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A IRONIA NA FESTA DE RITA LEE

Rafael Steph

A maior artista feminina do Brasil é conhecida por seu jeito irreverente e suas
letras inteligentes e despojadas. Bem sucedida em praticamente tudo que fez, pioneira
em “afeminar” o rock e em dar a visão feminina para o sexo, em um patamar
mainstream, em suas músicas, e, também foi uma das mais perseguidas pela tenebrosa
censura no período da ditadura militar. A cantora começou sua carreira no famoso grupo
rock-psicodélico-porra louca, Os Mutantes, mas alcançou o estrelato em empreitadas
que levavam seu nome no letreiro principal: Rita Lee.

Em 1976 após João Araújo, o presidente da Som Livre, contratar um advogado


para tirar Rita da cadeia, ela achou que “devia um trabalho bacana” para a gravadora, e,
em conjunto com Paulo Coelho, escreveu Arrombou a Festa, que foi lançada em um
compacto-single no mesmo ano.

Este trabalho propõe, além da contextualização da autora e suas obras, uma


análise das músicas Arrombou a Festa e Arrombou a Festa II. A letra dessas músicas
são infestadas de chistes e ironias, e tendo em base Muecke, iremos também identificar
alguns dos tipos de ironia presente nas letras.

CORRE QUE LÁ VEM OS “HOMI”

Já encerrada a muito sua carreira n’Os Mutantes, Rita Lee, na década de 70, já
estava rumando seu próprio caminho, em conjunto com a banda Tutti Frutti, tendo em
1975 lançado o álbum Fruto Proibido, contando com os sucessos Agora Só Falta Você,
Esse Tal de Roque Enrow, Luz del Fuego e Ovelha Negra. O álbum se tornou um dos
maiores marcos da indústria musical brasileira, e possibilitou todo o movimento rock
nas décadas que se seguiram. Em agosto de 1976, após iniciar sua turnê para o recém-
lançado disco “Entradas e Bandeiras”, grávida de três meses, Rita teve sua casa
invadida pela polícia e foi presa por porte de maconha, no que ficou conhecido como
um dos casos mais truculentos e revoltantes da ditadura, que vinha repreendendo o
Brasil desde 1964.

(...) Até aquele momento, ainda havia esperança de explicar


que eu não era comedora de criancinhas. Me botaram
sentada frente ao delegado e sobre a mesa dele uma pilha de
cannabis já dixavadinha, pronta para enrolar. Erva de ótima
qualidade, aliás.
“A senhora tem algo a dizer sobre isto aqui que meus
homens encontraram na sua residência?” “Isso não é meu,
seu delegado. Estou grávida e no momento não uso drogas.
Nem Coca-Cola, pro senhor ter uma ideia. Eu vi quando
seus homens colocaram isso na minha casa, pode perguntar
para minha madrinha que também estava lá.”
“Seu colega Gilberto Gil foi preso em Santa Catarina e
acabou se dando bem. Aqui é São Paulo, e você não vai se
dar bem, entendeu?”
“Mas... mas... mas...”
“Coronel, recolhe a moça!”
(LEE, 2016, p. 153).

Rita conseguiu ser liberta após um mês e meio de cárcere, e foi condenada a
um ano de prisão domiciliar. Os trâmites legais foram acelerados após João Araújo,
fundador da Som Livre, contratar uma advogado para o caso. Depois disso, Rita achou
que estava devendo “um trabalho bacana” à Som Livre depois de tudo que João fez por
ela.

Num encontro mágico com meu querido Paulo Coelho,


surgiu a ideia de um compacto-bomba com uma música
para escandalizar de vez os bons costumes da MPB. Entre
gargalhadas, compusemos “Arrombou a Festa”, inspirada
na “Festa de Arromba”, hit jovenguardiano. Lembro que
parafraseamos várias pérolas que Raul comentava na
intimidade sobre artistas brasileiros. Tirando Elis, não
poupamos ninguém.
(LEE, 2016, p. 159).

Lançou-a num compacto-single contendo a música Corista do Rock (também


presente em seu álbum Entradas e Bandeiras) no Lado B, mas a primeira opção para b-
side era a canção X21, baseada na história das colegas de celas de Rita, porém a canção,
infelizmente, foi censurada e nunca gravada.

