Você está na página 1de 16
e ~ . Violao IntereaAambio Lea: JULIAN BREAM DILERMANDO REIS Uma apreciagao, por Fabio Zanon .......... pag. 4 — Matéria de Gidcomo Bartoloni .... pag. 12 SEMINARIO DO CONSERVATORIO MOZART © POS-GRADUAGAO NA INGLATERRA Leia a cobertura da segunda edig&o deste evento, Tudo sobre as principais escolas, os professores, realizado com éxito nos dias 8 e9 de Junho....pag.6 0 exame de admisséo .u. pag. 13 O Quaternaglia langa um novo CD. Veja na pdgina 8 entre- vista com o grupo. Editorial Aj s vésperas do III Seminério Internacional de Violdo, a organizacdo do 27.0 Festival de Inverno de Campos de Jordao simplesmente cancelou o evento, numa demonstragao de falta de tato de uma administragdo que j4 h4 muito vem causando dissabores nas dreas educacionais e culturais do estado de So Paulo. Resta saber que providéncias serao tomadas para que este desrespeito a setores culturais ativos, como € o meio violonistico paulista, seja rechacado e que outros desmandos nao ocorram em nivel tao escabroso como esta politica cultural (?) vem se notabilizando. Segundo um dos coordenadores do III Seminério, Paulo Porto Alegre, o cancela- mento foi comunicado a ele e 4 professora Silvana Scarinci a menos de um més do evento, e se nao fosse a compreensio e 0 apoio do SESC (Servi¢o Social do Comércio), conseguido por empenho dos dois violonistas, nado haveria a atual Mostra que esté acontecendo agora. “Infelizmente por problemas econdmicos, polfticos e por que nao dizer uma certa md vontade de alguns elementos nao se realizar4 o III Seminario Internacional de Violao. Felizmente, existe em Sao Paulo o SESC que abarcou uma boa parte do evento, ou seja, concertos, masterclasses ¢ oficinas. Esperamos a compreensio de todos pelo inconveni- ente causado ( 0 cancelamento foi oficializado no dia 13 de junho) ¢ contamos com a presenga de todos os violonistas interessados na agora Mostra Internacional de Violéo do SESC”, finaliza Paulo Porto Alegre. Expediente Os artigos aqui veiculados séo de inteira responsabilidade de seus autores. Jomalista responséivel: Teresinha Rodrigues Prada Soares MTb 19130 Editoragao eletrOnica: Ricardo Marui ! Colaboraram neste ntimero: Gilson Antunes (Londres); Fabio Zanon (Londres); André Egg (Curitiba - |) PR); Giacomo Bartoloni (Sio Paulo - SP). Endereco para correspondéncia/assinatura: Rua Angelo Guerra 18/92, CEP 1045-510, Santos - SP, tel. (0132) 37-5660 com Teresinha Prada. Assinatura: RS 7,00 (semestral) - R$ 12,00 (anual) E-mail: rmarui@originet.com.br ‘Pigs 2 me Go Agenda SAO PAULO - SP +SESC- MOSTRA INTERNACIONAL DE VIOLAO Concertos: 11/07 - Thomas Patterson (EUA) 12/07 - Helio Delmiro (RJ) 13/07 - Vincent Dumestre (alaide, Franga) 19/07 - Fabio Zanon (SP/ Inglaterra) 20/07 - Paulinho Nogueira (SP) 21/07 - Duo Assad Aulas: de 9 a 13/07, Hélio Delmiro (popular) Vincent Dumestre; de 15 a 20/07, Thomas Patterson. Oficinas: Fabio Zanon; Paulinho Nogueira ¢ Duo Assad. Local: Concertos (as 21 h) - SESC IPIRANGA -. Bom Pas- tor 822, tel, (O11) 273-1633 Oficinas e Masterclasses (das 16h &s 18h30) - SESC CONSOLAGAO - r. Dr. Vila Nova 245, tel. (011) 256-2322. *4.0 ENCONTRO DE VIOLAO/UNESP Em homenagem aos 80 anos de nascimento de Dilermando Reis De 26 a 29/09 - masterclasses, palestras € concertos Local: Clube Homs - entrada franca Presenga de: Orquestra de Tatuf; Quaternaglia; Orquestra de Bandolins de Sio Paulo; Giacomo Bartoloni; Trio Cologne da Alemanha; Alvise Migoto; Gisela Noguei- ra (viola barroca); palestras com Paulo de Tarso Sales; Marflia Pini e Paulo Castagna. Maiores informagSes: Departamento de Mitsica do IA/UNESP, tel. (011) 234-4733 ramal 239. +0 Duo Franco-Brasileiro, formado por Giacomo Bartoloni e Frederic Bemard, estaré durante 0 més de agosto se apresentando em diversos recitais pela capital e ABC paulista (SESC Ipiranga e Fundagio das Artes) para langamento do seu primeiro trabalho emCD. RIO DEJANEIRO - RI ‘*Projeto Violdo no Beco (Violdo & Vo2): 03/08 - Juliana Leite e Renata Costa; 10/08 - Alice Martins e Natdlia Martins; 17/08 - Beto Costa ¢ Janine Riche, com participacio especial de Paula Costa; Pina 24108 - Flévia Monteiro ¢ Luciana Moraes: 31/08 - José Sales € Marcela Pinheiro Diregdo Geral: Rafael Camnciro. Local: Beco da Bohemia, r. Gées Monteiro, 34 (20 lado da Morada do Sol). 