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MÁRIO FERREIRA DOS

SANTOS
ENTREVISTA AO PE. STANISLAVS LADUSÃNS
Transcrição feita por Gabriel Coelho Teixeira em 08/04/2020 baseada na gravação
disponível em https://marioeterno.blogspot.com/p/entrevista-do-padre.html

Aviso: Na sexta questão, quando Mário Ferreira dos Santos passa a enumerar diversos
filósofos portugueses, a transcrição dos nomes foi feita conforme apenas a
compreensão auditiva, pois, sofrendo exatamente do mal que ele ali descreve,
deconheço todos os filósofos citados e não consegui encontrar referências externas
para confirmar a grafia correta dos nomes. Peço que relevem essa falha e outras que
porventura apareçam, visto que julgo não afetem a compreensão total da entrevista. No
mais, não pretendo que esta transcrição seja definitiva, mas que sirva como base para
um trabalho mais bem feito.
Passo agora a responder ao inquérito do Pe. Stanislavs.
Vou responder aos itens.
Peço à senhorita que abra para cada capítulo uma forma-número de cada item.
Primeiro vamos responder ao segundo item.
– Qual é a gênese de desenvolvimento do seu pensamento filosófico e a sua
atual estrutura?
O meu pai, português, era Grão-Mestre da Maçonaria e caracterizava-se por
uma tendência marcante anti-clerical. Revelava em todas as ocasiões a sua oposição
ao clero. Entretanto, tendo eu desde cedo, mal aprendera a ler, me interessado por
temas filosóficos – e a consciência que tenho de mim mesmo nasceu da colocação de
um problema de filosofia para mim –, um dia meu pai chamou-me e disse: “Meu filho,
para o teu bem, para que possas ter maior proveito, eu vou fazer uma coisa que vai
escandalizar os meus amigos: tu vais estudar com os jesuítas”. E no dia seguinte
dirigiu-se ele ao ginásio dos jesuítas e lhes disse: “Todos sabem que eu sou um
adversário da Igreja Católica e que eu a tenho combatido desde moço, mas uma coisa
eu sei – que para educar, só vós, os jesuítas, sois os mais capazes. Meu filho revela
propensão para temas filosóficos. Não quero eu exercer sobre ele a minha ação. Acho
que vós sois mais competentes do que eu para guiar no conhecimento. Por minha
parte prometo-vos que em casa respeitarei sempre as suas idéias”. E, declaradas estas
condições, eu fui aceito.
O resultado foi que meu pai passou a ser mal compreendido pelos
companheiros, que julgaram a sua atitude uma verdadeira defecção. O que o levou a
afastar-se da atividade maçônica.
Com os jesuítas, desde início tive uma orientação que me permitiu aproximar-me
da filosofia positiva e dessa filosofia fazer a espinha dorsal da estrutura filosófica hoje
que tenho. Em suma, a minha atual estrutura é a filosofia positiva e concreta. Positiva
no sentido de toda filosofia ter, afirma, constrói e que pertence a todos os grandes
ciclos culturais da humanidade mas que encontrou o seu desenvolvimento máximo no
pensamento grego e a sua coroação no pensamento ocidental sob as linhas, sem
dúvida, da escolástica. Não me considero um escolástico – não sou. Porque tenho
idéias próprias. O que só poderei explicar nas respostas aos outros itens.
Publiquei muitas obras com pseudônimos das quais a maior parte hoje é merda.
Mas há vinte anos para cá o que tenho escrito em filosofia tem sido o pensamento
coerente que não tem sofrindo nenhuma modificação. Creio portanto que a minha atual
estrutura é definitiva.
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Item 4.
A.
– Qual é a missão da filosofia em relação à vida cultura brasileira odierna ou
quais são os problemas vitais brasileiros de atualidade que aguardam a contribuição da
parte da reflexão filosófica?
Essa pergunta, para mim, para a minha posição, está colocada antes de outras
sem as quais não poderia dar uma resposta cabal. Entretanto, coloco-me na seguinte
posição: nós, brasileiros, por vivermos o universal, por não termos compromissos
históricos que pesem demasiadamente sobre nossos rumos, nem também
compromissos filosóficos, somos um povo apto a apresentar uma filosofia de caráter
ecumênico, ou seja, uma filosofia que corresponda ao verdadeiro sentido com que ela
foi criada desde o início. Parto da posição pitagórica.
