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Índice das Aulas

Nona aula do curso de astrologia

Professor Luís Gonzaga de Carvalho Neto

Transcrição feita por Fernando Antonio de Araujo Carneiro

Sem revisão do professor

Na última aula fizemos uma recapitulação de tudo o que foi falado no curso até
agora e paramos na definição de causa final, pelo menos na definição da nota distintiva da
causa final. E falamos que se deve ter cuidado para não confundir a definição desse traço
distintivo com a definição de movimento de Aristóteles. Para não confundirmos primeiro
vamos ver se conseguimos chegar a um consenso sobre o que significa esta definição de
movimento de Aristóteles. Como vimos na última aula movimento é o ato do ente em
potência enquanto tal, ou seja, o ato do ente em potência enquanto ente em potência.
Vamos ver se conseguimos clarear o sentido de cada uma das palavras. É clara para todos a
distinção entre ato e potência? É muito fácil entender o que é um ente em ato e um ente em
potência porque ente em potência é aquilo que ainda não é mas pode ser; quando falamos
que algo é em potência estamos dizendo que é possível e quando falamos que é em ato
estamos falando simplesmente que é. Então um movimento é uma espécie de ato ou de
potência? Existe o movimento quando é só possível o movimento? Não. Por definição o
movimento é um ato e não uma potência. Não é como a inteligência, por exemplo, que é
uma potência, que mesmo quando você não está inteligindo ela continua existindo; ou os
sentidos particulares, mesmo que você não esteja ouvindo nada a sua audição continua
existindo, porque ela é uma potência e não um ato. Mas o movimento só existe quando algo
está se movendo; então ele é uma espécie de ato. Agora, se o ato que é o movimento é o
próprio ato de ser do ser que é em ato, esse ser já é perfeito por este mesmo ato, e um ser
que é perfeito não se move. Todo movimento pressupõe um termo inicial diferente de um
termo final. Alguma coisa muda deste branco para este mesmo branco? Ou deste lugar para
este mesmo lugar? Deste tamanho para este mesmo tamanho? Não, o movimento implica
uma diferença entre o termo inicial e o termo final. Isto significa que o ente em movimento
está em algum momento privado do termo final que para ele é possível. Se o termo final é
impossível para aquele ente também não existe aquele movimento. Se o termo final da
operação da inteligência é a intelecção e este termo final não é possível a um ente então não
existe este movimento que é o inteligir. O cigarro não pode ser dotado do ato de inteligir
porque é impossível para ele o termo final deste movimento. Então se o ente que é capaz de
movimento, o ente que pode ser móvel implica em ter dois termos, um inicial e um final,
distintos um do outro, qual é a razão de distinção do termo inicial e do termo final? A razão
de distinção tem que ser da natureza da privação, ou seja, o termo-inicial é não-termo-final.
Se alguma coisa muda de uma cor para branco eu posso dizer que ela mudou para branco a
cor inicial tinha que ser não-branco, qualquer que fosse – azul, vermelho, amarelo, verde,
qualquer uma que seja não-branco – senão eu não digo que ela mudou para branco.
Também não basta que o termo inicial seja negação do termo final, é necessário que o
termo final seja possível e que portanto o ente no termo inicial esteja em potência em
relação ao termo final.
Aluno: tem que mudar para algo positivo?