12, 13 e 14/08 - Provas semifinal ¢ final do 1 Concur- so de Violio da Fundagio Nelson Allam, na Sala Ceci- lia Meireles, &s 20 h, no largo da Lapa. 47. LONDRINA - PR ©16t FESTIVAL DE MUSICA DE LONDRINA - de 01 a 20 de Julho. evento dard destaque & Muisica Brasileira ¢ & Muisi- ca do Século XX; esta edigdo do FML sediard também © S* Encontro de Educagio Musical - ABEM, cm concomitincia com o 5® Simpésio Paranaense de Edu- cago Musical. As aulas de violio serio ministradas pelo prof. Orlando Fraga, que também apresentaré um curso sobre nota- ‘¢do musical no computador. Maiores informagées: Secretaria Municipal de Cultura Pg. 10 de Maio, 110 - Centro Londrina - Parand Brasil - CEP 86010-120 ‘TeVFax: (043) 324-7233 Cartas ~Fiquel muito feliz satisteito em saber que existia tal vefulo para a divulgago deste instrumento tio poular e importante no nosso pals. Parabenizo a todos ¢ mando sinceros volos de sucesso". Rafael Carneiro, Rio de Janeiro, RJ. 0 "Volto latercimbio" € wm dos poucas vefculs de comunica- 80,0 Brasil, dedicado os temas violonfticos, 0 que no core em ‘utos paises do mundo, Soa assnante hi malios anos, das revistat fnglesa “Classical Guitar" da francesa “Le Cahiers dela Guitare”, (Osorre que coahecimentoobtido da leituradesatrevistas implica ‘um conhecimento do que acontece com 0 vildo no mundo, cxee100 Brasil do poucas as vezes em que o Brasil faz pare integrante do conteddo watado nas revistas de Violbo de outros pafses As vezes. preciso que més mesmos fam algum tipo de artigo para que os strangrosconheyam o que se patsa nessa terra.” Marcas de Oliveira Kaufmann, Brasilia, DF. “Queropanbesizaraos colaborsdoes pelo excelent trabalho que esto teliando como aforatve Viliolmcrcinb" Por mio ene Jornal, violonistas apreiadores do insirumeniopassaram ir maior informagioa respeto de assunios do meio viclonistico. E muito bom saber que existem pessoas que se preocupam em divalga o insu. ‘mento das divers mancira que podemot fazer (ocando,lecionan- 40), para qu um dio violio poss ser vsto como um insrumeato de srandebeleza musicale nico, nas i —— ‘io somente nas grandes capitals, Nicol Sch Je, Ponta Grose, PR. Perfil Orlando Fraga ividades: Professor de Violdo da EMBAP (Curitiba-PR), concertista e musicélogo. © Como vocé comecou a tocar violao? Sabe Deus! Eu sei 14 faz quanto tempo! Eu comecei tocando popular, como todo mun- do. Meu pai tocava em regional de choro, entdo eu tinha o violdo em casa. Eu ouvia muito Dilermando Reis, Jodo Pernambuco. Depois, Baden Powell e outros; eu tinha muita vontade de estudar. Aos 13 anos co- mecei a trabalhar como “boy”, ento eu ti- nha dinheiro e comecei a fazer aula escondi- do, porque meu pai no queria que eu estu- dasse. Comecei com 0 tinico professor que conhecia: Miguel Couto, que dava aula de piano, violdo, flauta, clarinete...Com ele eu aprendi basicamente a ler partitura. Depois, fui estudar no Instituto Nossa Senhora das Mercés, aonde eu fui convidado para dar aulas para os iniciantes, visto que era o alu- no mais adiantado. Decidi fazer isso porque eu ia ganhar mais do que “boy”(cisos). © Isso foi quando? ‘Nao sei, acho que 1973, 74, ou mais. Nao sei. Ai, fui estudar com o Jaime Zenamon, que cobrava muito caro. Um amigo me con- ‘venceu a estudar com ele, dizendo que me pagava as aulas, coisa que nunca fez. Foi o Jaime quem me deu a base que tenho. Antes eu tocava sem unha, etc. Foi com ele que comegamos: cu, o Norton Dudeque eo Chico Mello. Ele sabia andlise; tinha estdado na igi 4 por André Egg Europa; falava de historia, de interpretagao. Foi ele quem trouxe a escola de Carlevaro para o Brasil. © Vocé estudou com Eduardo