Pitágoras dizia que era um amante da sabedoria, da suprema sabedoria, desta
sabedoria que nós co-intuímos com a própria divindade. E este afã de alcançá-la, tudo
quanto nós realizamos para chegar lá, os caminhos que percorremos para alcançar
essa sabedoria suprema, que era a suprema instrução – daí chamar ele “Mathesis
Megiste”: a Suprema Instrução –, todos esses caminhos e todo esse afaná era
propriamente a filosofia. Assim, colocando-nos nesta posição, posso admitir que há
vários caminhos mas só há um caminho certo. E como fundamentava Pitágoras
repetido depois por Aristóteles que a única autoridade na filosofia é a demonstração e
esta deve ser apodítica e se possível com juízos necessários e até exclusivos, a
filosofia construída deste modo só pode ser uma, positiva e necessariamente completa,
que é a posição que tomamos.
Nós podemos viver o universal no sentido puramente quantitativo – os modos de
ver e de sentir dos diversos povos – mas não podemos permanecer na situação de ser
um povo que recebe todas as idéias vindas de todas partes e não possa encontrar um
caminho para si mesmo. Nós temos que encontrar esse caminho. A minha luta é essa.
E sem essa visão positiva e concreta da filosoia não será possível dar uma
solução aos inúmeros problemas vitais brasileiros da atualidade, porque a
heterogeneidade de idéias e de posições facilita a heterogeneidade de soluções das
quais muitas não são adequadas às necessidades do Brasil. O tema é vasto e exigiria
um trabalho todo especial.

Item B. Abrir espaço.


B.

– Que fazer para que a filosofia atinja as grandes massas populares e a


juventude brasileira em grande escala?
Abre linha.
Querer fazer a filosofia atingir as grandes massas populares em primeiro lugar
será obra que se exigirá a descer a filosofia ao baixo grau de cultura das nossas
massas populares. Precisamos é estudar o que devemos fazer para erguer as grandes
massas populares à filosofia e isto só poderá ser feito através de um desenvolvimento
da cultura nacional mas em linhas distintas das atuais, que tendam à filosofia positiva e
não à filosofia negativista e niilista que penetra em nossas escolas.
Quanto à juventudo brasileira, este é o mais grave dos nosso problemas. Somos
um país eminentemente constituído de jovens, que formam a sua quase totalidade.
Dado o grau baixo de cultura que temos, os nossos estudantes passam a formar uma
elite intelectual. Isto demonstra o grau de inferioridade que nos encontramos. A
juventude sempre na história – e é o que decorre da sua própria natureza – apresenta
aspectos positivos e negativos. Positivos pela sua capacidade de ação e de idealismo,
mas negativos pela sua irreflexão, pelo seu despreparo, pelo seu apressamento que a
leva a cair facilmente nas malhas dos grandes agitadores e servir aos interesses dos
demagogos e políticos. Em todas as épocas da humanidade a maior parte da juventude
tendeu ou facilitou – ou pelos menos aquela mais ativa – facilitou a luta a favor das más
causas. Foram os jovens que condenaram Sócrates, foram os jovens que perseguiram
Aristóteles, foram os jovens que antes destruíram o Instituto Pitagórico, foram os jovens
que perseguiram [???], foram os jovens que perseguiram durante os tempos todos os
granes homens como Tomás de Aquino, São Boaventura quando eram mestres na
Universidade de Paris. Esses jovens que são ativos, eficientes na sua parte destrutiva,
são uma verdadeiro perigo para a humanidade. À juventude construtiva, então, o que
nos cabe fazer é isto: construir novamente a juventude brasileira, dar uma cultura
suficiente a ela, mais clara, positiva e concreta de modo que ela possa afastar-se
completamente das tendências niilistas e possa pôr o seu desejo de ação, de
realização e seu idealismo em alguma coisa concreta e que possa trazer benefício ao
país. Fora disso nada dará resultado.
Abre espaço.
C.
– Quais são as correntes filosóficas que a reflexão filosófica deve ter em conta
hoje?
Propriamente, julgamos que todas. Porque encontramos hoje na reflexão
filosófica a restauração ou o ressurgimento de velhos erros já refutados com
antecedência de séculos e milênios que passam a ser inovações extraordinárias e,
para aqueles que ignoram o que já foi feito no passado, como se fossem a última
palavra do filosofar. Há necessidade assim de revisar tudo para mostrar que as
novidades atuais nada mais são do que avatares de velhos erros já refutados.
