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Direito Empresarial III – Títulos de Crédito

Noções gerais

Paulo Perilli.
Crédito
• Pilares da atividade empresarial: crédito, rapidez e segurança.

• O que é crédito? “Confiança no cumprimento das obrigações”.

• Três óticas: moral, econômica e jurídica.


Crédito
• Acepção moral: do latim, creditum, credere. Confiar, ter fé. Ter crédito
representa despertar confiança.

• Acepção econômica:
1) “É a troca no tempo e no espaço” (Charles Gide).
2) “É a permissão de usar um capital alheio” (Stuart Mill).
3) “É o saque contra o futuro”.
4) “Confere poder de compra a quem não dispõe de recursos para realiza-
lo” (Werner Sombart).
5) É a troca de uma prestação atual por uma futura.
Crédito
• Acepção jurídica:
1) “Crédito é uma transação entre duas partes, na qual uma delas (o
credor) entrega a outra (o devedor) determinada quantidade de
dinheiro, bens ou serviços, em troca de uma promessa de
pagamento” (Maria Bernardete Miranda).

2) “É a relação de confiança entre dois sujeitos, mas sendo um que


concede o crédito e o outro que se beneficia (não necessariamente
o recebe), mediante a troca de um valor presente e atual por um
valor futuro” (Marlon Tomazette).
Crédito
• Elementos: confiança e tempo.

• Confiança subjetiva e objetiva.

• Exemplos de confiança objetiva: prestação de garantias reais, fidejussórias,


consulta a sistemas de proteção do crédito.

• Corrente minoritária: confiança, prazo, interesse (juros remuneratórios) e


risco.
Crédito
• Importância na economia: imediata circulação e mobilização de
riquezas. Permite a melhor utilização do capital existente.

• Beneficia a produção, prestação de serviços e demais atividades


econômicas.

• Para tanto, precisa de certeza, segurança e facilidade.


Crédito
• Classificações: sob diversas perspectivas.

1) Quanto às garantias:
1.1) Crédito real – penhor ou hipoteca. Registro no CRI ou CRI/CTD.
1.2) Crédito pessoal – aval ou fiança.

2) Quanto à finalidade:
2.1) Crédito de consumo.
2.2) Crédito de produção.
Crédito
3) Quanto ao instrumento (forma de representação):
3.1) Por contrato.
3.2) Por título de crédito.
3.3) Por contrato ou título de crédito.
Títulos de Crédito
• A tutela do direito empresarial não é sobre o comerciante, mas sobre
o crédito.

• Teoria geral dos títulos de crédito: permite uma disciplina uniforme


para documentos diversos (títulos) com características comuns.

• Direito alemão: não se restringe a títulos, mas a qualquer documento


necessário para exercício do direito a que se refere.
Títulos de Crédito
• Conceito: Alberto Asquini – “É o documento de um direito literal destinado
à circulação, idôneo para conferir, de modo autônomo, a titularidade de tal
direito ao proprietário, e necessário e suficiente para legitimar o possuidor
ao exercício do próprio direito”.

• Código Civil – Art. 887. O título de crédito, documento necessário ao


exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito
quando preencha os requisitos da lei.

• Extraem-se três características fundamentais: cartularidade ou


incorporação, literalidade e autonomia das obrigações.
Títulos de Crédito
• Justifica-se a tutela apartada dos títulos de crédito das obrigações em
geral, pelo direito civil.

• Funções: principal – permitir de modo simples, rápido e seguro a


circulação de bens e direitos. Também, provar ou constituir a
obrigação cambiária (obrigação consolidada no título).

• Com a rápida circulação, tem espaço a pronta realização do crédito,


mesmo com deságio.
Títulos de Crédito
• Típicos e atípicos: divergência doutrinária.

• Contrariamente: Ulhoa, Bulgarelli e Mamede. Disciplina legal é numerus


clausus. “Tipicidade existe para dar segurança aos envolvidos”.

• Favoravelmente: Engrácia Antunes e Tomazette. Somente a lei poderia


aplicar a cartularidade, mas para isso se presta o regime geral (Código Civil,
art. 887 a art. 926).

• Requisitos: art. 889 e art. 907 do Código Civil.


Títulos de Crédito
• Posicionamento do STJ: REsp nº 1.633.399/SP, de Relatoria do Ministro Luis Filipe Salomão, é
ratificada a possibilidade dos títulos atípicos.

