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DINÂMICA DOS FLUIDOS - NOTAS DE AULA

TAYGOARA FELAMINGO DE OLIVEIRA


LUCIANO GONÇALVES NOLETO

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
FACULDADE UnB GAMA
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 1
1.1 Conceito de Fluido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 A Hipótese de Meio Contı́nuo - Número de Knudsen . . . . . . . . . . . 2
1.3 Fluido, Escoamento e Escalas de Tempo: O Número de Deborah . . . . 5
1.4 Notação Indicial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.4.1 O Delta de Kronecker . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
1.4.2 O Permutador de Levi-Civita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.5 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

2 CINEMÁTICA DE FLUIDOS 16
2.1 Referencial Lagrangeano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
2.2 Referencial Euleriano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
2.3 Derivada Material . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
2.4 Linhas de Trajetória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
2.5 Linhas de Corrente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
2.6 Linhas de Emissão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
2.7 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

3 FORMULAÇÃO DIFERENCIAL 28
3.1 Equação da Continuidade: Princı́pio da Conservação da Massa . . . . . 28
3.2 Tensão em um fluido: O postulado de Cauchy . . . . . . . . . . . . . . 30
3.3 Equação de Cauchy . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
3.4 Escoamentos invı́scidos - Equação de Euler . . . . . . . . . . . . . . . . 34
3.5 Função de corrente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
3.6 Vorticidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
3.7 Teorema da circulação de Kelvin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
3.8 Escoamento potencial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
3.8.1 Princı́pio da superposição: O método dos painéis . . . . . . . . 42
3.9 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43

i
4 ESCOAMENTOS VISCOSOS - EQUAÇÃO DE NAVIER-STOKES 48
4.1 Tensor de tensões para um fluido Newtoniano . . . . . . . . . . . . . . 48
4.2 Equação de Navier-Stokes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
4.2.1 Adimensionalização da equação de Navier-Stokes . . . . . . . . 53
4.3 Equação da vorticidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
4.4 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

5 CAMADA LIMITE 62
5.1 Histórico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
5.2 Conceito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
5.3 Análise de escala . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
5.4 Problema de Camada Limite: Equações de Prandtl . . . . . . . . . . . 65
5.5 Solução do Problema de Camada Limite: Análise de Escala . . . . . . . 70
5.6 Solução do Problema de Camada Limite: Análise Integral . . . . . . . . 71
5.6.1 Preparação das equações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
5.6.2 Definição de um perfil de velocidade genérico . . . . . . . . . . . 74
5.6.3 Método da Similaridade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
5.7 Solução do Problema de Camada Limite: Análise Diferencial . . . . . . 80
5.8 Espessura de deslocamento e espessura de quantidade de movimento . . 84
5.9 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86

6 NOÇÕES DE TURBULÊNCIA EM FLUIDOS 88


6.1 Definições? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88
6.2 Cascata de Energia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
6.3 Escalas de Kolmogorov . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98
6.4 Decomposição de Reynolds . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98
6.4.1 Simulação Numérica Direta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99
6.4.2 Equações Médias de Reynolds . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100
6.4.3 Problema de Fechamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102
6.4.4 Hipótese de Boussinesq . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
6.5 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105

7 INTRODUÇÃO AO ESCOAMENTO COMPRESSÍVEL 107


7.1 Regimes de escoamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108
7.1.1 Leis e Processos termodinâmicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108
7.1.2 Relações termodinâmicas para gases perfeitos . . . . . . . . . . 109
7.1.3 Relações para processos politrópicos . . . . . . . . . . . . . . . . 111
7.2 Relações para escoamento unidimensional . . . . . . . . . . . . . . . . . 111

ii
7.3 Velocidade do som e número de Mach . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113
7.4 Parâmetros caracterı́sticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116
7.5 Onda de choque normal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117
7.6 Equação de Hugoniot . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
7.7 Escoamento unidimensional com adição de calor . . . . . . . . . . . . . 122
7.8 Escoamento unidimensional com atrito . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124
7.9 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126

iii
1 INTRODUÇÃO

1.1 Conceito de Fluido

O que é fluido?

Sob um conceito molecular, lı́quidos e gases são fluidos e sólidos não o são.

A matéria arranja-se de diversas formas quanto à vinculação e disponibilidade de movi-


mentação relativa entre as moléculas. No estado sólido, o movimento relativo entre as
moléculas (sempre presente) é tal que o arranjo topológico não varia. Ou seja, sua vizi-
nhança é invariante. Certamente esse conceito não prevê fenômenos tais como fratura
ou fusão do material.

Nos lı́quidos, as moléculas do material estão livres para se movimentar umas em relação
a outras, mesmo que a relação entre vizinhanças seja alterada. Nesse tipo de material
as forças de caráter eletromagnético de atração prevalecem sobre as forças relativas ao
estado material de agitação térmica (browniano) das moléculas constituintes do lı́quido
em questão. Em geral, os lı́quidos comportam-se mecanicamente de forma tal que seu
volume, sob determinadas condições, será relativamente invariante no sentido que não
ocupam completamente o volume do recipiente que contém o material, desde que este
recipiente seja maior do que o volume do lı́quido. Em outras palavras, o volume é uma
propriedade do sistema de partı́culas do fluido.

Para os gases ou vapores, a agitação térmica é capaz de vencer a ação coesiva das
forças eletromagnéticas e as moléculas estão livres para se movimentar, descrevendo
uma trajetória browniana ilimitada (caso não haja fronteiras) ou limitada apenas pelas
paredes do recipiente que contém o fluido. Nesse sentido, o volume que um gás ocupa
é igual ao volume do recipiente que abriga o material, seja gás ou vapor.

Do ponto de vista macroscópı́co, diversas diferenças entre gases e lı́quidos podem ser
apontadas:

1. Gases são muito mais compressı́veis do que os lı́quidos;

1
2. Lı́quidos apresentam, em geral, massa especı́fica muito maior (uma ordem de
magnitude) do que a dos gases;

3. Lı́quidos podem não se misturar (lı́quido imiscı́vel), gases não;

4. Como consequência do item 3, superfı́cies envolvendo interfaces do tipo lı́quido-


lı́quido ou lı́quido-gás apresentam tensão superficial. Não há interface do tipo gás-
gás, logo neste tipo de “mistura”não há possibilidade de haver tensão superficial.

Além do enfoque molecular (Fı́sico ou fı́sico-quı́mico), outras abordagens mais gerais


e abrangentes podem ser usadas para definir o que pode ser considerado um material
fluido. Nessas abordagens devem ser considerados fatores como escalas de tempo en-
volvidas e a relação entre tamanho das partı́culas constituintes do sistema e as escalas
de comprimento tı́picas do escoamento.

1.2 A Hipótese de Meio Contı́nuo - Número de Knudsen

O conceito de contı́nuo (ou continuum) é meramente uma idealização. Como ressal-


tamos anteriormente a matéria é composta por moléculas, e, portanto, é um sistema
discreto em sua escala elementar. Porém, para grande parte das aplicações práticas,
e sobretudo para o campo de interesse da mecânica dos fluidos, os lı́quidos e gases
podem ser considerados como materiais contı́nuos, ou seja, infinitamente divisı́veis, de
forma que não há vazios no material. Nesse sentido, a mecânica dos fluidos interessa-se
pelo comportamento médio de um conjunto muito (mas muito mesmo!) grande de
partı́culas elementares.

Exemplo: Um centı́metro cúbico de ar em condições atmosféricas padrão contém cerca


de 3 × 1016 partı́culas.

Estamos, portanto, interessados no reflexo médio, de significado estatı́stico bem de-


finido, de um conjunto de partı́culas (no sentido duplo da palavra) do material, que
permita a definição de propriedades mecânicas e termodinâmicas do fluido:

2
Em geral definimos massa especı́fica média como:

m
ρ= (1.1)
v

Onde m é a massa total do sistema e v é o volume total do sistema. Deseja-se definir


a massa especı́fica como propriedade local. Seria natural lançar mão do conceito de
derivada, de forma que:

∆m
ρ(x) = lim (1.2)
∆v→0 ∆v

Em que ∆v é um volume arbitrário que contém a coordenada x e ∆m a massa de


fluido contida nesse volume. Aqui nos deparamos com um problema: Se o volume for
tão pequeno que o trânsito material de moléculas através de suas fronteiras se fizer
perceptı́vel ao processo de média estatı́stica, então não faz mais sentido definir massa
especı́fica.

3
Em nosso processo de fazer ∆v → 0, em geral, será possı́vel detectar um tamanho
de volume cúbico ∆v tal que se ∆v > ∆v 0 , então as variações afins ao movimento
molecular não afetam o valor da razão ∆m/∆v. Se essa escala for, por outro lado, muito
menor do que a menor escala relevante do problema, i.e., ∆v << V de maneira que
seja possı́vel considerar ∆v 0 como “arbitrariamente pequeno”, então podemos admitir
que o material em estudo é um meio contı́nuo. Em outras palavras se a razão entre
uma escala tı́pica de movimento microscópico (Para lı́quidos ou gases, o livre caminho
médio) e uma escala tı́pica do problema que desejamos abordar for muito pequeno,
então uma abordagem contı́nua pode ser empregada. À esta razão dá-se o nome de
Número de Knudsen, tal que:

λ
Kn = (1.3)
L

Se Kn << 1 −→ meio contı́nuo.

Exemplo: Escoamento de ar através de um rotor de ventilador doméstico:

4
• L = Diâmetro do rotor, cerca de 30 cm.

• λ = Livre caminho médio. Para um gás perfeito, temos da teoria cinética dos
gases que:

KB T
λ= √ , onde : (1.4)
2πσ 2 P

• KB : Constante de Boltzmann: 1, 38 × 10−23 J/K

• σ: Diâmetro da Partı́cula: (N2 ∼ 3, 7Â, O2 ∼ 3, 0Â onde 1Â= 10−10 m)

• P : Pressão Absoluta;

1, 4 × 10−23 · 300
λ∼ −20 5
∼ 10−7 (1.5)
1, 14 × 3, 14 × 9 × 10 · 10

Suponhamos L = 30 cm (0, 3 m):

10−7
Kn = ∼ 3 × 10−7 << 1 (1.6)
0, 3

De forma que uma abordagem contı́nua é perfeitamente viável.

1.3 Fluido, Escoamento e Escalas de Tempo: O Número de Deborah

A definição de escoamento está ligada intrinsecamente às escalas de tempo envolvidas.1


Do ponto de vista mecânico, consideramos que um fluido newtoniano é um material
que oferece resistência à taxa de deformação, diferentemente de um sólido, que oferece
resistência à deformação. Em geral estamos habituados a classificar de maneira muito
objetiva materiais que escoam e que não escoam (fluidos e não-fluidos). No entanto,
é preciso estar atento às escalas de tempo associadas à deformação do material, e
as alterações das condições dinâmicas a que se sujeita o material. Outra forma de
descrever este conceito seria a seguinte: Quando se aplica uma tensão cisalhante em
1
O segundo item do estudo dirigido 1 ilustra claramente este conceito

5
um sólido, este se deforma em uma quantidade fixa, e quando a aplicação da tensão
é interrompida, o sólido interrompe sua deformação. Aplicando a mesma tensão em
um fluido, este se deforma a uma taxa, e quando a aplicação da tensão é interrompida,
o fluido continua a se deformar segundo esta taxa de deformação, caracterizando um
escoamento.

Quando uma porção de água é servida em um copo, é preciso cerca de 10−13 segundos
para que as moléculas do material organizem-se e se acomodem à nova vinculação
geométrica. Esse tempo, associado exclusivamente às caracterı́sticas do material, é
chamado de tempo de relaxação do fluido. Quando a água escoa para o copo, o tempo
associado do escoamento2 da água é da ordem de milissegundos (10−3 segundos) ou
mais.

A relação entre esses dois tempos caracterı́sticos é tal que o “fluido”, ou material, tem
muito tempo para se acomodar às novas condições de contorno. Dessa forma, podemos
dizer que a razão entre o tempo caracterı́stico de relaxação do material trelax e o tempo
caracterı́stico de variação das condições de contorno tesc para a água sendo servida em
um copo é muito pequena. Define-se assim o número de Deborah como:

trelax
De = (1.7)
tesc

A origem do número de Deborah, dada pelo professor Markus Reiner, remete à passa-
gem bı́blica cantada pela profetisa Débora no livro dos Juı́zes. Esta passagem encontra-
se no capı́tulo 5, versı́culo 5:

“Os montes escoaram diante do Senhor, e até Sinai, diante do Senhor Deus de Israel.”

Podemos fazer algumas observações sobre a relação entre o número de Deborah e o


comportamento do material:

• De −→ 0: O material comporta-se como um fluido e, muito provavelmente, como


um fluido linear (newtoniano ou newtoniano generalizado);

• De << 1: O material comporta-se como um fluido;


2
Na verdade estamos nos referindo a um tempo relacionado à mudança das condições de contorno
que envolvem o material (No caso, o movimento da jarra que contém a água).

6
• De ∼ 1: O material escoa, mas efeitos não-lineares começam a ser importantes,
ou já o são! Estes efeitos são associados principalmente a efeitos elásticos no
fluido. Ou seja, o material não é puramente fluido ou sólido;

• De −→ ∞: O material pode se comportar como um fluido. De toda forma, o


material fica indiferente às mudanças nas condições de contorno.

1.4 Notação Indicial

A notação indicial ou notação de Einstein fornece método muito útil para a repre-
sentação de grandezas vetoriais.

Um dado vetor no R3 é representado na seguinte forma:

v = (v1 , v2 , v3 ) = v1 eb1 + v2 eb2 + v3 eb3 (1.8)

Onde os vetores base são:

eb1 = (1, 0, 0)
eb2 = (0, 1, 0) (1.9)
eb3 = (0, 0, 1)

As propriedades fundamentais dos vetores de base são descritas como:

I - Ortogonalidade Mútua: eb1 · eb2 = eb2 · eb3 = eb3 · eb1 = 0, onde “·”representa o
produto escalar (Que entre vetores, é comutativo);

II - Base Normal: kb e1 · eb1 )0.5 = 1, valendo o mesmo para eb2 e eb3 ;


e1 k = (b

III - Base destrógira: Segue a regra da mão direita:

eb1 × eb2 = eb3


eb2 × eb3 = eb1 (1.10)
eb3 × eb1 = eb2

7
Segundo a notação indicial, o vetor v pode ser representado como:

3
X
v = vi ebi = vi ebi (1.11)
i=1

Escreve-se agora as seguintes convenções:

Convenção I: Todos os sufixos variam em uma mesma faixa, de 1 a n. No R3 , n = 3;

Convenção II: “Convenção Soma”: Índices repetidos ou mudos indicam um somatório;

Exemplos:

1. Representação de um vetor:

v = v1 eb1 + v2 eb2 + v3 eb3 = vi ebi ou vp ebp (1.12)

2. Representação de um sistema linear:



 a11 x1 + a12 x2 + a13 x3 = b1


a21 x1 + a22 x2 + a23 x3 = b2 −→ aij xj = bi


 a x + a x + a x = b
31 1 32 2 33 3 3

Onde:

• i é o ı́ndice livre, que representa a direção (ou equação para este caso);
• j é o ı́ndice mudo ou repetido, que representa a soma;
• Regra Básica: Em um mesmo termo de uma expressão, um ı́ndice não
pode aparecer mais do que duas vezes.
• Exemplo: aij bj cj não representa uma expressão em notação indicial.

1.4.1 O Delta de Kronecker

(
1, se i = j
δij = (1.13)
0, se i 6= j

8
Seu conceito remete a Leopold Kronecker (1823-1891). Duas formas notáveis do delta
de Kronecker são dadas por:

• Como os vetores de base eb1 , eb2 e eb3 são ortonormais, o produto escalar entre eles
resultará no próprio delta:
ebi · ebj = δij (1.14)

• Considerando que as direções ordenadas x1 , x2 e x3 são independentes, tem-se:


∂xi
= δij (1.15)
∂xj

Uma propriedade importante do delta de Kronecker é a de contração de ı́ndices. Con-


siderando 1.13, temos que:

aij δ1j = ai1 δ11 + ai2 δ12 + ai3 δ13 = ai1 (1.16)

Observe que o ı́ndice j é mudo, pois se repete e denota uma soma. Se este ı́ndice se
repete com o delta, este sumirá da expressão, e todo ı́ndice j é substituı́do por 1. Desta
forma, pode-se escrever de forma análoga:

aij δjp = aip


δim δmj = δij (1.17)
δim δmj δjp = δip

Com estes resultados, podemos escrever o produto escalar entre vetores:

a · b = ai ebi · bj ebj = ai bj ebi · ebj = ai bj δij = ai bi = a1 b1 + a2 b2 + a3 b3 (1.18)


| {z }
δij

Aconselha-se a utilização de letras diferentes na inclusão de novos termos. O delta fará


todo o resto ao contrair os ı́ndices convenientes.

9
As componentes de um vetor podem ser escritas através do produto escalar com os
vetores de base. Logo, seja u um vetor. Este pode ser escrito como:

u = u · eb1 = ui ebi · eb1 = ui δi1 = u1 (1.19)

Utilizando os conceitos apresentados até aqui, podemos representar um sistema linear


na forma matricial como:

A · x = b −→ Aij xj = bi (1.20)

Onde x e b são vetores. Mas podemos afirmar que A é um tensor? Para responder
esta pergunta, representaremos a quantidade A na forma Apq ebp ebq . Note que não há
um produto entre ebp e ebq :

 
1 0 0
 
ebp ebq −→ eb1 eb1 = 
 0 0 0 

0 0 0
 
0 1 0
 
eb1 eb2 = 
 0 0 0 
 (1.21)
0 0 0
 
0 0 0
 
eb2 eb3 =  0

 ...
0 1 
0 0 0

Nesse sentido, observe os ı́ndices que representam soma em Apq ebp ebq . Logo:

 
A11 A12 A13
 
Apq ebp ebq = A11 eb1 eb1 + A12 eb1 eb2 + A13 eb1 eb3 + A21 eb2 eb1 + ... = 
 A 21 A22 A 23
 (1.22)

A31 A32 A33

10
De fato, ebp ebq representa uma possı́vel base de um espaço de matrizes de segunda or-
dem. Para que A = Apq ebp ebq seja um tensor de fato é preciso que uma certa regra de
transformação ortogonal seja obedecida. Esta regra não será abordada neste texto. No
entanto, para nossos propósitos podemos utilizar as regras estabelecidas anteriormente
para qualquer quantidade Aij ebi ebj , sendo ela tensorial ou não! Por exemplo, o tensor
identidade pode ser escrito como I = δij ebi ebj . Retornando ao sistema linear (equação
1.20), temos:

Apq ebp ebq · xi ebi = bj ebj (1.23)


| {z } |{z} |{z}
A x b

Apq xi ebp ebq · ebi = bj ebj


| {z }
δqi

Apq xi δqi ebp = bj ebj


Apq xi δqi ebp = bj ebj
|{z}
xq

Apq xq ebp = bj ebj (1.24)

Para recuperarmos as equações do sistema original, basta tomar as componentes da


equação 1.20 em uma direção unitária ebi , ou seja:

Apq xq ebp · ebi = bj ebj · ebi


Apq xq δpi = bj δji (1.25)
Aiq xq = bi

1.4.2 O Permutador de Levi-Civita




 1, para ε123 , ε231 , ε312
εijk = −1, para ε132 , ε321 , ε213 (1.26)


 0, para os demais

11
O permutador de Levi-Civita representa as componentes de um tensor de terceira or-
dem. Seu conceito remete a Tulio Levi-Civita (1873-1948). Um mecanismo muito
prático para a determinação do sinal de ε é descrito abaixo, onde definimos uma con-
venção para o sentido de permutação:

1^
+
+

2 / 3
+

Logo:

• No sentido positivo: εijk = 1;

• No sentido negativo: εijk = −1;

• Para ı́ndices repetidos: εijk = 0;

Outra forma:

1
εijk = (i − j)(j − k)(k − i) (1.27)
2

Utilizando o permutador, podemos escrever o produto vetorial como:


e e e

1 2 3
b b b

u × v = u1 u2 u3 = ui ebi × vj ebj = ui vj ebi × ebj = ui vj εijk ebk (1.28)
| {z }
v1 v2 v3 εijk ebk

Propriedades:

6w
1. u × v = w;
w é perpendicular a u e v simultaneamente; -
v
u

12
2. u × v = −v × u
Prova:

u × v = ui ebi × vj ebj = ui vj εijk ebk = vj ui εijk ebk =


|{z} −vj ui εjik ebk = −v × u
| {z }
εijk =−εjik ebj ×b
ei

3. u × u = 0
Prova: Do item 2, temos que:

u × u} = − u
| {z × u} ⇐⇒ a = 0
| {z (1.29)
a a

Com os conceitos apresentados, podemos definir o operador nabla (∇) em notação


indicial:

 
∂ ∂ ∂ ∂
∇= , , = ebi (1.30)
∂x1 ∂x2 ∂x3 ∂xi

Assim sendo, definem-se:

• Gradiente de um escalar:
∂ ∂φ
∇φ = ebi (φ) = ebi
∂xi ∂xi

• Gradiente de um vetor:
∂ ∂ ∂vj
∇v = ebi (v) = ebi (vj ebj ) = ebi ebj
∂xi ∂xi ∂xi

• Divergente de um vetor:
∂ ∂vj ∂vj ∂vi ∂v1 ∂v2 ∂v3
∇·v = ebi · (vj ebj ) = ebi · ebj = δij = = + +
∂xi ∂xi ∂xi ∂xi ∂x1 ∂x2 ∂x3

• Rotacional de um vetor:
∂ ∂vj ∂vj
∇×v = ebi × (vj ebj ) = ebi × ebj = εijk ebk
∂xi ∂xi ∂xi

• Laplaciano de um vetor:

∂ 2 vk
 2
∂ v1 ∂ 2 v2 ∂ 2 v3
  
2 ∂ ∂ ∂vk
∇ v = ∇·(∇·v) = ebi ebj (vk ebk ) = ei ·b
(b ej )b
ek = ebk = , ,
∂xi ∂xj ∂xi ∂xj ∂x2i ∂x21 ∂x22 ∂x23

13
1.5 Exercı́cios

1- Dados os vetores:

a = 2ê1 + 4ê2 + 6ê3 (1.31)


b = 1ê1 + 3ê2 + 5ê3 (1.32)
c = 4ê1 + 5ê2 + 1ê3 (1.33)

Calcule:

• a·b

• a×b

• a·b×c

• (a × b) × c

• a × (b × c)

2- Usando notação indicial, prove as identidades vetoriais abaixo (f e g são escalares,


u, v e w são vetores e I é o tensor identidade):

∇(f g) = f ∇g + g∇f (1.34)


∇(f + g) = ∇f + ∇g (1.35)
∇ · (u + v) = ∇ · u + ∇ · v (1.36)
∇ · (f u) = ∇f · u + f (∇ · u) (1.37)
∇ · (vw) = v · ∇w + w(∇ · v) (1.38)
∇ · f I = ∇f · I + f (∇ · I) (1.39)
∇(v · w)) = (∇v) · w + (∇w) · v (1.40)
∇2 (∇ · u) = ∇ · ∇2 u (1.41)
∇ · (f I) = ∇f (1.42)
∇ · (∇u)T = ∇(∇ · u) (1.43)

14
3- Deduza a relação  − δ:

ijk = irs = δjr δks − δjs δkr (1.44)

4- Mostre que aii xi não faz sentido.

