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A C I D A D E , A PAISAGEM E O B E L O *

JACQUELINE MORAND-DEVILLER

SUMARIO: 1. Proteger: o belo contra o vandalismo: A) O vandalismo destruidor; B. O vandalismo res-


taurador - I I . Legislar: o belo contra a indiferença: A) A lei, a estética, o patrimônio natural e cultural:
1. O patrimônio antigo; 2. O patrimônio futuro: B) A boa ordem e a bela ordem - I I I . Julgar: o belo
contra o imperialismo e a covardia: A) O julgamento dos homens das artes; B) A sentença dos juízes;
C ) O veredicto majoritário.

Fascinação e intimidação diante da estética, Solicitaram que nesse artigo fosse analisada
se esta regra de conduta, recomendada por Paul a estética em face do direito urbanístico e do d i -
Valery,' seduz o poeta, ela seria conveniente ao reito ambiental, duas disciplinas cujo progresso
jurista? é medido palmo a palmo pela crescente relação
Mas, por que não? Afinal de contas, ensi- entre o patrimônio natural e cultural.
na-se que as grandes decisões do Conselho de Pode-se decretar a estética urbana? A resposta
Estado procedem de uma "revelação", u m tipo é, à primeira vista, afirmativa. Pretender que "o
de deslumbramento diante dos comportamentos belo não se decreta" é cometer uma injúria ao le-
e dos princípios confirmados pelo tempo e nós gislador e ao direito, pois ambos têm como missão
admiramos a prudência, a discrição das altas introduzir a ordem ao "caos social" e à cidade,
jurisdições na redação sutilmente lacónica de uma bela ordem e uma bela cidade. O direito é
suas decisões, tanto como as qualidades que uma prescrição de conduta e de comportamento.
elas não compartilham necessariamente c o m Prescrever o belo é prescrever uma conduta leal
o legislador, frequentemente i n c l i n a d o a se a seu respeito. E pode-se indagar se Aristóteles
deixar fascinar pelo evento que j á ocorreu, do não tinha magistralmente tratado dessa questão
qual restam apenas obscuras claridades, e a não constatando que; " O belo e o justo são interpre-
se conter em suas reformas, entre glosando-se tações tão vastas e tão susceptíveis de erro que
ao excesso. eles não parecem ter sentido em razão da lei e não
por u m efeito da natureza".^
Pode-se julgar o belo? Aqui mais uma vez
* Laville, lepaysage et lebeau, in Archives dephilosophie a resposta é afirmativa. Os julgamentos serão
dudrok-1.40: droit et esthétique. Trad. Solange Teles moderados, prudentes. Proferi-los demandará
da Silva, Raquel Thais Runsche e Cristina Lemos
"uma arte inteira", arte da persuasão, arte da
Lopes, 1996, p. 180-193.
solução, e se a elegância não é a qualidade pri-
1. Nota das tradutoras: a autora refere-se ao texto de
mordial de u m julgamento, nada impede que
Paul Valery (Paul Valéry, Discours sur lesthétique
(1937). Discours prononcé au deuxième congrès ela o impregne.
International d'Esthétique et de Science de l'Art, Os golpes aplicados ao patrimônio seriam
in Variété IV, Nrf, Gallimard, 1939, 265 p., p. 235- rudes se o direito não interviesse. O legisla-
265. Disponível em: lclassiques.uqac.ca/classiques/
Valery_paul/varietes/discours_sur_esthetique_IV/
Discours_sur_lesthetique.pdf]. 2. ÈthiqueãNicomaque, Livre I I , chap. I l l , 2.
dor cumpriu sua missão e os textos que ele nos Dos Burgondes' às "Trinta gloriosas"^ do
ofereceu são - isso merece ser ressaltado - de pós-guerra, a lista dos "autos de f é " ' arquitetô-
qualidade. nicos é longa, história marcada por alguns atos
violentos: foi necessário mais de vinte anos para
O j u i z continua excessivamente tímido, o
reconstruir a abadia de Cluny, o maior monastério
belo o assusta, ele teme versar sobre a subjetivi-
da Europa, e aproximadamente o mesmo tempo
dade, o arbitrário, mas se ele se esquiva do debate
para que as residências reais de Marly, Meudon,
de fundo sobre a estética, ele não correria o risco