A letra cita e satiriza diversas celebridades proeminentes na época, e foi um


tremendo sucesso, batendo recorde de vendas para o formato, com mais de 250 mil
cópias vendidas. E, obviamente, houve muita polêmica em torno da música, como
exemplo, alguns fãs dos artistas citados que chegaram a pixar “Fora gringa Rita Lee”
em muros de teatros.

Arrombou a Festa II, também composta em parceria com Paulo Coelho, foi
gravada para o primeiro álbum solo de fato de Rita, o Rita Lee, de 1979, o primeiro feito
em parceria com Roberto de Carvalho (seu namorado) e produzido por Guto Graça
Mello. O álbum elevou o status de Rita à artista de mais sucesso da época, vendendo
mais de 1 milhão de cópias e cravando hits atemporais como Chega Mais, Corre-
Corre, Doce Vampiro e Mania de Você. A nova versão de Arrombou a Festa repetiu o
sucesso, e a polêmica da primeira.

“Arrombou a Festa II”, confesso que não lembro qual


versão foi essa porque desde então, de ano em ano, venho
atualizando a letra, aliás, com o cenário musical brasileiro
cada vez mais bizarro, inspiração nunca há de faltar.
(LEE. 2016, p.170)

Há também outras versões de “Arrombou”. Uma delas é Arrombou o Cofre,


que criticava e satirizava a situação política brasileira atual, presente no álbum
“Bombom”, que levou um selo de “proibido para menores de 18 anos” no lançamento, e
também na primeira prensagem os vinis vinham com duas faixas literalmente riscadas a
gilete, a própria Arrombou o Cofre e Degustação (“um hino à escatologia infantil”).
Uma outra versão é Arrombou a Mídia, que foi cantada por Rita na época em
que apresentava o programa Saia Justa, da GNT, juntamente com suas colegas de
programa: Fernanda Young, Marisa Orth e Mônica Waldvogel. Nessa versão, como já
diz o título, o alvo da vez é a mídia brasileira:
Em 1993, para seu álbum Todas As Mulheres do Mundo, Rita chegou a gravar
uma nova versão, chamada Arrombou a Festa Número Pi.

Ela voltou a falar da cena musical brasileira, mas dessa vez


achou que pegou pesado com os colegas e não lançou, mas
entrego aqui uns versinhos da “proibidona”: “Marisa traz
dos montes as cantoras mais ecléticas/ Quebrando o padrão
das sapatas mais atléticas/ Senhoras e senhores, o negócio é
ser famoso/ Quem nasce pra Lulu jamais chega a cão
raivoso”.
(LEE, 2016, p. 230)

ARROMBANDO A FESTA

Muecke define que o conceito de ironia “é vago, instável e multiforme”. O


termo “ironia” não tem o mesmo significado do que tinha há séculos atrás, não quer
dizer num país o que diz num outro e muito menos é o mesmo na sala de estudos e no
dia-a-dia.

Assim, o conceito de ironia a qualquer tempo é comparável


a um barco ancorado que o vento e a corrente, forças
variáveis e constantes, arrastam lentamente para longe do
seu ancoradouro.
(MUECKE, 1982)

Num contexto popular, ironia significa dizer exatamente o contrário daquilo


que você pensa. A ironia é bem mais perceptiva na fala do que no texto (provavelmente
por esse motivo, Rita tomou ovadas de metade do meio artístico). Mas há várias
ramificações dos tipos de ironia. Muecke nos apresenta exatamente 15, algumas delas
sendo: ironia de eventos (um pobre vendendo sua vaca pra poder comprar leite),
incongruência irônica (um puteiro sendo inaugurado ao lado de uma igreja) e ironia
ardil (professores de primário que não suportam crianças). Tendo em vista isso,
analisaremos o objeto de estudo.
Composta por Rita Lee e Paulo Coelho, Arrombou a Festa I e II homenageiam
e escracham a Música Popular Brasileira ao mesmo tempo. As músicas são um tipo de
paródia do hit Festa de Arromba, composto por Roberto Carlos e Erasmo Carlos.
Enquanto eles quiseram fazer uma homenagem elogiosa aos artistas da Jovem Guarda
mencionados na canção, Rita propôs uma sátira aos citado. Enquanto ao mesmo tempo
homenageava os citados na letra, também os criticava por estarem vivendo numa
mesmice musical, o que fica claro no refrão que resume o enredo da “ópera-bufala”, que
é também o inicio da música:

Ai, ai meu Deus


O que foi que aconteceu
Com a Música Popular Brasileira?
Todos falam sério
Todos eles levam a sério
Mas esse sério me parece brincadeira

Rita quis dizer aqui que algumas pessoas se levavam tanto à sério sem
precisão, que chegava a beirar o ridículo, “parece brincadeira”. Não é a primeira vez
que Rita critica os “ban ban bans” da MPB. Em “Pirataria”, do disco “Fruto Proibido”
de 1975, Rita diz:

Não é possível ser pirata em paz


Que o transatlântico vem logo atrás
Eu sei que ele está perseguindo
O meu tesouro escondido

Rita faz uma analogia em que a MPB representa o transatlântico, o “chique”, o


“superior”, e o rock representa os piratas, o “sujo”, o “errado”. Na época a perseguição
com os roqueiros brasileiros era enorme, ainda mais da parte sisuda e conservadora da
MPB, que considerava o rock um estrangeirismo na música brasileira, uma baderna. Um
exemplo disso é a infâme “Passeata Contra a Guitarra Elétrica”, que foi encabeçada pela
“pimentinha” Elis Regina. O mais curioso e irônico de toda essa barafunda veio depois
no que, praticamente todos os artistas envolvidos na falcatrua tiveram seu auge artístico
tendo como instrumento principal a guitarra elétrica. Um perfeito exemplo de ironia de
eventos.

Benito lá di Paula com o amigo Charlie Brown


Revive em nossos tempos o velho e chato Simonal

Aqui temos um exemplo de ironia por analogia, já que a ironia está nas várias
ligações que existem na construção do verso. O chiste é que “Charlie Brown” é uma das
músicas mais famosas de Benito di Paula, e o título e a letra da musica fazem referência
ao personagem Charlie Brown de Charles Schulz. Rita também quis brincar com o fato
que na época, diziam que Benito era “o novo Wilson Simonal”, que estava em declínio
após o episódio no qual teve seu nome associado ao DOPS, envolvendo a tortura de seu
contador.

Martinho vem da vila lá no fundo do quintal


Tornando diferente aquela coisa sempre igual

Aqui Rita elogia Martinho da Vila, que na época estava fincando seu nome e
começando o seu legado como um dos maiores sambistas do Brasil. Aqui temos um
exemplo de zombaria irônica, já que o deboche mesmo sobrou ao resto da cena de
samba na época.

Um tal de Raul Seixas vem de disco voador


E Gil vai refazendo seu xodó com muito amor

Aqui Rita faz só uma brincadeirinha com Raul e Gil. O “disco voador”, é
referência à Ouro de Tolo e S.O.S., dois sucessos de Raul que citam disco voador. E
“refazendo seu xodó” de Gil, faz alusão ao famoso álbum “Refazenda”, à banda que o
acompanhava em turnês, Refavela, e, também a versão de Eu Só Quero Um Xodó,
composta por Dominguinhos, que também fez sucesso na voz de Gil. Outros exemplos
de ironia por analogia.

Dez anos e Roberto não mudou de profissão


Na Festa de Arromba ainda está com seu carrão
Parei pra pesquisar.

Aqui Rita escancara a clara referência a Festa de Arromba (Mas vejam quem
chegou de repente/ Roberto Carlos em seu novo carrão!). O “ainda está com seu carrão”
é uma analogia a “estacionada” musical que Roberto estava vivendo em sua carreira.
Nesses versos anteriores e nos a seguir, Rita escracha a mesmice musical que alguns
artistas estavam vivendo na época. Em entrevista a uma revista na época, Rita disse que
acha que a música é uma espécie de alerta para a MPB: Um de nossos objetivos com
Arrombou a Festa era imaginar, talvez, como seria o Roberto Carlos-77, se ele não
fizesse, ainda, o mesmo que fazia há dez anos”.
“Parei na Contramão”, hit de Roberto é outra clara referência no verso “Parei pra
pesquisar”, que Rita entoa antes de partir novamente para o refrão.

