Você está na página 1de 3

Devemos parar de admirar Paul

Gauguin?
Numa época de sensibilidade extrema às questões de gênero, raça e colonialismo, exposição de
obras do pintor impulsiona questionamentos

Farah Nayeri, The New York Times


02 de dezembro de 2019 | 06h00

LONDRES – “Está na hora de pararmos de vez de olhar Gauguin?” Esta é a pergunta espantosa que os
visitantes ouvem no guia áudio, circulando pela mostra Gauguin Portraits na National Gallery, em
Londres. A mostra, que irá até 26 de janeiro, exibe autorretratos do pintor, retratos de amigos, de
colegas artistas, dos filhos que ele teve e das jovens com as quais viveu no Taiti.

O retrato que se destaca na exposição é Tehamana tem muitos pais (1893), da amante adolescente de
Gauguin, segurando um leque. O artista “manteve frequentemente relações sexuais com adolescentes,
‘casou’ com duas delas e teve filhos”, diz  o texto na parede. “Indubitavelmente, Gauguin explorou sua
posição de ocidental privilegiado para aproveitar da liberdade sexual de que desfrutava”.

Nascido em Paris, Gauguin passou os primeiros anos de sua vida no Peru, antes de  regressar à França.
Começou a pintar com pouco mais de 20 anos e viajou para Taiti de barco em 1891. Gauguin
viveu grande parte dos 12 anos restantes de sua vida no Taiti e na ilha de Hiva Oa, na Polinésia
francesa.

No universo dos museus, Gauguin é um sucesso de bilheteria. Entretanto, em uma época de extrema
sensibilidade às questões de gênero, raça e colonialismo, os museus estão reavaliando o seu legado.

Há cerca de vinte anos, uma mostra sobre o mesmo tema “teria sido um grande negócio principalmente
sobre a inovação formal”, disse Christopher Riopelle, um dos curadores da mostra da National Gallery.
Agora, tudo deve ser revisto em um contexto muito mais pormenorizado". “Não acho mais que seja
suficiente dizer: ‘Bom, eles se comportavam assim naquela época’ ,” afirmou.

A mostra é uma co-produção com a National Gallery do Canadá em Ottawa, onde abriu no fim de maio.
Dias antes da inauguração, a diretora do museu que havia sido nomeada pouco tempo antes, Sasha
Suda decidiu editar alguns dos textos afixados ao lado dos quadros. Nove rótulos foram mudados para
evitar  linguagens culturalmente insensíveis. Em outros lugares, o seu “relacionamento com uma jovem
taitiana” mudou para “o seu relacionamento com uma menina taitiana de 13 ou 14 anos”.

A mostra deveria “ter tratado destas questões de uma maneira mais aberta e transparente que falasse ao
público contemporâneo,”  indicou Suda em uma entrevista. Tratar dos “pontos cegos” da obra de
artistas históricos “poderia tornar estes artistas mais relevantes”, acrescentou. Para outros profissionais
dos museus, o reexame da vida de artistas do passado, da perspectiva do século 21, é arriscado.

“Eu posso ter horror e sentir asco pela pessoa, mas a obra é a obra”, explicou Vicente Todoli, diretor
artístico da fundação de arte Pirelli HangarBicocca de Milão. “Uma vez que um artista cria algo, isto
deixa de pertencer ao artista, passa a pertencer ao mundo”.
/
Entretanto, Ashley Remer, uma curadora da Nova Zelândia, que em 2009 fundou
a girlmuseum.org, um museu online sobre a representação de meninas na história e na cultura, insistiu
que, no caso de Gauguin, as ações do homem foram tão escandalosas que ofuscaram a obra. “Ele foi um
pedófilo arrogante, superestimado, paternalista, chegando a ser tosco”, afirmou.

Mesmo para os seus admiradores, Gauguin é um convite ao questionamento. “Adoro seus quadros, mas
acho que ele é um tanto estranho”, comentou Kehinde Wiley, pintor afro-americano que descreveu
Gauguin como um dos seus ídolos, ao ser entrevistado em 2017 em um filme da National Gallery. “A
maneira como ele pinta estes corpos negros do Pacífico transmite a sensação do seu desejo. Mas como
mudar a narrativa? Como mudar a maneira de olhar?”.

Para garantir que o legado artístico de Gauguin não seja manchado por seus “casamentos” com
adolescentes, estes relacionamentos deveriam permanecer cobertos nas exposições, segundo Line
Clausen Pedersen, curadora dinamarquesa que organizou várias mostras de Gauguin. Em cada
exposição, “retira-se outra camada da proteção da história de que ele de certo modo se
aproveitou”, disse. “Talvez tenha chegado o momento de arrancar mais camadas do que antes”. E
acrescentou: “O que resta dizer a respeito de Gauguin é que devemos retirar toda a sujeira”. /
TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

Tudo o que sabemos sobre: exposição museu Paul Gauguin

Encontrou algum erro? Entre em contato

DESTAQUES EM INTERNACIONAL

Equador não consegue recolher os


corpos de vítimas do coronavírus

Por que o coronavírus mata menos na


Alemanha do que em outros países?

China ocultou extensão do surto de


coronavírus, diz a inteligência dos EUA

Tendências:
Brasil está com um grande problema com o vírus, diz Trump após falar com Bolsonaro ao telefone

Quem é Tedros Adhanom Ghebreyesus, o chefe da Organização Mundial da Saúde?

Equador não consegue recolher os corpos de vítimas do coronavírus

Com medo de nova contaminação, China começa a se abrir em marcha lenta

/
/

Você também pode gostar