Sceaux e a Ilha Adam fossem transformadas em
de assim falhar em sua missão de aplicação e de
pilhas de pedras a edificar. Nessa matéria não é a
interpretação das leis? Ele não correria o risco, seleção natural que se impõe, não são os monu-
sobretudo de deixar perpetuarem-se impune- mentos mais prestigiosos que necessariamente
mente os crimes contra o patrimônio, os crimes sobrevivem.
que lesam o belo?
Pode-se ser mais indulgente quando o demo-
O direito urbanístico e o direito ambiental lidor se faz perdoar, construindo sobre o mesmo
são, em direito piiblico, terrenos de predileção da local uma nova obra-prima: no início do século
estética e é necessário agradecer a essa sacra união X I I o abade Suger reconstruiu pela terceira vez
que o período contemporâneo fortemente selou. a abadia de Saint-Denis, e a catedral de Saint
A reflexão sobre a cidade, a paisagem e o belo Etienne de Bourges foi reconstruída cinco vezes
sem ser finalizada.
obrigam a descer das alturas especulativas para
apresentar os progressos e as insuficiências do No entanto, as sucessões de obras-primas
direito positivo quanto à proteção e à valorização tornaram-se, ao longo dos anos, cada vez mais
do patrimônio. raras, ao passo que a obstinação de destruir nunca
se enfraqueceu; a sobrevivência da estação de
Essa análise ordenar-se-á em torno de três
trem Orsay, bem como da fachada dos fundos da
missões a cumprir. Proteger: o belo se insurge Ópera cómica, ocorreu em razão de afortunados
contra o vandalismo; legislar: o belo luta contra a concursos de circunstâncias políticas que não
indiferença; julgar: o belo desafia o imperialismo pouparam os Halles de Baltard, o Palácio rosa
e a covardia. de Boni de Castellane ou o Castelo Beranger de
Guimard.
I. PROTEGER: O BELO CONTRA O VANDALISMO
A complexa psicologia dos vândalos se apoia
A ) O vandalismo destruidor em motivos confessáveis e não confessáveis.
Entre os últimos, os mais frequentes seriam
O estigma do vandalismo teria sido criado pelo o instinto brutal de destruição: vingança de u m
abade Gregoire,^ cuja sensibilidade se assustava ao Caliban raivoso contra o que foi edificado com
constatar as destruições revolucionárias: " E u criei ternura por Ariel; a ganância; a intolerância e o
a palavra para matar a coisa", dizia o deputado da fanatismo; os "sans-culottes"** pediam a destrui-
região da Lorena aos Estados gerais, que se tomou
em seguida bispo constitucional de Blois. 5. Nota das tradutoras: bárbaros que invadiram a França
(principalmente na região da Borgonha) a partir da
Tão enraizado no temperamento dos homens
Antiguidade até a Alta Idade Média, quando se esta-
e das sociedades como é a guerra, o vandalismo é beleceram definitivamente.
"algo" também tão antigo quanto ela e permanente 6. Nota das tradutoras: "Trinta gloriosas", décadas de
pela vida. A história do vandalismo, história dos verdadeira revolução silenciosa, o período entre 1957
monumentos destruídos da artefrancesa, foi tema de e 1974, constituiu um período de forte crescimento
económico e urbanização em uma maioria de países
u m notável estudo de Louis Réau, recentemente
desenvolvidos.
reeditado e reatualizado.''
7. Nota das tradutoras: cerimónia de destruição pelo
fogo durante o período da Inquisição.
3. Nota das tradutoras: a autora refere-se a Henri Gre- 8. Nota das tradutoras: de acordo com os aristocratas,
goire, antigo bispo de Blois, que apresentou relatórios "sem-calçâo" era a expressão que designava os artesãos,
sobre L a bibliographie, la destruction du patois e trabalhadores e pequenos proprietários participantes da
1'excès du vandalisme (1974), relatório apresentado Revolução Francesa a partir de 1771, pelo fato de não
à Convenção Nacional (Assembleia). usarem elegantes trajes que a nobreza vestia ("culot-
4. R. Laffont, Bouquins, 1. ed. 1958,2. ed. 1994. tes"), mas sim uma calça de algodão grosseira.

