois, para um certo valor «crítico» D, a situação altera-se
qualitativamente: os nossos «filamentos» de queijo decom-
põem-se e o conjunto não coberto por nenhuma cratera trans-
forma-se numa poeira.
Estes últimos resultados são ilustrados nas figs. 80 a 83. Eles
ultrapassam bastante em importância o problema relativo às
crateras da Lua.
79
Figs. 80-81- FATIAS DE «QUEIJO FRACfAL DE APPENZELL»,
COM BURACOS REDONDOS ALEATÓRIOS
80
fosse e, em caso afirmativo, se o resto seria constituído por fios
conexos ou por uma poeira de pontos.
A resposta às questões que acabam de ser colocadas de-
pende de Q. Em particular, D = 2 - 2xQ2.
Quando Q é muito pequeno, por .um lado, os tremas só
cobrem o plano muito lentamente e, por outro, o resto con-
serva uma interconexão muito forte, como se vê no diagrama
da p. 80, no qual vejo uma semelhança com o queijo suíço de
Appenzell. Este diagrama tem uma dimensão fractal de 1,99.
No diagrama da p. 81, a dimensão torna-se D = 1,99, sem que
tenha mudado a semente do gerador pseudo-aleatório. Multi-
plicaram-se, portanto, as áreas dos tremas precedentes por
uma constante superior a 1. O efeito é evidente: a interconexão
do que resta diminuiu de forma nítida.
81
Figs. 82-83- FATIAS DE <<QUEIJO FRACTAL DE EMMENTHAL», COM
BURACOS REDONDOS ALEATÓRIOS
82
83
CAPÍTULO VI
85
e confirma o telescópio. Esta característica é assinalada em
todas as obras, mas, quando se passa aos desenvolvimentos
sérios, a quase unanimidade dos teóricos supõe imediatamente
que a matéria estelar está distribuída de uma maneira uni-
forme.
Uma outra explicação para esta hesitação em tratar o irregu-
lar é a inexistência de qualquer descrição geométrica para ele,
tendo todas as tentativas efectuadas para a conseguir acabado
por reconhecer as suas deficiências. Desta forma, tudo o que se
poderia fazer era pedir à estatística que decidisse entre a hipó-
tese da uniformidade assimptótica, conhecida a fundo, e uma
hipótese contrária, muito vaga. Será de espantar que os resul-
tados de verificações tão mal preparadas tenham sido tão
pouco concludentes?
Para sair deste impasse, não seria então mais útil tentar, uma
vez mais, a descrição sem esperar a explicação? Não seria mais
útil mostrar, por exemplo, que as propriedades que se deseja
encontrar nesta distribuição são mutuamente compatíveis, e
isto no seio de uma construção «natural», quer dizer, onde não
se tenha de pôr t_udo o que se pretenda retirar, portanto, que
não seja demasiado ad hoc, «à medida»?
Este capítulo, fazendo uso de uma generalização do movi-
mento browniano, demonstra que uma tal construção é efecti-
vamente possível, que parece fácil (depois, tudo é fácil) e que
inclui inevitavelmente os conceitos de objecto e de dimensão
fractais.
Examinaremos com que é que se assemelha, quando se exa-
mina radialmente a partir da Terra, uma distribuição subme-
tida (retomando o neologismo do capítulo IV) a um amontoa-
mento ilimitado. O resultado, que não é evidente, não pode
deixar de afectar a interpretação dos dados experimentais.
O capítulo IX irá tratar de objectos relativamente intermitentes
e introduzir a matéria interestelar. Mas, por agora, supomos
que o espaço entre as estrelas é vazio.
86
A densidade global das galáxias
Comecemos por examinar de perto o conceito de densidade
global da matéria no universo. A priori, tal corno o compri-
mento de urna costa, essa densidade não parece colocar
qualquer problema, mas, de facto, as coisas depressa se desen-
caminham e de urna forma muito interessante. Dentre os
muitos processos possíveis para definir e medir a densidade,
o mais directo consiste em medir a massa M(R) contida numa
esfera de raio R, centrada na Terra, calcular depois a densidade
média definida por M(R)/[(4/3)n:R3], fazendo, em seguida, R
tender para infinito e, definindo, finalmente, a densidade glo-
bal p, corno o limite para o qual a densidade média não pode
deixar de convergir.
Infelizmente, a convergência em questão deixa muito a
desejar: à medida que a profundidade do mundo perceptível
pelos telescópios aumentou, a densidade média da matéria não
deixou de diminuir. Variou mesmo de forma regular, man-
tendo-se aproximadamente proporcional a RD-3, com o ex-
poente D positivo, mas menor do que 3, mesmo muito menor,
da ordem de grandeza de D = 1. A massa M(R), portanto,
aumenta aproximadamente com R0 , fórmula que faz lembrar a
obtida no capítulo IV para o número de erros estranhos no
intervalo de tempo R e que constitui, assim, uma primeira
indicação de que D talvez seja urna dimensão fractal.
A desigualdade D < 3 exprime que, à medida que a Terra
está mais longe, os objectos celestes se agrupam hierarqui-
camente, manifestando assim o intenso amontoamento de que
falámos. Nos termos eloquentes de Vaucouleurs 1970 (expo-
sição que recomendo vivamente), «O amontoamento das galá-
xias e, sem dúvida, de todas as formas de matéria permanece,
qualquer que seja o método de observação, a característica
dominante da estrutura do universo, sem haver indicação de
urna aproximação à uniformidade. A densidade média da
matéria decresce continuamente quando se consideram volu-
mes cada vez maiores ... e as observações não nos dão qual-
quer motivo para supor que esta tendência não se mantenha
para distâncias muito maiores e densidades muito menos ele-
vadas».
87
Caso a tese defendida por Gérard Vaucouleurs se confirme
(não se pode esconder que ela suscitou algumas reservas, mas
parece ser cada vez mais bem aceite), o mais simples será
admitir que D é constante. Mas, de qualquer das maneiras, o
universo comportar-se-ia como o novelo de fio discutido no
capítulo II: numa zona intermédia, a sua dimensão seria infe-
rior a 3. A escalas muito grandes, dependendo do facto de
Vaucouleurs ter razão ou não, seria inferior ou igual a 3, res-
pectivamente. A escalas muito pequenas, do ponto de vista
da astronomia, estaríamos perante pontos e depois sólidos com
os contornos bem delimitados, sendo D de novo igual a O e
depois a 3.
Pelo contrário, a ideia ingénua de que as galáxias se repar-
tem pelo universo de uma maneira praticamente uniforme (a
tradução técnica desta ideia seria que elas seguem uma dis-
tribuição de Poisson) economizaria a zona em que a dimensão
está compreendida entre O e 3, dando simplesmente (por esca-
las decrescentes) as dimensões 3, Oe 3. Se o modelo fractal com
O < D < 3 se aplica apenas numa zona truncada nos dois
extremos, poder-se-á dizer que, globalmente, o universo tem
dimensão 3, mas com perturbações locais de dimensão inferior
a 3 (da mesma maneira que a teoria da relatividade geral
afirma que o universo é globalmente euclidiano, mas que a
presença de matéria o torna localmente riemaniano).
Sumário do capítulo VI
88
ciência. Tomei conhecimento do seu modelo através de uma
citação sarcástica, mas acabei por achar bem transpô-lo para
termos científicos. Fournier 1907 apenas sobreviveu por ter
chamado a atenção de um astrónomo conceituado- C. V. L.
Charlier. Este, por seu turno, propôs um modelo aparente-
mente mais geral, mas também menos útil, que iremos
igualmente descrever a seguir.
Em seguida, o princípio caiu no esquecimento, para ser
reinventado em Lévy 1930, o que acho engraçado, e em Boyle
1953, o que é importante. Tal como Fournier e Charlier, Lévy
procurava evitar o paradoxo do «céu em fogo», também cha-
mado «paradoxo de Olbers», que justificadamente apaixona o
amador e que nós iremos discutir. Quanto a Boyle, desenvol-
via o seu modelo de génese das galáxias, que iremos igual-
mente analisar.
Penso que será bom centrar a exposição que se segue numa
ressurreição do modelo bastante esquecido de Fournier-Char-
lier, mas não poderemos esperar mantê-lo, pois é totalmente
inverosímil, pelas mesmas razões que o conjunto de Cantor o
era para os erros do telefone: é excessivamente regular e a
origem terrestre desempenha na sua construção um papel
privilegiado, que choca com o princípio cosmológico.
Este último princípio, que iremos igualmente discutir, coloca
um problema muito sério, pois é incompatível não só com os
pormenores do modelo de Fournier-Charlier, mas também
com a possibilidade de a densidade aproximada de matéria
numa esfera de raio R tender para O quando R tende para
infinito. Demonstrei, entretanto, como a dita incompatibilidade
matemática pode ser, por assim dizer, «exorcizada». É assim
que, logo após ter descrito o modelo de Fournier, proporei a
ideia de que o princípio cosmológico vai além do razoável e do
desejável, devendo ser modificado, de forma natural, mas
radical. Recomendarei que se adopte para ele urna nova forma,
muito enfraquecida e que qualificarei de condicional, que
postula que o dito princípio é apenas válido para «ver-
dadeiios» observadores. Esta nova forma enfraquecida pare-
cerá, sem dúvida, inofensiva, e não há dúvida de que a maioria
dos astrónomos não só a achará aceitável, corno se interrogará
sobre o que ela traz de novo. Já a teriam estudado há muito
89
tempo se lhe tivessem reconhecido o mínimo interesse. Vere-
mos que o interesse do meu princípio cosmográfico condi-
cional é que ele não implica qualquer hipótese quanto à den-
sidade global. Para demonstrar o facto de permitir à densidade
média crescer com R0 - 3 em tomo de qualquer verdadeiro
observador, irei descrever uma construção explícita, que, num
certo sentido técnico, equivale à substituição injustificada de
um problema de N corpos, que é insolúvel, por uma combi-
nação de problemas de dois corpos, que é fácil de resolver.
Este processo não aspira ter nenhuma realidade cosmográfica,
mas resolve o paradoxo que nos interessa. De caminho encon-
traremos muitas razões para interpretar D como uma dimen-
são fractal. ·
90
lado da função representada pela recta M(R) =R. A densidade
média dentro da esfera de raio R é aproximadamente propor-
cional a R-2, a densidade global anula-se e a dimensão D, defi-
nida por meio da expressão M(R) oc R 0 , é igual a 1.
Partindo dos amontoados de ordem O, pode-se igualmente
interpolar até o infinito, por etapas sucessivas. A primeira
etapa substitui cada ponto por um amontoado de ordem 1,
reduzido na razão de 117, e assim sucessivamente.
Note-se que as intersecções do resultado com cada um dos
eixos de coordenadas, bem como as suas projecções sobre
esses eixos, são poeiras de Cantor. Cada etapa da sua cons-
trução consiste em dividir o intervalo [0,1] em 7 partes iguais,
cortando depois a segunda, terceira, quinta e sexta partes.
Uma vez infinitamente interpolado e extrapolado, este uni-
verso possui uma homotetia interna, sendo possível definir a
sua dimensão de homotetia, a saber D = log 7llog 7 = 1. Inci-
dentalmente, fazemos notar este elemento novo: um objecto
espacial pode ter uma dimensão fractal igual a 1 sem ser nem
uma recta nem nenhuma outra curva rectificável, e mesmo sem
ser todo ligado. A mesma dimensão de homotetia, portanto, é
compatível com valores diferentes da dimensão topológica
(noção descrita no capítulo XIV). De uma forma mais geral, a
dimensão de homotetia de um objecto fractal pode tomar um
valor inteiro, na condição de este valor ser «anormal», isto é,
superior à dimensão topológica. (Na introdução chamei a
atenção para o facto de o velho termo «dimensão fraccionária»
nos obrigar a dizer que a «dimensão fraccionária de certos
objectos é igual a 1 ou a 2»!)
Como veremos mais à frente, diversas razões físicas foram
avançadas, quer por Foumier quer por Boyle, para justificar
D = 1, mas é preciso dizer desde já que este valor não tem nada
de inevitável do ponto de vista geométrico. Ainda que se
conserve a construção à base de octaedros e o valor N = 7,
pode-se dar a 1I r um valor diferente de 7, obtendo-se assim
M(R) oc R 0 com D = log 7 llog (llr). Qualquer valor entre 3 e o
infinito é aceitável para 1I r, pelo que D pode tomar qualquer
valor entre O e log 7 llog 3"" 1,7712. Ainda um outro ponto: a
escolha de N é discutível. Foumier diz ter considerado N = 7
unicamente para tomar possível um desenho legível, sendo o
91
«verdadeiro» valor (não explica porquê) N = 1022 • Pelo contrá-
rio, Boyle considera N = 5. Qualquer que seja N, sendo dado
um D que satisfaça D < 3, é fácil construir variantes do modelo
de Fournier tendo esse valor por dimensão.
(Assinalemos, sem aí nos determos, que a estrutura infini-
tamente hierarquizada do universo de Fournier só surge ple-
namente quando ela é examinada de um ponto infinitamente
distante, utilizando um instrumento que permita, ao mesmo
tempo, ver até ao infinito e ter uma percepção das distâncias.
A um observador que faça, ele mesmo, parte do universo, e
cujos instrumentos tenham um alcance limitado, permitindo-
-lhe ver apenas até à profundidade R< oo, o universo de
Fournier aparecerá sob uma forma totalmente diferente.)
92
Paradoxo do «céu em fogo», dito de Olbers
Kepler parece ter sido o primeiro a reconhecer que a hipó-
tese de uniformidade na repartição dos corpos celestes não é
sustentável. Com efeito, se assim fosse, o céu nocturno não
seria escuro. De dia corno de noite, todo o céu teria a mesma
luminosidade que o disco solar, ou seja, seria uniformemente
da cor do fogo. A esta inferência chama-se normalmente o
«paradoxo de Olbers», referindo-se a Olbers 1823. Para urna
discussão histórica poder-se-á consultar Munitz 1957, North
1965 ou Jaki 1969. Já aqui se disse que o paradoxo desapare-
ceria se nos conseguíssemos convencer de que os corpos
celestes satisfazem M(R) ex: R0 , com D < 2. O primeiro objectivo
de Fournier e Charlier foi construir um universo em que M(R)
tornasse efectivamente essa forma.
O argumento de Olbers é muito simples. Compara urna
estrela situada à distância R do «observador» com urna estrela
situada à distância R = 1. Embora a sua luminosidade relativa
seja igual a 1 I R2, a sua superfície relativa aparente é também
igual a 1/R2, pelo que a densidade de luminosidade aparente
é a mesma para todas as estrelas. Além disso, se o universo é
uniforme, qualquer que seja a recta que se trace no céu, esta
acaba por intersectar o disco aparente de alguma estrela, pelo
que a densidade de luminosidade aparente é a mesma ao longo
de toda a extensão do céu.
Se, pelo contrário, M(R) ex: R0 , com Daquém do limiar D < 2,
urna proporção não nula das direcções perde-se no infinito,
sem nunca encontrar nada. Essa é urna razão suficiente para
que o fundo do céu nocturno seja escuro.
Convém, contudo, dizer desde logo que D < 2 não é urna
razão necessária. O paradoxo do céu em fogo pode ser
igualmente «esconjurado» de muitas outras maneiras, que não
implicam o uso de fractais, pelo que o seu estudo viria aqui a
despropósito. Coisa curiosa: a maioria dos «exorcistas» preten-
dem reduzir tudo a urna única explicação e os seus trabalhos
parecem ter retardado o estudo do amontoamento estelar ou
galáctico.
É ainda de assinalar que, quando a zona onde D < 3 é
seguida, a urna distância grande, mas finita, de urna zona
93
homogénea em que D = 3, o fundo do céu não será negro, mas
iluminado muito tenuemente.
94
quer outro, quando se admite que as galáxias e as estrelas se
formaram a partir de uma cascata de fragmentações, partindo
de urna massa gasosa uniforme.
O argumento, atribuído a Hoyle 1953, é controverso, mas
tem em conta urna certa realidade física. Em particular, associa
D = 1 ao critério de equilíbrio das massas gasosas, devido a
Jeans.
Imaginemos urna nuvem gasosa de temperatura T e de
massa M 0, repartida com urna densidade uniforme pelo inte-
rior de uma esfera de raio R0• Jeans demonstrou o papel espe-
cial do caso crítico em que M/ R0 = JkT I G (onde J é um certo
factor numérico, k a constante de Boltzmann e G a constante de
gravitação universal). Neste caso, a nossa nuvem é instável,
devendo inevitavelmente contrair-se e subdividir-se. Hoyle
postula que M/ R0 toma efectivamente este valor crítico e
que a contracção acaba com urna nuvem de raio R/5 213, após
o que a nuvem se subdivide em 5 nuvens iguais, de massa
M 1 = M o/5 e de raio R1 =(Ro/5 213 )/5 113 =Ro/5 . A etapa termina
(propositadamente) do modo corno começou, na instabilidade,
seguindo-se urna segunda etapa de contracção e subdivisão.
Hoyle não escolheu N = 5 simplesmente para facilitar a ilus-
tração, mas por razões físicas (nas quais não nos podemos
demorar).
Além disso, pode-se mostrar que as durações da contracção
de ordem m e da primeira contracção estão na razão de 5-m.
Portanto, ainda que o processo seja levado até ao infinito, a sua
duração total permanece finita, não ultrapassando um quarto
da da primeira etapa.
Chega-se assim às seguintes conclusões. Em primeiro lugar,
Hoyle encontra o princípio cantoriano já subjacente nos tra-
balhos de Fournier. Em segundo lugar, Hoyle apresenta razões
físicas· para se acreditar em N =5. Em terceiro lugar, o crité-
rio de estabilidade de Jeans fornece urna segunda maneira
de determinar o valor da dimensão D. Curiosamente, dá
exactamente o mesmo resultado final: a dimensão deverá ser
igual a 1.
Por outro lado, acredito que os argumentos de Hoyle e de
Fournier não são mais do que as duas faces de uma mesma
ideia. Com efeito, observo que no bordo de urna nuvem ins-
95
tável de Jeans, CMI R é, ao mesmo tempo, igual a V2 /2 (Four-
nier) e a JkT (Jeans). Portanto, V2/2 = JkT, significando que a
velocidade de queda de um objecto macroscópico é propor-
cional à velocidade média das moléculas, que contribui para T.
Este comentário mereceria ser seguido.
96
Princípio cosmográfico condicional
Referimos o universo a um referencial submetido à condição
de a sua origem conter, ela própria, alguma massa.
Postulado: A distribuição condicionada da matéria é iden-
ticamente a mesma para todos os referenciais. Em particular,
a massa M(R), contida dentro de uma esfera de raio R, é uma
variável aleatória independente do referencial.
Postulado adicional:
a densidade global da matéria é não nula
Se necessário, poder-se-á igualmente postular que os limites,
quando R~ oo, de R-3M(R) e de R-3 < M(R) > são, quase de
certeza, iguais, sendo, além disso, positivos e finitos.
97
certo que estará vazia. Essa afirmação seria uma pura verdade,
mas sem qualquer interesse e, na prática, insuficiente:
A partir do momento em que todos os casos interessantes
tomados em conjunto têm assim uma probabilidade nula, a
física matemática deverá encontrar um método que os dis-
tinga. É precisamente o que faz a distribuição condicional de
probabilidade e é o que justifica o realce que proponho dar ao
princípio cosmográfico condicional.
Subdividir assim o princípio forte em duas partes tem a
vantagem filosófica adicional de satisfazer o espírito da física
contemporânea, separando o que é observável, pelo menos em
princípio, daquilo que é impossível de se verificar e constitui
quer um acto de fé, quer uma hipótese de trabalho.
De facto - conforme já foi dito -, é muito provável que a
maioria dos astrónomos não levante a priori qualquer objecção
contra o condicionamento que proponho e que este já fosse
banal há muito tempo se se lhe conhecessem algumas conse-
quências dignas de atenção. Ou seja, se se tivesse reconhecido
que constitui não um refinamento formal, mas uma generali-
zação autêntica. Portanto, seja para fundamentar o acto de
fé, seja para mostrar que a hipótese de trabalho é efectiva-
mente útil, por ser simplificadora, é necessário estudá-lo seria-
mente.
98
tividade exigidos pelos factos. A este modelo seguir-se-ão
outros, menos irrealistas.
Suponhamos que uma nave parte de um ponto ll(O) do
espaço e que a sua direcção se distribui de uma forma aleatória
e isotrópica. A distância entre ll(O) e o ponto ll(l), definido
como a primeira paragem após ll(O), será igualmente aleatória,
com uma distribuição prescrita à partida. O essencial é que os
saltos só raramente tomem valores muito altos, de modo que,
para o quadrado do comprimento do salto, o valor expectável
< [ll(l) - ll(0)]2 > seja finito. Em seguida, a nave parte de novo
para ll(2), definido de tal maneira que os vectores ll(l)- ll(O)
e ll(2)- ll(l) sejam independentes e identicamente distri-
buídos. Continua assim ad infinitum.
Além disso, podem-se ainda determinar os seus pontos de
paragem anteriores ll(-1), ll(- 2), etc., utilizando o mesmo
mecanismo em sentido inverso. Visto que o mecanismo não faz
intervir a direcção do tempo, basta, com efeito, fazer partir de
ll(O) duas trajectórias independentes. Feito isto, apaguemos as
trajectórias rectilíneas traçadas pelas naves e examinemos o
conjunto dos seus pontos de paragem, sem ter em conta a
ordem pela qual cada um apareceu. Por construção, a se-
quência dos pontos de paragem segue exactamente a mesma
distribuição, qualquer que seja o ponto ll(m) a partir do qual
é examinada. Este conjunto satisfaz, então, o princípio cos-
mográfico condicional.
Vamos agora supor que um pedaço de matéria é «semeado»
em cada ponto de paragem. Se (como no capítulo III) o voo se
limita ao plano, o conjunto dos pontos reparte-se de uma
maneira quase uniforme. De facto, se os saltos tiverem uma
distribuição gaussiana, o conjunto dos pontos no plano satisfaz
o princípio cosmográfico forte. De qualquer maneira, uma
esfera de raio R e de centro em ll(k) contém uma quantidade
de outros pontos cuja ordem de grandeza é M(R) oc R2• No
espaço, pelo contrário, os ll(k) repartem-se de uma maneira tão
irregular que se tem ainda M(R) oc R2, e não M(R) oc R3•
O valor do expoente, D = 2, é independente da dimensão do
espaço ambiente e da distribuição dos saltos ll(k)- ll(k ~ 1).
Esta é uma consequência directa do teorema do limite central.
Este afirma que, quando < [ll(k)- ll(k -1)]2 > < oo, a distância
99
IT(k) - IT(O) obedece assimptoticarnente à distribuição gaus-
siana, seja qual for a distribuição exacta dos saltos IT(k)- IT(k -1).
No espaço segue-se que a densidade média dos pontos é
proporcional a R-1 e tende para O quando R ~ oo. De facto, se
a origem do referencial for escolhida com urna probabilidade
uniforme no espaço, pode-se mostrar que urna esfera de raio
R finito não conterá nenhum ponto IT(k). Portanto, vista de
urna origem arbitrária, a distribuição dos pontos é d€generada,
excepto nos casos de probabilidade total nula. Em resumo, o
princípio cosmográfico aplica-se bem aos pontos de paragem,
mas só num sentido simultaneamente estatístico e condicional.
De um modo mais geral, a restrição do princípio cosmográfico
na forma condicional é necessária a partir do momento em que
M(R) cresce mais lentamente do que R3 •
O facto de M(R) crescer com R2 está de acordo com a ideia
de, num dos múltiplos sentidos formais do termo «dimensão»,
a dimensão do conjunto de pontos IT(k) ser igual a 2. En-
tretanto, o voo acima descrito avança por saltos discretos.
Portanto, estritamente falando, não pode possuir homotetia
interna. A fim de se poder aplicar o conceito de dimensão de
homotetia, tal como foi definido mais acima para a curva de
von Koch e para a poeira de Cantor, é necessário tomar o k
contínuo, interpolando, ao mesmo tempo, a nossa função IT(k).
A partir do momento em que os saltos de um voo de
Rayleigh são gaussianos, a interpolação é possível e conduz ao
movimento browniano isotrópico. Isso pode ser feito por eta-
pas que lembram as da construção de von Koch, mas que estão
submetidas ao acaso: em primeiro lugar, estabelecem-se as
posições para k inteiro; depois interpola-se para k múltiplo de
1/2, sendo a trajectória alongada, e assim sucessivamente até
ao infinito. No limite, o «salto elementar» entre k e k + dk é urna
variável gaussiana de média nula e de variância igual a dk. Sem
entrar em pormenores, digamos que o movimento browniano
possui efectivamente urna homotetia interna e urna dimensão
fractal D = 2, tanto no plano corno no espaço. Daí resulta que
ele preencha o plano de forma densa e, ao mesmo tempo, deixe
o espaço praticamente vazio.
Mas retomemos a uma questão já colocada no caso das
aproximações estendidas, mas finitas, da costa da Bretanha:
100
visto que o conceito de dimensão implica uma passagem ao
limite, será que ele ainda terá alguma utilidade quando k é
discreto? A minha resposta, atendendo ainda a razões que se
prendem com o carácter da dimensão física efectiva, é mais
uma vez afirmativa.