Abrir linha.
E.
– Como deve colaborar a filosofia para humanizar a civilização de hoje
evidenciando o valor da pessoa humana e contribuindo para a paz interior e felicidade
do homem?
Essa pergunta pode se dividir em três e portanto exige três respostas diferentes:
primeira, a humanização da civilização atual; segundo, a evidenciação do valor da
pessoa humana; e terceiro, a contribuição para a paz interior e felicidade do homem.
Respondendo a primeira, vemos o seguinte. Hoje, graças, sobretudo no mundo
livre, ao surgimento de um desejo eumênico de aproximação dos homens, a
humanização da civilização pode ser obtida em parte, naturalmente, pela colaboração
da filosofia, pela revisão honesta de todos os grandes autores do passado que foram
caricaturizados, falsificados e apresentados num sentido que não é realmente o da sua
filosofia. Poderíamos fazer aqui a citação desde os pitagóricos até o século passado de
autores que precisam ser revisados e reestudados para evitar-se aquelas “fabre
convenue”, aquelas mentiras históricas, os mitos e as interpretações falsas que se
fazem da sua obra com o intuito apenas de denegri-los ou de favorecer a sua posição.
Devemos tomar a seguinte posição: primeiro, procurar muito o que nos une, depois
pensemos em estudar o que nos separa para ver que o que nos separa possa sofrer
modificações ou acomodações que permitam que o que nos una dê força à
humanização da própria civilização.
Daí decorreria então, inevitavelmente, uma resposta justa à segunda parte,
sobre o valor da pessoa humana, que inegavelmente sofreu nesse século, graças ao
desenvolvimento dos totalitarismos, uma afronta à sua dignidade. E, de todos os lados,
em todos os setores, evidencia-se que há uma preocupação em reestudar esse tema, e
ele pode e deve ser reestudado em termos positivos e concretos.
E finalmente decorreria então a reposta à terceira parte, porque a paz interior, a
tranquilidade interior, a serenidade do espírito só pode dar-se quando uma mente
assenta plenamente na sabedoria e alcança a tanger aquelas verdades que nós somos
aptos a alcançar e que são o fundamento da nossa verdadera felicidade. Em suma,
seguimos o preceito de Pitágoras: ama a verdade até o martírio, não ames porém a
verdade até a intolerância.
Procurando o que nos une na verdade com todas as outras correntes e posições
filosóficas, nós podemos abrir o caminho para uma compreensão nos aspectos em que
encontramos diferenças que muitas vezes são meramente acidentais, e não aptas a
justificar uma separação profunda. Esse já seria um caminho de maior aproximação
entre os homens porque à proporção que nós nos dedicamos à leitura dos textos é que
vamos compreendendo a ação nefasta dos intermediários, e sabemos que na filosofia
– e temos inúmeros, milhares de exemplos para citar – os intermediários, os discípulos,
em regra geral falsificam as obras de seus mestres segundo determinados interesses,
os adversários caricaturizam segundo outros interesses e o resultado é a deformação
total do verdadeiro pensamento do autor. A obra apresentada de segunda, terceira,
quarta e quinta mão está completamente desfigurada e então permite o fácil ataque ao
autor porque é fácil destruir as caricaturas. Há casos na filosofia até de autores terem
recebido refutações de obras ainda nem sequer publicadas e nem sequer conhecidas a
não ser pelo autor. Há exemplos na história da filosofia. O autor – e isso não é
novidade que ainda hoje se faça – muitos livros meus tem sido refutados antes de
serem publicados só pelo simples fato de que eu pretendia escrever sobre tal ou qual
matéria. E nem sabendo qual a minha verdadeira posição no assunto, já havia
adversários suficientes para tentar refutá-los. Não em público, porque isso ninguém
teve coragem de fazer, mas nos corredores.
Abre espaço.
Letra F.
– Pode existir, e em que sentido, a filosofia nacional? Em que sentido ela pode
beneficiar o pensamento filosófico estrangeiro e beneficiar-se dele?
Quando hoje se visita Portugual e vê-se qual a atitude predominante nesse país
em relação ao patrimônio cultural daquela nação, espanta-nos verificar a completa e
absoluta ignorância sobre o que de grande já se realizou na filosofia portuguesa.