15
2 CINEMÁTICA DE FLUIDOS

A cinemática de fluidos é definida como o estudo ou descrição do movimento dos fluidos.

Mas o que é escoamento?

A ideia básica sobre o que é escoamento está associada ao movimento de partı́culas


fluidas1 .

Nesse sentido, podemos definir um escoamento como uma sequência contı́nua de trans-
formações de ponto, ou simplesmente como um mapeamento no qual não há criação
ou destruição de partı́culas materiais. Em outras palavras, estamos dizendo que essa
transformação será sempre inversı́vel (Transformação topológica). O escoamento pode
ser descrito a partir de dois referenciais diferentes, a saber.
1
Onde entenderemos partı́cula fluida ou material como um ponto material, definido de forma a
respeitar a hipótese de meio contı́nuo

16
2.1 Referencial Lagrangeano

Neste referencial, durante um processo de observação experimental, o observador trans-


lada com a partı́cula. Dessa forma descrevemos o campo de escoamento rastreando cada
partı́cula material do escoamento. Identificando cada partı́cula do escoamento como
X, podemos descrever o escoamento como uma função do tipo:

x = x(X, t) (2.1)

Em que x é o vetor posição em relação a um sistema de coordenadas fixo ao laboratório.


Convenciona-se que o rótulo de cada partı́cula é a posição que ela ocupa no instante
inicial do escoamento. Nesse sentido, X = x(t = 0). Vale observar que o rótulo da
partı́cula nunca muda.

Quando escrevemos uma relação do tipo x = x(X, t), estamos mapeando a posição
x que cada partı́cula X ocupa em cada instante t. Observe que, desde que X =
x(t = 0), x = x(X, t) significa que a posição de uma partı́cula no escoamento pode
ser determinada conhecendo-se a sua posição inicial e o tempo2 .

2.2 Referencial Euleriano

Desta vez, para o mesmo processo de observação experimental, o observador está fixo
ao um referencial preso ao laboratório. Neste caso, o observador vê partı́culas diferentes
(com propriedades possivelmente diferentes) passarem por posições fixas no referencial
mencionado anteriormente. Neste caso, temos:

X = X(x, t) (2.2)

Quando escrevemos uma relação do tipo x = x(X, t), afirma-se que a partı́cula X
ocupa a posição x no instante t. Em geral, as medidas que realizamos na mecânica dos
fluidos (velocidade, pressão, temperatura,...) são feitas em posições fixas ao laboratório,
2
Note que esta é a tı́pica solução de um problema de valor inicial

17
ou seja, normalmente medimos as propriedades em um referencial Euleriano. Um
sensor de velocidade fixo ao laboratório medirá a velocidade da partı́cula que ocupa
aquela posição naquele instante. Já um sensor de velocidade fixo à partı́cula medirá a
velocidade da partı́cula à medida que o tempo passa (figura 3.3)

A imposição inerente à hipótese de meio contı́nuo de que o mapeamento deve ser isotopológico
implica em que:

x = x(X, t) ou X = X(x, t) (2.3)

É sempre inversı́vel! Em outras palavras:

∂x1 , x2 , x3
J= 6= 0 (2.4)
∂X1 , X2 , X3

Aqui, J é uma transformação não-topológica, no sentido de sempre preservar a topo-


logia do escoamento:

Se J 6= 0 ⇒ x = x(X, t) ⇐⇒ X = X(x, t) (2.5)

Introduzindo o vetor velocidade u, definido por:

18
dx
u= (2.6)
dt

Podemos fornecer campos de escoamento pela descrição do vetor velocidade.

2.3 Derivada Material

Considere agora uma propriedade qualquer G do escoamento. G pode ser escalar,


vetorial ou tensorial. Quando escrevemos:

1. G = G(x, t) = G(x = x(X, t), t), fixamos uma posição x no espaço. Portanto
estamos nos referindo à propriedade G da partı́cula que ocupa aquela posição x,
naquele instante, i.e., uma descrição Euleriana.

2. G = G(X, t) = G(X = X(x, t), t), fixamos uma partı́cula no espaço. Agora nos
referimos à propriedade G da partı́cula Xnaquele instante, i.e., uma descrição
Lagrangeana.

Estamos interessados em medir as variações temporais de G nos dois referenciais. Em


relação ao referencial Euleriano (Ou seja, para x fixo):


∂G ∂G
= (2.7)
∂t x fixo ∂t

Em relação ao referencial Lagrangeano (Ou seja, para X fixo):


∂G DG
= ⇒ Derivada Material ou Lagrangeana (2.8)
∂t X fixo Dt

19

DG ∂
= G(X, t)
Dt ∂t X fixo

= G(x = x(X, t), t)
∂t
∂G ∂x ∂G
= · +
∂x
|{z} ∂t
|{z} ∂t
Gradiente de G Velocidade da partı́cula
∂G
= u · ∇G + (2.9)
∂t

De outra forma:

G = G(x1 , x2 , x3 , t) (2.10)
| {z }
x

∂G ∂G ∂G ∂G
dG = dx1 + dx2 + dx3 + dt
∂x ∂x2 ∂x ∂t
 1   3 
dG ∂G ∂G ∂G dx1 dx2 dx3 ∂G
= , , · , , +
dt ∂x1 ∂x2 ∂x3 dt dt dt ∂t
dG ∂G
= u · ∇G + (2.11)
dt ∂t

Ou ainda:

G(x + ∆x, t + ∆t) = G(x + u∆t, t + ∆t)


∂G
= G(x, t) + u∆t · ∇G + ∆t + O(∆t2 ) (2.12)
∂t

Tomando o limite:

G(x + ∆x, t + ∆t) − G(x, t) ∂G


lim = lim u · ∇G + + O(∆t2 )
∆t→0 ∆t ∆t→0 ∂t
∂G
= u · ∇G + (2.13)
∂t

20
O resultado de cada demonstração representa a conexão entre a derivada material e as
derivadas eulerianas convencionais:

Du ∂u
= + u · ∇u
Dt ∂t
D ∂
= + u · ∇() (2.14)
Dt ∂t

A definição 2.14 estabelece uma conexão entre a derivada material3 e as derivadas


euleriana. Nas passagens anteriores nos referimos a u como vetor velocidade, querendo
dizer a velocidade da partı́cula (medida segundo um referencial lagrangeano). Neste
sentido, definimos u como:

dx
u= ⇒ x = x(X, t) (2.15)
dt

Note que:

Dx ∂x
Dt
=
∂t | ·{z∇x} = u
+u (2.16)
|{z} =0
I

2.4 Linhas de Trajetória

Seja o campo de velocidade u = (ax2 , −ax1 , 0)


dx1


 dt
= ax2
dx2
dt
= −ax1 (2.17)

 dx3

dt
=0

Para determinar a trajetória, ou seja, o caminho real descrito por uma partı́cula, de
cada ponto material, devemos resolver o sistema acima. Para isto:
3
No cálculo, esta derivada é chamada de derivada total. A literatura também traz o termo derivada
substantiva

21
d 2 x1 dx2
2
= ⇒ x001 = a(−ax1 ) ⇒ x001 + a2 x1 = 0 (2.18)
dt dt

Solução geral: x1 = A sin(at) + B cos(at) (2.19)

dx2
= −aA sin(at) − aB cos(at) ⇒ x2 = A cos(at) − B sin(at) (2.20)
dt

Condição inicial: X = x(t = 0), logo B = X1 e A = X2


 x1 = X2 sin(at) + X1 cos(at)


x2 = X2 cos(at) − X1 sin(at) (2.21)


 x3 = X 3

Observe que o sistema 2.21 fornece uma expressão do tipo x = x(X, t), a qual cha-
maremos simplesmente de “trajetória”. Podemos, nesse caso, eliminar t para obter a
forma das trajetórias:

x21 = X22 sin2 (at) + X12 cos2 (at) + 2X1 X2 sin(at) cos(at)
x22 = X22 cos2 (at) + X12 sin2 (at) − 2X1 X2 sin(at) cos(at) (2.22)

x21 + x22 = X12 + X22 (2.23)


| {z }
Constante

As linhas de trajetória são cı́rculos em planos paralelos ao plano x1 x2 de centro no eixo


0,5
x3 , concêntricos em cada plano, de raio igual a (X12 + X22 ) .

2.5 Linhas de Corrente

Podemos definir linha de corrente como uma curva paralela ao vetor velocidade em cada
instante t. Nesse sentido, as linhas de corrente são “trajetórias virtuais”no sentido de

22
que representam o caminho que as partı́culas “percorreriam”em cada escoamento se
congelássemos o tempo. Em outras palavras, o tempo está fixo quando procuramos
linhas de corrente:

dx
u= (2.24)
ds

Onde s é um parâmetro independente do tempo. Alternativamente, podemos definir


linhas tais que:

dx
×u=0 (2.25)
ds

Exemplo:

 
x1 x2
u= , ,0 (2.26)
t + 1 2t + 1

Derivando de acordo com 2.25:

dx1 x1
=
ds t+1
dx1 ds
⇒ =
x1 t+1
s
0 x1 s0
⇒ ln x1 ]x1o =
t + 1 s=0
 
x1 s
⇒ ln =
x1o t+1
s
⇒ x1 = x1o e t+1 (2.27)
dx2 x1 s
= ⇒ x2 = x2o e 2t+1 (2.28)
ds 2t + 1

Eliminando s:

23
   
x1 s x1
ln = ⇒ s = (t + 1) ln
x t+1 x1o
 1o   
x2 s x2
ln = ⇒ s = (2t + 1) ln
x 2t + 1 x2o
 2o   
x1 x2
∴ (t + 1) ln = (2t + 1) ln
x1o x2o
 t+1  2t+1
x1 x2
=
x1o x2o
  2t+1 t+1
x1
x2 = x2 (2.29)
x1o

2.6 Linhas de Emissão

As linhas de emissão são curvas formadas pelas partı́culas que passaram por um mesmo
ponto do escoamento. Elas podem ser identificadas por:

• Linhas de fumaça ou tinta no escoamento;

• Visualização em túnel de vento;

Seja x1 = X1 (t + 1) e x2 = X2 (2t + 1)0,5 . As partı́culas que ocuparam a posição fixa


(x01 , x02 ) para qualquer τ [0, t) são:

x01
X1 =
1+τ
x02
X2 = (2.30)
(1 + 2τ )0,5

Portanto:

 
1+t
x1 = x01
1+τ
 0,5
1 + 2t
x2 = x02 (2.31)
1 + 2τ
24
Aqui o parâmetro é τ e t é fixo.

Exemplo: Determinar a variação de T da partı́cula X = (1, 1) se:

T = αx1 + βx2
u = (ax2 , −ax1 ) (2.32)

DT
⇒ = u · ∇T
Dt

∇T = ebi = αb
e1 + βb e2 = (α, β)
∂xi
u · ∇T = (ax2 , −ax1 ) · (α, β) = αax2 − βax1 (2.33)

Sabemos ainda que:

x1 = X2 sin(at) + X1 cos(at) (2.34)


x2 = X2 cos(at) − X1 sin(at) (2.35)

Logo:


DT
= αa(cos(at) − sin(at)) − βa(sin(at) + cos(at))
Dt (1,1)

DT
= (α − β)a cos(at) − (α − β)a sin(at) (2.36)
Dt (1,1)

2.7 Exercı́cios

1- O escoamento em um bocal convergente (Diâmetro de entrada maior que o diâmetro


de saı́da) pode ser aproximado para uma formulação unidimensional u = u1 (x1 ).
Considera-se um bocal de comprimento L onde a velocidade varia linearmente de u = v0
na entrada para u = 3v0 . Usando o conceito de derivada material:

25
• Calcule a aceleração deste escoamento como função de x;

• Avalie a aceleração na entrada e na saı́da para v0 = 2m/s e L = 0, 25m

2- Um escoamento bidimensional é dado por u = (x21 − 2x22 + 2x1 )ê1 + (3x1 x2 + x2 )ê2 .
Em (x1 , x2 ) = (2, 2), calcule:

• As acelerações em x1 e x1 utilizando o conceito de derivada material;

• A componente da velocidade na direção θ = 32o ;

• As direções de máxima aceleração e velocidade respectivamente;

3- Para o campo de velocidade u = 5x1 ê1 + (15x2 + 11)ê2 + (19t2 )ê3 , determine:

• As linhas de trajetória de uma partı́cula deste escoamento;

• A linha de trajetória de uma partı́cula situada em x = (4, 6, 2) no instante t = 3s;

4- Um campo de velocidade transiente é dado por:

u1 = x1 (1 + 3t) (2.37)
u2 = x2 (2.38)

Usando o tempo t como parâmetro, determine a famı́lia de linhas de corrente deste


escoamento por um ponto qualquer (x1o , x2o ).

5- A velocidade ao longo da linha de corrente que coincide com o eixo x1 é igual a u =


1/3
9+x1 . Calcule a aceleração convectiva em x1 = 3, 2. Assumindo que o escoamento seja
incompressı́vel, as linhas de corrente deste escoamento estão convergindo ou divergindo?

6- Dado o campo de velocidade tridimensional:

26
u1 = −x1 (2.39)
u2 = 2x2 (2.40)
u3 = 6 − x3 (2.41)

Encontre:

• As linhas de trajetória;

• As linhas de corrente;

• As linhas de emissão que partirem de (1,2,3);

7- Um dipolo bidimensional na origem produz um escoamento incompressı́vel em regime


permanente cuja função de corrente é:

y
ψ= (2.42)
x2 + y 2

Encontre a direção de movimento de uma partı́cula fluida no ponto (x,y)=(6,9) e esboce


as linhas de trajetória, corrente e emissão.

27
3 FORMULAÇÃO DIFERENCIAL

3.1 Equação da Continuidade: Princı́pio da Conservação da Massa

Sabemos que a massa de um volume material não varia com o passar do tempo. Dessa
forma, temos que:

˚
Dm D
= ρdV = 0 (3.1)
Dt Dt V (t)

Do Teorema Transporte de Reynolds e do teorema da divergência:

˚ ˚ ‹
D ∂G
G(x, t)dV = dV + Gu · n
bdA
Dt V (t) V (t) ∂t A(t)
˚ ˚ ˚
| {z }
D ∂G
G(x, t)dV = dV + ∇ · (Gu)dV
Dt V (t) V (t) ∂t V (t)
˚ ˚  
D ∂G
G(x, t)dV = + ∇ · (Gu) (3.2)
Dt V (t) V (t) ∂t

Logo a equação 3.1 se torna:

˚ ˚  
D ∂ρ
ρdV = + ∇(ρu) = 0 (3.3)
Dt V (t) V (t) ∂t

Como a escolha do volume de integração V é arbitrária, segue que, do teorema da


localização:

∂ρ
+ ∇(ρu) = 0 (3.4)
∂t

28
Corolário: Seja φ um campo ou escalar ou vetorial contı́nuo e definido em um domı́nio
Ω. O teorema da localização afirma que, para dV arbitrário:
˚
φdV = 0 =⇒ φ = 0, ∃Ω ⊂ Ω (3.5)

A equação 3.4 é a equação da continuidade na forma diferencial, e representa o princı́pio


de conservação da massa em um escoamento. Note que ela é válida para todo ponto
do escoamento! Desenvolvendo 3.4, temos:

∂ρ
+ u · ∇ρ + ρ∇ · u = 0
∂t
Dρ ∂ρ
Sendo = + u · ∇ρ
Dt ∂t

⇒ + ρ∇ · u = 0 (3.6)
Dt

Sendo o volume especı́fico v = 1/ρ:

 
D 1 1
+ ∇·u = 0
Dt v v
1 Dv 1
− 2 = − ∇·u
v Dt v
1 Dv
∴∇·u = (3.7)
v Dt

A equação 3.7 permite interpretar o divergente de u como sendo a “taxa de variação


volumétrica, por unidade de volume”do escoamento. Definiremos escoamento incom-
pressı́vel como aquele em que não há taxa de variação de volume. Logo, em escoamentos
incompressı́veis temos que a equação da continuidade fica, simplesmente:

∇·u=0 (3.8)

Corolários:

29
1. Se ρ = cte:

= 0 ⇒ ρ∇ · u = 0
Dt
Como ρ 6= 0 ⇒ ∇ · u = 0
Se ρ = cte ⇒ ∇ · u = 0

2. Se ∇ · u = 0 (Escoamento Incompressı́vel)

∂ρ
+ u · ∇ρ = 0
∂t

Notamos, portanto, que se o escoamento é incompressı́vel, então ρ não é necessari-


amente constante. Pode haver variação de ρ associada à mudanças transientes da
propriedade. Mesmo em escoamentos em regime permanente ( ∂ρ
∂t
= 0), resta ainda a
possibilidade de ρ variar de forma que u · ∇ρ = 0, ou seja, se o escoamento é perpen-
dicular ao gradiente de massa especı́fica.

Figura 3.1: Velocidade e Gradiente de Massa Especı́fica

3.2 Tensão em um fluido: O postulado de Cauchy

Considera-se todas as forças atuando instantaneamente sobre o fluido no interior de


volume δV na forma de um tetraedro:

30
Figura 3.2: Volume Tetraédrico

Onde t é o vetor de tensões. Fazendo um balanço de forças sobre o volume:

t(b
n)δAABC + t(eb1 )δAOCB + t(eb2 )δAOAC + t(eb3 )δAOAB + F δV = ρδV a (3.9)

Onde a é a aceleração. Mas:

δAOCB = −δAb
n · eb1 = −δAeb1 · n
b (3.10)
δAOAC = −δAb
n · eb2 = −δAeb2 · n
b (3.11)
δAOAB = −δAb
n · eb3 = −δAeb3 · n
b (3.12)

Logo:

n)δA − t(−eb1 )δAb


t(b n · eb1 − t(−eb2 )δAb
n · eb2 − t(−eb3 )δAb n · eb3 + F δV = ρδV a Dividindo por δA
δV δV
n) = t(−eb1 )eb1 · n
t(b b + t(−eb2 )eb2 · n
b + t(−eb3 )eb3 · n
b − F +ρ a
δA δA

Fazendo o tetraedro tender ao ponto (limδV /δA → 0):

t(b
n) = t(−b ei · n
ei )b b (3.13)

31
O termo t(−b
ei )b
ei não é ortogonal às faces. Se t é um vetor, então ele pode ser escrito
como a transformação entre um tensor e os vetores de base, tal que:

t(−b
ei ) = σij ebj (3.14)

Onde σij é a componente j da tensão t(−b


ei ). Logo:

n) = σij ebj ebi · n


t(b b =σ·n
b (3.15)

Observa-se que quando a única força externa presente no escoamento for a gravidade, o
balanço de momento angular irá provar que o tensor de tensões é simétrico (σij = σji ),
ou seja, não há geração de torque no interior do fluido.

3.3 Equação de Cauchy

A equação de Cauchy representa o princı́pio da conservação do momento linear. Toma-


se um material fluido contı́nuo qualquer em movimento:

Figura 3.3: Material Fluido Contı́nuo

Faz-se um balanço de forças neste material:

TAXA DE VARIAÇÃO
DE QUANTIDADE DE = FORÇAS DE + FORÇAS DE
MOVIMENTO SUPERFÍCIE CAMPO

32
Como o momento linear se conserva:

˚ ‹ ˚
Dm D
= ρudV = tdA + gρdV (3.16)
Dt Dt V (t) A(t) V (t)

A primeira integral à esquerda pode ser escrita como:

˚ ˚
D Du
ρudV = ρ dV (3.17)
Dt V (t) V (t) Dt

Do postulado de Cauchy:
˚ ‹ ˚
Du
ρ dV = σ·n
bdA + gρdV (3.18)
V (t) Dt A(t) V (t)

Do teorema da divergência:
˚ ˚ ˚
Du
ρ dV = ∇ · σdV + gρdV (3.19)
V (t) Dt V (t) V (t)

Organizando cada termo em uma única integral:


˚  
Du
ρ dV − ∇ · σdV − gρ dV = 0 (3.20)
V (t) Dt

Aplicando o teorema da localização, tem-se a equação de Cauchy:


Du
ρ = ∇ · σ + ρg (3.21)
Dt

A equação de Cauchy representa a segunda lei de Newton para qualquer material


contı́nuo.

Considerações:

• Forças de campo: São basicamente descritas pela definição de um campo conser-


vativo, ou seja, forças oriundas destes campos realizam trabalho nulo em qual-
quer caminho fechado. Alguns exemplos são as forças gravitacionais, de Coriolis,
Centrı́peta, Elétrica e Magnética. Forças de campo são percebidas em cada ponto
material, e dependerão do tipo de interação entre o ponto em questão e o campo
de força.

33
• Forças de superfı́cie: Dependem da interação do material com ele mesmo. São
perceptı́veis na ocorrência de interações locais. O tensor de tensões é onde estas
interações são percebidas. Logo este tensor fará a distinção entre materiais. Logo
a pergunta é: Qual é a forma mais adequada para o tensor de tensões?

3.4 Escoamentos invı́scidos - Equação de Euler

É todo escoamento onde a ação do tensor de tensões se dará apenas pela pressão.
Desconsidera-se qualquer efeito viscoso no escoamento. Fluidos que escoam desta forma
são chamados ideais.