O Odair José é o terror das empregadas


Distribuindo beijos, arranjando namoradas

Uma das expressões que os jornalistas da época usavam ao citar Odair José era
“o terror das empregadas”, devido a um de seus sucessos, “Deixa Essa Vergonha De
Lado”, retratar um caso entre uma empregada que fingia ser a dona da casa que
trabalhava para seu interesse romântico. Além disso, suas músicas tratavam de,
conflitos do amor, da paixão e do sexo, o que fazia ele ser popular entre o público
feminino.

Até o Chico Anysio já "bateu pra tu batê"


Pois faturar em música é mais fácil que em TV

Rita faz referencia ao sucesso Vô Batê Pá Tu do trio humorístico que Chico


lançou com Arnaud Rodrigues e Renato Piau pare seu programa de TV Chico City, o
Baiano e Os Novos Caetanos. Um exemplo de ironia dupla, já que o trio nasceu como
uma sátira ao movimento do Tropicalismo, inclusive, o nome do trio é uma brincadeira
com o grupo Novos Baianos e com Caetano Veloso.

Celly Campello quase foi parar na rua


Pois esperavam dela mais que um banho de lua

Após encerrar sua carreira em meados dos anos 60, para se dedicar ao
casamento, Celly tenta, em vão, relançar sua carreira em 1975. Mais um exemplo de
zombaria irônica, pois aqui Rita brinca com o major hit de Celly, Banho de Lua (versão
em português de Tintarella di luna da estrela italiana Mina), afirmando que as pessoas
esperavam mais musicalmente dela.

E o mano Caetano tá pra lá do Teerã


De olho no sucesso da boutique da irmã

'“Pra lá do Teerã” é o trecho de um dos sucessos de Caetano na época, Qualquer


Coisa (Esse papo meu tá qualquer coisa/ E você tá pra lá de Teerã), e Rita quis fazer
uma brincadeira com hit atual Severina Xique-Xique de Genival Lacerda, onde o vilão
da letra, está de olho na boutique de Severina, uma brincadeira de Rita ao fato de
Caetano e Bethânia serem irmãos. Entra aqui aquela história de que irmãos que sempre
estão brigando, o que não é o caso dos citados.

Bilú, bilú, fafá, faró, faró, tetéia


Severina e o filho da veia

Aqui, outra referência a “Severina Xique-Xique”, junto com uma menção ao


sucesso Fio da Véia de Luiz América. E também uma brincadeira misturando e fazendo
referência aos dois únicos sucessos de Mauro Celso, Farofa-fá e Bilu Teteia, a última
ficando mais conhecida na voz de Sergio Mallandro. A cargo de curiosidade, Mauro foi
a único artista citado na letra que não levou na esportiva, lançando uma música-resposta
chamada Macacos Coloridos aonde chama Rita de “velha coroca”, “americana metida a
bacana” e “uma estrangeira falando da música brasileira”.

Agora aqui teremos várias referências a sucessos brasileiros:

Sou a garota papo firme que o Roberto falou


Da música popular...

Referência a Papo Firme de Roberto Carlos;

O tico-tico nu, o tico-tico cu, o tico-tico tá rolando na


Música popular...

Referência a Tico-Tico no Fubá, canção popularizada na voz de Carmen


Miranda;

Olha que coisa mais linda, mais cheia de


Música popular...

Referência a Garota de Ipanema, uma das músicas brasileiras mais famosas de


todos os tempos:

Mamãe eu quero, mamãe eu quero


Mamãe eu quero a música popular brasilera!

Referência a popular marchinha de carnaval “Mamãe Eu Quero”, também uma


das músicas brasileiras mais famosas e que fez sucesso internacional na voz de Carmen
Miranda. Em ambos os versos, Rita introduz parte de outras composições em sua
música, tanto em termos de letra quanto de construção melódica, e adiciona a “música
popular brasileira” nelas. Mais outro exemplo de zombaria irônica, pois Rita modula a
voz e interpreta fragmentos das músicas que serviram como objeto de crítica.

Pega, mata e come!