Atualmente, dentro das escolas leigas, nada se estuda da filosofia portuguesa dos
séculos XV, XVI e XVII. Parece que Portugal nada revisou, desconhece-se que por
cerca de quase dois séculos a filosofia portuguesa imperou no mundo. Desconhece-se
autores como estes: Antonios de Santo Dominico, O.P.; Suárez, que embora sendo
espanhol viveu grande parte da sua vida intelectual em Portugual, onde ele ergueu-se
incessantemente; Francisco A. Cristo, O.S.A.; o próprio Martins de Ledesma que
embora sendo espanhol de origem, estuda sua formação intelectual em Portugal;
Egídio da Apresentação, O.S.A.; Andreia de Almazia, S.J.; Ludovico de Sotomaior,
O.P.; Gabriel da Costa; Hector Pinto, O.S. Jerônimo; Franciscos da Fonseca, O.E.S.A.,
Manoel Tavares, O. de Carmelitas; Francisco Carreiro, Ordem Cisterciense; Georgio
Serrano, S.J.; Ferdinando Pérez, embora nascido em Córdova, formou-se, criou a sua
cultura, em Portugal; Ludovico de Molina, S.J., embora nascido na Espanha, viveu uma
parte do seu tempo em Portugal, onde estudou, onde alcançou o seu maior
conhecimento e foi discípulo de Pedro da Fonseca; (???) S.J.; Antônios Carvalho, S.J.;
Baltazar Álvarez, S.J.; Jerónimos Fernandes, S.J.; Gaspar Gonçalves, S.J.; Ludovicos
de Sequeira, S.J.; Gaspar Vaz, S.J.; Diogo Alves Cisneiros, S.J.; Franciscos de
Gouveia, S.J.; Ferdinandos Rebelo, S.J.; Gaspar Gómes, S.J.; Sebastianos de Couto,
S.J.; Blagios Viega, S.J.; Pedro da Fonseca, S.J.; Emanoel de Góes, S.J.; Cosmas de
Magalhães, S.J. – isto apenas para citar alguns, não todos! Portugal nos deu essa
afloração de filósofos, fora aqueles que são maiormente conhecidos, como Sanches e
outros, os que estão mais no agrado da nossa atual maneira de filosofar no mundo
moderno. Perfeito.
Então, pergunta-se se pode falar de uma filosofia DE Portugal ou apenas de
uma filosofia EM Portugal. Pode-se falar, sim, de uma filosofia DE Portugal e também
de uma filosofia EM Portugal.
Nós, brasileiros, contudo, por um espírito de colonialismo passivo que nos
domina até hoje, não cremos em nós mesmos, só damos valor àquilo que tem origem
estrangeira – que não seja de Portugal! Porque também Portugal está fora da nossa
admiração. Então é natural que eu falasse numa filosofia nacional tem causado no
Brasil uma manifestação de completa descrença. Não se acredita primeiro que haja
nem tampouco que possa surgir. Nós podemos dizer que existe uma filosofia NO
Brasil, mas realmente falarmos ainda numa filosofia DO Brasil, não podemos fazer tal
afirmação pelo seguinte.
Em primeiro lugar, não temos obra de criação propriamente peculiar ao nosso
modo. Não podemos apresentar a nossa obra como sendo a primeira a ser feita nesse
sentido porque elogio em boca própria é vitupério.
Agora, o que podemos dizer é que nós, pelas nossas condições de completa
libertação de um passado metafísico ou filosófico e histórico que pese sobre nós, que
prenda as nossas possibilidades de ação, estamos em condições de criar uma filosofia
ecumênica, uma filosofia que seja realmente A filosofia, porque a verdadeira filosofia
ecumênica será A filosofia, e não modos, modalidades de filosofar.
As características que se apresentam nas modalidades de filosofar é uma
decorrência da predominância do homem, do empresário utilitário no mundo, no
contexto de uma cultura. Quando ele predomina, predomina a moda e a moda penetra
em todos os setores. Penetra na filosofia como penetra na arte, como penetra em
qualquer outro setor. E o que acontece no mundo moderno, essa variância tremenda
de idéias que surge de todos os recantos, não revelam nenhuma pujança. Ao contrário,
é uma revelação de fraqueza, como foi a do período final da cultura grega.
