Este artigo é uma das partes da tese de doutorado em Ciência Política defendida na UFRGS e
discussões do grupo de pesquisa da UFPI que reflete a análise da amplitude da complexa alteração
da política externa da Guiné-Bissau em consonância com sua relação com os problemas internos da
dificuldade da formação e/ou deficiência do Estado. Nesse sentido, o objetivo é analisar de forma
contextual a linha histórica da embrionária política externa do Estado Guiné-Bissau, no que diz
respeito à sua formulação e diretrizes, uma vez que a política externa da Guiné-Bissau não tem tido
uma estruturação efetiva amparada pelo Estado, ou seja, não existe um pensamento diplomático dos
primórdios da independência aos dias atuais, razão que fez o país ter uma política externa de acaso,
cujos objetivos foram definidos em função das necessidades correntes, o que lhe faz mudar com o
programa de governo eleito e ou provisório. Como exemplo, podemos ver o caso brasileiro apontado
por Saraiva (2008), que observou que a política externa brasileira e a sua perspectiva mudaram ao
longo dos anos 1990-2004: quatro presidentes estruturaram, nos seus respectivos governos, os seus
modelos econômicos, que tiveram impactos na área da política externa; mudanças de paradigma que
os norteavam anteriormente foram postos em cheque, haja vista que o paradigma anterior buscou
novas redefinições de categorias de interpretação de realidade. A metodologia usada foi qualitativa
com abrangência empírica em termos de análise, na qual dialogamos com as áreas de relações
internacionais e das ciências sociais, para contextualizar lacunas entre as políticas domésticas com a
política externa da Guiné-Bissau. É importante observar que o desenvolvimento histórico da política
externa guineense baseada nas diferentes Constituições da República tem influenciado de alguma
forma algumas tomadas de decisões.
Como vimos apontando desde o início deste artigo, reafirmamos que a política
externa da Guiné-Bissau é uma herança da luta de libertação nacional e Amílcar Cabral foi
efetivamente o primeiro chefe da diplomacia do PAIGC e o seu artífice na Guiné-Bissau.
Portanto, é o caso de afirmar que os pilares da política externa da Guiné-Bissau (e também
de Cabo Verde) antecedem à criação do próprio Estado. A partir das relações e contatos que
Cabral fazia com seus parceiros, colegas africanos e outros países em nível internacional,
com essa relação podemos ver que a estratégia do desenho diplomático no PAIGC foi
implementada como sendo a base da política externa dos dois países independentes,
Guiné--Bissau e Cabo Verde.
Nesse sentido, podemos ver que além de algumas das incorporações aos princípios
constitucionais das diretrizes da política externa da Guiné-Bissau foram também
incorporados os princípios que regem os fundamentos de organismos internacionais, tais
como a OUA, que é atual UA, e a própria Carta e fundamentos das Nações Unidas, no
sentido de fazer jus aos compromissos internacionais. No entanto, o anti-imperialismo e o
anticolonialismo, consagrados na Carta da Unidade Africana, agregados nos direitos dos
povos à autodeterminação- consagrado na Carta das Nações Unidas(ONU, 1945)1- e o
princípio de não alinhamento ativo criaram um espaço de solidariedade internacional e de
conjugação de esforços na luta pela causa comum, que o PAIGC (nota de rodapé
explicando a sigla) e Amílcar Cabral souberam tirar proveito na frente diplomática durante a
luta de libertação nacional, criando assim um amplo apoio e laço de solidariedade
internacional. A estratégia dessas incorporações faz parte, em nosso entender, de uma
forma estratégica para criar confiança em termos da política externa com os países aliados,
no sentido de forçarem Portugal a recuar no seu domínio político e permitir a independência
da Guiné-Bissau e de Cabo Verde e, ao mesmo tempo, também evitar que a Guerra
Colonial em Guiné-Bissau não fosse encarada como apenas mais um cenário de confronto
no âmbito da Guerra Fria que estava acontecendo naquele momento.
