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gazetadopovo.com.br/vozes/flavio-gordon/a-peste-vermelha-coronavirus-partido-comunista-chines/
[26/03/2020] [14:49]
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“Tenho medo. À minha frente está o vírus. E às minhas costas está o poderio legal e
administrativo da China.” (Chen Qiushi , blogueiro chinês que desapareceu depois de
postar vídeos documentando o começo da epidemia da Covid-19 em Wuhan)
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“Cheguei à conclusão de que o objetivo da propaganda nos países comunistas não era
persuadir, e muito menos informar, mas humilhar e emascular. Nesse sentido, quanto menos
ela fosse verdadeira, quanto menos correspondesse à realidade, melhor; quanto mais
contradissesse a experiência das pessoas às quais se dirigia, mais dóceis e mais impotentes
elas ficavam, desprezando-se mais e mais por não protestar.” (Theodore Dalrymple, Viagens
aos Confins do Comunismo)
Além de moralmente reprovável em si, esse tipo de atitude ignora um dado básico da
realidade: o que aconteceu na China não se deu por nenhum traço nacional particular.
Embora muitos responsabilizem, com boa dose de razão, os chamados “wet markets”
chineses – mercados nos quais se comercializa toda sorte de animal vivo, em condições
precárias de higiene –, a verdade é que esse tipo de negócio não é uma exclusividade da
China, sendo muito comum em outros países asiáticos e também na América Latina.
O problema, portanto, não é a China enquanto nação, nem a cultura chinesa ou o povo
chinês. Por outro lado, não seria incorreto dizer que o problema está na China – como está
e esteve em muitos outros países do mundo ao longo dos séculos 20 e 21. Pois o grande
responsável pela pandemia já deteve o poder na Albânia, na Romênia, na Tchecoslováquia,
na Alemanha Oriental, na Polônia... E continua no poder (embora muitas vezes disfarçado)
na Rússia, em Cuba, na Venezuela, na Coreia do Norte. Assim como a Covid 19, essa espécie
de vírus político também não respeita fronteiras nacionais. Logo, o problema não é a
China. O problema é o comunismo.
No livro Viagens aos Confins do Comunismo, o psiquiatra Theodore Dalrymple relata a sua
experiência de visitar países que, em 1989, momento em que o comunismo parecia ruir em
sua pátria-mãe, insistiam na manutenção do sistema político (em tese) moribundo. Em
certo trecho, o autor menciona a capacidade que tem o comunismo de borrar
particularidades nacionais e culturais: “Minhas visitas foram breves, e por isso minha
experiência de cada país, por mais intensa que tenha sido, foi necessariamente limitada;
porém, como os países tinham culturas muito diversas, os efeitos comuns produzidos pelo
comunismo ficavam ressaltados ainda mais claramente” (grifos meus).
O problema não é a China enquanto nação, nem a cultura chinesa ou o povo chinês. Mas não
seria incorreto dizer que o problema está na China: o problema é o comunismo
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quais o comunismo foi responsável, a pior coisa do sistema era a mentira oficial, isto é, a
mentira de que todos eram obrigados a participar, por consentimento ou por não
contradizê-la” (grifos meus).
Legasov (na série, brilhantemente interpretado pelo ator Jared Harris) foi um dos cientistas
responsáveis pelo projeto das usinas nucleares soviéticas, e o primeiro a exibir a singular
coragem de denunciar as suas falhas, enfrentando, ao risco da própria vida, o vasto sistema
soviético de ocultação da verdade. O que Legasov começou por revelar é que, mais que um
acidente, a explosão do reator da usina nuclear de Chernobyl (joia da coroa da propaganda
da industrialização soviética) foi o resultado de uma sucessão interminável de mentiras
impostas pelo regime comunista. Por medo do regime, todos mentiam para todos e,
sobretudo, para si mesmos, até que a verdade recalcada explodisse, enfim, junto com o
núcleo do reator.
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Podemos dizer que a pandemia do coronavírus é a Chernobyl do século 21. Com o seu
edifício de mentiras, o regime comunista chinês permitiu a universalização da peste. Como
já havia feito em 2002, quando ocultou do mundo a irrupção da epidemia de Sars
(síndrome respiratória aguda grave), a ditadura chinesa voltou a fuzilar a verdade.
Em seu perfil no Twitter, Rodrigo Silva, fundador do site Spotniks, fez um apanhado de
notícias que perfazem a linha de tempo da pandemia, resultado do comportamento
criminoso do Partido Comunista Chinês. Ficamos sabendo, entre outras coisas, que, já em
fins de dezembro, a Covid-19 fora responsável pelo adoecimento de pacientes de um
hospital de Wuhan. Quando Li Wenliang, médico local, tentou alertar os colegas, a polícia
chinesa forçou-o a assinar uma declaração classificando o alerta como “comportamento
ilegal”. Além de Wenliang – espécie de Legasov contemporâneo, e que que viria a ser uma
das mortes causadas pela Covid-19 (isso segundo as fontes oficiais) –, outros sete médicos
foram levados pela polícia e obrigados a assinar um documento admitindo ter “espalhado
mentiras” sobre o novo vírus.
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Naquele contexto, um outro médico, o cirurgião Wang Guangbao (que também é um
escritor popular no leste do país), confessou que notícias de um novo coronavírus já
vinham circulando na comunidade dos profissionais de saúde desde o início de janeiro,
mas que a detenção de Li e outros colegas intimidou muita gente, incluindo ele próprio. “As
detenções fizeram com que todos nós, médicos, nos sentíssemos em risco” – disse
Guangbao.
Esses são, enfim, apenas alguns exemplos do que tem acontecido na China desde os
primeiros sinais de surgimento da pandemia. Eles deixam claro que o comunismo chinês
mantém viva a tradição de aniquilar a verdade, perseguir e humilhar os seus defensores. E
se, como sugeriu o pai fundador dessa ideologia perversa, a história se repete, primeiro
como tragédia, e depois como farsa, resta-nos concluir que, na história comunista, é a
própria farsa que se repete como tragédia.
“Cada mentira que contamos gera uma dívida com a verdade. Cedo ou tarde essa dívida
deve ser paga” – disse Valery Legasov. E o mundo tem agora de pagar a dívida gerada pela
grande muralha de mentiras erguida pelo comunismo chinês. Chernobyl é aqui. E a peste
do século 21 é vermelha.
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Flavio Gordon
Flávio Gordon é doutor em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social do Museu Nacional (UFRJ) e autor do best-seller A Corrupção da
Inteligência: intelectuais e poder no Brasil (Record, 2017).
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