Você está na página 1de 8

POSTAGEM 2020 – ENSINO MÉDIO

Professor(a): Geise Targa de Souza


E-mail institucional: geise.souza@docente.fieb.edu.br
Semana 23/03/2020 a 27/03/2020 (CORREÇÃO)

Olá queridas alunas e queridos alunos, tudo bem?

Primeiro recado importante: semana que vem tentaremos realizar nossa primeira aula on-line. Aguardem
o agendamento para os próximos dias. E abram sempre o canal da nossa disciplina, pois qualquer recado
para a turma eu darei por lá.

Sobre a atividade enviada na semana passada:

Recebi alguns trabalhos muito bons, alguns mais frágeis e alguns absolutamente mal feitos. Eu não
esperava que vocês conseguissem explorar todas as camadas daquela obra, visto que, apenas um Historiador
da Arte seria capaz de esmiuçar todas as suas particularidades. O objetivo era muito mais modesto e estava
relacionado a capacidade de vocês realizarem vínculos entre o aprendido e o que se apresenta a partir de uma
fonte histórica, nesse caso, uma fonte iconográfica.
Posto isso, não vou me ater na correção da descrição da imagem (ponto 1), pois considerarei que o
exercício de escrever o óbvio, o que é visto, não está relacionado a um “certo” ou “errado” e sim ao empenho
de cada uma e cada um para ler a imagem e ver o máximo de coisas que era possível explorar a partir dessa
obra tão rica!

A partir de agora, indicarei os pontos de análise da imagem.

Um abraço.

Profa. Geise
“A Luta entre o Carnaval e a Quaresma”, originalmente intitulada “Strijd tussen Carnaval en
Vasten”, é uma pintura a óleo (118cmx164.5xm), feita em 1559, por Pieter Bruegel (o Velho).
Atualmente encontra-se no Kunsthistorisches Museum, em Viena. Essa obra faz parte do que os
historiadores da arte vieram a considerar como Renascimento Nórdico, ou seja, é produto de uma
renovação artística e cultural que ocorreu na região dos Países Baixos, onde hoje se situam a Holanda
e a Bélgica.
Este é um mapa político da Europa do século XVI:

A região acima do Reino da França (número 4), compreende a região dos Países Baixos que,
antes do século XVI, era formada por vários condados, ducados e dioceses que pertenciam ao Ducado
da Borgonha e ao Sacro Império Romano. No século XVI, essa região foi unificada em um estado
regido pela Casa de Habsburgo. Essa breve síntese é relevante para a análise da obra estudada, pois
indica que essa região passava por um período de tumulto político, em que não havia estabilidade
com relação ao “Rei” (no sentido de quem governaria aquele território) e nem com relação a fé. O
Calvinismo havia ganhado muito território nessa região e acabara sufocando a Igreja Católica. A
Contrarreforma é posterior as tentativas de unificação política desse território, ou seja, com o
território unificado nas mãos de Filipe II da Espanha, passou-se a tentar reprimir a diversidade
religiosa daquele território. Filipe II tornou a vida nos Países Baixos muito difícil para todos, o
espanhol era um defensor implacável da fé católica e lançou vários Éditos antiprotestantes,
contratando vários mercenários espanhóis para fazer cumprir suas leis. Felipe II trocou o bispo local
de Antuérpia, cidade que Bruegel, o Velho, residia, por um bispo mais próximo as suas ideias. Os
comerciantes de Antuérpia estavam insatisfeitos com a perca do domínio local e temiam que a
Inquisição ameaçasse aos não católicos, o que ocorreu de fato.
O intento de ter “um só ‘rei’ e uma só fé” fracassou e resultou em várias revoltas contra Filipe
II, não sem antes impor uma catástrofe a região, tema retratado em outras obras do autor. Isso tudo
ocorre a partir de 1556, logo, no momento em que Pieter Bruegel (o Velho) concluí sua obra (em
1559) ele retrata todo esse clima de animosidade política e religiosa que era vivida pela população
dessa região, incluindo o próprio artista. Bruegel, o Velho, reflete nesse quadro os eventos que
ocorreram em Antuérpia, em 1559. O uso predominante da cor vermelha nessa obra, refletia os
sentimentos do artista, de seu medo do que estava por vir. O vermelho era a cor da túnica usada pela
inquisidores. O artista usa vários tons de vermelho, dos mais metálicos ao mais vivo, sugerindo o
poder da Inquisição de ferir mortalmente e o derramamento de sangue que estava por vir. Em 1559,
Antuérpia era o epicentro da rebelião política e religiosa.
Pieter Bruegel, o Velho (retratado ao lado), é chamado desta forma,
pois teve um filho com o mesmo nome que atuou durante mais ou
menos o mesmo período e na mesma região. Então Pieter Bruegel,
o Velho, refere-se ao pai e Pieter Bruegel, o Jovem, refere-se ao
filho. Da biografia deste artista vou destacar apenas alguns pontos.
Ele viveu na região do Ducado de Brabante, nos Países Baixos,
mais especificamente na cidade de Antuérpia. Essa região era
considerada uma região-chave que ainda detinha grande autonomia
política e econômica. Como vimos, Bruegel viveu durante o
período de unificação do poder político nas mãos de Felipe II e
também dos confrontos entre Protestantes e Católicos. Foi um
observador crítico de seus contemporâneos, é integrado ao que hoje
chamamos de “Era de ouro” da pintura Holandesa e, portanto, às
obras máximas do Renascimento Flamengo. Ele fez vários
treinamentos nas cidades da Península Itálica, onde haviam aglomerados de artistas que tentavam se
afastar da arte medieval e buscar novas técnicas e perspectivas para a arte. Apesar disso, sua obra se
afasta da tônica dos renascentistas italianos, visto que, nunca pintou um retrato.
Em um momento em que toda a Europa se concentrava, deslumbrada, nas cidades italianas,
Bruegel, o Velho, pintou retratos populares, que valorizavam o realismo e o naturalismo sem
idealizações. Não o corpo perfeito oriundo do classicismo grego, mas os corpos tais como são, como
se apresentam em seu cotidiano ordinário (no sentido de comum). Era chamado da Bruegel, o
camponês, pois suas obras retratam principalmente as camadas populares, a sabedoria popular, a
cultura dos pobres e analfabetos. Gostava de representar provérbios populares, o estúpido, o absurdo
e o imoral. As mulheres geralmente são representadas de forma negativa. Existe uma controvérsia
sobre sua representação dos camponeses, alguns historiadores da arte afirmam que suas obras
satirizavam os camponeses, outros, pelo contrário, afirmam que é uma exaltação da vida camponesa.
Bruegel não era um camponês, ele vivia na cidade, era comum, naquele período considerar aqueles
que viviam afastados desses centros urbanos, os camponeses, como retrato da estupidez humana.
Contudo, o enigma ainda permanece e até hoje historiadores debatem sobre o que Bruegel pretendia
de fato falar. Uma coisa é certa, ele forneceu para o futuro um excelente espelho de seus
contemporâneos e da cultura popular dos Países Baixos nesse período de transição entre a Idade
Média e a Idade Moderna. Por fim, as parábolas bíblicas também estão presentes em sua obra. A
religião não é o tema central de sua obra, mas estão presentes geralmente para representar as coisas
mundanas.
Em “A Luta entre o Carnaval e a Quarema”, Bruegel olha de cima para o centro de uma
pequena cidade, garantindo uma perspectiva ampla. No primeiro plano temos a batalha entre o “Rei”
Carnaval e a “Rainha” Quaresma. Embora a Quaresma seja um feriado religioso associado a Jesus
Cristo, sua representação é feminina, uma mulher às vinhas da morte. No plano de fundo vemos a
representação de outros costumes flamengos.
Devemos começar a ler a obra a partir da esquerda para a direita. No começo a narrativa há a
estalagem onde os carnavalescos se dispersam pelas ruas. Vemos a seguir mendigos buscando
esmolas, jogadores de dados e menestréis (poetas e bardos) tocando instrumentos. No fundo, ainda
do lado esquerdo, vemos uma procissão de flagelantes em direção ao centro do quadro (usam capas
marrons e negras), como sinal do Julgamento Final para aqueles que celebram o Carnaval. No centro
temos o encontro do Carnaval com a Quaresma, mais ao fundo esse encontro ocorre na vida cotidiana,
pelos afazeres domésticos, nas brincadeiras das crianças e na venda do peixe. O poço simboliza a
centralidade dessa afazeres da vida cotidiana que permeia todo o quadro, todos e todas estão fazendo
alguma coisa. No primeiro plano do centro está o “Rei” Carnaval, personificado em um robusto
homem, provavelmente um açougueiro que segura um espeto com carne montado em um barril de
cerveja. Do lado oposto, sua oponente é a Quaresma, representada por uma mulher esquelética que
segura contra a abundância carnavalesca dois magros peixes em uma pá de madeira. Bruegel opõe o
hedonismo ao ascetismo, a fartura e a austeridade. A narrativa do artista termina na Igreja cinzenta,
cercada por uma marcha quase fúnebre de religiosos.