101
quando isso não acontece nas distribuições estelares e o valor
da sua dimensão, D = 2, é maior do que o valor D "" 1,3 suge-
rido pelos factos. Daí que, para salvar as virtudes do movi-
mento browniano, nomeadamente a sua invariância sob a ex-
pansão do universo, seja necessário modificar um aspecto
essencial.
102
teorema clássico do limite central deixar de ser válido quando
< l.P> = oo, devendo ser substituído por um teorema do limite
central especial, cuja forma depende da lei dos saltos. O limite
neste teorema constitui a versão tridimensional de uma variá-
vel aleatória «estável», no sentido de Paul Lévy (capítulo XN).
O caso escalar é tratado no volume 2 de Feller 1966. O caso
tridimensional com D = 3/2 encontra-se em física no problema
de Holtsmark, discutido por Feller 1966 e por Chandrasekhar
1943. À lei estável correspondente a D = 1 dá-se o nome de lei
de Cauchy, o que justifica a expressão «voo de Cauchy» utili-
zada nas figs. 107 e 109.
Em resumo, graças à possibilidade de regular a lei dos
saltos, a nossa escolha da dimensão tornou-se mais livre: pode-
-se obter o valor D = 1 ou qualquer outro valor sugerido pelos
factos e pelas teorias.
De qualquer das formas, o modelo cosmográfico que baseei
no voo de Lévy não deverá ser levado muito a sério. A sua
principal virtude reside no facto de fornecer uma demons-
tração, ao mesmo tempo simples e construtiva, do carácter não
trivial da minha generalização condicional do princípio cosmo-
gráfico.
103
noutra direcção. A razão por que a construção teve de ser tor-
nada isotrópica é, evidentemente, que a ideia de voar da
esquerda para a direita não é generalizável nem ao plano nem
ao espaço, visto estes não disporem de uma ordem natural.
No caso da recta pode-se escolher entre dois métodos, sendo
a construção isotrópica a mais difícil de manipular. Em pri-
meiro lugar, caso a origem seja um ponto do conjunto, os
conjuntos de pontos de abcissa positiva ou negativa são inde-
pendentes no voo da esquerda para a direita, mas não o são no
voo isotrópico. Em segundo lugar, cada salto de um voo da
esquerda para a direita é idêntico a uma única intermissão.
Pelo contrário, um voo isotrópico volta atrás uma vez em cada
dois saltos, caindo quase sempre no meio de um salto anterior.
Portanto, quase toda a intermissão é a intersecção de diversos
saltos. Não obstante, devido à homotetia interna do todo, a
distribuição do comprimento de uma intermissão mantém uma
forma hiperbólica.
Outra complicação com a mesma origem: recorde-se que, a
fim de estabelecer a tendência para o «amontoamento hie-
rárquico», o capítulo IV introduziu intervalos denominados
«rajadas-u 0 », que estão separàdos por saltos de comprimento
superior a u 0 • Na construção da esquerda para a direita está
excluída a hipótese de duas rajadas terem pontos comuns. Na
construção isotrópica, esta possibilidade não é excluída, mas
demonstra-se que a sua probabilidade se mantém suficiente-
mente fraca (sendo tanto mais fraca quanto menor for D) para
que se possa ainda falar de rajadas hierarquizadas.
104
Fig. 105 - O UNIVERSO SEGUNDO FOURNIER D' ALBE
.,.,..--,
I
/
•:• '
. '
I .: •• : •• :. ' I
I • • • I
\\ A .:.. I
' --- /
/
.....
D == 1 .... ..... .....
....
105
A
D = 1
106
Fig. 106- UM <<UNIVERSO SEMEADO>> DE MANDELBROT,
DE AMONTOAMENTO MÉDIO, D = 1
107
FIG. 109- VISTA LATERAL DO MESMO «UNIVERSO SEMEADO>>
MÉDIO, COM D =1
108
A'
D= I
8'
109
FIG. 111 - UM UNIVERSO SEMEADO, DE AMONTOAMENTO
INFERIOR À MÉDIA, COM D = 1,5
110
D = 1,5
111
sivamente mais pequenos, mas sim uma cascata ascendente, a
saber, a aglutinação de poeiras muito dispersas em pedaços
cada vez maiores. O problema - voltaremos a falar dele em
momento apropriado - assemelha-se muito ao colocado pelas
cascatas na teoria da turbulência. Ora, neste último domínio,
os resultados mais recentes sugerem que os dois tipos de
cascata coexistem. Pode-se, por isso, esperar que a disputa
confusa que opõe os partidários da fragmentação e da coagu-
lação será resolvida num futuro não muito distante.
112
FIG. 113- ZONA EQUATORIAL DE UM «UNIVERSO SEMEADO>>
VISTO DA TERRA E DO <<CENTAURO»
113
FIG. 114 - A DISTRIBUIÇÃO DAS VERDADEIRAS GALÁXIAS
\
\
@
\
\
\
'
' ', :
.'
-......... ........... _ (...-!.I/ .
-......:.~"':.~----·---
114
CAPÍTULO VII
115
tância no estudo dos polímeros é tal que foi objecto de simu-
lações muito pormenorizadas. O resultado que nos interessa é
o seguinte, devido a Dornb 1964-65 e descrito em Barber e
Ninham 1970. Após n passos, a média quadrática do deslo-
camento Rn é da ordem de grandeza de n elevado a urna
certa potência que designaremos por 2/D. Isto sugere desde
logo que, num círculo ou numa esfera de raio R em tomo de
um ponto, se deverá esperar encontrar cerca de R0 outros
pontos. Corno é tentador concluir que o D acima mencio-
nado é urna dimensão! Os seus valores são os seguintes: so-
bre a recta, D = 1; no plano, D = 4/3; no espaço normal,
D = 5/3. Finalmente, num hiperespaço cuja dimensão tende
para o infinito, os riscos de se fechar um ciclo desvanecem-se
e D~2.
Parece ser urna coincidência que o D = 4/3 correspondente
ao plano faça lembrar os dados de Richardson sobre as costas
mais acidentadas. De qualquer modo, não há motivo para se
insistir neste ponto, pois, no caso das passeatas sem ciclos, o
princípio cosmográfico, sobre cuja importância ternos vindo a
insistir, não se parece aplicar de urna forma útil.
Comparemos, entretanto, o comportamento de M(R) para
um voo de Lévy e para urna passeata sem ciclos. A forma
analítica é a mesma, mas as razões de base são extremamente
diferentes. Com efeito, o voo de Lévy procede por saltos
independentes, devendo-se D < 2 à presença ocasional de gran-
des valores de separação entre amontoados distintos. Numa
passeata sem ciclos, pelo contrário, os saltos têm um compri-
mento fixo, devendo-se D < 2 ao facto de a proibição de ocupar
as posições anteriormente ocupadas dar ao movimento urna
espécie de persistência.
O meu inédito intitulado Formes nouvelles du hasard dans les
sciences1 (em parte retornado em Mandelbrot e Wallis 1968 e
Mandelbrot 1973f) baptiza essas causas, respectivamente, de
«efeito de Noé» e «efeito de José», em honra de dois heróis
bíblicos, respectivamente o do dilúvio e o do sonho das sete
vacas gordas e das sete vacas magras.
116
Movimentos brownianos fraccionários
A história bíblica de José merece ser considerada muito a
sério. Refere-se, sem dúvida, a um acontecimento real, nomea-
damente uma série de altos e baixos do rúvel do Nilo. Com
efeito, os níveis do Nilo são extraordinariamente persistentes e
o mesmo se passa com muitos outros rios. O fenómeno merece
ser assinalado, uma vez que vamos fazer grande uso da des-
crição matemática que foi dada em Mandelbrot 1965h e, com
mais pormenores e ilustrações, em Mandelbrot e Wallis 1968.
Ela consiste em representar as descargas anuais do Nilo pelos
crescimentos de um certo processo estocástico, que se obtém
modificando o movimento browniano escalar da fig. 71, a fim
de o suavizar, de o tomar menos irregular a todas as escalas.
A intensidade da suavização, e portanto a da persistência dos
crescimentos, depende de um único parâmetro. Para o pro-
cesso correspondente ao valor H deste parâmetro propus a
designação de movimento browniano fraccionário. Será designado
por BH(t). Por convenção, o valor H= 0,5 recria o caso clássico,
onde não existe qualquer dependência, enquanto a persistência
aumenta progressivamente quando H cresce de 0,5 até 1.
Assim, as descargas do Nilo, que estão muito longe de serem
independentes, revelam-se muito bem representadas pelos
crescimentos anuais de um movimento browniano fraccioná-
rio de parâmetro H= 0,9. No caso do Loire, H é mais próximo
de 0,5. Para o Reno, H = 0,5, a menos de um certo erro.
Tudo isto é apaixonante, mas não se trata aqui mais do que
de uma preparação para estudar as curvas no plano. Aí tam-
bém é razoável procurar generalizar o movimento browniano,
de maneira tal que a sua direcção tenda a persistir, conser-
vando-lhe simultaneamente o seu carácter de curva contínua.
(O capítulo VI, pelo contrário, procura quebrar a continuidade,
sem introduzir a persistência.) Isto equivale a procurar, não a
obrigação, mas simplesmente uma tendência mais ou menos
intensa para que a trajectória evite intersectar-se.
Se, além disso, se puder preservar a homotetia interna
-como é regra nesta obra-, o mais simples será que as duas
coordenadas sejam movimentos brownianos fraccionários, es-
tatisticamente independentes e com o mesmo parâmetro H.
117
Três exemplos de curvas assim obtidas estão representados nas
figs. 125 a 127. Se tivéssemos representado cada urna das coor-
denadas em função do tempo, o seu comportamento em pouco
teria diferido do representado na fig. 71, enquanto, a duas
dimensões, o efeito da escolha de H é incomparavelmente mais
acentuado. Para o primeiro gráfico (fig. 125), H torna o valor
de 0,9, o qual, segundo foi dito, descreve o efeito José para o
Nilo. Tendo assim urna tendência muito forte para continuar
em qualquer direcção para que seja orientado, o nosso ponto,
corno facilmente se pode ver, difunde-se muito mais rapida-
mente do que no movimento browniano usual. Consegue,
assim, evitar os ciclos demasiado vis.iveis. De tal maneira assim
é que - voltando à questão discutida no capítulo II - a nossa
curva seria a priori uma imagem muito razoável da forma das
costas menos irregulares.
Isso é aliás confirmado pelo valor da sua dimensão frac-
tal: o D do movimento browniano fraccionário plano é 1I H.
É, portanto, pelo menos igual a 1 - corno intuitivamente de-
verá acontecer para urna curva contínua. Além disso, o caso
dito «persistente», em que H> 1/2, dá um D inferior a 2 - o
que intuitivamente está de acordo com o facto de a dita curva
encher o plano de forma menos densa do que o movimento
browniano ordinário. Portanto, no caso específico da fig. 125
tem-se D = 1/0,9 = 1,11. Para traçar as figs. 126 e 127, H foi
alterado, mantendo-se ainda a semente do gerador pseudo-
-aleatório já utilizado na fig. 125. Este procedimento sublinha
o modo corno a irregularidade e a dimensão fractal aumen-
tam quando H diminui. Vê-se igualmente que a tendência
para evitar os ciclos diminui muito rapidamente à medida que
D aumenta. Portanto, a nossa procura de um modelo das
costas não chegou ainda ao fim. Iremos retorná-la dentro
em pouco.
É de assinalar que o movimento browniano fraccionário es-
calar pode igualmente ser definido para O< H< 0,5, mas urna
curva cujas duas coordenadas sejam funções desse tipo difun-
de-se mais lentamente do que o movimento browniano usual,
retrocedendo o caminho constantemente e cobrindo o plano de
forma repetida. Tal corno para H= 0,5, a dimensão fractal torna
o maior valor concebível no plano, ou seja, D = 2.
118
Modelo browniano do relevo terrestre
e estrutura das costas oceânicas
Façamos o ponto da situação: já por duas vezes vimos malo-
gradas as nossas tentativas de conseguir um procedimento que
permitisse representar uma costa sem haver preocupação com
o relevo. É tempo de reconhecer que esta esperança não é
razoável e de atacar o problema das costas através da repre-
sentação do relevo como um todo. Iremos, em breve, construir
um modelo que dá origem a superfícies estatisticamente idên-
ticas àquela que está ilustrada na fig. 129, mas falta-nos ainda
efectuar um último desvio.
Conhecendo tão bem as dificuldades que os ciclos colocam,
vamos abordar o relevo através de curvas características que
não podem ter ciclos. Se se desprezarem as rochas pendentes,
os cortes verticais bastarão. A legenda da fig. 71 observa que
uma passeata escalar já dá uma ideia desses cortes, uma ideia
grosseira, bem entendido, mas de maneira nenhuma desra-
zoável em primeira aproximação. Não teríamos nós, na nossa
caixa de ferramentas de criadores profissionais de modelos,
uma superfície aleatória cujos cortes verticais fossem todos
movimentos brownianos? Até ao momento não se dispunha de
uma tal ferramenta, mas proponho que ela seja introduzida:
trata-se da função browniana de um ponto, B(P), tal como é
definida em Lévy 1948. O seu inventor soube descrever mara-
vilhosamente os seus principais aspectos, sem ter podido (tê-
-lo-ia mesmo querido?) desenhá-la, mas, para a aplicar concre-
tamente, é necessário adquirir uma ideia intuitiva. Creio bem
que o desenho da fig. 131 deste ensaio constitui o primeiro
esboço a ser desenhado e publicado.
Primeira verificação: a sua semelhança geral com a super-
fície da Terra é real, embora aproximada. Encoraja-nos, con-
tudo, a ver mais de perto em que medida fizemos progressos
no estudo das costas oceânicas definidas como as curvas for-
madas pelos pontos ao nível do mar. Um gráfico assim obtido
está representado à parte nas figs. 132-133. A p. 133, ao alto,
dá-nos finalmente o exemplo, há muito procurado, de uma
curva praticamente desprovida de pontos duplos que, por um
lado, tem uma dimensão fractal nitidamente superior a 1 e, ao
119
mesmo tempo, nos faz lembrar um qualquer canto do globo.
Mais precisamente, a dita dimensão é D = 1,5, e o nosso gráfico
faz lembrar o Norte do Canadá, as ilhas da Sunda (a seme-
lhança aumenta se o nível do mar baixar, ficando as ilhas
maiores), ou mesmo (se o mar baixar ainda mais) o mar Egeu.
O modelo é ainda aplicável a outros exemplos, mas os
dados de Richardson sugerem em geral um D inferior a 1,5.
É pena, pois o valor D = 1,5 teria sido fácil de explicar: com
efeito, Mandelbrot 1975b mostra que a função B(P) constitui
uma excelente aproximação a um relevo que teria sido criado
por uma sobreposição de falhas rectilíneas independentes.
O modelo gerador seria muito simplesmente o seguinte: um
planalto horizontal inicial é partido ao longo de uma recta
escolhida ao acaso, introduzindo-se uma espécie de falésia,
uma diferença de nível aleatória entre os lábios da fractura. Em
seguida recomeça-se, prosseguindo indefinidamente. Proce-
dendo desta maneira, generaliza-se ao plano a construção
poissoniana assinalada no fim da fig. 71. Vê-se que este argu-
mento leva em conta, pelo menos, um aspecto da evolução
tectónica, levando-nos a juntar B(P) à lista dos acasos primá-
rios discutida no capítulo m.
Contudo, ao fazer isso, deveremos renunciar a um aspecto
que até aqui caracterizava esses acasos, a saber, a indepen-
dência das suas partes. A discussão deste ponto é inevitavel-
mente técnica, devendo ser considerada uma digressão. Consi-
deremos dois pontos, um a este e outro a oeste de uma secção
norte-sul do relevo. É claro que o conhecimento do relevo ao
longo da secção reduz a indeterminação que existe quanto ao
relevo no ponto este. Ora pode mostrar-se que esta indetermi-
nação se reduz ainda mais quando se conhece o relevo no
ponto oeste. Se, pelo contrário, ela se mantivesse inalterada, o
probabilista diria que o relevo era markoviano, o que teria
exprimido um certo grau de independência entre os declives
de um e de outro lado da linha norte-sul. (Para as superfícies
irregulares que nos interessam, a ideia do declive é perigosa.
Mas não há aqui qualquer inconveniente em deixar este ponto
em suspenso.) A influência do relevo a oeste sobre o relevo a
este exprime o facto de o processo gerador manifestar - inevi-
tavelmente- uma forte dependência global.
120
Modelo browniano fraccionário do relevo
Infelizmente, repetimo-lo, a dimensão D que se observa para
as costas difere, em geral, de D = 1,5, sendo por isso necessá-
rio prosseguir a nossa investigação, caso pretendamos obter
um modelo com uma validade mais geral. Devemos mesmo
procurar numa direcção pouco habitual, pois, se no capítulo II
me esforçava por fazer D subir acima de 1, agora tenho de
o fazer descer abaixo de 1,5! Assim, para ter costas menos
irregulares, são necessários cortes verticais menos irregula-
res. Felizmente que as secções anteriores deste capítulo nos
deixaram bem preparados, pois duas possibilidades saltam aos
olhos.
Antes de tudo, basta, como modelo dos cortes verticais,
substituir a função browniana usual por um exemplo apro-
priado das variantes fraccionárias introduzidas mais acima.
Efectivamente, existem superfícies aleatórias BH(P) cujos cortes
verticais são funções BH(t). Além disso, aperfeiçoei algoritmos
que permitem a sua simulação por computador. A superfície
tem a dimensão 3 -H, tendo todas as suas secções planas
-incluindo costas, as outras linhas de nível e ainda os cortes
verticais- a dimensão 2 -H. Não resta, pois, nenhuma difi-
culdade em obter qualquer dimensão que os dados empíricos
revelem exigir! Debrucemo-nos sobre o caso em que D = 1,3,
portanto com H= 0,7, valor que justifica, finalmente, a nossa
fig. 129. Mas conhecem-se também exemplos em que tanto H
como D estão próximos de 1 (dando lugar a grandes maciços
montanhosos) e acontece também H estar próximo de O e D
próximo de 2 (dando lugar à ilusão de planícies aluviais inun-
dadas). Portanto, retomando à metáfora já usada da caixa de
ferramentas do criador de modelos, vemos que todas as
funções BH(P) deverão encontrar aí um lugar.
Segunda possibilidade: partamos da construção de B(P)
como sobreposição de falhas verticais rectilíneas e aplainemos
cada falha de modo que o seu declive aumente e depois
diminua de uma forma progressiva. É possível obter BH(P)
desta maneira, mas só na condição de se impor ao perfil da
falha uma certa forma muito específica, sendo por isso ne-
cessário dizer que ela não é, a priori, muito natural. Quer dizer,
121
a tectoruca Imaginária subjacente não é nem muito convincente
nem muito explicativa.
Vamos, pois, a título de digressão, esboçar diversas forças
susceptíveis de efectuar a acção uniformizadora que está rela-
cionada com o aumento de H. Na esperança de explicar a
persistência dos níveis dos rios («efeito de José»), os engen-
heiros começaFão por ter em conta a água que os reservatórios
naturais podem armazenar de urna cheia anual à seguinte.
Esperar-se-ia, portanto, ver as descargas anuais de um rio
variar mais lentamente do que no quadro da hipótese da inde-
pendência. Entretanto demonstrei que o aplainamento das cró-
nicas, implicado por este modelo simples, é quase exclusiva-
mente local. Se se conserva a intenção de invocar essas forças
uniformizadoras para explicar o modelo browniano fraccio-
nário, será necessário um grande número de aplainamentos
sucessivos, a escalas diferentes. Poder-se-ia, por exemplo,
representar o nível do Nilo como uma sobreposição aditiva de
toda uma série de processos independentes. Primeiro, um
acaso de ordem 1, que tem em conta os reservatórios naturais
(já mencionados), implicando apenas interacções de ano a ano.
Depois, um acaso de ordem 2, que se qualificaria de micro-
clima, variando ainda mais lentamente. Em seguida, um clima
variável, e assim sucessivamente.
De um ponto de vista inteiramente teórico, é necessário
prolongar este procedimento até ao infinito. Mas o engenheiro
hidráulico ficar-se-á pelas escalas de tempo da ordem de gran-
deza do horizonte (sempre finito) de um projecto de controlo
das águas.
Voltando agora ao relevo, é preciso começar por notar (já
não era sem tempo) que é inconcebível que os modelos
brownianos sejam, de uma forma global, convenientes, muito
simplesmente porque a Terra é redonda. É verdade que Lévy
definiu igualmente uma função browniana sobre a esfera, mas
que também parece não convir. (P.-S. Veja-se, entretanto,
Mandelbrot 1977f, 1982f.) O melhor é então debruçarmo-nos
sobre as escalas intermédias, admitindo que os diversos
aplainamentos sofridos pelo relevo ao longo da história geo-
lógica envolvem escalas espaciais que vão até à ordem de
grandeza dos continentes. Se se pensar que toda a Terra cor-
122
responde a um valor único de H e de D, será necessário acres-
centar que as intensidades relativas dos diversos aplainamen-
tos têm um carácter universal. Mas, se se admitir (de uma
forma mais realista) que H varia de um ponto para outro,
essas intensidades relativas terão, também elas, um carácter
local.
123
O problema das superfícies dos lagos
124
FIG. 125 - VOO BROWNIANO FRACCIONÁRIO MUITO PERSISTENTE
D ~ 1,1
125
FIG. 126 -VOO BROWNIANO FRACCIONÁRIO MEDIANAMENTE
PERSISTENTE
D- 1,43
126
FIG. 127- VOO BROWNIANO FRACCIONÁRIO POUCO PERSISTENTE
(PRÓXIMO DE UM VOO BROWNIANO)
D- 1,9
127
FIG. 129- VISTAS DE UM CONTINENTE IMAGINÁRIO
128
129
Fig. 131 - VISTAS DE OUTROS CONTINENTES IMAGINÁRIOS
P.-S. O valor D = 1,3 das figs. 129 a 133 foi escolhido com
a ajuda de imagens sem grande pormenor, o que se deve à
imperfeição dos meios gráficos disponíveis em 1974. Mais tar-
de, o aperfeiçoamento dos instrumentos conduziu a uma dimi-
nuição do valor de D preferido pelo olho. Foi uma cir-
cunstância feliz, pois a fig. 43 sugeria valores inferiores a 1,3.
130
131
FIGS. 132-133- COSTAS IMAGINÁRIAS
D = 1,1 D = 1,3
\ •
••
•
132
D = 1,5
.~
.........
.. ..
D =
~·,
1,9
.•. "
,
•
•
••
133
Fig. 135 - REDE DE DRENAGEM FLUVIAL SEPARADA POR QUASE
TODOS OS LADOS. UMA CURVA DE PEANO
134
nito, aproximando-se a nossa rede tao penu y_uctmu "c: '1'"''-U~
de qualquer ponto da bacia. Se se parar a construção ao fim de
um número finito de etapas, os afluentes podem ser classifica-
dos por ordem crescente, verificando-se que a sua tendência
para a ramificação obedece a urna regra, conhecida dos espe-
cialistas, devida a Horton.
135
apenas pode ser aproximada. Com efeito, substituímos uma
costa .instantânea, que varia com o vento e com as marés, pela
curva de nível zero, que é inteiramente definida pelo relevo.
Nada disso é possível para a margem de um rio. Esta é função
não só do relevo, mas também da porosidade do solo e da
chuva e do bom tempo, não apenas no momento da obser-
vação, mas também ao longo de um período de tempo dificil-
mente determinável. Todavia, apesar desta severa falta de per-
manência, verifica-se que os sistemas fluviais, tal como os
lagos, possuem aspectos muito sistemáticos. Não poderia acon-
tecer que, tal como a distribuição das superfícies dos lagos
segue a das bacias de relevo, o sistema fluvial seguisse os
caminhos por onde a água flui por um terreno o mais aciden-
tado possível, logo a seguir a uma chuvada? Creio que é
realmente assim que as coisas se passam, mas o meu argu-
mento não pode ser aqui desenvolvido. Contentemo-nos em
esboçar, na fig. 135, o mais simples dos ditos escoamentos.
136
CAPÍTULO VIII
A geometria da turbulência
Foquemos agora a nossa atenção sobre um outro grande
problema clássico, vasto e mal explorado, do qual abordare-
mos apenas aqueles aspectos que fazem intervir objectos frac-
tais e a noção de dimensão. Mesmo deste ponto de vista, o
desenvolvimento não terá a amplitude que merece a sua
importância prática e conceptual. Limitar-nos-emos a algumas
questões que têm o mérito de introduzir temas novos de inte-
resse geral. P.-5. O tema concreto é tratado em Mandelbrot
1967b, 19671<, 1972j, 1974d, 1974f, 1975f, 1976c, 1976o e 1977b.
O estudo da turbulência não pode deixar de ter lugar num
ensaio consagrado até agora à forma da superfície da Terra, à
distribuição de erros estranhos e dos objectos celestes. Já desde
1950 que von Weizsãcker e outros físicos discutiam a possibili-
dade de explicar a génese das galáxias por intermédio de um
fenómeno turbulento a uma escala colossal. Contudo, a ideia
não teve grande aceitação. Se ela agora merece ser repensada
seriamente, é porque o estudo das galáXias progrediu, a teoria
da turbulência está em vias de mudar e eu estou em vias de
lhe dar as bases geométricas fractais que faltam. Os trabalhos
de 1950, com efeito, referem-se à turbulência homogénea, tal
como ela foi descrita entre 1940 e 1948 por Kolmogorov,
Oboukhov, Onsager e von Weizsãcker.
