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DELEGAÇÃO DE MONTEPUEZ

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS NATURAIS E MATEMÁTICA


CURSO DE LICENCIATURA EM ENSINO DE MATEMÁTICA
CADEIRA DE ANTROPOLOGIA CULTURAL DE MOÇAMBIQUE

UNIDADE IV: O CONCEITO ANTROPOLÓGICO DE CULTURA

O conceito de cultura é largamente usado e, às vezes com algumas distorções. A presente


unidade temática irá abordar alguns aspectos relacionados com a Cultura Humana. O que é a
cultura? Quais são as características da cultura? Qual é a sua origem? Quais são as suas
características?

Objectivos da Unidade

 Conhecer o conceito de cultura;


 Identificar os elementos de cultura.
 Caracterizar a cultura
 Descrever os factores da cultura.
 Distinguir a cultura material e cultura imaterial.

1. O conceito antropológico de cultura: Pluralidade e diversidade de definições e


abordagens

O termo cultura tem múltiplas aplicações e foi usado em diferentes épocas e sentidos, tal
como ocorre na fase actual. Na Antropologia, o seu uso conheceu várias significações nas
diferentes escolas ou correntes.

Etimologia

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Etimologicamente, o termo cultura “provém do particípio passivo do verbo latino colo, colis,
colere, colui, cultum, que significa: cultivar, cuidar, ter cuidado, prestar atenção”
(MARTINEZ, 2014:44).

Como mostra a sua etimologia, o termo cultura foi primeiro usado um sentido material,
significando cultivar a terra (colere terram). Mais tarde começou a tomar outros sentidos
como: sentido espiritual: culto aos deuses, prestar atenção aos deuses (cultus deorum);
sentido social: cultura como algo que identifica a coletividade, as populações e nações.

Apresentemos, de seguida algumas das definições dadas em Antropologia.

A definição antropológica clássica de cultura foi dada por Edward Tylor. Segundo este, a
cultura é “complexo unitário que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes e
várias outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como membro da comunidade”
(Apud MARTINEZ, 2014:45).

Esta definição destaca a complexidade e o carácter englobante da cultura (a cultura envolve


várias dimensões do homem) e o seu caráter humano/social e artificial (e não natural).

Por sua vez, Franz BOAS  (1930) considera que "a cultura inclui todas as manifestações dos hábitos
socias de uma comunidade, as reacções do indivíduo na medida em que se vêm afectadas pelos
costumes do grupo em que vive, e os produtos das actividades humanas, na medida em que se vêm
determinadas pelos ditos costumes”.

Para B. MALINOWSKI (1931), “a cultura inclui os artefactos, bens, procedimentos técnicos, ideias,
hábitos e valores herdados. A organização social não se pode compreender verdadeiramente a não
ser como uma parte da cultura".

Por sua vez, C. GEERTZ (1966) afirma que

“A cultura se compreende melhor não como complexos de


esquemas concretos de conduta — costumes, usos, tradições,
conjuntos de hábitos —, tal como geralmente foi concebida atá
agora, mas como uma série de mecanismos de controlo — planos,
receitas, fórmulas, regras, instruções (o que os engenheiros de
informática chamam "programas") — que governam a conduta".
HARRIS, M. (1981) considera que

A cultura alude ao corpo de tradições socialmente adquiridas que


aparecem de forma rudimentar entre os mamíferos, especialmente
entre los primates. Quando os antropólogos falam de uma cultura
humana, normalmente se referem ao estilo de vida total,

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socialmente adquirido, de um grupo de pessoas, que inclui os
modos pautados e recorrentes de pensar, sentir e actuar.
Vamos terminar com a definição dada pela UNSCO. Segundo esta organização, “a cultura é
um conjunto de traços distintivos, espirituais e materiais, intelectuais e afectivos, que
caracterizam uma sociedade ou grupo social” (Apud, MARTINEZ, 2014:47).

Embora diferente, todas estas definição destacam aspectos comuns tais como: o carácter
humano da cultura; o facto de ela ser transmitida e adquirida historicamente pelo homem, em
tanto que membro de um grupo social; ter um carácter simbólico, característico de cada
grupo humano; ser um sistema complexo; que evolui, etc.