Se a pintura celebra a cultura popular não é possível assumir ao certo, nem mesmo se ela
desdenha desses camponeses. Contudo, certamente a um desfecho fúnebre que assombra o quadro.
Podemos ver muitos camponeses aquém das celebrações, sejam elas terrenas ou religiosas. Isso
representa a proibição de comemorar o Carnaval durante a Quaresma, na tentativa de reestabelecer a
Igreja Católica como religião central. Ainda que parte da população siga com seus afazeres
cotidianos, o festejo do Carnaval persiste, antagonista central da narrativa de Bruegel.
Se olharmos para a Igreja perceberemos que os pobres estão saindo pela entrada lateral e os
ricos e religiosos católicos pela entrada principal, onde mendigos esperam para pedir esmolas. Na
saída lateral muitas pessoas estão limitadas pelo uso de instrumentos de tortura e execução medievais.
É muito importante esse aspecto, pois pode indicar uma crítica de Bruegel a dureza da Inquisição e
das penalidades da Igreja contra os camponeses.

Ainda na Igreja, podemos observar imagens cobertas, parte do costume de cobrir obras de arte
até o Domingo de Páscoa, da Igreja Católica (IMBROISI, 2018).

Fonte: <https://bit.ly/2w2oxhX>. Acesso em: 31 de mar. de 2020.

Próximo ao açougueiro está um homem vestido com uma roupa rosa, tocando alaúde com
uma panela sobre a cabeça. Alguns historiadores da arte tratam esse grupo como menestréis. Há
também uma leitura que afirma que essa era a representação corrente dos luteranos que não
respeitavam a quaresma (IMBROISI, 2018).
Fonte: <https://bit.ly/2w2oxhX>. Acesso em: 31 de mar. de 2020.

Se a segunda leitura estiver correta, podemos depreender disso que Bruegel realiza uma sátira
dos luteranos e sua tentativa de reformas das práticas religiosas, visto que, sua alegoria é colocada
dando sequência ao cortejo carnavalesco, cego por uma panela e incapaz de ver seus passos, resta a
ele acompanhar os camponeses. Na frente da alegoria que representa os luteranos, vemos duas
imagens que possuem o rosto coberto por uma máscara. Essa máscara já havia sido usada pelo artista
em outras obras para representar a tragédia.

Fonte: <https://bit.ly/2w2oxhX>. Acesso em: 31 de mar. de 2020.

Para alguns historiadores, esse casal no centro da tela, com a mulher carregando uma
luminária apagada nas costas e um bobo da corte os guiando com uma tocha, representaria a razão
dentro desse conflito (IMBROISI, 2018). Vemos do lado esquerdo o Carnaval, que abaixo de uma
camada de diversão e permissividade, praticado até mesmo pelos mendigos e aleijados, guarda em si
narrativas trágicas (representação da máscara). Do lado direito a marcha fúnebre da Quaresma que,
embora essa obra tenha sido considerada por alguns como o “triunfo da Quaresma”, não parece nos
indicar vitória alguma sobre as práticas populares, consideradas hereges (Carnaval) ou que tratavam
das necessidades básicas (comércio, alimentação, entre outras). Isso é evidenciado pela centralidade
do poço e do trio que representa a razão. De certa maneira, a lamparina apagada da mulher e a tocha
do bobo da corte demonstram o desprezo para com as camadas populares, pois colocava em dúvida
sua capacidade de pensar o mundo que os cercava, os bestializava indicando que os mesmos se viam
absorvidos pelo cotidiano.
Por outro lado, também denuncia a hipocrisia das classes mais abastadas. Critica os burgueses
ricos que reduzem a fé aos costumes como a Quaresma ou demonstrações de caridade. Competindo
entre si para tirar vantagens. Reside aí uma das mensagens seminais de Bruegel: a forma como o
sofrimento, a morte, a angústia e a teatralização da vida são usadas para ganhar dinheiro.
Além disso, próximo a Quaresma aparece uma figura encoberta por um manto negro que em
outras obras já apareceu associada a morte. Podemos observar isso em outra obra do artista, intitulada
“O Triunfo da Morte”, de 1562.