Fernandez? Isso foi bem depois, em 1980. *° Aivocé jd tinha concluido o bacharelado? Nao. Naquela época nao tinha bacharelado em Curitiba e eu cursei a licenciatura. O Jaime implantou o curso fundamental de Violdo na EMBAP. O bacharelado fui eu que implantei depois que voltei do Uruguai. Foi bem curio- so porque eu tinha aula (de violo) com o Chico Mello na licenciatura, e ele tinha aula comigo no bacharelado. © Como foram as aulas com o Fernandez? Foi muito bom estudar com ele. Uma coisa é estudar com um grande professor, outra com um grande concertista. A primeira aula que fiz com ele eu quase morri. Estava passando 0 concerto em Ré Maior do Vivaldi. Eu ia tocar com a orquestra jovem. Entio ele me disse: “Faz assim. Mas se for com orquestra de ci- mara faz assim, e se for com continuo, faz assim”. Entao ele passava aquele “background”de concertista. © Vocé morou no Uruguai para estudar com ele? Fiquei dois anos 14, mas tinha de vir a cada 15 dias para dar aula em Curitiba. Depois que eu voltei eu cursei a licenciatura e também fui estudar com o Henrique Pinto, que foi um 6ti- mo professor, me ajudando em questées de som. Ele foi o fecho da minha formagao téc- nica, e foi também quem me abriu as portas nacionalmente. * Como vocé o mercado violonistico hoje? Esté muito ruim. Eu acho que a cabega do violonista tem que mudar. Caso contrério 0 violdo vai acabar. Nés estamos no Brasil fa- zendo miisica européia do século passado. Essa forma de concerto que nés temos hoje é muito anacrénica. Nosso repert6rio € velho, chato e viciado. Eu dizia isso para o Henrique e ele ficava bravo. As pessoas quando gra- vam fazem como se estivessem em concerto, e no usam recursos de gravacao. Quem faz muito bem isso so os miisicos populares. Os alunos de violio levam as gravagdes como referéncia, achando que tém que tocar como 0 Williams ¢ 0 Bream,e concerto é uma coi- sa muito diferente disso. No Canad4 (onde estive fazendo Mestrado) eu tive a oportuni- dade de ver os grandes concertistas ao vivo, € todos pifam, erram, ¢ interpretam de uma forma que nfo aparece nas gravagées. Te- mos que aprender a usar a mfdia: video, dis- co, informatica, etc.. Eu fiz uma experi cia, tocando num concerto uma pega de Steve Reich - “Eletric Counterpoint”, para 15 vio- loes. Ele escreveu esta obra para o Pat Metheny (guitarrista americano), que gravou todas as vozes fazendo mixagem em estidio. Na minha execugio, gravei 14 violdes no computador e toquei 0 outro ao vivo usando “playback”. Essa forma como nés fazemos recital de violio € muito chata. Hoje as pes- soas procuram mais miisica de camara, duos 0u trios - algo mais performitico. Todas as. vezes que dou um curso, insisto muito nessa questo de linguagem, do volo como vef- culo de comunicagiio. Eu tive sorte com os miisicos que entrei em contato, Tive acesso pessoas de mente muito aberta. O Jaime Zenamon, o Eduardo Fernandez, 0 Chico Mello, o Norton Dudeque, 0 Osvaldo Colarusso, o Alan Torok (Canada). Sao pes- soas que ndo pensam violdo, pensam arte, So compositores, artistas, etc.. Foi assim que aprendi a encarar 0 instrumento como um meio endo um fim em si mesmo. © Como é seu trabalho de editor, musicdlogo, pesquisador? Eu comecei isto porque tinha muita tablatura, estudava musica renascentista, barroca, etc. € ‘0s meus alunos vinham com aquelas edi¢des carfssimas que eu mudava tudo. Ento, quan- do comprei o computador, resolvi comegar a editar essas coisas. O meu ideal (nio sei se vou alcangé-lo) é fazer uma partitura boa num Prego acessivel, para as pessoas terem vergo- nha de tirar xerox. Eu acho que o computador vai mudar muito esse negécio das editoras. Hoje é possfvel mandar uma partitura para 0 mundo inteiro via Internet. Tem uma loja en San Francisco (EUA) que tem as partituras no computador e imprime para o cliente na hora. Esse € 0 caminho. Temos que repensar nossa vida musical. Concerto, edigdo, grava- g4o, aula. Isso € muito sério. O mundo est4 mudando e 0 violao