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ção dos sinos da catedral de Chartres e da flecha inscrita nos textos de inserção harmoniosa das
de Estrasburgo, cuja altura era u m desafio ao novas construções no meio ambiente, de modo
princípio da igualdade. que elas "não causem prejuízo às características
O vandalismo confesso, repleto de boas i n - e ao interesse dos locais vizinhos", conforme o
tenções, é igualmente perigoso, quer se trate do art. R. 111-21 do código de urbanismo, o artigo
vandalismo religioso, devoto ou puritano, aquele mais estético deste código.
que conduziu - sob requisição de Aretino - a "ves- E se naturalmente não se trata de frear a
tir" os nus do julgamento final de Michelangelo, criação arquitetônica, ainda é necessário que a
vestimenta que salvou o afresco de ter suas figuras demanda do "belo objeto" (o qual pode ser em
completamente tapadas; vandalismo sentimental si mesmo insóUto, provocador, quiçá chocante)
ou expiatório; queda da Bastilha, representação só possa ser realizada após uma reflexão apro-
do arbitrário das "lettres de cachet"," demolição fundada sobre sua inserção no meio ambiente. O
da Ópera da rua Richelieu após o assassinato do debate sobre a estética desloca-se da construção,
Duque de Berry; do vandalismo estético, enfim, considerada isoladamente, em direção à paisagem
aquele dos campeões do "bom gosto", que con- natural ou urbana que o acolhe.
duz a denunciar outra forma mais perniciosa: o É necessário, enfim, em nome da estética,
vandalismo restaurador. preservar nossos monumentos de uma ameaça
que se desenvolve há alguns anos; aquela da
B) O vandalismo restaurador engenharia cultural.
Serão tratadas rapidamente questões reser- Encorajada nos altos escalões, por exemplo a
vadas a outras competências que não as nossas: declaração do Presidente da República; "Investir
arquitetos, historiadores da arte, conservadores do na cultura é investir na economia", por ocasião
patrimônio... As controvérsias são mtíltiplas. de u m colóquio de título sugestivo: Cultura e
Convém dar os créditos aos grandes can- desenvolvimento, que ocorreu há alguns anos na
teiros de restauração ou à conservação contí- Sorbonne, o patrimônio se vê atribuído de uma
nua dos monumentos? O autor de Sept lampes função dominante de espetáculo verista e de
de Varchitecture (Sete lâmpadas da arquitetura), fonte de lucros.
Ruskin, constatava, desde 1830, a tendência dos É necessário tomar os monumentos rentá-
franceses a "deixar os edifícios ao abandono para veis, tornando-os acessíveis ao maior número de
em seguida restaurá-los", restaurações frequente- pessoas, pois este - declara-se - não se satisfaz
mente vistosas, custosas, chocantes de acordo com de autênticos testemunhos do passado, deixando
alguns. Ruskin opunha-se a Viollet-le Duc sobre livre curso a sua imaginação. É necessário ofe-
a escolha entre a restauração idêntica exaltada recer distrações pré-fabricadas, reconstituições
por este último ou a restituição do monumento perfeitas. Museu Grévin e pirotecnia solicitados
a seu estado original. como apoio. O castelo de Chambord deveria ter
O confronto pode tornar-se mais radical. sido precedido de u m circuito de acesso, percurso
É necessário fazer prevalecer a finalidade da temático dotado de um parque de atrações, de u m
harmonia, do equilíbrio ou bradar o estandarte centro de conferências, de hotéis, de restaurantes,
do desequilíbrio e da provocação sob o risco de de butiques, réplica francesa à moda da Eurodis-
versar, sem querer admiti-lo, em outra forma de neylãndia, é o que pretendiam os promotores do
academicismo, aquela da ruptura, inspirada por projeto, conforme contestavam os adversários.
u m narcisismo edipiano, que é sem dúvida u m dos Aos peregrinos do Monte Saint Michel foi
traços essenciais da modernidade artística. proposto u m parque de lazeres de 47 hectares
O sonho de todo arquiteto é de alcançar u m próximo à cidade. O deserto de Retz, u m dos
"belo objeto" ao qual ele vinculará seu nome. mais belos parques do século X V I I I da região
Mas a liberdade do criador em matéria de urba- parisiense, deveria ser transformado n u m golfe
nismo termina lá onde começa aquela do outro imobiliário com 18 buracos.
e pretender que o "belo objeto" tem seu espaço Os defensores do patrimônio uniram-se para
em qualquer lugar é ir ao encontro da obrigação protestar vigorosamente contra esses projetos, e
graças ao auxílio da crise económica tais projetos
9. Nota das tradutoras: carta que servia à transmissão não foram concluídos. Mas as ameaças persis-
de uma ordem do rei sob o Antigo Regime. tem, sustentadas pela megalomania dos eleitos

