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Rafael Steph
A maior artista feminina do Brasil é conhecida por seu jeito irreverente e suas
letras inteligentes e despojadas. Bem sucedida em praticamente tudo que fez, pioneira
em “afeminar” o rock e em dar a visão feminina para o sexo, em um patamar
mainstream, em suas músicas, e, também foi uma das mais perseguidas pela tenebrosa
censura no período da ditadura militar. A cantora começou sua carreira no famoso grupo
rock-psicodélico-porra louca, Os Mutantes, mas alcançou o estrelato em empreitadas
que levavam seu nome no letreiro principal: Rita Lee.
Já encerrada a muito sua carreira n’Os Mutantes, Rita Lee, na década de 70, já
estava rumando seu próprio caminho, em conjunto com a banda Tutti Frutti, tendo em
1975 lançado o álbum Fruto Proibido, contando com os sucessos Agora Só Falta Você,
Esse Tal de Roque Enrow, Luz del Fuego e Ovelha Negra. O álbum se tornou um dos
maiores marcos da indústria musical brasileira, e possibilitou todo o movimento rock
nas décadas que se seguiram. Em agosto de 1976, após iniciar sua turnê para o recém-
lançado disco “Entradas e Bandeiras”, grávida de três meses, Rita teve sua casa
invadida pela polícia e foi presa por porte de maconha, no que ficou conhecido como
um dos casos mais truculentos e revoltantes da ditadura, que vinha repreendendo o
Brasil desde 1964.
Rita conseguiu ser liberta após um mês e meio de cárcere, e foi condenada a
um ano de prisão domiciliar. Os trâmites legais foram acelerados após João Araújo,
fundador da Som Livre, contratar uma advogado para o caso. Depois disso, Rita achou
que estava devendo “um trabalho bacana” à Som Livre depois de tudo que João fez por
ela.
Arrombou a Festa II, também composta em parceria com Paulo Coelho, foi
gravada para o primeiro álbum solo de fato de Rita, o Rita Lee, de 1979, o primeiro feito
em parceria com Roberto de Carvalho (seu namorado) e produzido por Guto Graça
Mello. O álbum elevou o status de Rita à artista de mais sucesso da época, vendendo
mais de 1 milhão de cópias e cravando hits atemporais como Chega Mais, Corre-
Corre, Doce Vampiro e Mania de Você. A nova versão de Arrombou a Festa repetiu o
sucesso, e a polêmica da primeira.
ARROMBANDO A FESTA
Rita quis dizer aqui que algumas pessoas se levavam tanto à sério sem
precisão, que chegava a beirar o ridículo, “parece brincadeira”. Não é a primeira vez
que Rita critica os “ban ban bans” da MPB. Em “Pirataria”, do disco “Fruto Proibido”
de 1975, Rita diz:
Aqui temos um exemplo de ironia por analogia, já que a ironia está nas várias
ligações que existem na construção do verso. O chiste é que “Charlie Brown” é uma das
músicas mais famosas de Benito di Paula, e o título e a letra da musica fazem referência
ao personagem Charlie Brown de Charles Schulz. Rita também quis brincar com o fato
que na época, diziam que Benito era “o novo Wilson Simonal”, que estava em declínio
após o episódio no qual teve seu nome associado ao DOPS, envolvendo a tortura de seu
contador.
Aqui Rita elogia Martinho da Vila, que na época estava fincando seu nome e
começando o seu legado como um dos maiores sambistas do Brasil. Aqui temos um
exemplo de zombaria irônica, já que o deboche mesmo sobrou ao resto da cena de
samba na época.
Aqui Rita faz só uma brincadeirinha com Raul e Gil. O “disco voador”, é
referência à Ouro de Tolo e S.O.S., dois sucessos de Raul que citam disco voador. E
“refazendo seu xodó” de Gil, faz alusão ao famoso álbum “Refazenda”, à banda que o
acompanhava em turnês, Refavela, e, também a versão de Eu Só Quero Um Xodó,
composta por Dominguinhos, que também fez sucesso na voz de Gil. Outros exemplos
de ironia por analogia.
Aqui Rita escancara a clara referência a Festa de Arromba (Mas vejam quem
chegou de repente/ Roberto Carlos em seu novo carrão!). O “ainda está com seu carrão”
é uma analogia a “estacionada” musical que Roberto estava vivendo em sua carreira.