A filosofia positiva, fundada na positividade do ser, que alcança a perenidade
porque alcança as leis eternas – concreta precisamente porque captando essas leis ela
conexiona todos os quartos de todos os matizes e de todos os aspectos formais para
dar-lhes uma unidade superior – ela é naturalmente concreta, terá que ser
necessariamente concreta não no sentido vulgar do termo, mas nesse sentido que
acabamos de expor. Só uma filosofia DE sentido é realmente A filosofia. A ciência
felizmente conseguiu libertar-se da moda como se libertou a matemática. E por isso
como se contruiu uma matemática, uma física, também se pode construir uma filosofia.
E o que o pensamento brasileiro pode beneficiar-se no pensamento filosófico
estrangeiro é reunir o que há de positivo em todas as grandes realizações no mundo
inteiro, sejam de onde forem, provenham de onde provierem. E depois dar uma grande
síntese, uma nova síntese, uma nova compreensão e oferecê-la ao mundo. Esta é a
única possibilidade que cabe a nós e que estamos em condições de fazê-la, muito
embora a maioria da nossa intelectualidade não creia nessas possibilidades, neguem
terminantemente que tal seja alcançável por nós e se atirará com sanha contra quem
tentar fazer isso.
Abre linha. Espaço.
G.
– Deve abrir-se reflexão filosófica para uma visão transcendental da realidade na
perspectiva das razões metafísicas?
Sem uma visão transcendental da realidade não pode haver filosofia. Porque, se
a filosofia distingue-se da ciência – como é fácil estabelecer nas suas delimitações –,
se a ciência dedica-se ao estudo das causas próximas, a filosofia, das causas
primeiras e últimas, fatalmente a filosofia terá que ter uma visão transcendental da
realidade. Pelo menos, terá que tangê-la, terá que abordá-la.
Ora, além das causas primeiras e últimas, temos de estudar os princípios, que é
matéria fundamental [???], que é objeto fundamental da Mathesis Megiste dos
pitagóricos e do que nós chamamos matéria em português, cuja obra estamos
realizando para fundamentar esta ciência. Esses princípios são matéria do que constitui
propriamente o que em todos os ciclos culturais de todas as altas religiões chama-se A
Sabedoria: a sabedoria infusa ou a sabedoria de que o homem participa da divindade
ou a própria sabedoria divina que o homem pode abordar, tanger e penetrar. Tema que
naturalmente exige discussões sobre os seus principais aspectos. Mas o que é
inegável e o que não poderá deixar de alcançar nenhuma visão filosófica em
profundade é que há princípios eternos, há leis eternas que regem e [???] todas as
coisas, as quais não devem ser confundidas com as leis naturais nem com as leis da
ciência.
Esse estudo inevitavelmente levará para uma visão transcendental da realidade,
e sem esse estudo não se faz filosofia em profundadde, só se fará filosofia na
superfície, que aliás é a tendência predominante no mundo moderno, isto é, de uma
filosofia que não ultrapasse a imanência da esquemática que o homem pode construir
dentro apenas da sua experiência mais vulgar.
Abre espaço.
Letra H.
– Qual é a íntima conexão entre a posição gnoseológica, metafísica e ética;
entre a teoria e prática?
Parece-nos que aqui há duas perguntas. A primeira que pergunta pela íntima
conexão entre a posição gnoseológica, metafísica e ética, e a segunda, a íntima
conexão entre a teoria e a prática. Desdobra-se assim a pergunta em duas partes.
Vamos responder a primeira, depois a outra.
As dificuldades no campo da gnoseologia, no campo da metafísica, inclusive no
campo da ética, surgem naquele filosofar que coloca o homem quase como um ser
estranho ante o seu universo o qual é impermeável para ele, isto é, coloca o homem
numa situação de estar completamente ilhado, completamente bloqueado, sem ter a
menor possibilidade de penetração no mais profundo. E então as consequências desse
pensamento pessimista, negativista, são as seguintes: que não é possível dentro dos
nossos meios cognocitivos alcançar o que nos transcenda e dar também à nossa
própria ética uma visão também transcendental. Desta forma, há uma tendência a ver-
se todo filosofar do homem como apenas uma obra humana mas restringida aos limites
da nossa experiência fundada nos dados dos nossos sentidos e dos nossos meios
limitados de conhecimento. E ademais, chega-se ainda à conclusão que todo e
qualquer esquema que construamos jamais tenha uma correspondência com a
realidade que nos ultrapassa. Estamos em pleno gnosticismo, ceticismo, pessimismo,
ficcionalismo, pragmatismo, materialismo, niilismo, desesperismo. São as
consequências que surgiram no filosofar moderno. Portanto, inegavelmente deve-ser
abrir a reflexão filosófica para uma visão transcendental da realidade sob pena de nos
perdermos dentro de armadilhas que nós mesmos criamos afirmando uma deficiência
que na verdade não temos.