82 j A t . Q L I I J . M , M o R A M J - D l V I l . l fl!
comunais que conjuga seus malefícios àqueles todas as obras (demolição, restauração, reparação)
nascidos do gosto medíocre e conquistando certos realizadas em u m monumento tombado.
gestores culturais.'" Trata-se de u m procedimento enérgico e
"Tempus edax, homo edacior." C o m sua bela eficaz que permite ao Ministro da Cultura i n -
concisão, o adágio romano o constata: "O tempo tervir junto à autoridade competente para dar a
morde os monumentos, mas o pior inimigo é o autorização de construir - geralmente o prefeito.
homem". Aqui, ainda, como constatou G i r a u - O O l y m p i a , local reconhecido de m u s i c - h a l l
doux, "os verdadeiros vencidos são os mortos, mas parisiense, bem como o Fouquet's, restaurante
os vivos são para sempre mutilados"'. célebre na Champs Elysées, foram assim recen-
O homem pode, assim, ser amigo dos monu- temente protegidos.
mentos e ele inventou regras protetoras, as quais O regime do tombamento tem u m alcance
serão analisadas a seguir. tão amplo que ele foi estendido, por uma lei de
1943, ao entorno dos monumentos históricos.
II. LEGISIJ\R: O BELO CONTRA A INDIFERENÇA Nenhuma obra de demolição ou restauração pode
ser efetuada sem o acordo prévio dos "Arquitetos
Após o grande elã das ideias românticas e de dos Prédios da F r a n ç a " " quando essas constru-
um relatório célebre ao Rei de Guizot, os primei- ções situem-se no "círculo estiipido e maldito" de
ros inventários do patrimônio foram constituídos quinhentos metros de raio no entorno do monu-
graças à ação de Prosper Mérimée e da Comissão mento. O mesmo regime aplica-se aos sítios.
dos Monumentos Históricos, criada em 1837. A
gestão precedeu a regra. 2. O patrimônio futuro
Foi necessário esperar, na realidade, meio
O legislador contemporâneo - graças a Deus
século para que o legislador se decidisse a intervir
- manteve esses textos em vigor. Mas ele teve, de
a fim de estabelecer u m regime de proteção mais
modo bastante oportuno, a possibihdade de adotar
enérgico que aquele existente, estabelecido por
outros mecanismos que não se aplicam apenas às
meio de circulares.
autorizações individuais, mas se estendem a uma
reflexão e a uma dimensão mais global: a de uma
A) A lei, a estética, o patrimônio natural e
planificação cuja principal mola propulsora é - os
cultural
textos são sem ambiguidade - estética.
Ela protege melhor o patrimônio antigo que Trata-se de uma parte de u m sistema de "se-
o patrimônio futuro. tores protegidos" estabelecidos pela Lei Malraux
de 04.08.1962, feliz reação contra a desastrosa
I . O patrimônio antigo política dita de "renovação urbana", que condu-
zia à demolição de centros antigos das cidades
As boas e velhas leis de 1887 e 1913 sobre os para "construir o novo", o que provocou a perda
monumentos históricos, 1906 e 1930 para os sítios irremediável de certas fachadas e elementos de
não possuem sequer uma ruga. Elas cumpriram decoração repletos de charme, substituídos por
plenamente seu papel de proteção do patrimônio calamitosas banalidades.
e continuam a fazê-lo. Alteradas aqui e ali por re-
Conduzido por u m arquiteto responsável do
formas coerentes, o essencial de seus dispositivos
setor e inspirado por uma estreita colaboração
sobreviveu, os quais distinguem entre o regime
entre os serviços prestados pelo Estado, pela
da inscrição e aquele do tombamento.
comuna e pelos proprietários, a reabihtação ope-
O primeiro assegura à administração a i n - ra-se pacientemente, de acordo com u m "plano
formação sobre as obras que os proprietários dos de proteção e valorização", tendo como uma das
monumentos históricos, sejam eles pessoas de prioridades a conservação e a restauração desse
direito ptiblico ou privado, pretendem empre- patrimônio, seguramente menor, mas extrema-
ender sobre seus bens. O segundo é muito mais mente cativante como o prova a transformação
protetor, pois ele submete à autorização prévia radical da condição social dos habitantes desses
do Ministro competente das questões culturais bairros outrora em ruína e frequentados pelos