nao. Nota: Para quem estiver ligado a Internet, Orlando Fraga criou um “Home Page” de violdo, onde se encontra: Intérpretes (PR); Discografia (PR); Edigdes (PR) e a Revista Eletrénica de Musicologia, que jd conta com diversos artigos em inglés e portugues, e estd tendo uma média de 20 acessos por dia no mundo inteiro. O enderego de acesso é: http:/ /www.cce.ufpr.br/~ofraga/guitar.html JULIAN BREAM Uma apreciagao Uma das teorias mais difundidas sobre hist6ria a arte € a de que uma geraglo sempre estabelece suas premissas estéticas em reagdo 4 gerazdo ante- rior; 0 Romantismo scria uma reagao 4 objetivida- de exacerbada do Classicismo etc.. A transigo de uma fase a outra € sempre marcada por personali- dades controversas - Monteverdi, Beethoven, Debussy, Esta € a posigdo de Julian Bream na his- t6ria do viola, A um s6 tempo ele carrega a tocha de Segovia como o intérprete caloroso c inventivo, reconhecivel desde a primeira nota, ¢ aponta para duas tendéncias da arte interpretativa atual: a obje- tividade em relag3o ao texto € a pesquisa de inter- pretagio hist6rica. Em anos recentes, nfo hé falta- do eriticas; violonistas criticam-no pelos excessos, alaudistas execram sua abordagem ‘guitarristica’ do alatide, e todos apontam o declinio de sua capa- cidade técnica. De fato, aos 62 anos, Bream nao possui mais a vitalidade necesséria para mascarar © fato de que sua técnica nunca foi cem por cento eficiente; ¢ um acidente com seu brago hé poucos anos certamente afetou seu desempenho, Entretan- to, isso € secundério comparado a abrangéncia © profundidade de seu pensamento musical; como Schnabel ou Cortot, a técnica de Bream brota da necessidade de criar um universo sonoro tinico. Ele toca para acertar, ndo para evitar 0 erro, ¢ é um dos ppoucos violonistas que merecem seu nome coloca- do ao lado daqueles gigantes da arte interpretativa. Tiveo privilégio de tocar nos seus masterclasses, © por duas vezes disputei o Prémio Julian Bream, recebendo o estranho titulo de “altamente recomen- dado”. Pude, entio, ver mais de perto 0 miisico e ‘seu pensamento, ¢ espero ter captado uma frago de sua arte - mas ele continua sendo um persona- gem distante, enigmético. ‘Umengano freqiicate entre violonistas é pensar que Bream é um artista “sofisticado”, quase esotérico, Na verdade, suas origens no podiam ser mais humildes: nascido num subirbio operério de ae Cle fol sempre movido pela necessidade. 6 por Fabio Zanon Muitos atribuem sua arrogincia a um sentimento de inferioridade social, caracterfstico de uma sociedade classista como a briténica. A Inglaterra, na época, Nao possusa bons professores © sua educagio violonistica foi simplesmente uma reflexio sobre 0 Jegado de Segovia. Ao contrério de John Williams, um menino-prodigio, Bream construiu seu caminho com dificuldade, tocando mtisica de fundo em pro- ‘gramas de rédio ou restaurantes, Suas primeiras gra- vagdes numa pequena companhia atrairam a aten- 40 de agentes importantes, ¢, aos poucos, turnés ¢ um contrato com a RCA consolidaram sua fama, © alatide teve um papel decisivo no processo. ‘Quem hoje condena Bream pela imprecisio hist6ri- ca esquece que niio havia alaudistas nos anos 50,0 movimento de misica antiga ainda engatinhava. O repertério ainda no estava publicado, ¢ os luthiers ‘eram escassos. Ele foi o primeiro concertista de alaiide num periodo de descobertas fascinantes, e sua res- peitabilidade intelectual deve muito a esse fato. Seus discos de alatide so inimitaveis; pode ser que os alaudistas de hoje oferegam um quadro mais autén- tico de como o alaide renascentista soava, mas ne-~ nhum chega perto da nitidez, vivacidade e profundi- dade psicolégica de Bream tocando Dowland. Como violonista, o que nos atrai irresistivelmente em Julian Bream é a qualidade de seu som. O que escutamos em suas melhores gravagdes é um enor- me volume ¢ definicao timbrica, os agudos arredon- dados e sem arestas, os baixos profundos ¢ bem sus- tentados, sem nenhum traco de