Não necessariamente, pode mudar de branco para não-branco, eu posso definir ao


contrário. E pode mudar do ser para o não-ser. Eu posso botar fogo neste maço de cigarro e
aí ele mudou da existência para a não-existência, mudou para um termo final puramente
privativo. O termo final não precisa ser positivo, ele precisa ser oposto ao termo final e ser
possível para o ente, para o móvel. E o não-branco pode se identificar com o não-ser em
determinado momento. Suponha que exista um ente para o qual ser branco seja essencial;
se ele mudar para o não-branco ele mudou para o não-ser, ele não é. Se o termo inicial está
na definição do móvel, no termo final ele deixou de existir. Já notamos dois traços
necessários para que haja movimento: primeiro, o ente tem que ser capaz de dois termos
que são contrários e que ele não pode possuir simultaneamente, portanto, dois termos que
podem ser definidos como isso e não-isso ou não-isso e isso 1. Agora, o movimento termina
quando o ente atinge o termo final; se uma coisa está branqueando, quando ela ficou branca
acabou o movimento, não tem mais movimento, acabou a potência; o ente não está mais em
potência em relação àquele termo, está em ato. É por isto que podemos dizer que o que
distingue o movimento de seu termo final é o sujeito de que ele é ato, o sujeito teve que ter
mudado entre o movimento e o termo final; quando chega no termo final ele é ato do que é
em ato, o termo final é uma forma, mesmo que seja uma forma acidental, como a brancura,
ou um tamanho. Quando o ente chega ao termo final não tem mais movimento, então eu
não posso dizer que o movimento é qualquer ato do ente em potência, é o ato do ente em
potência enquanto ele permanece em potência. Agora, eu poderia dizer que é a potência do
ente em potência enquanto em potência? Não, porque enquanto aquilo é pura potência não
há movimento. Por que podemos então definir o traço característica da causa final como ato
do ente em potência, mas sem o enquanto tal? Ora, este ato final que é o termo final do
movimento e, portanto, é uma causa final, não é um ato de um ente em ato? Não é uma
forma? Mas a razão formal dele não é a razão final, a razão por que é fim, é fim porque
houve uma potência deste ente para este ato, uma potência do ente para esta razão formal.
Ficou clara a definição de Aristóteles para movimento? Alguém pode pensar um
outro jeito melhor de definir movimento? Vamos ver se podemos listar as espécies
fundamentais de movimento?
O movimento de um ente cuja essência fosse a brancura enquanto ele está no
processo de branquear-se ele não existe; quem está mudando é um outro ente. Se o termo
final de um movimento é a essência de um ente ele só existe quando terminou o
movimento. Este ato final nós chamamos de existência. Do mesmo modo que se um ente
muda da posse de uma razão formal que é essencial para a privação da mesma razão formal
o termo final deste movimento chama-se inexistência, quando termina este movimento ele
não existe mais. O término de um movimento é sempre uma forma ou a privação de uma
forma. Aí nós já temos dois princípios que são necessários para o movimento: forma e
privação da forma. Onde não há essas duas possibilidades não há movimento nenhum. Fora
isto é preciso um sujeito capaz da forma e da privação da forma. Sem isto não tem
movimento. Quer dizer, quando falamos de movimento e demos o nome do termo final,
com este nome do termo final nós já definimos uma espécie de movimento, que é a geração
e corrupção, que são movimentos para a existência – geração – ou para a inexistência –
1
Aí vale o princípio de não-contradição que exige que ele não seja possuidor dos dois termos ao
mesmo tempo.
corrupção. Geração é o movimento cujo termo final é a existência e corrupção é o
movimento cujo termo final é a inexistência.

Aluno fala sobre existência.