10. VerJ.-L.Harouel,Cu!tureeícon(re-cuiíure, Paris: PUF, 11. Nota das tradutoras: funcionários piiblicos pertencen-
1994. tes ao corpo dos Arquitetos e Urbanistas do Estado.

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mais desprovidos, agora procurados pelos mais u m "direito à paisagem"" percebida como parte
afortunados. A finalidade da "diversidade da integrante do patrimônio nacional, consagrando
moradia", que é questão em voga atualmente, os esforços realizados há aproximadamente u m
é ausente nesse sistema que não previu essa século por certas associações, em particular a
dimensão social. célebre Sociedade pela Proteção das Paisagens e
Recentemente, a lei de transferência de com- da Estética da França, fundada em 1901 e cuja
petências urbanas para as comunas de 07.01.1983 primeira ação de salvaguarda foi aquela da cascata
estabeleceu o sistema de "zonas de proteção do de Lizon, no Doubs, ameaçada de ser canalizada
patrimônio arquitetural e urbano" ("ZPPAU"),'^ por u m industrial.
planificação flexível e descentralizada em u m pe- O objeto paisagem continua ehtista. A Lei de
rímetro mais adaptado e mais fino que o "círculo 08.01.1983 prevê "diretivas paisagísticas" que se
estúpido e maldito" de quinhentos metros, que aplicarão somente a "territórios extraordinários
conjuga o regime protetor de autorização prévia pelo seu interesse paisagístico", esse "interesse"
para os trabalhos realizados em imóveis da zona sendo reconhecido notadamente pelo fato de
com diversas restrições e servidões de valorização sua unidade, de sua coerência, de sua riqueza
do patrimônio. patrimonial ou do testemunho que eles trazem
sobre o modo de vida e de moradia.
Concorda-se, em geral, sobre o balanço fa-
vorável desses sistemas, lentos, a serem opera- Incitativas, essas diretivas "determinam
cionahzados, mas cuja progressão é constante, as orientações e os princípios fundamentais
e não se deixe de observar a determinação do das estruturas paisagísticas. E l a s serão even-
legislador, tanto em 1962 quanto em 1983, de lhes tualmente acompanhadas de u m m a n u a l de
dar como fundamento as preocupações estéticas: recomendações".
por exemplo, a lei Malraux destina os planos de Ademais, os dossiês de pedidos de permissão
proteção das zonas "que apresentam u m caráter de construir compreenderão, de agora em diante,
histórico, estético..." e a proteção das Z P P A U uma "variável paisagística" acompanhada de do-
repousa, ela também, sobre "motivos estéticos cumentos, permitindo a apreciação da inserção
ou históricos". O belo torna-se cada vez mais paisagística da futura construção.
naturalmente uma finalidade de interesse geral "Direito em excesso ocasiona prejuízo ao
consagrada pelo texto. direito", diz-se frequentemente. O mérito da lei
Recentemente, o direito vem acolher u m novo paisagem deve-se à economia dos meios a serem
objeto: a paisagem, noção até aqui apresentada implementados e ao caráter flexível das medidas
como u m conjunto a ser respeitado no momento recomendadas. A defesa das paisagens repousa,
da concessão das autorizações de construir, u m sobretudo, na diversidade das iniciativas indi-
suporte a outros objetos do direito, mas não como, viduais espontâneas: por exemplo, os "selos"
em si mesmo, u m objeto inteiramente à parte. paisagens, o 1 % do financiamento das rodovias
consagrado a ações paisagísticas (que poderia se
U m a lei acaba de ser consagrada, aquela de
estender a outras obras de arte), a reabilitação
08.01.1993, sobre "a proteção e a valorização
"paisagística" de antigos sítios industriais, ferro-
das paisagens".
viários, comerciais... do que sobre regras rígidas
O jurista não se arriscara a dar uma definição
e impossíveis de ser aplicadas.
da paisagem, que se sabe, desde Victor Hugo,
E mesmo se os dispositivos da "lei paisagens"
que "ela não se faz com a geometria" e, segundo
podem parecer para alguns como u m pouco pueril
Baudelaire, ela não vale "pelo que se vê", mas
e de aphcação limitada, eles têm o mérito de i n -
ele observara com interesse o surgimento de
citar os que reahzam a gestão desse patrimônio e
os construtores a uma reflexão de ordem estética,
12. Nota das tradutoras: a "Zona de Proteção do Patri-
retomada tão mais necessária, vez que essa dimen-
mónio Arquitetural e Urbano" (ZPPAU) foi alterada
com a Lei de 08.01.1993, que introduziu nessa ex-
pressão o aspecto "Paisagístico": "Zona de Proteção 13. A L e i de 03.01.1977 sobre a arquitetura já tinha
do Património Arquitetural, Urbano e Paisagístico" proclamado que "o respeito das paisagens naturais e
(ZPPAUP) e assim confirmou e reforçou sua vocação urbanas como a do patrimônio são de interesse pii-
de u m procedimento para a proteção do conjunto blico". Cf. artigo dejaquelineMorand-Deviller-Os
dos elementos patrimoniais em sua diversidade de territórios do direito. Reflexões sobre a generaUdade
pluralidade. e a impessoalidade da regra do direito.

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são sempre esteve negligenciada pelos textos que restauração que, ela, deveria observar algumas
deveriam ter lhe dado u m espaço. dessas obrigações.
Não se pode, de fato, espantar-se com o Entre as ocasiões que faltaram, não se deve
seguinte paradoxo: quanto mais os conjuntos esquecer a lei de orientação para a cidade de
imobiliãrios são massivos, monumentais e des- 1 8 . 0 7 . 1 9 9 1 , que, ainda que proclamando de
tinados a acolher u m maior número de pessoas, maneira fanfarrona u m "direito à cidade" e à
mais discretos, senão ausentes, são os dispositivos "diversidade de moradia", não refletiu sobre uma
sobre a sua qualidade arquitetônica e sua inser- mínima relação com a estética, apesar de que
ção no meio ambiente. Coloca-se em discussão: tivesse por objetivo promover para u m grande
os grandes conjuntos habitacionais, as grandes número a qualidade de estar e de viver em uma
superfícies comerciais e as construções públicas, cidade, como se o direito à beleza, passante e elitis-
vários exemplos - basta levantar o nariz para se ta, devesse permanecer u m privilégio reservado a
convencer - de realizações de uma deplorável alguns monumentos e territórios extraordinários
feiura. e ignorar os outros.