Foi necessária uma extrema audácia para pretender explicar
um fenómeno altamente intermitente - as galáxias - por um
137
mecanismo de turbulência homogénea. O que se alterou desde
então foi o facto de ter passado a ser universalmente aceite que
a turbulência homogénea é um mito, uma aproximação cuja
utilidade é mais reduzida do que antes se pensava. Reconhece-
-se hoje que uma característica da turbulência reside no seu ca-
rácter «intermitente». Não só, como toda a gente sabe, o vento
vem em rajadas, como o mesmo se passa com a dissipação em
outras escalas. Retomei então o esforço unificador de von Weiz-
sãcker, procurando uma ligação entre as duas intermitências.
As ferramentas que proponho são, como é evidente, os fractais.
A sua utilização para abordar a geometria da turbulência é
inédita, mas historicamente natural, dadas as ligações entre as
noções de fractal e de homotetia interna. Com efeito, uma
variante um pouco vaga de homotetia foi precisamente conce-
bida, com vista a uma teoria da turbulência, pelo nosso Lewis
Fry Richardson. Também uma forma analítica de homotetia
teve os seus primeiros triunfos pela mão de Kolmogorov, Obou-
khov e Onsager, na sua aplicação à turbulência. Como todo o
escoamento viscoso, o escoamento turbulento num fluido é
caracterizado por uma medida intrínseca de escala, o número
de Reynolds, e os problemas de intermitência fazem-se sentir
com particular intensidade quando o dito número é muito
grande, como é sobretudo o caso no oceano e na atmosfera.
Todavia, o problema da estrutura geométrica do suporte da
turbulência só se colocou recentemente. Com efeito, a imagem
que se faz deste fenómeno permanece em geral «congelada»
aproximadamente nos termos em que foi originalmente desen-
volvida, há cerca de cem anos, por Boussinesq e Reynolds.
O modelo restringia-se ao escoamento num tubo: quando a
pressão a montante se mantém suficientemente fraca, tudo é
regular e «laminar», ao passo que, quando a pressão é suficien-
temente grande, tudo se toma, de repente, irregular e tur-
bulento. Neste caso protótipo, então, o suporte da turbulência
está ou «vazio», no sentido de inexistente, ou «cheio», en-
chendo o tubo como um todo, não havendo, nem num nem
no outro caso, razões para aí nos determos.
Num segundo caso, por exemplo o da esteira por detrás de
um barco, as coisas complicam-se: entre a esteira, que é tur-
bulenta, e o mar circundante, que se admite laminar, existe
138
uma fronteira. Mas, ainda que muito irregular, esta fronteira é
de tal maneira clara, que não parecia ainda nem razoável
estudá-la em separado, nem verdadeiramente necessário tentar
definir a turbulência por um critério «objectivo».
Num terceiro caso, o da turbulência plenamente desenvol-
vida, sob a forma de sopros, as coisas são ainda mais simples,
parecendo todos os sopros turbulentos - um conceito sempre
tão mal definido. Todavia, o modo como aí se chega é (a acre-
ditar em certas lendas persistentes) um tanto curioso. Conta-se
(espero que se trate apenas de maledicência) que todos os
sopros nascem impróprios para o estudo da turbulência:
espontaneamente, longe de ocupar todo o espaço que lhe é
oferecido, a turbulência parece, ela própria, «turbulenta», apa-
recendo em lufadas irregulares. Somente os esforços de rear-
ranjo gradual conseguem estabilizar tudo, a exemplo do tubo
de Boussinesq-Reynolds.
Deste modo, e sem pôr em causa a importância prática dos
sopros, sou daqueles que se inquietam. Será a «turbulência»
observada no laboratório típica da «turbulência» observada na
natureza e será o fenómeno da «turbulência» único? Para res-
ponder a estas questões é necessário, antes de tudo, definir os
termos, uma estopada que cada um parece querer evitar.
Proponho que se aborde essa definição indirectamente,
invertendo o processo habitual: partindo de um conceito mal
especificado sobre o que é turbulento, vou primeiro tentar
estabelecer que a turbulência natural bem desenvolvida, ou a
sua dissipação, se «concentram sobre» ou são «suportadas por
conjuntos espaciais cuja dimensão é uma fracção, da ordem de
grandeza de D = 2,5. Em seguida, aventurar-me-ei a propor
que se defina como turbulento todo o escoamento cujo suporte
tenha uma dimensão compreendida entre 2 e 3.
139
empmco teve, até hoje, de passar através de um ou mais
«cortes» a uma dimensão, cada um dos quais constitui a cró-
nica de uma das coordenadas de velocidade num ponto fixo.
Para nos dar uma ideia intuitiva da estrutura do corte numa
massa atmosférica que se desloca em frente do instrumento,
invertamos os papéis e tomemos um avião como «instru-
mento». Um nível muito grosseiro de análise é ilustrado por
um avião de grande porte. Certos pontos da atmosfera apre-
sentam fortes evidências de serem turbulentos, sendo o avião
sacudido. O resto, pelo contrário, aparenta ser laminar. Mas
refaçamos o teste com um avião mais pequeno: por um lado,
«sente» lufadas muito turbulentas nos pontos em que ao
grande não acontecia nada e, por outro lado decompõe cada
uma das sacudidelas do grande numa rajada de sacudidelas
mais fracas. Portanto, se uma porção turbulenta do corte é
examinada em pormenor, ela revela inserções laminares, e
assim sucessivamente à medida que a análise se torna mais
apurada.
Falando da configuração espacial, von Neumann 1949 nota
que a turbulência se concentra sem dúvida «num número
assimptoticamente crescente de choques enfraquecidos». Nos
nossos cortes unidimensionais, cada choque aparecerá como
um ponto. As distâncias entre os choques são limitadas por
uma escala interna não nula, TJ, dependente da viscosidade.
É porém útil, com o fim de auxiliar a conceptualização, imagi-
nar que 11 = O. A isso proponho que se acrescente a ideia iné-
dita de que esses choques são infinitamente folheados. Vê-se
assim surgir, nos nossos cortes unidimensionais, o tipo de
estrutura cantoriana que nos é familiar desde o capítulo IV,
relativo aos erros estranhos. A diferença reside no facto
seguinte: nos intervalos entre erros não havia nada, enquanto,
nas intermissões laminares, o escoamento do fluido não se
detém, tornando-se simplesmente muito mais regular do que
nos outros pontos. Mas é evidente que mesmo essa diferença
se desvanece se se observarem não só os erros, mas também o
ruído físico que os causa. Isso sugere que um modelo da
turbulência ou do ruído seja construído em duas aproxima-
ções. A primeira suporá que o escoamento laminar é regular
a ponto de ser uniforme, pelo que é desprezável, conduzindo-
140
-nos assim ao esquema cantoriano de dimensão inferior a 3.
A segunda aproximação admitirá que qualquer cubo do espaço
contém, pelo menos, um pouco de turbulência. Nestas condi-
ções, se se desprezar a turbulência nos pontos em que a sua
intensidade é muito fraca, espera-se encontrar, pouco mais ou
menos, a primeira aproximação. Mas remetamos então o es-
tudo dessa segunda aproximação para o capítulo IX, para nos
ocuparmos agora da primeira.
Parece razoável exigir ao conjunto de turbulência que as
suas intersecções com uma recta arbitrária tenham a estrutura
cantoriana que possuía o conjunto criado para representar os
erros estranhos. Temos então de conceber conjuntos que te-
nham esse tipo de intersecções.
A cascata de Novikov-Stewart
O estudo da intermitência do fluxo turbulento foi estimu-
lado por Kolmogorov 1962 e Oboukhov 1962, embora o pri-
meiro modelo explícito tenha sido o de Novikov e Stewart
1964. Encontraram, independentemente, o princípio das cas-
catas de Fournier e de Hoyle, deparando-se-lhes pois- sem o
saberem - o caminho traçado por Cantor. Caso o tivessem sa-
bido, os nossos autores teriam possivelmente ficado assombra-
dos! Eu reconheci-o, o que me conduziu a desenvolvirrlentos
muito prometedores.
A ideia é que o suporte da turbulência é originado por uma
cascata, em que cada etapa parte de um turbilhão, terminando
em N subturbilhões de tamanho r vezes menor, no seio dos
quais se concentra a dissipação.
Bem entendido, teremos D = log N/log (1/r).
Apesar de esta dimensão D poder ser estimada empm-
camente, até ao presente ninguém afirmou seriamente que a
deduziu a partir de considerações físicas fundamentais. No
caso da astronomia, pelo contrário, Fournier e Hoyle forne-
ceram-nos razões para'esperar que D = 1. Sabe-se (pp. 102-103)
que isto contradiz o valor empírico, que é D = 1,23, mas parece
que mesmo uma teoria falsa pode ser psicologicamente recon-
fortante.
141
Segunda novidade: em astronomia, D < 2, mas, na turbu-
lência, N deverá ser considerado muito maior do que 1I r,
sendo a dimensão próxima de 2,5. De facto, um dos triunfos
das visões fractais do universo e da turbulência terá sido a
demonstração da necessidade de D < 2, no primeiro caso, e de
D > 2, no segundo, a partir do mesmo facto geométrico. Com
efeito, a fim de exorcizar o «céu em fogo», foi necessário, no
capítulo VI, que a vista orientada ao acaso evitasse quase
garantidamente qualquer fonte luminosa, o que exigia D < 2.
Pelo contrário, a fim de explicar o facto de a turbulência ser
muito espalhada, é aqui necessário que um corte efectuado ao
acaso tenha uma probabilidade não nula de intersectar o
suporte da turbulência, o que exige D > 2.
142
log 26/log 3. Podemos agora generalizar: em lugar da fracção
1/27 central, retiremos de cada vez um cubo central de lado
1-2r. A dimensão vem
3 + log [1 - (1 - 2r)3]
log(1/r)
143
entrever relações entre a dimensão e a conexão. O problema
está ainda por estudar. Recorde-se que o universo de Fournier-
Charlier pode, também ele, ser considerado como uma va-
riante espacial da construção de Cantor.
144
mente folheados». As suas intersecções com planos ou super-
fícies esféricas têm a forma dos filamentos infinitamente bifur-
cados que se encontram na Lua, as nossas «fatias de Emmen-
thal». As suas intersecções com rectas, ou (pouca diferença faz)
com circunferências, são «rajadas de erros estranhos». Para os
D mais pequenos está-se perante «fios infinitamente ramifica-
dos», mas desta vez no espaço, e não no plano. As suas inter-
secções com planos ou superfícies esféricas são então poeiras
de pontos e as intersecções com rectas ou circunferências são
quase certamente vazias.
145
mento dos fluidos, mesmo em caso de turbulência. É, sem
dúvida, isso que - na perspectiva dos especialistas em hidro-
dinâmica - explica que a validação das previsões de Kolmo-
gorov tenha sido mais fonte de inquietação do que de júbilo.
Seria de temer que a introdução da minha noção de homo-
geneidade fractal acentuasse esse divórcio, mas espero mesmo
que se passe exactamente o contrário. Eis as minhas razões: é ,
sabido que a física matemática consegue frequentemente resol-
ver um problema substituindo as suas soluções pelo esqueleto
formado pelas suas singularidades. Esse, contudo, não é o caso
para as soluções turbulentas das equações de Navier-Stokes,
mesrri.o após Kolmogorov, e é esse, na minha opinião, o motivo
que mais tem retardado o respectivo estudo. Penso que - gra-
ças a características específicas dos objectos fractais que não é
possível aqui descrever- essa lacuna quanto à natureza das
ditas singularidades está prestes a ser colmatada.
146
FIG.147- UM QUEIJO NO ESPAÇO A TRÊS DIMENSÕES:
. A ESPONJA DE SIERPINSKI-MENGER
D ~ 2,72
147
CAPÍTULO IX
Intermitência relativa
O presente capítulo exibe em título um conceito fractal em
vez de um domínio de aplicação. Voltamos, com efeito, a urna
aproximação feita em diversas aplicações. Ao discutir os erros
em rajadas, aprofundámos a nossa certeza de que, entre os
erros, o ruído subjacente enfraquece, embora sem nunca ces-
sar. Ao discutir as distribuições estelares, aprofundámos o
nosso conhecimento da existência de uma matéria interestelar,
que pode, também ela, distribuir-se irregularmente. E, ao dis-
cutir as folhas de turbulência, acabámos também por cair na
armadilha de admitir uma imagem do fluxo laminar num sítio
onde não se passava nada. Teríamos podido igualmente, sem
introduzir nenhuma ideia essencialmente nova, examinar adis-
tribuição dos minerais: entre as regiões onde a concentração de
cobre ou de ouro é tão forte que justifica a exploração mineira,
o teor desses metais diminui consideravelmente, mas nenhuma
região está absolutamente desprovida desses minérios.
É necessário preencher todos esses vazios, tendo o cuidado
de não afectar demasiado as imagens já estabelecidas. Vou
agora esboçar uma forma de tratar o assunto, que é con-
veniente para o caso em que objecto e intermissões são da
mesma natureza, diferindo apenas de grau. Para o fazer,
deixar-me-ei, uma vez mais, inspirar por velhas matemáticas
puras reputadas de «inaplicáveis». Este capítulo será relativa-
mente técnico e seco.
149
Definições dos dois graus de intermitência
Por necessidade de contraste, é preciso dizer, a respeito dos
fenómenos até agora estudados, que são «absolutamente inter-
mitentes». O epíteto explica-se pelo facto de, durante as inter-
mitências, não se passar absolutamente nada: nem energia de
ruído, nem matéria, nem dissipação turbulenta. Além disso,
tudo o que «se passa» num intervalo, num quadrado e num
cubo se concentra inteiramente numa pequena porção, ela
própria contida num subconjunto que diremos «simples» - ou
seja, um conjunto formado por um número finito de subinter-
valos, subquadrados ou subcubos, cujo comprimento, área ou
volume total são arbitrariamente próximos de zero. Indo ainda
mais longe, a intermitência dir-se-á degenerada se tudo se
passar num único ponto. Pelo contrário, a intermitência dir-
-se-á «relativa» se não existir nenhum conjunto simples no qual
não se passe nada, enquanto existe um conjunto simples que
contém quase tudo o que se passa.
150
cujas extremidades são múltiplos de 3-k. Ora sabemos que
qualquer intervalo dessa forma contém uma massa não nula.
Contudo, quando k é muito grande, a dita massa toma-se
extraordinariamente pequena, pois Besicovitch e Eggleston de-
monstraram (simplificamos o seu resultado!) que quase toda a
massa se concentra em 3w intervalos de comprimento 3-k, com
151
.:airá fora do conjunto onde se concentra quase toda a massa.
Relativamente à densidade média em [0,1], que sabemos ser 1,
a densidade sobre quase todo o intervalo de teste será des-
prezável. A sua distribuição será independente do intervalo,
pois é degenerada. Mas dividamos então a densidade no inter-
valo de teste pela sua própria densidade média. V erificarernos
que a distribuição de probabilidade deste quociente será ainda
a mesma em todos os pontos e que, além disso, será não
degenerada. Tudo isto está ilustrado na fig. 139.
152
FIG. 153- ESCADAS DIABÓLICAS DE BESICOVITCH
Sob urna escada do Diabo (ver fig. 63), esta figura empilha
três escadas de Besicovitch, cuja construção está descrita na
p. 150; aqui, p1 = p3• O aspecto que mais salta à vista, em com-
paração com a escada do Diabo, observa-se dividindo a abcissa
num grande número de pequenos segmentos. Nenhum corres-
ponde a um movimento horizontal. Todavia, urna grande pro-
porção do deslocamento vertical total opera-se sobre um deslo-
camento horizontal muito pequeno, de dimensão fractal menor
do que 1, aumentando quando nos afastamos da escada de
Cantor.
153
CAPÍTULO X
Sabões e os expoentes
críticos como dimensões
Vamos agora descrever, em traços gerais, o papel que a di-
mensão fractal desempenha na descrição de urna categoria de
«cristais líquidos», que constituem um modelo de certos
sabões. A sua geometria é muito antiga, pois remonta a um
grego de Alexandria, Apolónio de Perge, o que faz que os
problemas sejam fáceis de enunciar. Mas é também actual, pois
o problema matemático por ela posto mantém-se em aberto.
Além disso, faz-nos entrever perspectivas interessantes muito
gerais, relativas a um dos domínios mais activos da física.
Trata-se da teoria dos «pontos críticos», cujo exemplo mais
conhecido é aquele em que coexistem as fases sólida, líquida e
gasosa de um mesmo corpo. Os físicos estabeleceram recente-
mente que, na proximidade de um tal ponto, o comportamento
de qualquer sistema físico se rege por «expoentes críticos».
O motivo é que esses sistemas são «escalantes»: obedecem a
regras analíticas que foram desenvolvidas com total inde-
pendência da noção geométrica de homotetia interna, mas que
apresentam analogias estreitas com ela. (Será isto urna nova
perspectiva sobre o facto de a variedade de fenómenos natu-
rais ser infinita, enquanto as técnicas matemáticas para os
tratar são bem pouco numerosas?) Combinando soluçõ~s ana-
líticas, medidas empíricas e soluções computacionais, obtive-
ram-se os valores numéricos de urna vasta gama de expoentes
críticos, embora a sua natureza conceptual permaneça obscura.
155
No exemplo do sabão interpreta-se um expoente como dimen-
são fractal, o que sugere que o mesmo poderá acontecer em
todos os outros casos.
156
culos que constituem a base dos cones, sobre o quadrado que
constitui a base da pirâmide. Pode-se mostrar que a solução
correspondente ao equilíbrio se descreve da seguinte forma:
coloca-se sobre o quadrado um círculo de raio máximo.
Depois, sobre cada um dos bocados restantes coloca-se ainda
um círculo de raio máximo - à semelhança do que se vê na
fig. 158 -, e assim sucessivamente. Se fosse possível operar
desta forma indefinidamente, efectuar-se-ia aquilo a que os
geómetras chamam o enchimento (packing) apoloniano. Se,
além disso, se postular que os círculos em questão são abertos
- não incluindo as circunferências que formam as frontei-
ras -, o enchimento deixa um certo resto de superfície nula,
a «peneira apoloniana».
A nossa construção assemelha-se ao problema preliminar
relativo aos triângulos, mas infelizmente mostra um grau de
dificuldade superior, pois esta peneira não possui qualquer
homotetia interna. Todavia, a definição de D, de Hausdorff e
Besicovitch (capítulo XIV), como expoente que serve para de-
finir a extensão de um conjunto, continua a aplicar-se neste
caso. Este é um novo tópico que era necessário assinalar (a sua
importância teria bastado para justificar o presente capítulo),
mas no qual não nos podemos deter. Existe então uma dimen-
são, mas ainda não conseguimos determinar matematicamente
o seu valor. De diversos pontos de vista, ela comporta-se como
uma dimensão de homotetia. Quando, por exemplo, o enchi-
mento apoloniano é «truncado», impedindo o uso de círculos
com raio inferior a 11, os interstícios que restam têm um
perímetro proporcional a 11 1-D e uma superfície proporcional a
11 2- 0 . Numericamente, o D apoloniano é igual a cerca de 1,3058.
Retornemos à física: Bidaux et al. 1973 mostraram que as
propriedades do sabão assim modelado dependem precisa-
mente da superfície e do perímetro da soma desses interstícios,
operando-se a ligação através de D. Acabo, então, de exprimir
as propriedades do esmético em questão através das pro-
priedades fractais de uma espécie de «negativo» fotográfico,
ou seja a figura que fica de fora das moléculas.
157
FIG. 158- ENCHIMENTO APOLONIANO DOS CÍRCULOS
158
CAPÍTULO XI
159
o desempenho do circuito, que, por sua vez, reflecte o grau de
paralelismo presente na lógica do computador.
O caso D = 3 foi rapidamente explicado, associando-o à
ideia de que os circuitos em questão são dispostos no volume
dos módulos e que estes se tocam pelas suas superfícies.
Exprimamos, pois, a regra de Rent sob a forma yti<D-1>"" C11°.
Por um lado, todos os elementos têm aproximadamente o
mesmo volume v, e, por conseguinte, C é a razão «volume total
do módulo sobre V». Então, C11D = C113 é aproximadamente
proporcional ao raio do módulo. Em conclusão: para D = 3, a
proporcionalidade entre C11° e yti<D- 1> não é de forma alguma
de estranhar.
Note-se que o conceito de módulo é ambíguo e quase inde-
terminado. A organização dos computadores é altamente hie-
rarquizada, mas a interpretação que aqui se deixou é compa-
tível com essa característica, na medida em que, em qualquer
módulo de um nível dado, os submódulos se interligam pelas
suas superfícies.
É também muito fácil, no contexto de cima, verificar que
D = 2 corresponde a circuitos dispostos no plano, e não no
espaço. Da mesma maneira, num shift registert, os módulos, tal
como os elementos, formam urna cadeia, tendo-se T = 2, inde-
pendentemente de C, de modo que D = 1. Finalmente, no caso
em que se tem um paralelismo integral, cada elemento exige o
seu próprio terminal. Teremos, portanto, T =C, podendo-se
dizer que D = oo.
Se, pelo contrário, o valor de D é diferente de 1, 2, 3 ou oo,
a ideia de interpretar C corno efeito de volume e T como efeito
de superfície toma-se insustentável, enquanto se permanecer
escravo da geometria usual. Contudo, essas interpretações são
muito úteis e seria conveniente preservá-las.
O leitor já por certo adivinhou o que se poderá fazer neste
ponto: proponho que se imagine que a estrutura dos circuitos
aparece num espaço de dimensão fraccionária. Para visualizar
a passagem de D = 2 para D = 3, pensemos num subcomplexo
de dimensão D =2 com base em circuitos metálicos impressos
160
sobre urna placa isoladora: para lhe aumentar o desempenho é
preciso estabelecer novas ligações. Frequentemente, para evitar
intersectar ligações já impressas, é necessário efectuar as liga-
ções por meio de fios que saem da placa, devendo estes, por
isso, ser soldados separadamente. Instaurou-se o hábito de uti-
lizar fios de cor amarela. A presença de fios amarelos pode
querer simplesmente dizer que o circuito foi mal concebido,
mas, mesmo com um circuito bem desenhado, o número mí-
nimo de fios necessário aumenta com o desempenho. Sem
entrar nos pormenores do argumento, pode-se dizer que are-
gra de Rent é válida em todos os casos em que o aumento do
desempenho, mesmo obrigando o projectista a sair do plano,
não exige que ele trabalhe em todo o espaço. Se, além disso,
o sistema total incorporar urna hierarquia com homotetia in-
terna, tudo se passa «corno se» o projectista trabalhasse num
espaço com um número fraccionário de dimensões.
161
CAPÍTULO XII
"
Arvores de hierarquia
ou de classificação e a dimensão
A maior parte deste ensaio é consagrada a objectos concre-
tos que se podem tocar e ver, quer sejam de origem natural
(capítulos II a X) quer artificial (capítulo XI). Este último
capítulo, pelo contrário, trata de algo mais abstracto, a saber,
estruturas matemáticas de árvore ponderada e regular. Diver-
sos motivos poderão ser apontados para um tal afastamento
dos objectos «reais». Para começar, o raciocínio desenvolvido
continua a ser simples, contribuindo, segundo penso, para
esclarecer um novo aspecto do conceito de dimensão de
homotetia, um conceito que terá sido empobrecido ao perder
toda a base geométrica, tornando-se, portanto, de alguma
forma «irredutível». O segundo motivo para estudar as ditas
árvores é que não tardarão a aparecer em diversas aplicações
curiosas.
163
dimensão fractal. O léxico será definido como o conjunto das
sequências de letras admissíveis como palavras, sendo estas úl-
timas separadas por «espaços», que é cómodo imaginar como
estando colocados no início de cada palavra. Construamos,
para o representar, a seguinte árvore. O tronco representa o
espaço. Este subdivide-se em N ramos de nível 1, cada um dos
quais corresponde a uma letra do alfabeto. Cada ramo de nível
1 subdivide-se, por sua vez, em N ramos de nível 2, e assim
sucessivamente. É desde já evidente que cada palavra pode ser
representada por uma das ramificações da árvore e que cada
ramificação pode receber um peso, a saber, a probabilidade de
emprego da palavra em questão. Esse peso anula-se para as
sequências de letras que não são admissíveis como palavras.
Antes de examinar as árvores lexicográficas reais, vamos ver
o que acontece quando a codificação das palavras por meio de
letras e de espaços é óptima, no sentido de o número médio de
letras ser tão pequeno quanto possível. Esse seria o caso se,
num sentido que seria fastidioso explicar aqui em pormenor,
as frequências das palavras estivessem «adaptadas» à codifi-
cação por meio de letras e de espaços. Demonstrei (nos tra-
balhos que tiveram início em 1951 e que são resumidos, entre
outros sítios, em Mandelbrot 1965z, 1968p) que, para isso, seria
necessário que a árvore lexicográfica fosse regular, signifi-
cando que cada ramificação (até um nível máximo finito)
correspondia a uma palavra, e que os pesos-probabilidades do
nível k tomassem todos o valor U = U/', com r uma constante
que satisfaz O< r< 1. A presença do factor U0 -que não ire-
mos explicitar- assegura que a soma de todos os pesos de
probabilidade seja igual a 1.
