Cândido Guerreiro
2010
Cândido Guerreiro
Poeta
Cândido Guerreiro
1871-1953
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A Cândido Guerreiro
Emiliano da Costa
Cândido Guerreiro
e a sua aldeia
Uma das características que, porventura, mais imediatamente se associam ao poeta Cândido
Guerreiro - e que tem, sem dúvida, contribuído para consolidar o seu estatuto na literatura
portuguesa - é a de prolífico cultor do soneto. Sendo uma parte muito substancial da sua poesia
constituída pelo trabalho sobre esta forma, não é de estranhar que diversos estudiosos tenham
destacado a importância que ela assume no perfil poético do Autor. Deste modo, recorde-se,
a título de exemplo, que David Mourão-Ferreira se refere ao «apuro formal dos seus sonetos1»
e que João Gaspar Simões, para além de considerar que «Cândido Guerreiro é sonetista por ex-
celência2» , e de o reconhecer como «sonetista exímio3» , chega mesmo a propor uma leitura
da poesia a partir de uma categorização dos sonetos (os quais, de acordo com a perspectiva do
crítico, poderiam «ordenar-se em três géneros: o filosófico, o pictural e o erótico.»4).
Importará, aliás, sublinhar que é à colectânea Sonetos, dada à estampa em 19045, que Cândido
Guerreiro «deve a consagração6» , conforme afirma Óscar Lopes, apesar de não ser esse o seu
volume de estreia. Na verdade, a percepção da importância desse livro não deverá ter escapado
ao próprio Autor, uma vez que, mantendo o título original, dele publica, no Porto, em 1916,
uma segunda edição, muito aumentada7. Para além do acréscimo significativo do número de
poemas, esta derradeira versão dos Sonetos reproduz, logo após a dedicatória, uma carta, di-
rigida ao poeta, da autoria de Guerra Junqueiro, na qual este não apenas acusa a recepção do
título de 1904, como igualmente se alonga num conjunto de observações acerca do poeta e da
poesia que culminam na seguinte opinião: «Todos os sonetos ao seu Algarve, maravilhosos.
Alguns sublimes.» (p. 248). E, para corroborar o ponto de vista, alinha três exemplos, embora
destaque, «acima de todos» (ibidem), o poema «Porque nasci ao pé de quatro montes,», dele
citando a primeira e a última estrofes.
1
Cf. David Mourão-Ferreira, «Expressão literária do Algarve», in Tópicos de crítica e de história literária, Lisboa, União Gráfica, 1969, p. 64.
2
Cf. João Gaspar Simões, Perspectiva histórica da poesia portuguesa (século XX). Dos simbolistas aos novíssimos, Porto, Brasília Editora, 1976, p. 99.
3
Idem, ibidem.
4
Idem, ibidem. E acrescenta ainda: «Se a primeira fase da sua poesia, entre 1901 e 1903, é dominada pelo soneto filosófico, a segunda, entre 1908 e 1916,
domina-a o soneto pictural e erótico. A derradeira (...), daí até à sua morte, quase só conhece estes dois últimos géneros.» (cf. idem, ibidem, pp. 99-100).
5
Cf. Cândido Guerreiro, Sonetos, Coimbra, Amadeu Barretto, 1904.
6
Cf. Óscar Lopes, Entre Fialho e Nemésio. Estudos de literatura portuguesa contemporânea, vol. I, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1987, p. 278.
7
Cf. Cândido Guerreiro, Sonetos, 2ª edição, aumentada, Porto, «Renascença Portuguesa», 1916.
8
Todas as citações da carta de Guerra Junqueiro dizem respeito à versão reproduzida em: Cândido Guerreiro, Sonetos e outros poemas, Lisboa, Secretaria de
Estado da Informação e Turismo, 1972, pp. 23-25.
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Se, por um lado, o olhar do autor da epístola (o qual, aliás, conduz ao elogio com que a termina9)
sobre o poema de Cândido Guerreiro parece consentâneo com as preocupações estéticas que lhe
eram caras, por outro (e, até certo ponto, delas decorrendo), não pode deixar de se frisar a argúcia
crítica que lhe permite notar, na obra do poeta de Alte, a importância que assume, já à época e no
contexto referido, a atenção (sempre prosseguida, até às últimas obras) consagrada ao espaço e,
em particular, ao espaço campestre.
De facto, quer no que diz respeito ao soneto «Porque nasci ao pé de quatro montes,», quer no que
se refere aos restantes textos aqui reproduzidos (todos incluídos na mencionada primeira edição
dos Sonetos) trata-se de construir um lugar a partir da consciência, da afectividade e da história
pessoal do sujeito. É por este motivo que, por exemplo, no tríptico constituído por «Minha terra
embalada pelas ondas,», «E pode ser que em noites de luar,» e «E, amendoeiras em flor, quero
também» a pequena narrativa ensaiada nos poemas procura dar resposta ao desejo, manifestado
pelo eu, de encobrimento, de regresso ao espaço simbólico da origem, sucessivamente caracteri-
zado, logo no primeiro destes três sonetos, como «Minha terra», «meu Algarve» e «minha aldeia
querida».
A esta apropriação do espaço corresponde, por outro lado, em «Assenta a minha aldeia sobre os
flancos», um impulso descritivo que funda aquele, quer como «natureza rude», quer como «mi-
nha aldeia abençoada», permitindo ao sujeito figurar-se enquanto «homem primitivo, / De cor-
po um cavador e santo na alma...». É, aliás, semelhante atitude que conduz o eu nas explicações
propostas no soneto «Porque nasci ao pé de quatro montes,», as quais o levam a um confessado
franciscanismo, como já foi sublinhado por José Carlos Seabra Pereira10, e a um, também confessa-
do, panteísmo (particularmente notórios no último terceto do poema).