1
A Carta da ONU (1945) é o documento mais importante da Organização, como registra seu artigo 103: “No
caso de conflito entre as obrigações dos membros das Nações Unidas, em virtude da presente Carta e as
obrigações resultantes de qualquer outro acordo internacional, prevalecerão às obrigações assumidas em
virtude do presente Carta”.
naquela época em quase todos os países africanos que estavam na luta pela sua
autodeterminação, Amílcar Cabral e o seu partido não aceitaram a este ponto, ou seja,
nunca definiram claramente com quais ideologias se identificavam e ou pregavam, mesmo
tendo o peso da ajuda recebida por ambas as ideologias durante a luta de libertação
nacional. A sua estratégia em usar diferentes organizações internacionais foi para
mobilização de ajuda e apoio junto à sociedade civil, às organizações sindicais,
humanitárias e alguns partidos da esquerda na Europa Ocidental. Mas as pressões, mesmo
não sendo aceitas por Amílcar Cabral, seriam retomadas mais tarde no pós-independência
com o PAÍGC já no poder, levando inclusive à situação de resfriamento nas relações
bilaterais e na ajuda por parte de alguns países, ao perceberam claramente a indefinição
ideológica do PAIGC e do Estado da Guiné-Bissau, pois nesse momento estamos falando
do período em que a Guerra Fria estava no seu auge. Mas, segundo Visentini et al. (2013,
p.388),“A Guiné-Bissau depois de um período em que as nações socialistas foram parceiros
diplomáticos privilegiados, a diplomacia da Guiné-Bissau voltou a se aproximar dos países
europeus, especialmente Portugal em Brasil.”
Nesse quesito, como já vimos apontando desde o início deste artigo, voltamos a
reafirmar que a Guiné-Bissau, o seu Estado, o governo e o orçamento são fortemente
condicionados pela sua dependência externa, o que a torna vulnerável em relação às
ingerências externas nas suas diversas formas, tudo por conta do seu Estado ser frágil e
instável; assunto que tratamos a seguir, onde apresentamos e analisamos deferentes
mecanismos diante desse aspecto de grande vulnerabilidade dos países mais necessitados.
O outro aspecto nesse período é que, Guiné-Bissau foi muito além, ao conseguir,
através da sua estratégia, diversificar a sua parceira e, consequentemente, o seu
relacionamento externo e a consciência da sua geografia o fez se tornar o único país não
francófono da África a aderir a Organização Internacional da Francofonia (OIF) tendo em
conta o princípio de boa vizinhança, através de boas relações com países vizinhos, o que
evoluiu no sentido de mais tarde dar lugar ao protocolo multilateral para a criação da
CEDEAO, que mais tarde levou à adesão à UEMOA, que são duas organizações
importantíssimas no nível sub-regional, o que pode facilitar a sua eficácia em termos de
desenvolvimento regional.
Porém, conforme Apolinário Mendes de Carvalho (2011, p. 89), “no que se diz
respeito ainda à sub-região, mas na questão sobre a integração regional e sub-regional e a
cooperação Sul-Sul e a nova parceria para desenvolvimento Africano (NEPAD) ”, estes se
constituíram instrumentos privilegiados para alcance dos objetivos que o país pretendia
alcançar no curto, médio e longo prazos.
Por outro lado, entendemos que, para que essas linhas mestras da política externa
guineense funcionem como tal, seria necessário algum entendimento do mesmo referente a
disposições constitucionais em relação à sua clareza, pois a interpretação que delas se
pode fazer coloca em risco de bicefálico [de duas formas de interpretações]ou de atuações
bicefálicas entre o Governo e a Presidência da República na coordenação efetiva entre as
duas instituições pelo exercício de suas competências
Por conta disso, alguns analistas afirmam que, entre 1994 e o primeiro semestre de
1998, a diplomacia guineense vivia o momento mais alto da sua atuação e experiência dos
períodos anteriores, tanto antes quando após a independência e das duas décadas (1980 e
1990), refletida na participação ativa em vários foros internacionais, tais como membro do
Conselho de Segurança da ONU e no número de visitas de altos Chefes de Estados dos
outros países e chefias de organizações internacionais com embaixadas creditadas no país.
Com isso, percebe-se que o país sempre acabou por ser afetado com sucessivas
sanções internacionais devido à sua incapacidade de diálogo e atuação no plano
internacional. No plano diplomático, os espaços de atuação tornaram-se cada vez mais
restritos e marcados por obstáculos, pela falta de coordenação, até por uma incoerência de
atuação do plano externo. A falta de meios financeiros acentuou a fraca operacionalidade do
aparelho diplomático.