A fim de deduzir a distribuição das frequências das pala-
vras a partir da regularidade desta árvore, ordenemos as
palavras por ordem decrescente de frequência (se houver
diversas frequências idênticas, a respectiva classificação será
arbitrária). Seja p a ordem que ocupa nesta classificação uma
palavra de probabilidade U. Iremos ver, dentro de instantes,
que, sendo a árvore lexicográfica regular, se tem, aproximada-
mente,
164
Inversamente,
p =-V+ u-DpD
165
menta mais subtil (não nos iremos deter nele), que supõe que
a irregularidade da árvore é de alguma maneira uniforme.
Parênteses: esperava-se que a lei de Zipf trouxesse um
grande contributo à linguística, para já não falar da psicologia.
Na verdade- após eu a ter explicado-, o interesse por ela
diminuiu, tendo-se concentrado no estudo dos desvios em
relação a esta lei.
Outro parêntese: uma outra interpretação do cálculo de
cima leva a considerar D como a «temperatura do discurso».
Em muitos sentidos, D = 1 desempenha um papel muito
especial, que se deve ao facto de p-1 =1:(p + V) 1- 0 • Antes de
tudo, quando D;::: 1 e 1/D ~ 1, a série 1:(p + V) 1- 0 diverge.
É então necessário que p seja limitado, querendo isso significar
que o léxico terá de ter um número finito de palavras.
Quando, pelo contrário, D < 1, o léxico pode muito bem ser
infinito. Se assim for, U0 toma a forma 1 - Nr e satisfaz a
U 0 < 1. Pode-se então interpretar U0 como a probabilidade do
espaço e r como a probabilidade de uma das letras propria-
mente ditas: a probabilidade U/' lê-se então como o produto
das probabilidades do espaço e das letras que compõem a
palavra de que se está a tratar. Dito de outra maneira, o caso
em que D < 1 e em que o léxico é infinito reinterpreta-se do
seguinte modo: considera-se uma sequência infinita de letras e
de espaços estatisticamente independentes e utilizam-se os
espaços para cortar esta sequência em palavras. As probabili-
dades das palavras assim obtidas seguirão a lei de Zipf genera-
lizada.
Segundo papel de D = 1: no caso em que D < 1, e apenas
nesse caso, a árvore lexicográfica pode ser reinterpretada geo-
metricamente sobre o segmento [0,1]. Para isso tracemos N seg-
mentos abertos de comprimento r, ou seja, ]O, r[, ]r, 2r[, ... e
](N -l)r, Nr[, que serão associados às N letras do alfabeto, e o
intervalo aberto ]Nr, 1[ de comprimento U0 = 1 - Nr, que será
associado ao espaço. Cada segmento «letra» será também sub-
dividido em N segmentos «letra-letra» e um segmento «letra-
-espaço». O segmento «espaço» não será subdividido. E assim
sucessivamente. Vê-se que cada segmento «espaço» define
uma sequência de letras terminada por um espaço. Define, por
isso, uma palavra. (É necessário incluir a palavra que se reduz
166
a um espaço!) Além disso, o comprimento do espaço é a proba-
bilidade dessa palavra. Vê-se também que, identificando o
espaço com o trema, o complemento de todos os tremas assim
definidos é uma poeira fractal de Cantor, cuja dimensão se
verifica ser igual a D. Desta forma, a dimensão pode ser inter-
pretada geometricamente.
Quando, pelo contrário, D > 1, é impossível uma tal inter-
pretação, pois o léxico deverá ser finito, enquanto um conjunto
fractal apenas pode ser obtido por uma construção infinita.
167
D = log N/log (1/r): quanto maior for a dimensão, maior é o
r, pelo que menor é o grau de desigualdade.
Pode-se generalizar ligeiramente, supondo que U varia entre
os diversos indivíduos de um mesmo nível k, sendo igual ao
produto de rk por um factor aleatório, o mesmo para toda a
gente, e tendo em conta, por exemplo, efeitos como a antigui-
dade. Esta generalização modifica as expressões que dão V e
P, mas deixa D inalterado.
Empiricamente, a distribuição dos rendimentos é nitida-
mente hiperbólica, facto conhecido por «lei de Pareto», e a
explicação de cima, avançada por Lydall 1959, é perfeitamente
possível.
Chamemos a atenção, todavia, para o facto de a mesma lei
de Pareto se aplicar igualmente, mas com um D diferente, aos
rendimentos especulativos. Esta observação levanta um pro-
blema inteiramente distinto, que abordei em Mandelbrot
1959p, 1960i, 1961e, 1962e, 1963p e 1963e.
Note-se que o D empírico está normalmente próximo de 2.
Quando é exactamente igual a 2, o rendimento de um superior
é igual à média geométrica do rendimento do conjunto dos
seus subordinados e do rendimento de cada subordinado con-
siderado separadamente. Se se tivesse D = 1, o dito rendimento
seria igual à soma dos rendimentos dos seus N subordinados.
Terminemos com uma divagação. Qualquer que seja D, o
número de níveis hierárquicos cresce com o logaritmo do
número total de membros da hierarquia. Se se pretender di-
vidir estes últimos em duas classes, uma forma intrínseca de
proceder consistiria em fixar o ponto de separação no nível
hierárquico médio. Neste caso, o número de membros da
classe superior seria proporcional à raiz quadrada do número
total. Existem muitas outras formas de deduzir esta «regra da
raiz quadrada». Foi, por exemplo, associada ao número ideal
de representantes que diversas comunidades deveriam enviar
a um parlamento no qual participarem.
168
CAPÍTULO XIII
Léxico]
É por necessidade que os meus trabalhos parecem trans-
bordar de neologismos. Muitas das ideias de base, embora bas-
tante antigas, tinham tido tão pouca utilidade que nunca fora
sentida a necessidade de lhes atribuir um nome, contentando-
-se os autores, quando muito, com a utilização de anglicismos
ou de termos prematuros ou pesados, que não se prestam à
larga utilização que proponho. Aproveito a ocasião para incluir
alguns dos meus outros neologismos, dos quais pouco me
sirvo neste livro. Este capítulo não figurava na 1.• edição
(francesa). Contudo, após 1976, várias versões incompletas
surgiram em diversas recolhas.
1 Dado que este capítulo apresenta alguns aspectos linguísticos muito espe-
áficos, houve algumas partes que foram alteradas na tradução, por não fazerem
sentido em língua portuguesa. (N. dos T.)
169
ALEATORIAMENTE, adv. Pode-se utilizar como sinónimo de «ao
acaso».
ALEATÓRIO BROWNIANO. Superfície, função ou campo brow-
niano. Comentário: sempre que a variável é unidimensional,
e que se pretende sugerir a dinâmica subjacente, preferir-
-se-á o termo passeata browniana (ver mais abaixo).
ALEATÓRIO DE LÉVY. Fecho do conjunto dos valores de uma
passeata estável de Paul Lévy.
ALEATÓRIO DE ZEROS BROWNIANO. Conjunto de pontos em que
um aleatório browniano se anula.
ALEATÓRIO DE ZEROS DE LÉVY. Conjunto onde um aleatório
estável de Paul Lévy se anula.
ALEATORIZAR, v. t. Introduzir um elemento de acaso. Alea-
torizar uma lista de objectos é substituir a sua ordem de
origem (a ordem alfabética, por exemplo) por uma ordem
escolhida ao acaso. É frequentemente atribuída igual proba-
bilidade a todas as ordens.
AMONTOAMENTO, s. m. 1.° Capacidade para formar amon-
toados hierarquizados. 2.° Colecção de objectos formando
amontoados distintos, agrupados em superamontoados, de-
pois em supersuperamontoados, etc., de forma (pelo menos
aparentemente) hierarquizada. Justificação da necessidade:
o par «amontoado-amontoamento» (em francês: amas-amas-
sement) é concebido para corresponder ao inglês clus-
ter-clustering, o qual não tem um equivalente exacto em
francês.
CRÓNICA, s. f. ver TRAJECTÓRIA.
ESCALANTE, adj. Caracteriza, ao mesmo tempo, os objectos
fractais, as fórmulas analíticas invariantes por transfor-
mações de escala e as interacções físicas que seguem as
mesmas regras a todas as escalas. Comentário: a palavra
inglesa scaling está tão enraizada que não vale a pena intro-
duzir uma palavra muito afastada.
ESCALONADO, adj. Diz-se de uma figura geométrica ou de
um objecto natural cuja estrutura é dominada por um
número muito pequeno de escalas intrínsecas bem distintas.
Escalonado será um neologismo absoluto, quer dizer, nunca
utilizado até agora. Contrasta com escalante e é a tradução
do meu neologismo inglês scalebound (Mandelbrot 1981s).
170
FRACTAL, adj. O seu significado é intuitivo. Diz-se de uma
figura geométrica ou de um objecto natural que combine as
seguintes características: a) As suas partes têm a mesma
forma ou estrutura que o todo, estando porém a uma escala
diferente e podendo estar um pouco deformadas. b) A sua
forma é ou extremamente irregular ou extremamente inter-
rompida ou fragmentada, assim como todo o resto, qual-
quer que seja a escala de observação. c) Contém «elemen-
tos distintos» cujas escalas são muito variadas e cobrem uma
vasta gama. Nota: o plural de fractal é fractais. Justificação da
necessidade: Desde há cem anos que os matemáticos se ocu-
pam de alguns dos conjuntos em questão, sem, contudo,
terem construído qualquer teoria em tomo deles. Não sen-
tiram, por isso, a necessidade de um termo para os designar.
Depois de o autor mostrar que na natureza abundam objec-
tos cujas melhores representações matemáticas são objectos
fractais, passou a haver necessidade de um termo que os
designasse e que não tivesse qualquer outro significado
paralelo. Todavia, esse termo ainda não possui uma defi-
nição matemática bem aceite. Além disso, é preciso notar
que a utilização que lhe dou não faz qualquer distinção
entre conjuntos matemáticos (a teoria) e objectos naturais
(a realidade): emprega-se em todos os casos em que a sua
generalidade, e a ambiguidade que daí resulta, ou são dese-
jadas, ou não trazem qualquer inconveniente, ou não apre-
sentam qualquer perigo, dado o contexto.
FRACTAL, s. m. Configuração fractal. Conjunto ou objecto
fractal. Comentário: há, em língua francesa, uma certa con-
trovérsia sobre se este termo deverá ser usado no feminino
ou no masculino. Pretendo que seja feminino, escrevendo-o
como fractale, pois considero que se trata de um termo origi-
nal francês que depois se transmitiu ao inglês. Outros auto-
res, por seu turno, acham que a palavra fractal teve origem
na língua inglesa e, como termo adaptado, deverá seguir a
regra do masculino. É ainda curioso notar que, também em
língua russa, há uma confrontação amigável entre os «parti-
dários do masculino» e os «partidários do feminino». Há
ainda uma disputa entre os «adeptos do 1 duro» e os
«adeptos do 1 mudo».
171
CONJUNTO FRACTAL. Substitui o termo fractal (substantivo)
sempre que é necessário precisar que se trata de um con-
junto matemático. Comentário: é necessário, de ora em
diante, evitar a «definição provisória», que chamava fractal a
todo o conjunto cuja dimensão de Hausdorff e Besicovitch é
superior à sua dimensão topológica. À medida que foi sendo
utilizada, essa definição revelou-se inadequada.
DIMENSÃO FRACTAL. Significado genérico: número que quantifica
o grau de irregularidade e de fragmentação de um conjunto
geométrico ou de um objecto natural e que se reduz, no caso
dos objectos da geometria normal de Euclides, às suas
dimensões usuais. Significado específico: «dimensão fractal»
foi frequentemente aplicada à dimensão de Hausdorff e
Besicovitch, mas essa utilização é hoje fortemente desaconselhada.
OBJECTO (FRACTAL). Substitui o termo fractal (substantivo) sem-
pre que é necessário precisar que se trata de um objecto
natural. Objecto natural que é razoável e útil representar
matematicamente por intermédio de um fractal.
PASSEAR, v. intr. Deslocar-se ao acaso, sem um fim preciso.
PASSEATA, s. f. Função que dá a posição de um ponto do
espaço, cuja evolução no tempo é regida pelo acaso. Sinó-
nimo de «função aleatória». Justificação semântica: a expres-
são normalmente utilizada com este significado é «passeio
aleatório». Contudo, «passeata» está mais próximo do termo
francês randonnée e do respectivo espírito (viagem sem fim
preciso, cujo desenrolar é imprevisto) 2 • Se se considera o
aleatório matemático como um modelo do imprevisível, o
comportamento psicológico subjacente ao uso comum de
randonnée é bem modelizado pelo conceito matemático aqui
proposto. O termo é especialmente recomendado nos con-
textos de que nos ocupamos aqui.
PASSEATA BROWNIANA. Movimento browniano.
PASSEATA DE BERNOULLI. Incrementos da fortuna do «Pedro» (e
decréscimos consecutivos da do «Francisco») ao longo de
172
um jogo de cara ou coroa. Há em França uma história
envolvendo duas personagens - Pierre e Francis - asso-
ciadas simbolicamente por este jogo desde 1713, quando
Jakob Bernoulli publicou o seu Ars Conjectandi.
PENEIRA, s. f. P. de Sierpinski: curva fractal introduzida por
W. Sierpirí.ski, cujo complemento é formado por triângulos
(p. 156). Esta curva adquiriu uma grande importância em
física. P. apoloniana: curva fractal cujo complemento é for-
mado por círculos (p. 158). Significado genérico: curva topo-
logicamente idêntica às peneiras apoloniana e de Sierpirí.ski.
História etimológica: é engraçada e instrutiva. Consideremos
o triângulo circular formado por duas rectas concorrentes
que encerram uma circunferência. O seu enchimento apolo-
niano dá uma gama infinita de circunferências tangentes às
mesmas rectas, mais os enchimentos dos triângulos restan-
tes. Ao ver o todo, não posso deixar de me lembrar do que
seria uma junta de motor de automóvel caso o motor não
tivesse 4 ou 6 cilindros, mas ums infinidade deles. Nos EUA,
junta de motor diz-se gasket, que adoptei de novo. Uma vez
que o termo se tornou corrente, houve um dicionário que o
pretendeu traduzir para francês. Atribuindo a gasket o seu
significado anterior, que dizia respeito às cordas náuticas, os
editores pensaram ver nas circunferências do meu gasket os
cortes dessas cordas e propuseram badernl?. Discutiu-se o
assunto e observou-se que certos dicionários remontam gas-
ket ao francês garcette 4 • Mas garcette não «entra muito bem».
Tentou-se trémie 5 (que, erradamente, se pensa ter a ver com
trema) e finalmente chegou-se a tamis 6 •
POEIRA, s. f. Colecção inteiramente descontínua de pontos, ou
seja, um objecto de dimensão topológica igual a O. Justifi-
cação da necessidade: para designar os conjuntos de dimensão
topológica igual a 1 ou 2 dispomos de termos familiares
173
«curva» e «superfície». Fazia falta também um termo fami-
liar para referir objectos de dimensão topológica igual a O.
TRAJECTÓRIA E CRÓNICA No estudo do movimento brow-
niano e de numerosas outras «passeatas», certos termos
matemáticos, tais corno «grafo», originam alguma confusão.
Utilizo «trajectória» para o conjunto dos pontos ocupados
pelo movimento, independentemente dos instantes, e
mesmo da ordem de ocupação. Utilizo «crónica» para
o diagrama cuja abcissa é o tempo te cuja ordenada (escalar
ou vectorial) é a posição no instante t.
TREMA, s. m. Diversos fractais são construídos a partir de um
espaço euclidiano ao qual é subtraído um conjunto enu-
merável de conjuntos abertos, a que dou o nome de tremas.
Etimologia: do grego 'tpru.ta =«buraco», «pontos sobre um
dado», próximo do latim termes =«térmita». A palavra
«trema» (sinal ortográfico) tem a mesma origem. Impunha-
-se pôr fim ao subemprego de urna raiz bem nascida, breve
e que soa bem.
174
CAPÍTULO XIV
Apêndice matemático
175
contradição sistemática. Continua a ser bem verdade que a
maioria dos aperfeiçoamentos analíticos não têm contrapartida
concreta, não fazendo mais do que complicar inutilmente a
vida daqueles que os encontram no decurso de uma teoria
científica.
Mais especificamente, uma vez definido um qualquer con-
ceito fractal de dimensão, chegando ao valor D, pode-se tentar
definir um conjunto fractal como sendo, ou um conjunto para
o qual D é um real não inteiro, ou um conjunto para o qual D
é um inteiro, mas o todo é «irregular». Por exemplo, chamar-
-se-ia fractal a um conjunto com D = 1 mas diferente de uma
curva contínua rectificável. Tal facto seria desagradável, pois
a teoria da rectificabilidade é demasiado confusa para que
alguém queira depender dela. Além disso, é muitas vezes pos-
sível, perturbando um conjunto muito clássico na proximidade
de um único ponto, fazer que a sua dimensão se tome uma
fracção. Do ponto de vista concreto, tais· exemplos seriam insu-
portáveis. É para os evitar que prescindo de definir o conceito
de conjunto fractal.
Medida de Hausdorff.
Dimensão de Hausdorff-Besicovitch
(uma dimensão fractal de conteúdo)
De entre as numerosas definições de dimensão fractal, his-
toricamente, a primeira a ser proposta foi a de Hausdorff
(Hausdorff 1919). Aplica-se a figuras muito gerais, que não têm
necessariamente homotetia interna. Para a clarificar convém
decompô-la em etapas.
Antes de tudo, suponha-se dado um espaço métrico .Q de
pontos ffi, isto é, um espaço no qual se definiu, de forma
conveniente, a distância entre dois pontos e, por c;onseguinte,
a bola de centro ffi e de raio p. Por exemplo, Q pode se~ um
espaço euclidiano. Considere-se em .Q um conjunto .9' cujo
suporte é limitado, isto é, contido dentro de uma bola finita.
É possível aproximar 9' por excesso, por meio de um conjunto
finito de bolas de Q tais que um qualquer ponto de .9' se situa
dentro de, pelo menos, uma delas. Sejam p111 os seus raios. Num
176
espaço euclidiano de dimensão d = 1, o conteúdo de urna
esfera de raio p é 2p; para a dimensão euclidiana d = 2, já é 7tp 2
e, de forma geral, tem-se y(d)pd, com
[r0/2)]d
y(d) =
r(l + d/2)
'"
l\ d) lirn P"",0infp m <pLpdm
e, para
(Na verdade, neste último caso tem-se infp111 <P = O para todo o
p, pois a melhor cobertura, qualquer que seja o p, é feita por
177
bolas de raio muito inferior a p). Ao D assim definido chama-
-se «dimensão de Hausdorff-Besicovitch».
Quando Q é um espaço euclidiano de dimensão E, a expres-
são inf y(E)Lp!; relativa afl'é finita, sendo, no máximo, igual à
mesma expressão relativa à bola finita que contém 9: Portanto,
D:::; E. Para os pormenores poder-se-á consultar Kahane e Sa-
lem 1963, Federer 1969 ou Rogers 1970.
Medida de Hausdorff-Besicovitch
num espaço de dimensão D
Façamos d = D na expressão '" f\ d) lim p+,0 infp m < P Lpd
m da medida
de Hausdorff. O valor que se obtém, tanto pode ser dege-
nerado (nulo ou infinito), como não degenerado. Só este último
caso, que cobre nomeadamente o conjunto de Cantor, a curva
de von Koch e o universo de Fournier, tem algum interesse.
Quando a medida de Hausdorff é degenerada, a expressão p0
mede o «conteúdo intrínseco» de fi' de forma imperfeita. Tal é
tipicamente o caso quando fi' é um conjunto aleatório, como,
por exemplo, a trajectória do movimento browniano ou do de
Cauchy ou do de Lévy. Em todos esses casos, o conceito de
dimensão já é conhecido, sendo porém conveniente aprofundar
um pouco mais o de «conteúdo».
Besicovitch teve a ideia, para levar em conta as medidas de-
generadas, de substituir y(o)p 0 por uma função h(p) mais geral,
satisfazendo h(O) =O. Pode existir uma função-calibre h(p) tal
que a quantidade limp!o infp, < P Lh(p,) é positiva e finita. Nesse
caso, essa quantidade chama-se «medida de Hausdorff-Besi-
covitch segundo o calibre h(p)», e diz-se que h(p) mede o con-
teúdo do conjunto fi' de forma exacta. Ver, por exemplo,
Kahane e Salem 1963 ou Rogers 1970.
178
o menor número possível de bolas, N(p). Pode-se, sem
modificar N(p), substituir a condição «raio igual a p» por «raio,
no máximo, igual a p». Em seguida, fazendo p tender para O,
define-se a dimensão de cobertura por
log N(p)
lim infpJ.o log (1/p)
Conteúdo de Minkowski
Tomemos como espaço W o espaço euclidiano a E dimen-
sões. Para estudar os conceitos de comprimento e de área de
um conjunto .9' de W, Minkowski 1901 sugeriu que se
começasse por o regularizar e engrossar, substituindo-o pelo
conjunto .9' (p) de todos os pontos cuja distância a .9' é, no
máximo, p. Pode-se obter .9' (p) como uma união de todas as
bolas de raio p, centradas em todos os pontos de.9: Por exem-
plo, uma linha é substituída por um «fio», cujo volume,
dividido por 2np 2, possibilita uma nova estimativa do compri-
mento aproximado da linha. Da mesma maneira, uma super-
fície é substituída por um «véu», sendo o volume do véu,
dividido por 2p, uma estimativa da área aproximada da super-
179
fície. Minkowski generalizou a densidade para todo o d inteiro
como sendo igual à razão:
180
então necessária urna nova definição mais directa. Não encon-
trando nada a esse respeito na literatura, introduzi (para meu
uso pessoal) as seguintes definições, ainda pouco exploradas,
mas que poderão ter um interesse mais geral.
Sendo dado p >O e O< À< 1, consideren:tos todas as cober-
turas de Q que utilizam bolas de raio no máximo igual a p,
deixando a descoberto um conjunto de medida 11 no máximo
igual a À. Seja N(p, À) o ínfimo do número dessas bolas. As
expressões
Dimensão topológica
As dimensões de homotetia, de cobertura e de medida são
todas relativas a espaços métricos. São todas muito diferentes
de um conceito muito mais usual, que é a dimensão no sentido
topológico. Esta última está absolutamente fora das nossas preo-
cupações. Contudo, é necessário assinalá-la,· pois, de outro
modo, o papel quase exclusivo que representa nos tratados
correria o risco de causar a confusão.
Diz-se que dois espaços topológicos têm a mesma dimensão
se entre os pontos de um e de outro existir urna corres-
pondência contínua e unívoca. A legenda da fig. 51, 1-epresen-
tando a curva de Peano, fornece alguns pormenores a e:;se
respeito. Encontra-se um grande número de informações em
Gelbaurn e Olrnsted 1964 (um livro curioso, muito útil, mas
totalmente desorganizado). Finalmente, de entre os tratados,
pode citar-se Hurewicz e Wallrnan 1941.
Vemos então que o conceito intuitivo de dimensão é multi-
forme: a dimensão de Hausdorff-Besicovitch, a dimensão de
181
homotetia e a dimensão topológica representam, cada uma
delas, apenas um aspecto particular. Além disso, elas podem
muito bem tomar valores diferentes. Sabemos, por exemplo, do
estudo da curva de von Koch e das suas variantes, que as
dimensões de Hausdorff-Besicovitch são idênticas às dimen-
sões de homotetia interna, satisfazendo 1 < D < 2; no entanto,
essas curvas contínuas sem pontos duplos têm todas uma
dimensão topológica igual a 1. Mas o conjunto que suporta a
medida multinomial de Besicovitch do capítulo IX tem uma
dimensão de Hausdorff-Besicovitch que satisfaz O < D < 1,
enquanto a sua dimensão de homotetia é 1.
Isto assegura que exp (- Ç,2) seja uma sua função característica
(transformada de Fourier). A média de X é nula e a sua va-
riância é cr2 = 2. Chamemos a atenção para a seguinte proprie-
dade. Sejam G' e G" duas variáveis gaussianas independentes,
que satisfazem < G' > = < G" > = O, < G' 2 > = cr" 2 e < G" 2 > = cr" 2;
então, a soma G = G' + G" é igualmente gaussiana, com
< G > = O e < G2 > = cr' 2 + cr" 2• A variável gaussiana reduzida X
é solução da equação funcional seguinte:
182
Quanto à distribuição de Cauchy, é
(AD):
11o
-
1t
00
exp(-u 0 )cos(ux)du
183
Vectores aleatórios estáveis de Lévy
Limitemo-nos ao caso isotrópico. Lévy mostrou que, se o
vector aleatório isotrópico X satisfaz a
dever-se-á ter
184
Lévy). Além disso, um grande número de outros objectos
fractais obtêm-se modificando a definição do movimento
browniano de uma forma inteiramente natural. Iremos aqui
fazer uma lista dessas generalizações mais importantes.
O protótipo irredutível é o movimento browniano esca-
lar de Wiener. Uma vez normalizado, é uma função escalar
B, aleatória e gaussiana, da variável escalar t, tal que
<[B(t) - B(0)]2> = t2H, com H= 0,5.
A primeira generalização incide sobre B, substituindo o es-
calar por um vector, ou, ainda - o que vai dar ao mesmo-,
considera um ponto cujas coordenadas são todas movimentos
brownianos independentes.
Uma segunda generalização diz respeito a um B escalar, mas
substitui H= 0,5 por um outro valor, compreendido entre O e 1.
Isso conduz ao movimento browniano fraccionário, cujas prin-
cipais propriedades - incluindo uma construção efectiva -
são discutidas em Mandelbrot e Van Ness 1968.