Podemos dizer que entre um extremo e outro ele tem um período que em alguns
seres é curto e noutros é mais longo de plenitude de existência, em que ele terminou de ser
gerado e não começou a ser corrompido. Se nós só tivéssemos o movimento de geração e
logo em seguida o de corrupção nunca poderíamos afirmar deste ser uma existência no
sentido pleno, ele tem que ter uma fase em que ele existe plenamente, mesmo que num
período curto. Se bem que nós já fizemos uma analogia entre a maturidade do corpo e a
geração completa. Na verdade a geração completa aconteceu no momento em que o óvulo
foi fecundado, o resto foi só um desdobramento disso, foi o surgimento de todos os
caracteres acidentais que são coerentes com esta forma, que já existe. O resto são
movimentos naturais de um ente gerado. É só pensar o seguinte: quem é o autor da
fecundação? É o ente gerado? Não é. Mas quem é o autor do desenvolvimento do óvulo
fecundado? É o próprio óvulo fecundado. A partir daí ele já é um ente em ato, já é um
existente, que agora opera naturalmente para sua perfeição. Claro que para operar ele
necessita de um meio propício, mas mesmo quando ele estiver plenamente desenvolvido ele
vai precisar de um meio propício. Quer dizer, se o óvulo fecundado não fosse o agente do
seu desenvolvimento aborto não seria pecado. Se ele não é um agente ainda ele não é um
ser, se ele não é um ser você não está matando nada; você não pode matar o que é pura
potência porque pura potência não é. Está claro que o agente do desenvolvimento do óvulo
é outro que não o agente da fecundação do óvulo? Aí é só pensarmos o seguinte: qual é a
ação do óvulo? O óvulo só aumenta como uma quantidade de água que vai escorrendo e se
juntando num lugar e continuando toda homogênea? Não, ele está se nutrindo e crescendo.
Se ele está se nutrindo, se ele está absorvendo algo distinto dele e crescendo de modo
diferenciado então ele já é um agente, já tem aí um princípio vegetativo. Se estivesse só
sendo acumulada matéria você não poderia dizer que tem um ser vivo ali, porque a matéria
pode se acumular sem o auxílio de nenhum ser vivo. A prova disso é a água se acumulando
num canto. Seria uma massa apenas. Essa ação poderia ser reduzida a um tipo elemental, eu
poderia dizer que isto é assim porque é da natureza de água. Mas o ato do óvulo fecundado,
a ação dele não é dessa natureza. Tudo bem que tem um meio que está acrescentando
matéria ali para ele poder transformar esta matéria, ele não é um ser perfeito, ele não pode
fazer tudo sozinho. Mas o autor da elaboração dessa matéria só pode ser ele mesmo. Tanto
é assim que se você pegar um óvulo fecundado e reproduzir as condições fora de um útero
o que acontece? A mesma coisa. Se você der para ele a matéria propícia e o meio propício
ele vai fazer a mesma coisa. Agora, se você tiver só o meio mas não o óvulo fecundado?
Não vai acontecer nada, porque você tirou o agente. Isto foi só para deixar claro que a
maturação do corpo não é um processo de geração, a gente só analogou este processo com
o da geração, ele é só semelhante, mas não é geração propriamente dita.
Então nós já dissemos que existe uma espécie de movimento. O que caracteriza esta
espécie de movimento? Geração é o movimento cujo termo final é a existência. Então
podemos dizer que a geração é um movimento substancial, é uma mudança de substância, é
uma mudança de sujeito. Quer dizer, uma coisa é óvulo, outra coisa é óvulo fecundado. São
seres distintos. Tem algum outro tipo de movimento? Mudança de lugar. Então existe um
movimento cujo termo final é um lugar diferente do lugar original. É o movimento local.
Qual mais? Mudança de tamanho, aumento e diminuição. E tem a mudança de qualidade, a
alteração, quando alguma coisa muda de cor, ou de temperatura, ou de sabor.
Nós aí definimos as espécies de movimento, dividimos a noção de movimento
segundo o termo final, para cada espécie de termo final uma espécie de movimento. Existe
uma outra maneira de classificarmos os movimentos que não é pelo termo final mas pelo
princípio de onde se origina o movimento. Então vamos ver que existem movimentos que
são originados por princípios intrínsecos ou inerentes ao móvel e outros movimentos que
são originados por princípios estranhos à natureza do móvel.

Interrupção.