Os conflitos político e militar de junho de 1998 foi só uma ponta do iceberg que
explodiu, pois vamos ver que o recurso a golpe de Estado como forma de alterar o resultado
eleitoral foi só o início. Em 2003, 2009 e 2012 teremos os mesmos aspectos com
características semelhantes. O que certamente impactam diretamente a política externa da
Guiné-Bissau
Com isso, a partir dessas objetivações e periodização, podemos inferir que não foi só
a Guiné-Bissau, mas a África Subsaariana de forma geral que apresentou uma inserção
internacional bastante complexa e oscilante. Nesse sentido, pode-se verificar a existência de
alianças entre as suas elites em relação aos interesses políticos e econômicos externos ao
continente, principalmente das ex - metrópoles colonizadoras, o que compromete
significativamente o processo de aquisição de autonomia desses países recém-
independentes.
Nesta subseção, que consideramos a segunda parte desta seção, vamos a analisar
e debater a questão da dívida externa, questão muito frequente nos países em
desenvolvimento, principalmente nos da África. Na Guiné-Bissau, esse agregado tem sido
frequente, principalmente nos últimos governos, em consequência da instabilidade político-
institucional que o país vem enfrentando constantemente desde finais do século XX e sua
sequência nas duas primeiras décadas do XXI. Então, para melhor entendimento sobre o
assunto, é importante sublinhar que vamos tecer uma reflexão profunda e exaustiva quanto
aos reais impactos da dívida que o país vem contraindo durante o seu percurso para o seu
crescimento econômico, do ponto de vista negativo e ou positivo.
Com relação aos reais impactos da dívida que a Guiné-Bissau se preparava para
contrair para o seu crescimento econômico, quando da Mesa Redonda com doadores em
Bruxelas, em março de 2015,2 conforme Lassana Mané (2015, n.p.), “À primeira vista, a
iniciativa parece louvável, imperativa e extremamente urgente para tirar o país da difícil
situação” que o país se encontrava desde o momento da sua independência.
2
Sobre as metas traçadas pelo governo de Simões Pereira para Mesa Redonda sobre Guiné-Bissau, ver
ÁFRICA MONITOR, 2015.
Nesse sentido, é importante sublinhar que essas dívidas contraídas ao longo de
quatro décadas da sua independência, ainda segundo Mané (2015, n.p.), “sem estruturas e
políticas bem estabelecidas previamente nunca contribuirão para o crescimento econômico
na Guiné-Bissau. ”
CONSIDEREÇÃOS FINAIS
Nota-se também que é muito difícil que o país consiga colocar esses elementos da
conjuntura internacional em prática dentro da sua política externa, uma vez que, após a
abertura política, nenhum governo conseguiu terminar o seu mandato. Além de constante
instabilidade política, o Governo (Primeiro-Ministro) e o Presidente da República também
não se entendem em matéria de política externa do país, sobre quem a tutela na sua
formulação e definição de diretrizes claras sobre a mesma.
Por outro lado, as dificuldades econômicas e históricas que o país conheceu desde o
início dos anos 1980 até agora, limitaram consideravelmente o seu potencial político no
domínio externo e a capacidade de atuação da sua diplomacia. Se a condição de fazer parte
temporariamente como membro do Conselho de Segurança da ONU e a entrada na UEMOA
são referências de um momento de nova elevação da política externa e diplomacia
guineense, o conflito de junho de 1998a maio de 1999 e a instabilidade subsequente,
condicionam e limitam seriamente a capacidade de atuação do Estado no plano
internacional.
REFERENCIAS
CARVALHO, Apolinário Mendes de. Política externa da Guiné-Bissau face aos novos
paradigmas nas relações internacionais: diplomacia e cooperação internacional. Bissau:
Inacep, 2011.
MANÉ, Lassana. O barulho sobre a mesa redonda. 20 mar. 2015. Disponível em:
<http://conosaba.blogspot.com.br/2015/03/opiniao-o-barulho-sobre-mesa-redonda.html>
Acesso em: 05 jun. 2015.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS - ONU. Carta das Nações Unidas, 1945.
Disponível em: <https://nacoesunidas.org/carta/>. Acesso em: 18 mar. 2015.
SAIDEMAN, Stephen; AYRES, R. William. Pie crust promises and the sources of foreign
policy: the limited impact of accession and the priority of domestic constituencies. Foreign
Policy Analysis, a. 3, n. 3, p. 189-210, 2007.