As primeira e segunda generalizações podem ser combina-
das, conforme foi dito no capítulo VII.
Uma terceira forma de generalizar B(t), devida a Paul Lévy,
incide sobre t, substituindo este escalar por um ponto P. Uma
construção efectiva de B(P), a partir do ruído branco gaus-
siano, foi dada por Tchentsov. A combinação das segunda e
terceira generalizações deve-se a R. Gangolli, sendo urna cons-
trução efectiva devida a Mandelbrot 1975b.
Urna quarta generalização substitui a distribuição gaussiana
por uma outra distribuição estável de Lévy; essa generalização
é muito útil no capítulo VI.
185
CAPÍTULO XV
Esboços biográficos
Este livro cita diversos autores, alguns dos quais foram, com
toda a justiça, coroados com todos os louros (é o caso de Jean
Perrin e John William Strutt, Third Baron Rayleigh), enquanto
outros ficaram um pouco à margem, muitas vezes até ao mo-
mento da sua morte. O tempo, para esses últimos, parece ter
corrido lentamente, deixando-lhes a oportunidade (a menos
que seja necessário dizer que lhes impôs a necessidade) de
polir ao longo dos anos ideias que ninguém lhes disputava. De
entre eles distinguem-se três sábios a quem dedico uma
admiração particular. Esperando poder partilhá-la, desejando
saber um pouco mais sobre um deles - bem como sobre um
quarto autor, acerca do qual não sei praticamente nada - e,
por fim, desejando (como disse na introdução) que este ensaio
contribua para a história das ideias, irei terminar com alguns
esboços biográficos.
187
É inútil determo-nos aqui nos pormenores, que são facilmente
acessíveis.
Mas a história poderia ter decorrido de maneira diferente.
Com efeito, a matemática e as ciências económicas (para estas
últimas teria, certamente, sido caso único!) poderiam ter pre-
cedido a física, se a aventura de um precursor extraordinário
tivesse tornado um rumo diferente. Com efeito, urna porção
verdadeiramente inacreditável dos resultados da teoria tinha já
sido descrita nos trabalhos de Louis Bachelier, a começar por
urna tese de doutoramento de estado defendida em Paris em
29 de Março de 1900. Sessenta anos após a sua publicação
nos Annales de l'École normale supérieure, esta tese teve a rara
honra de ser reimpressa (em tradução inglesa), mas a sua
influência directa foi claramente nula. Bachelier manteve-se
activo e publicou, nas melhores editoras, diversas obras e
dissertações. Além disso, o seu popular livro Le Jeu, la Chance
e le Hasard 1 (Bachelier 1914) conheceu diversas edições, po-
dendo ser lido, ainda hoje, de urna forma mais do que honrosa.
Não será um livro para todos, pois o assunto se alterou muito
e está escrito corno urna sequência de aforismos: não é claro se
estes resumem conhecimentos já adquiridos ou esboçam pro-
blemas a explorar. O efeito cumulativo dessa ambiguidade é
perturbador.
Apesar desses trabalhos, Bachelier sofreria diversos reveses
na sua carreira, contando 57 anos quando conseguiu ser
nomeado professor na Universidade de Besançon. Dada a
lentidão da sua carreira e a escassez de traços pessoais que
deixou (as minhas pesquisas, ainda que diligentes, puderam
apenas encontrar restos de recordações de alunos e colegas
e não descobriram sequer urna única fotografia), a sua vida
parece medíocre e a celebridade atingida a título póstumo pela
sua tese faz dele urna personagem quase romântica. A que se
deve esse contraste? Urna das razões (além do facto de nunca
ter integrado urna «grande escola», de a sua tese ter ape-
nas tido direito a urna «menção honrosa» e de não dever ser
urna pessoa muito desenrascada) prende-se com um certo
188
erro matemático, cuja história me foi contada por Paul Lévy,
numa carta de 25 de Janeiro de 1964. Eis alguns largos extrac-
tos, que completam aquilo que pode ser lido em Lévy 1970,
pp. 97-98:
189
Reconciliei-me com ele. Escrevi-lhe a dizer que lamentava
o facto de a impressão produzida por um erro no início me
ter impedido de continuar a leitura de trabalhos em que
havia um tão grande número de ideias interessantes. Res-
pondeu-me com uma carta em que testemunhava um
grande entusiasmo pela investigação.
190
vem no relatório de tese, que merece ser citado em mais
pormenor:
191
Quem saberá algo mais acerca da sua vida ou da sua perso-
nalidade?
Digressão: será necessário completar as «CEuvres» de Poincaré?
Os extractos de relatório acima reproduzidos foram copia-
dos dos Arquivos da Universidade de Paris VI -herdeiros
dos da antiga Faculdade de Ciências de Paris - com a amável
autorização das autoridades competentes. O documento está
redigido no estilo admirável e lúcido que se conhece dos
escritos «populares» do autor. É apaixonante.
Este caso sugere-nos que o segredo académico que protege
tais documentos na sua origem obedece expressamente às mes-
mas regras que o segredo diplomático e o das correspondên-
cias privadas. Hoje todo um aspecto da personalidade de Poin-
caré está ausente nas suas CEuvres, reputadamente completas.
sociedade inglesa. A tradução literal do seu título é Quem É Quem? (N. dos T.)
6 Livro semelhante, mas cujo título significa Quem Era Quem? e que, obvia-
192
apenas de forma muito vaga. Gostaríamos de conhecer um
pouco melhor sobre que terreno ela se terá podido formar.
193
cujas hipóteses todas se repetem claramente, intercalados
por alguns resultados não demonstrados, mas claramente
sublinhados como tais. Guardei, em vez disso, a recordação
de uma vaga tumultuosa de comentários e observações. Na
sua autobiografia, Lévy sugere que, para interessar as crian-
ças pela geometria, é necessário chegar rapidamente àqueles
teoremas que elas não se sentem tentadas a considerar como
evidentes. Na Politécnica, o seu método não era muito dife-
rente. Para descrever o seu estilo, uma pessoa sente-se irre-
sistivelmente atraída por imagens de alpinismo, tal como
aconteceu, há já muito tempo, com Henri Lebesgue, numa
descrição de um outro curso de Análise na Politécnica, o de
Camile Jordan. Com efeito, tal como Camile Jordan, Lévy
não era parecido com «aquela pessoa que tentaria aguar-
dar o ponto culminante de uma região desconhecida, não
olhando em volta antes de atingir o cume. Se essa pessoa for
levada para lá, ela verá possivelmente que do topo domina
muitas coisas, não sabendo, contudo, muito bem quais. Con-
vém ainda lembrar que dos cumes mais elevados não se vê
geralmente nada. Os alpinistas sobem-nos apenas pelo pra-
zer do esforço a realizar».
É inútil dizer que as «folhas» policopiadas do curso
escrito de Lévy não eram universalmente populares. Para
muitos «escavadores de minas» 7, elas eram - na expectativa
do exame geral - fonte de inquietude. Aquando da última
reforma (que conheci em 1957-58, sendo seu «mestre de
conferências»), todos os seus traços se acentuaram ainda
mais. A exposição da teoria da integração, por exemplo, era
claramente aproximativa. Não se realiza um bom trabalho
tentando forçar-se o talento, escreveu ele. Parecia que, no
último ano em que deu a cadeira, o seu talento havia sido
forçado. Mas desse curso de 1944, que eu frequentava,
guardei uma recordação extraordinariamente positiva. Se é
verdade que a intuição não pode ser ensinada, não o é
menos que é bem fácil ser enganada. Penso que era sobre-
tudo isso que Lévy tentava evitar e julgo que o conseguiu.
194
Ainda na escola, ouvi diversas alusões à sua obra criativa.
Ela era, dizia-se, muito importante, mas acrescentava-se que
o mais urgente era torná-la rigorosa. Isso foi feito e os
rebentos intelectuais de Lévy regozijam-se de serem, desde
então, aceites como matemáticos de parte inteira. Vêem-se a
si próprios, conforme acaba de dizer um deles, como «pro-
babilistas aburguesados». Esta aceitação custou muito caro:
o cálculo das probabilidades não se «apurou». Deliberada-
mente, desmembrou-se e dispersou-se por diversos ramos
da matemática. Urna teoria do acaso, da qual o cálculo das
probabilidades teria sido o pólo central, ainda está por cons-
truir. Parece haver, em todos os ramos do saber, níveis de
precisão e de generalidade insuficientes, incapazes de atacar
algo mais do que problemas simples. Existem também, cada
vez mais, ramos do saber cujos níveis de precisão e genera-
lidade estão para além do que seria razoável pedir. Por
exemplo, pode-se ter necessidade de cem páginas de pre-
liminares para conseguir (sem abrir novos horizontes) de-
monstrar um único teorema sob uma forma um tudo-nada
mais geral. Finalmente, em certos ramos do saber há níveis
de precisão e generalidade que se podem qualificar de clás-
sicos. A grandeza quase única de Paul Lévy foi a de ter sido
um precursor, mantendo-se um clássico.
Para terminar, falemos das aplicações científicas. Rara-
mente se ocupou delas e aqueles que têm de resolver proble-
mas já bem assentes raramente encontram na sua obra fór-
mulas que lhes possam servir directamente. Portanto, rara-
mente o citam. Mas o mesmo já não se passa na exploração
de problemas verdadeiramente novos, a acreditar na minha
experiência pessoal. Quer se trate dos modelos aos quais
este ensaio é consagrado, quer dos modelos (por exemplo,
económicos) que abordo noutras obras, a boa formalização
parece não tardar a exigir quer o Lévy de origem quer urna
ferramenta com o mesmo espírito e grau de generalidade.
Criou-se assim entre os seus teoremas e as minhas teorias
um paralelismo cada vez mais acentuado, tanto mais ines-
perado quanto os meus trabalhos, que tive a oportunidade
de lhe apresentar pessoalmente, o surpreenderam do mesmo
modo que surpreenderam os seus contemporâneos. Cada
195
vez mais, o mundo interior, de que Lévy se tornou geógrafo,
revela ter tido, com o mundo que nos rodeia (e que eu
exploro), uma espécie de acordo premonitório, o qual, não
haja qualquer dúvida nesse ponto, é uma marca de génio.
196
valores que estão muito longe de satisfazer um certo critério de
segurança nos cálculos. Não tendo ainda sido sentida a neces-
sidade de um tal critério, o erro não podia ter sido evitado,
mas - por esse facto - só vinte anos mais tarde foi reconhe-
cida a validade das bases do método de Richardson.
Houve, no entanto, um aspecto do seu livro que não teve
dificuldade em sobreviver, tomando-se um clássico, ainda que
anónimo: é o conceito de cascata, tal como o exprimiu numa
paródia a Swift, texto que se tomou célebre e ainda hoje se
mantém fecundo, pois que cada progresso no estudo da tur-
bulência parece vir trazer-lhe uma nova variante. O original e
a paródia são intraduzíveis (mas será que não existe um
equivalente francês da mesma época?):
SWIFf
So, naturalists observe, a flea
Hath smaller fleas that on him prey; And
these have smaller fleas to bite 'em;
And so proceed ad infinitum.
RICHARDSON
Big whorls have little whorls,
Which feed on their velocity;
And little whorls have lesser whorls,
And so on to viscosity
(in the molecular sense)9 .
197
Naturalmente, prosseguiu o estudo da turbulência, tendo-
-lhe os seus trabalhos valido a eleição para a Royal Society.
A primeira secção de um dos seus trabalhos intitula-se
«O vento possuirá uma velocidade?» e começa assim:
«A questão, aparentemente estúpida, não o é tanto se se reflec-
tir um pou~o.» Demonstra, em seguida, como se pode estudar
a difusão pelo vento sem nunca mencionar a respectiva velo-
cidade. É feita uma alusão - mas (não ocorreu qualquer mi-
lagre) para se livrar dela logo a seguir! - à função contínua
sem derivada de Weierstrass. É, portanto, evidente que faltou
a Richardson o golpe fractal, mas o seu argumento é facilmente
traduzível para a linguagem «fractal» da turbulência, que este
ensaio introduz e defende.
Uma das suas últimas experiências sobre a difusão num
meio turbulento requeria a utilização de bóias bem visíveis, de
preferência esbranquiçadas, além de que quase submersas,
para não apanharem vento, e ainda em grande número, pelo
que de preferência não muito caras. A solução que encon-
trou consistiu em encontrar um grande saco de pastinagas
(parsnips), que mandou atirar do cimo de uma ponte, enquanto
as observava do cimo de uma outra ponte, a jusante.
Após 1939, uma herança permitiu-lhe pedir uma reforma
antecipada do posto administrativo humilhante que ocupava,
à falta de um posto à sua altura, consagrando-se, a partir de
então, ao estudo da psicologia dos conflitos armados entre
estados. Dois volumes sobre este problema surgiram após a
sua morte, bem como alguns artigos, um dos quais salvou do
esquecimento os seus trabalhos sobre o comprimento das costas.
198
Conheço poucas obras (a de Fournier d' Albe é outra) em
que tantos rasgos de génio, projectados em tantas direcções, se
percam numa ganga tão espessa de locubrações. Por um lado,
encontra-se aí um capítulo que trata a forma dos órgão sexuais
e um outro em que se justifica o Anschluss 11 por meio de uma
fórmula matemática. Por outro, contudo, oferece-nos um
manancial de figuras e tabelas, em que se martela sem cessar
a prova empírica da validade de uma lei estatística, da qual o
capítulo xn desta obra referiu duas aplicações, havendo outras
em incontáveis domínios das ciências sociais. Se teve difi-
culdade em se impor, foi por atacar de frente o dogma que
então dominava sem contestação os estatísticos profissionais: o
dogma de que tudo na natureza é gaussiano. A sua obra
conserva por isso uma importância histórica considerável. Dito
isto, Zipf não foi verdadeiramente original: de entre as leis que
disseminou, as melhores não eram suas, e aquelas de que foi
o primeiro autor são a::5 menos numerosas e as mais con-
testáveis.
As pessoas gostam de imaginar fins felizes para histórias
tristes, sobretudo quando elas são subitamente interrompidas,
mas, no caso de Zipf, isso é difícil. No seu combate contra um
dogma estatístico forjou um outro dogma, inteiramente verbal
e vazio. Encontram-se nele, da maneira mais clara - e mesmo
caricatural- as dificuldades extraordinárias que se deparam
a qualquer abordagem interdisciplinar.
199
CAPÍTULO XVI
Agradecimentos e coda
Esta obra jamais teria visto a luz do dia se não fossem os
convites, o apoio e a assistência de inúmeros organismos e
individ ualiades.
O College de France concedeu-me a honra de me convidar
para expor o estado das minhas ideias em Janeiro de 1973 e em
Janeiro de 1974. Ao convidarem-me, os Srs. A. Lichnerowicz e
J. C. Parker encorajaram-me a organizar o que na altura pode-
ria não parecer mais do que uma grande embrulhada, podendo
este texto ser considerado uma redacção mais elaborada das
minhas palestras no College.
Este livro serve-se de trabalhos desenvolvidos no Thomas
J. Watson Research Center of the International Business Machi-
nes Corporation, Yorktown Heights, Nova Iorque. Através da
pessoa do Sr. R. E. Gomory, anteriormente chefe de uma
pequena equipa em que me incluía e hoje Senior Vice-President
for Science and Technology, a IBM apostou em me dar os
meios para que pudesse empreender estes trabalhos, conti-
nuando ainda hoje a apoiá-los.
A maioria das ilustrações foi realizada por meio de compu-
tadores, fazendo uso de programas criados por H. Lewitan,
J. L. Oneto e sobretudo S. W. Handelman e de técnicas aper-
feiçoadas por P. G. Capek e A. Appel.
A. Mandelbrot, L. Mandelbrot, C. Vannimenus e J. S. Lourie
combateram a obscuridade e os anglicismos nos textos.
201
F. Mer, F. Legrand, A. M. Benilan, M. Roulé e, para finalizar,
C. A. McMullin decifraram os difíceis manuscritos de 1975,
tendo-os introduzido num sistema experimental de tratamento
de texto. Em 1984 fui auxiliado por J. T. Riznychok e em 1989
por F. Guder e L. R. Vasta.
202
FRONTISPíCIO DO <<PANORAMA>>: UM PEDAÇO DE ÂMBAR
203
PANORAMA GERAL
DA LINGUAGEM FRACTAL
O terna deste Panorama, como aliás de todo o livro, é a
geometria fractal da natureza e do caos, ou -para ser mais
curto- a geometria fractal. É o estudo de diversos objectos,
tanto matemáticos corno naturais, que não são regulares, mas
rugosos, porosos, ou fragmentados, sendo-o no mesmo grau em todas
as escalas. Já ultrapassou a idade dos 15 anos, quer se conte a
partir do marco que foram os meus trabalhos de 1974 sobre os
multifractais, quer a partir da publicação, em 1975, do primeiro
dos ensaios que constituem este livro. A 3.• edição destes
Objectos Fractais dá-nos, por isso, urna oportunidade de fazer
um balanço.
O milagre é que a geometria fractal tenha sobrevivido aos
males de infância que devastam as iniciativas intelectuais, par-
ticularmente aquelas que assumem um tom de síntese. Não só
sobreviveu, corno ensinou muitos sábios, engenheiros e artistas
- entre outros - a verem o mundo de urna maneira diferente.
Mais precisamente, fez sair o verbo ver do sentido figurativo
e abstracto a que havia sido remetido, para voltar a encontrar
o seu sentido concreto, do qual o instrumento é o olho
humano.
De urna forma mais geral, a geometria fractal é largamente
aceite, tendo já entrado na idade dos congressos, dos cursos e
dos manuais, corno o demonstram, por exemplo, os livros para
onde remete a primeira página da bibliografia. Não obstante,
207
ainda não se tomou «académica», mantendo uma diversidade
que é intrínseca, rara, divertida e importante. Não só levanta
ainda questões fundamentais, como continua a desencadear
polémicas. Não há aí nada de surpreendente, pois uma síntese
intelectual ambiciosa, qualquer que seja a sua idade, não
poderia ficar a dormir sobre os seus louros.
O objectivo deste ensaio consiste então em examinar breve-
mente, um após o outro, diversos papéis desempenhados pela
geometria fractal neste momento da sua vida, respondendo,
sem procurar evitar a polémica, às questões de facto ou de
interpretação que se parecem colocar mais frequentemente a
seu respeito.
Este Panorama repete, em alguns pontos, o que já foi dito
nos Objectos Fractais. Aliás, não é de forma nenhuma sis-
temático, sobretudo porque, no meu espírito, nenhum dos
papéis dos fractais domina ou implica os outros. Não é, por-
tanto, necessário prestar demasiada atenção nem aos pesos
relativos que atribuí aos diversos aspectos dos fractais, nem à
ordem pela qual são discutidos. Além disso, tendo certas
partes um carácter mais especializado, encoraja-se o leitor a
não se deter naquilo que não lhe interessar; frequentemente,
poderá saltar directamente para as secções que mais lhe digam
alguma coisa.
As ilustrações foram agrupadas no final do texto.
208
livro inglês, Mandelbrot 1977f, pp. 255-259, verificava (lendo
Poincaré) que as mesmas técnicas podiam também ser aplica-
das em dinâmica.
Ora estava então em vias de se constituir uma teoria do caos
determinista. A ideia fundamental dessa teoria reside no facto
de um sistema dinâmico absolutamente determinista poder dar
origem a comportamentos que temos grande dificuldade em
não considerar aleatórios. Esta perspectiva era conhecida na
década de 30, quando Norbert Wiener, para só o citar a ele,
pensava (sem, contudo, o ter demonstrado) que a turbulência,
ainda que criada por um processo determinista, deveria ser
estudada pelos mesmos métodos utilizados na análise de
processos aleatórios. Mas a ideia só tomou forma em meados
da década de 70, na sequência, sobretudo, dos célebres tra-
balhos de David Ruelle sobre os «atractores estranhos». Os
trabalhos de Ruelle foram seguidos, não parando de se acumu-
larem os exemplos de «caos determinista».
A geometria fractal e o estudo do caos estiveram na origem
de movimentos independentes, ainda que ambos se colocas-
sem na herança intelectual de Henri Poincaré. Os dois
movimentos, contudo, mantiveram-se, em grande parte, uni-
dos. Para começar, foi desde logo evidente que os «atractores
estranhos» de Ruelle eram fractais. De uma forma mais geral,
o estudo do caos determinista deu origem a inúmeras formas
geométricas muito complicadas. A geometria habitual é abso-
lutamente incapaz de as tratar, enquanto a geometria fractal
constituía, à partida, uma ferramenta perfeitamente apro-
priada para o seu estudo. Assim, por exemplo, os meus tra-
balhos de 1974-76 desenvolveram a técnica dos multifractais
(sem usar esse nome), com vista ao estudo das formas geo-
métricas criadas pela turbulência no espaço real. Mas a mesma
técnica estendeu-se, sem esforço particular, às frequências de
retorno de um sistema dinâmico considerado num «espaço de
fase», encontrando assim um novo campo de aplicação muito
vasto.
Devido a isso, o papel dos fractais no seio da dinâmica
tornou-se absolutamente central. Daí resulta, em particular,
que a ideia, por vezes expressa, de que a geometria fractal é
unicamente estatística não tem qualquer fundamento.
209
fractal já explica muito bem, alguns fazem unicamente inter-
vir o acaso, outros fazem igualmente intervir as grandes
equações clássicas da física matemática.
212
surpreender ou mesmo inquietar. Para a irritação não há qual-
quer resposta possível. Mas compreendo perfeitamente a sur-
presa, pois, corno se vai ver, eu próprio a sinto muito intensa-
mente e, ao descrever o caminho percorrido pelos fractais,
sinto-me transbordar de humildade, tanto corno de alegria.
Que dizer da inquietude e da incredulidade? Apesar dos
protestos da secção anterior, é legítimo o direito de perguntar
se é concebível que urna lista tão variada seja séria. Anterior-
mente ter-se-ia, sem dúvida, concluído que a probabilidade de
o ser seria desprezável. Hoje, contudo, trata-se de julgar, não
as hipóteses de um projecto, mas o valor de realizações que
pertencem já ao passado. A sequência deste Panorama tenta
eliminar ou, pelo menos, atenuar as dúvidas quanto à sua
solidez.
Mas corno julgar a ambição que teria levado a imaginar uma
tal variedade de utilizações: não seria ela desmesurada? De
facto, nunca houve qualquer sentimento de desmesura, pois
não houve até ontem qualquer projecto organizado.
Pelo contrário, tratava-se antes de urna fuga para a frente!
Ao reler recentemente algumas pastas antigas (ao preparar as
minhas Selecta), recordei-me, com um aperto no coração
sempre renovado, corno me fora difícil durante tanto tempo
apresentar o conjunto dos meus trabalhos de forma suficien-
temente coerente e prometedora para que fossem apoiados.
A única ligação que via entre eles passava pela termodinâmica
e era recusada, pelo menos até ontem.
De qualquer maneira, quem poderia, na década de 50,
prever o computador corno urna máquina de desenho? Mas
um acaso que não sei analisar fez-me formular urna versão
pessoal do que viria a ser o terna do caos. O meu projecto
estendeu-se e organizou-se, aliás na solidão mais completa.
Senti-o a avançar gradualmente, ao ritmo das circunstâncias
exteriores que se impunham à minha atenção.
Cada passo trazia a sua surpresa e os «projectos de inves-
tigação», que todo o cientista é forçado a compor de tempos a
tempos, reduziam-se, no meu caso, a glosar sobre o passado
recente, em lugar de encaminhar o futuro. Entretanto, colocava
todo o meu ardor e persistência a farejar, passo a passo, com
o nariz no chão, urna pista vaga, mas que parecia digna de ser
213
seguida, que se verificava, aliás, ficar mais nítida a cada
momento e que conseguiu chamar companheiros de estrada
cada vez mais numerosos. O ponto de partida (a distribuição
das frequências de palavras!) surge apenas, no universo fractal
de hoje, como um lugarejo raramente visitado, mal digno de
ser assinalado.
Ainda uma outra questão. Como pode um único indivíduo
reivindicar, de forma razoável, uma tal diversidade de «priori-
dades»? Algumas respostas foram já dadas implicitamente,
mas precisemo-las. Ao lado de uma infinidade de inconvenien-
tes, estar sozinho traz a vantagem de não se ter concorrência.
Para se ser o melhor basta então estar-se presente e, como é
evidente, ultrapassar um certo nível mínimo de competência e
de entusiasmo. Ao longo da pista, na qual o meu nariz perma-
necia colado, as novidades em questão não eram vistas como
sendo «diversas». Pelo contrário, muitas delas foram vistas, de
início, como o retomar inesperado de um sucesso antigo, que
estaria a ser apresentado com a cara lavada. Cada retomada
ir-se-ia aclimatizar e desenvolver, modificando-se assim de
maneira profunda. O projecto fractal foi apenas formulado
como a coroação de trabalhos já realizados (ver Mandelbrot
1987r). Como projecto, nunca parou de evoluir, e eu continuo
a vê-lo como progredindo de «baixo para cima», «subindo»
diversas planícies, em direcção a uma montanha que se arrisca
permanentemente a ser substituída por outra, que será sempre
mais alta.
Reconhece-se nesta maneira de proceder a ideia-mestra de
uma das duas grandes formas de interdisciplinaridade, da qual
o estudo do caos nos fornece muitos outros exemplos. Uma
forma extremamente diferente de interdisciplinaridade pro-
cede em sentido perfeitamente contrário, «de cima para baixo».