Nesses versos anteriores e nos a seguir, Rita escracha a mesmice musical que alguns
artistas estavam vivendo na época. Em entrevista a uma revista na época, Rita disse que
acha que a música é uma espécie de alerta para a MPB: Um de nossos objetivos com
Arrombou a Festa era imaginar, talvez, como seria o Roberto Carlos-77, se ele não
fizesse, ainda, o mesmo que fazia há dez anos”.
“Parei na Contramão”, hit de Roberto é outra clara referência no verso “Parei pra
pesquisar”, que Rita entoa antes de partir novamente para o refrão.
Uma das expressões que os jornalistas da época usavam ao citar Odair José era
“o terror das empregadas”, devido a um de seus sucessos, “Deixa Essa Vergonha De
Lado”, retratar um caso entre uma empregada que fingia ser a dona da casa que
trabalhava para seu interesse romântico. Além disso, suas músicas tratavam de,
conflitos do amor, da paixão e do sexo, o que fazia ele ser popular entre o público
feminino.
Após encerrar sua carreira em meados dos anos 60, para se dedicar ao
casamento, Celly tenta, em vão, relançar sua carreira em 1975. Mais um exemplo de
zombaria irônica, pois aqui Rita brinca com o major hit de Celly, Banho de Lua (versão
em português de Tintarella di luna da estrela italiana Mina), afirmando que as pessoas
esperavam mais musicalmente dela.
O final é uma referência a “Carcará”, música que fez sucesso na voz de Maria
Bethânia. Carcará é uma ave de rapina, e Rita provavelmente já prevendo que a
mensagem de música seria destorcida, faz um tipo de comparação da música com o
animal:
ARROMBANDO A FESTA II
Aqui a ridicularização se manifesta. No final dos anos 70, a música disco estava
no auge, e Rita brinca com o nome real e artístico de duas famosinhas cantoras de disco
da época. Provavelmente ambas inspiram seus nomes artísticos em Donna Summer e
Rita não perdeu a oportunidade de jogar uma gracinha. Outra de zombaria irônica.
Quando estourou com Conceição, Cauby Peixoto tinha 25 anos, daí a expressão
“brincadeira de garoto”, também podendo se referir aos novatos no cenário musical
brasileiro.
Sidney Magal, que estava em alta no final dos anos 70, vendia uma imagem de
“cigano sexy”. e, em mais um exemplo de pura zombaria irônica, Rita quis tirar sarro
disso em sua festa.
Rita quis apontar aqui que, por maior sucesso internacional que qualquer artista
brasileiro tenha, o maior referencial de artista no Brasil será sempre Carmen Miranda.
Ziri, ziriguidum
Skindô, skindô lelê
Sai da frente que eu quero é comer
A música popular brasileira
Lady Laura
A música popular...
Parabéns a você
Parabéns para a música popular...
Ah, eu te amo
Ah, eu te amo meu amor
Ai, Sandra Rosa Madalena
O meu sangue ferve pela Música popular...
“Sandra Rosa Madalena, A "Cigana"” e “Meu Sangue Ferve Por Você” são dois
dos maiores hits de Sidney Magal, e aqui Rita repete o mesmo que fez com Mauro
Celso no primeiro “Arrombou a Festa” e faz uma brincadeira misturando a letra das
duas.
Nesse verso, Rita faz uma paródia na paródia, adaptando o refrão (Oh, freak out/
Le freak, c’est chic) do hit disco Le Freak da banda Chic. Rita ironiza mais uma vez os
que a mal disseram da última vez e afirma que “fez xixi na música popular brasileira”.
Mais um exemplo de zombaria irônica, a mais presente em ambas as letras.
A música é encerrada com a expressão Corre que lá vem os homi. Rita se refere
à ditadura militar que ainda assolava o país. “Os homi” foi a maneira que as pessoas
encontraram pra se referirem aos militares a boca-boca, e no caso de Rita, são aqueles
que poderiam censurar a crítica que acabava de compor.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
LEE, Rita. Rita Lee: Uma Autobiografia. 1 ed. São Paulo: Globo, 2016. 296 p.
MUECKE, D.C.. Ironia e o irônico. 2 ed. São Paulo: Perspectiva, 1995. 136 p.