Logo as forças de superfı́cie podem ser escritas como:


‹ ˚
−pb
ndA = − ∇pdV (3.22)
A(t) V (t)

Identidade importante:

∇ · (pI) = ∇p (3.23)

Onde I é o tensor identidade. Da equação de Cauchy:


Du
ρ = ∇ · σ + ρg (3.24)
Dt

Para escoamentos invı́scidos (Tensor diagonal):

σ = −pI (3.25)

Este resultado mostra que as tensões normais compõem a diagonal principal do tensor
de tensões, ao passo que as tensões cisalhantes completarão o tensor:

 
σ11 τ12 τ13
 
σ=
 τ 21 σ22 τ 23

 (3.26)
τ31 τ32 σ33

34
Da equação 3.25, é possı́vel escrever o tensor de tensões em notação indicial:

σij = −pδij (3.27)

O traço de um tensor é definido como a soma dos termos da diagonal principal:

σii = −pδii = −3p


1
p = − σii
3
1
p = − tr(σ) (3.28)
3

Este resultado relaciona a pressão mecânica em um escoamento como função apenas


do tensor de tensões. A influência da pressão no tensor de tensões se dá na diagonal
principal. Logo, a partir desta premissa, deduz-se a equação de Euler:
Du
ρ = −∇p + ρg (3.29)
Dt

3.5 Função de corrente

Seja um escoamento incompressı́vel, tal que ∇ · u. Se chamarmos u = ∇ × ψ pode-se


dizer que (Propriedade do produto misto):

∇ · u = ∇ · (∇ × ψ) = 0 (3.30)

Toma-se agora um escoamento bidimensional. Para que os componentes do vetor ve-


locidade u fiquem no plano, impõe-se que:

ψ = ψ eb3 (3.31)

Logo:

u = ∇ × (ψ eb3 )

eb1 eb2 eb3


= ∂x∂ ∂x∂ ∂
∂x3
1 2

0 0 ψ
 
∂ψ ∂ψ ∂ψ ∂ψ
u = eb1 − eb2 = ,− (3.32)
∂x2 ∂x1 ∂x2 ∂x1
35
A função de corrente ψ é uma função escalar contı́nua e diferenciável. Observa-se que
as duas componentes u1 e u2 do vetor velocidade foram substituı́das por uma função
ψ. Portanto, ao se tomar linhas de corrente 2D, tem-se:

dx1 dx2
u1 = ; u2 =
dt dt
dx1 dx2
dt = = , Se dt = 0
u1 u2
dx1 dx2
= ⇒ u2 dx1 = u1 dx2
u1 u2
∂ψ ∂ψ
− dx1 − dx2 = 0 ⇒ dψ = 0 (3.33)
∂x1 ∂x2
Este resultado mostra que a função de corrente é constante ao longo de uma linha de
corrente.

3.6 Vorticidade

Define-se vorticidade como a medida da rotação do escoamento. Para definir esta gran-
deza, tomam-se duas linhas materiais de fluido AB e BC, inicialmente perpendiculares
em um tempo inicial t:

A equação de Cauchy representa o princı́pio da conservação do momento linear. Toma-


se um material fluido contı́nuo qualquer em movimento:

36
Figura 3.4: Linhas Materiais. Adaptado de: White, F. Fluid Mechanics, 4a Edition

Decorrido um tempo ∆t, estas linhas materiais se moverão e se deformarão para uma
configuração A’B’ e B’C’:

As parcelas ∂u1 /∂x1 dx1 ∆t e ∂u2 /∂x2 dx2 ∆t são responsáveis pela deformação das linhas
materiais, já que promoverão elongamento das mesmas. A deformação relativa média
δl/l das duas linhas materiais é dada por:

" ∂u ∂u2
#
1 1
∂x1
dx1 ∆t ∂x2
dx2 ∆t
+ (3.34)
2 dx1 dx2

Define-se agora uma taxa de deformação relativa como:


 
1 ∂u1 ∂u2
D= + (3.35)
2 ∂x1 ∂x2

O termo entre parênteses representa o traço do tensor taxa de deformação, que se


relaciona com o divergente do campo de velocidade. Se o escoamento é incompressı́vel:
∂u1 ∂u2 ∂u1 ∂u2
∇·u= + =0⇒ =− (3.36)
∂x1 ∂x2 ∂x1 ∂x2

37
Já os termos ∂u1 /∂x1 dx1 ∆t e ∂u2 /∂x2 dx2 ∆t se relacionam à velocidade angular média
tal que:  
1 ∂u1 ∂u2
ωx3 = − (3.37)
2 ∂x2 ∂x1

Mas:  
∂u1 ∂u2
∇×u= − eb3 (3.38)
∂x2 ∂x1

Logo:
1
ω = (∇ × u) (3.39)
2

Onde ω é o vetor velocidade angular. Logo, define-se a vorticidade como um vetor


duas vezes maior que ω:
Ω=∇×u (3.40)

Escoamentos rotacionais são tais que a velocidade angular local de uma partı́cula é
não-nula.

3.7 Teorema da circulação de Kelvin

A equação de Cauchy representa o princı́pio da conservação do momento linear. Toma-


se um material fluido contı́nuo qualquer em movimento:

Figura 3.5: Material Fluido Contı́nuo

38
Aqui, t é a posição tangencial ao redor do contorno de C. Considera-se que u · t
representará a parcela da velocidade que não contribuirá na vazão. Por definição a
circulação é dada por: ˛
Γ= u · tdl (3.41)
C

Aplicando o teorema de Stokes:


˛ ‹
Γ= u · tdl = (∇ × u) · n
bdS (3.42)
C S

Tomando a derivada material da circulação:


˛ ˛
DΓ D D
= u · tdl = u · dt, dt = tdl (3.43)
Dt Dt C Dt C

Logo: ˛ ˛ ˛
D Du D
(u · dt) = · dt + u· (dt) (3.44)
C Dt C Dt C Dt

Da equação de Euler:
Du
= −∇p + ρg , g = −∇Φ, Campo gravitacional conservativo
Dt ˛   ˛
DΓ 1
= ∇p − ∇Φ dt + u · du (3.45)
Dt C ρ C

Admitindo a condição de fluido barotrópico (Fluido onde a massa especı́fica é função


apenas da pressão) e aplicando o teorema de Stokes na primeira integral:
˛ ‹
 
 
1
 ∇p − ∇Φ  dt = 1
∇ × ∇p − ∇Φ · n bdS
C ρ |{z}
S ρ
∇×(∇Φ)

1
= 2
[∇ρ − ∇p] ·b
ndS = 0 (3.46)
S ρ | {z }
=0

Para fluidos barotrópicos, ∇ρ e ∇p são paralelos, levando o termo destacado a ser igual
a zero. Para a segunda integral:
˛ ˛
1
u · du = d(u2 ) = 0 (3.47)
C 2 C

O resultado dado pela equação 3.47 se justifica pelo fato de que u é igual no inı́cio e no
fim do caminho fechado. Portanto, o teorema da circulação de Kelvin será dado por:

=0 (3.48)
Dt

39
3.8 Escoamento potencial

Considerações:

• O número de Reynolds tende ao infinito, tal que não existirá difusão de vortici-
dade;

• Escoamento bidimensional;

• Escoamento incompressı́vel;

• Escoamento irrotacional;

Tomando um campo de velocidade com estas considerações, afirma-se que para um


campo conservativo e irrotacional, existirá um potencial φ tal que:
 
∂φ ∂φ ∂φ ∂φ
u = ∇φ = u1 eb1 + u2 eb2 = eb1 + eb2 = , (3.49)
∂x1 ∂x2 ∂x1 ∂x2
|{z} |{z}
u1 u2

Nota sobre campos conservativos: Uma força conservativa F é definida como uma
força cujo trabalho realizado em qualquer caminho fechado é sempre nulo. Em outras
palavras:

˛
F dx = 0 (3.50)
C

Do teorema de Stokes, sabemos que:

˛ ˆ
F dx = (∇ × F ) · n
bdS (3.51)
C S

Este resultado é válido para qualquer superfı́cie S do domı́nio fluido, ou seja, ∇ × F =


0, ∀x ∈ V . Sabemos das identidades vetoriais estudadas que ∇ × ∇φ = 0. Logo,
sempre é possı́vel escrever F na forma de gradiente de uma função escalar φ, ou seja
F = −∇φ. O sinal negativo é uma convenção bastante utilizada, mas rigorosamente
desnecessária.

40
Se u é um campo solenoidal:

∇ · u = ∇ · (∇φ) ⇒ ∇2 φ = 0 (3.52)

A equação 3.52 é uma equação de Laplace, mostrando que o potencial de velocidade


φ é uma função harmônica. O mesmo pode ser dito para a função de corrente. Se
o campo de velocidade é irrotacional, pode-se utilizar a equação 3.32 para escrever a
velocidade em termos da função de corrente:
 
∂ψ ∂ψ
∇ × u = ∇ × (ψ eb3 ) = ∇ × ,− =0
∂x2 ∂x1
∂ 2ψ ∂ 2ψ
− − = 0 ⇒ ∇2 ψ = 0 (3.53)
∂x21 ∂x22

Observa-se uma relação entre o potencial de velocidade φ e a função de corrente ψ:


   
∂φ ∂φ ∂ψ ∂ψ
u= , = ,− (3.54)
∂x1 ∂x2 ∂x2 ∂x1

Comparando estas duas grandezas, definem-se as relações de Cauchy-Riemann:


∂φ ∂ψ
u1 = = (3.55)
∂x1 ∂x2
∂φ ∂ψ
u2 = =− (3.56)
∂x2 ∂x1

Uma linha equipotencial ou isopotencial será uma linha onde φ = cte, tal que:
∂φ ∂φ
dφ = dx1 + dx2 = 0 (3.57)
∂x1 ∂x2
 
∂φ ∂φ
= , · dx = 0 (3.58)
∂x1 ∂x2
= ∇φ · dx (3.59)

Este resultado afirma que o gradiente do potencial de velocidade é perpendicular às


isopotenciais. Da mesma forma, o gradiente da função de corrente é perpendicular às
linhas de corrente. Tomando o produto escalar entre ambos os gradientes e aplicando
as relações de Cauchy-Riemann:
   
∂φ ∂φ ∂ψ ∂ψ
∇φ · ∇ψ = , · ,
∂x1 ∂x2 ∂x1 ∂x2
∂φ ∂ψ ∂φ ∂ψ
= + , Aplicando 3.55
∂x1 ∂x1 ∂x2 ∂x2
   
∂ψ ∂ψ ∂ψ ∂ψ
= + − =0 (3.60)
∂x2 ∂x1 ∂x1 ∂x2
41
Conclui-se com este resultado que as linhas de corrente e as linhas isopotenciais serão
sempre perpendiculares. Alguns exemplos de escoamentos potenciais1 são:

(a) Fonte (b) Sorvedouro

(c) Escoamento Uniforme (d) Dipolo

Figura 3.6: Escoamentos Potenciais

3.8.1 Princı́pio da superposição: O método dos painéis

Consideram-se dois potenciais φ1 e φ2 , que satisfazem a equação de Laplace:

∇2 φ1 + ∇2 φ2 = 0 ⇒ ∇2 (φ1 + φ2 ) = 0 (3.61)
1
Fonte das imagens da fonte, sorvedouro e dipolo: http://en.wikipedia.org/wiki/Two-
dimensional flows

42
Este resultado permite concluir que φ = φ1 + φ2 também satisfaz a equação da con-
tinuidade. Se dois potenciais de velocidade de escoamentos distintos atendem esta
condição, então o somatório destes potenciais permite combinar estes escoamentos po-
tenciais. O método dos painéis consiste em calcular escoamentos potenciais oriundos de
combinações de outros escoamentos potenciais. A figura 3.7 mostra alguns exemplos2 :

(a) Escoamento Uniforme + Fonte = Ponto de Estagnação

(b) Escoamento Uniforme + Fonte + Sorvedouro = Dipolo

(c) Escoamento Uniforme + Vórtice = Escoamento em torno de um


cilindro 2D

Figura 3.7: Escoamentos Potenciais Superpostos

3.9 Exercı́cios

1- Em que condições o seguinte campo de velocidade será incompressı́vel?

u(x, y, z) = (a1 x + b1 y + c1 z)ê1 + (a2 x + b2 y + c2 z)ê2 + (a3 x + b3 y + c3 z)ê3 (3.62)

2- Um campo de velocidade incompressı́vel é dado por u = a(x21 − x22 )ê1 + u2 ê2 + bê3 .
Aqui, b é uma constante. Calcule o valor de u2 .
2
Imagens adaptadas de http://soliton.ae.gatech.edu/labs/windtunl/classes/lowspdaero/lospd4/lospd4.html

43
3- Toma-se um escoamento cisalhante bidimensional perto de uma parede, onde seu
campo de velocidade é dado por:

x22
 
3x2
u=U − (3.63)
ax1 a2 x21

Onde a e U são constantes. Calcule a componente u2 usando a condição de não-


escorregamento na parede, ou seja, u2 = 0 para x2 = 0.

4- Um campo de velocidade incompressı́vel é dado por u = x2 e1 − z 2 e2 − 3xze3 , medido


de acordo com o sistema internacional. Se a viscosidade do fluido é igual a 0, 04P a.s,
avalie o tensor de tensões viscosas deste escoamento no ponto (x,y,z)=(3,2,1). Use a
lei da viscosidade de Newton generalizada: τ = µ∇u.

5- Um tubo Venturi é um dispositivo que é inserido em tubulações para medição


de vazão do escoamento, conforme a figura. Este tubo é constituı́do por uma seção
convergente-divergente. A diferença de pressão a montante e jusante do Venturi pode
ser medida com um manômetro diferencial. Usando a equação de Bernoulli, mostre
que a vazão deste escoamento é calculada como (Onde 1 e 2 ficam a montante e jusante
do tubo):

"   1/2 #
A2 p1 − p2
Q = Cd p 2g (3.64)
1 − (A2 /A1 )2 γ

6- Um jato constante de água sai de um hidrante e atinge o chão a uma determinada


distância l, conforme a figura. Se a saı́da de água está a um metro acima do chão e
a pressão da água no hidrante é igual a 862 kPa, a que distância do hidrante o jato
atinge o chão. Considere que a pressão atmosférica é igual a 101 kPa.

7- Mostre que qualquer campo de velocidade U que pode ser expresso como o gradiente
de uma grandeza escalar φ deve ser um campo irrotacional.

8- Para um escoamento bidimensional invı́scido, a função de corrente e o potencial de


velocidade são dados respectivamente por:

44
ψ = −2ax1 x2 (3.65)
φ = a(x21 − x22 ) (3.66)

Aqui a é uma constante e este escoamento é simétrico no plano x2 x3 . Tanto o potencial


de velocidade quanto a função de corrente são funções harmônicas? Plote as linhas de
corrente e as linhas isopotenciais.

9- Considere o escoamento bidimensional oriundo da superposição entre três escoamen-


tos:

• Escoamento uniforme: u = u0 ê1

• Fonte localizada em (−a, 0);

• Sorvedouro localizado em (a, 0);

Determine:

• O potencial de velocidade e a função de corrente deste escoamento;

• Onde estarão possı́veis pontos de estagnação?

• Que escoamento é este?

10- Toma-se o seguinte campo de velocidade (a é uma constante):

u = a(x21 − x22 )ê1 − 2ax1 x2 ê2 (3.67)

• É possı́vel escrever um potencial de velocidade para este escoamento? Se sim,


mostre o potencial e a função de corrente como função de a;

45
• Este escoamento é irrotacional? Qual é o valor da vorticidade?

11- A partir da equação de Euler, deduza uma forma para a equação de Bernoulli
compressı́vel e uma forma para a equação de Bernoulli transiente.

12- Um escoamento é descrito pela seguinte função de corrente:

ψ = x21 − 2x2 (3.68)

Determine as linhas de corrente para ψ = 0, 1, 2. Calcule a velocidade e a vorticidade


deste escoamento.

13- Dado o campo de velocidade:

u = 2x1 ê1 + 4x2 ê2 + 15ê3 (3.69)

Calcule a vorticidade e avalie a circulação ao redor de um quadrado de lado a.

14- Um dado escoamento invı́scido possui os seguintes campos de velocidade e massa


especı́fica:

3
u = 3x1 x2 ê1 − x22 ê2 (3.70)
2

ρ = 3x31 − 4x22 (3.71)

• Considerando ausência de forças de campo, utilize a equação de Euler para cal-


cular o gradiente de pressão como função da massa especı́fica deste escoamento;

• Avalie se este campo de velocidade é solenoidal (divergência nula);

46
• Calcule a derivada lagrangeana da massa especı́fica;

15- De modo a analisar o escoamento de óleo na perfuração em águas profundas, um


engenheiro decidiu efetuar um cálculo das linhas de corrente do escoamento. Observou-
se um campo de velocidade via medições com anemômetros, e aproximou-se este campo
para a seguinte série:


X 1
u= (3.72)
n≥1
nx

Entretanto, esta aproximação só pode ser utilizada caso se garanta a convergência da
série. Utilizando o teste da razão, discorra sobre a possibilidade da utilização desta
série como aproximação para o campo de velocidade.

Teste da Razão:

Para uma série: ∞


X
xn (3.73)
n≥1

Onde xn 6= 0, para qualquer n ≥ 1, tem-se:

xn+1
L = lim (3.74)
n→∞ xn

Caso:

• L < 1, a série converge;

• L > 1, a série diverge;

• L = 1, não é possı́vel afirmar se a série converge ou diverge;

47
4 ESCOAMENTOS VISCOSOS - EQUAÇÃO DE
NAVIER-STOKES

4.1 Tensor de tensões para um fluido Newtoniano

Considera-se uma lâmina de fluido depositada entre uma superfı́cie fixa e uma placa
livre. A placa começa a se mover com velocidade constante U , oriundo da aplicação de
uma força F . Gera-se um perfil linear de velocidade unidirecional no fluido, conforme
figura 4.1:

Figura 4.1: Experiência de Newton

Logo:
AU F U du
F ∝ ⇒ =µ ⇒τ =µ (4.1)
h A h dx2

A lei da viscosidade de Newton na forma generalizada é dada por:

τ = µ∇u (4.2)

O termo de gradiente de velocidade é um tensor. Como tal, ele pode ser escrito em
uma parte simétrica D e uma parte anti-simétrica W , tal que:

48
1
∇u = D + W ⇒ D = (∇u + (∇u)T ) (4.3)
2
1
⇒ W = (∇u − (∇u)T ) (4.4)
2

Fisicamente, W não impõe rotação no fluido, permitindo escrever:

τ = 2µD = µ(∇u + (∇u)T ) (4.5)

Em notação indicial:

∇u = uj ebi ebj (4.6)
∂xi
 
1 ∂ui ∂uj
D = + ebi ebj (4.7)
2 ∂xj ∂xi

Tomando o traço de D:

   
1 ∂ui ∂ui 1 ∂ui ∂ui
tr(D) = + = 2 = =∇·u (4.8)
2 ∂xi ∂xi 2 ∂xi ∂xi

Em escoamentos viscosos, nota-se a presença de tensões cisalhantes além das tensões


normais. Logo o tensor de tensões será o somatório entre uma parte dita isotrópica
(Oriunda das tensões normais e relacionada com a pressão) e uma parte dita deviatórica
(Oriunda das tensões cisalhantes e relacionada com a viscosidade), tal que:

σ = −pI + τ (4.9)

As tensões cisalhantes para um fluido newtoniano são:

τ = 2µD + λ(∇ · u)I (4.10)

Onde:

• µ - Viscosidade dinâmica do fluido;

49
• λ - Módulo de expansão do material;

Substituindo estes resultados na equação 4.9, tem-se o tensor de tensões para fluido
newtoniano escoando com efeitos viscosos:

σ = −pI + 2µD + λ(∇ · u)I (4.11)

Fluidos não-newtonianos necessitam de uma equação tensão-taxa de deformação própria.

4.2 Equação de Navier-Stokes

Para a obtenção da equação de Navier-Stokes, será usada a relação 4.11, inserindo-a na


equação de Cauchy. Para tanto, é necessário calcular o divergente do tensor de tensões
(Equação 4.11). Este cálculo será mostrado aqui parcela a parcela em notação indicial:

Primeiro termo:

∇ · (−pI) = − eˆm · pδij eˆi eˆj
∂xm

= − δij (eˆm · eˆi ) eˆj p
∂xm | {z }
δmi
∂ ∂
= − δij δmi eˆj p = − δmj eˆj p
∂xm | {z } ∂xm | {z }
δmj eˆm

= − eˆm p = −∇p (4.12)
∂xm

Segundo termo:

∇ · (2µD) = 2µ(∇ · D) (4.13)


 
1 T
= 2µ (∇u + (∇u) )
2
= µ∇ · (∇u) + µ∇ · (∇u)T
= µ∇2 u + µ∇ · (∇u)T

50
Analisando ∇ · (∇u)T :
 T
T ∂ ∂
∇ · (∇u) = eˆi · eˆj uk eˆk
∂xi ∂xj
∂ ∂ ∂ ∂
= eˆi · eˆj uj eˆk = (eˆi · eˆj ) uj eˆk
∂xi ∂xk ∂xi ∂xk | {z }
δij
∂ ∂ ∂ ∂ui
= δij uj eˆk = eˆk
∂xi ∂xk |{z} ∂xk ∂xi
ui
= ∇(∇ · u)

Logo:
∇ · (2µD) = µ∇2 u + µ∇(∇ · u) (4.14)

Para o último termo, será utilizada a hipótese de Stokes:


2
λ=− µ (4.15)
3

Portanto:

2
λ(∇ · u)I
= − µ(∇ · u)I
3 
2 2
Tomando o divergente ⇒ ∇ · − µ(∇ · u)I = − µ∇ · [(∇ · u)I]
3 3
 
2 2
= − µ (∇ · u) (∇ · I) +I · ∇(∇ · u) = − µ [I · ∇(∇ · u)]
3 | {z } 3
=0

Avaliando I · ∇(∇ · u):


∂ ∂ul
I · ∇(∇ · u) = δij eˆi eˆj · eˆk
∂xk ∂xl
∂ ∂ul
= δij eˆi eˆj · eˆk
∂xk ∂xl | {z }
δjk

∂ ∂ul
= δij eˆi δjk
∂xk ∂xl |{z}
eˆj
∂ ∂ul ∂ ∂ul
= δjk eˆj = eˆj
∂xk ∂xl ∂xj ∂xl
| {z }
contraindo
= ∇(∇ · u)

51
Logo:
2
λ(∇ · u)I = − µ∇(∇ · u) (4.16)
3

O divergente do tensor de tensões agora pode ser escrito como:

2
∇ · σ = −∇p + µ∇2 u + µ∇(∇ · u) − µ∇(∇ · u)
3
1
= −∇p + µ∇2 u + µ∇(∇ · u) (4.17)
3

Inserindo na equação de Cauchy (Equação 3.21):

Du 1
ρ = −∇p + µ∇2 u + µ∇(∇ · u) + ρg (4.18)
Dt 3

Expandindo a derivada material, tem-se finalmente a equação de Navier-Stokes:


 
 ∂u 1
ρ +u ∇u} = − ∇p + µ∇2 u + µ∇(∇ · u) + ρg
·{z (4.19)

∂t | |{z} | {z } |3 } |{z}
|{z} 2 3 4
{z 6
1 5

Onde:

1. Termo transiente

2. Termo convectivo

3. Termo de forças de pressão

4. Termo difusivo ou viscoso

5. Termo de compressibilidade

6. Termo de forças de campo

A equação de Navier-Stokes é uma equação diferencial parcial não-linear e não-homogênea.