Parte do enunciado de um grande princípio, considerado into-
cável, pondo-se depois a «descer» esta montanha, em direcção
a planícies progressivamente mais baixas. Esta forma é-me
totalmente estranha e confesso mesmo sentir a seu respeito
alguns dos sentimentos de incredulidade de que a minha
forma se sente, por vezes, objecto.
Felizmente, tudo o que acaba de ser dito pouco importa para
a evolução do tema e, se me detive um pouco nesta história,
214
foi na esperança de impedir que a surpresa legítima eventual-
mente provocada pela penúltima secção impedisse o leitor de
prosseguir.
215
lindo discurso. Conclui (linhas 2938-2939) com esta descrição
de «duas culturas»:
216
instrumento. Quanto aos artistas, a nenhum pintor poderá ter
passado despercebida a revolução que foi a fotografia. Os pin-
tores de mais longa memória pensarão também na perspectiva
e os historiadores da escultura em metal sabem até que ponto,
desde os Gregos até Rodin, essa arte interagiu com os progres-
sos na metalurgia.
Mas havia já muito tempo, talvez um século, que a situação
do matemático se tornara muito diferente. A ideia de «instru-
mento novo e essencial» serviu apenas para evocar alguns bens
irnateriais, técnicas corno o integral de Lebesgue ou as famílias
normais de Montei.
Houve excepções. Por exemplo, a regra de que bastam
quatro cores para colorir qualquer mapa geográfico, a qual se
sabe ter sido descoberta empiricamente pelo desenho. Recorde-
-se também que Gauss (1777-1855) não temia submeter as suas
conjecturas aritméticas à prova do cálculo explícito de certos
casos particulares.
Mas esse aspecto do método de Gauss não fez escola. Pelo
contrário, os matemáticos profissionais depressa adquiriram o
hábito de não se aventurar longe do centro de gravidade da
sua disciplina. É essa, sem nenhuma dúvida, urna das raízes
principais de urna ideia que ainda ontem se mantinha, e
da qual em breve voltaremos a falar, de que poderá existir
urna matemática pura, que se desenvolveria num recipiente
fechado, sem nunca fazer apelo a qualquer tipo de contributo
exterior. Vista de fora, essa ideia sempre parecera inadequada,
mas foi necessário um grande golpe para a demolir. Esse golpe
foi desferido pelo advento do computador, através de diversos
desenvolvimentos, dos quais um dos primeiros foi a geometria
fractal. Foi assim que a sabedoria diabólica, mas aceite, do
Mefistófeles de Goethe (que descrevemos atrás) pôde ser con-
tradita graças a um instrumento que pareceria, de início, esta-
belecer um recorde de aridez e cinzentez teórica.
217
O aspecto que mais salta à vista, e o mais inesperado, não
é de carácter científico, mas puramente estético. Aqueles que
encontraram alguma elegância em certas ilustrações dos Objec-
tos Fractais de 1975 podem considerar-se profetas. Com efeito,
continuando neste via, deparou-se-me um número cada vez
maior de objectos geométricos de beleza crescente, incon-
testável, surpreendente e ambígua. Alguns são de um realismo
desconcertante. Outros parecem, à primeira vista, fantásticos
e completamente estranhos, mas depressa lhes encontramos
ressonâncias muito antigas, tornando-se quase familiares
(figs. 259, 261 e 263).
Basta que um assistente ou um colega introduza no compu-
tador equações de aspecto inofensivo para que se veja surgir
no écran toda urna fauna e toda urna flora, tão depressa quase
realista corno um sonho ou pesadelo! A cada passo se tem um
choque estético inesquecível.
Graças aos progressos contínuos do grafismo informático
- e muito particularmente graças à disponbilidade crescente
da cor -, assiste-se ao alargamento da gama de fractais que é
razoável pretender desenhar, não mostrando a riqueza estética
em questão quaisquer sinais de enfraquecimento.
Por outro lado, as imitações fractais do relevo tornam-se, de
dia para dia, mais realistas, sem recorrer a qualquer fór-
mula verdadeiramente complicada e sem «truques» de ilusio-
nista. No seio dos meus associados, o desenvolvimento dessa
arte passou por três etapas. A etapa «heróica» ou «arcaica»
foi constituída pelas figuras dos Objectos Fractais, que datam
de 1974. A etapa «clássica» foi constituída pelas figuras que
Richard F. Voss preparou para os meus livros de 1977 e 1982;
o seu Nascer do Planeta Fractal foi reproduzido na capa da
2.• edição francesa dos Objectos Fractais. A etapa «român-
tica» foi responsável pela capa da 3." edição francesa; data
de 1989.
Em 1975 fazia-se o que se podia em face dos constrangimen-
tos de lentidão de urna ferramenta que estava em vias de
nascer.
Em 1977, R. F. Voss havia dominado o instrumento na ponta
da unha! Em 1981 efectuara novos progressos técnicos, mas
urna disciplina implacável ainda se impunha, pois o principal
218
objectivo destas imagens não era o de agradar, mas sim o de
ajudar à aceitação da geometria fractal.
Em 1989, o instrumento estava perfeitamente dominado e o
modelo fractal tinha sido aceite corno linguagem de descrição
da natureza. É, portanto, possível ao artista dar livre curso à
sua fantasia.
Os primeiros trabalhos inspirados nos nossos foram
Fournier, Fussell e Carpenter 1982, e dois filmes, Carpenter
1980 e Carpenter et ai. 1982; este último é urna longa metragem
que foi vista por milhões de espectadores. Os constrangimen-
tos específicos do cinema levaram estes autores a «cortar a
direito», utilizando um processo baseado no «método do des-
locamento do centro» (ver Mandelbrot 1982c e a contribuição
de D. Saupe em Peitgen e Saupe 1988). Um modelo melhorado,
chamado «deslocamento assimétrico do centro», é propostos
em Mandelbrot 1988p.
É urna pena ter de limitar o leitor deste Panorama a um
pequeno número de exemplos de urna iconografia já familiar a
qualquer leitor de revistas de microinforrnática. A fim de com-
pensar a austeridade relativa das nossas velhas ilustrações, e
mesmo das ilustrações deste Panorama, é necessário remeter o
leitor para os dois livros seguintes.
Peitgen e Richter 1986 (de que Dewdney 1985 faz uma apre-
ciação) apresenta urna amostra das possibilidades deslumbran-
tes da síntese moderna de imagens, actividade de que os
Objectos Fractais foram precisamente um dos estimulantes.
Além disso, o leitor de 1975 nunca podia imaginar refazer ele
próprio as imagens dos Objectos Fractais, enquanto alguns lei-
tores de hoje anseiam por o fazer, chegando até bem mais
longe. Para os ajudar, Peitgen e Saupe 1988 dão alguns
pormenores técnicos e descrevem alguns dos algoritmos mais
importantes.
É espantoso, e digno de ser mais urna vez sublinhado, que
este aspecto gráfico não tenha surgido por o termos sabido
procurar, mas sim corno um «bónus» inesperado, que acom-
panhou sucessos da investigação científica.
Retornando a ideia da linguagem, vemos que a geometria
fractal vem acrescentar novos «caracteres» ao «alfabeto» que
Galileu herdara de Euclides.
219
Desde os tempos longínquos da «descoberta» da perspectiva
que o «homem da rua» não via nada de semelhante sair da
matemática e nem o próprio matemático alguma vez imaginara
que o seu domínio poderia interagir desta forma com a arte.
É conhecida a citação de Arthur Cayley de que a beleza de
uma teoria matemática pode ser apreendida, mas não expli-
cada. Parece, contudo, que, de agora em diante, há uma
maneira de fazer partilhar essa percepção, sem uma aprendi-
zagem interminável. Essa maneira baseia-se na revelação de
que, em muitos casos, a matemática é como uma medalha de
duas faces: além da face austera que sempre se lhe conheceu,
possui também uma face plástica que não deixou de fazer
aumentar o número dos que apreciam o todo.
Ninguém voltará a repetir (excepto em tom de provocação!)
que a geometria fractal «Se reduz a algumas imagens bonitas».
Mas, mesmo àquele que se esforça por desprezar tudo o resto,
a arte fractal traz-lhe um tópico novo e muito forte. Dar-
-me-á a oportunidade de revelar um paralelo inesperado com
a citação clássica de Wigner da p. 23, revelando a eficácia
«para além do que seria razoável» e que nós «nem merecemos»
da matemática, não como instrumento da física, mas como
fonte de beleza plástica.
220
agora se fundem numa só: visualização e fonte viva de inspi-
ração.
Com efeito, é preciso sublinhar que as minhas primeiras
imagens fractais foram simplesmente motivadas pelo desejo de
«visualizar» resultados que já haviam sido obtidos pelos méto-
dos matemáticos usuais, puros e abstractos. «Visualizar» é
uma actividade em moda; é, de facto, útil, mesmo muito útil,
mas creio profundamente que é absolutamente preciso não se
ficar por aí. Há muitos anos que venho perseguindo um ideal
bem mais exigente, que consiste em fazer da imagem um
agente activo do processo do pensamento e da descoberta.
O exemplo mais conhecido, e o que teve mais influência, não
foi cronologicamente o primeiro. Foi o das imagens, que se
encontram por toda a parte, a que se chama «conjuntos de
Julia» e «domínios de Fatou». Para os obter, «itera-se» inde-
finidamente uma função f(x), quer dizer, calcula-se em pri-
meiro lugar x 1 = f(x 0 ), depois x 2 = f(x 1), e assim sucessivamente
até infinito. Ao examinar estas imagens é-se possuído por um
sentimento de humildade e de admiração pelo ímpeto criativo
de que Pierre Fatou e Gaston Julia deram prova nos seus
escritos de 1917 a 1919. Os seus trabalhos ilustram bem o modo
como os matemáticos conseguem, por vezes, estudar seres cuja
natureza é fundamentalmente geométrica, mesmo quando eles
são, na prática, inacessíveis à vista. Poder espantoso e ina-
creditável e que, pelo menos no caso de Julia, parece ter-se
baseado em fortes «imagens mentais». Poder cujos limites se
iriam revelar quando a teoria de Fatou-Julia se esbaforiu, por
falta de questões novas. Ir-se-ia manter essencialmente imóvel,
até que a visualização, o «beijo do computador», a veio des-
pertar.
Vimos já que Lagrange e Laplace baniram a imagem como
fonte de erros. Pode-se pensar que o fizeram igualmente por
brincadeira de intelectuais. Procurar a parcimónia é um objec-
tivo louvável, mas é muito fácil levá-lo a extremos, como o
fizeram, por exemplo, os geómetras que se dedicaram exclusi-
vamente a estudar tudo o que pode ser explorado com a régua
e o compasso.
Seja como for, o «beijo do computador» permite à ima-
gem proclamar o seu extraordinário e surpreendente poder de
221
inspiração. É assim que, para um grande número de mate-
máticos, a recente possibilidade de transformar as suas ima-
gens mentais em «verdadeiras imagens», interagindo com elas,
se revelou urna mina inacreditável de questões novas
de matemáticas puras: de conjecturas, de problemas e de
teorias.
A título de exemplo, Mandelbrot 1980n teve o privilégio de
enriquecer a teoria de Fatou-Julia com urna nova janela, pro-
pondo aquilo a que Douady e Hubbard 1982 chamaram «con-
junto de Mandelbrot». A capa deste livro reproduz este con-
junto. Outras ilustrações e algumas explicações figuram no
final deste Panorama, assim corno a definição de M.
Esta definição será original? De maneira nenhuma! Era a
extensão natural ao plano complexo de numerosas investi-
gações consagradas durante os anos 70 à iteração f(x) = x2 + c
sobre a linha recta dos reais. Demais, o caso real apenas foi
abordado por J. Myrberg (nos anos 50 e 60) em virtude da
dificuldade apresentada pelo caso complexo. Recentemente, in-
vestigadores diligentes, que encontraram motivação suficiente
para reler Fatou linha a linha, acabaram por identificar urna
sugestão feita de passagem, da qual se pode dizer que reco-
menda (entre outros) o estudo de M. É inútil dizer que não foi
para mim necessário conhecer essa sugestão. E que, durante 60
anos, ela não foi suficiente para motivar um leitor de Fatou,
sendo - na minha opinião - a razão disso o facto de a explo-
ração de M ter sido impossível de fazer usando os métodos
normais das matemáticas.
O sucesso da minha tentativa foi devido ao facto de eu ter
procedido de urna maneira totalmente diferente, renovando
com recursos que eram reputadarnente adequados. Foi assim
que começando a descrever M, procedi de urna forma afastada
da do teórico, mais próxima da do explorador e do naturalista,
inebriados pela visão de um mundo prestes a ser descoberto.
Percorri-o, contemplei-o e dissequei-o, graças ao espantoso
equivalente do «microscópio», que é um computador pro-
gramado para se observar um domínio cada vez mais pequeno
de urna forma cada vez mais pormenorizada.
Imagens inesquecíveis, mesmo quando os instrumentos
primitivos de 1980 as forneciam corno cinzentos-pálidos inter-
222
rompidos por zonas de um cinzento um pouco mais escuro.
A intuição forma-se pouco a pouco, a imaginação inspira-se, o
olho torna-se um guia cada vez mais seguro. Realizei esse
trabalho em 1979-80, quando já usufruía de dez anos de prática
quotidiana da interacção entre o pensamento e o instrumento
através do olho. Se eu não tivesse lá estado, quem mais então
teria experimentado a alegria de abrir este domínio? Sem
dúvida um físico que teria seguido aproximadamente o mesmo
caminho que eu. Talvez um amador.
Talvez mesmo um matemático «profissional». Se, contudo,
se tivesse formado na tradição das décadas de 50 e 60, teria de
infringir as regras da sua tribo. Veja-se, por exemplo, os casos
de Brooks e Matelski 1981, um trabalho que é aproximada-
mente contemporâneo de Mandelbrot 1980n. Um amigo dos
autores ajudou-os a executar um traçado gracioso do conjunto
Me eles publicaram-no. A legenda descrevia-o como um outro
conjunto, a que se chama agora M 0 , mas não é necessário fazer
disso um drama. O que chama hoje a atenção é que eles publi-
caram o esboço com essa legenda, mas sem acrescentar uma
palavra de comentário. Nem uma única! (Aliás, R. Brooks con-
firmou que está muito satisfeito. Explicou mesmo que ter-se
detido «nessa simples curiosidade» - em inglês diz-se curio -
teria sido «prova de uma sensibilidade bastante infantil e um
tanto ou quanto obtusa».) Que contraste entre os estados
de espírito de 1981 e de 1991! Tomemos apenas como exemplos
o credo da nova revista Journal of Experimental Mathematics,
que não teme comparar as matemáticas às outras ciências
experimentais, e a existência de um Geometry Center inter-
disciplinar, cujo foyer é um laboratório infográfico em Mi-
neápolis.
Retornemos à linha de pensamento do penúltimo parágrafo.
Integrando o olho e o pensamento, o estudo do conjunto de
Mandelbrot deu, e continua a dar, lugar a diversos tipos de
conjecturas. Todas pareciam, após um relance, fáceis de enun-
ciar. Muitas foram rapidamente demonstradas. O facto de
algumas outras - pelo contrário - se terem revelado extre-
mamente difíceis de demonstrar (ou desmentir), progredindo
o seu estudo, desde então, muito lentamente, não as torna
menos fascinantes aos olhos dos matemáticos, pois a ma-
223
temática tem o sentido da longa duração e, além disso, um
grande número de «resultados secundários», de interesse in-
trínseco, resultou já do estudo de conjecturas inspiradas pela
imagem. Sem poder realizar urna lista exaustiva, devemos aqui
mencionar, por ordem alfabética, os nomes de A. Douady e
J. H. Hubbard, J. Milnor, D. Sullivan e W. Thurston e - em
domínios muito próximos- os de R. L. Devaney, P. Blanchard
e B. Branner.
Muito antes da renovação do interesse pela teoria da
iteração, a minha imersão «prefractal» no estudo de certas
medidas aleatórias conduzira, por volta de 1968-76, àquilo a
que se chama agora a teoria das medidas rnultifractais, de que
iremos em breve falar mais prolongadamente. Estas vieram
integrar os fractais num segundo capítulo muito diferente da
matemática, a análise harmónica.
224
gue foi um monstro sagrado da matemática pura, apesar das
deficiências em algumas das suas demonstrações.
Voltemos à pureza entendida no sentido do início desta sec-
ção. Trata-se de uma questão de «origem social», talvez mesmo
de «casta» fixada de uma vez por todas. Por sua vez, o rigor
será uma questão de posição profissional. É possível mudar de
profissão, mas nunca de casta. No quadro desta imagem, a his-
tória estabeleceu um milhar de vezes um facto que considero
muito significativo, nomeadamente que o nascimento é irrele-
vante quando se trata do interesse intrínseco de um problema
matemático. Insistindo de uma outra forma, direi que esse
interesse não tem qualquer ligação necessária com as circuns-
tâncias que levaram o problema a ser colocado. O seu nasci-
mento pode muito bem ter sido imaculado, estritamente no
seio da matemática já existente, mas pode também ter ocorrido
a partir de um facto empírico.
Em suma, uma preferência pessoal pela pureza, interpretada
como sinónimo de isolamento, é simplesmente uma questão de
gosto. É por esse motivo que esta preferência tem uma longa
história e foi objecto de controvérsia que não data nem de hoje
nem de ontem. O grande coleccionador de histórias pitorescas
que foi Plutarco já lhe fazia alusão ao escrever isto na sua Vida
de Marcelo:
225
extremos, descobrir as duas linhas médias de urna pro-
porção, ambos estes matemáticos recorriam à utilização de
instrumentos, adaptando aos seus objectivos certas curvas e
segmentos de recta.
Mas, devido à indignação de Platão e às suas invectivas
contra urna mera corrupção e aniquilação daquilo que a
geometria tinha de melhor, urna vez que esta estava vergo-
nhosamente a virar as costas aos objectos irnateriais da inte-
ligência pura, para recorrer à sensação e pedir auxílio (que
não seria obtido sem visões de base e depravação) à matéria,
aconteceu que a mecânica se veio a separar da geometria,
vindo a ser repudiada e negligenciada pelos filósofos.
226
No entanto, partindo desta última verificação, Georg Cantor
concluiu daí que «a essência da matemática reside na sua liber-
dade». Esta ideia, que está em oposição frontal com as citações
da p. 210, iria criar raiz e caracterizar urna boa parte da mate-
mática neste século, de 1925 a 1975. Mas conto-me entre aque-
les que nunca acreditaram nela (e mesmo entre aqueles, mais
raros, que continuaram a dizê-lo e a agir de acordo com as
suas ideias). Mais precisamente, sempre acreditei que a «pu-
reza», que não era o estado original das matemáticas, também
não era um estado natural, nem sequer um estado estável. Não
poderia sobreviver senão depurando-se por urna amputação
maciça, devendo, sem dúvida, seguir-se outras amputações.
O resultado seria um estado empobrecido, e a unidade que a
substituição «das» matemáticas, no plural, por «uma» matemá-
tica, no singular, pretendia simbolizar parecia-me urna carica-
tura dessa velha forma da geometria «pura» que se reduzia
deliberadamente às operações permitidas pela técnica mais
arcaica: a régua e o compasso.
Quando todas as teorias matemáticas ligadas aos fractais se
tiverem estabilizado, poderá tomar-se concebível apresentá-las
no estilo habitual, ou seja, fugindo a mencionar qualquer mo-
tivação corno quem foge da peste. Mas pode-se apostar que a
imagem continuará a parecer inevitável. Os comentários que
fiz a respeito das relações entre a arte, a matemática e os frac-
tais sugerem que as matemáticas têm a ganhar, a longo prazo,
em não sacudirem demasiado a unidade «orgânica» que parece
existir entre dois tipos de actividades, díspares, mas igual-
mente válidas, do homem, aquelas que fazem apelo ao espírito
abstracto e as que recorrem ao espírito intuitivo.
É inútil esconder que o que foi dito atrás levanta con-
trovérsia no seio dos matemáticos. Alguns matemáticos profis-
sionais aceitaram rapidamente e adoptaram a lição do compu-
tador e dos fractais, enquanto outros reagiram muito mal. Tal
só poderá surpreender aqueles que consideravam os matemáti-
cos corno urna tribo muito plácida. Mas esta reputação era
unicamente fruto do isolamento. De resto, para juntar aos
abanões que sacodem o mundo matemático de hoje, acresce o
facto de a física matemática se estar a manifestar de urna forma
muito activa. O Congresso Internacional de Quioto (1990)
227
conferiu-lhe um papel muito belo, suficientemente belo para
abafar os protestos mais virulentos.
228
-as. Mas não surtiram qualquer efeito, nem no seu tempo, nem
no meu pensamento; Whitehead tem razão quando nos diz que
a sua obscuridade era merecida.
Quer isto dizer que aceito o título de «pai da geometria
fractal»? Se não se tratar dos fractais em si mesmos, mas do
seu impacte organizado sobre a nossa percepção do mundo, é
natural que aceite. Fazia-o antes com surpresa e faço-o sempre
com prazer, podendo mesmo acontecer que faça disso eco na
p. 13, ao escrever que «concebi, aperfeiçoei e utilizei lar-
gamente uma nova geometria».
Mas é preciso sublinhar que esta afirmação não nega de
maneira nenhuma o facto de alguns dos caracteres mais úteis
da geometria fractal terem sido anteriormente utilizados nou-
tras linguagens. Sem eles, nunca um só homem teria bastado
para uma tal tarefa! Em particular, soube procurar as poeiras
de Cantor (figurativamente, a «letra C») em Georg Cantor
(1845-1924), as curvas de Peano e de Koch (as «letras P e K»)
em Giuseppe Peano (1858-1932) e Helge von Koch (1870-1924)
e a dimensão de Hausdorff («letra H») em Felix Hausdorf
(1868-1942). Estas datas são elucidativas. De forma mais geral,
dou para essas «letras» antigas referências numerosas e preci-
sas, muitas das quais de autores relativamente desconhecidos,
como Waclaw Sierpiiíski (1882-1969), ou mesmo totalmente
obscuros.
Apesar disso, as utilizações antigas dessas letras não têm
quase nada a ver com a geometria fractal. Não só o meu ensaio
Objectos Fractais, de 1975, não era um texto de simples divul-
gação, mas também, como F. J. Dyson escreveu numa sua
apreciação, o uso que esse trabalho fazia de coisas conhecidas
era de tal maneira surpreendente que implicava «ter a natureza
pregado uma partida aos matemáticos».
De qualquer maneira, tudo isso são coisas do passado. Os
trabalhos recentes sobre geometria fractal utilizam sobretudo
ferramentas especificamente concebidas para a servir. Por
exemplo, a experiência demonstrou muitas vezes que a dimen-
são de Hausdorff é ou demasiado refinada ou demasiado
grosseira para as utilizações que a física pretenderia efectuar.
Quando tal é o caso, deverá ser substituída por outras dimen-
sões fractais. Algumas foram primeiro compreendidas por
229
matemáticos, outras foram inteiramente sugeridas pela física.
Em muitos casos, não se sabe já muito bem qual foi o papel de
urna e de outra fonte, e está muito bem assim.
Os mal-entendidos de que tenho vindo a falar têm antece-
dentes: remontam a urna velha querela entre os especialistas e
aqueles - entre os quais me incluo - que se arriscam a agir
corno «generalistas». Se o processo normal de investigação
científica tivesse sido seguido, pode-se pensar que cada urna
das teorias de que os Objectos Fractais apresentam os elementos
teria, mais cedo ou mais tarde, sido formulada por um espe-
cialista cuja formação intelectual teria excluído as matemáticas
de Cantor, Peano, von Koch e Hausdorff, ou talvez (vamos em
breve falar disso) a termodinâmica de Gibbs.
Por exemplo, os parâmetros que identifico de improviso
corno dimensões fractais -ou talvez os seus quadrados ou
inversos - teriam, sem dúvida, visto a luz do dia sob os
nomes de «constante de Y» e «constante de Z». Alguns tra-
balhos de síntese teriam em seguida verificado a semelhança
dessas teorias. (Para desenvolvimentos dentro desse quadro
ver Stent 1972.) Finalmente, alguém teria efectuado a aproxi-
mação às matemáticas existentes, clássicas certamente, mas
obscuras e distantes de qualquer aplicação.
Não se pense que exagero. Os físicos perderam o hábito de
urna obra original surgir de improviso sob a forma de livro,
corno é o caso de Objectos Fractais e (sob urna forma mais téc-
nica) das suas edições inglesas posteriores, Mandelbrot 1977f,
1982f. Acontece então constantemente que a leitura do meu
capítulo A inspira algum especialista a reconstituir (sem o ler)
o conteúdo do meu capítulo B. Acontece também constante-
mente um resultado obscuro, mas que longos estudos me fize-
ram conhecer, apreciar e utilizar, digamos, um resultado de-
vido a A. S. Besicovitch, ser encontrado (em geral sob urna
forma mais aproximada) por um físico ou um outro especia-
lista. Para me desculpar da impertinência, eis urna questão de
retórica: dir-se-á que o especialista que redescobre um pouco
de Besicovitch realiza trabalho original, enquanto o generalista
que me esforço por ser não consegue melhor, realizando exac-
tamente o mesmo trabalho, do que «divulgar matemáticas já
conhecidas»?
230
Em resumo: enquanto linguagem necessária para os fins a
que se propõe e que este ensaio comenta, a geometria fractal
não é uma nova etiqueta colocada sobre algo já existente. Era
inteiramente nova em 1975.
