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Metas de aprendizagem e ensino da Geologia

Conference Paper · March 2015

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F. Amador
Universidade Aberta
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Metas de aprendizagem e ensino da Geologia
Filomena Amador famad@uab.pt

Universidade Aberta; ICT - Instituto de Ciências da Terra (Pólo da Universidade do


Porto)

Development can be seen, (…), as a process of


expanding the real freedoms that people enjoy.
Focusing on human freedoms contrasts with
narrower views of development with the growth of
gross national product, or with the rise in personal
incomes, or with industrialization, or with
technological advance, or with social
modernization.
Amartya Sen, “Development as freedom” (2001)

1. Introdução

Ao abordarmos o tema das metas, sejam elas de aprendizagem ou curriculares, ou


mesmo, como é o nosso caso, considerando que as segundas são parte das primeiras,
precisamos de estar conscientes que se trata de um tema no essencial de política
educativa. No presente, procura-se por vezes apresentar estas questões como técnicas,
isentas de qualquer ideologia, por isso devendo estar ao abrigo de debates considerados
estéreis. O facto das políticas de educação terem vindo a assumir, nas últimas décadas,
uma progressiva deslocalização, assumindo-se agora com um nível transnacional,
facilita os processos de mudança impostos pelos governos de cada país. Podemos
comparar esta situação com o poder atribuído, a partir da crise de 2008, pelos políticos e
economistas aos mercados, entidades sem rosto nem nacionalidade, que parecem poder
condicionar todas as decisões.

Quando os documentos oficiais fazem uso neste momento do termo “metas” existe
subjacente uma ideia de quantificação, operacionalizada através de indicadores que se
pretendem objetivos. A ênfase colocada nos resultados obtidos em testes
estandardizados, como o PISA, assim o justifica em grande parte. Sempre que são
conhecidos novos resultados destes estudos eles são discutidos nos media e usados
como forma de suportar uma determinada política ou de a criticar.

Nesta breve análise, consideramos ser importante começar por procurar compreender o
nível, essencialmente político, para de forma gradual se chegar a outras dimensões.
Estamos interessados em particular no ensino da Geologia, e, em procurar compreender
se existe consensualização da existência de metas ou mesmo se esta é desejável.

2. “Meta” como sinónimo do que pretendemos para os jovens e para o futuro


da sociedade

Neste texto começamos por debater e enquadrar o termo “metas”, partindo para esse
efeito de um significado que julgamos abrangente. Afinal, quais são as grandes
finalidades e metas do ensino? Quais os objetivos das aprendizagens? O que devem os
estudantes aprender? Será que essa consensualidade continuará a existir se
aprofundarmos o assunto e se procurarmos os alicerces teóricos que enformam hoje o
significado deste termo?

Retomamos a citação do economista Amartya Sen (2001), Prémio Nobel da Economia


com que se iniciou este texto, para recordar o Índice de Desenvolvimento Económico
(IDH) e os Relatórios de Desenvolvimento Humano (RDH), que a partir de 1990
começaram a ser produzidos pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Sustentável (PNUD). O IDH integra também para além da dimensão da riqueza dos
estados, outras duas dimensões, a esperança média de vida e a alfabetização. Apesar das
melhorias registadas em vários continentes, o relatório de 2014 revela sinais de
abrandamento das referidas melhorias em relação a anos anteriores. A ideia da relação
entre liberdade e desenvolvimento, isto é a melhoria das condições de vida dos
indivíduos, passa pela educação. “Saber” e “saber fazer” são elementos essenciais para
se atingir uma justiça social básica.

Com uma perspectiva em grande parte semelhante, Nussbaum (2010) faz referência a
uma “crise silenciosa” de grandes proporções e significado global. Uma crise na
educação que tem como causa mudanças radicais na forma como nas sociedades
democráticas se ensinam os jovens, a qual está condicionada por modelos que aspiram a
aumentos constantes nas taxas de produtividade e um consequente crescimento das
economias. Privilegia-se, por isso, a aquisição de competências que permitam aos
estudantes que no futuro sejam rapidamente competitivos no mercado global.

Em paralelo, na última década temos vindo a assistir à publicação de uma série de


relatórios oriundos de organismos internacionais ou mesmo de grandes empresas onde
se elencam e descrevem as competências que um jovem do século XXI deve possuir. A
estes documentos subjaz sempre o princípio de preparação dos jovens para o mercado
de trabalho, destacando-se aspetos como a capacidade de inovação, o
empreendedorismo, a capacidade de adaptação e a flexibilidade, entre outros. Os
currículos atuais, nomeadamente no domínio científico, são objecto de crítica por não
estarem a ser capazes de fornecer uma resposta a estas necessidades (fig.1). Neste
contexto, as referências que também surgem à educação para a cidadania ou
necessidade ser capaz de se colocar no lugar do outro, surgem como um contraponto,
com uma função secundária que a nosso ver apenas permite atenuar uma mensagem de
pendor económico, a qual é muito mais forte que a segunda.