A não-linearidade está no termo convectivo. A equação de Navier-Stokes pode ser ob-
servada como uma interpretação da segunda lei de Newton, onde o lado esquerdo é

52
a variação da quantidade de movimento e o lado direito é o somatório das forças re-
sultantes. Esta equação descreve o movimento de qualquer fluido newtoniano. Seu
entendimento teórico é incompleto, ou seja, para um escoamento tridimensional e com
condições iniciais e contorno determinadas, não se deduziu ainda uma solução analı́tica
única. Este é um dos sete problemas do milênio, posto na seguinte forma:

Prove ou forneça um contra-exemplo da seguinte afirmação: Em um domı́nio tridimensional


que varia no tempo, dado um campo inicial de velocidade, existirá um vetor velocidade e
um valor escalar de pressão, ambos únicos e definidos, que resolverão a equação de Navier-
Stokes.

O procedimento para se obter soluções da equação de Navier-Stokes consiste em simplifica-


las analisando a ordem de magnitude de cada termo e desprezando termos de pequena
ordem de magnitude. Para esta análise, podem-se usar análise de escala1 ou análise
fı́sica direta do fenômeno. A literatura traz as formulações destas soluções.

4.2.1 Adimensionalização da equação de Navier-Stokes

Procedimento usado na simulação numérica e em ensaios de laboratório. Considera-se


que a especificação de condições iniciais e de contorno envolva grandezas caracterı́sticas
de comprimento e velocidade. Logo os resultados obtidos podem ser comparados dire-
tamente com estas grandezas. Neste sentido, qualquer processo de adimensionalização
começa no estabelecimento destas grandezas. Em seguida, escrevem-se valores adimen-
sionais de comprimento, velocidade, tempo e pressão. Se:

• L - Comprimento caracterı́stico;

• U - Velocidade caracterı́stica;
1
Será mostrada no próximo capı́tulo

53
Então os valores adimensionais serão:
u
u∗ = ⇒ u = u∗ U (4.20)
U
∗ x
x = ⇒ x = x∗ L (4.21)
L
tU L
t∗ = ⇒ t = t∗ (4.22)
L U
∗ p ∗
p = ⇒ p = p ρU 2 (4.23)
ρU 2

Inserindo em cada termo da equação de Navier-Stokes incompressı́vel e sem forças de


campo:

Termo Transiente:
∂u ∂ ∗
= (u U )
∂t ∂t
∂u∗ ∂u∗
= U =U L
∂t ∂(t∗ U )
U ∂u∗ U 2 ∂u∗
= U = (4.24)
L ∂t∗ L ∂t∗

Termo convectivo (O operador ∇ adimensionalizado é definido usando o valor adimen-


sional de comprimento x∗ ):
 
∗ 1 ∗ ∗
u · ∇u = u U · ∇ (u U )
L
U ∗
= U u · ∇ ∗ u∗
L
U2 ∗
= u · ∇∗ u∗ (4.25)
L

Termo de pressão:
1 ∗ ∗ 2
∇p = ∇ (p ρU )
L
U2 ∗ ∗
= ρ∇ p (4.26)
L

Termo difusivo:
1 ∗2 ∗
µ∇2 u = µ ∇ (u U )
L2
U
= µ 2 ∇∗2 u∗ (4.27)
L
54
Substituindo:
U 2 ∂u∗ U 2 ∗ U2 ∗ ∗
 
U
ρ + u · ∇ ∗ u∗ =− ρ∇ p + µ 2 ∇∗2 u∗
L ∂t∗ L L L

Dividindo por ρU 2 /L:

∂u∗ U L
+ u∗ · ∇∗ u∗ = −∇∗ p∗ + µ 2 ∇∗2 u∗
∂t ∗ L ρU 2

Simplificando o termo difusivo:


∂u∗ ∗ ∗ ∗ ∗ ∗ µ ∗2 ∗

+ u · ∇ u = −∇ p + 2 ∇ u
∂t ρU L
| {z }
1
Re

∂u∗ ∗ ∗ ∗ ∗ ∗ 1 ∗2 ∗
+ u · ∇ u = −∇ p + ∇ u (4.28)
∂t∗ Re

Observa-se que o número de Reynolds é, nestas condições, o único adimensional que
aparece de forma explı́cita. Baseado neste resultado é possı́vel dar uma nova inter-
pretação para este adimensional. A viscosidade cinemática ν tem um papel de coefici-
ente de difusão viscosa no escoamento. Portanto:
m2 m
[ν] = = m (4.29)
s s

Logo, afirma-se que ν é da mesma ordem que o produto uL, ou seja:

ν ∼ uL (4.30)

Fazendo u = L/τD
L L2
ν∼ L ⇒ τD ∼ (4.31)
τD ν

Onde τD é um tempo de difusão viscosa. Definindo agora um tempo de convecção τC


como:
L
τC ∼ (4.32)
u

55
Fazendo a razão entre tempos:

τD L2 u uL
∼ ∼ ∼ Re (4.33)
τC ν L ν

Conclui-se deste resultado que o número de Reynolds expressará uma razão entre tem-
pos de transporte difusivo e convectivo. Dependendo da adimensionalização adotada,
outros adimensionais podem surgir de forma explı́cita.

4.3 Equação da vorticidade

Também chamada de equação de Helmholtz da vorticidade. Para obtê-la, aplica-se o


operador rotacional na equação de Navier-Stokes. Antes desta aplicação, considera-se
a seguinte identidade vetorial:

 
1 2
u · ∇u = ∇ u −u×Ω (4.34)
2

Inserindo a identidade na equação de Navier-Stokes incompressı́vel:


 
∂u 1 2 1
+∇ u − u × Ω = − ∇p + ν∇2 u + g (4.35)
∂t 2 ρ

Se a gravidade for um campo conservativo, então é possı́vel escrever um potencial tal


que g = −∇x. Logo:
 
∂u 1 1 2
− u × Ω = − ∇p − ∇ u + ν∇2 u − ∇x (4.36)
∂t ρ 2

Como a massa especı́fica é constante:


 
∂u p 1 2
− u × Ω = −∇ − ∇ u + ν∇2 u − ∇x
∂t ρ 2
 
∂u p 1 2
− u × Ω = −∇ + u + x +ν∇2 u
∂t ρ 2
| {z }
B
∂u
− u × Ω = −∇B + ν∇2 u (4.37)
∂t

56
Tomando agora o rotacional na equação 4.37:

(∇ × u) − ∇ × (u × Ω) = − |∇ ×{z∇B} +ν∇ × (∇2 u) (4.38)
∂t

O termo marcado com ∗ se anula porque B é escalar. Analisando cada termo separa-
damente:

∂ ∂Ω
(∇ × u) =
∂t ∂t
ν∇ × (∇2 u) = ν∇2 (∇ × u) = ν∇2 Ω, Relação vetorial
∇ × (u × Ω) = u(∇ · Ω) − Ω(∇ · u) + Ω · ∇u − u · ∇Ω

Como tanto a velocidade e a vorticidade são campos solenoidais, seus respectivos di-
vergentes são nulos. Portanto a equação 4.38 pode ser escrita na seguinte forma:
∂Ω
− Ω · ∇u + u · ∇Ω = ν∇2 Ω (4.39)
∂t

Rearranjando os termos, chega-se na equação da vorticidade:


∂Ω 2 DΩ
+u ·{z
∇Ω} = |Ω ·{z∇u} + ν∇ Ω} ⇒ = Ω · ∇u + ν∇2 Ω (4.40)
∂t | | {z Dt
|{z} 2 3 4
1

Onde:

1. Variação local da vorticidade;

2. Variação convectiva da vorticidade;

3. Termo relacionado com o transporte de vorticidade devido à velocidade devido


a:

• Estiramento de um filamento de vórtice;


• Rotação de um filamento de vórtice;

4. Termo de difusão de vorticidade devido à ação molecular;

57
Logo o termo 3 pode ser entendido também como a projeção da vorticidade nas
direções do gradiente de velocidade. Toma-se um escoamento bidimensional, tal que
u = u1 ê1 + u2 ê2 . O gradiente de velocidade estará no plano do campo de velocidade,
mas a vorticidade é perpendicular à velocidade em qualquer ponto deste plano devido
à propriedade do produto vetorial. Logo o vetor vorticidade não está no plano do
campo de velocidade. Como consequência, Ω · ∇u = 0 para qualquer escoamento bi-
dimensional. Este resultado é de grande importância para o estudo da turbulência em
fluidos.

4.4 Exercı́cios

1- Considere um escoamento 2D laminar externo em regime permanente, levemente


inclinado em relação à horizontal, e sob a ação da gravidade:

• Através de análise de escala da equação da continuidade, mostre que o campo de


velocidade deste escoamento é dependente apenas de x2 e unidirecional, ou seja,
u = u1 (x2 )ê1 ;

• Simplifique as componentes x1 e x2 da equação de Navier-Stokes para obter,


respectivamente (α é o ângulo de inclinação do escoamento):
1 ∂p ∂ 2 u1
− + ν 2 + g sin α = 0
ρ ∂x1 ∂x2
1 ∂p
− − g cos α = 0
ρ ∂x2

• Usando as equações acima, e considerando que haja gradientes de pressão apenas


na direção x2 , determine as distribuições de velocidade e pressão deste escoa-
mento.

2- Toma-se o seguinte campo de velocidade:

u1 = a(x21 + x22 )
u2 = −2ax1 x2 (4.41)
u3 = 0

58
Onde a é uma constante. Determine em que condições este campo é solução da equação
de Navier-Stokes.

3- Se aplicarmos a identidade vetorial abaixo no termo difusivo da equação de Navier-


Stokes incompressı́vel (A é um vetor):

∇2 A = ∇(∇ · A) − ∇ × (∇ × A) (4.42)

Qual é o resultado obtido para a equação?

4-Mostre como ficará a equação de Navier-Stokes em notação indicial e em coordenadas


cilı́ndricas e esféricas;

5- Considerando:

• L um valor caracterı́stico de comprimento;

• ω uma frequência caracterı́stica;

• U um valor caracterı́stico de velocidade;

• g é o valor da constante gravitacional;

• P∞ é a pressão atmosférica;

• Po um valor caracterı́stico de pressão;

Para as seguintes adimensionalizações (Valores com x


e são valores adimensionais):

59
• Primeira adimensionalização (Presença de forças de campo e regime transiente):
x
x
e =
L
u
u
e =
U
t =
e ωt
p − P∞
pe =
Po − P ∞
g
g
e =
g

e = ∇a

• Segunda adimensionalização (Presença de forças de campo e regime transiente):


x
x
e =
L
u
u
e =
U
t =
e ωt
pa
pe =
µU
g
g
e =
g

e = ∇a

• Terceira adimensionalização (Ausência de forças de campo e regime permanente):


x1
x
e1 =
L
x2 0,5
x
e2 = Re
L
u1 0,5
u
e1 = Re
U
u2 0,5
u
e2 = Re
U
p − P∞
pe =
ρU 2

Encontre formas adimensionais para a equação de Navier-Stokes, onde em cada adi-


mensionalização deverão aparecer:

• Primeira adimensionalização:

– Número de Strouhal:
ωL
St = (4.43)
U

60
– Número de Euler:
Po − P∞
Eu = (4.44)
ρU 2
– Número de Froude:
U2
Fr = (4.45)
gL
– Número de Reynolds:
ρU L
Re = (4.46)
µ
• Segunda Adimensionalização:

– Número de Strouhal:
ωL
St = (4.47)
U
– Número de Froude:
U2
Fr = (4.48)
gL
– Número de Reynolds:
ρU L
Re = (4.49)
µ
• Terceira adimensionalização: Apenas as grandezas adimensionais.

6- Deseja-se estudar um determinado escoamento turbulento. Na observação da evolução


do escoamento, notou-se que as pequenas escalas se desenvolvem preferencialmente na
coordenada x2 e as grandes escalas se desenvolvem preferencialmente na coordenada
x3 de acordo com um comprimento caracterı́stico L. Notou-se também que o escoa-
mento se desenvolve em x1 de tal forma que todas as derivadas nesta direção são muito
menores que as derivadas em x2 e x3 . Baseado nestas informações:

• Através de análise de escala da equação da continuidade tridimensional, calcule


a componente da velocidade u3 como função da escala de comprimento de Kol-
mogorov e da velocidade u2 ;

• Mostre utilizando análise de escala que a componente x3 da equação de Navier-


Stokes se torna: (Considere regime permanente, ausência de forças de campo e
sem gradientes de pressão)

∂u3 ∂u3 ∂ 2 u3
u2 + u3 =ν 2 (4.50)
∂x2 ∂x3 ∂x2

61
5 CAMADA LIMITE

5.1 Histórico

O estudo da camada limite teve sua origem no inı́cio do século XX através dos trabalhos
do engenheiro alemão Ludwig Prandtl. Em suas pesquisas, ele analisou escoamentos
parietais (Escoamentos perto de paredes e contornos sólidos). Nestes escoamentos,
observou-se a importância dos efeitos viscosos, e em que condições uma camada de
fluido que ficava anexada à parede se descolava da mesma. Esta camada recebeu o
nome de camada limite. Prandtl publicou o primeiro estudo descrevendo a camada
limite em 1904.

(a) Camada Limite Turbulenta - Vista de Topo (b) Camada Limite Turbulenta - Vista de Lado

(c) Camada Limite Turbulenta - Vista em Pers- (d) Camada Limite Atmosférica vista do solo
pectiva

62
(e) Camada limite Atmosférica vista de um avião (f) Camada Limite Atmosférica acima da cidade
em voo de Sapporo

Figura 5.1: Camada Limite

A figura 5.1 mostra algumas visualizações de camada limite em laboratório e da ca-


mada limite atmosférica1 . A descoberta da camada limite e sua relação com os efeitos
viscosos representa um marco histórico na mecânica dos fluidos e na aerodinâmica,
pois modificou a forma como escoamentos devem ser estudados. O impacto desta des-
coberta se deu principalmente na aerodinâmica e na hidrodinâmica de embarcações
marı́timas, onde se observou que o controle desta camada permitiu a redução de forças
de arrasto, trazendo benefı́cios em termos de autonomia destes veı́culos e de seu pro-
jeto. Posteriormente à segunda guerra mundial, soluções matemáticas para a camada
limite foram se tornando públicas, onde as mais relevantes são:

• Blasius (1908), que foi aluno de Prandtl;

• Kàrman e Pohlhausen (1921);

• Tolmien (1924);

• Schilichting (1932);

Até a década de 50, os trabalhos a respeito da camada limite eram restritos à comu-
nidade cientı́fica alemã devido à segunda guerra e ao regime nazista. Após o fim da
1
Fontes: Figuras 5.1(a), 5.1(b) e 5.1(c): Florian Menter; Figura 5.1(d): Chris Bretherton, Fi-
gura 5.1(e): http://blogs.exploratorium.edu/fluidplanet/2012/09/10/clouds-from-both-sides/ ; Figura
5.1(f): Laboratório de ciências ambientais, Universidade de Hokkaido

63
segunda guerra, estes estudos se difundiram pelo mundo. Nos dias de hoje, a camada
limite é um tópico de extrema importância na pesquisa da mecânica dos fluidos e na en-
genharia náutica, aeronáutica, hidráulica, na metereologia, entre vários outros campos
correlatos.

5.2 Conceito

Define-se camada limite como a camada fina de fluido que surge perto de contornos
sólidos. Sua origem está ligada aos efeitos viscosos e à vorticidade do escoamento.
A vorticidade varia rapidamente devido a efeitos de convecção e difusão viscosa no
interior da camada limite. Independente do valor do número de Reynolds, os efeitos
viscosos são importantes, pois representam a base da teoria da camada limite. Este
capı́tulo trará os tópicos mais fundamentais do assunto. Antes, será feita a introdução
de uma técnica de análise que é bastante usada nesta teoria.

5.3 Análise de escala

É uma técnica utilizada na investigação de situações novas onde não haja nenhum co-
nhecimento prévio. Deve proporcionar a maior quantidade de informação por unidade
de trabalho intelectual realizado. A notação utilizada é o sı́mbolo ∼, que significará
“da mesma ordem de magnitude (ou grandeza) que”. Logo quando se afirma A ∼ B,
então se lê “A é da mesma ordem de magnitude ou grandeza que B”. A análise de
escala é um procedimento que segue as seguintes etapas:

• Determinação das escalas de comprimento do fenômeno fı́sico em questão;

• Toda e qualquer equação existente associada ao fenômeno fornecerá relações de


escala entre as variáveis pertinentes;

Operações:

• Soma:
Se S = A + B e A > B, então S ∼ A (5.1)

64
Se A ∼ B então S ∼ A ∼ B (5.2)

• Produto:

Se P = A.B
Então P ∼ A.B (5.3)

• Divisão:

Se D = A/B
Então D ∼ A/B (5.4)

5.4 Problema de Camada Limite: Equações de Prandtl

As equações de Prandtl da camada limite representam o ponto de partida para qualquer


estudo de camada limite. Para tanto, considera-se um escoamento laminar bidimensi-
onal incompressı́vel em regime permanente sobre uma placa plana de comprimento L,
que forma uma camada limite de espessura δ:

Figura 5.2: Camada limite laminar sobre uma placa plana

Admite-se também ausência de forças de campo. Observam-se três incógnitas: u1 , u2


e p. O processo de dedução destas equações será feito através de análise de escala.
Inicialmente, estabelecem-se as condições de contorno:

• Na placa plana (x2 = 0):

– Não-deslizamento: u1 = 0;

65
– Impermeabilidade da placa plana: u2 = 0;

• Distante da placa plana (x2 = ∞):

– Escoamento uniforme: u1 = u∞ e u2 = 0

Agora, estabelecem-se as escalas de comprimento caracterı́sticas do problema:

• x1 ∼ L: A placa plana restringirá o alcance da camada limite;

• x1 ∼ δ: Não existem forças indutoras de vorticidade no interior da camada limite;

Do próprio problema, nota-se que L >> δ. O equacionamento deste problema é dado


pela equação da continuidade e pelas componentes x1 e x2 da equação de Navier-Stokes
(De acordo com as condições dispostas acima):

∂u1 ∂u2
+ = 0 (5.5)
∂x1 ∂x2
 2
∂ u1 ∂ 2 u1

∂u1 ∂u1 1 ∂p
u1 + u2 = − +ν + (5.6)
∂x1 ∂x2 ρ ∂x1 ∂x21 ∂x22
 2
∂ u2 ∂ 2 u2

∂u2 ∂u2 1 ∂p
u1 + u2 = − +ν + (5.7)
∂x1 ∂x2 ρ ∂x2 ∂x21 ∂x22

Estas equações serão simplificadas através de análise de escala. Começando pela


equação da continuidade:

∂u1 ∂u2 ∂u1 ∂u2 ∂u1 ∂u2 ∂u1 ∂u2
+ =0⇒ + ∼0 ⇒ ∼ ⇒ ∼
∂x1 ∂x2 ∂x1 ∂x2 ∂x1 ∂x2 ∂x1 ∂x2
∂u1 u∞
Mas ∼
∂x1 L
∂u2 u2
e ∼
∂x2 δ
u∞ u2 u∞ δ
Logo ∼ ⇒ u2 ∼ (5.8)
L δ L

Do resultado da equação 5.8, infere-se que se L >> δ, então u∞ >> u2 . Agora, faz-se
a análise de escala da componente x1 da equação de Navier-Stokes.

66
Termo convectivo:
∂u1 u∞ u2
u1 ∼ u∞ ⇒ ∞ (5.9)
∂x1 L L
∂u1 u∞ δ u∞ u2∞
u2 ∼ ⇒ (5.10)
∂x2 L δ L

Termo difusivo:
∂ 2 u1 ∂ ∂u1 1 u∞ u∞
2
= ∼ ∼ 2
∂x1 ∂x1 ∂x1 ∂L L L
2
∂ u1 ∂ ∂u1 1 u∞ u∞
2
= ∼ ∼ 2
∂x ∂x2 ∂x2 ∂δ δ δ
 22 2

∂ u1 ∂ u1  u∞ u∞ 
Logo ν + ∼ ν + 2
∂x21 ∂x22 L2 δ
 
1 1
∼ νu∞ + (5.11)
L2 δ 2

Do resultado de 5.11, infere-se que se L >> δ, então:

1 1
⇒ 2
<< 2
L δ
∂ 2 u1 ∂ 2 u1
Logo >> (5.12)
∂x22 ∂x21

Termo de pressão: Como a pressão é função de x1 e x2 e o termo de pressão é da mesma


ordem de grandeza que o termo convectivo no interior da camada limite:
∂p ∂p dp ∂p ∂p dx2
dp = dx1 + dx2 ⇒ = +
∂x1 ∂x2 dx1 ∂x1 ∂x2 dx1
1 ∂p ∂u1 ∂p u2 ρ
∼ u1 ⇒ ∼ ∞
ρ ∂x1 ∂x1 ∂x1 L
2
1 ∂p ∂u2 u∞ δ 1 u∞ δ ∂p u2∞ δρ
∼ u1 ∼ u∞ ∼ ⇒ ∼
ρ ∂x2 ∂x1 L L L2 ∂x2 L2
∂p dx2 u2∞ δρ δ u2∞ δ 2 ρ
∼ ∼ (5.13)
∂x2 dx1 L2 L L3

Do resultado de 5.13 se L >> δ, então:


δ2 ∂p ∂p dx2
⇒ 3
<<< 1 ⇒ >>
L ∂x1 ∂x2 dx1
∂p dp
Logo = ⇒ p = p(x1 ) (5.14)
∂x1 dx1
67
Finalmente, faz-se a análise de escala da componente x2 da equação de Navier-Stokes.
Com o resultado 5.13, o termo de pressão desta componente já será descartado:
∂u2 1 u∞ u2
u1 ∼ u∞ u2 ∼
∂x1 L L
∂u2 1 u22
u2 ∼ u2 u2 ∼
∂x2 δ δ
∂ ∂u2 1 1 u2
= ∼ u2 ∼ 2
∂x1 ∂x1 L L L
2
∂ u2 ∂ ∂u2 1 1 u2
2
= ∼ u2 ∼ 2
∂x2 ∂x2 ∂x2 δ δ δ

Se L >> δ, então:
1 1 1 1
⇒ << e 2
<< 2
L δ L δ
∂u2 ∂u2 ∂ 2 u2 ∂ 2 u2
Logo u1 << u2 e << (5.15)
∂x1 ∂x2 ∂x21 ∂x22

Com estes resultados, as componentes x1 e x2 da equação de Navier-Stokes se reduzem


a:
∂u1 ∂u1 1 ∂p ∂ 2 u1
u1 + u2 = − +ν 2
∂x1 ∂x2 ρ ∂x1 ∂x2
2
∂u2 ∂ u2
u2 = ν 2 (5.16)
∂x2 ∂x2

As conclusões que estes resultados trazem são:

• u2 e δ possuirão a mesma ordem de grandeza. Logo nenhum termo à esquerda


da componente x1 da equação de Navier-Stokes pode ser desprezado;

• A pressão é aproximadamente uniforme no interior da camada limite, devido ao


fato de que p = p(x1 );

• Comparando cada termo da componente x2 com suas respectivas contrapartes da


componente x1 das equações 5.16:

– Termo convectivo:
∂u1 u∞
u2 ∼ u2
∂x2 δ
∂u2 u22
u2 ∼
∂x2 δ
∂u1 ∂u2
Como u∞ >> u2 ⇒ u2 u∞ >> u22 ⇒ u2 >> u2
∂x2 ∂x2

68
– Termo difusivo:
∂ 2 u1 u∞
2

∂x2 δ2
∂ 2 u2 u2
2

∂x2 δ2
u∞ u2 ∂ 2 u1 ∂ 2 u2
Como u∞ >> u2 ⇒ 2 >> 2 ⇒ >>
δ δ ∂x22 ∂x22

Logo a componente x2 das equações 5.16 pode ser desprezada;

Com estas conclusões, escrevem-se as equações de Prandtl da camada limite:


∂u1 ∂u2
+ = 0 (5.17)
∂x1 ∂x2
∂u1 ∂u1 1 ∂p ∂ 2 u1
u1 + u2 = − +ν 2 (5.18)
∂x1 ∂x2 ρ ∂x1 ∂x2

As incógnitas e condições de contorno serão as mesmas do problema original. Este


problema também pode ser avaliado em regime transiente, desde que se estabeleçam
condições iniciais. A espessura da camada limite δ possui variação assintótica, permi-
tindo a transformação das equações de Prandtl de forma tal que se obtenha um sistema
de coordenadas onde as distâncias sejam medidas com δ como escala de comprimento.
Logo, é possı́vel efetuar uma adimensionalização do problema usando a espessura da
camada limite como parâmetro de análise.