2. Cultura e sociedade: origem e desenvolvimento

A cultura existiu desde que o homem começou a existir, ela é conatural ao homem, portanto,
não existe homem ou sociedade humanas sem cultura, tal como não há cultura sem sociedade
na qual ela é. A cultura evoluiu e diversificou-se ao rítimo de desenvolvimento histórico de
cada sociedade ou grupo social em que ela se insere.

3. Conteúdos do conceito antropológico de cultura

Tal como se depreende das definições dadas à própria cultura, esta envolve vários elementos
tais como: crenças e ideias, valores, normas, símbolos, atitudes.

Porém é preciso salientar que a cultura é uma totalidade (envolve todos esses elementos no
seu conjunto), e não apenas um aspecto particular ou parcial da actividade mental ou de uma
manifestação humana. Assim, por exemplo, a simples forma de comer não se pode identificar
como o padrão cultural, pois ela é apenas uma expressão cultural que está integrada dentro de
um vasto complexo ou sistema cultural. Por detrás da forma de comer, há um leque de
valores, crenças, conhecimentos, significados e outros tantos elementos da cultura.

4. Características do conceito antropológico de cultura

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A cultura humana apresenta algumas características peculiares tais como:

 A cultura é material: expressa-se visivelmente através de artefactos e tecnologias;


 A cultura é simbólica: Um símbolo é aquilo que representa uma coisa, está em lugar de
algo, e esta conexão pode ser simbolizada de maneira diferente segundo as culturas.
Assim, um mesmo objecto pode ter nomes diferentes, de acordo com as línguas. Ex.: cão,
dog, mwanpua, mwanambwa. Roupa preta (luto);ect
 A cultura está pautada/normativa: ela é aprendida normativamente. Quer dizer que está
formada por umas regras ou normas integradas. Dispõe de um conjunto de valores
centrais, chaves ou básicos organizados num sistema e orienta a conduta humana
 A cultura é social: A cultura é partilhada, transmitida e adquirida pelas pessoas enquanto
membros de grupos. A cultura é aprendida socialmente, e nunca em separado ou
isoladamente.
 A cultura é estável e dinâmica: estável na medida em que perdura ao longo dos tempos,
mantendo-se a mesma; e é estável na medida em que sofre transformações, adaptando-se
aos novos contextos.
 A cultura é selectiva, na medida em que integra os valores, práticas e técnicas que o grupo
acha pertinentes para si; ela avalia os novos elementos, podendo rejeitá-los ou aceitá-los.
 A cultura é universal e local: é universal na medida em que o ser humano é um ser
cultural (não há homem sem cultura) e há elementos comuns a todas as culturas (os
universais culturais); e local na medida em que há elementos ou práticas específicas a
determinados locais, em função das suas condições aí existentes.

5. Factores da cultura

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A cultura não é só o resultado da mente humana, ela surge e se manifesta a partir da relação
que se estabelece entre quatro factores: o próprio Homem (antropós), a Sociedade (ethnos), o
Ambiente (oikos) e o Tempo (Chronos).

 O homem participa enquanto ser biológico e cultural na mudança cultural,


introduzindo novos elementos ou inovando/recriando os já existentes.
 Por sua vez, a sociedade participa com o seu papel regulador das acções individuais e
colectivas, podendo aceitar ou rejeitar os novos elementos da cultura.
 O ambiente é onde o homem e a sociedade se inserem. Ele condiciona a actividade
exterior e material do homem. Ex.: sua forma de vestir, sua gastronomia, utensílios
domésticos, etc.
 Finalmente, o tempo (cronológico) no qual se desenvolve e se manifesta a cultura,
transforma o homem e com ele a sua cultura, ganhando novas dinâmicas.

6. A Cultura material e imaterial

A cultura é uma característica especificamente humana que tem duas


componentes/dimensões:

1. Uma componente imaterial (mental): produtos da actividade psíquica ora nos seus
aspectos cognitivos ora nos afectivos, significados, valores e normas.

2. Uma componente material: artefactos e tecnologia, fruto da relação do homem com o


meio ambiente..

Estas duas componentes não devem ser tomadas separadamente uma da outra. As duas se
relacionam e influenciam. Assim,

Bibliografia

BERNARDI, Bernardo. Introdução aos estudos Etno – Antropológicos. Lisboa, Edições 70,
1978.

MARTINEZ, Pe. Francisco Lerma, Antropologia Cultural: guia para o estudo, Maputo,
Paulinas, 2014.