Não significa que não


é norma cogente
(dispositiva).
Títulos de Crédito
Títulos de Crédito
Títulos de Crédito – Características
1) Tutela do direito empresarial.

2) Bem móvel (tradição). LUG, art. 16.

3) Natureza pro solvendo.

4) Circulação.
Títulos de Crédito – Características
5) Título de apresentação.

6) Obrigação quesível (quérable).

7) Título de resgate.

8) Executividade (mitigada).
Títulos de Crédito – Características
9) Presunção de liquidez e certeza.

10) Formalismo.

11) Solidariedade cambiária.


Títulos de Crédito – Princípios
• Cartularidade ou incorporação: necessidade de um documento (ainda que
eletrônico) para exercício do direito creditício. O título “incorpora” o direito
de forma tal que sua circulação transfere a titularidade do crédito.

• Literalidade: “o que vale é o que está escrito no título”. Dá certeza quanto à


natureza, conteúdo e modalidade de prestação devida.

1) Exceção: Lei nº 5.474/1968 (Lei das Duplicatas), art. 10 – compensação


com créditos do devedor autorizados.
2) Literalidade indireta: remissão no título ou origem na lei. Boa-fé.
Exemplo: juros de mora (LUG, art. 48, 2º).
Títulos de Crédito – Princípios
• Autonomia: independência entre as obrigações do título perante credores
e devedor sucessivos. O possuidor de boa-fé não é afetado por questões
precedentes (inoponibilidade das exceções pessoais).

• Exemplo: A (emitente) C (credor originário D (credor atual –


B (avalista) – endossante) endossatário)

“A” era absolutamente incapaz e não foi representado no ato. Sua obrigação
é nula (CC, art. 166, inciso I), mas o título e demais obrigações (de “B” e “C”)
não. Isso se diga também se a assinatura for falsa. LUG, art. 7º.
Títulos de Crédito – Princípios
• Abstração: desvinculação do negócio jurídico originário, que não lhe afeta.
Garantia à circulação, pois o adquirente não precisa conferir o negócio
subjacente

• Exemplo: A (emitente) B (credor originário C (credor atual


dívida de jogo - endossante) - endossatário)

• STJ, 03ª Turma, Recurso Especial nº 612.423/DF: “comprovada, todavia, a


ciência, pelo terceiro adquirente, sobre a mácula no negócio jurídico que
deu origem à emissão do cheque, as exceções pessoais do devedor passam
a ser oponíveis ao portador, ainda que se trate de empresa de factoring”.
Títulos de Crédito – Princípios
• Afasta-se a abstração quando:
(i) O credor participou no negócio subjacente: aqui não há abstração.
(ii) Quando o credor sabia dos vícios do negócio subjacente: Recurso
Especial nº 612.423/DF.
(iii) Quando o credor deveria saber dos vícios do negócio subjacente:
não é ciência inequívoca, como no item (ii), mas possibilidade de
ciência, traduzida por remissão no título. Dever do adquirente de
verificar a origem causal do título.
Títulos de Crédito – Princípios
• Independência: título vale por si só e basta em si mesmo.

• Não é absoluta, sendo mitigável pela lei ou pela vontade das partes.

• Exemplos: CCR – orçamento (Decreto 167/1969, art. 3º).


CCB – “planilha de cálculo”/extrato (Lei nº 10.931/2004,
art. 28, parágrafo 2º).
Títulos de Crédito – Fonte da obrigação
cambiária
• Natureza jurídica:
1) Teorias contratualistas: contrato cambiário firmado entre as partes,
distinto do negócio subjacente. Crítica: não coexiste com a circulação,
pois a manifestação de vontade do devedor seria adstrita ao credor
originário.

2) Teoria da aparência: a obrigação independeria da vontade do subscritor,


estaria pautada na aparência da vontade do devedor (independente da
vontade específica). Mesmo que a vontade fosse viciada, o título surtiria
efeitos legais da emissão e circulação. Crítica: a aparência não pode criar
obrigação, que só surge com vontade validamente manifestada.
Títulos de Crédito – Fonte da obrigação
cambiária
• Natureza jurídica:
3) Teoria do duplo sentido da vontade: a declaração de vontade seria
unilateral perante terceiros (derivada da simples assinatura), mas
perante o credor decorreria do negócio jurídico subjacente (logo,
teria natureza contratual). Crítica: a vontade só possui um sentido.