flacidez. Por varias vvezes pude observé-lo tocando a poucos centimetros de distancia, e posso descrevé-lo como um triunfo da imaginago sobre a aparéncia, Na verdade, quando escutado de perto, seu som & uma decepgio: estri- dente, éspero.e repleto de cliques de unha, quase como ‘um violonista de misica popular; os baixos sfio toca~ dos no limite do trastejamento e 0 volume ndo chega a impressionar. Mas quando ouvido a ito ou dez metros de distfincia, a transformagio ocorre: umasen~ sago de que 0 som espouca no ar ¢ é empurrado diretamente a0 ouvido, sem interferéncia fisica. O contraste é chocante: desconheco outro violonista {ue tenha uma nogdo tio clara de como seu som resulta depois de projetado. Com base em seus co- mentdrios, acredito que isso se deve a trés fatores: a) Ele foca a qualidade de seu som no momento posterior ao ataque, ou seja, 0 perfodo inicial da vibragio, e no no ataque; donde a sua aparente indiferenga pelos cliques de unha. b) Um cuidado extremo com o equilfbrio entre as notas de um acor- de, com predomindncia total dos baixos; muitas vezes ele toca passagens inteiras com o polegar, inclusive nas primas. c) Uma preocupago obses- sivacom a definigo timbristica: ele sempre procu- ra 0 exato Angulo de ataque e posicionamento da mio direita ¢, mais importante, uma definigdo acurada da sensago que ele procura com cada tim- bre, muitas vezes resvalando no poético. Desde 1958 Bream tem colaborado com com- positores para a criago de um repertério significa- tivo. Em contraste a Segovia, desde 0 inicio ele ‘mostrou uma tolerincia maior dissondincia, ¢ pro- curou compositores mais comprometidos com a modemidade. Isso, por um tempo, levou & avalia- ‘go err6neade que o repert6rio de Bream era “me- Thor” que o de Segovia; na verdade, uma boa parte desses compositores (Berkeley, Walton, Tippett ec.) pertencem a uma linha estética também bastante conservadora e tem pouca importiincia fora da In- glaterra. Violonistas como Starobin e Fisk, na ver- dade, ja tém a seu credito um repert6rio até mais importante historicamente que 0 de Bream. Mas no se pode deixar de valorizar sua audécia ¢ seu bom-gosto - especialmente em comparagdo a Williams. “Nocturnal”, de Britten; “Royal Winter ~ Music”, de Henze e “Vers I’Arc-en-Ciel”, de Takemitsu, ademais, sfo grandes pegas dentro da prépria produco desses compositores. ‘Annova geragio de violonistas cresceu sob a in- fluéncia dos cursos de férias ¢ de seus {dolos, Barrueco, Russell ¢, na América do Sul, a escola de Carlevaro. Muitos desconhecem o trabalho de Bream por completo, ¢ falam dele com desprezo, tendo por base um ou outro recital infeliz. Nao ha ‘como negar que todos estes respeitiveis miisicos ajudaram a elevar o nfvel técnico do violZo enor- Pagina? memente; certamente sio mais fluentes que Bream. ¢ levam uma vantagem da perspectiva hist6rica no repertério dos séculos X VIII e XIX. Sem negar os avangos recentes no “artesanato” do violo, penso ‘que em termos de personalidade artistica ainda ha muito caminho a percorrer para se colocar ombro 2 ‘ombrocom Bream. Seu repert6rio € maior.mais v2- riado e de melhor qualidade que o de qualquer ou- tro violonista de fama. Ele imprime tremenda indi- vidualidade ao repertério renascentista, 0 qual, na mio de outros alaudistas, soa somente como misi- ca “de época”; consegue levantar Sor e Giuliani bem acima do banal; toca misica espanhola com impeto ¢ poder evocatico somente comparavel a Segovia; seu Villa-Lobos pode nio soar muito “bra- sileiro”, mas € totalmente convincente; em miisica modema, & incomparivel; e, em duo com Peter Pears, um camerista de primeira; seu Bach pode ser ‘um ponto fraco, mas é bem acima da média; ¢, ain- da hoje, acada ano ele toca um programa totalmen- te diferente, incluindo obras de Ponce, Tedesco, Regondi etc... Bream abriu possibilidades insuspe' tas: alargou a gama de dindmica do violio, auxilia- do porum novo repert6rio ¢ por luthiers como Rubio ‘¢ Romanillos; provou que possivel