O movimento do óvulo fecundado, de que acabamos de falar, é causado por um


princípio inerente ao próprio óvulo fecundado. O agente principiador deste movimento, do
desenvolvimento do óvulo, é o próprio óvulo. Mas e se eu queimar o óvulo? Também não é
um movimento? É, mas é um movimento causado por um princípio inerente ao óvulo?
Quer dizer, ele tem o poder e a tendência de se queimar, de pegar fogo? Não, ele não tende
a se inflamar. Ele pode ser inflamado. Então distinguimos duas espécies de movimento pelo
agente originador. Existe o movimento intrínseco e o movimento extrínseco. Aí estamos no
caminho para entender o que significa natureza ou essência. Vamos dizer justamente que
natureza é este princípio intrínseco de movimento e repouso. Daí que possamos dizer que é
da natureza do óvulo fecundado ele se desenvolver. Também podemos dizer que é da
natureza do óvulo fecundado que esse movimento tenha um término, tenha um repouso
natural, que o desenvolvimento chegue a um limite natural. Numa certa hora já não é mais
óvulo fecundado mas um sujeito adulto. Então já temos a distinção entre movimento natural
e movimento violento.
No movimento violento nós também podemos distinguir duas espécies de acordo
com a origem do princípio de movimento, de acordo com a natureza da causa eficiente. Nós
podemos dizer que existem movimentos violentos ou não-naturais que são só acidentais e
outros que são propriamente artificiais. Se cai um raio numa árvore e destrói ela esse é um
movimento violento acidental. A intenção do raio não era queimar a árvore. Mas se vai lá
um sujeito, corta a árvore e faz uma mesa, também é um movimento violento para a árvore,
não é natural, mas existe uma intenção consciente nesse movimento. Intenção do agente
externo porque estamos aqui tratando de uma divisão de um movimento que é
necessariamente causado por um agente externo. Todo movimento violento é causado por
um agente externo. Todo movimento que não é causado por um princípio interno tem que
ser causado por alguma coisa: por um princípio externo. E neste podemos distinguir duas
espécies: um aquele movimento que não é ele mesmo intencional mas que é só acidental e
existe um outro que era intencionado mesmo. Se você pega e estuda o relâmpago ou o raio
que queima uma árvore você vai ver que o raio tem uma intenção natural: aquilo é
eletricidade que quando num determinado contexto tende a se mover de um lado para o
outro... e esta é a intenção da eletricidade, mas isto não tem nada a ver com árvore, só
aconteceu de ter uma árvore ali embaixo, a intenção não era modificar a árvore mas era a
eletricidade atingir o seu termo de repouso natural; por acaso a árvore estava no caminho.
Já o movimento do sujeito que corta a árvore para fazer lenha ou para fazer mesa, ele tem
uma intenção de modificar a árvore.
Então distinguimos três espécies fundamentais de movimento distinguidos um do
outro pelo princípio originador: o movimento natural, o movimento artificial e o
movimento acidental.
Para entendermos o que é natureza, dentro aí, nos princípios internos do ente,
também podemos distinguir duas espécies de princípios: a natureza e o hábito. Existem
movimentos que são causados pelo próprio ente mas nem todos são naturais, alguns podem
ser habituais. Por exemplo, o falar não é causado em mim por um princípio natural mas por
um princípio habitual. Eu preciso adquirir o hábito ou a ciência do discurso para poder
falar. O hábito é algo que está incluído ali, a coisa que está mais perto da natureza. Eu só
posso criar um hábito que seja mais ou menos compatível com a minha natureza. Mas que o
hábito não é natureza é evidente pelo fato de que hábitos podem destruir naturezas, eu
posso ter um hábito prejudicial à minha natureza; mas eu não posso ter uma natureza
prejudicial à minha natureza. Eu não posso ter uma natureza cuja inclinação natural seja
não me mover para minha inclinação natural, mas eu posso ter um hábito para isso. E o
hábito também tem que ter como princípio originador um princípio interno. Vocês não
podem me fazer aprender a falar, só eu posso fazer isto. Então este movimento também foi
causado por um princípio interno, mas ele é distinto do movimento natural.
Ficaram claras as quatro espécies de movimentos classificados pelo princípio
originador? É por isso que falamos, quando definimos natureza, que ela é um princípio
intrínseco de movimento e repouso, e não só interno. O hábito visa a perfeição da natureza
mas ele não é diretamente causado pela natureza. Se o hábito de falar fosse causado pela
natureza qualquer ser humano falaria. Mas se você deixar um ser humano para ser criado
por bichos ele não fala. Se ninguém nunca falar com ele, ele não vai aprender a falar. A
possibilidade do hábito é natural mas sua atualidade não é.

Aluno: mas conviver com os outros seres humanos é natural.

Natural aí está sendo usado num sentido equívoco ou até num sentido análogo mas
não no sentido unívoco. Quando eu digo ‘é natural que ele conviva com os outros’ eu quero
dizer que é adequado ou conveniente que ele viva com os outros, mas não natural. Natural é
que ele sinta fome quando ele não come.

Aluno: reprodução é natural? Porque você precisa procurar o outro para reproduzir.

Reprodução é natural. Você precisa procurar o outro mas não precisa falar com ele.
Facilita mas não precisa, não é uma condição necessária. Se fosse uma condição necessária
o mudo não se reproduziria. Os hábitos servem para tornar perfeita a natureza. Neste
sentido análogo eles são naturais mas eles não são naturais no sentido de que há um
princípio intrínseco que leve à realização daquilo. Tem que existir um mediador entre a
natureza e o hábito. Tem que haver um agente que estimule, que dê o exemplo formal do
hábito, tem que existir a causa exemplar do hábito. O ser humano, vendo e ouvindo que os
outros falam, ele percebe que eles são mais perfeitos que ele, que eles conseguem fazer
coisas que ele não consegue, então ele percebe que precisa conseguir. Alguns hábitos
humanos tiveram sua causa exemplar em fenômenos naturais. Todo mundo aqui já ouviu
falar de artes marciais que se desenvolveram pela observação dos movimentos dos animais.
Ora, uma arte marcial é um hábito humano, evidentemente. Mas o sujeito observou
movimentos de animais e tomou aquilo como modelos para determinadas ações humanas.
Mas sem a causa exemplar não dava. Também um acidente pode ser uma causa exemplar.
Um sujeito veio bater no outro, este se defendeu espontaneamente e percebeu que aquele
movimento espontâneo funcionava e isto serviu de causa exemplar. Nós poderíamos dizer
até que a distinção entre hábito e natureza é uma distinção de gradação. Há sujeitos que
dizem que só existe natureza e que o hábito é uma natureza mais débil, e outros que dizem
que tudo é hábito e que a natureza é um hábito mais firmemente consolidado, mais
arraigado. Dá para dizer isto porque hábito e natureza são muito parecidos. Um jeito
provisório de você distinguir os dois é que a natureza é necessário, o movimento natural é
necessário, e o movimento habitual não é necessário mas facilita o natural ou o dificulta. E
aí você terá a distinção entre os bons hábitos e os maus hábitos, ou entre as virtudes e os
vícios. É bom hábito ou virtude o hábito que aprefeiçoa a natureza e é mau hábito ou vício
aquele que dificulta a operação natural. Também por aí fica quase que indicada a hierarquia
dos hábitos. Para hierarquizar os hábitos basta pensar o seguinte: se um ser é o que é pela
nota que o distingue dos outros seres ele é maximamente por esta nota. Por exemplo, se
uma fera é o que é por ser capaz de violentamente agarrar a caça e este é o traço distintivo
da fera, são os hábitos mais necessários à fera enquanto tal aqueles que facilitam justamente
a realização desta nota distintiva e vamos dizer que os melhores hábitos da fera são aqueles
que permitem que ela mais facilmente agarre a presa, porque se ela desenvolve hábitos que
dificultam ela agarrar a presa ela deixa de ser fera, ela perde seu caráter distintivo e perde
seu próprio ser.