O final é uma referência a “Carcará”, música que fez sucesso na voz de Maria
Bethânia. Carcará é uma ave de rapina, e Rita provavelmente já prevendo que a
mensagem de música seria destorcida, faz um tipo de comparação da música com o
animal:

Carcará é malvado, é valentão


É a águia de lá do meu sertão
Os burrego novinho num pode andá
Ele puxa no bico inté matá

ARROMBANDO A FESTA II

Em Arrombou a Festa II, de 1979, Rita mantém a mesma estrutura de versos da


primeira canção. O refrão é quase igual, mudando apenas a segunda parte

Ai, ai meu Deus


O que foi que aconteceu
Com a música popular brasileira?
Quando a gente fala mal
A turma toda cai de pau
Dizendo que esse papo é besteira

Nessa mudança do refrão, provavelmente Rita se refere às más interpretações


que houveram de Arrombou a Festa, como a de Mauro Celso, por exemplo, que define
Rita no seu Arrombou a Festa como tendo "partido pra uma que não está com nada".

Na onda discothéque da América do Sul


Lenilda é Miss Lene
Zuleide é Lady Zu

Aqui a ridicularização se manifesta. No final dos anos 70, a música disco estava
no auge, e Rita brinca com o nome real e artístico de duas famosinhas cantoras de disco
da época. Provavelmente ambas inspiram seus nomes artísticos em Donna Summer e
Rita não perdeu a oportunidade de jogar uma gracinha. Outra de zombaria irônica.

Pra defender o samba contrataram Alcione


É boa de piston, mas bota a boca no trombone

O “botar a boca no trombone” aqui foge do significado popular de “denunciar


algo que não está certo”, já que Alcione realmente sabe tocar trombone, e piston
também, daí o chiste jocoso que Rita quis causar.

No meio disso tudo a Fafá vem dar um jeito


Além de muita voz, ela também tem muito peito
Aqui, novamente, uma distorção no significado de um ditado popular. A
expressão “muito peito” significa, no populacho, uma pessoa de fibra, de coragem, mas
nesse contexto o significado é literal, já que um dos atributos de Fafá são seus seios
avantajados, tendo a cantora até feito um seguro exclusivo para eles na época.

E a música parece brincadeira de garoto


Pois quando ligo o rádio ouço até Cauby Peixoto
Cantando: “Conceição!”

Quando estourou com Conceição, Cauby Peixoto tinha 25 anos, daí a expressão
“brincadeira de garoto”, também podendo se referir aos novatos no cenário musical
brasileiro.

O Sidney Magal rebola mais que o Matogrosso


Cigano de araque, fabricado até o pescoço!

Sidney Magal, que estava em alta no final dos anos 70, vendia uma imagem de
“cigano sexy”. e, em mais um exemplo de pura zombaria irônica, Rita quis tirar sarro
disso em sua festa.

E o Chico na piscina grita logo pro garçom:


"Afaste esse cálice e me traz Moët Chandon!”

Um exemplo perfeito de ironia com ênfase retórica, já que a referência a Cálice


de Chico Buarque é mais do que óbvia (Pai, afasta de mim esse cálice/ De vinho tinto de
sangue).

Com tanto brasileiro por aí metido a bamba


Sucesso no estrangeiro ainda é Carmem Miranda

Rita quis apontar aqui que, por maior sucesso internacional que qualquer artista
brasileiro tenha, o maior referencial de artista no Brasil será sempre Carmen Miranda.

E a Rita Lee parece que não vai sair mais dessa


Pois pra fazer sucesso arrombou de novo a festa!

Aqui Rita faz uso da ironia autodepreciativa, tirando sarro de si mesma e


ironizando quem disse que ela só “arrombou a festa” pra fazer sucesso. No primeiro
Arrombou a Festa, Rita disse que era citada na letra também: “para reduzir o tamanho
da letra, além de outros nomes, e, só por uma questão da letra, [eu e Paulo Coelho]
fomos cortados”.

Ziri, ziriguidum
Skindô, skindô lelê
Sai da frente que eu quero é comer
A música popular brasileira

A referência à degustação de algo que foge da classe dos


alimentos, dos comestíveis (a música popular brasileira),
leva o leitor/ouvinte diretamente à lembrança do Manifesto
Antropofágico, principal inspiração do movimento
artístico-musical conhecido por Tropicalismo, que tem a
Escola Modernista de 22 e a figura de Oswald de Andrade
como origem e Gilberto Gil como um de seus maiores
representantes. É de conhecimento geral a ligação
profissional de Rita Lee com os integrantes do movimento
tropicalista, assim como a semelhança na maneira de
compor e de apresentar suas críticas à cultura nacional.
(TOLEDO; MATSUMOTO, 2002)

Lady Laura
A música popular...
Parabéns a você
Parabéns para a música popular...