Figura 1 – A Educação em Ciência, as competências do século XXI e as exigências do mercado


de trabalho.

No que refere à União Europeia verificamos que o programa Horizonte 2020, que
estabelece as prioridades da estratégia da Europa para o período entre 2014 e 2020,
destaca a economia baseada no conhecimento e inovação. Estabelece-se como objectivo
o crescimento sustentável, baseado numa economia hipocarbónica que gira os recursos
de forma eficiente mas que em simultâneo também seja competitiva. Se nos centrarmos
no âmbito mais restrito da educação, surgem apenas dois objectivos: reduzir o abandono
escolar e aumentar a percentagem de diplomados.
Na primeira parte deste trabalho procura-se enquadrar a discussão do tema num nível
mais global. Porém, torna-se agora necessário abordar o assunto a escalas de menor
dimensão.

3. A procura de um corpo teórico coerente

Em resultado do quadro antes enunciado tem-se procurado transformar o processo de


desenvolvimento curricular numa ação essencialmente técnica, a ser desenvolvida por
especialistas da área de investigação, por professores ou ainda por técnicos dos
ministérios da educação. Esta alteração tem sido gradual. Numa primeira fase, tentou-se
quebrar, ou tornar menos evidente a relação entre política educativa e a opção por
determinados quadros teóricos, estes já do âmbito das teorias do ensino e da
aprendizagem (fig. 2). Numa fase posterior, pretende-se mesmo fazer desaparecer a
relação entre teorias de referência e programas escolares. Numa perspetiva que alguns
governos pretendem técnica, procura-se que todo o processo de desenvolvimento
curricular se passe ao longo do eixo “ciência” e “currículo” (fig. 2). Surge mesmo a
afirmação que deste modo se está a atribuir aos docentes a possibilidade de eles
próprios, enquanto possuidores dos seus próprios saberes profissionais, escolherem os
caminhos pedagógicos que pretendem seguir. A nosso ver, este não é um discurso
inocente e os que proferem sabem bem o que pretendem alcançar.

Figura 2 – Níveis de interacção e respectivas dinâmicas.


É importante que o discurso educativo não se transforme de forma gradual numa
argumentação hermética. Apenas acessível a iniciados. Ou, ainda mais grave, num
discurso técnico e vazio de ideias. Por isso, termos como “metas”, sejam elas
consideradas de aprendizagem ou curriculares, devem poder ser lidos e interpretados em
quadros mais abrangentes.

4. Afinal o que pretendemos que os nossos alunos aprendam sobre Geologia?

De acordo com Van den Akker (2003) os processos de desenvolvimento curricular são
indicadores privilegiados de mudança societais. Os currículos espelham as ideologias
dominantes e exercem uma censura real sobre os temas que são tratados em contextos
formais de ensino (Amador et al., 2012).

Quando se questiona, no caso do ensino da Geologia, sobre quais os conhecimentos que


os alunos devem adquirir no ensino básico, surgem diversas respostas, patentes nos
currículos dos vários países. Para além disso, o facto de os programas de dois ou mais
países abordarem um mesmo tópico, não significa que o façam de acordo com a mesma
perspectiva ou objectivos. Assim, os conteúdos curriculares e os objetivos a que estes se
interligam, são dois componentes indissociáveis, uma vez que o mesmo conhecimento
pode ser introduzido nos programas com propósitos distintos.

Num estudo recente (Amador et al., 2012) analisou-se os currículos de 19 países da


OCDE, que se posicionaram em lugar superior ao obtido por Portugal, em literacia
científica, nos resultados do PISA de 2009 (Canadá, Islândia, Noruega, República
Checa, Bélgica, Irlanda, Suíça, França, Holanda, Estónia, Eslovénia, Reino Unido,
Finlândia, Suécia, Coreia, Japão, Austrália, Nova Zelândia e Estados Unidos -
Califórnia). Na realidade mais cinco países obtiveram posição semelhante (Alemanha,
Polónia, Hungria, Dinamarca e Áustria), porém não foi possível conseguir os
respectivos programas de Ciências Naturais (Biologia/Geologia) em língua inglesa ou
francesa. Como referencial para a análise de conteúdo efetuada tomou-se em
consideração as 10 temáticas elencadas no Ano Internacional do Planeta Terra (AIPT,
2008): (1) Água subterrânea – para um uso sustentável; (2) Riscos Naturais – minimizar
riscos, maximizar prevenção; (3) Terra & Saúde – construir um ambiente mais seguro;
(4) Alterações do clima – um “registo em pedra”; (5) Recursos naturais – para um uso
sustentável; (6) Megacidades – ir mais além, construir de forma mais segura; (7) Terra
em profundidade – da crusta ao núcleo; (8) Oceanos – abismos do tempo; (9) Solos – a
“pele viva” da Terra; (10) Terra & Vida – as origens da diversidade.