Aluno: com os seres humanos é mais complicado.

Será que é? Qual é o traço distintivo do ser humano? A inteligência, a atividade


racional. Então são os melhores hábitos do ser humano justamente aqueles que facilitam
esta operação, porque são os hábitos que o levam a ser maximamente o que ele é. E são os
piores hábitos justamente aqueles que dificultam esta atividade. Está claro? Levantem
objeções.

Aluno: talvez para cada caso particular seja diferente a aplicação da inteligência.

É, isto talvez possa complicar as coisas. Talvez isto exija um discernimento e um


esforço muito grandes. Então vamos dizer: seria bom que existisse um hábito no ser
humano que facilitasse justamente essa aplicação do geral no seu caso particular. Mas
existe esse hábito aí. Vamos pensar o seguinte: se os melhores hábitos do ser humano são
os que facilitam a atividade intelectiva podemos distinguir nestes hábitos de imediato duas
espécies: primeiro, hábitos cujo sujeito seja a própria potência intelectiva. Vamos reparar
que existem sujeitos mais inteligentes e sujeitos menos inteligentes. Vocês nunca repararam
isto aí? São todos igualmente inteligentes? Vocês não conhecem nenhum burro?

Aluno: somos democratas, consideramos todos iguais.

Mas na prática não consideramos a inteligência dos outros igual, não confiamos ou
confiaríamos a todas as pessoas as mesmas tarefas. Estes hábitos vão se chamar virtudes
intelectuais. Existem hábitos que facilitam o conhecimento e que estão localizados na
própria potência intelectiva. Um destes hábitos por exemplo é o entendimento ou
inteligência mesmo. Existem pessoas cuja inteligência é mais penetrante do que a de outras
e que captam mais claramente a verdade do que você está falando, e captam mais
sutilmente, e outros que são mais obtusos e menos penetrantes. Existem outros que uma vez
entendida uma coisa são mais capazes de entender as conclusões disso daí. Um sujeito pode
ter uma inteligência penetrante e depois não conseguir concluir nada, ele só ficou com o
entendimento inicial. E tem outro que é até um pouco obtuso mas de cada coisa que ele
entende ele é capaz de concluir outras. Agora, vamos supor um sujeito que tenha todos os
hábitos que facilitam o exercício da inteligência e que estão sediados na inteligência mas
não tem nenhuma vontade de entender, ele acha que isso é uma perda de tempo. Então este
sujeito não é o melhor equipado para a atividade intelectiva. Ele tem só uma parte do
equipamento necessário. Nós vamos ver que há outros hábitos que facilitam a atividade da
inteligência mas que não estão na inteligência, estão na vontade. Estes hábitos que facilitam
a atividade da inteligência e que não estão sediados na inteligência são as virtudes morais.
Mas podemos pensar no sujeito que até tem vontade de inteligir mas é distraído demais
pelos outros apetites2. Então vão existir hábitos que facilitam que estes apetites obedeçam à
vontade, ao comando da vontade, e que estão sediados não na vontade mas nestes apetites.
Por exemplo, a temperança, hábito pelo qual o apetite concupiscível é moderado nas suas
paixões, o apetite concupiscível do sujeito está habituado a só desejar as coisas numa
medida que não interfere no comando da vontade.