Referência à Lady Laura, sucesso que Roberto Carlos escreveu em homenagem


a sua mãe. Também referência a canção popular Parabéns a Você, uma zombaria
irônica por “parabenizar” a música popular brasileira. Entre esses versos temos um
exemplo de ironia não-verbal, pois Rita insere um trecho da intro da canção Fé, também
de Roberto Carlos, uma de suas músicas cristãs em que ele entoa “Você é meu escudo/
Você prá mim é tudo/ Minha fé me leva até você” deixando a entender que Rita, apesar
de tudo, ainda faz parte da música popular brasileira e tem “fé” nela.

Ah, eu te amo
Ah, eu te amo meu amor
Ai, Sandra Rosa Madalena
O meu sangue ferve pela Música popular...

“Sandra Rosa Madalena, A "Cigana"” e “Meu Sangue Ferve Por Você” são dois
dos maiores hits de Sidney Magal, e aqui Rita repete o mesmo que fez com Mauro
Celso no primeiro “Arrombou a Festa” e faz uma brincadeira misturando a letra das
duas.

Oh, fricote! Eu fiz xixi!


Fricote! Eu fiz xixi
Na Música Popular Brasileira

Nesse verso, Rita faz uma paródia na paródia, adaptando o refrão (Oh, freak out/
Le freak, c’est chic) do hit disco Le Freak da banda Chic. Rita ironiza mais uma vez os
que a mal disseram da última vez e afirma que “fez xixi na música popular brasileira”.
Mais um exemplo de zombaria irônica, a mais presente em ambas as letras.

A música é encerrada com a expressão Corre que lá vem os homi. Rita se refere
à ditadura militar que ainda assolava o país. “Os homi” foi a maneira que as pessoas
encontraram pra se referirem aos militares a boca-boca, e no caso de Rita, são aqueles
que poderiam censurar a crítica que acabava de compor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entre polêmicas e pauladas, Arrombou a Festa “arrombou” mesmo, e foi um


marco na cultura brasileira, e permanece como um dos maiores hits da carreira de Rita.
A quantidade de letras de Rita em que se pode aplicar estudos sobre ironia é
incontável (e não só sobre ironia). O léxico para definir Rita Lee também é igualmente
incontável. Como foi dito antes, um dos motivos do tamanho de sua fama atrela-se à
suas letras irreverentes que mandam um “foda-se” pra tudo e todos.
Arrombou a Festa e Arrombou a Festa II confirmam a genialidade que fez Rita
Lee ser uma das artistas mais famosas do Brasil. “Às vezes as pessoas acham que eu fiz
uma crítica a música popular brasileira, muito pelo contrário. Eu fiz uma homenagem,
só que tinha um lado satírico, um lado irônico", disse a roqueira numa entrevista ao
programa Vídeo Show (Rede Globo) em 2002, quando a música fez 25 anos.
Infortúnio daqueles que não foram capazes de entender a real mensagem que
Rita quis passar. Mas como a própria já disse: “A sorte de ter sido quem sou, de estar
onde estou, não é nada se comparada ao meu maior gol: sim, acho que fiz um monte de
gente feliz.”

Figura 1 - Capa do compacto Arrombou a Festa.


Figura 2 – Capa do disco Rita Lee, de 1979, que contém a música Arrombou a Festa II.
Figura 3 – Matéria sobre Arrombou a Festa em revista da época.
REFERÊNCIAS

LEE, Rita. Rita Lee: Uma Autobiografia. 1 ed. São Paulo: Globo, 2016. 296 p.

MUECKE, D.C.. Ironia e o irônico. 2 ed. São Paulo: Perspectiva, 1995. 136 p.

TOLEDO, Eunice Lopes De Souza; MATSUMOTO, Juliana. Intertextualidade na festa


de Rita Le: Carmen Miranda, Roberto Carlos, Gilberto Gil e outros... Estudos
Linguísticos, São Paulo, v. 1, n. 31, mai. 2002. Disponível em:
<http://www.gel.org.br/estudoslinguisticos/volumes/31/htm/comunica/CiIII04a.htm>.
Acesso em: 04 jul. 2018.

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