As construções públicas do Estado ou de seus


B) A boa ordem e a bela ordem
grandes estabelecimentos públicos por muito
tempo escaparam às obrigações do direito co- Qual atitude adota a administração diante
mum (e como o construtor era ao mesmo tempo dessas questões de estética urbana?
aquele que concedia a autorização, o debate sobre Bem tímida.
a qualidade arquitetônica e o respeito dos locais
Com exceção daqueles da Cultura, os ou-
vizinhos era quase inexistente). Aqueles que
tros funcionários apenas excepcionalmente são
passeavam sem destino pelas ruas parisienses
titilados por essas preocupações. Tantos outros
não se espantavam assim de constatar que os
interesses económicos e financeiros prevalecem;
mais lastimáveis blocos de concreto ordinário
faz-se a gestão cotidiana e do que é mais urgente.
acolhiam os serviços dos Ministérios, aqueles da O belo é u m luxo estranho aos costumes adminis-
E D F (Électricité de France), da RATP (Régie A u - trativos e seria temerário, nos "departamentos",
tonome des Transports Parisiens)... Ele se irritará aventurar-se a falar de bom gosto e de quahdade.
com o fato de que esses apêndices desagradáveis A cada u m o seu trabalho. Os engenheiros do
puderam ter sido impunemente implantados no departamento de "Infraestrutura" têm por missão
entorno dos monumentos históricos e rompido lançar as pontes, as rodovias e as linhas de trem de
sem vergonha a harmonia de uma rua. alta velocidade ( T G V ) , os quais são, em si mesmo,
O exemplo da Faculdade de Direito do Pan- "belos objetos", e a inserção paisagística não lhes
théon é como uma censura permanente a esse preocupava quase nada... até recentemente.
laisser-faire, laisser-aller: apesar da proximidade Pois de fato, eis que os comportamentos mo-
do Panthéon, da Sorbonne, da Igreja Saint-Étien- dificam-se, levados pela grande onda desenfreada
ne-du-Mont, ela não escapou à mutilação e a de afeição ao patrimônio.
uma reconstrução exemplar da banalidade e do A descentralização do urbanismo serviu
mau gosto, crime que não se perpetuaria assim muito mais à estética, mesmo que ainda existam,
facilmente na atualidade. aqui e a l i , muitas falhas. As iniciativas locais
E m relação aos centros comerciais, lepra multiplicam-se, u m sentimento de competição
das entradas das cidades, ninguém imaginou instaura-se entre as comunas. E não é proibido
impor-lhes u m mínimo de ordem arquitetural pensar que alguns dos nossos edis façam prova de
ou paisagística. Sinais aliciadores, ausência de imaginação concebendo seus Planos de Ocupação
espaços verdes, feiura de pré-fabricados, cuja do Solo (POS)'"* como "projetos de ordenamento
única função é chamar a atenção da clientela,
nenhum texto até o momento impôs-lhes uma 14. Nota das tradutoras: com a L e i de Solidariedade
obrigação estética específica. Ao menos é possível e Renovação Urbana - L e i SRU ( " L o i Solidarité et
ter a pequena consolação de pensar que eles não RenouvellementUrbain"),del3.12.2000,osPlanos
Locais de Urbanismo (Plans Locaux d'Urbanisme
são feitos para durar e que, rapidamente, serão
- P L U ) substituirão os Planos de Ocupação dos Solos
transformados em terrenos baldios, muitos den- (POS). Assim, os POS elaborados antes da entrada
tre eles serão condenados ã demolição ou a uma em vigor da lei SRU são válidos, mas no momento

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e embelezamento", o que tinha retido o legislador levadas aos tribunais por ano e por departamento,
de 1 9 1 9 , e percebam mesmo a relação entre em média, em matéria de urbanismo, todos de
beleza e prosperidade, como tinha feito o relator acordo em lastimar tal carência no exercício de
da lei no Senado. uma competência, no entanto fundamental em
Uma questão interessante foi ressaltada há face do direito. Quantas ações "estéticas"? Bem
muito tempo: é aquela das relações a serem es- poucas, evidentemente.
tabelecidas entre a polícia administrativa e a Aqui, mais uma vez, as atitudes modificam-se
estética. E m u m artigo publicado em 1927,"' e pouco a pouco as administrações perdem sua
P Duez inscreve a proteção da estética entre as timidez em relação ao belo, lenta tomada de cons-
missões da polícia administrativa. A estética, ciência compartilhada, de agora em diante, com
em si mesma, é uma ordem, e as injtirias feitas aqueles a quem incumbe a missão de julgar.
à arte podem ser assimiladas às perturbações de
ordem piiblica. I I I . JULGAR - o BELO CONTRA O IMPERIALISMO E A