Aluno: e como se chega a estes hábitos?

Aí já é outro problema. Primeiro temos que definir os hábitos, depois ver como se
chega a eles.

Aluno: você lê a Filocalia que você descobre.

A Filocalia é um método completo, está tudo lá. Por enquanto estamos só fazendo
um esqueleto das virtudes. Se eu não definir o que são as virtudes eu não posso definir os
meios para chegar a elas.
A virtude pode ser virtude de um apetite, ou da inteligência. Quando é uma virtude
que está na inteligência é uma virtude intelectual ou intelectiva. E quando é uma virtude
que está num apetite é uma virtude moral. Nas virtudes morais nós vimos que há duas
espécies, uma que está na vontade e outra que está nos outros apetites para que eles
obedeçam à vontade.

Aluno: a virtude do apetite irascível seria a docilidade?

A virtude maior dos outros apetites é a docilidade. Você tem para ela dois modos,
um para o apetite concupiscível, que é a temperança, e outro que é a fortaleza, ou coragem.
Sem fortaleza também não adianta. O sujeito que é capaz de moderar a satisfação dos
desejos para continuar pensando só no conhecimento, ele precisa também ser capaz de
suportar ativamente os sofrimentos, tem que ser capaz de suportar privações que são
impostas pelas circunstâncias e perseverar só pensando no conhecimento. Para isto é
preciso a fortaleza. A fortaleza é um hábito pelo qual o apetite irascível é dócil à vontade.
Do que um cristão que era jogado aos leões precisava para não sair correndo e deixar Jesus

2
Lembrem que o ser humano tem três apetites: intelectivo, concupiscível e irascível.
Cristo para lá? Não é de temperança mas de fortaleza: importa mais esta verdade aqui do
que minha própria vida, eu só capaz até de perder a vida corpórea mas esta verdade eu não
perco não. A virtude que justamente move o sujeito a defender a verdade até a morte é a
fortaleza. Ou quando o sujeito sabe que se afirmar determinada verdade publicamente ele
vai ser caluniado, odiado e desprezado. Mas ele percebe que esta verdade ele tem que
defender publicamente, se ele não defender ele abandonou toda a verdade. O que move o
sujeito a proclamar a verdade? Também é a fortaleza. E os hábitos da própria vontade que
predispõem à atividade da inteligência? Primeiro temos a justiça, que consiste no amor pelo
juízo da inteligência. O justo é o sujeito que ama saber a verdade acerca das coisas, mesmo
quando ele antecipa que saber isto aí vai dar um problemão. Um outro hábito da vontade
em relação à atividade da inteligência é a prudência. Se a justiça é o amor pelo juízo da
razão, pelo juízo da inteligência, a prudência é o amor pelo comando da razão. A razão,
além de julgar fatos, ela comanda atos. O sujeito prudente é o sujeito que antes de agir não
age enquanto não tem o comando da razão. É clara a distinção entre justiça e prudência?
Justiça é o amor pelo juízo da razão, pelo juízo universal da razão, é o amor pelo
conhecimento da verdade.

Aluno: você então não pode fazer justiça.