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DIVERSIDADE CULTURAL, OS UNIVERSAIS DA CULTURA, O DINAMISMO E A
MUDANÇA CULTURAL

2.1. Diversidade cultural

Um dos temas que ocupa a Antropologia hoje é o da diversidade cultural.

O conceito de diversidade cultural traduz a constatação e o reconhecimento da existência


no mundo de várias e diferentes culturas, tendo cada uma características específicas, não
obstante às semelhanças que se podem verificar entre elas.

A constatação da diversidade cultural conduz ao relativismo cultural. Segundo MARTINEZ


(2014:22), o relativismo cultural é “a concepção segundo a qual não existem princípios
gerais que permitem julgar os valores e as instituições das culturas”. Desta feita, a
diversidade cultural exige o respeito e a promoção das diferenças culturais, evitando-se
atitudes extremas como o etnocentrismo (olhar a sua própria cultura como superior e modelo
em relação às outras) e o relativismo absoluto (olhar cada cultura como única, autossuficiente
e completa).

Afirmar a diversidade cultural não significa absolutizar as diferenças, mas reconhecer as


especificidades de cada cultura sem negar a intercomunicabilidade entre as culturas (ou
simplesmete interculturalidade1), o que dá origem aos universais culturais.

Neste contexto, no lugar de combater, devemos valorizar e promover a diversidade cultural,


visto ser fonte de enriquecimento e dinamismo cultural.

1
Fornet-Betancourt define a interculturalidade como “(…) aquela postura ou disposição pela qual o ser
humano se capacita para, e se habitua a viver ‘suas’ referências identitárias em relação aos chamados ‘outros’,
quer dizer, compartindo-as em convivência com eles” (Apud NGOENHA e CASTIANO, 2011).

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Eunice Santos apresenta o pensamento de um dos célebres antropólogos a respeito do valor
da diversidade cultural nos seguintes termos:
A diversidade cultural é valorizada de duas formas: por ser nela que residem
as possibilidades de progresso da humanidade, uma vez que o progresso
deriva da colaboração entre culturas diferentes e por ser através da
diversidade que se torna possível a compreensão das culturas, na medida em que
só a compreensão das diferenças enquanto sistema permitirá atribuir a qualquer
cultura individual o seu sentido verdadeiro.
(http://www.academia.edu/5531478/A_Antropologia_e_a_Diversidade_Cult
ural).

A diversidade cultural nos leva portanto a concluir que devemos observar e estar atentos a
todas as culturas e subculturas existentes numa sociedade, o que permite enriquecer os nossos
conhecimentos, tomando consciência dos valores existentes nas diferentes culturas. Por fazermos parte de
vários subgrupos (bairro, religião, família, etc) podemos observar valores conflituantes, sem que nenhum seja
possuidor da verdade absoluta. Devemos ser tolerantes às diferenças culturais e evitar ridicularizar os outros
simplesmente porque são diferentes de nós.

2.2. Os universais da cultura

Não obstante a diversidade cultural de que falamos antes, existem em Antropologia o conceito de universais
culturais. Por universais da cultura entende-se o conjunto de elementos comuns a todas as culturas. Os
universais da cultura encontram seu fundamento pelo facto de os homens sentirem as mesmas necessidades
(biológicas, afectivas) em virtude da sua natureza biológica também igual. Com efeito, “todos os homens,
em toda a parte, procuram comer e beber o suficiente, abrigar-se e defender-se do perigo e do desconforto
físico, conseguir reacções favoráveis dos seus colegas (…), encontrar explicações satisfatórias dos fenómenos
do mundo observado” (MARTINEZ, 2014:28).
Os universais da cultura são vários: a linguagem, os sistemas de parentesco, as regras em volta da sexualidade,
o uso do fogo, as crenças num mundo sobrenatural (a ideia de Deus), a arte, a preparação dos alimentos, o
amor, as normas morais (fazer o bem e evitar o mal), o respeito, entre outros.

2.3. Dinamismo e mudança cultural


Nas aulas anteriores vimos que uma das características da cultura era o facto de ela ser estável e dinâmica:
estável na medida em que perdura ao longo dos tempos, mantendo-se a mesma; e dinâmica na medida em
que sofre transformações, adaptando-se aos novos contextos. Assim, toda a cultura pode ser considerada

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nestes dois aspectos: o da estabilidade e o da mudança. Por isso, agora interessa saber como é que a
estabilidade é mantida e como é que a mudança se opera.