Essa tomada de posição pode encontrar u m COVARDIA

reforço no art. L . 131-2 do Código das Comunas, Poder pensar o particular como contido no
que faz da "boa ordem", ao lado da trilogia tra- universo ( K a n t ) , a faculdade de julgar deve se
dicional: segurança, salubridade, tranquilidade defender contra dois perigos: o imperialismo e
pública, uma finalidade de polícia administrativa. a covardia.
Essa "boa ordem" pode ser interpretada como
O primeiro perigo vem dos homens das artes,
uma "bela ordem", impondo-se às autoridades de
o segundo ameaça os juízes. U n s e outros são
polícia administrativa das comunas e dos departa-
confrontados ao universal concreto: aquele do
mentos" a obrigação de velar, a título preventivo,
veredicto majoritário.
pelo seu respeito, com o risco de lhes acordar o
mesmo direito ao erro (não manifesto) que aquele
A) O julgamento dos homens das artes
que lhes é acordado em todos os domínios onde
eles dispõem de u m poder discricionário. E por O imperialismo seria aquele dos homens
que não ir até erigir uma missão de preservação das artes. O cuidado de julgar soberanamente as
da estética em missão de serviço público? obras a serem reaUzadas nos monumentos e nos
O principal perigo permanece o da indife- sítios tombados é confiada a "corpos" fechados
rença contra o qual as administrações quase não pouco conhecidos do grande público, cujo efe-
se defendem. A administração da infraestrutura tivo é muito limitado e tem o temível poder de
continua bem tímida em relação à estética, mesmo decidir sozinho.
se ela tem entre suas atribuições a arquitetura. E o Os arquitetos chefes dos monumentos histó-
que dizer da atitude das autoridades administrati- ricos preservaram cuidadosamente u m numerus
vas representantes do Estado nos departamentos, clausus de fato. E m número de cerca de cinquenta,
em sua missão de controle da legalidade: três ações eles dividem a gestão das obras sobre os monu-
mentos de competência do Ministério da Cultura
de suas respectivas revisões serão progressivamente e é sobre essas obras numerosas que recebem uma
substituídos pelos P L U . Tanto os POS como os P L U ajuda financeira do Estado. Sua remuneração
são documentos de urbanismo regulamentares que repousa sobre uma porcentagem do montante
determinam a afetação do solo de acordo com o seu dessas obras e eles podem, além disso, ter uma
uso principal que deve ser realizado no território de
clientela particular.
uma ou várias comunas e constituem documentos
oponíveis a terceiros. "Soldados do patrimônio", os Arquitetos
15. A L e i de 14.03.1919 estabeleceu os primeiros do- dos Prédios da França são menos cobiçados. Eles
cumentos de planificação urbana descentralizada, aportam sua contribuição aos arquitetos chefes
qualificando-os de "Projetos de ordenamento, de para controlar o estado dos imóveis tombados ou
embelezamento e de extensão", e destaca a relação entre
inscritos e intervêm apenas em obras "de con-
o embelezamento e o ordenamento territorial.
servação e reparações ordinárias". A maior parte
16. Dalloz, 1927,Chr.,p. 17.
do seu tempo é consagrada a uma tarefa pesada
17. As autoridades administrativas dos departamentos
- "Preféts" - viram-se atribuídas de competência para
e ingrata: a de conceder o parecer prévio a toda
tomar as medidas referentes à "boa ordem" pela Lei autorização de construir sobre u m monumento
de 02.03.1982 (art. 34-111). tombado ou u m imóvel situado no "entorno".