Não, não pode. Fazer justiça é aumentar o seu amor pela verdade, essa é a única
justiça que você pode fazer. Justiça é uma realidade interna, é um hábito, você só pode
fazê-la dentro de você. Enquanto que prudência é o amor pelo comando da razão. Quer
dizer, a justiça vai implicar comandos particulares para você. Por exemplo, você percebe
que fazer aborto é errado, é mau; suponha que você compreendeu isto. E diante de uma
circunstância você percebe que fazer isto é fazer um aborto. Se você compreendeu o juízo
da razão acerca do aborto, se era certo ou errado, quando você está diante da circunstância
concreta de abortar ou não surge o comando da razão, dizendo: não faça isto. Só existe
comando quando existe a circunstância concreta, quando existe o caso particular. E se o
sujeito chega diante de um ato e ele não sabe a razão definitória daquele ato, ele faz ou não
faz? O homem prudente não faz, porque ele ama o comando da razão. Enquanto ele não é
capaz de definir aquele ato e ver se a razão comanda ou proíbe, ele não faz. O sujeito
imprudente é o sujeito que faz, mesmo sem saber o que é aquilo. Daí concluímos que pode
existir um sujeito imprudente que seja justo. Se ele não conhece a razão do ato particular
ele não está ferindo a justiça, ele está ferindo a prudência. A justiça fica no plano abstrato,
fica no plano geral, enquanto que a prudência é a descida disso daí para o particular.
Recapitulando, começamos falando de natureza e hábito. Existem bons hábitos e
maus hábitos. Bons hábitos são os que levam um ente natural à sua perfeição natural e à sua
máxima distinção em relação aos entes não dotados daquela natureza. A razão distintiva de
um ente é evidentemente sua perfeição. Uma lâmpada é lâmpada na medida em que
ilumina. E falamos que há alguns entes capazes de hábitos, capazes de princípios de
operação que tornam mais perfeita ou mais fácil a sua operação natural ou seu fim natural,
que tornam mais perfeita ou mais fácil sua razão essencial. Estes são os bons hábitos. Os
maus hábitos são os que impedem ou dificultam a realização do fim natural, do termo
natural ou da razão essencial. Nós daí pulamos do geral para o particular: se isto é assim
para todos os seres, no caso do ser humano a razão distintiva dele é a inteligência, é a
racionalidade., logo, são bons hábitos para o ser humano todos aqueles que facilitam ou
aperfeiçoam a operação racional, e são maus hábitos todos aqueles que dificultam ou que
impedem a operação racional. E vimos que alguns hábitos que facilitam a operação racional
estão na inteligência e outros não, estão sediados fora da inteligência, em outras potências.
Isto aí já nos dá um outro critério de distinção de natureza e hábito. A natureza tem por
sujeito a própria substância, o próprio sujeito essencial, e o hábito tem por sujeito a própria
potência. Só pode ser racional se é alguém, se é algo, e vamos dizer que a natureza tem por
sujeito este alguém. O hábito tem por sujeito as potências desse alguém. É clara a distinção
entre o sujeito primeiro e o sujeito segundo, entre o sujeito da natureza e o sujeito dos
hábitos? É só pensar o seguinte: o homem é um animal racional, então existe uma
substância que é sujeito da natureza, da razão formal ‘animal racional’. É o sentido comum
que é sujeito dessa natureza? É a vontade que é um animal racional? É a inteligência que é
um animal racional? Não, não é nenhuma dessas partes, é um sujeito individual. Estas
potências são potências do sujeito, mas não são o sujeito.

Aluno: o sujeito (?) não é a soma das partes.

Não, eu só estou distinguindo o sujeito das partes. Se ele é a simples soma das
partes ou se ele é algo mais do que a soma das partes, por enquanto não me interessa. O que
interessa é que o sujeito não é essa parte, o sujeito de ‘animal racional’ não é a vontade. Eu
não posso dizer: a vontade é um animal racional. Quando eu digo que algo é um sujeito de
uma razão formal quer dizer que eu posso afirmar esta razão formal desse sujeito, quer
dizer que ela pode ser o predicado de uma frase onde “algo” é sujeito. A razão formal que
temos aqui é ‘animal racional’. Eu não posso afirmar ‘a vontade é um animal racional’ ou
‘o apetite concupiscível é um animal racional’. O sujeito da razão formal ‘animal racional’
não é nenhuma destas potências, mas é o sujeito destas potências. Agora, o sujeito do
hábito não é esse aí, o sujeito do hábito são as potências. Quando eu digo que um homem é
prudente é por algo que está nele como sujeito da razão ‘animal racional’ ou por algo que
está nele porque ele tem vontade? Está na vontade. Eu não posso dizer que a prudência dele
está no apetite concupiscível, no sentido comum, na visão ou no estômago. O sujeito da
prudência é uma potência, o sujeito da natureza é uma substância. Este é outro meio de
distinguir hábito e natureza. Por isso que também não é simples chegar e falar que hábito e
natureza são exatamente a mesma coisa, em gradações diferentes. Um dos argumentos para
dizer que natureza e hábito são coisas completamente diferentes pode ser este: o sujeito é
intrinsecamente distinto, o sujeito da natureza é um sujeito primeiro e o sujeito do hábito é
um sujeito segundo, é um sujeito que existe em uma substância e não é uma substância.
Por que vai ser importante definirmos a natureza dos hábitos, depois distinguir quais
são as potências que podem ser sujeito de hábitos, de que espécie de hábitos e quais não
podem? Porque uma das questões que vai ser levantada no curso, que visa explicar
fundalmentalmente o que é astrologia e o que não é, uma hora vai se levantar uma questão:
a astrologia não nega o livre-arbítrio? Dizer que o sujeito é igual a seu mapa astrológico
não acaba com o livre-arbítrio? Para responder a esta pergunta vamos ter que definir muito
claramente o que é livre-arbítrio. E para definir o que é livre-arbítrio vamos ter que
entender muito bem quais são as potências que dão livre-arbítrio para o sujeito do livre-
arbítrio. É fácil dizer que o livre-arbítrio se localiza na vontade, e que o sujeito é livre
porque tem vontade. Mas qual é a razão formal que faz com que esta potência, vontade,
seja intrínsecamente livre? Em que consiste a liberdade dela? O que é ser livre? Se nós não
entendermos isso aí e depois não entender o que é um mapa astrológico não vamos
entender se uma coisa nega a outra ou não, se uma coisa exclui a outra ou não.
Aluno: são sete virtudes então?