2. 3.1. A estabilidade cultural (aspectos sincrónicos)

A estabilidade cultural é mantida através da tradição que é o “processo pelo qual através do tempo e do
espaço se transmite o património cultural de uma determinada sociedade de geração em geração”
(MARTINEZ, 2014:64). Esta transmissão é uma acção dinâmica e um processo de conservação e de contíbua
reinterpretação de coisas já existentes. Isso significa que a tradição não uma aceitação passiva ou mecânica,
mas uma perpetuação activa de valores essenciais de uma cultura.

A tradição é corporizada através das instituições, leis, usos e costumes, padrões de comportamentos.

Paralelamente a tradição outro processo que garante a estabilidade cultural é a endoculturação ou


enculturação. De acordo com B. BERNARDI, enculturação é um “processo educativo pelo
qual os membros de uma cultura se tornam conscientes e comparticipantes da própria
cultura” (Apud MARTINEZ, 2014:66). Por sua vez, GROTTANELLI, define a enculturação
como “processo através do qual todo o indivíduo adquire do seu grupo social todo o
necessário para a sua plena inserção na sociedade a que pertentence” (Apud MARTINEZ,
op. cit.).

Trata-se de um processo de ajustamento das respostas individuais aos padrões culturais de uma sociedade e
que acompanha toda a vida do indivíduo, desde a infância até à morte.
Segundo MARTINEZ (op. cit.), no processo de enculturação dão-se os seguintes passos:
a. Assimilação: Assimilação de comportamentos padronizados que a criança observa à sua
volta.
b. Conformação: a tendência é absolver o máximo de cultura e conformar o
comportamento a ela.
c. Aprendizagem dos símbolos: aprender todo o dispositivo simbólico que permitirá à
criança comunicar-se com os outros membros da sociedade e tornar-se apta para o
processo intelectual, sensitivo e volitivo.
d. Aquisição de hábitos: a criança adquirirá hábitos e costumes, disciplinará seus
movimentos biológicos e sofrerá uma mudança progressiva que transformará seu

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comportamento de 100% biológico até ao ponto máximo de 100% cultural (embora
ninguém o atinja).
e. Interpenetração: no homem, todos os fenómenos inorgânicos, biológico e psicológicos
estão marcados pelo selo da cultura; dá-se uma interpenetração de todos eles.
f. Duração: o processo da enculturação estende-se por toda vida do indivíduo e apresenta
variações e intensidades diversas.
g. Determinismo: pode-se falar de um determinismo cultural ao falarmos do
comportamento humano; uma criança recebe todo um conjunto de experiências já
consagradas pela cultura, de tal maneira que mesmo adulto continua a sentir, pensar e
agir de acordo com a sua cultura.

Nota: Enquanto a tradição acentua o processo de transmissão, levada a cabo pela


comunidade aos indivíduos, a enculturação realça a aquisição/aprendizagem, ou
assimilação da cultura por parte do indivíduo.

2.3.2. As mudanças culturais (aspectos diacrónicos)

Ao lado do equilíbrio e da harmonia, a mudança e o conflito cultural são as características


normais dos sistemas sociais. Na verdade, a história mostra que, através de processos
próprios, as cultuas mudam e se transformam e que outras até desaparecem. Daqui podemos
nos perguntar: porque mudam as culturas? Quais são as causas e as modalidades? E os
processos?

Segundo MARTINEZ (op. cit. p. 71), “as culturas mudam por factores endógenos, através
dos processos da invenção e da descoberta; e por factores exógenos, por meio dos
processos de difusão, de aculturação e da globalização”.

 Factores Endógenos: a descoberta e a invenção

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A descoberta e a invenção constituem os pontos de partida para o estudo do crescimento e das
modificações culturais e são os fenómenos que promovem a mudança e a transformação da
cultura.

R. B. DIXON, distingue a descoberta da invenção nos seguintes termos: a descoberta é o


“reencontro acidental de uma coisa anteriormente não observada”, enquanto a invenção é a
“criação deliberada de algo radicalmente novo com uma finalidade definida” (Apud
MARTINEZ, 2014:71).