4) Teoria da declaração unilateral de vontade: para surgir a obrigação


cambial, bastaria uma única declaração de vontade, em razão da
autonomia e abstração. Título não é mero documento probatório,
mas portador da obrigação.
Títulos de Crédito – Fonte da obrigação
cambiária
• Natureza jurídica:
4.1) Teoria da criação: aperfeiçoamento com a criação do título (simples
assinatura). Crítica: distinção entre perfeição do título e sua eficácia e
irrevogabilidade.

4.2) Teoria da emissão: negócio jurídico composto por dois atos, assinatura e
entrega. Necessidade de tradição.

4.3) Teoria dos três momentos (Pontes de Miranda): (i) subscrição do título
(perfeição jurídica), (ii) entrega ao credor (eficácia – surgimento do crédito),
e (iii) apresentação para pagamento (nascimento da obrigação cambiária).
Títulos de Crédito – Lado ativo da obrigação
• Teorias sobre o lado ativo da obrigação cambiária:
1) Teoria dos créditos sucessivos: “a cada sucessivo titular do direito
cartular correspondem créditos sucessivos e diversos”. Crítica: qual
o destino do crédito anterior? O direito de crédito é único.

2) Teoria da delegação: o emitente do título delega ao credor original


poderes para transferir o direito creditício a novo titular, e assim em
diante (cadeia de delegações). Crítica: vícios na cadeia
prejudicariam a transmissão dos poderes de delegação, afastando a
tutela do terceiro de boa-fé, atual titular.
Títulos de Crédito – Lado ativo da obrigação
• Teorias sobre o lado ativo da obrigação cambiária:
3) Teoria da cessão de crédito: a circulação do título envolveria cessões
de crédito pelo regime contratual. Crítica: não é regulamentação
hábil para a tutela dos títulos de crédito, a exemplo do art. 290
(notificação do devedor para eficácia da cessão).

4) Teoria da personificação do título: título seria um sujeito de direito,


por isso o seu titular teria as prerrogativas cambiárias. Crítica: uma
coisa não pode ser personificada.
Títulos de Crédito – Lado ativo da obrigação
• Teorias sobre o lado ativo da obrigação cambiária:
5) Teoria do crédito alternativo: o título representaria obrigação
alternativa (a qualquer que fosse seu titular). Crítica: indeterminação
do sujeito não se confunde com obrigação alternativa.

6) Teoria da pendência: o título estaria perfeito mas o crédito ainda


não, estaria pendente, somente surgindo com o vencimento, quando
se conheceria o titular definitivo. Crítica: como justificar a tutela
jurídica protetiva do titular antes do vencimento?
Títulos de Crédito – Lado ativo da obrigação
• Teorias sobre o lado ativo da obrigação cambiária:
7) Teoria da promessa à generalidade: a emissão do título dirigiria a
vontade do devedor à generalidade indeterminada de pessoas.
Credor somente seria identificável no momento do exercício do
direito. Crítica: como explicar os títulos nominativos? Generalidade
não pode ser sujeito de direitos.

8) Teoria da propriedade: o direito creditício decorre da propriedade,


que poderia derivar mesmo de uma posse de boa-fé (aquisição non
domino).
Títulos de Crédito – Classificações
• Quanto à natureza dos direitos incorporados:
1) Abstratos: o título não depende da relação que lhe deu origem, é
incondicional frente o titular de boa-fé. Exemplos (em tese):
cheques, letras de câmbio e nota promissória.