A segunda parte da pergunta é importante. Desde os gregos as discussões em
torno da teoria e da prática, isto é, da filosofia e da ciência especulativa, da filosofia e
da ciência prática, avassalaram a atenção dos filósofos de maior responsabilidade
intelectual e, temos a dizer, que apesar dos grandes trabalhos realizados que fazem a
nítida distinção entre a teoria e a prática, trabalhos realizados através de milênios
chegados até nós, estão hoje na sua melhor parte completamente desconhecidos por
aqueles que não têm nenhuma ligação com a filosofia positiva e concreta que pertence
aos grandes círculos culturias da humanidade. Resultado, estamos hoje vivendo uma
completa confusão entre teoria e prática, estabelecem-se determinadas proposições
teóricas e julgam-se que elas são perfeitamente práticas e vice-versa. Algumas
proposições extraídas exclusivamente da prática passam a constituir então como se
fossem verdadeiros axiomas teóricos. O resultado é que nós vivemos hoje num mundo
de utopia e quimeras. E como consequência: desiluções; e, resultado final: desespero.
Abre espaço.
Letra I.
– A filosofia é uma ciência objetiva ou uma produção pessoal puramente
subjetiva do pensamento?
Essa pergunta a nosso ver devia ser a primeira a ser feita nesse inquérito,
porque aqui está o ponto de partida. Porque desde o momento que nos coloquemos
numa posição de que a filosofia é uma mera produção pessoal puramente subjetiva de
pensador, colocamos a filosofia no campo da estética, mas se nós nos colocamos que
a filosofia é uma ciência objetiva, isto é, ela é uma busca humana para a sofia
suprema, para o saber que nos ultrapassa, que nos transcende, ela toma um vulto
completamente distinto. Em todos os ciclos culturais, a filosofia positiva e concreta é
uma ciência objetiva e em todos os períodos de decadência, ou em todos os momentos
de decadênia que são vários que surgem, a filosofia torna-se puramente subjetiva. A
filosofia moderna está caindo no subjetivismo. Nós vimos até a tendência de um
Heisenberg querer colocar a própria ciência no subjetivismo pela sua teoria da
indeterminação. Há necessidade de esclarecer-se isso, sobretudo para aqueles que
querem fazer filosofia. Aqueles filósofos que queiram fazer obra puramente subjetiva,
dediquem-se à estética mas deixem em paz a filosofia; assim como nós pedimos
muitas vezes aos senhores positivistas que façam ciência mas não façam filosofia,
porque são coisas que eles devem distinguir, separar e que não podem coadunar-se
com a posição que eles tomam.
Espaço.
Letra J.
– Que pensar sobre o problema do ateísmo contemporâneo?
Esse tema é de uma vastidão tremenda, já que o ateísmo contemporâneo
provém não propriamente de uma especulação filosófica, mas sim de certas decepções
de caráter mais moral e propriamente ético do que propriamente filosófico. Para nós, o
ateísmo em torno, por exemplo, do Deus-um, em torno dos atributos do Deus-um , não
há, só há ateísmo em torno dos atributos do Deus-trino, do deus pessoal ou os
atributos morais de Deus. Não conhecemos nenhum trabalho de nenhum ateísta que
se cinja a atacar propriamente o Deus-um. Conhecemos sim agnósticos e céticos, mas
não ateístas que tomem uma posição defintiva negadora da possibilidade de um ser
supremo. O ateísmo para nós é sempre produto de uma má colocação do problema de
Deus. Aliás, dizemos sempre: na filosofia não há questões insolúveis, há questões más
colocadas. O ateísmo moderno parece uma questão insolúvel porque é uma questão
mal colocada. Em todas as ocasiões que tivemos oportunidade de nos encontrar com
ateístas, bastou-nos pedir-lhes que fizessem descrever o que entendiam por Deus e
nessa descrição verificamos quais as razões do seu ateísmo, e foi-nos fácil afastá-los
do mesmo, pelo menos colocá-los dentro da aceitação do Deus-um – para nós, o ponto
de partida de ecumênico que se impõe na atualidade.