Estes dois termos apresentam elementos comuns e elementos próprios. Os elementos comuns
são:

 Ambos termos associam a ideia de novidade;


 Nos dois casos trata-se de elementos originários dentro das linhas de uma
determinada sociedade e respectiva cultura. De facto, reconhece-se as invenções
pertencentes a povos diferentes do próprio povo. Reconhecemos invenções
chinesas, russas, americanas, etc; pelo que se distinguem os elementos inventados
ou descobertos dos elementos tomados de empréstimo, os quais chegam a uma
cultura já com formas e funções desenvolvidas.

Os elementos próprios são:

 A descoberta é resultado do acaso enquanto a invenção é intencional.

No processo de mudança cultural, é a aplicação do conhecimento – invenção – que tem


importância funcional para a cultura, por isso é necessária referirmo-nos a todos elementos
activos, desenvolvidos dentro do quadro de uma determinada cultura e sociedade, como
sendo invenções.
Toda nova aplicação de conhecimentos exige o exercício de funções racionais que pertencem
exclusivamente aos indivíduos. As sociedades enquanto tais, são incapazes de pensar, e,
portanto, de inventar. Os indivíduos são os únicos agentes da invenção.

Alguns exemplos:

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Descobertas: fogo, agricultura, o poder curativo das plantas, etc.

Invenções: a roda, o motor, o telefone, a peneira, o arco e a flecha, etc.

 Factores Exógenos

a. O processo da difusão

É reduzido o número das invenções incorporadas à cultura e no enriquecimento progressivo


de sua cultura. Segundo LINTON (Apud MARTINEZ, 2014:77), “nenhuma sociedade
empregou jamais um décimo sequer da capacidade inventiva de seus membros. Pelo que
todas as culturas crescem principalmente à custa de empréstimos”. Isto significa que numa
cultura há mais elementos emprestados de outas culturas do que nela inventados ou
descobertos, pelo que o fenómeno da difusão da cultura é incontestável.

De acordo com LINTON (Apud MARTINEZ, 2014:78), difusão cultural é a transmissão de


elementos culturais de uma sociedade para outra”. Neste processo observamos trocas e
permutas, propagação de elementos de uma determinada cultura para outra. Para que tal
aconteça é necessário que haja contactos entre os povos. A difusão de valores culturais não
ocorre mecanicamente. Não se trata de um processo homogéneo e rectilíneo. São muitos e
variados os factores que concorrem para que se dê a difusão de valores culturais.

De acordo com MARTINEZ, a difusão contribui inegavelmente para o progresso dos povos e
o crescimento cultural da humanidade em dois sentidos:

 Estimulando o crescimento da cultura como um todo;


 Enriquecendo o conteúdo das culturas particulares.

a. O processo de Aculturação

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O termo aculturação pode ser usado como sinonimo de socialização, educação ou
condicionamento. Porém, alguns autores preferem usar o termo transculturação em
detrimento de aculturação.

Segundo o Conselho de Ciência Social dos Estados Unidos, aculturação são “aqueles
fenómenos surgidos onde grupos de indivíduos que têm culturas diferentes entram em
contacto contínuo de primeira mão, com subsequentes mudanças nos padrões da cultura
original de um dos grupos ou de ambos” (Apud MARTINEZ, 2014:83). É o fenómeno que se
deu durante o contacto entre povos durante as guerras de dominação de reinos e impérios,
durante as guerras religiosas (cruzadas), durante o colonialismo, durante a escravatura, etc.

Trata-se de um dos mais característicos processos de dinamismo cultural no qual se destacam


os seguintes aspectos: os seus agentes são grupos socias mais ou menos grandes, de culturas
diferentes; os contactactos são de primeira mão (comerciais, sociais, religiosos, políticos); o
relacionamento é prolongado no tempo e no espaço para garantir o confronto dos traços
culturais; as duas culturas sofrem transformações (ganhando ou perdendo alguns traços).

b. O processo de desculturação

A desculturação (derivado da descultura, falta de cultura) traduz os aspectos negativos da


dinâmica cultural. Trata-se do processo de perca de elementos mais ou menos importantes
nas culturas participantes no processo de contactos culturais, ou durante o crescimento
normal da própria cultura e das situações históricas em que se vai encontrando.

c. O Processo da Globalização

Podemos definir a globalização como a “tendência de fenómenos económicos, culturais e


mais outros a assumir uma dimensão mundial, superado os confins nacionais e continentais”
(MARTINEZ, 2014:91) Trata-se da compreensão e tomada de consciência do mundo como
um todo. Embora se possa reconhecer a sua existência desde os tempos antigos, a sua
sistematização e transformação em verdadeiro projecto começou no séc. XVI, com a
expansão europeia. Hoje, a globalização assume três vertentes: económica, política e cultura
(ou espiritual).