tocarcom uma variedade verdadeiramente orquestral de timbres sem permitir que a estrutura musical caia por terra (eque acontece ocasionalmente com Segovia); ¢ foi oprimeiro violonista a fazer isso sem decepar a pul- sacio ritmica, especialmente em miisica espanho- la. E, mais importante que tudo, ele é capaz de cri- ar uma imagem musical de inigualével consistén- cia estrutural e emocional. Basta escutar suas gra- vvages das “Bagatelas” de Walton ou das “Fantasi- as” de Dowland: desde o primeiro acorde ele trans- porta o ouvinte a uma outra dimensio, onde tudo mais amplo ¢ intenso - mostrando que, com imagi- nagdo, a vida pode ser maior que a vida. Fabio Zanon, 30 anos, violonista brasi- leiro radicado em Londres. QUATERNAGLIA Langa novo CD *Qual o nome do CD? Antique. A gente fez questdo de coor- denar todos os detalhes de produgao do disco, desde nome, capa, foto, textos, tf- tulo, forma de gravagao, parte gréfica e repert6rio. De quem foi a sugestito deste 20. CD? Este 20. veio quase simultaneamente ao langamento do 1o., que aconteceu no Festival de Campos, num convite mes- mo da Paulinas Comep, que é a atual gravadora. Na verdade, a gente nao tem uma exclusividade nem coma 1.a (SHO) nem com a 2.a. A gente fez um contrato para gravacio do CD e tivemos a favor a estrutura, a divulgagdo. Acho que é 0 caminho natural: as gravadoras se inte- ressarem pelo trabalho do musico. A gente nem esperava gravar tio cedo. Mas tinhamos um repert6rio de misica anti- ga quase todo pronto, ent&o apostamos nisso. Trabalhamos no 2o. semestre de 95 e fizemos a gravacHo em fins de novembro.A ficha técnica e escolha do repertério foi do préprio grupo. Algu- mas j4 executévamos, outras preparamos, para o CD - como a Sonata de Ganulli, por exemplo. Fizemos algumas exigén- cias & gravadora, como por exemplo, o Tepert6rio, 0 engenheiro de som ser 0 José Luiz Costa (0 Gato) - 0 que impli- ca gravar fora de estudio, sempre em lo- cais com actistica, ¢ a gente gostou mui- pig.do local de gravagio do 10. CD, que por Teresinha Prada foi na Igreja Escandinava, fizemos ques- to disso. E um esquema dificil para o intérprete porque € quase ao vivo, a gente tem que em 4 ou 5 dias gravar o CD, te- mos pronto o som ambiente que é cap- tado e no o som de cada violao. A gra- vadora falava: “Nés temos um estidio muito bom”, é verdade, mas a gente que- ria realmente nessas condigdes porque € a forma como a gente ensaia, toca em recital e deu muito certo, inclusive pe- las criticas internacionais que chegaram a nés no lo. CD como a do Norbert LeClerq, do Gilbert Biberian, do Trio Chitarristico Santa Cecflia, do Jan Olof Erickson, do Egberto Gismonti, que in- clusive ligou aqui para o Conservatério (€onservatério Mozart-SP) para falar que realmente recebe muita coisa, mas que fazia tempo que nao ouvia algo tio diferenciado. Ent&o nés resolvemos in- sistir e a propria gravadora acabou acci- tando. Também exigimos a participagio do Edelton como consultor musical. Ele esteve presente numa etapa preparatéria do repertério como um quinto elemento enas gravagdes munido da grade das par- tituras e os originais das transcrigdes e auxiliou por demais na gravagio, e ele conhece 0 grupo porque foi nosso pro- fessor. Ento, com este time e com a gravadora acolhendoe respeitando todos os nossos pedidos, s6 nos restava gravar mesmo 0 CD! *Qual vai ser o destaque deste CD? Da Renascenga ao século 19, passa por Praetorius (8 dangas) transcrigao do Gilbert Biberian; 4 pegas do Tobias Hume também transcritas pelo Biberian; Concerto em Ré do Telemann, transcri- iio de Heinz Teuchert da Alemanha; “In- trodugéo e Fandango” de Boccherini com transcrigéo de Jeremy Sparks; e a Sonata Op. 21 no. | do Carulli, de Henrich Albert. O que o grupo mais tem assim carinho € 0 Tobias Hume, nao € tanto o que as vezes 0 ptiblico gosta mais porque é densa, contrapontistica, mas tem uma qualidade musical fantdstica. Além disso, o Carulli tem sido muito elo- giado pela sonoridade