O objetivo do problema colocado é descobrir o campo de velocidade, de pressão e a


tensão cisalhante na parede τw . Com esta grandeza é possı́vel determinar o coeficiente
de atrito, a força de arrasto ou a perda de carga de um escoamento interno. Este
problema pode ser resolvido de várias formas, dentre as quais três se destacam por
serem soluções clássicas na literatura:

• Análise de escala;

• Análise integral (Kàrman-Pohlhausen);

• Análise diferencial (Blasius);

69
5.5 Solução do Problema de Camada Limite: Análise de Escala

Estabelecido o problema e qual deve ser o parâmetro a ser calculado, determina-se


inicialmente as escalas caracterı́sticas do problema. Estas escalas foram determinadas
na seção anterior:

x1 ∼ L
x2 ∼ δ
u1 ∼ u∞ (5.19)
δ
u2 ∼ u∞
L
u∞
τw ∼ µ , Lei da Viscosidade de Newton
δ

Para a determinação da espessura da camada limite δ, admite-se que o gradiente de


pressão no interior da camada limite possa ser desprezado. Logo, analisando termo a
termo da segunda equação 5.17:
∂u1 u2∞
u1 ∼
∂x1 L
∂u1 δ u∞ u2
u2 ∼ u∞ ∼ ∞ (5.20)
∂x2 L δ L
∂ 2 u1 u∞
ν 2 ∼ ν 2
∂x2 δ

Inserindo estes resultados na segunda equação 5.17:


u2∞ u2∞ u∞
+ ∼ν 2 (5.21)
L L δ

Da propriedade de soma (Equação 5.2):


u2∞ u∞
∼ν 2 (5.22)
L δ

Portanto:
νu∞ L
δ2 ∼
u2∞
δ2 ν
∼ ∼ Re−1
L2 u∞ L
δ
∼ Re−0,5 (5.23)
L
70
Cálculo da tensão cisalhante:
u∞ µu∞ µu∞ 0,5
τw ∼ µ ∼ −0,5
∼ Re
δ LRe L
µu∞ 0,5 Re0,5 µu∞ Re µu∞
∼ Re 0,5
∼ 0,5
∼ ReRe−0,5
L Re L Re L
µu∞ ρu∞ L −0,5 2 −0,5
∼ Re ∼ ρu∞ Re
L µ
τw
Mas CF =
ρu2∞
Logo CF ∼ Re−0,5 (5.24)

5.6 Solução do Problema de Camada Limite: Análise Integral

Esta solução é considerada um método analı́tico. Não é necessário conhecimento com-


pleto do campo de velocidade, bastando apenas conhecer seus gradientes na direção
normal à placa plana em sua vizinhança. A metodologia de solução consiste em uma
simplificação das equações de Prandtl (Equação 5.17). Será feita uma integração no
domı́nio definido entre x2 = 0 e x2 = Y , conforme mostra a figura 5.3. As próximas
seções mostrarão as etapas desta solução.

Figura 5.3: Domı́nio de Integração

5.6.1 Preparação das equações

Para permitir o processo de integração, a equação da continuidade será anexada à


equação de Navier-Stokes. Esta anexação é feita nos seguintes passos:

Passo 1: Multiplicar a equação da continuidade por u1 :


∂u1 ∂u2
u1 + u1 =0 (5.25)
∂x1 ∂x2

71
Passo 2: Somar a equação 5.25 à equação de Navier-Stokes:
∂u1 ∂u1 ∂u2 ∂u1 1 ∂p ∂ 2 u1
u1 + u1 + u1 + u2 = − +ν 2
∂x1 ∂x1 ∂x2 ∂x2 ρ ∂x1 ∂x2
∂ 2 u1
 
∂u1 ∂u2 ∂u1 1 ∂p
2 u1 + u1 + u2 = − +ν 2
∂x1 ∂x2 ∂x2 ρ ∂x1 ∂x2
| {z }
∂u1 u2
∂x2

∂ 2 u1
 
∂u1 ∂(u1 u2 ) 1 ∂p
2 u1 + = − +ν 2
∂x1 ∂x2 ρ ∂x1 ∂x2
2
∂u1 ∂(u1 u2 ) 1 ∂p ∂ 2 u1
+ = − +ν 2 (5.26)
∂x1 ∂x2 ρ ∂x1 ∂x2

Passo 3: Integrar a equação 5.26 ao longo de x2 :


ˆ Y 2
∂ 2 u1

∂u1 ∂(u1 u2 ) 1 ∂p
+ =− + ν 2 dx2 (5.27)
0 ∂x1 ∂x2 ρ ∂x1 ∂x2

Avaliando cada termo separadamente:


ˆ Y ˆ Y
∂u21 d
dx2 = u21 dx2
0 ∂x 1 dx 1 0
ˆ Y
∂(u1 u2 ) Y
dx2 = (u1 u2 ) 0 = u1 (Y )u2 (Y ) − u1 (0)u2 (0)
0 ∂x2
ˆ Y
1 ∂p 1 dp Y 1 dp
− dx2 = − x2 0 = − Y
0 ρ ∂x1 ρ dx1 ρ dx1
ˆ Y Y
∂ 2 u1

∂u1 ∂u1 ∂u1
ν 2 dx2 = ν =ν −ν
0 ∂x2 ∂x2 0 ∂x2 x2 =Y ∂x2 x2 =0

Logo a equação 5.27 se torna:


ˆ Y
d 2 1 ∂p ∂u1 ∂u1
u dx2 +u1 (Y )u2 (Y )−u1 (0)u2 (0) = − Y +ν −ν (5.28)
dx1 0 1 ρ ∂x1 ∂x2 x2 =Y ∂x2 x2 =0

Passo 4: Especificação de condições de contorno:

A primeira consideração que se faz é a de escoamento uniforme fora da camada limite,


estabelecendo:

x2 = Y ⇒ = 0 e u1 (Y ) = u∞ (5.29)
∂x2 x2 =Y

Em seguida, considera-se parede impermeável na placa plana:

u2 (0) = 0 (5.30)

72
Passo 5: Determinação de u2 (Y ) via integração da equação da continuidade:
ˆ Y 
∂u1 ∂u2
+ dx2 = 0 (5.31)
0 ∂x1 ∂x2

Avaliando cada parcela:


ˆ Y ˆ Y
∂u1 d
dx2 = u1 dx2
0 ∂x1 dx1 0
ˆ Y
∂u2 Y
dx2 = u2 0 = u2 (Y ) − u2 (0)
0 ∂x2 | {z }
=0

Logo a equação 5.31 se torna:


ˆ Y ˆ Y
d d
u1 dx2 + u2 (Y ) = 0 ⇒ u2 (Y ) = − u1 dx2 (5.32)
dx1 0 dx1 0

Passo 6: Substituição dos resultados 5.29, 5.30 e 5.32 na equação 5.28:


ˆ Y
d 1 ∂p ∂u 1 ∂u 1
u21 dx2 + u1 (Y ) u2 (Y ) −u1 (0) u2 (0) = − Y +ν −ν
dx1 0 | {z } | {z } | {z } ρ ∂x1 ∂x2 x2 =Y ∂x2 x2 =0
u∞ Equação 5.32 =0 | {z }
=0

ˆ Y ˆ Y

d d 1 ∂p ∂u1
⇒ u2 dx2 − u∞ u1 dx2 = − Y −ν
dx1 0 1 dx1 0 ρ ∂x1 ∂x2 x2 =0
ˆ Y ˆ Y ˆ
du∞ Y

d d
Mas u1 u∞ dx2 = u∞ u1 dx2 + u1 dx2
dx1 0 dx1 0 dx1 0
ˆ Y ˆ Y ˆ
d d du∞ Y
⇒ −u∞ u1 dx2 = − u1 u∞ dx2 + u1 dx2
dx1 0 dx1 0 dx1 0
ˆ Y ˆ Y ˆ
du∞ Y

d d 1 ∂p ∂u1
Logo u21 dx2 − u1 u∞ dx2 + u1 dx2 = − Y −ν
dx1 0 dx1 0 dx1 0 ρ ∂x1 ∂x2 x2 =0
ˆ Y ˆ Y ˆ
du∞ Y

d d 1 ∂p ∂u1
⇒ u21 dx2 − u1 u∞ dx2 = − Y − u1 dx2 − ν
dx1 0 dx1 0 ρ ∂x1 dx1 0 ∂x2 x2 =0
ˆ Y ˆ Y ˆ Y
d d d
Mas u21 dx2 − u1 u∞ dx2 = u1 (u1 − u∞ )dx2 , Logo:
dx1 0 dx1 0 dx1 0
ˆ Y ˆ
du∞ Y

d 1 ∂p ∂u1
u1 (u1 − u∞ )dx2 = − Y − u1 dx2 − ν (5.33)
dx1 0 ρ ∂x1 dx1 0 ∂x2 x2 =0

O domı́nio de solução da equação 5.33 é definido na região delimitada por Y e dx1 .


Sua solução pode ser feita de duas formas:

73
• Admite-se um perfil de velocidade genérico;

• Método da similaridade;

5.6.2 Definição de um perfil de velocidade genérico

Inicialmente, define-se um perfil genérico de velocidade adimensional:

Figura 5.4: Adimensionalização do Perfil de Velocidade

Onde:

0 6 x2 6 1
0 6 u1 6 1
x2 u1
n= e m= (5.34)
δ u∞
x2 = δn , u1 = mu∞
06n61 , 06m61

Nesta solução, admite-se escoamento uniforme sobre a placa plana, levando a:

du∞
= 0
dx1
dp
= 0
dx1

Logo a equação 5.33 se torna:

74
ˆ Y

d ∂u1
u1 (u1 − u∞ )dx2 = −ν
dx1 0 ∂x2 x2 =0
ˆ Y

d ∂u1
⇒ u1 (u∞ − u1 )dx2 = ν (5.35)
dx1 0 ∂x2 x2 =0

Fazendo a seguinte substituição:

u1 = mu∞ (5.36)
dx2 = δdn (5.37)

Tem-se:
ˆ 1  
d νu∞ dm
u∞ m(u∞ − u∞ m)δdn =
dx1 0 δ dn n=0
ˆ 1  
2 dδ νu∞ dm
u∞ m(1 − m)dn = , Multiplicando por δ/u2∞
dx1 0 δ dn n=0
ˆ 1  
dδ ν dm
δ m(1 − m)dn = (5.38)
dx1 0 u∞ dn n=0

Para facilitar a notação, será feito:


ˆ 1
A =m(1 − m)dn
0
 
dm
B =
dn n=0

Logo:
dδ ν B ν
δ A= B ⇒ δdδ = dx1 (5.39)
dx1 u∞ A u∞

Integrando entre 0 e δ e 0 e L:
ˆ δ ˆ L
B ν δ2 B ν
δdδ = dx1 ⇒ = L, Dividindo por L2
0 0 A u ∞ 2 A u∞
2
 2
δ B ν 1 δ 2B ν
2
= ⇒ =
2L A u∞ L L A u∞ L
| {z }
1
Re
 0,5
δ 2B δ
= Re−0,5 ⇒ = a1 Re−0,5 (5.40)
L A L

75
Para a determinação do coeficiente de atrito, faz-se inicialmente:
τw
CF =
0, 5ρu2∞

∂u1
τw = µ (5.41)
∂x2 x2 =0

τw ∂u1
= ν
ρ ∂x2 x2 =0

Retornando à equação inicial:


ˆ Y
d ∂u1
u1 (u∞ − u1 )dx2 = ν
dx1 0 ∂x2 x2 =0
ˆ 1  
2 dδ νu∞ dm
u∞ m(1 − m)dn = , Multiplicando por δ/u2∞
dx1 0 δ dn n=0
| {z }
τw
ρ
ˆ 1  
dδ ν dm
m(1 − m)dn = , Usando 5.39
dx1 0 u∞ dn n=0
| {z }
τw
ρu2

u∞ −1
δdδ B = A−1 dx1 (5.42)
ν

Integrando entre 0 e δ e 0 e L:
ˆ δ ˆ L
u∞ −1 δ 2 u∞ −1
δ B dδ = A−1 dx1 ⇒ B = A−1 L
0 ν 0 2 ν
δ 1 δu∞ −1
B = A−1 ⇒
L |2 ν{z }
1 τw −1
2 ρu2
=CF

δ 1 δ
= A−1 ⇒ CF = A
L CF L

Inserindo a equação 5.40:


0,5
2B
CF = Re−0,5 A
A
= (2B)0,5 A−0,5 ARe−0,5
= (2B)0,5 A−0,5 ARe−0,5 = (2B)0,5 A0,5 Re−0,5
= (2BA)0,5 Re−0,5 = a2 Re−0,5 (5.43)

Os coeficientes a1 e a2 são calculados como função do perfil de velocidade. Perfis


lineares, parabólicos, entre outras funções matemáticas, podem ser considerados.

76
5.6.3 Método da Similaridade

Se um dado escoamento possuir auto-similaridade, ou seja, seus perfis de velocidade


forem similares, então é possı́vel generalizar os perfis tal que:

Figura 5.5: Perfis Similares

y1 y2 y3 yn x2
= = = ... = ⇒ =η (5.44)
δ1 δ2 δ3 δn δ

Onde η é o parâmetro de similaridade. Os perfis de velocidade também podem ter uma


representação genérica, tal que:
u1
= g(η) (5.45)
u∞

Baseado nestas assertivas, escrevem-se as seguintes adimensionalizações:

x2 = δη
⇒ dx2 = δdη
0 6 x2 6 δ
06 η 61

Adimensionalizando a equação 5.35:


ˆ Y
d ∂u1
u1 (u∞ − u1 )dx2 = ν , Dividindo por u2∞ e adimensionalizando;
dx1 0 ∂x2 x2 =0

ˆ 1
d u1 u∞ u1 ν ∂(u1 /u∞ )
( − )δdη = , Usando 5.45;
dx1 0 u∞ u∞ u∞ u∞ δ∂η η=0
ˆ 1  
d ν ∂g(η)
δg(η)(1 − g(η))dη = (5.46)
dx1 0 u∞ δ ∂η η=0

77
A determinação de g(η) é feita através de uma função polinomial:

g(η) = a + bη + cη 2 + dη 3 + ... (5.47)

As constantes a, b, c, d são determinadas pelas condições de contorno. Considera-se


uma camada limite sobre placa plana e escoamento uniforme fora da camada limite.
Pode-se assim estabelecer as condições de contorno:

x2 = 0 ⇒ η = 0, Placa Plana
u1 = 0 ⇒ , g(0) = 0, Fronteira da camada limite
x2 = δ ⇒ , η = 1, Placa Plana
u1 = u∞ ⇒ , g(1) = 1, Fronteira da camada limite

Para as derivadas do polinômio:

0
x2 = δ ⇒ g (1) = 0
00
⇒ g (1) = 0
000
⇒ g (1) = 0

A segunda derivada de g(η) em x2 = 0 representará a tensão cisalhante, e só deve ser


empregada se τw /µ for conhecida:

x2 = 0 ⇒ u1 = 0; u2 = 0
∂u1 ∂u1 1 ∂p ∂ 2 u1
Logo u1 + u2 = − +ν 2
∂x1 ∂x2 ρ ∂x1 ∂x2
2 2
∂ u1 ∂ g(0)
Se torna 2
⇒ =0 (5.48)
∂x2 ∂η 2

Considerando um polinômio de terceiro grau:

g(η) = a + bη + cη 2 + dη 3 (5.49)

78
Atribuem-se os seguintes valores de η:

η = 0 ⇒ g(0) = 0 → a = 0
η = 1 ⇒ g(1) = 1 → b + c + d = 1
0
⇒ g (1) = 1 → b + 2c + 3d = 0
00
η = 0 ⇒ g (0) = 0 → c = 0
Da segunda equação ⇒ b+d=1
Da terceira equação ⇒ b = −3d
3 −1
Resolvendo o sistema linear ⇒ b = ;d =
2 2

Logo o polinômio se torna:


3 1
g(η) = η − η 3 (5.50)
2 2

E a primeira derivada de g para η = 0 se torna:


 
∂g(η) 0 3
= g (0) = (5.51)
∂η η=0 2

Substituindo o perfil cúbico na equação integral:


 ˆ 1    
d 3 1 3 3 1 3 ν 3
δ η− η 1− η− η dη =
dx1 0 2 2 2 2 u∞ δ 2
ˆ 1 
d 3 9 2 3 4 1 3 3 4 1 6 ν 3
δ η − η + η − η + η − η dη =
dx1 0 2 4 4 2 4 4 u∞ δ 2
 2 3 5 4
1
d 3η 9η 3η 1η 1 η7 3 ν
δ − + − − =
dx1 2 2 4 3 2 5 2 4 4 7 0 2 u∞ δ
    
d 3 9 3 1 1 3 ν d 39 3 ν
δ − + + − = ⇒ δ =
dx1 4 12 10 8 28 2 u∞ δ dx1 280 2 u∞ δ
dδ 3 280 ν 140 ν
= ⇒ δdδ = dx1
dx1 2 39 u∞ δ 13 u∞

Integrando entre 0 e δ e 0 e L:
ˆ δ ˆ L ˆ δ ˆ L
140 ν 140 ν
δdδ = dx1 ⇒ δdδ = dx1
0 0 13 u∞ 0 13 u∞ 0
δ2 140 νL 2 δ2 280 ν
= , Dividindo por L ⇒ 2
=
2 13 u∞ L 13 u∞ L
| {z }
1
Re
 2  0,5
δ 280 −1 δ 280
= Re ⇒ = Re−0,5
L 13 L 13
δ
= 4, 6411Re−0,5 (5.52)
L
79
Cálculo da tensão cisalhante na parede e do coeficiente de atrito:
 
3 1 3 u1 3 1 3
g(η) = η − η = ⇒ u1 = u∞ η− η
2 2 u∞ 2 2
 
x2 3 x2 1  x2  3
η= ⇒ u1 = u∞ −
δ 2 δ 2 δ

∂u1
3 ∂u1 3µu∞
= u∞ ⇒ τw = µ =
∂x2 x2 =0
2δ ∂x2 x2 =0

3 µu∞ 0,5
Usando a equação 5.52 τw = Re
2 · 4, 6411 L
µu∞ 0,5
τw = 0, 3232 Re
L
2ν τw
CF = 0, 3232 Re0,5 Onde CF = (5.53)
Lu∞ 0, 5ρu2∞

5.7 Solução do Problema de Camada Limite: Análise Diferencial

A análise diferencial, também chamada de solução de Blasius, consiste no resultado da


aplicação das equações de Prandtl (Equação 5.17) da camada limite em um escoamento
bidimensional ao longo de uma placa plana, com as mesmas condições de contorno
das análises de escala e integral. Agora, o problema é resolvido como a resolução de
uma equação diferencial parcial. Para esta resolução, adota-se a seguinte hipótese de
similaridade:

x2
= η
δ(x2 )
x2 = x1 Re−0,5 η
dx2 = x1 Re−0,5 dη (5.54)
δ(x2 ) = x1 Re−0,5
u1 df 0
= = f (η)
u∞ dη
0
u1 = u∞ f (η)

Através desta hipótese, é possı́vel calcular a componente u2 do campo de velocidade


usando o conceito de função de corrente:

80
∂ψ ∂u1 ∂ 2ψ
ψ = ψ(x1 , x2 ) ⇒ u1 = ⇒ =
∂x2 ∂x1 ∂x1 ∂x2
∂ψ ∂u2 ∂ 2ψ
⇒ u2 = − ⇒ =−
∂x1 ∂x2 ∂x1 ∂x2
∂u1 ∂u2
Se + = 0
∂x1 ∂x2
∂ 2ψ ∂ 2ψ
Então − = 0
∂x1 ∂x2 ∂x1 ∂x2

Substituindo as variáveis de similaridade:


ˆ 1 ˆ 1
0
ψ= u1 dx2 = u∞ f (η)x1 Re−0,5 dη
0 0
= u∞ x1 Re−0,5 f (η)
ν 0,5 −0,5
= u ∞ x1 0,5 0,5 f (η) = (νu∞ x1 ) f (η) (5.55)
u ∞ x1

Cálculo de u2 :
∂ψ ∂ 
(νu∞ x1 )0,5 f (η)

u2 = − = −
∂x1 ∂x1
 
∂ 0,5 0,5 ∂f (η)
= − (νu∞ x1 ) f (η) + (νu∞ x1 )
∂x1 ∂x
| {z } | {z1 }
a b
 0,5
1 νu∞ ∂f ∂f ∂η 0 ∂η
a= ; b= = = f (η)
2 x1 ∂x1 ∂η ∂x1 ∂x1
"  0,5 # "  0,5 #  0,5
∂η ∂ x2 νu∞ ∂ u∞ 1 u∞
= = x2 = − x2
∂x1 ∂x1 x1 x1 ∂x1 νx1 2 νx31
 0,5
1 0 u∞
Logo b = − x2 f (η)
2 νx31
 0,5  0,5
1 νu∞ 1 u∞ 0
E u2 = − f (η) + x2 3
f (η)(νu∞ x1 )0,5
2 x1 2 νx1
 0,5
1 νu∞ 1 u∞ 0
= − f (η) + x2 f (η)
2 x1 2 x1
0,5 0,5
ν 0,5 u∞0,5
 
u∞ −0,5 u∞ ν u∞ ν
Mas x2 = Re η = ηu∞ = η= η
x1 x1 u∞ x1 x0,5
1
x 1
 0,5  0,5
1 νu∞ 1 u∞ ν 0
Logo u2 = − f (η) + ηf (η)
2 x1 2 x1
 0,5
1 u∞ ν 0
u2 = [ηf (η) − f (η)] (5.56)
2 x1

81
Agora, os valores de u1 e u2 serão substituı́dos termo a termo na segunda equação 5.17
sem o termo de pressão2 . Serão também inseridas as variáveis de similaridade.