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2.4. Cultura e educação: Saberes e Contextos de Aprendizagem em Moçambique

Os contextos de aprendizagem em Moçambique são caracterizados por serem multiculturais:


na mesma sala e escola encontram-se alunos e professores oriundos e pertencentes a
diferentes culturas. Num tal contexto, o processo de ensino e aprendizagem não pode nem
deve ignorar as diferenças culturais. Estas, longe de serem encaradas como uma barreira,
devem ser exploradas como fonte de riqueza e de enriquecimento mútuo.

Segundo devemos respeitá-la, pois, segundo Hilzidina Norberto Dias, a diversidade cultural é
“um património tão importante para a humanidade tal como a biodiversidade e que a
interculturalidade e o respeito pelas diferenças são as melhores formas de garantir a paz e
o desenvolvimento” (2010:8).

Uma das formas de valorizar essa diversidade cultural é a que o novo Currículo de Ensino
Básico Designa por Currículo Local. Trata-se de uma componente do currículo nacional
“constituída por conteúdos definidos localmente como sendo relevantes, para a
integração da criança na sua comunidade” (INDE, 2014, s/p).

PARTE III: TRADIÇÃO E IDENTIDADE CULTURAL

3.1. Conceituação

O termos tradição foi antes definido como “processo pelo qual através do tempo e do espaço se
transmite o património cultural de uma determinada sociedade de geração em geração”. A tradição garante
a estabilidade e continuidade da cultura, daí que também é um dos elementos da identidade cultural.

A identidade expressa o sentimento de pertença de uma pessoa a um determinado grupo ou categoria


de pessoas. Neste caso, a identidade cultural traduz o sentimento de pertença a uma determinada
cultura.

Num contexto multicultural como o nosso, a definição da identidade cultural não passa por imposição de um
modelo cultural único ou de elementos culturais de uma só cultura, em detrimento de outras. Ela deve ser
negociada, procurando-se definir os elementos que melhor projectarão a imagem de todos (os

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moçambicanos) e por que todos os moçambicanos se sentirão projectados (embora seja difícil encontrar
consensos).

Porém é preciso salientar que a identidade cultural não pode ser vista como sendo um conjunto de
valores fixos e imutáveis que definem o indivíduo e a coletividade da qual ele faz parte. Pelo
contrário, o intercâmbio e a modificação são caminhos que orientam a formulação e a
construção das identidades. Segundo teorias recentes, a identidade cultural se constrói de
forma múltipla e dinâmica.

Aqui é oportuno nos perguntarmos: Que elementos definem a cultura moçambicana hoje?

Podemos, como resposta, mencionar alguns elementos tais como: as músicas/danças


tradicionais (marrebenta, mapiko, tufo, nhambarro, nhau, etc); as línguas nacionais, os
instrumentos musicais (timbila), a gastronomia, a arte/artesanato (escultura maconde, pintura
de Malangatana e outros artistas que representam as nossas culturas).

3.2. A génese da multiplicidade cultural na metade Oriental da África Austral: factos e


processos culturais

A multiplicidade cultural na metade oriental da África Austral tem origem a partir dos
contactos entre povos causados pelas migrações. Estas migrações foram internas e externas.
Entre as migrações internas podemos destacam-se a migração dos povos bantu, do centro de
África para o região Sul (no caso de Moçambique, chegaram os San e os Khoi-khoi, que
depois se uniram formando os Khoisan), o Nfecane, a migração do povo Nguni por motivos
de guerras (1880) internas. E entre as migrações externas destacam-se as dos comerciantes
aisiáticos (indianos, árabes, persas, chineses), séc XII e ss, e colonos europeus (ingleses,
portugueses, alemães), sec XV-XVI.

Após a Independência, os moçambicanos vão também adquirir valores culturais, éticos e


morais que nos vão ser transmitidos pela política socialista e pelo contato com “cooperantes”
russos, cubanos, búlgaros, norte-coreanos, chineses, alemães [RDA].