2) Causais: o título está intrinsecamente ligado à relação que lhe deu


origem. As partes podem tornar um título abstrato em causal.
Exemplo: duplicata – está sempre ligada a uma relação de compra e
venda ou prestação de serviços.
Títulos de Crédito – Classificações
• Quanto ao modo de circulação:
1) Nominativos: o proprietário será aquele constante do registro do emitente
(como no livro de registro de duplicatas).
Sua circulação depende da cooperação do emitente, por meio de termo de
cessão ou transferência no registro do emitente, assinado pelo proprietário e
pelo adquirente (art. 922 do Código Civil).
É admitida circulação por endosso em preto, mas deverá ser averbada no
registro do emitente, podendo o emitente exigir a comprovação de
autenticidade (art. 923 do Código Civil).
Cadeia de endossos e emissão de novo título.
Exemplos: letra imobiliária garantida.
Títulos de Crédito – Classificações
• Quanto ao modo de circulação:
2) À ordem: o nome do beneficiário consta do título, com cláusula “à ordem”, pela qual pode ser
transferido por simples endosso.
É obrigatória na duplicata (Lei nº 5.474/1968, art. 2º, parágrafo 1º), presumida na letra de câmbio e
nota promissória (LUG, art. 11) e no cheque (Lei nº 7.357/1985, art. 17).
Pode ser limitada pela vontade das partes.
3) Não à ordem: o nome do beneficiário também consta do título, com cláusula “não à ordem”,
tornando defeso o endosso.
A circulação se dará por cessão de crédito, a ser assinada por cedente e cessionário. Requisitos dos
art. 288 e art. 290 do Código Civil.
Não é presumida, precisa estar expressa. Não admitida na duplicata.
Títulos de Crédito – Classificações
• Quanto ao modo de circulação:
4) Ao portador: o nome do beneficiário não consta do título, podendo exercitar o
direito creditício aquele que simplesmente apresenta-lo. Circula apenas pela
tradição (art. 904 do Código Civil).

Depende de autorização de lei específica (logo, títulos atípicos não podem ser
ao portador).

Art. 909. O proprietário, que perder ou extraviar título, ou for injustamente


desapossado dele, poderá obter novo título em juízo, bem como impedir sejam
pagos a outrem capital e rendimentos (adoção pontual do legislador pela
teoria da emissão).
Títulos de Crédito – Classificações
• Quanto à estrutura:
1) Ordem de pagamento: emitente/sacador dá ordem para
terceiro/sacado realizar o pagamento ao beneficiário/tomador. É
promessa de fato de terceiro. Exemplos: letra de câmbio, cheque.

2) Promessa de pagamento: o próprio emitente assume a obrigação


de pagar. É promessa de fato próprio. Exemplo: nota promissória.
Títulos de Crédito – Classificações
• Quanto ao modelo:
1) Vinculados: não basta atender às formalidades legais, é necessário
observar um modelo próprio estabelecido pela legislação. Exemplo:
cheque, estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional – CMN.

2) Livres: não há modelo, somente requisitos legais de informações


que deverão conter. Exemplos: letra de câmbio e nota promissória.
Títulos de Crédito – Classificações
• Quanto à pessoa do emitente:
1) Públicos: emitidos por pessoas jurídicas de direito público.
Exemplo: entes federativos, por meio de títulos da dívida pública –
Letra do Tesouro Nacional.

2) Privados: emitidos por pessoas físicas ou jurídicas de direito


privado.
Títulos de Crédito – Classificações
• Quanto à prestação:
1) Valor em dinheiro: são a regra no direito empresarial, quantia
líquida e certa, em dinheiro. Exemplos: nota promissória, cheque,
letra de câmbio, duplicata e cédulas de crédito.

2) Representativos: tem por objeto mercadorias ou bens. Exemplos:


conhecimento de depósito e Cédula de Produto Rural.
Títulos de Crédito – Classificações
• Quanto ao prazo:
1) À vista: vencimento indeterminado, exigível mediante apresentação
ao sacado ou devedor emitente. Exemplo: cheque.

2) À prazo: há data de vencimento escrita no documento.


Títulos de Crédito – Classificações
• Quanto à complexidade:
1) Simples: conferem apenas um direito ao titular, de receber a
prestação (valor ou bens). Exemplos: nota promissória, cheque e
letra de câmbio.

2) Complexos: conferem mais de um direito ao titular. Além da


prestação, fará jus ao recebimento de juros periódicos ou
participação nos lucros, por exemplo.
Títulos de Crédito – Classificações
• Quanto às informações:
1) Completos: todas as informações já constam do teor do próprio
documento. Exemplos: cheque, nota promissória e letra de câmbio.

2) Incompletos: dependem de outros documentos (geralmente por


remissão), pois não são suficientes para determinar todo conteúdo
dos direitos e obrigações cambiárias. Literalidade indireta.
Exemplos: Cédula de Crédito Bancário (planilha de cálculo) e Cédula
de Crédito Rural (orçamento).
Títulos de Crédito – Classificações
• Quanto à quantidade:
1) Singulares: apenas um título é emitido, em caráter específico, para
uma operação entre duas partes.

2) Em série: emitidos em massa, uma única operação equivale a vários


títulos, assegurando direitos idênticos, diferenciando-se apenas
pela numeração. Exemplo: títulos da dívida pública.

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