Abra espaço.
Letra K.
– Em que sentido a reflexão filosófica pode ter tonalidade cristã? Pode o
Cristianismo prestar benefícios ao filósofo?
Eis também outra questão que sendo bem colocada tem a sua solução firme.
Todo o ponto de partida está em saber o que se entende por tonalidade cristã. Se nós
considerarmos Cristo por um aspecto no qual podemos nos encontrar quase todos, isto
é, que ele representa o que o homem tem de mais alto na sua forma perfectiva
marchando para a divindade, o mesmo nesse sentido de reaproximação para o ser
supremo e um, nós temos que dizer que a reflexão filosófica NÃO PODE deixar de ter
uma tonalidade cristã. Não pode haver uma reflexão verdadeiramente filosófica que
não ascenda o homem do menos para o mais. Portanto, o Cristianismo não só presta
benefícios, como ao filósofo que sempre o prestou – e por isso que a filosofia teve seu
maior desenvolvimento sob a égide do Cristianismo –, como será apenas através da
concepção cristã que se poderá realizar uma filosofia superior capaz de unir e fazer os
homens compreenderem. Porque Cristo, representando em nós, no homem, tudo
quanto ele tem de mais elevado e de mais alto, sendo a sua marcha para Deus, Ele
representará a elevação do homem.
Já dizia Pitágoras que a verdadeira piedade, aliás a Eusébia, era a justa e nobre
veneração à divindade e essa consistia na prática dos nossos atos perspectivos
superiores, porque nós nos aproximávamos de Deus à proporção que nós
praticávamos, de modo mais perspectivo, os nossos atos. Em suma, a Eusébia, a
verdadeira piedade para os pitagóricos era a semelhação a Deus. Esse conceito não é
exclusivo dos pitagóricos, é universal. É da revelação universal. É de todos os ciclos
culturais. A verdadeira filosofia segue paralela à religião, porque a religião é esse
caminho de levar o homem pelas ações a Deus, e a filosofia é o caminho de levar o
homem pela meditação, pelo pensamento, pela pesquisa, pela especulação, também a
Deus. Por isso, a religião pertence à vida prática e à filosofia, sobretudo à vida
especulativa, o que não impede que a filosofia especule também sobre a vida prática e
nela atue dentro das normas da vida prática que corresponde à vontade, ao
entendimento humano na sua ação em busca do bem. Mas a filosofia é a vontade e a
especulação também em busca da verdade.
Consequentementeo, o homem, à proporção que especula pela verdade,
aproxima-se do ser supremo; o homem, à proporção que busca o seu bem justo, ele
aproxima-se de Deus. Esta é a razão por que o divórcio entre filosofia e religião que se
procurou fazer neste momento em que vivemos no mundo ocidental é o mesmo que já
se fez em outros ciclos culturais em situações que são correspondentes e semelhantes
a estas, também de certo aspecto decadentista. Mas, o que é preciso fazer é fugir
desse estado de decadência, não apenas numa atitude covarde, mas sim numa atitude
heróica enfrentando, mostrando os defeitos dessa posição e propondo os verdadeiros
caminhos de ascenção.
O cristianismo é universal olhado sob esse aspeto, porque ele pertence a todos
os ciclos culturais. Ele foi o pensamento mais profundo, o verdadeirmanteo mais
profundo de todos os ciclos culturais. Por isso ele é inseparável da religão, porque o
Cristianismo é uma religião do homem nos seus aspectos perspectivos, isto é,
enquanto vontade, enquanto entendimento e enquanto amor que corresponde a
concepção católica às três pessoas da trindade. Caminhando nesse sentido, seguindo
esse sentido, nós retiraremos o homem do pântano em que ele está, do estado de
desespero no qual ele emergiu e podemos então lançar outra vez um novo horizonte
para ele, uma nova perspectiva, uma nova esperança que ele poderá solidificar, uma
verdadeira e robusta fé.
Terminamos assim as nossas respostas ao inquérito que nos foi feito pelo Pe.
Stanislavs.

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