dos violdes, 0 Praetorius e o Bocherini. Mas a gente esté s6 comegando a ouvir os comenta- tios. *Qual a diferenga maior do Quater- naglia de hoje e de um ano atras? Este € 0 nosso 4o. ano de trabalho. E a gente acha que é até pouco para um gru- po de miisica de cémara que quer soar como um. Acho que o principal sinal de maturidade é a preocupa¢do com as su- tilezas; a gente est4 tocando em todos os recitais com 0 repertério decorado; ha mais fluéncia. O grupo esté com som mais vibrante; as dificuldades de entrosamento de 4 viol6es nao estéo in- timidando o som do grupo. Mas a gente tem que deixar aos criticos af para avali- arem, © Quando chega ao mercado? Jé estd nas lojas das Edigdes Paulinas e também nas lojas especializadas, aque- las que tm €D’s de miisica instrumen- tal, a Waterloo por exemplo, e pode ser encomendado ao grupo pelo tel. (011) 5666-6152. ©Planos para o futuro? Em nivel nacional, estaremos presentes em eventos de mostras de violao de Sio Paulo e na 4rea internacional no segun- do semestre, estamos palnejando uma viagem em setembro ao Uruguai e a Ar- gentina. Margo e abril de 97 na Univer- sidade de Miami e outros locais nos EUA. °E quanto 4 produgéo? A organizagao é nossa mesma, mas j4 esté sendo necessdério uma profissionalizagdo maior. A gente man- dou material por meio de um colabora- dor do “Violdo IntercAmbio”, Géris Lopes, para alguns erfticos de fora, al- guns estio respondendo. As vezes al- gum amigo vai pra forae leva um proje- to nosso. A recepgao do lo. ED ajudou muito. °Tem haver com o valor do violao bra- sileiro ld fora? Est4 chamando a atengio, tem represen- tantes de sobra para isso. Nestes 2 €D’s 0 repertério é variado, entdo o interesse nao é por uma curiosidade de reperté- rio brasileiro, mas é um _interesse em um trabalho de qualidade musical dos brasileiros - enquanto entrosamento; so- noridade; construgéo de um trabalho camerfstico feito no Brasil. gina Seminario do Conservatorio Mozart Obtém novo éxito por Teresinha Prada OI Seminario Nacional de Violio do Conserva- {6rio Mozart, ocorrido nas dias 8 € 9 de junho, mais ‘uma vez alcangou éxito, tanto no niimero de partici pantes (cerca de 30) quanto no nivel dos cursos. O que mais impressionou foi a preparacdo dos envol- vidos: nada foi deixado de lado, tudo funciona, des- de a recepgdo e hordrios até o material didético for- necido. A visio formadora do evento transcendeu aos dois dias de curso. Na verdade, 0 proprio conservatério. um dos poucos que tem uma linha de conduta co- erente, isto é, hd gancho entre as disciplinas ¢ 0 melhor: aescola ndo se fecha para as realizagdes do mercado. Hi sempre abertura para instrumentistas de fora; masterclasses de professores convidados, € tudo jé esquematizado em reunides mensais. Quer dizer, com esta maneira de democratizar a informagio, o Mozart vem obtendo provas de retor- no de seu trabalho, com a constante aprovacio de alunos seus nos vestibulares de importantes escolas ¢ faculdades © em finais de concursos nacionais de instrumento. EVENTO FOI VOLTADO PARA A MUSICA DE CAMARA PARA VIOLAO ‘A primeira aula do curso foi de Apreciago em Misica de CAmara para viollo, a cargo de Sidney Molina, que com audigdes de gravagbes de varios perfodos ¢ a oportuna leitura das partituras Ooferecidas aos alunos, pode comentar as obras, com. destaque para Milan, Corbetta, Straube, Boccherini, ‘Scheidler, um anénimo do Brasil Colonial, Gragnani ¢ Giuliani, nas interpretagdes de Hopkinson Smith, Nigel North, John Williams ¢ Julian Bream, Pepe Romero, Duo Abreu, Trio Opus 12, Jacob Lidberg ¢ outros. ‘A segunda atividade do dia foi a masterclass de Breno Chaves, que falou de afinago, aspectos ritmicos, a importincia do saber ouvir e a intengo dos executantes em mtisica de cAmara. E sobre 0 vai se expor publicamente, eu j acho muito bom!”