Recuperando a equação:
∂u1 ∂u1 ∂ 2 u1
u1 + u2 =ν 2 (5.57)
∂x1 ∂x2 ∂x
|{z} |{z} | {z 2}
| {z1 } | {z2 } 3
4 5

Cálculo de 1:

0 0
∂u1 ∂ 0 ∂f (η) ∂f ∂η
= (u∞ f (η)) = u∞ = u∞
∂x1 ∂x1 ∂x1 ∂η ∂x1
 0,5
∂η 1 u∞
Mas = − x2
∂x1 2 νx31
 0,5
∂u1 1 u∞ 00
Logo = − u ∞ x2 3
f (η) (5.58)
∂x1 2 νx1

Cálculo de 2:
0 0
∂u1 ∂ 0 ∂f (η) ∂f ∂η
= (u∞ f (η)) = u∞ = u∞
∂x2 ∂x2 ∂x2 ∂η ∂x2
|{z} |{z}
f 00 (η) Equação 5.54
0,5 0,5 0,5
 0,5
∂η −1 0,5 −1 u∞ x1 u∞ u∞
= x1 Re = x1 = 0,5 =
∂x2 ν 0,5 x1 ν 0,5 x1 ν
 0,5
∂u1 u∞ 00
= u∞ x2 f (η) (5.59)
∂x2 x1 ν
2
Assim como na análise integral, esta solução considerará gradiente nulo de pressão no interior da
camada limite

82
Cálculo de 3:
"  0,5 #
∂ ∂u1 ∂ u∞ 00
ν = ν u∞ x2 f (η)
∂x2 ∂x2 ∂x2 x1 ν
 0,5 00
u∞ ∂f
= νu∞
x1 ν ∂x2
00 00  0,5
∂f ∂f ∂η 000 u∞
= = f (η)
∂x2 ∂η ∂x2 x1 ν
0,5 0,5
∂ 2 u1
  
u∞ u∞ 000
ν 2 = νu∞ f (η)
∂x2 x1 ν x1 ν
2 2
∂ u1 u 000
ν 2 = ∞ f (η) (5.60)
∂x2 x1

Cálculo de 4:
"  0,5 #
∂u1 0 1 u∞ 00
u1 = (u∞ f (η)) − u∞ x2 3
f (η)
∂x1 2 νx1
 0,5
1 u∞ 0 00
= − u2∞ x2 3
f (η)f (η) (5.61)
2 νx1

Cálculo de 5:
 0,5  0,5
∂u1 1 u∞ ν 0 u∞ 00
u2 = [ηf (η) − f (η)]u∞ x2 f (η)
∂x2 2 x1 x1 ν
 0,5  0,5
1 u∞ ν u∞ 00 0
= u∞ f (η)η f (η)
2 x1 x1 ν | {z }
f 00 (η)
 0,5  0,5
1 u∞ ν u∞ 00
− u∞ f (η)f (η)
2 x1 x1 ν
0,5
1 u2∞ 00

∂u1 1 2 u∞ 00 0
Logo u2 = u ∞ x2 f (η)f (η) − f (η)f (η) (5.62)
∂x2 2 νx31 2 x1

Inserindo estes termos na equação 5.57, obtém-se a equação de Blasius:


0,5 0,5
1 u2∞ 00
 
1 2 u∞ 0 00 1 2 u∞ 0 00
− u∞ x2 f (η)f (η) + u x 2 f (η)f (η) − f (η)f (η)
2 νx31 2 ∞ νx31 2 x1
u2∞ 000
= f (η)
x1
1 u2 00 u2∞ 000
⇒ − ∞ f (η)f (η) = f (η)
2 x1 x1
000 00
⇒ 2f (η) + f (η)f (η) = 0 (5.63)

83
As condições de contorno do problema serão:
0
η = 0 ⇒ f (η) = f (η) = 0 (5.64)
0
η → ∞ = f (η) = 1 (5.65)

Esta equação pode ser resolvida de duas formas:

• Solução via série de Maclaurin:



X f k (0)
f (η) = ηk
k=0
k!

• Solução numérica;

5.8 Espessura de deslocamento e espessura de quantidade de movimento

Observa-se dos resultados obtidos que a determinação da espessura da camada limite


varia com o método empregado. A tabela 5.1 mostra os resultados obtidos para a
espessura da camada limite com as análises que foram desenvolvidas.

Tabela 5.1: Soluções para a espessura da camada limite

Espessura da Camada Limite


Análise de Escala δ
L
∼ Re−0,5
Análise Integral - Perfil Adimensional δ
L
= a1 Re−0,5
Análise Integral - Similaridade δ
L
= 4, 6411Re−0,5

Neste sentido, as espessuras de deslocamento e de quantidade de movimento são con-


ceitos que tentam compensar a imprecisão na definição da espessura da camada limite.
A espessura de deslocamento δ ∗ é associada pelo déficit de vazão oriundo da camada
limite quando comparado com um perfil potencial invı́scido.

84
Figura 5.6: Déficits de Vazão

O déficit do perfil real é definido por:


ˆ ∞
(u∞ − u1 )dx2 (5.66)
0

O déficit do mesmo escoamento, considerando que ele seja invı́scido é:

u∞ δ ∗ (5.67)

Igualando:
ˆ ∞
(u∞ − u1 )dx2 = u∞ δ ∗
ˆ0 ∞ ˆ ∞ 
∗ 1 u1
⇒δ = (u∞ − u1 )dx2 = 1− dx2 (5.68)
u∞ 0 0 u∞

Esta espessura é uma medida do quanto às linhas de corrente estão afastadas da placa
plana quando comparadas com um escoamento invı́scido na mesma situação. Já a
espessura de quantidade de movimento θ é associada à quantidade de movimento do
déficit de vazão. A quantidade de movimento do déficit de vazão do perfil real é definida
por: ˆ ∞
u1 (u∞ − u1 )dx2 (5.69)
0

A quantidade de movimento do déficit do mesmo escoamento, considerando que ele


seja invı́scido é dado por:
u∞ u∞ θ (5.70)

85
Igualando:
ˆ ∞
u1 (u∞ − u1 )dx2 = u2∞ θ
0
ˆ ∞
1
⇒θ = 2 u1 (u∞ − u1 )dx2 (5.71)
u∞ 0

Esta espessura é uma medida da quantidade de movimento perdida por atrito quando
comparada com o escoamento invı́scido.

5.9 Exercı́cios

1- Para a solução integral da camada limite bidimensional em uma placa plana deduzida
em aula, considere agora perfis:

• Quadrático:
m(n) = 2 − n2 (5.72)

• Cúbico:
m(n) = 3n2 − n3 (5.73)

• Logarı́tmico:
m(n) = ln n (5.74)

Determine como serão calculadas a espessura da camada limite e o coeficiente de atrito


(Se for possı́vel).

2- Considere o seguinte perfil de velocidade:

 x 1/7
2
u = u∞ (5.75)
δ

Calcule:

• A espessura da camada limite;

86
• A tensão cisalhante;

3- Considere o seguinte perfil de velocidade:

1  x2  3
u = 1, 5u∞ − (5.76)
2 δ

Calcule:

• A espessura de deslocamento;

• A espessura de quantidade de movimento;

4- Determine a espessura da camada limite nas seguintes situações:

• Casco de um navio transatlântico com um comprimento de 10 metros e velocidade


de corrente marı́tima de 2 m/s;

• Duna de areia onde a velocidade do vento possua uma relação linear com o
comprimento da duna;

5- Para o caso da camada limite laminar bidimensional em uma placa plana, toma-se
o seguinte perfil de velocidade adimensional:

m(n) = 6 sin(n − 2) (5.77)

Determine a espessura da camada limite para este perfil. Para sua resolução considere
(C é uma constante):

ˆ
x sin 2x
sin2 x = − +C (5.78)
2 4

87
6 NOÇÕES DE TURBULÊNCIA EM FLUIDOS

Neste capı́tulo, pretende-se fazer uma breve introdução à turbulência. Não se pretende
aqui fazer uma descrição detalhada. Descrições mais exaustivas podem ser encontradas
na literatura especializada. Os autores recomendam os livros da escola de primavera
de transição e turbulência, publicados pela ABCM1 .

6.1 Definições?

• O que seria turbulência?


O dicionário Michaelis define turbulência da seguinte forma:
1 Qualidade de turbulento. 2 Ato turbulento. 3 Grande desordem; motim, per-
turbação da ordem pública, sublevação, tumulto.
Logo, pode-se entender turbulência como um comportamento inerente a um de-
terminado sistema.

• Qualquer sistema dinâmico pode apresentar comportamento turbu-


lento?
Na fı́sica aplicada, define-se que um sistema detém regime turbulento quando
o mesmo funciona com um elevado número de graus de liberdade, visto que
todo sistema dinâmico com esta caracterı́stica tende a apresentar comportamento
caótico. Um escoamento de um fluido pode perfeitamente ser encaixado nesta
categoria.

• Como estudar turbulência em fluidos?


A maior parte dos escoamentos existentes na natureza é turbulento. Por isto,
há muito interesse em compreender estes escoamentos a fundo. Os escoamentos
turbulentos são instáveis e possuem flutuações que variam no espaço e no tempo.
A turbulência e o campo correlato de transição advindo de um regime laminar
têm sido alvo de intensa pesquisa no último século. Atualmente a turbulência é
vista como uma das mais incompreendidas áreas da fı́sica moderna. O histórico
1
Associação Brasileira de Engenharia e Ciências Mecânicas

88
do estudo da turbulência remete à Leonardo da Vinci até os tempos atuais. O es-
tado da arte da turbulência hoje compreende metodologias tanto determinı́sticas2
quanto estocásticas3 .A turbulência é estudada através de várias frentes, dentre
elas, a experimentação em laboratório e a simulação numérica. A experimentação
utiliza uma vasta gama de equipamentos de medida, como anemometria de fio
quente e laser, PIV4 , LIF5 e LDV6 . Esses recursos, especialmente os três últimos,
permitem uma visualização bi e tridimensional do escoamento.
Já a simulação numérica tem avançado significativamente nos últimos anos de-
vido à evolução tecnológica dos computadores.Algumas das abordagens numéricas
existentes atualmente para o estudo de escoamentos turbulentos podem ser des-
critas como:

– Simulação numérica direta7 ;


– Simulação de grandes escalas8 ;
– Decomposição de Reynolds9 ;
– Simulação por metodologias hı́bridas (Decomposição de Reynolds e grandes
escalas simultaneamente;

O presente texto não fará uma descrição detalhada de todas estas técnicas,
focando-se no estabelecimento do problema de escoamentos turbulentos. Sugere-
se a literatura especializada para descrições de cada técnica

• Como definir turbulência em fluidos?


Não existe atualmente uma definição para a turbulência em fluidos. O nı́vel
de conhecimento acerca da mesma ainda não permite uma definição completa.
Por isto, prefere-se identificar a turbulência em escoamentos fluidos através de
caracterı́sticas quando o fenômeno ocorre em um escoamento.

Estas caracterı́sticas são:


2
Que calculam o valor de uma dada variável.
3
Que calculam a probabilidade de uma dada variável assumir determinado valor.
4
Particle Image Velocimetry
5
Laser Induced Fluorescence
6
Laser Doppler Velocimetry
7
No inglês: DNS - Direct Numerical Simulation
8
No inglês: LES - Large Eddy Simulation
9
No inglês: RANS - Reynolds Averaged Navier-Stokes e URANS - Unsteady Reynolds Averaged
Navier-Stokes

89
• Irregularidade

Esta caracterı́stica está associada a uma desorganização do escoamento turbulento. A


figura10 6.1 mostra esta desorganização quando comparada a um escoamento laminar.
Esta desorganização traz uma grande dificuldade do ponto de vista matemático, visto
que a dificuldade em deduzir modelos matemáticos que prevejam de forma precisa
propriedades turbulentas aumenta drasticamente. Pode-se afirmar que a turbulência é
um fenômeno determinı́stico, pois possui equações que descrevem seu movimento. Com
condições iniciais e de contorno impostas, as equações citadas podem ser resolvidas
para escoamentos turbulentos. Entretanto, efetuar este cálculo diretamente ainda é
computacionalmente demandante devido ao fato da turbulência ser um fenômeno não-
linear. Logo as utilizações de técnicas estatı́sticas vem no sentido de diminuir o custo
do cálculo das equações para o escoamento turbulento. Tanto que, em aplicações de
engenharia, o tratamento estatı́stico completo do escoamento já é suficiente para a sua
análise.

(a) Laminar (b) Turbulento

Figura 6.1: Escoamento em torno de uma esfera

• Difusividade

No regime turbulento, a difusão de massa, (ex. poluentes), energia térmica e quantidade


de movimento são muito mais intensas do que no regime laminar. O processo de
difusão no escoamento turbulento se dá por ação das flutuações de velocidade. A
consequência direta disto é a geração de altos gradientes de potenciais associados,
acelerando a difusão molecular. Nota-se que a turbulência aumenta o poder de difusão
10
Fonte: Henri Werlé, 1980 (ONERA), disponı́vel em Van Dyke, An Album of Fluid Motion

90
do escoamento, majorando efeitos de mistura e acelerando reações quı́micas. A figura11
6.2 mostra este efeito em um escoamento com reações quı́micas.

Figura 6.2: Reações quı́micas em escoamento turbulento

• Múltiplas Escalas

Um escoamento turbulento tem como peculiaridade a multiplicidade de escalas. Isto


significa que cada instabilidade dentro do escoamento é composta de outras instabili-
dades, cujo comprimento de onda é menor do que as primeiras. É possı́vel visualizar
esta peculiaridade nos escoamentos. Esta multiplicidade também é uma forma de re-
presentação do número de graus de liberdade do escoamento. A cascata de energia
presente nos escoamentos turbulentos representa a transferência de energia das gran-
des escalas (produtoras de energia) para as pequenas escalas (dissipadoras de energia).
As grandes escalas são compostas de escalas menores, que por sua vez, são compostas
de escalas ainda menores, o que faz com que a transferência de energia seja devido
às interações entre as escalas do escoamento. A figura12 6.1 mostra esta caracterı́stica
no escoamento na esteira de um corpo aerodinâmico e na convecção de calor em uma
pelı́cula de sabão.
11
M.G. Wells, H.J.H. Clercx, and G.J.F. van Heijst (2007) Vortices in oscillating spin-up. Journal
of Fluid Mechanics. 573, 339-369
12
A figura 6.3(a) é de autoria dos pesquisadores da Universidade Técnica da Dinamarca, sendo
premiada pela American Physics Society e publicada na revista National Geographic. A figura 6.3(b)
é de autoria de J. M. Skotheim e J. W. M. Bush, do MIT(Massachussets Institute of Technology)

91
(a) Escoamento em torno de um corpo aero- (b) Convecção forçada devido à evaporação da
dinâmico água

Figura 6.3: Visualizações em pelı́cula de sabão

• Rotacionalidade e Tridimensionalidade

A turbulência só ocorre em escoamentos com algum nı́vel de rotacionalidade. Os me-


canismos de transição à turbulência têm relação com a geração de vorticidade através
das mais diversas instabilidades. Exemplos são as instabilidades de Kelvin-Helmholtz,
ou as de “Grampo de Cabelo”(hairpin). A figura13 6.4 mostra estas instabilidades. Na
seção a seguir, será feita a descrição da relação da rotacionalidade do escoamento com
a turbulência.

(a) Turbulência de Grelha - Instabilidades hairpin (b) Instabilidades de Kelvin-Helmholtz no planeta


Saturno

Figura 6.4: Visualização de estruturas tridimensionais e rotacionais


13
A figura 6.4(a) é de autoria do Centro de Pesquisa em Dinâmica dos Fluidos, baseado no IIT
(Illinois Institute of Technology). A figura 6.4(b) é de autoria da NASA

92
• Dissipativa

Na turbulência, as tensões cisalhantes são intensificadas e fazem a energia cinética


do escoamento ser transformada em aquecimento via dissipação viscosa. Este efeito
dissipativo está relacionado com as flutuações de velocidade, e quanto mais intensas,
maior é o efeito dissipativo. Sem a inserção de energia, a turbulência decai rapidamente.
Isto mostra que a turbulência não sobrevive sem o fornecimento contı́nuo de energia,
tendo um comportamento parasitário no escoamento.

• Difı́cil Previsão

As interações não lineares que caracterizam a turbulência e o sistema dinâmico que a


define são extremamente dependentes de condições iniciais. E estas condições tornam os
modelos de solução imprecisos. Por esta razão, é impossı́vel repetir duas vezes o mesmo
experimento com 100% de fidelidade. Portanto, mesmo com pequenas diferenças nas
condições iniciais, os fenômenos não-lineares inerentes ao escoamento turbulento am-
plificam estas diferenças. Esta caracterı́stica destaca o fato de que a turbulência é uma
caracterı́stica do escoamento, e não do fluido.

Para exemplificar esta caracterı́stica, toma-se o sistema dinâmico de Lorenz, definido


pelas seguintes EDOs:
dx1
= σ(x2 − x1 )
dt
dx2
= ρx1 − x2 − x1 x3
dt
dx3
= −βx3 + x1 x2
dt

Assumindo σ = 10, β = 8/3 e variando o valor de ρ, tomam-se as seguintes condições


iniciais:

I : [x1 (0), x2 (0), x3 (0)] = [0, 1; 0, 1; 0, 1]


II : [x1 (0), x2 (0), x3 (0)] = [0, 1000001; 0, 1; 0, 1]

Em teoria, estas condições iniciais devem apresentar resultados bem aproximados.

93
Figura 6.5: Sistema dinâmico de Lorenz: ρ = 5

Figura 6.6: Sistema dinâmico de Lorenz: ρ = 20

Figura 6.7: Sistema dinâmico de Lorenz: ρ = 24,2

Entretanto, conforme mostra a figura 6.8, quando ρ = 24, 3, o sistema torna-se alta-
mente sensı́vel à pequena diferença entre as condições iniciais.

94
Figura 6.8: Sistema dinâmico de Lorenz: ρ = 24,3

O parâmetro análogo a ρ na turbulência é o número de Reynolds. Logo, nota-se que


acima de um determinado valor do número de Reynolds, o escoamento fica muito
sensı́vel à qualquer perturbação, seja em sua fronteira ou nas estruturas turbulentas.
Portanto, qualquer tentativa de predizer a velocidade do escoamento de forma exata
estará fadada a errar. Logo a melhor abordagem é tentar prever a probabilidade de
esta velocidade acontecer.

6.2 Cascata de Energia

A cascata de energia é uma das primeiras tentativas de conceber uma teoria para a
turbulência. Este conceito é a base de todas as abordagens utilizadas atualmente para
a resolução de escoamentos turbulentos. Admite-se que um escoamento turbulento é
composto de várias escalas. Uma escala14 é definida como um “pacote de fluido”ou um
turbilhão (Ver figura 6.4). Dentro deste conceito, estabelece-se que:

• As grandes escalas produzem energia;

• As pequenas escalas dissipam energia;

Uma escala será considerada, em nı́vel mais básico, um movimento turbulento em uma
região de tamanho l. Este tamanho vai da escala de comprimento do escoamento
14
Do inglês Eddy

95
L até a menor escala existente no mesmo escoamento15 . Portanto cada escala terá
uma velocidade caracterı́stica, uma escala de tempo caracterı́stica e um número de
Reynolds caracterı́stico. As grandes escalas produzem energia, que será dissipada por
escalas menores. Estas escalas menores terão sua energia dissipada por escalas menores
ainda! Esta dinâmica é representada pelo poema de L. F. Richardson:

Big whirls have little whirls,


Which feed on their velocity.
And little whirls have lesser whirls,
And so on to viscosity in the molecular sense.

Assim, define-se a cascata de energia como a transferência de energia das grandes


escalas para as pequenas escalas. A viscosidade do fluido irá limitar a criação de
escalas infinitesimais, que sejam menores que as pequenas escalas. Esta limitação
garantirá também que a turbulência obedecerá, de forma geral, a hipótese de meio
contı́nuo. A cascata de energia, portanto, é o mecanismo-chave para o desenvolvimento
da turbulência.

A equação da vorticidade, definida no capı́tulo 4, é recuperada aqui:


∂Ω 2 DΩ
+u · ∇Ω = Ω · ∇u + ν∇ Ω ⇒ = Ω · ∇u + ν∇2 Ω (6.1)
∂t | {z } | {z } | {z } Dt
|{z} 2 3 4
1

Onde:

1. Variação local da vorticidade;

2. Variação convectiva da vorticidade;

3. Termo relacionado com o transporte de vorticidade devido à velocidade devido


a:

• Estiramento de um filamento de vórtice;


• Rotação de um filamento de vórtice;

4. Termo de difusão de vorticidade devido à ação molecular;


15
Esta escala será definida na seção a seguir

96
O termo 3 é o responsável pela variação de vorticidade via torção ou extensão de uma
linha de vórtices. Em escoamentos bidimensionais, este termo se anula, devido ao fato
de que o vetor vorticidade se torna normal ao plano do escoamento em qualquer região
do mesmo16 (Figura 6.9). A cascata de energia utiliza a extensão de uma linha de
vórtices para se desenvolver, e portanto sua existência está vinculada ao fato de que
este termo seja diferente de zero. Caso este termo seja zero, então a extensão de uma
linha de vórtices inexistirá e a cascata de energia mencionada anteriormente deixa de
existir. Como consequência, a turbulência pode ou inexistir nos escoamentos em duas
dimensões ou mudar qualitativamente, dependendo da circunstância.

Figura 6.9: Vetores velocidade e vorticidade em escoamento 2D

A cascata de energia e sua predição é um dos maiores desafios no estudo da turbulência


pois é a partir dela que as escalas turbulentas são geradas e é por ela que ocorre
a transferência de energia. Além disto, é possı́vel a ocorrência de transferência de
energia reversa, ou seja, das pequenas escalas para as grandes escalas17 . Logo pode-se
definir a turbulência e a cascata de energia como fenômenos não-lineares.
16
Ver capı́tulo 4, item 4.3
17
Este fenômeno é chamado de backscatter.