A inspiração termodinâmica.
As medidas multifractais
231
sequência ao tema da secção precedente; pode-se então falar
dele aqui.
Para começar, lembremos que um conjunto E é um objecto
geométrico definido por uma alternativa simples para qual-
quer ponto P: P ou pertence ou não pertence a E. Medida é um
conceito mais complicado, ilustrado pelas distribuições de pro-
babilidade ou de massa: dois conjP-ntos podem muito bem ser
idênticos, a menos que haja uma translação, possuindo massas
diferentes. Por outras palavras, a passagem dos conjuntos frac-
tais às medidas multifractais implica a necessidade de especi-
ficar a função de distribuição da medida, enquanto um con-
junto fractal exigia apenas uma medida fractal. Passa-se assim
de um número a uma função. Nos casos mais simples, tais
como os do capítulo IX, Frisch e Parisi 1985 mostraram que se
pode igualmente dizer que se passa de uma dimensão fractal
única a um número infinito de dimensões' fractais. Para verifi-
car esse facto, utiliza-se um argumento termodinâmico, com a
particularidade de o papel da energia ser desempenhado por
uma quantidade logarítmica (tal como nos meus trabalhos anti-
gos da década de 50!)
Nesse contexto, as medidas multinomiais discutidas no
capítulo IX desempenharam precisamente o papel que é dis-
cutido na secção anterior: o de «caracteres» matemáticos já
existentes, que a geometria fractal pôde adaptar às suas neces-
sidades, novas e muito específicas.
Acrescentemos que, para que os multifractais assumissem o
seu papel na linguagem dos fractais, foi primeiro necessário
torná-los aleatórios. Essa tarefa, que realizei entre 1968 e 1976,
mostrou-se repleta de novidades e, consequentemente, de cila-
das. O facto essencial faz eco do que é dito na p. 98. Não só
o conjunto interessante tem medida nula, como o desafio
consiste em decompô-lo em conjuntos ainda mais ténues. Sabe-
-se que, pelo contrário, a termodinâmica corrente (aí incluindo
a teoria ergódica) apaga todo o conjunto de medida nula e toda
a sequência de conjuntos cujas medidas tendam para zero. Da
mesma maneira, a lei forte dos grandes números e o teorema
do limite central consistem em desprezar tais conjuntos. No
caso dos multifractais, esses resultados permanecem exactos,
como é evidente, mas perdem quase todo o seu interesse.
232
A ideia de acreditar que nos poderíamos contentar com isso
está, contudo, muito difundida; pode mesmo ser encontrada
em Kolmogorov 1962, um trabalho sem dúvida precoce, que é
ainda hoje fundamental. De facto, os multifractais devem fazer
apelo a teoremas sobre os grandes desvios (Cramer, Chernoff),
como se mostra em Mandelbrot 1989g. (Verifica-se, aliás, que
já havia utilizado esses teoremas desde Mandelbrot 1957t.)
A literatura sobre multifractais foi muito enriquecida. Para-
doxalmente, um papel muito importante nesse florescimento
foi desempenhado por trabalhos como Hentschel e Procaccia
1983 e Halsey et al. 1986, que não procuraram trazer nada
de novo às ideias subjacentes. Acrescentemos, por fim, que
uma outra expressão, «formalismo termodinâmico sobre os
conjuntos estranhos», é simplesmente um sinónimo de «multi-
fractais».
A dimensão negativa
Na sequência da digressão apresentada na secção anterior,
assinalemos que o estudo dos multifractais forneceu todo um
peso a uma nova noção, com a qual eu já trabalhava em Man-
delbrot, 1974c: a de dimensão fractal negativa.
Portanto, mal a dimensão não inteira se tinha desemba-
raçado da reputação que lhe tinha sido atribuída de ser ficção
geométrica, assistiu-se ao aparecimento de um outro alvo para
a crítica e a decisão. Ainda por cima, ao passo que a dimensão
positiva não inteira tinha um pedigree matemático para se de-
fender, a dimensão negativa era um conceito nascido na física.
A dimensão negativa é uma medida quantitativa da «vacuida-
de»: faz notar as diferenças de pesos onde a dimensão de
Hausdorff-Besicovitch não via mais do que um magma
indiferenciado de conjuntos de dimensão nula. Tratei esse
assunto em Mandelbrot 1990r, 1990e e 1991k.
233
teres antigos, a linguagem fractal se apropriou de diversas
observações, algumas das quais milenárias. Isto não é uma
«confissão», mas sim uma expressão de profunda satisfação.
Há já cem anos, o grande Henri Poincaré notara o contraste
entre os «problemas que nos colocamos e os problemas que se
colocam». Essas palavras encontram-se num texto em que
felicitava Paul Painlevé por ter evitado criar para si próprio
problemas que teria depois tido facilidade em resolver. Uma
das características da geometria fractal é que ataca um grande
número de problemas muito antigos, alguns dos quais tinham
já sido implicitamente colocados há milénios. Do ponto de
vista quantitativo, tudo o que pude identificar a seu respeito se
reduz a alguns resultados empíricos, isolados uns dos outros
e sem sequência.
Comecemos pela forma das montanhas, das nuvens, dos
turbilhões e das árvores. Ao nível mais elevado, o seu estudo
refere-se a problemas «que se colocam a eles mesmos». Além
disso -isto é um eco de uma secção anterior-, o artista
tinha-se sempre ocupado deles. Não só o meu livro Fractal
Geometry of Nature mostra como é fácil identificar fractais
em numerosas obras de arte, como há também alguns textos
mesmo de artistas sobre o assunto: Eis um desses textos,
publicado por Eugene Delacroix, em 1850, na Revue britannique.
234
parecem ter tido quase nada para dizer a propósito destes
assuntos! Em tempos pareceu-me haver uma grande excepção,
razoável e reconfortante, pois esses problemas pareciam ser o
objecto inicial da geo-metria, de )'êmJ.Le'tpta. Se esse termo terá
realmente significado «medida da Terra», o seu objecto pode-
ria ter incluído a tarefa de representar a forma das montanhas.
Na verdade, será mais de esperar que )'êmJ.Le'tpta significasse
simplesmente «medida das terras», limitando-se, portanto,
modestamente, à .forma dos campos nos terrenos mais ou
menos planos do vale do Nilo. Euclides não se teria, por isso,
enganado no tema!
Em compensação, que sabíamos nós a respeito da «medida
da Terra»? É certo que existiam muitos mapas e números em
quantidade suficiente para saciar o contabilista mais ávido.
Mas de que discussões teóricas dispúnhamos a respeito do
grau de representatividade dessas curvas e desses números?
E de que leis quantitativas, no sentido que o físico atribui a
essa expressão? Os Objectos Fractais demonstram até que ponto
havia poucas, e é preciso repetir que se encontravam isola-
das umas das outras e esquecidas; de qualquer maneira, não
tinham sequência.
Passando agora da Grécia para Israel, citemos dois extractos
de uma Bíblia traduzida por Jean Calvin e impressa em Gene-
bra (MDLIII)2:
235
L···J 1.:.1::. yue vem sete anos em que haverá grande abun-
dância em toda a terra do Egipto; depois lhes sucederão sete
anos de fome. (Génesis, XLI.)
236
prefira a ordem inversa não deixa de poder exercer o seu
direito de ler este ensaio em sentido contrário.
237
geométrico de Galileu se revelaram bastante úteis nos nossos
esforços de ver e medir.
Comecemos por um problema sem consequências práticas,
concretamente, o amontoamento das galáxias. Quando, em
1971, fiz urna primeira redacção do capítulo VI dos Objectos
Fractais, parecia que nenhum astrónomo se ocupava desse
assunto. Hoje, contudo, o estudo da estrutura global do
universo está na ordem do dia. No centro da discussão encon-
tra-se um défice de matéria: descobriu-se que a matéria visível
é apenas urna fracção da matéria postulada pelas teorias. Num
universo fractal extrapolado até ao infinito, a situação seria
pior; essa falta seria reduzida se, pelo contrário, a transição
para a homogeneidade, à escala astronómica, ocorresse «pró-
ximo de nós».
Daí a necessidade que os astrónomos têm de conferir aos
procedimentos estatísticos, aos testes de hipóteses e às estima-
tivas de parâmetros urna importância da qual as ciências físi-
cas fornecem poucos outros exemplos. Ora esses procedimen-
tos levantaram um problema inesperado: aqueles que os
haviam preparado não tinham sequer imaginado o fractal.
Devido a isso, quaisquer que sejam os factos, esses procedi-
mentos concluem inevitavelmente que a profundidade da zona
fractal ê relativamente pequena. Nunca podem concluir que a
zona fractal se estenda «até ao infinito», quer dizer, pelo menos
até ao limite das observações. Para retornar um termo de
Popper, já utilizado na p. 212, a hipótese tentadora de a zona
fractal ser truncada não pode ser falsificada por meio desses
procedimentos. .
Nestes últimos anos, o problema da truncatura foi final-
mente colocado, de urna forma que não faz juízos antecipados
sobre a conclusão, em Pietronero 1988 e Colernan, Pietronero
e Sanders 1988. Ver também Mandelbrot 1989t.
238
«explicá-la» para se ter um público assegurado. De facto, ainda
que nestes últimos tempos tenham sido obtidos progressos
parciais importantes, não se dispõe ainda de qualquer expli-
cação. Por outro lado, não se esperou por urna explicação para
experimentar e desenvolver uma «fenomenologia» abundante.
Um dos seus pilares é aquilo a que se chama «análise dimen-
sional», cujo triunfo, aos olhos dos teóricos, foi o espectro
em Jc-5 13, devido a Kolrnogorov, Obukhov, Onsager, von
Weiszãcker e Heisenberg.
A partir do momento em que se procura passar da análise
à geometria dimensional, vê-se que a turbulência pode e deve
ser vista corno o próprio protótipo de fenómeno fractal. É tal-
vez até o mais interessante de todos, ainda que seja também o.
que mais resiste à análise. Não é, por isso, surpreendente que
tenha sido a turbulência a inspirar muitas das primeiras etapas
decisivas no percurso que conduziu à geometria fractal, urna
vez que (conforme foi dito) introduzi os rnultifractais, em 1968-
76, corno modelos da intermitência na distribuição espacial da
difusão. Recentemente, esse modelo atingiu um estádio experi-
mental satisfatório, graças sobretudo aos meus colegas de Yale:
ver Prasad, Meneveau e Sreenivasan 1988.
O mesmo grupo de investigadores já se tinha anteriormente
debruçado sobre questões colocadas no meu livro The Fractal
Geometry of Nature, de 1982: qual a forma que tornam as fron-
teiras das esteiras turbulentas por detrás dos barcos ou das
camadas-limite? Como era previsto, verificou-se que essas for-
mas eram fractais. Poderia mesmo acontecer que muitas delas
tivessem a mesma dimensão fractal, o que teria a virtude de
colocar um problema muito preciso. Se se confirmasse que
equações muito diferentes urnas das outras davam origem a
formas com a mesma dimensão, qual seria o traço comum a
todas essas equações?
Assinale-se agora urna abordagem fractal do estudo da
turbulência totalmente diferente, um estudo· que não se efectua
no espaço real, mas num espaço em que a evolução de uma
quantidade ou de um sistema é representada pela trajectó-
ria de um ponto. Três nomes que vêm de imediato à ideia
neste contexto são os de Albert Libchaber (École Normale e
239
agora em Chicago), Harry Swinney (Texas) e Jerry Gollub
(Haverford). Mas este é um assunto em que não nos podemos
deter.
Passemos agora da turbulência a um problema concreto e
imediato. Mostrou-se recentemente que o escoamento de um
fluido viscoso num meio poroso, por exemplo, o escoamento
da água que se injecta num poço para tentar «empurrar» o
petróleo, obedece a um de dois regimes possíveis. O regime
desejável é «frontal», o regime indesejável é «uma configuração
ramificada», urna «dendrite fractal». A fotografia da p. 203 dá
urna ideia.
Num momento em que essas diversas possbilidades haviam
já sido reconhecidas, um colega levou para urna reunião um
artigo antigo sobre o escoamento viscoso. Ao lado de urna
fotografia que podia ter sido tirada ontem, o autor traçara
um diagrama que pretendia ser um resumo do que tinha
«visto» no seu trabalho. Infelizmente, veio a concluir-se que
o que ele havia visto não conduzia a nada, ao passo que o
que ele considerara insignificante, tendo portanto apagado,
comportava os aspectos fractais que se encontram agora na
ribalta.
Chegamos a um comentário de carácter mais geral, que
desenvolve o que já foi dito, na p. 212, a propósito das
panaceias. Um grande número de disciplinas esperam tornar-
-se quantitativas, mas não sabem por onde hão-de começar.
Têm então tendência a cair num método universal, que con-
siste (parafraseando Charles de Gaulle, segundo Jean Effel) em
colocar novas questões para respostas já conhecidas. Gostamos
de nos rir daqueles que se agarram fixamente a qualquer ideia
nova, ainda que ela se negue explicitamente o papel de
panaceia. Mas não há nenhum mal em adoptar essas ideias, na
condição de se reterem apenas as que se revelem eficazes.
Depressa nos apercebemos de que os métodos que se podem
considerar para adopção não são muito numerosos. Embora a
diversidade da natureza seja infinita, o surgimento de uma
nova técnica confirmada é um acontecimento raro. É muito
compreensível, e justifica-se plenamente, que a geometria frac-
tal tenha criado o desejo de a pôr à prova.
240
A bolsa e o Nilo
Vale a pena repetir, porque é importante: ainda que o ofício
do engenheiro e a ciência tenham muitos pontos comuns,
existe também entre eles uma profunda diferença que não deve
ser desprezada. Nos pontos em que a ciência subjacente é
unicamente fenomenológica poder-se-á esperar que no futuro
se tornarão disponíveis explicações. Entretanto, o engenheiro
não pode esperar e tem de se esforçar por realizar o melhor
trabalho possível, baseado na ciência hoje disponível. Seria
absurdo que a ausência de explicação o impedisse de trabalhar.
Como primeiro exemplo, consideremos a hidrologia. Como
explicar o «efeito de José», de que já falámos, ou seja, a varia-
bilidade dita «secular» dos débitos de água no Nilo e na
maior parte dos outros rios? Ainda que se tivesse uma expli-
cação completa da influência do clima sobre essa variabilidade,
quem ousaria acreditar que poderíamos alguma vez utilizar
essa explicação para controlar os débitos nos reservatórios, ou
para calcular o seu tamanho óptimo? As responsabi.lj.dades que
a sociedade atribui aos hidrólogos são de uma ordem total-
mente diferente. Por outras palavras, a disponibilidade, ou a
sua ausência, de uma explicação climatológica não tem
qualquer impacte previsível sobre os recursos hidrológicos da
comunidade.
Contudo, quando Mandelbrot 1965h apresentou um modelo
estatístico dos «ciclos lentos» dos débitos dos rios, muitas
pessoas reagiram mal. O modelo postula uma memória infi-
nita, não pretendendo explicar nada. Essas duas características
foram vistas como carências muito graves. Nos meus trabalhos
com J. R. Wallis, ao longo dos quais esse modelo foi elaborado
em pormenor, não se punha a hipótese de «ceder um pouco»,
construindo o pára-vento com uma memória muito grande, em
vez de infinita, ou de adoptar uma qualquer pseudo-expli-
cação. Infelizmente, em cada reunião onde se falou desse
modelo, as questões mais frequentes foram as seguintes:
«Porquê escolher um modelo tão bizarro?» «Esse modelo já
prestou as suas provas da forma habitual, sendo aplicado à
física?» «Que explicação climatológica é fornecida por esse
modelo?»
241
Quer isto dizer que até os hidrólogos práticos mais inclina-
dos ao estudo quantitativo pareciam inquietos ao ouvirem
alguém gritar: «Mas onde está a ciência por detrás do que
vocês fazem?» Essa inquietação fazia esquecer que mais vale
tratar de cada coisa por sua vez e criar hoje protecções contra
a persistência devida aos ciclos lentos, sem esperar que estes
sejam explicados. É assim que uma parte demasiado grande
das energias consagradas ao modelo fractal da hidrologia
parece até agora ter-se dissipado a digerir as alternativas. Estas
não apresentam qualquer diferença visível, evitando sempre
levantar as questões precedentes, bem como as emoções que
elas libertam.
A ironia, como é evidente, é que - no espaço de alguns
anos - o meu velho modelo deixou completamente de ser
visto como «bizarro», pois que modelos próximos foram des-
cobertos e adoptados (sem drama!) em muitos capítulos mais
«clássicos» da física. Em conjunto com o meu, constituem
alguns dos pilares da geometria fractal.
Ainda na mesma problemática, vamos agora passar das
«ciências físicas» a uma das «ciências morais e políticas».
Verifica-se que diversas técnicas fractais foram pela primeira
vez postas à prova nos meus trabalhos sobre a bolsa. Estes
progrediram rapidamente de 1960 a 1965, tendo Mandelbrot
1963b sido um ponto forte, e mais lentamente desde então.
Hoje estão de novo activos e, de qualquer maneira, merecem
ser aqui mencionados.
O economista nunca se sentiu muito incomodado em adop-
tar da física o hábito da diferenciabilidade das funções, por-
tanto, a fortiori, da sua continuidade. Essa hipótese estava
de tal maneira bem estabelecida que mal parecia digna de
ser mencionada, e muito menos de ser confrontada com os
factos.
Ao abordar o problema da variação dos preços com o
tempo, expressei a opinião contrária: não só a continuidade
não é evidente, como é contrária à própria observação. Além
disso, fiz notar que a reflexão económica quase impõe que seja
de esperar a observação de grandes descontinuidades, sem que
estas mereçam ser consideradas como excepções que vêm
interromper um estado normal que seria contínuo.
242
Com efeito, um preço competitivo está submetido a dois
tipos de influências. Deve, antes de tudo, responder às altera-
ções das quantidades «exógenas», que se podem supor varia-
rem de forma contínua, pelo menos se forem regidas pela inér-
cia física. Mas deve igualmente responder às mudanças das
«antecipações>>. Ora estas mudanças podem ser instantâneas.
Surge daí a minha ideia mestra, que é a seguinte: na ausência
de regulação institucional, os preços podem muito bem sofrer
descontinuidades de tamanho arbitrariamente grande. Nesse
contexto, a grande queda na Bolsa de 19 de Outubro de 1987
vem imediatamente hoje à ideia, mas, no início da década
de 60, tais exemplos eram considerados coisas do passado.
A aceitação da descontinuidade, sem a tentar sufocar, e a
sua combinação com uma «auto-afinidade» apropriada con-
duziram ao modelo dos preços oferecido em Mandelbrot
1963b. Hoje pode-se dizer que esse modelo consiste em estudar
as propriedades fractais das curvas traçadas nos jornais para
mostrar como os preços variaram ao longo do tempo.
Ora verifica-se que uma das características que este modelo
incorpora é que o crescimento dos preços é uma variável
aleatória cuja variância é infinita. Que se passou? Este traba-
lho não deixou de provocar comentários a priori muito pare-
cidos com aqueles já mencionados no contexto da hidrologia.
O terceiro comentário foi muitas vezes enunciado da seguinte
maneira:
243
O estudo dos preços dá assim lugar aos multifractais, nas
mãos dos economistas que pretendem extrair do caos esta-
tístico da economia um elemento de caos determinístico.
Os exemplos anteriores bastam para concluir: ainda que
o papel da geometria fractal em domínios concretos esti-
vesse reduzido a uma nova «astúcia» para a fenomenologia
(o que não é o caso!), ela teria trazido algo de extremamente
útil.
244
mosaico é escolhida mdepenaentemente ua~ uuua~, Luut 1-'~v
babilidades preestabelecidas p e 1- p para o branco e o preto,
respectivamente. Os mosaicos pretos são condutores e os
brancos isoladores. Por exemplo, os pretos podem ser feitos de
cobre condutor de electricidade, enquanto os brancos podem
ser feitos de vinil isolador, ou os pretos podem ser vazios,
enquanto os brancos são pedras completamente impermeáveis
à água.
Supondo-se que o quadrado é muito grande, estabelecemos
entre duas margens opostas uma diferença de potencial eléc-
trico (ou hidrostática). Pergunta: existirá um caminho através
do qual a corrente (ou a água) possa ir de um extremo ao
outro? Se p for muito pequeno, é evidente que isso é quase de
certeza impossível; se p for muito grande, é táir1bén:t!vidente
que tal é quase de certeza possível. Pergunta: que se poderá
dizer dos p intermédios? Resposta A: existe um valor de p, dito
valor crítico e designado por pc' para o qual é quase certo que
a corrente passa à justa. Resposta B: suponhamos que p é
crítico; então, os mosaicos pretos em contacto com as margens
formam aquilo a que se chama um «amontoado crítico de
percolação», tal como na fig. 265. Assimptoticamente, tem-se
uma curva fractal de dimensão 91 I 48, um valor ligeiramente
inferior a 1,89. Eliminando os becos sem saída, os pavimentos
condutores formam um «esqueleto» que - também ele - é
assimptoticamente uma curva fractal. As bocas de estrangula-
mento, em que toda a torrente passa por um único mosaico
pequeno, formam assimptoticamente uma poeira fractal de
dimensão 3/4. No espaço pavimentado por cubos obtêm-se
resultados análogos, mas com dimensões diferentes (como é
evidente).
Se o estudo da percolação continua a atrair a atenção de
numerosos físicos, é porque, por um lado, esse fenómeno
é muito importante em si mesmo e, por outro, dá uma ima-
gem útil de diversos aspectos dos estados da matéria a
que chamamos «mal condensados». Além disso, a percolação
é tratável: as suas dificuldades puderam ser superadas,
urna após a outra, o que faz dela um dos capítulos mais
bem explorados da física estatística. Por exemplo, a difusão
em amontoados de percolação é «anormal», ou «não fickiana».
245
Foi estudada por Gefen, Aharony e Alexander 1983. Teve
ainda o interesse de levar Alexander e Orbach 1982 ·a intro-
duzir urna nova noção, atraente e prometedora, que é a de
«fractão».
A descrição fractal da percolação demonstra que, neste caso,
a física é inteiramente regida pela geometria e que a geometria
é fundamentalmente fractal. É governada por um pequeno
número de quantidades, cada urna das quais é a dimensão
fractal de urna certa porção do amontoado crítico de perco-
lação. Além disso, as dimensões fractais fundamentais foram
explicitamente deduzidas da física clássica, e sabemos já que se
trata de números racionais! Sendo um dos objectivos essenciais
da física a sua redução à geometria, vemos que o papel dos
fractais na teoria da percolação toca as raias da perfeição.
É claro que o matemático fará notar que muitos dos resultados
que parecem verdadeiros para o físico não foram ainda de-
monstrados de forma suficientemente rigorosa. Há, portanto,
ainda muito trabalho a fazer!
Ao falar de física estatística, não se pode também deixar de
pensar nos trabalhos notáveis que giram em torno da noção de
«tempo fractal». Um tempo fractal intervém já nos regressos ao
ponto de partida de um processo de difusão (normal ou anor-
mal). Mas o tempo fractal intervém, de urna forma parti-
cularmente essencial e explícita, nos trabalhos de E. W. Mon-
troll e M. F. Shlesinger, cujas múltiplas ramificações começa-
ram a surgir com a teoria da xerografia. Shlesinger 1988 dá um
panorama recente do tempo fractal.
Uma segunda grande classe de exemplos de acasos fractais
muito bem entendidos pode ser encontrada na teoria das pro-
babilidades, ou seja, no estudo dos conjuntos ou das medidas
que ilustram os teoremas sobre as somas ou os produtos de
variáveis aleatórias. O movimento browniano é o exemplo
mais típico, e todos nós sabemos (ver capítulo III dos Objectos
Fractais) que ele não esteve à espera que a geometria fractal se
organizasse. As superfícies de Brown, que utilizo como pri-
meiros modelos do relevo (capítulo VII), constituem um outro
exemplo. As passeatas ao acaso, sem ciclos, apresentam tam-
bém todos os critérios dos fractais, ainda que esse facto
(também ele) não esteja rigorosamente provado. Analoga-
246
mente, as medidas multifractais de base obtêm-se como limi-
tes de produtos de factores aleatórios.
247
De forma mais rigorosa, consideremos um sistema dinâmico
que acaba por convergir num ou noutro dentre vários estados-
-limite. Cada estado-limite tem urna bacia de atracção e às
fronteiras entre as diversas bacias chama-se «conjuntos repul-
sares}}. Verifica-se que, no caso típico, essas fronteiras são
conjuntos fractais. O primeiro exemplo desse fenómeno foi
concebido por Pierre Fatou, chamando-se às fronteiras dessas
bacias «conjuntos de Julia}}. Esses trabalhos muito antigos de
Fatou e Julia foram já mencionados quando discutimos o
impacte dos fractais sobre a matemática. Embora as suas
aplicações directas à física tenham sido reduzidas, pois estes
trabalhos dizem respeito à iteração de funções racionais de
urna variável complexa, não passaram de um projecto adiado.
Com efeito, J. Yorke e os seus colaboradores estudaram sis-
temas dinâmicos mais gerais, considerando o tempo contínuo,
tendo mostrado que, tipicamente, as fronteiras das bacias
de atracção são curvas fractais ou superfícies fractais no
espaço.