. Fabio Ramazzina, na sequéncia, numa aula sobre ‘Anélise Musical da obra cameristica, reservou para os participantes uma das trés cangdes (Drei Lieder, opus 18) de Anton Webern, para canto, clarineta e violio (na interpretago de John Williams), onde esclareceu os principais aspectos da chegada do atonalismo dentro da histéria da Musica. Um capitulo & parte foi a palestra sobre Engenharia de Som ¢ Gravacio, de José Luiz Costa, que num ambiente bem descontraido péde elucidar algumas dividas dos participantes sobre técnica, equipamentos ¢ a realizagao de trabalhos. No final, Gato, como é mais conhecido, ganhou mais ainda a atenta platéia 20 oferecer a gravago de uma fita adois participantes (sendo um deles 0 mais jovem e outro por sorteio) do Seminrio. Para encerrar 0 primeiro dia, o Quaternaglia realizou seu concerto de langamento do CD Antique. No dia seguinte, a primeira atividade foi o término do curso de Apreciago Musical de Sidney Molina. O destaque foi para as audigdes de duo, trio € quarteto de violées, violdo ¢ voz, violdo e violino ¢ violdo, flauta, contralto ¢ viola ¢ os compositores Sor, Carulli, Paganini, Rodrigo, Piazzola, Brouwer, Boulez, nas interpretagdes do duo Bream-Williams, duo Assad, duo Abreu, duo Perlmann-Williams, entre outros. Com grande fluéneia e clareza, Sergio Molina mostrou as diversas fungées que o violio pode ter na misica popular. Inicialmente enfocou 0 que chamou de “milsica de cimara de um sé intérprete”, no tradicional acompanhamento do canto pelo violio feito pelo proprio cantor. Mostrou os diversos graus de didlogo do violéo com a voz, desde um simples acompanhamento até um sofisticado uso do violiio com fungao de baixo, percussio, melodia ¢ harmonia. Foram ouvidas obras de Caymmi, Gilbeto Gil, Jodo Bosco, Ulisses Rocha e Paulo Pégina 10 Bellinati. O evento contou também com a presenca da Waterloo Discow: venda ¢ encomenda de Cas de violio, com grande variedade de imtérpretes e obras. Oluthier Raimundo Saraiva realizou uma conversa informal sobre detalhes da construgao do violgo, ilustrada com pegas em diversos estégios, Paralelamente, realizou-se uma série de testes sobre acessérios, tais como diferentes tipos de suporte, afinadores eletrnicos, etc. A transcrigao na Miisica de Cimara para Violio foi o tema da palestra de Eduardo Fleury, que considerando 0 pouco material tebrico sobre 0 assume, suger para maion clare za a divivio das wannctighesem 3 caeyorias: garcia, totais € arranjos. No encerramento do evento, um famow filme de Federico Fellini - Ensaio de Orquestra - foi analivado por Sidney Molina. A proposta desta atividade foi fazer uma andlise “musical"do filme de Fellini. Ao mesmo tempo, foram discutidos tervas que fazem pate da ewéncia da ante ocidental, como subjetividade € objetividade, ironia ¢ modernidade, simbolismo tradicional & convencionalismo, autoridade e competéncia, etc. GATO - Um trabalho de 25 anos O engenheiro de som José Luiz Costa, mais co- nhecido como Gato, é, sem dévida, uma pessoa que faz seu trabalho com dedicagao e prazer © poucos conseguem isso, Numa visto muito prépria, sua pri- meira preocupagio é com o local da gravago ¢ a relagdo do instrumento neste ambiente escolhido, buscando um ponto de equilfbrio, uma unidade . “A dificuldade no Brasil é que nao hé um lugar pertfeito para gravar, sempre ocorrem problemas de vasamento de sons externos”, afirma. Por.outro lado, como gravacdo ndo é s6 ter uma boa aparelhagem, Gato também nao vé grande van- tagem nos mais modernos estiidios que j4 conheceu no Brasil e exterior pois 0 computador trouxe con- forto, mas ndo arruma erro de interpretago: “O que 4 pra fazer € melhorar 0 real. O engenheiro de som eo miisico tém que ter uma certa cumplicidade para que aquela idéia, aquele alvo, a referencia que 0 misico tem na cabega sobre 0 som que quer obter se realize, no minimo, igual ou melhor & sua concepgo anterior & gravago”. Primeiramente, Gato acha que o miisico s6 deve procurar a gravaco quando o repertrio jé esté mais do que preparado “porque no existe gravagao ‘na marra’”, embora nem sempre alguns misicos se

Você também pode gostar