97
6.3 Escalas de Kolmogorov

As escalas de Kolmogorov representam as menores escalas turbulentas de um escoa-


mento. A premissa destas escalas se baseia na hipótese de Kolmogorov, que diz que
em números de Reynolds suficientemente altos, o movimento das pequenas escalas será
estatisticamente isotrópico18 . Como consequência, as pequenas escalas serão univer-
sais, ou seja, serão as mesmas para qualquer escoamento turbulento. Nestas mesmas
condições, os mecanismos de dissipação de energia são determinados apenas pela visco-
sidade cinemática ν e pela dissipação turbulenta , que está vinculada às flutuações de
velocidade. E nestas condições, existirá uma faixa de escalas cujas propriedades serão
determinadas apenas por .

As escalas de Kolmogorov são dadas por:


0,25
ν3

η = , Escala de comprimento (6.2)

 ν 0,5
τ = , Escala de tempo (6.3)

ϑ = (ν)0,25 , Escala de velocidade (6.4)

A dissipação turbulenta determinará o fluxo de energia que as pequenas escalas rece-


berão. A hipótese de Kolmogorov coloca que o espectro da energia cinética de tur-
bulência19 k em sua faixa inercial dependerá da relação entre produção e dissipação de
energia.

6.4 Decomposição de Reynolds

As equações da continuidade e Navier-Stokes (Equações 3.4 e 4.19) são capazes de


descrever de forma contı́nua o escoamento de um fluido Newtoniano. Escoamentos
turbulentos podem se encaixar nesta categoria. Isto se deve ao fato de que todas as
escalas turbulentas são significativamente maiores do que as escalas de movimento mo-
leculares, excetuando os escoamentos em altı́ssimos números de Mach (superiores a 15).
Portanto, como estas equações devem ser aplicadas para a resolução de escoamentos
turbulentos?
18
Significa que as pequenas escalas terão o mesmo comportamento em todas as suas direções
19
É a transformada de Fourier da energia cinética de turbulência

98
6.4.1 Simulação Numérica Direta

A simulação numérica direta consiste em uma análise determinı́stica da turbulência.


As equações 3.4 e 4.19 são modificadas de um meio contı́nuo para um meio discreto.
O objetivo é obter todas as escalas do escoamento, reproduzindo assim um ensaio
experimental de curta duração.

O número de graus de liberdade N para a realização de uma DNS é dado através das
escalas de Kolmogorov. Este número dá uma noção da memória computacional a ser
alocada para cálculo:  0,75
l lϑ
N∝ = ⇒ N 3 ∝ Re2,25 (6.5)
η ν

O tempo de cálculo necessário para uma DNS é dado por:

T ∝ Re3 (6.6)

Nota-se que o aumento do número de Reynolds em um fator 10 demandará uma


alocação de memória 178 vezes maior e um tempo de cálculo 1000 vezes maior! Estas
caracterı́sticas trazem:

• Pró: Resultados tridimensionais e brutos do escoamento;

• Contra: Limitação a escoamentos com números de Reynolds baixos para mode-


rados, e demanda geometrias de cálculo simples;

Em virtude destas caracterı́sticas, a DNS ainda não é uma abordagem de engenha-


ria. Portanto, uma abordagem aleatória é mais adequada, calculando-se assim valores
médios de velocidade e pressão. A seção a seguir apresentará uma das abordagens mais
usadas na engenharia. Outras abordagens, como a simulação de grandes escalas e a
simulação hı́brida, podem ser encontradas na literatura.

99
6.4.2 Equações Médias de Reynolds

Reynolds propôs um processo de decomposição das equações de Navier-Stokes através


de uma média temporal, conhecida como URANS20 . Esta metodologia consiste em
analisar o comportamento médio do escoamento e modelar as suas flutuações. As
deduções desta seção serão feitas em notação indicial

A tomada de média temporal é feita da seguinte forma, para uma grandeza qualquer
f: ˆ t+T
1
f= f (t)dt (6.7)
T t

Onde t é um tempo inicial e T é o tempo decorrido de observação do escoamento,


superior à escala de tempo de Kolmogorov. Portanto, para esta grandeza qualquer,
faz-se a separação da mesma em uma média e uma flutuação:

f = f + f0 (6.8)

Têm-se ainda as seguintes propriedades (admitindo que a média é um valor constante):

• A média da flutuação é zero;

• A média do produto entre uma média e uma flutuação é zero;

• A média do produto é o produto das médias;

Portanto para a equação da continuidade para escoamento incompressı́vel (equação


3.8) , tomando a média e utilizando a comutatividade das derivadas parciais, tem-se
que:
∂ui
=0 (6.9)
∂xi

Subtraindo 3.8 de 6.9, tem-se a equação da continuidade para a flutuação da velocidade:


∂u0i
=0 (6.10)
∂xi
20
Unsteady Reynolds Averaged Navier-Stokes

100
Para a equação de Cauchy 3.21 considerando meio contı́nuo fluido, efeitos viscosos,
escoamento incompressı́vel e ausência de forças de campo, tem-se que, aplicando a
média e utilizando a comutatividade novamente:

 
∂ui ∂(ui uj ) 1 ∂p ∂τij
+ = − + (6.11)
∂t ∂xj ρ ∂xi ∂xj

Onde a parte deviatórica média do tensor de tensões é definida por:

 
∂ui ∂uj
τij = µ + (6.12)
∂xj ∂xi

Aplicando a separação de escalas para a velocidade (equação 6.8) no interior do termo


convectivo de 6.11 e utilizando das propriedades mencionadas, tem-se:

ui uj = (ui + u0i )(uj + u0j )


= ui uj + u0i uj + u0j ui + u0i u0j
= ui uj + u0i u0j (6.13)

Inserindo este resultado na equação 6.11 e multiplicando a equação pela massa es-
pecı́fica:

∂(ui uj + u0i u0j )


 
∂ui ∂p ∂τij
ρ +ρ = − + (6.14)
∂t ∂xj ∂xi ∂xj

Utilizando a equação da continuidade, a derivada do termo convectivo pode ser escrita


como:

∂(ui uj + u0i u0j ) ∂ui ∂u0i u0j


= uj + (6.15)
∂xj ∂xj ∂xj

Agrupando o termo u0i u0j no lado direito da equação, tem-se:

101
∂ui ∂ui ∂p ∂τij ∂ρu0i u0j
ρ + ρuj =− + − (6.16)
∂t ∂xj ∂xi ∂xj ∂xj

Rearranjando o lado direito da equação 6.16, tem-se finalmente:

∂ui ∂ui ∂p ∂τij ∂


ρ + ρuj =− + − (ρu0i u0j ) (6.17)
∂t ∂xj ∂xi ∂xj ∂xj

Faz-se necessário aqui o tratamento do tensor de Reynolds. O termo ρu0i u0j o denota.
Este termo representa a transferência de quantidade de movimento devido à flutuações
de velocidade. Ele também pode ser entendido como a contribuição da turbulência no
tensor de tensões. Este tensor é simétrico e é uma incógnita suplementar do problema.
Por conta disto não é possı́vel resolver o sistema de equações nesta forma, devido ao
fato do sistema de equações estar aberto, ou seja, há mais incógnitas (10, sendo elas,
as três componentes da velocidade, as seis tensões de Reynolds e a pressão) do que
equações (4, sendo estas, a equação da continuidade e as três componentes da equação
de Navier-Stokes).

É possı́vel deduzir uma equação diferencial parcial para o tensor de Reynolds, mas o
resultado conterá uma correlação suplementar de terceira ordem do tipo u0i u0j u0j . Quanto
mais se deduzir equações para estas correlações, mais correlações de ordens superiores
irão aparecer. Portanto, obter recursivamente equações para o tensor de Reynolds é
impraticável!

6.4.3 Problema de Fechamento

O tensor de Reynolds é uma correlação suplementar que surgirá devido aos efeitos
do escoamento instantâneo não presentes no escoamento médio. Tentar obter recur-
sivamente equações para o tensor de Reynolds é impraticável devido ao fato de que
as correlações de ordem superior serão sempre incógnitas geradas pelas equações das
correlações originais. Isto se deve ao fato de que a tomada de média é um processo ma-
temático, e não fı́sico. Logo, ao se tomar valores médios de um escoamento turbulento,
muita informação sobre a turbulência do escoamento será perdida no processo. Logo o
problema posto deve ser “fechado”, configurando assim o problema de fechamento.

102
O sucesso da abordagem escolhida para fechar o problema dependerá principalmente
da configuração do escoamento e da ordem estatı́stica desejada para o resultado. As
modelagens de fechamento da turbulência podem ser classificados de acordo com sua
ordem de fechamento:

• Primeira ordem: Tensões de Reynolds definidas através de funções da velocidade


média e da geometria do escoamento;

• Segunda ordem: Possuem equações para as correlações de segunda ordem e mo-


delam as correlações de ordem superior;

• Terceira ordem: Possuem equações para as correlações de terceira ordem e mo-


delam as correlações de ordem superior;

Ordens superiores podem ser usadas no problema, mas estas ordens poderão não ser
vantajosas do ponto de vista do custo computacional.

6.4.4 Hipótese de Boussinesq

A primeira hipótese para o problema de fechamento foi teorizada por Joseph Boussinesq
em 1872. Esta hipótese foi a geratriz da maioria dos modelos de turbulência, e é
até hoje muito utilizada como ponto de partida para os modelos de turbulência de
fechamento de primeira ordem. Esta hipótese consiste em propor que, na transição
de um escoamento laminar para turbulento, ocorre um aumento nos coeficientes de
atrito do fluido. O próprio regime turbulento origina um novo coeficiente de atrito
chamado de atrito interno, sendo este uma grandeza escalar cuja dependência é linear
com os gradientes de velocidade média do escoamento e independente da pressão e da
temperatura. Portanto, o campo de tensões gerado por este atrito interno é função
de uma variável denominada viscosidade turbulenta µt , e dos gradientes de velocidade
média do escoamento turbulento. A viscosidade turbulenta é da merma ordem de
grandeza que escalas caracterı́sticas de comprimento e tempo, tal que:

L2
µt ∼ (6.18)
t

103
A equação 6.18 é chamada de relação de Prandtl-Kolmogorov. Logo, a hipótese de
Boussinesq assume a seguinte forma:

 
∂ui ∂uj 2
−ρu0i u0j = µt + − ρδij k (6.19)
∂xj ∂xi 3

Substituindo a equação 6.19 na equação 6.17, obtém-se:

   
∂ui ∂ui 1 ∂p ∂ ∂ui ∂uj 2
ρ + ρuj =− + τij − νt + − δij k (6.20)
∂t ∂xj ρ ∂xi ∂xj ∂xj ∂xi 3

Reorganizando a equação, tem-se:

   
∂ui ∂ui 1 ∂p∗ ∂ ∂ui ∂uj 2 ∂uk
+ uj =− + (ν + νt ) + − δij (6.21)
∂t ∂xj ρ ∂xi ∂xi ∂xj ∂xi 3 ∂xk

Onde a pressão efetiva é denotada por:

2
p∗ = p + k (6.22)
3

Nota-se que para que o sistema de equações se tornar fechado, é necessário modelamento
para a viscosidade turbulenta. A forma que a viscosidade turbulenta é calculada é o
que define os modelos de turbulência baseados neste conceito. Cabe ressaltar que a
hipótese de Boussinesq possui deficiências conceituais:

• A viscosidade turbulenta foi teorizada por Boussinesq através de uma analogia


com a teoria cinética dos gases, e graças a esta analogia a viscosidade foi formu-
lada como propriedade termodinâmica, quando na realidade a viscosidade é uma
variável que é função do escoamento;

• A grandeza da viscosidade é escalar, quando deveria ser tensorial. Em determi-


nadas situações, aproximar a viscosidade turbulenta para uma grandeza escalar
pode se converter em resultados errôneos;

104
• Na diagonal principal do tensor de Reynolds, a hipótese prevê valores nulos para a
energia cinética de turbulência e isso não necessariamente será sempre verdadeiro;

A razão da utilização da hipótese de Boussinesq atualmente se deve ao fato de que


os modelos baseados na mesma fornecem resultados consistentes em alguns casos com
baixo custo computacional. Porém em casos onde o escoamento médio é predominante-
mente anisotrópico, as inconsistências são justamente a causa dos resultados falhos que
os modelos apresentam. Os modelos de fechamento de primeira ordem propõem mode-
lagens diferentes para a viscosidade. Atualmente, os modelos de turbulência baseados
na hipótese de Boussinesq se dividem em:

• Modelos a zero equação - Utilizam equações algébricas para a viscosidade turbu-


lenta. Citam-se como exemplos o modelo de comprimento de mistura de Prandtl
e o modelo de Baldwin-Lomax;

• Modelos a meia equação - Utilizam uma equação diferencial ordinária para a


viscosidade turbulenta. Esta classe de modelos pode ser entendida como uma
evolução dos modelos a zero equação. Um exemplo é o modelo de Johnson e
King;

• Modelos a uma equação - Utilizam uma equação diferencial parcial para a vis-
cosidade turbulenta. Citam-se como exemplos o modelo k − l e o modelo de
Spalart-Allmaras;

• Modelos a uma e meia equação - Utilizam uma equação diferencial ordinária e


uma equação diferencial parcial para a viscosidade turbulenta;

• Modelos a duas equações - Utilizam duas equações diferenciais parciais para a


viscosidade turbulenta. Esta categoria de modelos é a mais utilizada atualmente
na indústria. Citam-se como exemplos os modelos k-ε, k-ω e o modelo SST;

6.5 Exercı́cios

1- Um jato turbulento circular tem em sua montante:

• U = 85m/s

105
• d = 14mm

• ν = 1, 4 × 10−6 m2 /s

Define-se uma distância l como a distância onde u = 0, 5U e onde as flutuações de velo-


cidade são aproximadamente 10% da velocidade a montante do jato. Nesta distância,
calcule as escalas de Kolmogorov.

O número de graus de liberdade de um escoamento turbulento é calculado como uma


função do número de Reynolds, através da escala de comprimento caracterı́stica do
escoamento (l) e a escala de comprimento de Kolmogorov, representativa das menores
escalas turbulentas (η):

l
N∼ (6.23)
η

2- Utilizando a definição das escalas de Kolmogorov, mostre que o número de graus de


liberdade de um escoamento turbulento é dado por:

N ∼ Re0,75
l (6.24)

onde Rel é o número de Reynolds baseado na escala de comprimento l;

3- Considerando os seguintes fatores:

• Um grau de liberdade corresponde a uma equação a ser discretizada para si-


mulação numérica;

• A capacidade computacional medida recentemente permite a resolução numérica


direta de cerca de 80 a 100 milhões de equações discretizadas simultaneamente;

Para um número de Reynolds igual a 105 , mostre, com os fatores acima, as restrições
da simulação numérica direta da turbulência nos dias de hoje;

106
7 INTRODUÇÃO AO ESCOAMENTO COMPRESSÍVEL

É todo escoamento onde a massa especı́fica varia com a pressão, e onde o divergente
do campo de velocidade é diferente de zero. Todo fluido, mesmo lı́quidos, possui certa
compressibilidade. Assim sendo, considera-se um elemento infinitesimal de fluido sob
a ação de uma pressão dp. O volume dv corresponderá ao volume comprimido por
dp. Com isto, é possı́vel definir a compressibilidade de um fluido τ como a taxa de
mudança de volume por unidade de pressão, tal que:
1 dv
τ =− (7.1)
v dp

A compressibilidade do fluido mede a taxa de mudança de volume por unidade de


pressão. Calor transferido pode afetar esta relação. Considerando um processo termo-
dinâmico isotérmico:
1 dv
τT = − (7.2)
v dp

T =cte

Considerando um processo termodinâmico adiabático e reversı́vel:



1 dv
τs = − (7.3)
v dp

s=cte

A compressibilidade do fluido será uma propriedade termodinâmica do fluido. Reescrevendo-


a como função da massa especı́fica:
1 dρ
τ =− (7.4)
ρ dp

Esta relação permite o estabelecimento de um limite de compressibilidade, ou seja, a


partir de que ponto o fluido começa a ter sensibilidade à compressibilidade. Este limite
é dado por:  
∆ρ
< 5% (7.5)
ρ∞

107
7.1 Regimes de escoamento

Os regimes de escoamento compressı́vel são:

• Subsônico: Velocidade do escoamento inferior à velocidade do som local;

• Sônico: Velocidade do escoamento igual à velocidade do som local;

• Supersônico: Velocidade do escoamento superior à velocidade do som local;

• Hipersônico: Velocidade do escoamento muito maior à velocidade do som local;

7.1.1 Leis e Processos termodinâmicos

A primeira lei estabelece que todas as energias presentes em um sistema termodinâmico


devem se conservar. Logo sua definição é dada como o princı́pio da conservação da
energia. A segunda lei da termodinâmica estabelece um sentido para os processos reais
e a possibilidade de reversão deste sentido1 . Logo sua definição é dada como o sentido
possı́vel dos acontecimentos dos processos reais. Dentro deste contexto, define-se a
desigualdade de Clausius:

˛
δQ
60 (7.6)
T

Os processos termodinâmicos podem ser definidos como:

• Adiabático: Sem troca de calor com o meio externo;

• Reversı́vel: Capacidade de um processo de poder retornar ao estado termo-


dinâmico anterior sem mudança de entropia;

• Isentrópico: Sem variação de entropia;


1
Processo reversı́vel é todo processo com a capacidade de alterar seu estado termodinâmico sem
sofrer aumento de entropia. Logo um processo reversı́vel deve ser capaz de reverter ao seu estado ter-
modinâmico inicial desde que as condições da vizinhança também possam ser revertidas sem aumento
de entropia

108
7.1.2 Relações termodinâmicas para gases perfeitos

Gás perfeito é todo gás composto de moléculas que colidem de forma estática. Desta
hipótese vem o conceito de calor especı́fico. Esta grandeza é definida como a variação
térmica de determinada substância ao receber determinada quantidade de calor. Em
rigor há dois calores especı́ficos distintos: o calor especı́fico a volume constante cv e
o calor especı́fico a pressão constante cp . O calor especı́fico a pressão constante é
geralmente um pouco maior do que o calor especı́fico a volume constante. Esta diferença
se deve pelo seguinte motivo: Para o caso de um processo onde calor é transferido a
pressão constante, observa-se que em virtude do aumento de volume, parte da energia
fornecida na forma de calor é usada para realizar trabalho sobre o sistema a pressão
constante e não para aumentar a temperatura em si. No caso do calor especı́fico a
volume constante, toda a energia recebida na forma de calor é utilizada para elevar a
temperatura do sistema, o que faz com que o seu valor seja um pouco menor. Ambos
os calores especı́ficos são dados por:

• Volume constante:
∂a
cv = (7.7)
∂T
Onde a é a energia interna;

• Pressão constante:
∂h
cp = (7.8)
∂T
Onde h é a entalpia;

Para gases perfeitos, define-se a seguinte equação de estado termodinâmico e suas


respectivas formas (R é a constante universal dos gases):

pV = mRT ⇒ pv = RT ⇒ p = ρRT (7.9)

Para dois estados termodinâmicos ligados por um processo:

ˆ 2 ˆ 2
∂a
cv = ⇒ ∂a = cv ∂T ⇒ ∂a = cv ∂T (7.10)
∂T 1 1
ˆ 2 ˆ 2
∂h
cp = ⇒ ∂h = cp ∂T ⇒ ∂h = cp ∂T (7.11)
∂T 1 1

109
Considerando os calores especı́ficos constantes:

a2 − a1 = cv (T2 − T1 ) (7.12)
h2 − h1 = cp (T2 − T1 ) (7.13)

Usando a seguinte relação termodinâmica:

h = a + pv, mas, pv = RT (7.14)

Pode-se combinar esta relação com a equação de estado. Logo:

h = a + RT ⇒ dh = da + Rdt ⇒ cp dT = cv dT + Rdt ⇒ cp − cp = R (7.15)

Agora, admite-se um processo reversı́vel. Neste processo, vale a desigualdade de Clau-


sius escrita para processos reversı́veis:
δQ
= dS ⇒ dQ = T dS (7.16)
T

O trabalho realizado por um sistema compressı́vel simples é dado por:

dW = P dV, Em termos especı́ficos, dw = pdv (7.17)

A primeira lei da termodinâmica pode ser escrita como (Ec e Ep são as energias cinética
e potencial respectivamente):

dq − dw = de ⇒ dq = de + dw
T ds = da + dEc + dEp +pdv
| {z }
=0
T ds = da + pdv (7.18)

Desenvolvendo a partir da equação 7.18:

T ds = da
|{z} +dEc + dEp + pdv
Equação 7.15
T ds = dh − d(pv) +pdv
| {z }
Derivada do produto
= dh − pdv − vdp + pdv
T ds = dh + vdp (7.19)

110
Dos resultados obtidos, é possı́vel deduzir mais relações de gases perfeitos. Tomando
a equação 7.18:
RT
T ds = da + pdv = cv dt + dv
v
dT dv
ds = cv + R , Integrando
ˆ 2 ˆ 2T vˆ
2
dT dv
ds = cv + R , Para cv constante
1 1 T v
  1  
T2 v2
s2 − s1 = cv ln − R ln (7.20)
T1 v1

Analogamente, da equação 7.19:


RT
T ds = dh − vdp = cp dt − dp
p
dT dp
ds = cp + R , Integrando
T p
ˆ 2 ˆ 2 ˆ 2
dT dp
ds = cp + R , Para cp constante
1 1 T p
  1  
T2 p2
s2 − s1 = cp ln − R ln (7.21)
T1 p1

7.1.3 Relações para processos politrópicos

Considerando o coeficiente politrópico γ, escrevem-se algumas relações para gases per-


feitos:

  cRp γ
  γ−1
p2 T2 cp p2 T2
= , Se γ = ⇒ = (7.22)
p1 T1 cv p1 T1
    −cRv −1
  γ−1
v2 T2 T2 T2
= = = (7.23)
v1 T1 T1 T1

7.2 Relações para escoamento unidimensional

São relações aplicáveis para escoamentos compressı́veis simples. Para a dedução destas
relações, primeiro colocam-se as formas integrais para fluidos em movimento:

111
• Equação da Continuidade (Conservação da massa):
˚ ‹
Dm ∂
= ρdV + ρu · n
bdA = 0 (7.24)
Dt V (t) ∂t S(t)

• Equação da Conservação da Quantidade de Movimento:


˚ ‹
X ∂
F = uρdV + u(ρu · n
b)dA (7.25)
V (t) ∂t S(t)

• Equação da Conservação da Energia Térmica:


˚ ‹
∂ 1
Q̇ − Ẇ = eρdV + b)dA, e = h + u2 + gz
e(ρu · n (7.26)
V (t) ∂t S(t) 2

Considera-se escoamento unidimensional, invı́scido e em regime permanente através de


uma região sem mudança de área e de altura:

Figura 7.1: Região 1D

Para a equação da continuidade:



ρu · n
bdA = 0
S(t)
ρ1 u1 A1 = ρ2 u2 A2
Se A1 = A2 , ρ1 u1 = ρ2 u2 (7.27)

112
Para a equação da quantidade de movimento:


F = u(ρu · n
b)dA
S(t)

Se a força resultante advém da pressão então:


F = − pdA
S(t)
‹ ‹
Logo, u(ρu · n
b)dA = − pdA
S(t) S(t)

[u(ρu · n
b) + p] dA = 0
S(t)
ρ1 (u1 A)u1 + ρ2 (u2 A)u2 = −(−p1 A + p2 A)
p1 + ρ1 u21 = p2 + ρ2 u22 (7.28)

Para a equação da energia:



Q̇ − Ẇ = e(ρu · n
b)dA
S(t)

Se o fluxo de trabalho advém do campo de pressão:


‹ ‹
Q̇ − pudA = e(ρu · n
b)dA
S(t) S(t)
u21 u22
   
Q̇ − (−p1 u1 A + p2 u2 A) = −ρ1 e1 + u1 A + ρ2 e2 + u2 A
2 2
u21 u22
   

+ p1 u1 + ρ1 e1 + u1 = p2 u2 + ρ2 e2 + u2 , Dividindo por ρu
A 2 2
Q̇ p1 u21 p2 u22
+ + e1 + = + e2 +
ρuA ρ 2 ρ 2
| 1{z1 } | 1 {z } | 2 {z }

q̇= ṁ h1 h2

u21 u2
q̇ + h1 + = h2 + 2 (7.29)
2 2

7.3 Velocidade do som e número de Mach

Define-se o som como uma onda de pressão que se propaga em um meio:

113
Figura 7.2: Propagação de uma onda sonora

Definindo sua velocidade como a e considerando escoamento unidimensional através


da onda, aplicam-se as relações 1D:

Continuidade (Equação 7.27):

ρ1 u1 = ρ2 u2 ⇒ ρa = (ρ + dρ)(a + da)
ρa = ρa + adρ + ρda + dρda
| {z }
Pequeno
da
ρa − ρda = ρa + adρ ⇒ a = ρ (7.30)

114
Quantidade de movimento (Equação 7.28):

p + ρa2 = (p + dp) + (ρ + dρ)(a + da)2


= p + dp + (ρ + dρ)(a2 + 2ada + da2 )
= p + dp + ρa2 + 2ρada + ρda2 +a2 dρ + 2adadρ + da2 dρ
|{z} | {z } | {z }
Pequeno Pequeno Pequeno
2 2 2
p + ρa = p + dp + ρa + 2ρada + a dρ
dp = −2ρada − a2 dρ
dp + a2 dρ
da =
−2ρa
ρ dp + a2 dρ −ρdp/dρ − ρa2
 
Inserindo em 7.30 a = − =
dρ 2aρ −2aρ
dp
⇒ −2aρ + ρa2 = −ρ

dp
a2 = (7.31)

Considerando a onda sonora um processo termodinâmico isentrópico:


   
2 dp dp
a = =− v2 (7.32)
dρ s=cte dv s=cte

Logo:  0,5
2 v2 v
a = − 1 ∂v = (7.33)
v ∂p
τs

Desta relação, se τs = 0 (Escoamento incompressı́vel), então a velocidade do som


tenderá ao infinito. Utilizando a seguinte relação de gás perfeito:

pv γ = cte
∂ ∂p γ ∂v γ
(pv γ ) = v + p = 0
∂ρ ∂ρ ∂ρ
∂p −γ ∂ρ−γ
ρ + p = 0
∂ρ ∂ρ
∂p −γ
ρ − γρ−γ−1 p = 0
∂ρ
∂p γρ−γ−1 p
=
∂ρ ρ−γ
∂p dp γp
= = (7.34)
∂ρ dρ ρ

115
Igualando as equações 7.31 e 7.34:
 0,5
2 dp γp γp
a = = ⇒a= (7.35)
dρ ρ ρ

Usando a relação 7.9:


p
a= γRT (7.36)

Conclui-se deste resultado que a velocidade do som é uma propriedade termodinâmica,


que depende da temperatura do fluido. A temperatura ambiente, a velocidade do som
é igual a 343 m/s. Com este resultado, é possı́vel definir um adimensional que relacione
a velocidade do escoamento e a velocidade do som local. Este adimensional é chamado
de número de Mach, e é dado por:
u
Ma = (7.37)
a

Onde:

• M a < 1 - Subsônico

• M a = 1 - Sônico

• M a > 1 - Supersônico

7.4 Parâmetros caracterı́sticos

Considera-se uma partı́cula fluida em um escoamento compressı́vel se movimentando


a uma velocidade u, número de Mach M a, pressão p e temperatura T . Esta partı́cula
será ou acelerada ou desacelerada adiabaticamente até M a = 1. As propriedades
avaliadas neste estado serão chamadas de propriedades crı́ticas (M a∗ , p∗ , T ∗ , a∗ ). De
forma similar, agora a partı́cula fluida é desacelerada até a parada total, configurando
u=0. A partı́cula será então estagnada. As propriedades avaliadas neste estado serão
chamadas de propriedades de estagnação ou totais (M a0 , p0 , T0 , a0 ).

• Número de Mach crı́tico: M a∗ = u/a∗

116

• Velocidade do som de estagnação: a0 = γRT0

• Massa especı́fica de estagnação: ρ0 = p0 /RT0

Através destes parâmetros e com as relações de gases perfeitos, é possı́vel deduzir


formas alternativas para as relações unidimensionais.

7.5 Onda de choque normal

A onda de choque é uma solução da natureza para o problema de propagação de


perturbações em escoamentos supersônicos. A presença de um obstáculo no escoamento
é uma perturbação que se propaga em todas as direções na forma de ondas de pressão.
Em escoamentos subsônicos, as propagações são responsáveis pela mudança de direção
do escoamento. Em escoamentos supersônicos, as ondas de pressão não se propagam,
mas se coalescem no corpo ou destacado deste, caracterizando a onda de choque. A
onda de choque muda a direção do escoamento a montante. Logo, a montante da onda,
o escoamento é supersônico e não percebe o obstáculo. A jusante, o escoamento será
subsônico. A figura2 7.3 mostra alguns tipos de onda de choque:

(a) Bala disparada por um rifle AK-47 (b) Caça FA-18 Hornet quebrando a barreira do
som

2
Fontes: A figura 7.3(a) é de autoria de Gary Settles, do laboratório de dinâmica dos gases da
Universidade da Pensilvânia. A figura 7.3(b) é de autoria da marinha dos EUA. A figura 7.3(c) é
de autoria do batalhão de fotografia do exército dos EUA. A figura 7.3(d) é de autoria da XCOR
aerospace

117
(c) Explosão nuclear da Operação Crossroads (d) Onda de choque diamante em tubeira de fo-
(1946) guete

Figura 7.3: Visualização de ondas de choque

O processo termodinâmico através da onda de choque é adiabático. Logo q̇ = 0. Neste


contexto, aplicam-se as relações unidimensionais. A pressão p e entalpia h são obtidas
através das relações de gases perfeitos. Dividindo as equações 7.27 e 7.28:
p1 p2
− = u2 − u1
ρ1 u1 ρ2 u2
a2 a2
Usando 7.35 1 − 2 = u2 − u1 (7.38)
γu1 γu2

Considerando as velocidades do som como função das propriedades crı́ticas:


γ + 1 ∗2 γ − 1 2
a21 = a − u2 (7.39)
2 2
γ + 1 ∗2 γ − 1 2
a22 = a − u2 (7.40)
2 2

A velocidade do som crı́tica a∗ será a mesma devido ao fato de que através da onda de
choque, o processo termodinâmico é adiabático. Substituindo estas relações na equação

118
7.38:
γ + 1 a∗2 γ−1 γ + 1 a∗2 γ−1
− u1 − + u2 = u2 − u1
2 γu1 2γ 2 γu2 2γ
γ+1 γ−1
(u2 − u1 )a∗2 + (u2 − u1 ) = u2 − u1
2u1 u2 2γ
γ + 1 ∗2 γ − 1 γ + 1 ∗2 γ−1
a + =1 ⇒ a =1−
2u1 u2 2γ 2u1 u2 2γ
2γu u
1 2 γ − 1 2γu 1 u2
a∗2 = −
γ+1 2γ γ + 1
   
2γ γ+1 2γ − γ + 1
= u1 u2 − = u1 u2
γ−1 γ+1 γ+1
∗2
a = u1 u2 (7.41)

A equação 7.41 é chamada de relação de Prandtl. A partir dela, obtém-se o seguinte


resultado:
u1 u2 1
a∗2 = a∗ a∗ = u1 u2 ⇒ 1 = = M a∗1 M a∗2 ⇒ M a∗2 = (7.42)

a a ∗ M a∗1

Este resultado impõe que a jusante da onda o escoamento deverá ser subsônico e a
montante, o escoamento deverá ser supersônico. Logo, podem-se obter relações antes
e após a onda de choque como função do número de Mach. Estas relações podem ser
encontradas na literatura. Se ρ, p e T são função do número de Mach, então a entropia
também o será. A entropia aumenta através da onda de choque, resultado este oriundo
da segunda lei da termodinâmica. A explicação fı́sica para este aumento reside no
fato de que os altos gradientes de pressão e temperatura através da onda de choque
aumentam os efeitos de dissipação de energia via condução de calor e dissipação viscosa.
Estes efeitos são caracterizados por processos irreversı́veis, que aumentarão a entropia.
Enquanto que a temperatura de estagnação se manterá constante através da onda de
choque, a pressão de estagnação decrescerá. Tabelas de propriedades termodinâmicas
antes e após a onda de choque normal são disponibilizadas na literatura.

7.6 Equação de Hugoniot

A pressão estática sempre aumentará através da onda de choque. Logo, pode-se en-
tender que a onda de choque é um compressor natural. A partir desta premissa,
como expressar as mudanças através da onda de choque em termos de variáveis termo-
dinâmicas?

119
Inicialmente, utilizam-se as relações dispostas pelas equações 7.27, 7.28 e 7.29 (Relações
1D):

 
ρ1
Equação 7.27 ρ1 u1 = ρ2 u2 ⇒ u1 = u2
ρ2
 2
ρ1 ρ2
Inserindo em 7.28 p1 + ρ1 u21 = p2 + ρ2 u22 = p2 + ρ2 u22 = p2 + u22 1
ρ2 ρ2
ρ2
 
ρ1
⇒ p2 − p1 = ρ1 u21 − u22 1 = ρ1 u21 1 −
ρ2 ρ2
 
2 ρ2 − ρ1 ρ1 2
= ρ 1 u1 = u (ρ2 − ρ1 )
ρ2 ρ2 1
   
2 p2 − p1 ρ 2 2 p2 − p1 ρ 1
⇒ u1 = e u2 =
ρ2 − ρ1 ρ1 ρ2 − ρ1 ρ2
2
u u2 p p1 u21 p2 u22
Equação 7.29 h1 + 1 = h2 + 2 h = a + ⇒ a1 + + = a2 + +
2 2 ρ ρ1 2 ρ2 2
     
p1 1 p2 − p1 ρ 2 p2 1 p2 − p1 ρ 1
Substituindo u21 e u22 ⇒ a1 + + = a2 + +
ρ1 2 ρ − ρ1 ρ1 ρ 2 ρ − ρ ρ2
 2    2  2 1
p1 p2 1 p2 − p1 ρ 2 1 p2 − p1 ρ1
a2 − a1 = − + −
ρ1 ρ2 2 ρ2 − ρ1 ρ1 2 ρ2 − ρ1 ρ2
 
p1 + p2 1 1
= −
2 ρ1 ρ2
p1 + p2
= (v1 − v2)
2
(7.43)

120
Figura 7.4: Curva de Hugoniot

A figura3 7.4 mostra a curva de Hugoniot, que é traçada em um diagrama p − v. Esta


curva resume todas as condições de pressão e volume especı́fico possı́veis no choque
normal. Comparando a curva de Hugoniot com a curva de um processo isentrópico,
têm-se as seguintes informações:

• Ambas terão a mesma inclinação em um ponto inicial, caracterizando o choque


de Mach (Onda de choque infinitamente fraca);

• Quando o volume especı́fico decresce, a pressão aumenta mais na curva de Hu-


goniot;
3
As figuras 7.4, 7.5 e 7.6 foram adaptadas de Anderson, J. D. Modern Compressible Flow with
Historical Perspective, 2a Edição

121
7.7 Escoamento unidimensional com adição de calor

Considera-se o escoamento 1D previamente estudado. Adicionar calor irá alterar as


propriedades do escoamento. Neste caso, não haverá ocorrência de onda de choque.
Este escoamento pode ser visto em turbinas a gás, lasers e na dinâmica dos gases.
Tomando a equação da energia 7.29:

u21 u2
q̇ + h1 + = h2 + 2
2 2
Da equação 7.8 ⇒ h = cp T
u22 u21
   
q = cp T2 + − cp T1 +
2 2

Usando o conceito de temperatura de estagnação:

q = cp T02 − cp T01 (7.44)

Da equação da quantidade de movimento 7.28:


γp
p1 + ρ1 u21 = p2 + ρ2 u22 ⇒ Da equação 7.35 ρu2 = ρa2 M a2 = ρ M a2 = γpM a2
(7.45)
ρ
Logo p1 + γp1 M a21 = p2 + γp2 M a22 (7.46)
⇒ p1 (1 − γM a21 ) = p2 (1 − γM a22 ) (7.47)
p2 (1 − γM a21 )
= (7.48)
p1 (1 − γM a22 )

Utilizando as relações politrópicas do item 7.1.3, é possı́vel deduzir fórmulas para este
escoamento para propriedades tanto cinemáticas quanto termodinâmicas como função
do número de Mach. A obtenção do estado após a adição de calor 2 é feita com o uso
de propriedades de estagnação. Já o número de Mach neste estado é obtido com o
uso de propriedades crı́ticas. No entanto, as propriedades crı́ticas são avaliadas para
um processo de aceleração ou desaceleração adiabática. Portanto, considera-se um
processo imaginário onde o calor transferido leva o escoamento para a condição sônica
(M a = 1). Usando as relações deduzidas e este conceito, é possı́vel tabelar o resultado
destas equações para vários valores.

Sumarizando, quando calor é adicionado ao escoamento:

122
Regime Supersônico Regime Subsônico
M a 2 < M a1 M a 2 > M a1
p2 > p1 p2 < p1
p02 < p01 p02 < p01
T2 > T1 T2 < T1 , se M a1 < γ 0,5
T02 > T01 T2 > T1 , se M a1 > γ 0,5
u2 < u1 T02 > T01 e u2 > u1

Figura 7.5: Curva de Rayleigh

Quando se tem extração de calor, as desigualdades se invertem. A curva de Rayleigh


(Figura 7.5) é uma curva entropia-entalpia para este escoamento para um conjunto de
condições iniciais. Cada ponto da curva é correspondente a uma quantidade de calor
adicionada ou extraı́da. Para uma dada quantidade de calor, o escoamento se tornará
sônico em 2. Nesta condição o escoamento é dito estrangulado4 , pois adicionar mais
calor não será possı́vel sem mudar as condições do escoamento em 1. A adição de calor
4
Do termo em inglês choked

123
adicional em um escoamento estrangulado originará ondas de choque que ajustarão os
estados termodinâmicos em 1 e 2 para condições supersônicas ou subsônicas.

7.8 Escoamento unidimensional com atrito

Agora, considera-se que o escoamento não seja invı́scido e seja interno (Em tubos).
Este tipo de escoamento acontece frequentemente em gasodutos. O atrito viscoso entre
o fluido e as paredes do tubo causarão mudanças no estado termodinâmico, afetando a
condição do escoamento. Tomando a equação da quantidade de movimento na forma
integral em regime permanente em um tubo de diâmetro D:

‹ ‹ ‹
− pdA − τw dA = u(ρu · n
b)dA (7.49)
S(t) S(t) S(t)
| {z }
Forças resultantes

Aplicando no caso acima:

ˆ L
−ρ1 u21 A + ρ2 u22 A = p1 A − p2 A − τw πDdx
0
| {z }
dA=2πrdx
ˆ L
4
Substituindo a área: p2 − p1 + (ρ2 u22 − ρ1 u21 ) = −
τw dx
D 0
4
Tomando o limite: dp − d(ρu2 ) = − τw dx
D
4
Se ρu = cte dp − d(ρuu) = − τw dx
D
4
dp − ρudu + ud(ρu) = − τw dx
| {z } D
=0

Se τw = 0, 5ρu2 f , onde f é o fator de atrito:

1 4f dx
dp − ρudu = − ρu (7.50)
2 D

124
Usando relações anteriores e integrando:
ˆ x2 " !#
4f dx −1 γ+a M a2
= − ln (7.51)
x1 D γM a2 2γ 1 + γ+1
2
M a2

A equação 7.51 relaciona a variação do número de Mach com os efeitos do atrito. As


razões entre propriedades termodinâmicas e propriedades crı́ticas e de estagnação são
obtidas através das relações deduzidas anteriormente. Assim como no caso anterior, as
propriedades são tabeladas em função do número de Mach.

Sumário:

Regime Supersônico Regime Subsônico


M a 2 < M a1 M a 2 > M a1
p2 > p1 p2 < p1
p02 < p01 p02 < p01
T2 > T1 T2 < T1
u2 < u1 u2 > u1

Figura 7.6: Curva de Fanno

A curva de Fanno (Figura 7.6) é uma curva entropia-entalpia para este escoamento para
um conjunto de condições iniciais. A análise é quase a mesma para o caso anterior,

125
onde o comprimento do tubo substitui o calor transferido. Vale também a mesma
análise de escoamento estrangulado. Da curva de Fanno, conclui-se que não é possı́vel
desacelerar um escoamento supersônico até M a = 1 usando atrito e depois desacelerá-
lo para subsônico sem violar a segunda lei da termodinâmica, ou seja, não é possı́vel
cruzar a curva de Fanno completamente pelo mesmo escoamento.

7.9 Exercı́cios

1- Partindo das relações para escoamento compressı́vel unidimensional e dos conceitos


de grandezas crı́ticas e de estagnação, determine as seguintes relações (γ é a relação
entre calores especı́ficos de um gás perfeito):

u21 u2
   
γ p1 γ p2
+ = + 2
γ − 1 ρ1 2 γ − 1 ρ2 2
2
a u γ + 1 ∗2
+ = a
γ−1 2 2(γ − 1)
To γ−1 2
= 1+ M
T 2
  γ
po γ − 1 2 γ−1 ρo
= 1+ M =
p 2 ρ
 ∗ 2  ∗
a T 2
= =
ao To γ+1
 ∗  γ
 γ−1  ∗
p 2 ρ
= =
po γ+1 ρo
2
M2 =
[(γ + 1)/M ∗2 ] − (γ − 1)

2- Similarmente à questão anterior, deduza as seguintes relações para escoamentos com


a presença de onda de choque normal (1 é antes da onda de choque e 2 é depois da

126
onda de choque):

1 + [(γ − 1)/2]M12
M22 =
(γM12 − (γ − 1)/2
ρ2 u1 (γ + 1)M12
= =
ρ1 u2 2 + (γ − 1)M12
p2 2γ
= 1+ (M 2 − 1)
p1 γ+1 1
2 + (γ − 1)M12
  
T2 h2 2γ 2
= = 1+ (M − 1)
T1 h1 γ+1 1 (γ + 1)M12
2 + (γ − 1)M12
    
2γ 2 2γ 2
s2 − s1 = cp ln 1 + (M − 1) − R ln 1 + (M − 1)
γ+1 1 (γ + 1)M12 γ+1 1

3- Ar escoa isentropicamente de um reservatório, onde a pressão e temperatura são


iguais a 320KP a e 490K respectivamente, até um duto de área de seção igual a 0,2
m2 . A velocidade do escoamento na entrada do duto é de 600 m/s. Compute a
temperatura, a pressão, o número de Mach e a vazão mássica na entrada do duto.
(Cp = 1, 0035KJ/Kg.K)

4- Um bocal convergente-divergente tem uma garganta cujo diâmetro é de 0,002 m2


e uma área de saı́da igual a 0,008 m2 . As condições de estagnação do ar são po =
1000KP a e To = 500K. Calcule a pressão na saı́da e a vazão mássica. Determine em
que condições este escoamento ficará estrangulado. Considere γ = 1, 4.

5- Uma explosão atômica se propaga no ar em repouso. O ar possui pressão e tempe-


ratura iguais a 0,1 M P a e 290 K respectivamente. A pressão absoluta no interior da
onda de choque é igual a 34,13 M P a. Assumindo k = 1, 4, determine a velocidade da
onda de choque (Que é a velocidade do escoamento logo antes da onda de choque) e a
velocidade logo após a onda de choque

6- Uma mistura ar-combustı́vel equivalente ao ar, entra em uma câmara de combustão


a uma velocidade e temperatura iguais a 95m/s e 398K. Determine o calor que deverá
ser transferido por unidade de massa para enforcar o escoamento na saı́da da câmara
de combustão? Determine o número de Mach na entrada e na saı́da da câmara.

7- Ar escoa através de um tubo de 0,02 metros de diâmetro e 40 metros de comprimento.


As condições de entrada deste escoamento são dadas pelo número de Mach (M = 0, 5),

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pressão (p = 1atm) e temperatura (T = 520o R - Graus Rankine). Assumindo um
coeficiente de atrito igual a 0,005, calcule a pressão, pressão de estagnação, temperatura
e número de Mach na saı́da.

8- Considere uma cunha de 30 graus de angulação em sua ponta. Seu ângulo de ataque
é nulo e o escoamento se encontra a Mach 3. Determine o ângulo da onda de choque
oblı́qua e calcule o coeficiente de pressão, dado por:

 
2 p
Cp = −1 (7.52)
1, 4M∞ p∞

Onde as condições no infinito representam as condições antes da onda de choque.

9- O ThrustSSC, de fabricação britânica, é o primeiro veı́culo terrestre que oficialmente


quebrou a barreira do som. Durante um teste na Jordânia, este veı́culo atingiu a marca
de Mach 1,02.

Baseado nesta informação:

• Toma-se a região bem à frente do veı́culo de forma a considerar escoamento com


onda de choque normal. Calcule o número de Mach após a onda de choque e a
razão entre temperaturas do escoamento de ar em torno do veı́culo antes e após
este quebrar a barreira do som (Considere γ = 1, 4);

• No interior do veı́culo, ar (γ = 1, 4) escoando em um tubo a Mach 2 recebe calor


para desacelerar o escoamento. Que valor as razões de pressão, temperatura e
massa especı́fica deverão assumir para estrangular este escoamento? Descreva
o que acontece com a pressão e a temperatura quando calor é adicionado neste
escoamento.

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