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A Emergência Socioambiental

Para o autor, José Eli da Veiga, falta um olhar socioambiental sobre a


realidade: aquele em que homem e natureza sejam indissociáveis e que
as soluções para as questões sociais e ambientais sejam integradas

Maura Campanili
Planeta Sustentável - 19/09/2007

Se um país relaxar suas leis ambientais, irá acelerar o seu crescimento


econômico? Essa pergunta, que tem permeado o debate no Brasil, é talvez o
principal foco do livro "A emergência socioambiental" (Editora Senac-São
Paulo).

A resposta, segundo seu autor, o economista José Eli da Veiga, é sim, num
primeiro momento. Da mesma maneira, se forem flexibilizadas as legislações
contra o trabalho infantil ou escravo, também será mais fácil crescer.

O que Veiga procura mostrar com essa provocação é que o aumento do


Produto Interno Bruto (PIB) não significa desenvolvimento humano ou
desenvolvimento sustentável. E que os riscos e incertezas que as sociedades
enfrentarão por conta da degradação ambiental tornam emergente um novo
olhar sobre a realidade, um olhar socioambiental, ou seja, aquele em que
homem e natureza sejam indissociáveis e que as soluções para as questões
sociais e ambientais sejam integradas.

Dirigido a leigos, estudantes universitários e ativistas da área socioambiental, o


livro, ao invés de trazer casos de sucesso em estratégias empresariais ou de
governança, prefere colocar os holofotes sobre os principais focos de
resistência detectados no debate público sobre o processo de
desenvolvimento.

Com uma linguagem muito acessível e para ser lido quase de um fôlego só, a
publicação mostra, por exemplo, que o Brasil, com desempenho econômico a
passos de tartaruga, conseguiu progredir muito mais no Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH), da ONU, entre 1985 e 2003, do que países
que tiveram desempenho econômico superior, como China, Índia, Coréia ou
Chile.
No prefácio, Fernando Gabeira diz que "o livro de José Eli da Veiga vai
transformar nosso enfoque do crescimento econômico. Depois dele, as
grandes discussões sobre aumento do PIB serão relativizadas". Para o autor, o
PIB é um falso indicador de riqueza, pois "como o cálculo não inclui a
depreciação de importantes ativos, não existe maneira mais fácil de aumentar o
PIB do que abusar da depleção de recursos humanos e naturais.

Com superexploração do trabalho e/ou da natureza, ele só aumenta, ao


mesmo tempo em que diminuem as riquezas verdadeiras. Foi o que aconteceu,
por exemplo, no Brasil do famoso 'milagre econômico' (1968-1973), campeão
de acidentes de trabalho, mortalidade infantil e devastação transamazônica.

Professor titular do Departamento de Economia da Faculdade de Economia,


Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), onde
coordena o Núcleo de Economia Socioambiental (Nessa), e autor de diversos
livros e artigos, José Eli da Veiga mostra, por exemplo, porque o crescimento
econômico tem sido tão grande na China, onde não há limites aos acidentes de
trabalho em milhares de minas de carvão que lembram as condições de vida
do proletariado inglês do século XVIII e onde não há um órgão ambiental -
como o Ibama -, ou procuradores, promotores ou juízes que tentem evitar os
piores impactos ambientais de qualquer investimento.

O economista lembra que sociedades que não se preocupam com essas


questões estão ameaçadas de sofrer colapsos semelhantes aos que liquidaram
muitas civilizações antigas, como a dos maias, cuja população chegou a 50
milhões antes de - literalmente - se destruir por falta de recursos naturais. "É
preciso que o crescimento econômico respeite os limites da natureza em vez
de destruir seus ecossistemas. E que dê, assim, uma chance às gerações
futuras de que também possam progredir", diz.

Mas isso não quer dizer que o Brasil deva se conformar com o melancólico
aumento do PIB per capita do último quarto de século. Segundo Veiga, o maior
investimento brasileiro deve ser em Ciência e Tecnologia, para fazer frente aos
doze principais desafios ambientais do planeta: perda de hábitat, fontes
protéicas, biodiversidade e solos; falta de energia, água doce e capacidade
fotossintética; problemas gerados pelos químicos tóxicos, espécies exóticas e
gases de efeito estufa ou danosos à camada de ozônio; e o crescimento da
população e suas aspirações de consumo.

Assim, o PIB brasileiro só voltará a aumentar com firmeza quando surgirem os


efeitos de imprescindíveis investimentos em inovação, umbilicalmente
dependentes de avanços na educação científica e dos demais coringas
intangíveis que têm sido chamados de capital humano e de capital social.

Para o economista, o que os humanos devem decidir - ao adotarem ou não


uma postura socioambiental - é "se procurarão se aproximar, devagar, desse
fim inevitável ou se preferirão gozar, intensamente, de uma permanência bem
mais curta, porém muito mais excitante. E será impossível que evitem o
drástico encurtamento de sua existência se não estiverem convictos de que,
sim, podem progredir.
Ao contrário de todo o resto da natureza, as sociedades humanas vivem em
simbiose com suas culturas, o que permite que conhecimentos e experiências
adquiridos pelos mais maduros sejam transferidos aos que os sucedem".

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