Passemos agora ao conceito de atractor, que é mais im-
portante que o de conjunto repulsar e que pode, de certo
modo, ser visto corno o seu inverso. Por exemplo, imaginemos
que urna massa pontual é obrigada a permanecer sobre a su-
perfície de um cone compreendida entre o seu vértice e o
perímetro da base. Se o eixo do cone for vertical e a ponta
estiver voltada para cima, a força da gravidade irá afastar
a nossa massa da ponta. Dir-se-á então que esta constitui urna
fonte ou ponto repulsar. Se o eixo for vertical, mas a ponta
estiver voltada para baixo, a gravidade fará que a nossa massa
se aproxime da ponta. Dir-se-á então que ternos um poço ou
ponto atractor.
É evidente que um sistema dinâmico mais realista terá um
atractor mais complicado.
Em geral, um sistema dinâmico não pode ser assim sub-
metido a urna simples inversão. Mas não deixa de ser verdade
que, retornando e fazendo florescer as ideias de Henri Poin-
caré, os físicos Ruelle e Takens 1971 mostraram que num
grande número de casos o atractor é «estranho}}. O atractor
«estranho}} em breve se revelou ser um fractal. E as medidas
importantes que lhe estão associadas são medidas rnultifrac-
248
tais. Tomou-se um assunto vasto e apaixonante, no qual, infe-
lizmente, não nos podemos aqui deter.
249
«frente fractal» e de «espuma fractal de difusão», devidas a
Sapoval, Rosso e Gouyet, que estão ilustradas na fig. 266.
No plano, a formulação que parece mais aconselhável parte
de mosaicos triangulares e de mosaicos duais, constituídos por
berlindes hexagonais centrados em cada ponto onde seis mo-
saicos triangulares se encontram. Suponhamos que, no estado
inicial, uma esfera é da cor da areia se a sua abcissa for nega-
tiva e da cor do mar se a sua abcissa for positiva. Em cada
instante discreto dado escolhamos ao acaso um «par» de ber-
lindes vizinhos, independentemente uns dos outros, e troque-
mos as suas cores. Ao fim de um certo tempo, a proporção
relativa média das esferas azuis será uma função da abcissa,
função dada pela teoria da difusão do calor, criada por Fou-
rier. Contudo, essa teoria dá apenas uma ideia muito incom-
pleta da realidade. Não se poderá então descrever a «frente»
com maior precisão, separando as duas cores? Graças à geome-
tria fractal, essa tarefa pode agora ser realizada.
Comecemos então, por definir a frente, por «apagar» as
ilhas cor de areia que estão inteiramente rodeadas de mar azul,
bem como os lagos azuis inteiramente rodeados de praia cor
de areia. Feito isso, ficamos com um mar azul e uma praia cor
de areia, separados por uma «costa», que é uma linha que-
brada em ziguezague na rede das fronteiras dos berlindes
hexagonais. Dessa costa, à partida, não se sabe nada, excepto
que se imagina ser muito irregular. Pois bem, verifica-se que
esta «costa» é uma curva fractal, cuja dimensão é D = 7I 4.
A fig. 266 dá uma ideia. Par ser mais preciso, a costa só se
torna fractal quando os diversos pontos são reduzidos a tama-
nhos infinitesimais. Além disso, os meandros desta costa defi-
nem «quase-ilhas»3 em contacto com a praia através de uma
ténue ligação, que se reduz a um único ponto. O mesmo se
passa com os «quase-lagos», que nmal se ligam ao mar. Apa-
gando-se essas ténues ligações, cria-se uma «espuma» desorde-
250
nada, separada tanto da praia como do mar por curvas frac-
tais, cuja dimensão é D = 4/3.
Mais precisamente, a descrição anterior está de acordo com
o que se pensava até hoje, mas o esforço despendido para
preparar uma figura «eloquente» bastou para revelar que a
geometria da percolação é ainda mais complicada. Precisamos,
entretanto, de remeter o leitor, a este respeito, para Furuberg,
Feder e Mandelbrot 1989. Este episódio demonstra não só que
não é verdade que a percolação seja um assunto acabado, mas
também que o esforço despendido para deleitar a vista com
bons desenhos é normalmente bem recompensado.
A difusão nos espaços de maior dimensão produz uma
«espuma de difusão» ainda mais notável.
Para obter os valores destas diversas dimensões fractais,
Saleur e Duplantier 1987 fazem uso da teoria da percolação.
Por consequência, os argumentos são rigorosos segundo os cri-
térios da física; mas, do ponto de vista puramente matemático,
continuam a deixar muitas questões em aberto.
251
«alvo» imóvel, cola-se a ele, modificando-lhe assim a forma.
Quando essa forma tiver sido modificada por centenas e
depois milhares de partículas brownianas, estará cada vez
mais amarfanhada. A surpresa é que, no limite, a fronteira se
torna uma «dendrite» a que se dá o nome de «agregado (frac-
tal) limitado por difusão» (ALD; ou DLA4 em inglês). A fig. 267
constitui um exemplo.
Consideremos agora a distribuição dos pontos em que urna
nova partícula browniana se cola à fronteira de um amontoado
existente; sabe-se, graças à teoria da difusão, que essa dis-
tribuição é idêntica à «medida harmónica», que é urna medida
fractal característica da fronteira do amontoado. É essa identi-
ficação que liga este processo à equação de Laplace. Nierneyer,
Pietronero e Wiesrnan 1984 generalizaram o modelo, sugerindo
que se eleve a dita medida harmónica a urna potência TJ. Com
isso se generalizam os ALD a toda urna gama de formas,
chamadas fractais laplacianos. A forma destes varia desde urna
esfera bem construída até um fio quase direito; algumas asse-
melham-se a ferro fundido ou aos efeitos de urna descarga
eléctrica nos semicondutores.
O que se sabe sobre os fractais laplacianos? Sabe-se bastante,
como o mostram, por exemplo, algumas monografias recentes,
nomeadamente Meakin 1987, Feder 1988 e Vicsek 1989. Já fo-
ram explicados esses fractais? Cinco anos após Witten e Sander
1981, o problema pouco havia avançado, havendo quem desse
mostras de impaciência.
Estando familiarizado com os altos e baixos do estudo da
turbulência, eu era daqueles para quem os problemas mais
apaixonantes não são necessariamente aqueles que se resolvem
num só dia. Contudo, urna opinião diametralmente oposta
pareceu exprimir-se em Kadanoff 1986. Felizmente, essa alga-
zarra e esse furor em breve se juntaram a outras «guerras-
-relâmpago», já esquecidas, travadas contra a turbulência. De
qualquer maneira, Kadanoff e os seus colegas (a maioria dos
quais de Chicago) homenagearam os fractais, dando larga-
mente a conhecer a técnica dos rnultifractais (ver pp. 231-233)
252
e aplicando-a a numerosos problemas. Levi 1986 não tardou a
fornecer a demonstração, num artigo de revisão publicado dois
meses após Kadanoff 1986.
Voltando a falar a sério, sou daqueles que acreditam que,
recentemente, a explicação do ALD avançou muito, graças em
particular a Pietronero, Erzan e Evertsz 1988a, 1988b. Mas há
ainda muito a fazer. Apesar da simplicidade do mecanismo,
esse novo problema revela-se bastante difícil, exigindo, sem
dúvida, a nossa reflexão durante muito tempo. Os conservado-
res podem até afirmar que ele deveria ter sido mencionado
mais cedo, na secção sobre a fenomenologia, mas este é um
pormenor pouco importante.
Penso que só honra a geometria fractal o facto de ter criado
antecipadamente o terreno e os instrumentos que permitiram
o nascimento e o progresso rápido do estudo do ALD. É pre-
ciso, porém, dizer que o peso histórico em breve se fez sentir:
a maioria dos trabalhos sobre o ALD recorreram muito pouco
à imagem, e fizeram-no sobretudo para «ilustrar» ou «visuali-
zar» resultados obtidos por outros meios. Pelo contrário, Man-
delbrot e Evertsz 1990 e Evertsz, Jones e Mandelbrot 1991
fizeram por colocar a imagem no centro mesmo do processo de
descoberta, associando-a aos resultados mais delicados respei-
tantes às propriedades do potencial em tomo de formas muito
complexas. Numerosas propriedades, nas quais se acreditava,
mas que não se conseguiam provar, revelaram-se assim «natu-
rais», mas contrárias aos factos. O poder analítico do olho
ficou, mais uma vez, demonstrado.
Defesa e ilustração
da geometria explícita e visual
Acrescentemos ainda algumas palavras à ideia, constante ao
longo da maioria dos meus trabalhos, de que a ciência tem a
ganhar em fazer apelo a uma geometria explícita e visual. Nem
sempre isso será possível, é certo, mas é-o muito mais frequen-
temente do que aquilo que era costume.
Há casos em que a manipulação analítica formal consegue
resultados imediatos; mas não traduz bom senso uma pessoa
253
contentar-se com ela sem tentar conseguir melhor. Por exem-
plo, a geometria do «escalante» (noção definida no capítulo XIII
dos Objectos Fractais) não é uma simples reinterpretação da
análise do escalante, mas revela-se rica em traços que lhe são
próprios.
Há casos em que a análise estatística «objectiva», ou seja,
baseada na aplicação cega de algoritmos, é suficiente; esses
algoritmos podem, por exemplo, servir para avaliar espectros
ou dimensões fractais. Mas há também numerosos casos em
que basta ao especialista dar uma olhadela aos dados para
verificar que o algoritmo ou é inaplicável ou está incompleto.
As ciências estão, sem dúvida, cheias de quantidades cujo
próprio nome revela uma origem geométrica, mas que acabam
por só ser utilizadas em relações analíticas. Embora não haja
dúvidas sobre o valor dessas utilizações, elas têm os seus
limites.
Daí que um dos primeiros efeitos da irrupção dos fractais
em física tenha sido o acrescento de uma nova quantidade ana-
lítica digna de ser calculada, a saber, a dimensão fractal. Obser-
varam-se alguns casos em que a dimensão fractal já era fami-
liar, por exemplo na qualidade de expoente de correlação. Mas
a experiência demonstrou que o novo papel da dimensão frac-
tal ultrapassa de longe o de tradução de um papel antigo.
Tomar esse papel antigo como desculpa para recusar rein-
tegrar a geometria na ciência seria uma forma de amputação.
O facto de se utilizarem noções fractais sem adoptar o ponto
de vista geométrico esteve na raiz de numerosas confusões.
Essas confusões desaparecem quando se mantém a geometria
presente no espírito.
Contesta-se essa posição dizendo que há muito tempo que
a matemática reduziu completamente a geometria à análise.
Isso não é bem assim. Demonstrar que é possível viver re-
cusando ver que qualquer coisa existe não significa demonstrar
que a coisa não existe. Pelo contrário, cada dia se sente mais
a necessidade de subjugar aos métodos da ciência diversos as-
pectos do real, os quais são evidentes para o olho, embora
fossem ignorados pelos velhos formalismos anteriores.
Assim, a geometria explícita e visual é um instrumento
inultrapassável, quando se trata de descobrir e estudar novos
254
exemplos desse facto inesperado: regras de construção muito
simples podem dar origem a objectos de forma extraordinária
e de aparência caótica, que uma combinação da geometria e da
análise vêm, de seguida, explicar.
A afirmação de que a geometria está morta merece apenas
o desprezo. Pelo contrário, o computador parece ter ajudado a
geometria a entrar numa nova idade de ouro.
Agradecimentos
Agradeço vivamente a Aliette Mandelbrot, que muito me
ajudou na redacção deste texto, e a Daniel Zajdenweber, que
nos auxiliou no decurso da sua visita a Yale.
Aproveito ainda a ocasião para agradecer, retroactiva e
cumulativamente, a todos os assistentes que, de 1969 a 1988,
fizeram parte dei meu grupo de investigação durante mais do
que algumas semanas: H. Lewitan, G. B. Lichtenberger (em
tempo parcial), M. S. Taqqu (em tempo parcial), J. L. Oneto,
S. W. Handelman, M. R. Laff, P. Moldave (em tempo muito
parcial), D. M. McKenna, J. A. Given, E. Hironaka, L. Seiter,
F. Guder, R. Gagné e F. K. Musgrave.
R. F. Voss é um amigo desde 1975; tem sido um colabora-
dor próximo quando não se ocupa da física ou da pro-
gramação. Os matemáticos J. Peyriere, J. Hawkes e V. A.
255
Norton, o meteorologista S. Lovejoy (em tempo parcial),
o hidrólogo J. R. Wallis, da IBM, e finalmente o linguísta
F. J. Damerau, da IBM, passaram entre alguns meses e dois
anos a traba1har no meu projecto. Finalmente, o meu livro de
1975 não teria visto a luz do dia se cada uma das pessoas que
constam da lista da p. 201 não tivesse dispensado algumas
horas ou alguns dias do seu tempo.
É tudo. Se é bom pormenorizar esta lista, que se estende ao
longo de vinte anos, é porque a sua brevidade parece causar
espanto.
Em particular, espa1hou-se em 1986 a ideia de que a IBM
despendia com os fractais uma parcela perceptível do seu
orçamento de investigação. O facto de nada estar mais longe
da verdade não diminui de modo algum o meu reconheci-
mento para com os directores que tomaram o risco de susten-
tar um empreendimento no qual ninguém apostava no início.
Mas isso são tudo coisas do passado. Particularmente após
1975, tive o auxílio de excelentes secretárias: H. C. Dietrich
(a meio tempo), depois J. T. Ryznichok (também a meio tempo)
e finalmente L. R. Vasta.
Confissão pública
Terminemos com duas palavras a respeito dos estilos utili-
zados para referenciar autores. O dos Objectos Fractais tem sido
criticado. Já algumas vezes me censuraram por falar dema-
siado dos desaparecidos, os grandes e os pequenos que mere-
cem continuar pequenos, e de mim próprio. A p. 9 explica (sem
os tentar defender) os estilos contrastados da J.a edição e das
duas seguintes; digamos que fiz o me1hor que pude.
Neste Panorama, a dificuldade era diferente. Em princípio,
nenhum nome de pessoa viva deveria ser citado. E, de início,
não havia qualquer referência. O que veio a acontecer foi que
o texto se alongou e há numerosas excepções. Mas é preciso
sublinhar que elas não implicam, de forma nenhuma, que o
traba1ho que não é expressamente citado seja menos impor-
tante do que aquele que o é. Além disso, sobretudo naqueles
pontos em que o tom é mais polémico, continua, sem dúvida,
256
a haver demasiados «eus odiosos». Mas prefiro deter-me
naquilo que conheço melhor, e toda a gente sabe que os meus
ensaios não pecam por ser subjectivos.
Além disso, nada neste texto poderá implicar que as minhas
contribuições sejam ainda tão predominantes em 1989 como o
poderão ter sido em 1975. Para minha grande alegria, a geo-
metria fractal é, a partir de agora, obra de inúmeros investi-
gadores, ao passo que a minha mão, inevitavelmente, enve-
lhece.
257
VISTAS DO CONJUNTO DE MANDELBROT,
NA VERSÃO «USTRAS ZEBRADAS EQUIPOTENCIAIS»
258
259
Escolha-se agora um número R ~ 4. Em cada etapa da ite-
ração calcule-se u~ + Vi e diga-se que o «tempo de vida» da
órbita que parte de P0 é igual a k, se se tiver u~ +Vi~ R, e
uL + v'i-1 <R. Nessa altura, o conjunto de Mandelbrot M é o
conjunto de pontos cujo tempo de vida é infinito. Na prática, é
preciso parar ao fim de um número finito K de iterações,
desenhando o conjunto dos pontos cuja duração de vida é
igual ou superior a K.
Quanto aos pontos P0 exteriores a M, é fácil interpolar
a idade para criar uma variável contínua. Além disso,
A Douady e J. H. Hubbard verificaram (ver Blanchard 1984)
que as curvas de idade constante são as curvas equipotenciais
do potencial logarítmico obtido na seguinte situação: conside-
ra-se um cilindro de raio muito grande, concêntrico com M,
estabelecendo-se entre eles uma diferença de potencial arbi-
trária. (Continua na p. 262)
260
261
Essa interpretação dá aos segmentos de idade uma im-
portância intrínseca. Para os distinguir, o ideal é atribuir-lhes
cores diferentes, de acordo com a sua idade; as imagens que
daí resultam podem ser encontradas por toda a parte, sendo a
sua surpreendente beleza discutida na p. 213. Infelizmente, a
cor não está presente nem nestas ilustrações nem no fron-
tispício do livro. Podemos cohnatar essa situação de diversas
maneiras.
As figuras que acompanham esta explicação (realizadas pela
IBM em Estugarda) utilizam a versão «zebra», que consiste em
marcar a branco os pontos cuja duração de vida é par e a preto
aqueles cuja duração de vida é ímpar. Como é evidente, pode-
-se também escolher o contrário. De qualquer maneira, as
posições exactas das listras pouco importam. O que é impor-
tante são as suas «formas» e as suas «larguras». (O significado
destas palavras é difícil de pôr no papel, mas é evidente ao
olho.) Se a definição das próprias listras zebradas depende de
R e da paridade escolhida, a sua forma é intrínseca.
262
263
FIG. 264 - DIVAGAÇÃO
264
Fig. 265- AMONTOADO DE PERCOLAÇÃO
265
Fig. 266 -FRENTES DE DIFUSÃO NO PLANO
266
Fig. 267- AGREGADO FRACTAL LIMITADO POR DIFUSÃO
267
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REFERÊNCIAS
Esta lista, muito desequilibrada, inclui os textos a que o livro se refere, assim
como outros trabalhos que me vieram à ideia, mas cuja escolha não pretende ser
nem equilibrada nem exaustiva. Para se estar actualizado é preciso consultar as
bibliografias dos livros para os quais a lista precedente chama a atenção.
Esta lista inclui iguahnente -maldita seja toda a falsa modéstia! - a maio-
ria dos trabalhos do autor.
270
Fractals: Form, Chance and Dimension de 1977 (que devia, de início, ter sido
uma tradução dos Objectos Fractais, de 1975, mas que acabou por ser uma nova
versão), está desactualizado e recomendo-o apenas se o seu sucessor de 1982 for
verdadeiramente inacessível.
The Fractal Geometry of Nature, de 1982, está muito mais enriquecido e melhor
ilustrado. O importante, ainda que seco, capítulo 19 deve ser completado com
Mandelbrot 1983p, 1984k e 1985g, n, por Peitgen e Richter 1986 e por Peitgen e
Saupe 1989.
No final apresentam-se listas de <<Livros de divulgação que abordam os frac-
tais», <<Livros sobre computadores e gráficos com ênfase nos fractais>> e <<Livros
sobre fractais para os mais novos>>.
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Addison-Wesley.
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LIVROS DE DIVULGAÇÃO QUE ABORDAM OS FRACTAIS
BINNIG, G., 1989, Aus dem Nichts. Über die Kreativitiit von Natur und Mensch,
Munique e Zurique, Piper.
BRIGGS, J., e PEAT, F. D., 1989, Turbulent Mirrar. An Illustrated Guide to Chaos
Theory and the Science of Wholeness, Nova Iorque, Harper and Row.
DAVIES, P., 1988, The Cosmic Blueprint, Nova Iorque, Simon & Schuster.
DEVLIN, K., 1988, Mathematics: The New Golden Age, Nova Iorque, Penguin.
DEWDNEY, A. K., 1990, The Magic Machine. A Handbook of Computer Sorcery, Nova
Iorque, W. H. Freernan (a publicar pela Gradiva).
ENGEL, P., 1989, Folding the Universe. Origami from Anglefish to Zen, Nova Iorque,
Vintage Books.
HARDISON Jr., O. B., 1989,Disappearing Through the Skylight. Culture and Technol-
ogy in the Twentieth Century, Nova Iorque, Viking.
PENROSE, R., 1989, The Emperor's New Mind, Oxford, Oxford University Press
(a publicar pela Gradiva).
PETERSON, L, 1988, The Mathematical Tourist, Nova Iorque, W. H. Freeman.
PETERSON, L, 1990, Islands of Truth, Nova Iorque, W. H. Freeman.
PHIPPS Jr., T. E., 1987, Mathematical Themes in Physical Description, Urbana IL,
Classic Non-fiction Library.
PICKOVER, C. A., 1989, Computers, Pattern, Chaos and Beauty, Nova Iorque, St.
Martin' s Press.
REGIS Jr., Ed., 1987, Who Got Einstein's Office? Eccentricity and Genius at the Insti-
tute for Advanced Study, Reading MA, Addison Wesley.
RUCKER, R., 1987, Mind Tools, Boston MA, Houghton Mifflin.
STEWART, I., 1987, The Problems of Mathematics, Oxford, Oxford University Press.
STEWART, I., 1988, The Challenge of Chaos, Londres, Penguin.
STEWART, L, 1989, Does God Play Dice? The Mathematics of Chaos, Oxford, Basil
Blackwell. Em francês: Dieu joue-t-il aux dés?, Paris, Flammarion, 1991 (a pub-
licar pela Gradiva).
YOSHINARI, M., 1986, Between Science and Art: Fractal Esthetics is Bom (em japonês),
Tóquio.
294
LIVROS SOBRE COMPUTADORES E GRÁF1COS
COM ÊNFASE NOS FRACTAIS
HoFFMAN, D., e MOHLER, L., 1982, Mathematical Recreations for the Programmable
Calculator, Hasbrouck Heights NJ, Hayden Book Co.
]ANKEL, A., e MORTON, R., 1984, Creative Computer Graphics, Cambridge, RU,
Cambridge University Press.
]üRGENS, W., e SAUPE, D. (eds.), 1989, Visualisierung in Mathematik und die
Naturwissenschaften, Heidelberga, Springer.
KALIKOW, D. N., 1986, David Brook's Investigation of the Mandelbrot Set, Framing-
ham MA, Prime Computer Corporation.
R.IETMAN, E., 1989, Exploring the Geometry of Nature: Computer Modeling of Chaos,
Fractals, Cellular Automata and Neural Networks, Blue Ridge Summit PA,
Windrest Books.
RoBERT, F., 1986, Discrete Iterations, traduzido por John Rokne, Nova Iorque,
Springer-Verlag.
STEVENS, R. T., 1990, Fractal Programming & Ray Tracing in C++, M & T Publi-
shing.
THORNBURG, D. 0., 1984, Discovering Apple Lágo: an Invitation to the Art and Pat-
tern of Nature, Reading MA, Addison Wesley.
295
LIVROS SOBRE FRACTAIS PARA OS MAIS NOVOS
LAMPTON, C., 1991, Chaos Theory, Nova Iorque, Franklin Watts (a Grolier Com-
pany).
PEITGEN, H.-0., SAUPE, D., ]ÜRGENS, H., MATETSKY, E. M., PERCIANTE, T., e
YUNKER, L. L., 1991, Fractals in the Classroom: Strategic Activities, vol I, Nova
Iorque, Springer.
PEITGEN, H. -O., ]ÜRGENS, H., SAUPE, D., MALbETSKY, E. M., PERCIANTE, T., e YUNKER,
L. L., 1991, Fractals for the Classroom: Introduction to Fractals and Chaos, Nova
Iorque, Springer.
STEWART, I., 1983, Les fracta/s, Les Chroniques de Rose Polymath, Paris, Edouard
Belin.
296
ÍNDICE ANALíTICO
OBJECTOS FRACTAIS
Prefácios .. ... .... .... ..... .............................. ......... ...... ... ... ... .... 7
I Introdução........................................................................ 13
Onde Jean Perrin evoca objectos familiares com forma irregular ou
quebrada • P.-S. Dois graus de ordem no caos: a ordem euclidiana
e a ordem fractal • Conceitos propostos como solução: dimensões
efectivas, figuras e dimensões fractais • Esta obra mistura, delibe-
radamente, a divulgação e o trabalho de descoberta
N As rajadas de erros........................................................ 61
A teletransmissão de dados • Um modelo grosseiro das rajadas de
erros. A poeira de Cantor, um fractal de dimensão compreendida
entre O e 1 • Número médio de erros no modelo cantoriano •
Poeira de Cantor truncada e aleatorizada, condicionalmente es-
tacionária • Poeira de Lévy, obtida a partir da recta aparando «tre-
mas>> ao acaso
V As crateras da Lua 77
VI A distribuição das galáxias ..... ... ...... ... ..... .. .......... ... ..... 85
A densidade global das galáxias • Sumário do capítulo VI • O
universo hierárquico estrito de Fournier • Universo de Charlier, de
. dimensão efectiva indeterminada dentro de um intervalo • Para-
doxo do <<Céu em fogo», dito de Olbers • Justificação de D = 1 por
Fournier • Cascata de Hoyle. Justificação de O = 1 pelo critério de
estabilidade de Jeans • Princípios cosmológico e cosmográfico •
Princípio cosmográfico condicional • Postulado adicional: a densi-
dade global da matéria é não nula • Consequências destes diver-
sos princípios • Digressão a propósito dos locais de paragem do
voo de Rayleigh e da dimensão O = 2 • Um conceito generalizado
de densidade. Comentário sobre a expansão do universo • O
universo semeado: um novo modelo da distribuição das galáxias •
Pontos de paragem de um voo de Lévy. As galáxias como poeira
fractal de dimensão D < 2 • Comparação com os erros de tele-
fone • Universos fractais obtidos por aglutinações sucessivas
XIII Léxico ........ ..... ... ... .... .... ..... ... .... ..... ......... .... ...... ..... ..... .. ..... 169
Aleatório • Aleatorizar • Amontoamento • Crónica • Escalante •
Escalonado • Fractal • Passear • Passeata • Peneira • Poeira •
Trajectória e crónica • Trema