Os resultados da análise realizada a esta amostra permitiu verificar que existem três
temas dominantes: “Terra e vida”, “recursos naturais” e “Terra em profundidade”. Por
outro lado, há três assuntos que só de forma muito residual são abordados: “oceanos”,
“Terra e saúde” e “megacidades” (fig. 3). A pouca valorização atribuída a estas
temáticas, principalmente a primeira, em países às vezes com zonas costeiras alargadas
e vasto domínio sobre grandes áreas de plataforma continental é interessante de ser
testemunhada e pode fazer-nos refletir sobre os motivos que justificam esta ausência.
Por sua vez, as questões ligadas à Geomedicina são um tema a exigir maior atenção.
Aparentemente parece que os grandes focos programáticos, em termos gerais, se
continuam a centrar na Paleotonlogia, recursos naturais e no estudo da dinâmica da
litosfera.

Figura 3 – Distribuição das áreas temáticas do AIPT nos currículos (adapatado de Amador et al.,
2012).

Paralelamente, julgou-se pertinente verificar se existiam padrões de distribuição das


várias temáticas no universo dos países objeto de estudo. Para esse efeito elaborou-se o
gráfico da figura 4, que se por um lado revela diferenças grandes na importância
atribuída às Geociências nos currículos, como os casos extremos do Reino Unido e da
Estónia. Ao mesmo tempo também evidencia discrepâncias nas temáticas abordadas
(Amador et al., 2012). Por exemplo, o facto de países como a Islândia, a Nova Zelândia,
o Japão e o EU (Califórnia) atribuírem destaque aos desastres naturais pode ser
explicado pela respectiva localização geográfica.

Figura 4 – Os 10 temas do AIPT nos vários programas (cada cor refere-se a um tema distinto).

5. Nota final

Importa ter presente que as comemorações do Ano Internacional do Planeta Terra


(AIPT) estiveram integradas na Década da Educação para o Desenvolvimento
Sustentável (2005 a 2014) e tiveram como lema: “Ciências da Terra para a Sociedade”.
Assim, os dados obtidos revelam que existem dimensões a necessitarem de maior
atenção em termos curriculares.
Quando nos questionamos sobre as verdadeiras metas do ensino das Geociências
verificamos existir uma tradição mais ou menos enraizada, conforme os países, de
considerarem como básicos um conjunto limitado de tópicos. Por vezes surgem
enquadrados na área das Ciências da Natureza e em conjunto com a Biologia, outras
integrados na Geografia, ou ainda, como parte de uma área de Ciências do Ambiente.
Mas seja qual for a opção parece existir um certo conservacionismo, que necessita de
ser alterado com visões mais integradores e que valorizem a relação entre a Geologia e a
sociedade.
Referências bibliográficas

AIPT, (2008) - Planeta Terra – Ciências da Terra para a Sociedade, Comité Português
para o Ano Internacional do Planeta Terra – 2008, Comissão Nacional da UNESCO,
disponível online: http://www.igcp.org.pt/aipt/ (acesso a 22/02/2015).

Amador, F., Vasconcelos, C., Silva, E., Torres, J., 2012. “As Ciências da Terra nos
currículos do Ensino Básico. Um estudo comparativo realizado com base numa amostra
de países” em Estrela, Teresa et al., Revisitar os Estudos Curriculares. Onde estamos e
para onde vamos? Lisboa: EDUCA/Secção Portuguesa da AFIRSE. ISBN: 978-989-
8272-14-0
Nussbaum, M. (2010). Not for Profit. Why Democracy Needs the Humanities.
Princeton e Oxford, Princeton University Press.
Sen, A. (2001). Development as Freeddom. Oxford, Oxford University Press.
Van Den Akker (2003). “Curriculum perspectives: an introduction” em Van Den Akker
et al. (eds.), Curriculum Landscapes and Trends. Dordrecht/Boston/London, Kluwer
Academic Publishers.

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