A cultura socialista vem a ser amplamente difundida nas escolas por meio do Sistema
Nacional de Educação que tinha como objetivo formar um “Homem Novo”, que significava

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“um homem livre do obscurantismo, da superstição e da mentalidade burguesa e colonial, um
homem que assume os valores da sociedade socialista” (MINED, 1985, p. 113). Após a
Independência, os moçambicanos vão também adquirir valores culturais, éticos e morais que
nos vão ser transmitidos pela política socialista e pelo contato com “cooperantes” russos,
cubanos, búlgaros, norte-coreanos, chineses, alemães [RDA].

Todos esses contactos com povos diferentes proporcionaram em Moçambique formas


diferentes e diversificadas de ser e estar.

3.3. O processo de construção do império colonial e a pluralidade cultural

Até à data da sua independência, Moçambique como nação não existia. Tratava-se apenas de
um território/colónia portuguesa composto por vários grupos sociais (etnias e tribos), cada
uma com sua cultura. O colono, para melhor dominar, não encorajou as culturas locais, mas
procurou, através da política de assimilação, civilizar, tornar portugueses os nativos,
obrigando-os a conhecer e viver a cultura portuguesa, em detrimento da sua própria. Portanto,
neste período colonial, a pluralidade cultural não era bem vista e foi combatida. Como
exemplo disso é a imposição da língua portuguesa, em detrimento das línguas locais.

3.4. Dinâmica aculturacional e permanência de modelos societais endógenos

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Como vimos antes, o processo de aculturação se dá pelo contato de
culturas diferentes e pela adoção mútua de costumes pertencentes à
outra cultura. Pelo que não há total destruição de culturas, embora alguns
autores considerem a aculturação como responsável pela destruição ou o
desgaste de culturas vistas como “originais”. Na verdade, as duas
culturas em contacto ganham/perdem elementos e, por conseguinte,
ambas sofrem transformações.

Os modelos societais endógenos (culturas “originais”) podem distruir-se


não pela aculturação, mas por outros factores como a assimilação. Sendo
assim, as culturas tidas originais permanecem, não de forma cristalizada
ou estática, mas num processo de contínua renovação.

3.4. A construção do outro e a etnicização/tribalização em Moçambique e os discursos


da identidade nacional moçambicana.

No contexto multicultural moçambicano, os discursos da identidade nacional são formulados


em paralelo e como reação aos discursos da etnicizaçao ou tribalização. Diante do
incontestável facto da existência de várias tribos ou etnias, surge o esforço de construir uma
nação única e unida.

Antes de tudo tentemos definir os conceitos de etnia, tribo e nação. Segundo P. 
Mercier,  uma etnia é um “grupo fechado,  descendendo de um mesmo antepassado ou, mai
s
geralmente,  tendo a mesma origem,  possuindo uma cultura homogénea e falando uma lín
gua comum”. (Apud CHICHAVA, 2008: s/p). Por sua vez, Catherine Vidrovich- Cocquery
afirma que o termo etnia, na sua acepção socio-antropológica, surge no século XIX, com o
Imperialismo ocidental para designar “os povos  ou  sociedades  consideradas 
“primitivas”  ou  pré‐industriais,  em  oposição  às  sociedades  ocidentais  ou 
evoluídas”.  A  partir  dessa  altura,  a  tribo  ou  etnia,  em  oposição  à  nação  ―  fenómeno 
então  tido  como  tipicamente  ocidental  ― foi  considerada  como  um  fenómeno 
africano, onde os respectivos povos não teriam consciência da sua unidade nem vontade de 
viver em conjunto. (Apud CHICHAVA, 2008).

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No contexto Moçambicano, a etnia ou tribo representa a primeira identidade ou grupo de
pertença, antes da nação, que apenas foi constituída ou começou a se constituir com a sua
independência do regime colonial português em 1975.

Por isso, no processo de construção da nação moçambicana podemos distinguir dois


momentos, cada um caracterizado por discursos sobre a tribo/nação diferentes (cfr.
CHICHAVA, art. cit., pp. 8-13). O primeiro período, vai desde a independência (1975) até à
introdução da Democracia, com a Constituição de 1990. Neste período, a Frelimo no seu
discurso de identidade nacional confundia a unidade com a unicidade e a igualdade com o
igualitarismo, combatendo todo o tipo de diversidade: cultural, linguística, política,
religiosas, tribal). Nesse contexto a tribo era vista como contrária à nação: era preciso matar
a tribo para construir a nação, dizia Samora Mocahel.