Se eu falei sete foi só coincidência. Existem cinco virtudes intelectuais principais e


cinco virtudes morais principais. Se quisermos listar todas, a definição não será dada agora,
podemos listar, mas é melhor esperar para dar nomes e definir as virtudes.

Aluno: a vontade é uma virtude?

A vontade é uma potência, uma virtude vai ser um hábito que torna a vontade mais
perfeita para seu próprio hábito, mais capaz do seu próprio ato. Uma virtude é algo que
permite que uma potência opere maximamente e um vício é um hábito que dificulta ou às
vezes até impede a operação de uma potência.

Aluno: a vontade fica entre a virtude ou vício e o sujeito.

Isso, fica entre o sujeito e as virtudes e vícios, porque ela é o sujeito direto de alguns
hábitos. Ela fica pelo menos entre o sujeito e algumas virtudes e vícios, aquelas que se
sediam na vontade mesma. Quer dizer, entre o sujeito substancial, a substância, e a virtude
e o vício. Um sujeito é capaz de justiça ou injustiça porque ele é um sujeito que tem
vontade. Você pode dizer que de certo modo a vontade é a matéria da virtude e do vício. Na
verdade vamos dizer que a vontade é o agente e que a matéria são as possibilidades da
vontade. Se a vontade é uma potência isto quer dizer que ela torna certas coisas possíveis
para o ente.

Aluno: Santo Agostinho diz que ‘as virtudes são da mesma matéria que os vícios’.
Que matéria é esta?

Esta matéria são as possibilidades abertas pela potência. Vamos pensar o seguinte:
um oleiro é capaz de fazer bons vasos e maus vasos; ele pode fazer bons vasos e maus
vasos com a mesma matéria, com o mesmo barro ele pode fazer um vaso bom ou um vaso
ruim. Pouco importa por enquanto de que isto vai depender, se da arte, da vontade, mas a
matéria é a mesma. Se pega um sujeito que não sabe fazer vasos ele provavelmente não vai
fazer um bom vaso. Um sujeito que é especialista com o mesmo barro faz um vaso
excelente.

Aluno: porque falta a arte.

Eu não estou procurando a razão, só estou dizendo que com o mesmo barro ele pode
fazer um bom ou um mau vaso. A razão pouco nos importa, por enquanto, porque
queremos clarear a idéia de que a matéria das virtudes e dos vícios é a mesma; a matéria do
vaso bom e do vaso ruim é a mesma. Esta analogia é até bastante precisa porque um vaso é
um instrumento que facilita uma operação. Vamos mudar vaso para copo. O que é um
copo? É um instrumento para beber, é um instrumento para facilitar uma operação. Você
poderia beber sem o copo mas é mais fácil com ele. Então um copo é perfeitamente
comparável a uma virtude. Um bom copo é aquele que facilita a operação beber. Um bom
hábito é aquele que facilita a operação da potência. Um mau copo é aquele que dificulta,
um copo sem fundo. Também um vício é um hábito que dificulta a operação de uma
potência. Agora, os dois copos foram feitos da mesma matéria, não foram? Também os dois
hábitos aí, o bom e o mau, foram feitos da mesma matéria. Para ver e definir claramente
esta matéria só um pouco mais adiante. Vamos ter que numa próxima etapa pegar o
seguinte: quais são os atos possíveis para a vontade? O que um ser pode fazer quando ele
tem vontade? De que ele se torna capaz porque ele tem vontade? E vamos ver que a
vontade é capaz de um monte de atos. Uma única potência pode ser capaz de vários atos
diferentes, do mesmo jeito que uma única arte pode ser capaz de produzir vários produtos
diferentes. Então fica para a próxima aula começarmos a pegar as potências e ver quais são
os hábitos de que elas nos tornam capazes, porque é por aí que vamos entender qual é a
matéria dos atos. A matéria de uma potência é o objeto dela, é aquilo sobre o qual ela age.

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