Fonte: <https://www.historiadasartes.com/sala-dos-professores/o-triunfo-da-morte-pieter-bruegel-o-velho/>.
Acesso em: 31 mar. 2020.
Nessa imagem, segundo Martins (2017), Bruegel, o Velho, usava uma narrativa bíblica para
representar a calamidade provocada pelos espanhóis ao reprimir os luteranos. Homens com capas
negras puxam um caixão aberto com um corpo exposto.
Por fim, não podemos saber ao certo o que Bruegel, o Velho, queria nos dizer e há uma série
de interpretações que podem ser feitas a partir de olhares diferentes. O que nos cabe, dentro do que
propus para vocês, é pensar como Bruegel, o Velho, representou os conflitos religiosos e políticos do
seu tempo ao produzir em um período atravessado pelo advento do luteranismo e suas vertentes, em
especial o Calvinismo; pela Contrarreforma e a tentativa de retomar a unidade religiosa na Europa; e,
pela resistência de festejos e tradições populares. Bruegel, o Velho, parece querer se colocar acima
dos conflitos terrenos (políticos e religiosos), como se pudesse registrar presságios de morte e
calamidade. As fragilidades postas em sua obra, remontam ao confronto entre perspectivas e valores
que colocavam em questão a vida, que denunciavam o combate entre o hedonismo e o ascetismo,
entre a cultura popular, política e fé.
Bruegel, o Velho, nos mostra como na mente de um artista, embebido pela cultura
renascentista e pela cultura popular medieval, o confronto religioso era colocado. Permite-nos
vislumbrar as contradições do processo das Reformas Religiosas (Reformas Protestantes e
Contrarreforma), as resistências e permanências diante da complexidade da sociedade da região dos
Países Baixos, no século XVI. Bruegel, o Velho, ironiza as disputas religiosas entre católicos e
protestantes, chamando a atenção para a catástrofe que esse conflito iria provocar. Por fim, como
qualquer outra obra, ela parte do ponto de vista do artista, e não pode ser tomada como uma verdade.
Contudo, permite-nos perceber que a história não é homogênea para todas e todos.

FONTES:

IMBRIOISI, Margaret. A Luta ou Batalha entre o Carnaval e Quaresma, Pieter Bruegel, o Velho.
s.n., s.p., 12 fev. 2018. Disponível em: <https://bit.ly/2w2oxhX>. Acesso em: 31 de mar. de 2020.

MARTINS, Simone. O Triunfo da Morte, Pieter Bruegel, o Velho. s.n., s.p., 13 nov. 2017.
Disponível em: <https://www.historiadasartes.com/sala-dos-professores/o-triunfo-da-morte-pieter-
bruegel-o-velho/>. Acesso em: 31 mar. 2020.

“Pieter the Elder Bruegel – The complete works,” Pieter Bruegel the Elder, September 8, 2016.
Disponível em: <http://www.pieter-bruegel-the-elder.org/>. Acesso em: 31 mar. 2020.

“BRUEGHEL, Pieter the Younger,” Web Gallery of Art, accessed September 8, 2016, Disponível
em: <http://www.wga.hu/frames-e.html?/html/b/bruegel/pieter_y/carnival.html>. Acesso em: 31
mar. 2020.

“Sad Fight Between Carnival and Lent by Bruegel,” Art Kaleidoscope, accessed September 8,
2016. Disponível em: <http://vsemart.com/sad-fight-between-carnival-and-lent-by-bruegel/>.
Acesso em: 31 mar. 2020.

“Charles V of Habsburg, emperor (1500-1558),” Mediateca di Palazzo Medici Riccardi: Window


on the Renaissance, accessed September 8, 2016. Disponível em: <http://www.palazzo-
medici.it/mediateca/en/Scheda_Carlo_V_dAsburgo,_imperatore_(1500-1558)>. Acesso em: 31
mar. 2020.

MAN, Beth D., Rediscovered Stories: The Fight Between Carnival and Lent by Pieter Bruegel.
September 26, 2016. Disponível em: <http://pooryorickjournal.com/rediscovered-stories-the-fight-
between-carnival-and-lent-by-pieter-bruegel/>. Acesso em: 31 mar. 2020.

Você também pode gostar