O discurso da Frelimo sobre a identidade nacional mudou a partir de 1990, período


considerado democrático, em que começa a haver reconhecimento e promoção, pelo menos
sob ponto de vista discursiva, da diversidade cultural, o que pressupõe o respeito pelas
tradições de cada grupo étnico ou tribal, daí o lema de hoje ser: unidade na diversidade.

Em conclusão, podemos afirmar com Chichava que o problema não é a multiplicidade étnica
ou a etnicidade em si, mas o uso que dela se faz, a sua instrumentalização, que pode conduzir
ao seu aspecto negativo (tribalismo). Torna-se problema quando se usa a origem étnica como
critério de selecção e exclusão de uns pelos outros no acesso aos recursos e postos do Estado.

3.5. A anomia e o processo das identidades rebuscadas

A anomia é um conceito que foi bastante explorado no ramo sociológico. Um dos principais
representantes desta teoria foi o sociólogo e psicólogo social Émile Durkheim, em suas
obras “Suicídio” (1897) e “Da Divisão Social do Trabalho” (1893).

Pode-se definir a anoimia como estado social de ausência ou enfraquecimento de normas


sociais e morais que servam de “guia” para a sociedade, levando os indivíduos a
desconsiderarem o controle social que rege a sociedade (cf.
https://www.significados.com.br/anomia/).

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Lino
Trata-se de um fenómeno originado pela “quebra” das referências sociais tradicionais por
causa da modernização da sociedade. É propriamente um momento de crise e desordem
social.

Mas, assim como afirma em suas obras, Durkheim diz que a anomia social permanece ativa
temporariamente, apenas durante o período de transação entre as transformações sociais.

A partir deste cenário anômico, a sensação de incerteza, ansiedade e frustração se configura


entre as pessoas, que buscam por satisfações e novos sentidos para as suas vidas;
intensificam-se os comportamentos desviantes tais como: o suicídio, a criminalidade, os
roubos, a corrupção, etc.

Para sair do estado de anomia, as pessoas precisam de uma liderança carismática que lhes
indique novos valores e que, de um modo geral, o líder personifica. As pessoas se identificam
com a liderança e juntos começam a definir as suas novas identidades. Às vezes, estas
lideranças podem tornar-se ditadoras e totalitaristas, recorrendo à força para impor os novos
valores e normas que orientarão a sociedade.

Bibliografia

CASTIANO, José P. “O diálogo entre as culturas através da educação” in: NGOENHA, Severino E.
& CASTIANO, José P. Pensamento Engajado: ensaios sobre Filosofia Africana, Educação e Cultura
Política. Maputo. Editora EDUCAR, Universidade Pedagógica. 2011, p. 213-249;

CHICHAVA, Ségio, “Por uma leitura sócio‐histórica da  etnicidade em Moçambique”,


MAPUTO, IESE, 2008 (On Line), disponível em
http://www.iese.ac.mz/lib/publication/dp_2008/DP_01_ArtigoEtnicidade.pdf, acesso, em
01/10/2017;

DIAS, H. N., “Diversidade cultural e educação em Moçambique” (art.) in: V!RUS (Rev.),
São Carlos, n. 4, Dezembro, 2010, Disponível em: http://www.nomads.usp.br/virus/virus04/?
sec=4&item=4&lang=pt, Acesso em: 16/09/2017.

INDE/MINED, Programas das Disciplinas do 2º Ciclo do Ensino Primário, Maputo, 2014.

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dr.
Mateus
Lino
MARTINEZ, Francisco Lerma, Antropologia Cultural: guia para o estudo, 7ª ed., Maputo,
Filhas de São Paulo, 2014.

SANTOS, Eunice, “A Antropologia e a Diversidade Cultural” (On Line), disponível em


http://www.academia.edu/5531478/A_Antropologia_e_a_Diversidade_Cultural, acesso em
14/09/2017;

“Significado da Anomia” (art.), disponível em: https://www.significados.com.br/anomia/, acesso em


1/10/2017.

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