86 JACQI^KLINI; MORAND-Df-Vll.l.i:ii
Esta tlltima função é cada vez mais mal per- No entanto, a alta jurisdição não se engajou
cebida pelos construtores e eleitos, irritados de nessa via, estimando que o prefeito - "maire" - de
ver seus projetos atrasados por tergiversações dos Toulouse havia excedido seus poderes ao subme-
Arquitetos dos Prédios da França. Uma reforma se ter os projetos de túmulos à autorização prévia a
vislumbra, a qual, como já ocorre com as Z P P A U , fim de controlar sua concepção estética.'''
teria a instituição de uma comissão de apelação
O belo parece aterrorizar o juiz, que se refugia
das decisões desfavoráveis dos Arquitetos dos
atrás do risco da subjetividade. E se deve anuir à
Prédios da França, reforma com a qual, em geral,
sua prudência reservada, não se pode admiti-la
concordam esses últimos.
quando ele se esquiva do debate de fundo, ainda
Quanto menos u m poder é compartilhado, que a violação de uma disposição estética - e elas
mais ele apresenta riscos de ser arbitrário. são nuinerosas - seja invocada.
O poder de julgar sobre a proteção e a va-
Aqui, ainda, os progressos se esboçam. O art.
lorização do patrimônio permanece reservado
R. 111-21 possibilita aqui e lá enérgicas anula-
a uma elite muito restrita, cujo julgamento era
ções. A título de exemplo, destaca-se o recente
até o presente momento sem apelação, exceto
caso do parque de Rentilly. E m uma decisão de
a apelação para o Ministro da C u l t u r a , o que
27.01.1994, a Corte Administrativa de Apela-
apenas deslocava o problema, pois esse último
ção de Paris anulou a autorização de construir
também pode, contra todos os pareceres, decidir
u m vasto conjunto imobiliário, fundando sua
sozinho: o caso das colunas de Buren'® é u m bom
convicção ao mesmo tempo na importância do
exemplo.
projeto "qualquer que seja sua qualidade arqui-
Nesse sentido, é significativo ver atualmente
tetural... não obstante a natureza ordinária" das
outros homens das artes: historiadores de arte,
construções desse género (hotel e imóveis de "alto
conservadores do patrimônio.... rebelarem-se
padrão") e no interesse extraordinário dos locais
contra os golpes (devido ao mau gosto) ao patri-
vizinhos (parque do século X V I I , sítio inscrito e
mônio perpetrados por alguns arquitetos chefes,
sítio tombado na proximidade).
a exemplo da disputa de Vézelay.
U m debate se alimenta, o qual favorece a O caso está diante do j u i z civil e retornará
expressão de opiniões diversas e de onde o belo talvez ao j u i z administrativo, invocando a res-
e o universal saem fortalecidos. ponsabihdade do estabelecimento público de
Mame-la-Vallée e do Estado por culpa na entrega
B) A sentença dos juízes de uma autorização ilegal: o respeito da estética
torna-se assim útil e rentável... a fim de preservar
O j u i z administrativo, quanto a ele, jamais as finanças do Estado.
versou no imperialismo e ilustra-se mais por
Caso deseje-se ir mais longe com a análise,
u m excesso de timidez, u m comportamento u m
observar-se-á que não se pede ao j u i z que ele
pouco pusilânime.
se pronuncie sobre o belo, matéria sobre a qual
Basta relembrar o caso do cemitério de
ele não tem vocação de estabelecer os critérios.
Cornebarieu em Toulouse, pelo qual o prefeito
Demanda-se que ele recuse a feiura.
- "maire" - tinha tentado fazer prevalecer certa
concepção de estética em relação ao arranjo dos Além disso, seu papel continua moderado.
túmulos. O comissário do governo, J . K a h n , E l e apenas rejeitará a agressão à beleza se as
propunha dar às autoridades locais os meios para ameaças ultrapassarem certo patamar, se elas são
preservar seu domínio público contra "aflitiva manifestas, evidentes para u m espírito normal-
feiura", e os mais jovens membros do Conselho mente esclarecido. Ele responde assim à chamada
de Estado engrandeciam seus comentários, decla- dos textos e a esse instinto do injusto, da incoe-
rando que "a procura do belo é u m dos aspectos rência, da desarmonia que vem das profundezas
da melhor utilização do domínio público". do corpo social.

18. Nota das tradutoras: conhecidas como colunas de 19. Conselho de Estado, 18.02.1972, Chambresyndicoledcs
Buren, a escultura criada por Daniel Buren intitulada industries artisanales ãe Haute-gawnne, A.J.D.A. abril
Les Deux Plateaux (1986) encontra-se no grande 1972, crónica de jurisprudência por D. LabetouUe,
pátio do Falais Royai. p.215.

Cidade, paisagem e o belo 87


O belo que é o irmão do justo (Michelet) não
C) o veredicto majoritário
é o irmão do útil. Ele não é feito para servir, mas
Quem são esses espíritos normalmente es- para agradar. A estética urbana situa-se entre o
clarecidos? A quem caberia o cuidado de julgar justo possível e o justo ideal, o que é diferente
a estética urbana? do justo meio.
A unanimidade sobre a qualidade estética das Existirá assim u m consenso majoritário
construções ou dos sítios é uma coisa impossível; contra a feiura, que deverá guiar a conduta dos
graças a Deus, sempre haverá espíritos inquietos responsáveis pelas pohticas de urbanismo e de
ou contestadores! meio ambiente, e que j á está em vias de abalar
A sua falta é a u m veredicto majoritário ao a segurança tranquila dos grandes gestores, de
qual se deve fazer referência. estremecer as "estáveis vigas das capelas" onde
O bom gosto não é uma coisa no mundo que trabalham os peritos da engenharia e da gestão.
seja pouco compartilhada. Informado, educado, O belo e o justo são buscas que não deveriam
o cidadão médio, qualquer homem é certamente ser reservadas aos iniciados, mas devem se ampliar
apto a ter u m olhar justo em relação ao belo. sem parar e se renovar.
"Todo mundo nasce artista", pode ser dito, O debate sobre a estética urbana, como o
e deveria continuar toda sua vida. "belo discurso socrático", é uma dessas buscas.
O senso inato, espontâneo, instintivo, da Nos nossos tempos de indigência espiritual, esse
coerência, da harmonia, da "promessa de fe- elã em direção à Beleza que seja "convulsiva" ( A .
licidade" (Stendhal) existe para a maioria dos Breton), "bizarra" (Baudelaire) ou igualmente
homens. É suficiente desabrochar esse senso neles "ordenada como a bondade na natureza" O-J-
em vez de lhes mutilar. Mas nossas sociedades Rousseau) é em suma apenas o elã natural em
tecnocráticas e mercantis, às quais os sistemas direção ao aperfeiçoamento, pulsão serena, mo-
educativos se sujeitaram, asfixiam esses instintos derada e tão mais simpática, que ela não pretende
e esses dons. atingir a perfeição.

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