9
O parágrafo em causa segue-se à citação do segundo terceto do soneto e é o seguinte: «Admirável! Sim, Deus é tudo, porque é o amor de todas as coisas, a
fraternidade infinita, universal. A arte religiosa é a arte soberana.» (p. 25).
10
De facto, de acordo com este estudioso, «o Cândido Guerreiro da primeira série dos Sonetos compreensivelmente resvala para uma piedade pelas criaturas
própria do franciscanismo heterodoxo, que panteisticamente as contempla como “modalidades / Da Vida, o Grande Amor, o Grande Todo, / Que é uno, indivisível,
e que é Deus...”. A fraternidade com as próprias coisas é aí inseparável de tal vertigem panteísta: “Sinto-me irmão da luz, do ar, das águas, / Sinto-me irmão
dos íngremes penedos, / E sinto que sou Deus, pois Deus é tudo....”.» (cf. José Carlos Seabra Pereira, O Neo-Romantismo na poesia portuguesa (1900-1925),
Coimbra, dissertação de doutoramento em literatura portuguesa, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, policopiada, 1999, p. 1020).
09
Importará, afinal, não esquecer que, na inquebrável ligação do poeta à sua «aldeia abençoada», se
encontra ainda a memória fundadora da poesia. Funcionando como axis mundi, o espaço aldeão
autoriza, a quem o evoca, não apenas o reencontro com o essencial, como igualmente a reinvenção
do próprio tempo em que o eu se reconstrói. Assim, em «Do meu pequeno quarto de estudante»,
o poeta contrapõe ao olhar sobre os «campos de Coimbra» a visionação de «outra paisagem mais
distante» e do seu «país fantástico», acabando mesmo por acrescentar: «E vejo a Fonte Grande,
o sítio lindo / Onde eu compus os meus primeiros versos». Desta forma, o que era definido como
um «clarão de nostalgia» dá lugar, no fim do soneto, à eterna novidade das «amendoeiras [que]
vão florindo: / Da serra até ao mar fluem, dispersos, / Sonhos, noivas, luar e espúmeas rendas...».
Em «Janeiro» e para sempre, a cada leitura.
*
Professor da Universidade do Algarve
Poemas
dedicados
a Alte
11
II
III
IV
VI
Francisco Xavier Cândido Guerreiro nasceu em Alte, filho de José Cândido Guerreiro da Franca e de Carlota
Augusta Landeiro, no dia 3 de Dezembro de 1871.
Aí viveu até 1880, tendo nesta altura ido residir para Estoi, pelo facto do pai ter sido nomeado Juíz de Paz
nesta localidade. Faz a instrução primária em São Brás de Alportel e, de seguida, matricula-se no liceu de
Faro. Por influência da família, em 1889, inicia estudos no Seminário Diocesano de Faro.
Em 1892 desiste da vida eclesiástica. Em 1891, após o falecimento do seu pai, começou a trabalhar para ajudar
no sustento da mãe e da tia que ficaram a seu cargo. A partir dessa altura abraçou várias profissões.
Em 1895 edita o livro de poemas “Rosas Desfolhadas”, que dedica ao poeta João de Deus. Por esta altura
apaixona-se pela poetisa Maria Veleda (Maria Carolina Frederico Crispim) de quem teve um filho que
perfilhou, Cândido Guerreiro da Franca.
Entretanto, incentivado pelo seu amigo e poeta João Lúcio, decide terminar o liceu e, em 1903, ingressa na
Universidade de Coimbra, no Curso de Direito, já com 32 anos de idade, terminando o mesmo em 1907.
Em 1900 publica o poema “Ave Maria”. É também no 1º ano de Direito que edita o poema “Ballada”, que
escreveu por encomenda de alguns colegas. Ainda dedicado a Coimbra, ficou registado no Penedo da
Saudade, um poema da sua autoria.
Em 1904, edita, em Coimbra, o livro “Sonetos”, que dedica a Margarida de Sousa Costa a quem dedica
também “Eros”, editado em 1907. Casaram em 1909 e foram viver para Loulé, onde nasceram dois filhos:
Agar Guerreiro da Franca e Othman Guerreiro da Franca.
Em Loulé trabalha como notário mas cedo ingressa na vida política. Em 1912 já está na linha da frente na
governação do concelho de Loulé. Nesta altura abdica da escrita poética. A electrificação da vila, em 1916,
foi uma das suas obras de destaque em prol do desenvolvimento do concelho.
Alguns poemas fazem transparecer um espírito dedicado e pragmático, uma forma de sentir com realismo.
Outros revelam elaboração e complexidade de espírito. A partir da década de 20 (séc. XX) fixa-se em Faro.
Aí pôde dedicar mais tempo ao que mais amou: a poesia.
A 11 de Abril de 1953 faleceu em Lisboa. Foi sepultado em Faro. A 4 de Dezembro de 2000 foi realizada a
trasladação para o cemitério de Alte.
Coordenação Executiva:
Luís Manuel Mendes Guerreiro
Coordenação Científica:
João Minhoto Marques
Apoio Técnico:
Ana Rosa Domingos Sousa
Márcia Alexandra Inácio André
Fotografias:
Espólio Cândido Guerreiro
(Pólo Museológico Cândido Guerreiro e Condes de Alte)
Edição:
30 de Abril de 2010
Concepção gráfica:
www.teaser.pt
Impressão:
Gráfica Comercial